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- 1 - Da Academia Mato-Grossense de Letras Do Instituto Histórico de Mato Grosso Sócio-Correspondente da Academia Acreana de Letras RUBENS DE MENDONÇA HISTÓRIA DA LITERATURA MATO-GROSSENSE 2015

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Da Academia Mato-Grossense de Letras

Do Instituto Histórico de Mato Grosso

Sócio-Correspondente da Academia Acreana de Letras

RUBENS DE MENDONÇA

HISTÓRIADA LITERATURA

MATO-GROSSENSE

2015

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Walnice Vilalva

Gráfica Diário da Serra

Ramires Fernando Tormes

Walnice Vilalva, Manoel Mourival-

do Santiago de Almeida

Copyright © 2015 / Editora UNEMAT

Impresso no Brasil - 2015

Ficha Catalográfica elaborada pelaCoordenadoria de bibliotecas / UNEMAT - Cáceres

UNEMAT EDITORAAv. Tancredo Neves, 1095 - Cavalhada - Cáceres - MT - Brasil - 78200000Fone/Fax 65 221 0080 - www.unemat.br - [email protected]

Todos os Direitos Reservados. É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qual-quer meio. A violação dos direitos de autor (Lei n° 5610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Mendonça, Rubens. História da literatura mato-grossense / Rubens Mendonça. 2. ed. espe-cial. Cáceres: Ed. Unemat, 2015. 200p.

1- Literatura mato-grossense - história I - Título

ISBN: 85-89898-35-0 CDU: 82.091 (817.2)

Direção de edição

Projeto Gráfico/DiagramaçãoImpressão

Capa

Equipe de fixaçãodo texto e notas

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Aos meus amigos: João Vilasboas, Virgílio Alves Corrêa Neto, Ernesto Pereira Borges e Emanuel Ribeiro Daubian, com as homenagens do autor.

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Nota de Apresentação

Walnice Vilalva

(UNEMAT/PPGEL/FAPEMAT)

Em comemoração ao Centenário de Rubens de Mendonça, decorridos quase meio século da primeira edição da História da Literatura mato-grossense, e, dez anos da publicação da edição crítica, o grupo de pesquisa Estudo da memória e identidade, pelo Núcleo de pesquisa Wlademir Dias Pino, lança a terceira edição da História da literatura mato-grossense. Este trabalho, em parceria com a Universidade de São Paulo traz a coordenação de Walnice Vilalva e Manoel Mourivaldo de Almeida.

A História da literatura mato-grossense colocada em perspectiva por Rubens de Mendonça é um marco, um divisor de águas para os estudos literários em Mato Grosso. Nela, a história da literatura conforma uma organização de obras, propõe um sistema literário local. A região ascende como limite, como forma de percepção da identidade, da história, da literatura. Severamente crítico e divertidamente irônico, Rubens de Mendonça observa a resistência do Romantismo e o descompasso de Mato Grosso em relação às mudanças propostas pelo Modernismo. O nosso anacronismo é deflagrado não sem ironia “os sonetos ainda ao sabor do Noivado do Sepulcro”. (p. 171, 2005). Na sua proposta de organização das obras, prevalece a condição premente em mostrar o tom contrastante e conflituoso entre as gerações, conduzindo uma percepção literária sobre cada época.

O objetivo de Rubens de Mendonça, destacado em sua história, como em trabalhos do gênero, se realiza plenamente ao fazer chegar ao século XXI - portanto, garantindo o registro para gerações futuras - , o passado literário de Mato Grosso, por mais de um século.

Esta nota tenta dar visibilidade aos caminhos que os pesquisadores envolvidos com esta reedição trilharam com a preocupação sempre de fidelidade ao texto de Rubens de Mendonça. Pontuamos aqui as escolhas feitas como as correções de ordem ortográfica, concordância e eventuais erros de digitação, dentre outras.

- Os títulos de obras citadas por Rubens de Mendonça que antes

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apareciam com aspas e iniciais maiúsculas, foram padronizados com uso de itálico, mantendo as iniciais maiúsculas;

- Correções de acentuações que já não são usadas (dêste, nêste, aquêle, tôda, capitão-mór);

- Correções de eventuais erros de ortografia ou digitação (como Isác, designos, surjem)

- Correções de concordância verbal. Exemplo (...) sem antes consolar-me fitando seus olhos, procurando saber o que eles tenta esclarecer (...) / (...) sem antes consolar-me fitando seus olhos, procurando saber o que eles tentam esclarecer (...).

- Alguns nomes de autores citados por Rubens de Mendonça apareciam ora com negrito ora sem. Optamos por deixá-los sem negrito.

- Apenas um autor é citado por Rubens de Mendonça primeiro pelo sobrenome, depois o nome (Ramiro de Carvalho, Antônio Augusto). Grafamos segundo a tendência predominante na obra, primeiro o nome, depois o sobrenome (como exemplo: Amâncio Pulquério de França).

- As citações de fragmentos das obras com mais de três linhas foram deslocadas do texto (conforme normas da ABNT);

- Os termos que indicam cargos ou funções (general, capitão, coronel, bispo, governador) que estavam grafados com iniciais maiúsculas, nesta segunda edição ficaram com iniciais minúsculas;

- Os termos rua e avenida que apareciam com inicial minúscula passam a ter iniciais maiúsculas;

- A abreviação dos pronomes de tratamento foi corrigida;

- As abreviaturas como S. Paulo, S. Lourenço, foram grafadas São Paulo, São Lourenço. Outras como cel, ABI., Tip. e Prof. foram grafadas coronel, Associação Brasileira de Imprensa, tipografia e professor;

- As abreviações Inst. Hist. de S. Paulo foram grafadas por extenso;

- As citações em língua estrangeira que aparecem no texto foram destacadas em itálico;

- Mantivemos as notas de rodapé conforme a primeira edição;

- Nenhuma nota foi acrescentada nesta segunda edição;

- Verificamos que algumas aspas ora são abertas e não aparecem fechadas ora aparecem fechadas e não abertas. Decidimos suprimi-las, uma

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vez que não trazem prejuízo ao texto;

- Nomes de movimentos literários que apareciam grafados com iniciais minúsculas passaram para iniciais maiúsculas (Romantismo, Parnasianismo);

- Foi realizada uma revisão ortográfica nas citações em espanhol.

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Uma história reeditada

Manoel Mourivaldo Santiago-Almeida

(USP, CNPq, FAPESP)

Quando aceitei, em 2005, o desafio de apresentar a segunda edição desta significativa obra para a memória cultural dos mato-grossenses, medi que o peso da responsabilidade seria de dobrar os joelhos. Passados dez anos... Eis que surge a terceira edição. E os joelhos? Ainda que também já lhes pese agora meio século de vida, continuam a suportar a tarefa que, sopesada, permanece amenizada pela honra de poder participar deste momento histórico e muito importante para a literatura de Mato Grosso. Vi ainda em mim o menino dos grotões mato-grossenses que brincava com formigas e agora com letras: afinal, parecem garranchinhos ambulantes fugindo, escondendo-se da lupa do agora grisalho (embora menino) que encontrou na profissão uma maneira de esticar seu passatempo preferido.

História da literatura mato-grossense de Rubens de Mendonça é um pioneiro manual crítico e descritivo dos registros escritos datados nas terras do Mato Grosso desde o século XVIII, momento em que – conforme S. B. de Holanda (O extremo oeste. SP: Brasiliense, 1986, p. 29) – os primeiros desbravadores dos sertões do centro-oeste, os chamados brasilíndios ou, para outros, mamelucos demonstravam uma extraordinária flexibilidade, amoldável a qualquer nova circunstância, “com a con¬sistência do couro, não a do ferro e do bronze, cedendo, dobran¬do-se, amoldando-se às asperezas de um mundo rude”.

Historiador, articulista, romancista, ensaísta, poeta... Rubens de Mendonça, para mim, é um espírito em sua melhor definição etimológica: spirāre (sobrar). O sobro criativo do seu intelecto deu à luz, em seus sessenta e oito anos de vida, uma considerável produção bibliográfica: são trinta e oito livros publicados. Grande parte do fruto de seu espírito talentoso e empreendedor já se encontrava fora de circulação, achada apenas em sebo ou com alfarrabistas, quando este manual foi publicado pela Editora Rio Bonito (Goiânia, GO), em 1970. Para dar fé, basta conferir a recorrência de “esgotado” na lista de sua vasta produção.

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Até 2005, História da literatura mato-grossense vinha ampliando o rol das obras de Rubens de Mendonça sem vitrine. Agora, com a segunda edição também esgotada, já passava da hora de termos a reedição deste livro singular que trata com cuidado e zelo da vida literária do meio do centro-oeste do Brasil. Por iniciativa digna de louvor, sua filha, Adélia Maria, e colegas da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) e da Academia Mato-Grossense de Letras mudaram o rumo desse enredo, dando vento e linha ao intento de Mendonça: deixam para nós que estamos aqui e para quem ainda virá o retrato e testemunho daqueles que nos antecederam.

Sem dúvida, este mato-grossense foi e continua sendo um dos grandes das letras, da história e da cultura do Estado. Sua diversidade intelectual aflorada na interdisciplinaridade de sua produção escrita não deve ser vista com olhos atravessados, próprios de quem desconfia dos que possuem formação e produção generalista, como é o caso de Mendonça que experimentou combates em diversas linhas do conhecimento, mas todas humanistas.

O conhecimento interdisciplinar (defendo!) pode ser a chave para a desejável boa formação da gurizada ou meninada desde o início de sua vivência escolar. A segmentação do conhecimento em especialidades pode ser de grande utilidade, mas será melhor ainda quando todos percebermos que a singularidade torna-se ímpar quando bebe água no pote da pluralidade.

Com sua variada produção – de roteiro histórico a versos e romances, passando por Estórias que o povo conta, uma de suas investidas como folclorista – Mendonça nos ensina que um dos caminhos para o (re)conhecimento é não temer nem descartar o arrojo. Ele nos faz acreditar que o músico dos sete instrumentos toca, se quiser, todos com perfeição. Também podemos aprender com ele que o fato de se contentar com apenas um pássaro na mão, porque é garantia de estabilidade, sem risco, não passa de boato de quem tem sopro pusilânime. Pela evidenciada pluralidade do seu espírito e gênio acadêmico, Rubens de Mendonça não só agarrou seu passarinho preferido, a história, como também voou nas asas do jornalismo e da literatura para além dos limites dos céus de Mato Grosso.

Se, como sabemos, o homem expressa suas idéias, as idéias da comunidade a que pertence e as idéias de seu tempo através, por exemplo, da linguagem de sua produção literária – que é utilizada a todo instante de acordo com a tradição que foi transmitida de uma geração para outra – todo produtor de texto é usuário e agente modificador de seu tempo pela linguagem que utiliza. Essa, por sua vez, segue um norte de alteração, de mudança,

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contribuindo para a mesma e constante transformação do mundo que retrata, porque nele imprime marcas geradas pelas situações novas com que cada geração se depara. Então, a cultura de um povo se projeta e se escancara na produção literária de um autor em um dado momento e lugar histórico.

Mendonça dá conta dessa missão atribuída aos escritores. Mas ele tem mais que isso. Tem algo que, por ser raro, particularmente considero divino: o reconhecimento – que é irmão da gratidão. A prova pode ser lida no sítio da Biblioteca Virtual José de Mesquita: www.jmesquita.brtdata.com.br, gentilmente sugerido pelo jornalista Pedro Rocha Jucá, quando lhe pedi ajuda para dar cabo a esta tarefa, em 2005.

Trata-se de um artigo publicado no Jornal “O Estado de Mato Grosso” de 10 de Março de 1985 sobre a produção intelectual de José de Mesquita, outro personagem importante da literatura mato-grossense. Seu romance Piedade foi considerado por Mendonça como “o único romance cuiabano, verdadeiramente cuiabano”. Embora diga que não se podia exigir de Mesquita “uma técnica de romance moderna, ele tinha a grande influência de Machado de Assis”. Enquanto (e como) Machado “pintava o Rio de Janeiro do seu tempo, Mesquita pintou Cuiabá em Piedade”.

Também acredito que não seria de todo um absurdo, pelo que se pode deduzir do seu artigo, que José de Mesquita foi para Rubens de Mendonça um exemplo a ser seguido. Pela atuação de ambos nas letras de Mato Grosso, isso fica evidente. O que justifica o tom de reconhecimento no referido artigo de Mendonça.

Outra evidência da influência exercida por José de Mesquita na produção bibliográfica de Rubens de Mendonça está na própria História da literatura mato-grossense em que, abundantemente, aquele é citado por este ao longo dos cinco capítulos que compõem a obra. Por exemplo, o quinto e último capítulo – que trata cronologicamente das chamadas associações culturais que antecederam a ainda hoje ativa Academia Mato-Grossense de Letras – é construído tendo como base o argumento de autoridade de Mesquita. Citando-o como “o ilustre”, logo no início do capítulo, Mendonça justifica sua opção: “Assim sendo, penso como o ilustre publicista, devemos estudar tôda a evolução do ‘Espírito Associativo de Mato Grosso’, em órdem cronológica”. E segue se referindo a seu pai, Estevão de Mendonça: “É nas ‘Datas Mato-Grossenses” de Estevão de Mendonça, que vamos buscar os dados essenciais para o capítulo”. Isso já bastaria para reconhecer que o autor de História da literatura mato-grossense foi verdadeiramente um grande estudioso das coisas

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de Mato Grosso e que não omitiu os créditos a quem lhe serviu de fonte e reflexão. A ele devemos pagar tributo!

História da literatura mato-grossense podia ser novamente trazida a público com a mesma pele de sua primeira edição que já ocuparia o mesmo destaque que sempre teve na vida acadêmica dos brasileiros de Mato Grosso, mas a equipe que idealizou e fez a segunda e esta terceira edição teve o capricho de introduzir algumas emendas apenas formais, como correções ortográficas, modernização do sistema de acentuação gráfica (dêle > dele, êste > este, tôda > toda e órdem > ordem, por exemplo), correções de concordância verbal e de erros tipográficos em algumas palavras, como Isác (nome de Isaac Póvoas) e organização das citações, conforme normas da ABNT. Percebe-se, porém, que tais emendas não devem ser vistas como “o ponto acrescentado ao conto”. O estilo de Mendonça não foi substituído pelo dos editores.

Por fim, em História da literatura mato-grossense, Rubens de Mendonça canta para quem quiser ouvir que se não conhecermos a base da nossa formação cultural, estudando nosso passado, o futuro continuará cantando, mas desafinado! Por isso, parabéns a todos que compuseram o coro, ajudando a afinar e carregar o piano.

Obrigado e ótima leitura!

São Paulo, 26 de fevereiro de 2015.

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SUMÁRIO

Capítulo I .............................................................................................................13

Capítulo II ...........................................................................................................23

2.1 Expedições Científicas .............................................................................23

Capítulo III ..........................................................................................................33

3.1 Romantismo ..............................................................................................33

Capítulo IV ..........................................................................................................45

4.1 Prosadores .................................................................................................45

4.2 O Jornalismo .............................................................................................62

4.3 Os Troveiros do Sertão ............................................................................68

Capítulo V .........................................................................................................113

5.1 Associações Culturais Predecessoras da Academia ...........................113

5.2 O Parnasianismo ....................................................................................117

5.3 Simbolismo .............................................................................................144

5.4 Pré-Modernismo .....................................................................................152

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CAPÍTULO I

O primeiro documento escrito em língua portuguesa, nestes confins do Oeste da Pátria, foi sem dúvida a ata de 8 de abril de 1719.

De lá para os nossos dias, tivemos como primeiro livro as Crônicas do Cuiabá, de Barbosa de Sá e Joaquim da Costa Siqueira, seu continuador. Da Crônica de Barbosa de Sá, escrita em linguagem pitoresca, destacamos o seguinte trecho:

Até este tempo não houve mais justiça nestas minas que o guarda - mor Pascoal Moreira Cabral, que as administrou na forma do assinado que lhe fizeram e já fica copiado. Repartia as lavras, acomodava as contendas que por elas havia, fazia pagar dívidas, julgava as contendas e demandas que se moviam tudo verbalmente, sem que houvesse forma alguma de processo, com tanta prudência, acordo e agrado das partes, que todos ficavam obrigados, tanto vencedores como vencidos. Era paulista dos bons, homem chão, sem letras, pouco polido, de agudo entendimento, sem maldade, sincero, caritativo por extremo, servia e remediava a todos com o que tinha e no que podia, experto na milícia dos sertões e no exercício de mineirar, pelo ter já exercido nas Minas Gerais, valoroso e constante no trabalho. Faleceu nesta vila e jaz sepultado na igreja matriz dela e deixou um filho do mesmo nome, que, depois da morte do pai, veio a estas minas e voltou para o povoado.

No fim deste ano chegaram do povoado algumas canoas, divididas umas das outras, que nem sabiam naquele tempo se juntar para virem em conserva, como hoje costumam, para se valerem uns aos outros. Vieram nessas canoas notícias da chegada do general Rodrigo César de Menezes à cidade de São Paulo, dividido já o governo das Minas Gerais em separada capitania; veio carta do dito general ao guarda-mor Pascoal Moreira Cabral, com regimento para a arrecadação dos quintos de ouro, dos dízimos dos frutos e dos direitos que houveram de cobrar das fazendas e da escravatura que viessem do povoado, ordenando, para esse fim e mais regime político, que elegesse doze colaterais, com título de deputados, que assistissem em cada bairro com um escrivão e um meirinho, e todos juntos formassem com o guarda-mor um como senado para determinarem nos casos ocorrentes o que fosse para o bem comum,

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com um aranzel de várias instruções, que desnecessário e por luxo não copiei nesta relação.

José Barbosa de Sá foi advogado nos auditórios da Vila Real do Bom Jesus de Cuiabá e escreveu as Crônicas do Cuiabá até o ano de 1765, sendo seu continuador Joaquim da Costa Siqueira, que iniciou o relato em 1776 e vai até 1817.

Este escritor nasceu em São Paulo, em 1740 ou 1741, e faleceu em Cuiabá, a 4 de dezembro de 1821. Era capitão de cavalaria e escreveu Compêndio Histórico Cronológico das Notícias de Cuiabá, Repartição da Capitania de Mato Grosso. Seu estilo, como o de Barbosa de Sá, era confuso.

Eis uma página de Costa Siqueira:

No dia 17 de setembro (de 1796), pelas dez horas da manhã, chegou a esta vila o Exmo. general Caetano Pinto de Miranda Montenegro, com cuja vinda alegres os povos desta capitania se julgam remidos do cruel cativeiro em que se acham, bem assim como os de Israel do Faraó: nesta mesma manhã saiu do Coxipó, onde fora antecedente, acompanhado de um esquadrão de cavalaria auxiliar composto de vinte soldados comandados por um tenente, além do esquadrão de dragões pagos que já desde o Rio Grande o acompanhava; e vinha então comandado do tenente Antônio Francisco de Aguiar; e passando pelo regimento, auxiliar, que estava postado próximo à vila, aí se lhe fizeram as continências militares e deram as competentes descargas do costume.

Logo à entrada da vila se apeou do garboso ginete em que vinha montado, junto à casa que o senado havia mandado preparar na rua ricamente armada, em que o esperava com o seu estandarte e o pálio, que carregavam seis republicanos; metendo-se debaixo dele prosseguiu a sua entrada pelas ruas públicas, acompanhado do mesmo senado, atrás do pálio e das pessoas da nobreza adiante, praticando o corpo das ordenanças, que se achava formado na Rua da Mandioca na sua passagem, as mesmas funções e obrigações militares.

Encaminhou-se à igreja matriz, onde a toques dos sinos dela e das capelas filiais foi recebido pelo Revmo. vigário da vara, Agostinho Luiz Gulart Pereira, que paramentado com todos os mais sacerdotes o esperavam à porta da igreja. Feitas as cerimônias do estilo, subiram para a capela-mor; entoando o Revmo. vigário

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o hino Te Deum Laudamus, que prosseguiu a música, e findo se recolheu da mesma forma ao palácio que se lhe havia destinado na praça da vila, onde então se achavam postados o regimento de milícias e o corpo das ordenanças por outro lado, praticando as continências devidas.

Nesse período colonial, apareceu o poeta José Zeferino Monteiro de Mendonça. Era moda, na época, oferecer as produções aos mandões da terra. Foi assim em Portugal, e a colônia imitava Lisboa, pois até Bocage, que foi, no dizer de Júlio Dantas, “um espírito revoltado, também dedicava as suas produções aos potentados”.

José Zeferino fez a mesma coisa. No aniversário do ouvidor Dr. Diogo de Lara Ordonhês, ofereceu-lhe este soneto:

Vosso nome será sempre lembradoenquanto em Cuiabá houver viventes,passando de umas gentes a outras gentesa fama do varão o mais honrado.

No foro tendes vós perpetuadoinstruções sábias, justas e prudentes;e nos pleitos deixais todos contentes,pois sabem que só a bem sois inclinado.

Os que da letra têm conhecimentosem faltar à verdade bem dirãoque deixais aos vindouros documentos;

Os mais todos, senhor, confessarãoque a justiça encontrou em vós assento,e as ciências acharam o seu Platão.

O soneto é fraco. No primeiro terceto, o poeta rima conhecimento com documentos.

Nesse mesmo período, aparece Felipe José Nogueira Coelho, provedor da Fazenda Real e Intendência do Ouro, com as suas não menos enfadonhas Memórias Cronológicas da Capitania de Mato Grosso, também em estilo gongórico.

É de sua autoria a página que segue:

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No dia 15 de novembro (1726), chegou a este arraial o Exmo. governador capitão-general Rodrigo César de Menezes, para erigir em vila e regular a arrecadação da fazenda real. E para fazer ver quanto a mesma era primeiros objetos do governo, e que o exemplo dos superiores formava o preceito mais forte para a execução das leis, mandou logo pagar as entradas de vinte e oito escravos que lhe serviram para sua condução. Acompanhou ao mesmo governador o Dr. Antônio Álvares Lanhas Peixoto, ouvidor de Paranaguá, por ordem de sua majestade, a fim de o ajudar no que fosse necessário. Por carta de 22 de novembro do mesmo ano o nomeou S. Exa. provedor dos ausentes e superintendente. Por provisão de 15 de fevereiro de 1728, registrada no livro 2º da ouvidoria, mandou sua majestade revalidar todos os processos e sentenças pela falta de jurisdição, por não poder haver dois ouvidores na mesma capitania sem nova criação.

No dia 1º de janeiro de 1727, celebrou-se o ato da criação da vila com o nome – Vila Real do Bom Jesus do Cuiabá – em pouca distância do rio Cuiabá, que lhe dá o nome mais breve e o mais vulgar, e em cuja margem teria assento mais regular e mais alegre si mens non levis fuisset. Aos fundadores do arraial lhes pareceu que só seguravam a posse dos morros, que julgavam cheios de ouro, com a sua diária assistência; sendo que o pedum positio, de que aos juristas derivam a posse, não pede tão rigorosa inteligência para a conservação. Fica esta vila na altura de 14º e 10’ de longitude, e quase em paralelo com as cidades da Bahia e de Lima, distando de ambas pouco menos de setecentas e cinqüenta léguas, e de Vila Bela cem. O seu clima é bastantemente cálido, mas de presente salutífero. Tomou por armas um morro com uma árvore cheia de folhetas de ouro, e por timbre uma fênix. Como os cuiabanos, inconciliáveis sabinos de Vila Bela, ainda suspiram pela residência do governo que faça capital a sua vila, talvez significaram na fênix que lhe renasça aquela felicidade, que só possuíram por alguns meses no ano de 1751, quando a julgaram perpétua. Mais confiança devem pôr nos tempos, pois enchendo-se de povoações a capitania, poderá o rio Paraguai ser o marco da divisão.

Como se depreende do texto desta crônica, Nogueira Coelho não gostava dos cuiabanos.

O padre João A. Cabral Camelo escreveu Notícias Práticas das Minas

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do Cuiabá.

Diz o padre no seu trabalho:

Quando chegou a notícia ao Cuiabá do destroço que o gentio paiaguá fizera na minha tropa, matando o ouvidor Antônio Lanhas Peixoto, como direi a seu tempo, sentidos destas desgraças os cuiabanos, se animaram todos eles a vingar no mesmo sítio as mortes de seus amigos; armaram-se para isso muitas e boas canoas, e com eles vieram buscar o paiaguá no mesmo lugar da derrota; e, não o achando nele, passaram abaixo dois ou três dias de viagem em seu alcance: uma tarde que se achavam já arranchados em um barranco do rio, os acometeu de repente o paiaguá: receberam-no os cuiabanos com a salva de dois pedreiros pequenos, que tinha levado àquelas minas o Sr. Rodrigo César; tiveram tão bom efeito, que sobre lhe lançar a pique duas canoas, o obrigaram também a retirar-se: mas desafiando (como costumam) aos nossos para o meio do rio: retirando o paiaguá, e dividida em partes a armada, veio buscar a uma delas um dos mais poderosos caciques dos guaicurus, oferecendo-lhe pazes, e protestando querer a amizade dos cuiabanos, para o que lhe prometia ajudá-los contra os paiaguás, e quando não bastasse o seu poder, traria o de cinco ou seis régulos seus parentes, com oito ou dez mil cavalos cada um.

Respondeu-se-lhe que o cabo da armada, que, era um nobre paulista por nome Antônio de Almeida Lara, se achava mais acima com outra tropa; quis buscá-lo o cacique, e em fé de amigos se embarcou com os cuiabanos nas suas mesmas canoas, levando consigo a sua mãe, um irmão, e alguns parentes seus; mas foram os nossos tão bárbaros e infiéis, que o mesmo foi apartarem-se da terra que porém numa corrente o cacique, e manietarem os mais: assim presos, os apresentaram ao cabo; estranhou ele esta ação, e mandando-os soltar os tratou com liberdade e agrado: neste mesmo tempo que chegou preso o cacique, se achavam outros nas nossas rancharias, vendendo vacas, carneiros e alguns cavalos, entre os quais estava um, que disse o cacique fora seu, e que era o melhor de todos eles; e montando nele com licença do cabo, deu duas voltas, e na terceira, valendo-se da ligeireza do bruto, se ausentou com os seus, sentindo que o cabo não castigasse (como devia) a traição que tinha usado com ele, se é que não receou também o cativarem-no: ficaram, porém, entre os nossos a mãe, irmão e alguns parentes, e os levaram consigo para o Cuiabá.

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Assim era a nossa literatura no período inicial, cujo último vulto a aparecer foi o padre José Manoel de Siqueira, este já nascido em Cuiabá, em 1750, e falecido na mesma cidade, a 12 de dezembro de 1825. Foi professor de Filosofia da capitania, sócio-correspondente da Academia Real de Ciências de Lisboa e autor de Memória sobre a Decadência das Três Capitanias Mineiras e sobre o Descobrimento das Minas dos Martírios.

Depois de haver encerrado este capítulo, fomos encontrar na História da Literatura Brasileira, de autoria de Artur Mota, edição da Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1930, este interessante estudo sobre um vulto completamente desconhecido, na literatura mato-grossense: – Manoel Cardoso de Abreu que, segundo Artur Mota, nasceu em Araritaguaba (a vila das monções para Mato Grosso), em 1750, a julgar pelo registro mortuário da Sé de São Paulo, que o dá como falecido a 14 de julho de 1804, com 54 anos de idade. Era filho do português Domingos da Rocha de Abreu e da paulista Francisca Cardoso Siqueira.

BIBLIOGRAFIA

1 - Divertimento admirável para os historiadores curiosos para observarem as máquinas do mundo, reconhecida nos sertões da navegação das minas de Cuiabá e Mato Grosso, extraído pela curiosidade incansável de um sertanista paulistense, que os calculou sucessivos uns poucos de anos.

Graças a Eduardo Prado, que ofereceu o manuscrito ao Instituto Histórico de São Paulo, este, por seu turno, publicou-o no tomo VI, página 253 da sua revista. A Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro reproduziu-o mutilado, no tomo 77, página 125 da sua importante revista, sem mencionar-lhe a procedência.

2 - Continuação das Memórias de frei Gaspar da Madre de Deus. Foi publicada na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro tomo 24, página 539. Há longos trechos plagiados e outros originais.

3 - Memórias Históricas da Capitania de São Paulo e todos os seus memoráveis sucessos, desde o ano de 1531 até o presente de 1796. É um manuscrito pertencente ao arquivo do Estado de São Paulo. Afonso de Taunay verificou tratar-se de um plágio indecoroso, quase integral, das Memórias de frei Gaspar da Madre de Deus.

Notícia Biográfica e Subsídio para o Estudo Crítico.

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É figura apagada na história pátria, mesmo na paulista. Eduardo Prado e Afonso de Taunay exumaram-no do túmulo do esquecimento. O primeiro, descobrindo o manuscrito de sua obra principal e oferecendo ao Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. O segundo estudou o homem e a obra, e patenteou a ignomínia de seu ato de plagiador, tentando apoderar-se da obra de frei Gaspar da Madre de Deus.

A sua obra não me despertou o mínimo interesse e pouco revela aos historiadores.

Eduardo Prado encontrou em Lisboa o manuscrito do Divertimento Admirável, mandou copiá-lo e ofertou ao Instituto Histórico de São Paulo.

Eram escassas as suas habilitações, segundo ele próprio confessa. Limitavam-se ao estudo de retórica e do idioma vernáculo, porque não freqüentou escolas nem na freguesia de Araritaguaba, onde nasceu, nem em Mato Grosso, em cujos sertões viajara, porque não as havia. Inculcava-se como autodidata.

Alfredo de Toledo comprovou o plágio da Continuação das Memórias, como a reprodução das 44 últimas páginas da História da Capitania de São Paulo, supondo tratar-se realmente de obra de Manoel Cardoso de Abreu e atribuindo o furto a um anônimo. Mas Afonso de Taunay fez luz sobre o caso.

Cardoso de Abreu esteve em Mato Grosso, até que decaiu o serviço de mineração em Cuiabá. Passou, então, a comprar tropas em campos de Curitiba e a vendê-las em Sorocaba.

Em 1773 foi nomeado por D. Luís Antônio de Souza para cargo de guarda-mor das jazidas de minérios da vila de Nossa Senhora dos Prazeres de Itapetininga. Três anos depois, Marim Lopes Lobo de Saldanha – sucessor de Luís Antônio – nomeou-o chefe da expedição de socorro a paulistas foragidos em Mato Grosso e perseguidos por espanhóis do Paraguai. Foi bem-sucedido na empresa, o que lhe valeu ser designado como feitor comissário do provimento das tropas que seguiam para defender o Rio Grande do Sul ameaçado por espanhóis, então em guerra contra Portugal.

Desempenhada essa Comissão que terminou com o armistício após a morte de D. José I, continuou a negociar com rebanhos de gados e tropas de muares.

Em 1779, foi requerida a sua prisão como contrabandista de diamantes. Depois de condenado, obteve a revisão do seu processo, no Rio de Janeiro, conseguindo o acórdão reparador, declarando-o inocente, e podendo haver

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do seu delator uma indenização por perdas e danos.

Regressando a São Paulo, obteve um lugar de enfermeiro no hospital militar, sendo depois nomeado escriturário da Secretaria do Governo de São Paulo e promovido a oficial maior em 1792, cargo que ocupou até morrer.

Desejoso de cair nas graças do ministro Luís Pinto de Souza Coutinho, que ele conhecera como capitão-general em Mato Grosso, arquitetou o plano de copiar o manuscrito de Gaspar da Madre de Deus e ofertá-lo ao potentado como obra da própria lavra. Pôs mãos à empresa vergonhosa, mutilando trechos importantes desta, com o intuito de reduzir-lhe as proporções.

Afonso de Taunay1 apura todas as particularidades do plágio, descobrindo que também Pedro Taques fora vítima do imprudente copista.

Consumado o delito, deu o título à cópia e redigiu a lisonjeira dedicatória a Luís Pinto de Souza Coutinho.

Mas frustrou-se o seu plano, com a publicação da obra de frei Gaspar, em 1797, por iniciativa da Academia Real de Ciências de Lisboa.

Sobreviveu ainda o plagiário, durante sete anos, à vergonha do seu ato, falecendo em 1804, vítima de uma congestão cerebral.

No mesmo ano, morreu o ministro homenageado – visconde de Balsemão – e a prova de seu crime foi parar na biblioteca do barão do Rosário, até que veio ter ao Arquivo Público de São Paulo, quando o Dr. Altino Arantes resolveu comprar alguns documentos que faziam parte do espólio do eminente brasileiro.

O plágio escapou à argúcia de Azevedo Marques, iludiu a Alfredo de Toledo, mas feriu a retina perspicaz e penetrante de Capistrano de Abreu, que o comunicou a Afonso de Taunay.

Refere-se o historiador de São Paulo à injustiça involuntária de Candido Mendes para com frei Gaspar, a propósito da Continuação das Memórias; e ao juízo de Sílvio Romero, considerando apócrifa a mesma obra. Terminando o seu estudo, cita outros casos de plágio: de um anônimo que copiara a obra de Gabriel Soares e dedicou-a a Alexandre de Gusmão, quando ministro de D. João V.; de A. de Beauchamp, plagiário de Southey; e do general José Inácio de Abreu Lima que copiou Beauchamp.

É de bastante interesse o estudo de Taunay, desvendando o mistério e esclarecendo casos similares aos de Cardoso de Abreu.

Para nossa felicidade, embora Artur Mota o registre na sua História 1 Afonso de Taunay. Escritores Coloniais. p. 219.

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da Literatura Brasileira, como o único escritor mato-grossense, ele próprio afirma que Manoel Cardoso de Abreu nasceu na Vila Araritaguaba (vila das monções para Mato Grosso).

O plagiário não era mato-grossense; mas, sim, paulista.

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CAPÍTULO II

EXPEDIÇÕES CIENTÍFICAS

Em 1782, veio para Mato Grosso Francisco José La Cerda e Almeida. Prestou à capitania relevantes serviços de levantamentos e demarcações. Chefiava a Comissão Mista de Técnicos, Geógrafos e Astrônomos. Este paulista escreveu um livro Diário de Viagem, pelas Capitanias do Pará, Rio Negro, Mato Grosso, Cuiabá e São Paulo, nos Anos de 1780 a 1790. Eram seus companheiros Ricardo Franco de Almeida Serra e o Dr. Antônio Pires da Silva Pontes.

Ricardo Franco se radicou em Mato Grosso e Silva Pontes, a quem Sacramento Blake dá o nome de Antônio Pires da Silva Pontes Leme, regressou ao Rio de Janeiro, onde faleceu em 1805. Sobre Mato Grosso, Silva Pontes escreveu os seguintes trabalhos: Diário, Diligência e Reconhecimento das Cabeceiras dos Rios Sararé, Guaporé, Tapajós e Jauru; Memórias Físico-Geográficas das Lagoas Gaíva, Uberava e Mandiorem; Diário da Viagem – Rio Guaporé e Notícias do Lago Xaraés.

Ricardo Franco foi o maior conhecedor das coisas de Mato Grosso no período colonial. Nasceu em Portugal em 1748, e faleceu no forte de Coimbra, a 21 de janeiro de 1801. Coronel do Real Corpo de Engenharia. Fez importantes explorações geográficas. Foi o melhor auxiliar do capitão-general Luís Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, no governo da capitania. Comandou a Fronteira do Baixo Paraguai e foi governador interino da capitania. Escreveu: Extrato da Descrição da Capitania de Mato Grosso; Reflexões sobre a Capitania de Mato Grosso; Navegação do Tapajós para o Pará; Diligência ao Rio Paraguai.

Seu estilo não diferia do da época: era pesado e desgracioso:

Em 11 de agosto, entramos pela barra do rio São Lourenço, que entra no Paraguai pela margem de leste, navegamos por ele com muitas voltas e ilhas no rumo geral de sudoeste 26 léguas, chegamos à confluência que nele faz o rio Cuiabá na latitude de 17º 20’, deixando dito rio São Lourenço ou Porrudos ao lado direito entramos no rio Cuiabá, pelo qual no rumo geral do norte

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navegamos 10 léguas até a tapera da Aldeia Velha ou Bananal, lugar ordinariamente vêm sair as canoas do povoado no tempo das águas, cortando desde o Taquari estas amplíssimas campinas.

Do Bananal com 19 léguas de navegação a N. N. E. chegamos à boca inferior do furo Piraim que está na latitude de 16º 19’. Este furo faz com o rio Cuiabá uma ilha de 12 léguas de extensão sobre o rumo de leste e uma légua de largo: até este lugar chega à alagação geral do Paraguai que dá fundo bastante para esta navegação como fica dito.

Finda a ilha do Piraim, navegamos no rumo geral de norte com muitas grandes voltas a todos os rumos 42 léguas contadas desde a boca inferior do Piraim até a vila de Cuiabá a que chegamos no dia 1º de setembro.

A vila de Cuiabá está na latitude 15º 36’, e na longitude 321º 35’ sobre a margem oriental do rio deste nome, e nela nos demoramos até o dia 28.

Em 29 de setembro saímos da Vila de Cuiabá, e passado o rio para a parte do poente marchamos cinco léguas e meia até o arraial dos Cocais, de onde, deixando a estrada de Mato Grosso, seguimos a de São Pedro del-Rei, que fica 13 léguas a sul.

Este arraial de São Pedro del-Rei, fundado por V. Exa. em 1780, erigindo-se em nova freguesia e julgado estar na latitude de 16º 2’ 15”. A sua população é numerosa e do mesmo terreno em que está situado se extrai muito ouro.

Em 11 de outubro saímos de São Pedro del-Rei, vindo com nove léguas de caminho à Fazenda de João Coutinho na estrada geral de Cuiabá. Enfim, daqui sempre a poente, com 18 léguas de marcha chegamos à Vila Maria.

Como se vê, o estilo é desgracioso e deselegante, se bem que a informação é precisa.

Depois de Ricardo Franco, aparece Luís d´Alincourt, também português, nascido em Oeiras, à margem do Tejo, a 17 de fevereiro de 1776. Também militar do Corpo Real de Engenheiros e autor dos trabalhos: Memória sobre Viagem do Porto de Santos à Cidade de Cuiabá (1825); Notícias sobre a Parte Meridional da Província de Mato Grosso; Plantas e Levantamentos (Fortes Bourbon e Coimbra).

Seu estilo já é melhor:

Rio Cuiabá – o aurífero, sadio e alegre Cuiabá tem a sua origem na Serra Azul, rumo dos Parecis, no departamento da Vila de Diamantino, 25 léguas a E.N.E. da mesma, e no paralelo de 12º, 30’, com pouca diferença. O seu curso total anda em 110 léguas, das quais 70 são contadas desde a sua barra no São Lourenço até o

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porto geral da cidade, a que deu o nome: segue em rumo geral ao S.S.O., apresentando estirões espaçosos, ora aos rumos do quadrante do S.O., ora aos do S.E., sendo maior o número dos que seguem naquele quadrante; mas entrando pelos terrenos baixos, é então o seu curso bastantemente tortuoso; sua velocidade é grande no tempo em que está cheio, pela extensão de quase 60 léguas, da sua origem, por isso corre por entre margens, barrancos, e é branda na estação da seca, exceto nas cachoeiras e correntezas; e a mesma velocidade é menor depois que o rio entra nos terrenos baixos, para os pantanais. Tem vãos em algumas partes, desde um salto que forma, 15 dias de viagem para cima do porto geral até as cabeceiras.

O álveo deste rio é, em muitas paragens, forrado de grandes bancos de pedra arenosa, com veeiros de cristal de rocha, noutras coberto de bancos de areais, cascalhos e lodo em partes; mas seguindo pelos pantanais, é geralmente lodoso e areento. As suas margens, cobertas de arvoredo, são cultivadas para cima do porto geral até referido salto, coisa de 25 léguas, e para baixo até ao sítio chamado do Lourencinho, distante do mesmo porto 14 léguas, e é o último morador, descendo o Cuiabá, desde o qual até ao salto encontram-se casas e sítios com freqüência, mais ou menos distantes uns dos outros, e que muito formoseiam as margens do Lourencinho para baixo; entre o Cuiabá e o São Lourenço, vão-se estabelecendo algumas fazendas de gado vacum e cavalar.

No tempo da seca, mostra este rio lindas e compridas praias de grandes melancias e plantações de fumo, o que sucede para baixo do porto geral; torna-se então muito divertida a viagem, até porque nesta época concorre muita gente à pesca de pequira (pequeno peixe, que sobe em cardume) para a fatura do azeite; estende-se este povo pelas praias do rio abaixo, que enfeita com repetidos fogos, com que faz ferver as caldeiras, para extrair o azeite: quem é inclinado à caça, recreia-se em atirar às pombas torcazes e outras aves que em bandos passeiam nas praias, principalmente de manhã cedo.

Alexandre Rodrigues Ferreira, que Sacramento Blake chamou de “o Humboldt brasileiro”, designação a meu ver idiota, nasceu na Bahia, a 27 de abril de 1756, e faleceu em Lisboa, a 23 de abril de 1815. Naturalista, percorreu o Brasil e escreveu: Relação Circunstanciada do Rio Madeira e seu Território, desde a sua Foz até a sua Primeira Cachoeira Chamada de Santo Antônio, Feita nos Anos de 1787 a 1789; Suplemento ao Diário do Rio Madeira; Suplemento à Memória dos Rios de Mato Grosso; Enfermidades Endêmicas da Capitania

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de Mato Grosso; Memória sobre as Febres da Capitania de Mato Grosso; Catálogo da Verdadeira Posição dos Lugares Abaixo Declarados Pertencentes às Capitanias do Pará e do Mato Grosso.

Hercules Florence, da expedição Langsdorft, escreveu interessante trabalho Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas, de 1825 a 1829, que o Visconde de Taunay traduziu para o português. Hercules Florence era o segundo desenhista da Expedição. Nasceu na França e veio para o Brasil, na citada expedição. Assim ele descreve Cuiabá de 1827:

A cidade de Cuiabá é cercada de colinas que, com exceção da parte ocidental, limitam-lhe o horizonte. O plano em que assenta é inclinado até a base dos outeiros do lado meridional, onde corre um riacho chamado Prainha que, em direção quase reta, vai para O. e, separando a cidade de um de seus arrabaldes, atravessa uma planície de quarto de légua, com curso paralelo ao caminho do porto, até cair no rio Cuiabá. No tempo seco fica todo cortado e chega a desaparecer.

As ruas que de E. vão para O. têm pequeno declive de subida e descida, mas as que lhe são perpendiculares, de S. a N., têm mais sensível, bem que em geral suave. Ao sair da cidade para o lado N., eleva-se o terreno ainda por espaço de 300 a 400 passos, formando um campo chamado da Boa Morte, por aí existir uma igreja desse nome.

A cidade pode ter meio quarto de légua de poente a nascente, e dois terços dessa distância de N. a S. Não há senão 18 ou 20 casas de sobrado, esses mesmo pequenos: todas as mais são térreas. Cada casa tem nos fundos um jardim plantado de laranjeiras, limoeiros, goiabeiras, cajueiros e tamarineiros, árvore cuja folhagem densa e escura forma no meio das outras agradável contraste, concorrendo todas elas para darem à povoação aspecto risonho e pitoresco.

Rebocam-se por fora as habitações com tabatinga que lhes dá extrema alvura: entretanto, muitas há, principalmente nos arredores, que conservam a cor sombria da taipa de que são feitas, bem como todos os muros e cercados.

Não há uma só casa que tenha chaminé: a cozinha faz-se no jardim debaixo de um telheiro.

O edifício em que estão o presidente e a intendência chama-se palácio: é térreo; as janelas, únicas na cidade, têm caixilhos com vidros.

Há uma cadeia, em cujo sobrado trabalha a câmara municipal; um quartel para a tropa, uma casa da moeda e quatro igrejas: a de Bom Jesus, que é a catedral, sem nada exteriormente

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que a recomende, a de Nossa Senhora do Bom Despacho, a de Nosso Senhor dos Passos, e a da Boa Morte, além de uma capela consagrada a Nossa Senhora do Rosário.

Outra capela fica no hospital da Misericórdia, edifício não concluído, onde mora o bispo. Para os morféticos há uma casa, situada a meia légua S. da cidade. A meio quarto E., vê-se perto do porto uma grande construção que havia sido começada para quartel. Por enquanto não é senão um corpo de guarda.

Na casa da moeda, bate-se somente o cobre que é mandado do Rio de Janeiro e ao qual se dá valor duplo do que tem no resto do Império. Há também uma fundição para pôr em barras o ouro.

O único passeio que tem a cidade é o caminho de meio quarto de légua de extensão, que vai ter ao porto. Aí só se vêem 15 ou 20 casas, algumas canoas, guanás, caburés, negros e mulatos.

Quando chove, as crianças entretêm-se em procurar ouro no meio das ruas, porque nos regos d’água, que se formam, descobrem sempre algumas palhetas. Por toda a parte anda-se aqui por cima dele; nas ruas, nas casas que são ladrilhadas, nos jardins, não há polegada de terra que deixa de o conter. O pescador na sua choupana pisa o precioso metal; metade de um dia, porém, de trabalho em buscar arrancá-lo do solo lhe traz menos vantagem que a pesca de um único pacu. É contudo o objeto de extração que os habitantes conseguem.

Os diamantes se acham no Quilombo, distante 14 léguas, e daí a 30, no distrito Diamantino. Esses dois artigos, ouro e diamante, constituem a riqueza da província; nada mais se exporta a não ser diminuta porção de açúcar e de tecido de algodão, com destino ao Pará.

A prosa de Hercules Florence é interessante e difere muito dos escritores já citados.

O Visconde de Beaurepaire Rohan, que também faz parte deste ciclo, escreveu os Anais de Mato Grosso (Vila Bela) e um Dicionário de Vocábulos Brasileiros. Dessa obra vamos registrar alguns verbetes referentes a Mato Grosso:

Curixa – s. f. (Mato Grosso) nome que dão aos sangradouros por onde correm, a despejarem-se nos rios, as águas que se acumulam nos campos, ou procedem de lagoas que transbordam. Corresponde

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ao português desaguadeiro, sangradouro, vala para desaguar campos, etc., com a diferença, porém, que estes termos envolvem a idéia de um expediente artificial, entretanto que a curixa é obra da natureza.

OITAVA – s. f. (Mato Grosso) quantia de dinheiro igual a 1$200. No tempo em que a indústria capital daquela província consistia na extração do ouro, todas as transações, na falta absoluta de moeda cunhada, se faziam por meio de ouro em pó, regulando a 1$200 o preço de cada oitava (3g.,586). Hoje elas se fazem por meio de papel-moeda, mas nem assim se perdeu o uso de tomar por unidade a oitava, e dividi-la em frações: Meia oitava – 600 rs.; Um quarto – 300 rs. Ao quarto também chamavam pataca – aberta, distinguindo-se da fechada – 320 rs.; o cruzado – 720 rs.; um vintém – 40 rs. A todo esse sistema pecuniário dão o nome de conta do ouro.

Bartolomé Bossi, viajante italiano que escreveu em espanhol o livro: Viage Pintoresco, em 1863, assim descreve a nossa cidade:

Desde la barranca del río el terreno va siempre elevándose y formando una serie de alturas, quebradas y descenso. – Sobre este terreno tan accidentado e irregular, está edificado Cuyabá. – La calle Bella, espaciosa y recta, es la que sirve de entrada desde el Arsenal de guerra donde puede decirse que empieza la ciudad; es la única que tiene estas condiciones, pero está todavía poco poblada casi todas las casas ocupan mucho terreno con sus quintas – La calle Bella por la elegancia de los edificios que se levantan, por su extensión y por ser dirección, será pronto la más poblada y la más comercial. – Las demás calles de la ciudad son más o menos estrechas, la mayor parte sumamente tortuosa e irregular. – Cuyabá es un verdadero laberinto; y será muy difícil corregirla por la naturaleza de terreno montuoso, razón por la que es de suponerse que la población se extienda hacía al río, lo que seria una fortuna para esa importante ciudad – Las calles están todas muy bien empedradas; se sirven de la piedra de cuarzo aurifero y de cristal.

O livro de Bossi não é uma grande obra, mas é bem informativo.

Agora passaremos a outro viajante ilustre. Francisco Castelnou, naturalista francês de quem o Visconde de Taunay fez a seguinte observação: “Liga-se a Castelnou a merecida fama de leviano e pouco escrupuloso nas suas informações, algumas das quais, sobretudo na glótica dos aborígines não

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merecem confiança”. A sua obra, Expedição a Regiões Centrais da América do Sul, foi traduzida por Olivério M. de Oliveira Pinto, editada em 1949 pela Companhia Editora Nacional – Coleção Brasiliana.

Eis a discrição que faz Castelnou da cidade de Cuiabá:

Chegamos a Cuiabá, fomos conduzidos ao palácio do Governo, onde o presidente, coronel Gomes Jardim, nos recebeu com toda a amabilidade; passamos com ele todo o resto do dia. A residência desse funcionário fica num grande largo, mas o edifício é exíguo e compõe-se apenas de um pavimento térreo. A sala de visitas é pequena, bem mobiliada, vendo-se nela um bom retrato do imperador; só é grande a sala de jantar. À tardinha, levaram-nos para a casa da Câmara, que fora aparelhada para nos receber.

No passeio que fizemos pela manhã do dia seguinte, tivemos a prova de que a cidade de Cuiabá é muito maior e, sob os pontos de vista, muito mais adiantada em civilização do que Goiás. As ruas são retas, largas, bem calçadas e providas de lampiões. As casas têm aparência européia, coisa que muito admira; na sua maioria, possuem um, ou mesmo, dois andares; são caiadas de branco, trazendo-se cal do rio Paraguai; várias possuem nas janelas balcões de ferro.

A casa em que estávamos era espaçosa e bem mobiliada. A esta primeira atenção, que muito nos cativou, o presidente acrescentou ainda a de nos fazer sentar à sua mesa durante todo o tempo em que estivéssemos em Cuiabá.

A cidade está construída no vale do rio que lhe deu o nome, por entre vários morros, cuja terra foi durante muito tempo revolvida pelos mineradores de ouro. A formação se compõe de xistos argilosos cinzentos, dos já encontrados por nós dias anteriores; são sempre inclinados sobre o horizonte e recobertos, mormente nas partes menos elevadas, de uma camada ondulada de canga, misturada a blocos de quartzo branco, pedra usada na pavimentação da cidade. A terra vegetal é vermelha, cor que ela deverá provavelmente aos detritos da canga; contém certa quantidade de ouro motivo pelo qual os negros e as crianças vivem sempre a lavá-la, especialmente por ocasião das grandes chuvas. O metal precioso é também encontrado com abundância nas cangas.

Acredita-se que na própria cidade, nos lugares em que se acham construídos o quartel e a catedral, existe um filão aurífero de grande riqueza.

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O terreno sobre o qual assenta Cuiabá foi por nós estudado no curso de um córrego que atravessa a cidade de norte a sul, passando debaixo de três ou quatro pequenas pontes de madeira.

Fundada em 1716, a vila de Cuiabá, erigida mais tarde à categoria de cidade, tornou-se em 1820 a capital da província de Mato Grosso. Sua população é de seis a sete mil habitantes, enquanto a paróquia possui ao todo dez a doze mil, aí compreendidos os da freguesia do porto de Cuiabá. Só o porto possui umas seiscentas almas, mais ou menos; mas o número total das da freguesia de que ela faz parte sobe a cerca de dois mil.

Depois do palácio da presidência, de que já falamos, e em cuja contigüidade fica o edifício do tesouro, outras construções dignas de nota não existem, sem falar nas igrejas, senão: um hospital militar, aliás bastante grande para o lugar, construído pelo general João Carlos; o arsenal de guerra, vasto edifício de forma quadrangular, construído de pedra e tendo no centro um espaçoso pátio. Neste último prédio são guardadas as armas enviadas a Cuiabá pelo governo central, para a defesa das fronteiras. A guarnição da cidade compõe-se de: 1º) duas companhias de soldados de infantaria, uma de caçadores e outra de artilheiros, com um quadro de duzentos homens cada uma, mas com um efetivo que não excede à metade; 2º) de um corpo de cavalaria, somando setenta homens; 3º) uma guarda policial de quarenta soldados de infantaria.

Entre as casas particulares existentes na cidade, destacam-se algumas mais bonitas, estando neste número a do bispo.

Das cinco igrejas da cidade, merece menção particular a catedral, que embora menos suntuosa que a de Goiás, é bastante grande e construída de pedra, além de possuir belos sinos de bronze. As outras quatro, sem nenhum interesse, são conhecidas pelos nomes de Bom Despacho, Boa Morte, Rosário e Nosso Senhor dos Passos. O bispado de Cuiabá foi criado em 1826; compõe-se de cinco divisões eclesiásticas, a saber: Cuiabá, Mato Grosso, Diamantino, Albuquerque e São Pedro del-Rei.

Depois de Castelnou, vem Joaquim Ferreira Moutinho, que não se pode classificar como expedição científica, porque Moutinho foi comerciante estabelecido em Cuiabá, onde se casou por duas vezes. Era português, nascido na cidade do Porto, a 25 de julho de 1833. Veio para Cuiabá em 1850, e aqui viveu durante 18 anos. De regresso à pátria, escreveu um livro Notícias sobre a Província de Mato Grosso, edição de 1869. O livro é mal-escrito, mas muito

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informativo. Ele próprio, dirigindo-se ao leitor, diz:

Não temos a pretensão de chamar sobre nós atenção dos homens de letras, em ombrear com esses viajantes célebres que tanta nomeada alcançaram com as notícias sobre a América do Sul.

Dizendo adeus ao Brasil, cujo interior tantas viagens temos feito, é nosso intuito somente dar, ainda que em traços ligeiros, uma notícia sobre a Província de Mato Grosso, onde vivemos pelo espaço de 18 anos, e sobre o seu sertão que por vezes atravessamos.

Os sucessos de 1856, que por algum tempo abriram a navegação ao Alto Paraguai, fizeram que a estrada do sertão fosse deixada pelos negociantes e tropeiros, que buscavam na comodidade da viagem fluvial os recursos que não podiam encontrar na de terra; mas a guerra de 1864 de novo franqueou o caminho de tropas ao comércio da província.

Não é, portanto, sem alguma utilidade a publicação deste livro, que fornece dessa viagem, para muitos desconhecida, esclarecimentos que têm pelo menos o mérito de verdadeiros.

Agora que deixamos essas regiões, procuramos nosso pátrio lar e a companhia de nossos irmãos que deixamos desde 1840, tivemos ocasião de reunir apontamentos, os quais muito desejávamos que fossem úteis a aqueles que quiserem ter conhecimento dos usos, costumes, comércio e agricultura desse país, e da viagem pelo interior do sertão.

Se conseguirmos o fim a que nos propusemos, temos fé de que se dissiparam os terrores, que sobre essa viagem têm incutido no ânimo de muitos falsas notícias, desfiguradas com a narração de casos medonhos, capazes de desanimar os mais intrépidos.

Não sendo, pois, o interesse nem a ambição de glória os motores que nos resolveram a dar à luz este livro, mas o desejo de ser útil ao país a que devemos tanta gratidão, e de facilitar aos viajantes um meio de conhecer tão vastas quão ricas regiões, – ficamos certos de que, atenta a fragilidade de nossas forças, merecemos a indulgência dos homens sensatos, embora nos morda a crítica dos zoilos.

“Dat veniam scriptis, quorum non nobis

Causa, sed utilitas officium que fuit.”

E então o escritor entra a descrever Cuiabá.

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Karl Von Den Steinen – ilustre cientista alemão que, em 1884, fez a exploração do rio Xingu. Escreveu uma importante obra sobre Mato Grosso: Durch Central Brasilen. O livro de Von Den Steinen foi publicado em língua portuguesa, pela primeira vez, em 1922, pela Companhia Melhoramentos de São Paulo, no livro de Hebert H. Smith – Do Rio de Janeiro a Cuiabá, com prefácio do historiador Capistrano de Abreu. Aliás, Capistrano somente traduziu um capítulo.

Com este registro encerramos o presente capítulo. Dos vários escritores citados, notamos apenas a presença de um único poeta – José Zeferino Monteiro de Mendonça.

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CAPÍTULO III

ROMANTISMO

O classicismo na literatura brasileira foi de 1550 a 1830, quando apareceu o Romantismo, que vai de 1870 a 1890. À época do início do Romantismo, Cuiabá, que era então todo Mato Grosso, contava 111 anos de existência.

O vulto mais importante da literatura mato-grossense foi o historiógrafo Augusto João Manoel Leverger, o Barão de Melgaço, francês, nascido em Saint Malô, a 30 de janeiro de 1802, e falecido em Cuiabá, a 14 de janeiro de 1880. Era almirante. Escreveu os seguintes trabalhos: Apontamentos Cronológicos da Província de Mato Grosso; Dicionário Geográfico da Província de Mato Grosso; Memórias sobre o Rio Paraguai desde Nova Coimbra; Diário e Roteiro de Viagem Feita desde Assunção até a Baía Negra; Roteiro de Navegação do Rio Paraguai; Notícia sobre a Província de Mato Grosso; Observações sobre a Carta Geral do Império, Relativa à Província de Mato Grosso; Carta do Rio Paraguai; Planta Hidrográfica da Lagoa Uberaba; Mapa da Fronteira do Sul da Província de Mato Grosso; Mapa Geográfico, Cronológico e Estatístico da Província de Mato Grosso; Esboço do Rio Cuiabá desde a Confluência do Rio São Lourenço até a Cidade daquele Nome; Carta de um Reconhecimento do Distrito de Miranda; Vias de Comunicações de Mato Grosso; além de várias mensagens como presidente da Província.

Leverger foi o vulto mais importante da história literária, no seu tempo (1802 – 1880).

Ele não foi literato propriamente. Era historiador e escrevia bem, sobretudo era fiel nas informações.

O Romantismo em Mato Grosso, podemos afirmar, sem receio de errar, teve início com Antônio Cláudio Soído, também oficial de Marinha, nascido no Espírito Santo, a 26 de abril de 1822. Veio para Mato Grosso em 1857, e faleceu em Cuiabá, a 12 de maio de 1889.

Um século depois de José Zeferino Monteiro de Mendonça, surge o segundo poeta em Mato Grosso.

Soído publicou os seguintes trabalhos: Diário do Rio de Janeiro; O Pirata (poema traduzido de Lord Byron); Lembranças de Montevidéu; A

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Menina Oriental (poemeto); Para os Pobres (tradução de Vitor Hugo); O Batel (poemeto).

De certa feita, Soido manda um presente a sua noiva, Maria Justina da Gama, de uma quarta de carvão, e o fez delicadamente nestes versos, transformando o prosaico presente em mimo artístico:

MILAGRE

Quando, senhora, vos envio ou dou-vos Tão escuro presente,

Que idéia tive eu, que pensamento Me atravessou a mente?

Do vegetal combusto oferecer-vos Pulverulenta quarta!...

Mas deixai-me falar e, após, senhora, Ride até ficar farta.

Da água do mar, enjoativa, amarga,Extrai o sol a chuva tão querida;Em seu laboratório a terra mudaO vil adubo em condição de vida!

A arte humana, sombra da divina,Também transforma escórias num tesouro,E vós, que a possuís em alta escala,Podeis mudar esse carvão em ouro.

Antônio Augusto Ramiro de Carvalho nasceu em Cuiabá, 28 de dezembro de 1833. Faleceu na mesma cidade, a 2 de novembro de 1891. Poeta humorista, mas se destacou como jornalista. Não deixou livro publicado.

Era republicano e fez estas versalhadas por ocasião do aniversário do imperador Dom Pedro II:

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VERSOS PARA O DIA 2 DE DEZEMBRO

Muita nédia cavalgadaCorrendo desembestadaPor meio da multidão;Muitos rufos de tambores,De sinos muitos rumores,Muitos tiros de canhão.

Muita farda agaloada,Bonita – mas estragada;Nos usos da procissão.E outras muitas quejandas,Rechonchudas burundangas,No barulho da função.

Também viu-se – coisa bela!Recostados nas janelasLindos rostos engraçados,A par com parvos janotas,Esquisitos idiotasDe olhos envidraçados.

Tudo houve com farturaNa solene formaturaDeste dia nacional;Que excitou-me até saudadeDa gorda variedadeDos dias de carnaval!

Isso podia ser bom humorismo, mas para aquela época.Antônio Gonçalves de Carvalho, o poeta da Flor de Neve, nasceu no

Rio de Janeiro, a 31 de agosto de 1844, e faleceu na mesma cidade, como ministro do Supremo Tribunal Federal. Para a época, foi um bom poeta. A sua poesia, Flor de Neve, ficou célebre em Cuiabá.

Se a neve fosse planta e flor tivesseTu serias da neve a flor, geradaDa fria viração ao tênue soproÀ luz da lua, aos beijos duma fada.

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Se a neve fosse planta e flor tivesse,Tu serias da neve a flor mais belaQue brilhando na etérea imensidade – Fanal de amor – adamantina estrela.

Se a neve fosse planta e flor tivesse,Tu serias da neve a flor tão pura!Ah! Teriam em ti achado os homensO símbolo da mais cândida ventura!

Se a neve fosse planta e flor tivesse,Tu serias da neve a flor bendita...Causaria ciúmes aos próprios líriosQue dos jardins do céu a brisa agita.

Se a neve fosse planta e flor tivesse,Tu serias da neve a flor querida,No meio dos invernos – primavera,Sobre o gelado chão – ardor da vida!

Melhor que a flor da neve, és tu, formosa,Alvo anjinho do céu baixado ao mundoPara servir de tipo de belezaE os preitos receber de amor profundo.

Amâncio Pulquério de França nasceu em Cuiabá, em 1846. Faleceu em Corumbá, a 8 de março de 1881. Usava o pseudônimo Palmiro. É poeta de pouca produção, imitador de Cassimiro de Abreu. Na sua poesia Outrora e Hoje, uma das suas pouquíssimas produções, é puro Cassimiro:

Meu Deus, que gelo, que frieza aquela,Que indiferença nos olhares seus,Vejo outra nuvem no horizonte de hoje,Negra coberta nos azuis dos céus!

Tivera flores meu jardim de outroraTivera rosas de perfume eterno,Mas hoje as flores sem aroma, secas,Parecem flores do jardim do inverno.

A primavera de meus dias, linda,

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Sorria leda para o céu de anil,E o céu faceiro desdobrando – os mantos,Já teve as galas nas manhãs de abril.

Hoje os cantos que tivera outroraSão tristes cr’oas de cruéis martíriosFora ditoso, já gozara crenteVivo perfume dos meus alvos lírios!

Sonhara encantos, deleitosos dias,Mago castelo de ouropel sonhado;Feliz eu fora – mas o manto espessoCobriu a tela desse meu passado.

Manoel Ribeiro dos Santos Tocantins, nascido em Cuiabá, em 9 de março de 1852, e falecido na mesma cidade, a 13 de março de 1927. Era operário, tipógrafo. Tem pouca produção. Por sua iniciativa, foi fundada pelo general Antônio Maria Coelho, então governador do Estado, a Tipografia Oficial, hoje Imprensa Oficial.

José Tomás de Almeida Serra nasceu também em Cuiabá, a 7 de março de 1886. Aos 23 anos, morreu do mal do século – tuberculose. Foi um verdadeiro corifeu do Romantismo em Mato Grosso. Sofreu influência de Alfred Musset e Álvares de Azevedo. Este seu soneto tem algo do soneto do poeta da Lira dos Vinte Anos:

Pálida a luz da lâmpada sombriaSobre o leito de flores reclinada,Como a lua por noite embalsamada,Entre as nuvens do amor ela dormia!

O soneto de José Tomás é o seguinte:

CÂMARA DE VIRGEM

Quando a luz do luar bate-lhe em cheioNas formas de primor escultural,Julgo fitar a Vênus sensual,Num langue, voluptuoso devaneio...

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No suave ondular do lindo seio,Julgo ouvir uma música ideal,Que me transporta à plaga celestialDe uma aurora louçã ao bruxuleio.

Sinto, então, essa febre de desejosQue nos acende a fruta proibida,No mais doce e propício dos ensejos...

E vendo-a seminua, adormecida,Cubro-a de um turbilhão de beijos:“morte, morte de amor, melhor que a vida”!

Depois de José Tomás de Almeida Serra vem Pedro Trouy, nascido em Cáceres, a 6 de junho de 1872, e falecido em Santo Antônio de Leverger, em 1926.

Pedro Trouy deixou também pouca produção. Aliás esse fenômeno se observa com os poetas de Mato Grosso, dada a dificuldade de publicação. A impressão de um livro, em Cuiabá, constitui, como no dizer de José de Mesquita, uma das formas modernas do heroísmo.

De Pedro Trouy registramos este soneto:

OUTRORA

Da primavera ao sol, que além se erguiaComo uma hóstia de luz em pleno espaçoNós nos amamos... Que profundo laçoNossas almas em flor então unia!

Teu lábio tinha auroras de alegria,Rosa tinha o vergel, e no terraçoTrilavam passarinhos... Como escasso,Fugindo, pouco a pouco o tempo ia!

O cismar de tua alma imaculadaMe deste numa noite constelada,Quando os astros erravam na amplidão...Efêmeras ilusões das idas eras!Teu amor, como a luz das primaveras,

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Feneceu, quando veio outra estação!

Poeta de fundo humorístico, cultor da sátira, foi Frederico Augusto Prado de Oliveira, que usava o pseudônimo Zé Capilé. Nasceu em Cuiabá, a 22 de janeiro de 1874, e faleceu no Rio de Janeiro, a 29 de agosto de 1911.

Durante a presidência do coronel Antônio Paes de Barros (Totó Pais), Frederico Prado fez grande oposição ao governo, escrevendo, no jornal A Coligação, versos satíricos como estes:

Uma coisa mi bule nispinhaI mi dá um tremô na pacuera:É nun vê meus patrício ninhumQui mereça justiça – divera!Só si vê a canaia di báxo,Pau rodado qui aqui incaiôPriquitada im redó du guvernoÀ chupá tudo nosso suô.

Ou ainda estes versos, que foram publicados por ocasião da passagem do aniversário do coronel Antônio Paes de Barros:

Dia 15 de dezembro, se me lembro,Fez Castilho cuiabanoMais um ano.Todo mundo se lambeuMenos euQue não dou pra alagoano...

Mantinha, Frederico Prado, uma seção no jornal A Coligação, intitulada Risos e Frisos. Publicava versos como estes:

APURAÇÃO

O Governo não se apuraPor causa da apuração,Pois, se perdeu a eleiçãoA derrota não atura:Diga lá, zé-povo, hein,Para que serve comblain?

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Do alto da sinagogaOnde lhe queimam o incenso,Seria falta de sensoLevar a sério essa droga:Fazem fé, em qualquer parte,Ata falsa e... bacamarte!

Tolo de quem se incomodaPor usar de violência,Moralidade, decência,São cousas fora de moda:Respeito à lei? Uma figa!Patriotismo – a barriga!O que não pode o direito,Pode o braço do capanga!Demais, o povo sem tangaSempre há de ser suspeito:A não ser esbofeteadoNão puxa o carro do Estado.

Adiante, portanto, sigaO carnaval do terror,Ferva o samba engrossador,Viva o reinado da intriga!Mas, de tanto ir... à bica,Lá, um dia, - o pote fica.

Esse era bem o quadro da política do Estado, nessa época, que nós já classificamos como a época do bacamarte. Era verdade: “o que não podia o direito, o braço do capanga resolvia, a peso de ata falsa e... bacamarte”.

Antônio Tolentino de Almeida foi o mais espontâneo dos nossos poetas. Nasceu em Rosário Oeste, a 24 de janeiro de 1876, e faleceu em Santo Antônio de Leverger, no dia 24 de janeiro de 1939, precisamente no dia em que completava 63 anos. O Poeta da Ilusão, cognominou-o Ulisses Cuiabano. Tolentino mereceu uma crítica louvável do grande escritor brasileiro Monteiro Lobato. Ele está situado entre o Romantismo e o Parnasianismo. Foi ele o último romântico. Publicou: Ilusões Doiradas (1910); A Índia Rosa (1910); Retirada da Laguna (poemeto, 1930); Romeiros do Ideal (1937).

Um dos grandes sonetos de nossa literatura, é este que transcrevemos:

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COR LAPIDIS

Se a mágoa que me fere, assim sanhuda,Um termo não tivesse, pra curá-la,Bastava apenas escutar-te a fala,Se não falasses... ver-te, embora muda:

Pensava assim. Mas, entretanto, calaA mesma dor no coração aguda;O teu sorriso o meu sofrer não muda,O teu desdém somente me apunhala.

Devo adorar-te? Devo ser cativo?Hei de por ti morrer se não me não queres,Sacrificando o coração altivo?

Olha, senhora, o nosso amor não medra;Julguei-te um dia a deusa das mulheres,Porque não vi teu coração de pedra!

Padre Armindo Maria de Oliveira nasceu em Cuiabá, a 6 de outubro de 1882. Faleceu na mesma cidade, a 23 de dezembro de 1918, vitimado pela gripe espanhola.

Padre Armindo escreveu muito pouco. Não fosse um livro a seu respeito Uma Flor do Clero Cuiabano, escrito por dom Aquino, seu nome não figuraria nesta história.

É de sua autoria este soneto:

AO JORNAL A CRUZ

Sonhei, há tempos, sugestivo sonho,Rútila fita dum ideal cinema:Vi desabar um temporal medonho,Com fúria insana, aterradora, extrema!Mas súbito, na altura os olhos ponho,E vejo rutilar da fé o emblema,O horror a dissipar do caos tristonho,Com raios fúlgidos do seu diadema.

Sinistro vendaval hoje ameaça

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O campo devastar da nossa crença,Disseminando os germes da desgraça.

Mas tu, ó Cruz, fanal da boa imprensa,Derramando no povo a luz da graçaVences e vencerás na luta imensa.

Este soneto foi transcrito do livro Uma Flor do Clero Cuiabano, de autoria de dom Aquino Corrêa, edição do Departamento de Imprensa Nacional, 1951. Portanto, não há dúvida alguma quanto à imperfeição do último verso do segundo quarteto.

Fabio Monteiro de Lima, cuiabano, nascido a 13 de janeiro de 1883, e falecido no Rio de Janeiro, a 23 de dezembro de 1946. Era mais jornalista que poeta. Escreveu Dicionário da Língua Portuguesa, em três volumes, destinado principalmente aos charadistas, cuja obra se perdeu com a sua morte. Usava os pseudônimos: Adélia Bom Fim e Liberato Fabordão.

Indalécio Leite Proença, também cuiabano, nasceu a 8 de maio de 1883 e faleceu em Corumbá, a 4 de abril de 1939. Colaborou fartamente na imprensa. Era poeta satírico. Publicou apenas um folheto, Sátiras Anônimas, assinado Um Cuiabano, satirizando o governo de dom Aquino Corrêa:

Se a Bahia é boa terra,Mato Grosso inda é mió;Pau-rodado2 cria proa,Furta bem, enche o bocó.

Dom Benito3 já tá feito;É sapão de Três LagoasA questão é só de jeitoPois o resto vai à toa...Decorrido argum tempinho,Ele vai pra Relação;Salvo se no seu bentinho,Não tivé mais devoção.

2 - Pau-rodado – alcunha pejorativa que os cuiabanos dão unicamente aos aventureiros, filhos de outros estados.3 - Dr. Benito Esteves, Juiz de Direito de Três Lagoas e também secretário do Interior, Justiça e Finanças, no governo de dom Aquino.

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Assembléia inté já fezLei pra ele e Barnabé4

Um conto de réis por mêsNão é mimo pra quarqué........................................Alemão em pé de guerra,Com o governo comercia;Mato Grosso é boa terraSupriô à da Bahia.

Sua casa tá vazia,Mas o bispo lá não mora;Pra fazê economiaCome Orlando5 ali na hora.........................................João Cunha6 já batizouTodos os fio que ele temIsác7 se riu, caçoouMas vai imitá também.

Indalécio tá catuba;Cabra véio não molece,Passa à brisa com jacuba,Mas não fez inda uma prece!..............................................Januário8 diz blafemaE dos padre pesa o calo;Mas vai tocá no cinemaPras obras de São Gonçalo.

Vilasboas9 que é letradoEncostou-se logo ao clero,Vai à missa e batizado,Mas pro bispo é sempre zero.

4 - Dr. José Barnabé de Mesquita.5 - Era residência presidencial a casa na Rua Barão de Melgaço, de propriedade da firma Orlando & Cia.6 - João Cunha, deputado estadual, pertencia à Liga Mato-Grossense de Livres Pensadores.7 - Professor Isaac Póvoas, também pertencia à Liga dos Livres Pensadores.8 - Professor Januário Rondon era músico e anticlerical.9 - Vilasboas, Dr. João Vilasboas, ex-senador da República. Na época era deputado estadual, da oposição a dom Aquino.

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O poemeto era composto dessa introdução, A Reforma do Tesouro; O Banquete Episcopal e O Passeio da Chapada.

Quanto a esse mesmo período, Romantismo, vamos estudar os prosadores.

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CAPÍTULO IV

PROSADORES

No capítulo anterior, falamos em Augusto Leverger, Barão de Melgaço, cujos dados bibliográficos já registramos. Leverger era historiógrafo e não literato, mas foi homem que marcou época nas nossas letras. Seu estilo era sóbrio. Exemplo:

INVASÃO PARAGUAIA

Na mesma ocasião em que a expedição fluvial paraguaia atacava o Forte de Coimbra, outra expedição de força das três armas entrava, pelas imediações das cabeceiras do Apa, no Distrito de Miranda, cuja guarnição compunha-se apenas de 200 praças do Corpo de Cavalaria da Província e do casco do Batalhão de Caçadores com pouco mais de quarenta praças de pré, inclusive a música. O seu comandante, o bravo tenente de cavalaria Antônio João Ribeiro, não obstante a enormíssima desigualdade de forças, tentou resistir, e, segundo toda a aparência, sucumbiu com a pouca gente às suas ordens, sem arredar o pé do lugar que lhe fora confiado.

Uma coluna inimiga, dirigindo-se pelo alto do terreno, percorreu sem encontrar obstáculos os campos regados pelos afluentes do rio Dourados e Brilhante, aprisionando e afugentando os seus moradores.

O restante da expedição desceu a serra e passou pela colônia militar de Miranda, abandonada pelos seus habitantes. A imensa superioridade da sua força tornou-lhe fácil desbaratar o corpo de cavalaria que, vindo de Nioaque, onde estava aquartelado, fez inútil esforço para disputar a passagem do rio do Desbarrancado, junto à fazenda do mesmo nome.

O comandante e os destroços do dito corpo retiraram-se para a vila de Miranda, onde existiam tão poucas praças, como já disse, do batalhão de caçadores e diminuto número de guardas nacionais do ainda não organizado 7º batalhão.

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Com tão fracos elementos, todos julgaram inútil a resistência, e constando que os paraguaios haviam se assenhorado de Coimbra e de Corumbá e da navegação do rio Paraguai, trataram de retirar-se para o interior da província, o que efetuaram, seguindo uns por via Camapuã, outros pelo lado do estabelecimento colonial do Taquari, fronteiro à barra do Coxim, e, geralmente, designado por este último nome.

As famílias que habitavam a vila, acabaram por tomar o mesmo destino depois de estar, por maior ou menor tempo, escondidas em diversos sítios do distrito.

Algumas foram aprisionadas, e de outras nenhuma notícia temos.

Os índios moradores das aldeias da vizinhança, depois da evacuação da nossa tropa e antes da entrada dos paraguaios, apoderaram-se de porção de armamento que existia nos armazéns militares, e com ele hostilizaram o inimigo, mas este não tardou a dominar essa resistência que não era de esperar fosse eficaz, atendendo à inferioridade do número dos mesmos índios e à sua falta de disciplina.

Assim ficaram os paraguaios na plena e efetiva posse do distrito de Miranda.

Padre Ernesto Camilo Barreto, baiano, nascido a 19 de fevereiro de 1828, e falecido em Cuiabá, a 26 de maio de 1896, veio para Cuiabá em 1854. Orador notável, brilhante jornalista. Foi redator do jornal A Imprensa de Cuiabá, no qual combatia o presidente da província e comandante das armas, coronel Antônio Pedro de Alencastro (o 2º Alencastro), que, por esse motivo, ordenou a prisão e deportação do padre para o Rio de Janeiro. A prisão foi efetuada no dia 26 de maio de 1861, justamente no momento em que o padre celebrava a missa do Espírito Santo. Embora surpreendido com tal violência, aceita a intimação e, subindo primeiramente ao púlpito, orou ao Evangelho e, sem se desligar do motivo sagrado, terminou o discurso com as palavras – Vado sed venio ad vos.

Foi deputado provincial e deputado geral. Publicou os seguintes trabalhos: Compêndio de Teologia Exegética, Religião e Lugares Teológicos (1856); Filosofia Racional e Moral (1865). É patrono da cadeira nº. 14, da Academia Mato-Grossense de Letras. Era muito desaforado. Transcrevemos aqui o seu discurso, na Assembléia Legislativa Provincial, atacando o então

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presidente da província de Mato Grosso, Dr. Couto de Magalhães.

AGORA A TOMADA DE CORUMBÁ

Sobre esse assunto escreveu o Sr. Dr. Couto Magalhães o seu quinto artigo, concluindo-o por estes termos: Se, tendo sido vitorioso, me vejo hoje forçado a defender-me, que sorte me aguardaria se eu tivesse sido vencido?

Eis nova refutação do que não foi argüido, um truco falso, no Jornal do Comércio, de 29 de setembro. Verá que não aventei idéia sobre os louros colhidos pelas forças que, de Cuiabá, expedicionaram para Corumbá. Nenhum juízo sobre semelhante assunto emiti.

Que a empresa foi arriscadíssima, não parece dúvida.Que a fortuna favoreceu a audácia, o fato demonstrou.Que quatrocentos e tantos homens, a vanguarda da força

expedicionária, seriam infalivelmente presas dos paraguaios, se o vapor Salto de Guaíra, por um motivo imprevisto, não se retira do Taquari 24 horas antes de se aproximarem daquela única passagem as pequenas canoas que conduziam à força, está na consciência de todos!

Que o porto de Corumbá não podia ser conservado por forças brasileiras enquanto os paraguaios dominassem o rio, também é exato, e o fato do abandono veio demonstrar praticamente. Se, momentos antes do abandono da praça, chega de Assunção um ou dois vapores e, com os que desceram na noite de 13, tomassem posição acima e abaixo da vila, a força expedicionária, quer da vanguarda, quer da retaguarda, e a própria flotilha estavam todas perdidas, é incontestável.

Que, tomada a praça de Corumbá e reconhecida a existência da varíola, não devia fazer para lá marchar ou seguir a segunda expedição, porém, sim, segregá-la da primeira, é por demais claro.

Que a mortandade: dos praças dessa força, vítimas da varíola pelo contato com as da vanguarda, e com as prisioneiras, não pode ter outro responsável senão aquele, devendo retroceder do ponto em que estava para a capital, ou ao menos detê-la, foi sem necessidade, nem utilidade, levado ao foco da epidemia como cordeiros ao sacrifício, é inegável.

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Que se não deu providência alguma, em ordem a obstar o contágio na capital, e pelo contrário se desprezou a requisição feita pelo provedor de saúde, chefe de polícia e comandante das armas, todos sabem.

Mas o que sobretudo é certo, certíssimo, é que não argúi o ex-presidente de Mato Grosso por ter expedicionado para Corumbá, e tanta convicção nutre ele disso que se persuade dever-me os elogios do boletim por essa ocasião.

Desta mesma tribuna, aplaudi, meus senhores, a tomada da praça de Corumbá e do Alegre, como tenho aplaudido todos os bons atos do Dr. Couto de Magalhães. E é desta mesma tribuna que passo agora a acusá-lo.

Caetano Manoel de Faria Albuquerque, general, nasceu em Cuiabá, a 11 de janeiro de 1857, e faleceu no Rio de Janeiro, a 10 de fevereiro de 1925. Foi constituinte de 1891. Presidente do Estado de Mato Grosso. Publicou: Resumo Corográfico de Mato Grosso (1894); Dicionário Técnico-Militar de Terra; Se Eu Relatasse Tarifas; Mensagem à Assembléia; Respostas à Assembléia sobre a Denúncia Que contra o Mesmo Foi Apresentada em 11 de Setembro de 1916. Era jornalista e orador.

Do seu Resumo Corográfico vamos transcrever esta página, para dar ao leitor uma noção do seu estilo:

RIQUEZAS DE MATO GROSSO

Seria quase uma fábula a riqueza de Mato Grosso se não pudesse apontar os sítios em que nos séculos XVII e XVIII se descobriram as opulentas minas de ouro e diamantes. Basta lembrar as descobertas de Miguel Sutil e essa quase lenda dos Martírios, descoberta por Bartolomeu Bueno, o Anhangüera; as de Araés, descobertas em 1670 por Manoel Correa; assim, também as afamadas minas que deram lugar aos arraiais de São Francisco Xavier, de Sant’Ana, Ouro Fino, Boa Vista e São Vicente Ferrer, nas imediações da antiga Vila Bela e destruído, este, em 1877, pelos cabixis. Os terrenos auríferos de Alto Paraguai, de Diamantino, do Borisal, do Tombador e Coxim, são também, geralmente, conhecidos. O rio Coxim, o Diamantino, o Ouro e muitos outros cursos d’água rolam o diamante de envolta com suas areias auríferas. Toda a

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cordilheira que borda a margem direita do Paraguai, assim como as do Arinos, é riquíssima em minérios de ferro. A cor vermelha do morro de São Jerônimo é devido à existência desse mineral que ainda é abundante nas terras de Jacadigo, Urucum, Piraputangas e Albuquerque, onde, também, existe abundantemente o manganês, em via de proveitosa exploração.

O cobre foi descoberto em 1827 na margem direita do Jauru, e a prata, a platina, o manganês e o paladium existem em muitos pontos do Estado.

O sal-gema é comum, e são dignas de menção as minas de Noronha, assim chamadas por haverem sido descobertas por Luís Antônio Noronha; as do Jauru, Casalvasco e outras.

No reino vegetal, a baunilha, a ipecacuanha, a jalapa, a caroba, o jaborandi, a salsaparrilha, a copaíba, a quina, tão estimadas na terapêutica, a erva mate, a sinfonia elástica e madeiras de construção, tais como: apeúva, o vinhático, o guatambu, o cedro, o jacarandá, o angelim, sucupira, o pau-santo, o pau-brasil e tantos outros.

O fumo e o café produzem magnificamente, e a cana de açúcar faz verdadeiros prodígios, de modo que, sem exagero, pode-se dizer que Mato Grosso é, em riquezas naturais, o primeiro Estado da União, falta só que o esforço do homem saiba aproveitá-las para que diante dele abra-se futuro sem igual.

Antônio Correa da Costa era engenheiro, nasceu em Cuiabá, a 5 de fevereiro de 1857, e faleceu no Rio de Janeiro, a 30 de julho de 1920. Era membro do Instituto Histórico de Mato Grosso. Publicou: Mensagem Presidencial (1896 e 1897); Relatório do Delegado Fiscal (de 1908 a 1910); Um Detrator Oficial (panfleto de 30 páginas, publicado em Assunção, Paraguai, 1902); Os Predecessores dos Pires de Campos e Anhangüeras (1919). Foi presidente do Estado de Mato Grosso. Era historiador.

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OS PREDECESSORES DOS PIRES DE CAMPOS E ANHANGÜERAS

Depois da destituição de Vergara e da morte de Nuflo Chaves, a sucessão tumultuária dos diversos governos que teve o Paraguai não lhes permitiu continuar empreendimentos de novas descobertas no território que atualmente pertence a Mato Grosso.

A malograda tentativa de Ruy Dias Melgarejo, fundando, por ordem de Garay, a cidade de Santiago de Jerez em 1580, à margem do rio Miranda e próximo ao lugar onde está situada a cidade deste nome, esboroou-se aos golpes do camartelo dos mamelucos.

Os bandeirantes paulistas que já por esse tempo freqüentes incursões faziam ao vale do Paraná e ao planalto do Amambaí, destruíram aquela cidade e rechaçaram os espanhóis que não tiveram mais a veleidade de fundar nenhum outro estabelecimento nesta região, agora livre e aberta à entrada dos Pires de Campos e Anhangüeras e outros que, com Pascoal Moreira Cabral, fundaram a cidade de Cuiabá. A estes denodados sertanistas que estenderam as raias da sua capitania aos confins do rio Madeira, devemos nós, mato-grossenses, a gratidão de sermos hoje brasileiros.

Glória à sua memória!

Se Nuflo Chaves, inopinadamente desaparecido, tivesse levado a cabo o seu plano de conquista do NE, com probabilidade de êxito que todas as circunstâncias favoráveis garantiam, certo teria ele descoberto as minas de Cuiabá, e a nova descoberta determinaria o êxodo dos espanhóis de Assunção e Santa Cruz para Mato Grosso. A ocupação e o povoamento definitivo do seu território ter-se-ia efetuado antecipadamente, quase dois séculos antes do advento paulista.

Não seria Mato Grosso hoje um Estado da União Brasileira, mas, sim, uma república hispano-americana.

A flecha de guaxarapo traçou os limites que a História reservava à integridade do Brasil.

De pequenos incidentes dependem muitas vezes os grandes sucessos e o destino das nações.

Manoel Esperidião da Costa Marques, nascido em Poconé, em 1859, e falecido na cidade de Mato Grosso (Vila Bela), a 18 de abril de 1906. Engenheiro. Foi deputado provincial, geral e estadual. Escreveu: Exploração

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dos Rios Jauru, Aguapeí, Guaporé, Alegre; Projeto de Vias de Comunicação; Viagem e Estudo sobre o Vale do Baixo Guaporé da Cidade de Mato Grosso ao Forte do Príncipe da Beira, publicação póstuma, dirigida por seu irmão, Dr. Joaquim Augusto da Costa Marques.

VILA BELA

Foi Rolim de Moura, capitão de infantaria e senhor de Azambuja, quem fundou a cidade de Mato Grosso, da qual o finado Dr. João Severiano da Fonseca, que bem a conheceu porque nela passou seis meses, disse em 1878 diante de tantas ruínas que via: “Tempo virá, longe, mui longe talvez, quando já não exista senão o renome dessa cidade injustamente desacreditada; quando o homem do solo, desse solo ubérrimo e de tão fácil conquista para a prosperidade e desenvolvimento do país; quando agregue a população e com ela surja o comércio, a agricultura e a indústria; e quando o grande formosíssimo Guaporé, franco das cabeceiras à região encachoeirada do Mamorém entronque a sua fácil navegação à via férrea do Madeira; e que o povo vigoroso e cheio de ânimo, dispondo de mais forças e a vitalidade para remover os óbices ao seu adiantamento; a cidade de Mato Grosso, o verdadeiro coração da América Meridional, vivificada por essas duas artérias sem rivais no mundo, o rei dos rios, o rio Mar e o Prata, ligados entre si por uma facílima estrada de ferro de vinte e poucas léguas, dela ao Jauru, – será o centro da vida dessas regiões, tão prenhes de riqueza nos três reinos naturais, quão de misérias atualmente.

Dentre as minas de ouro que rodeiam Mato Grosso, devem ser mencionadas as de São Vicente, Pilar e Lavrinhas como as mais afamadas e porque aí se fundaram e prosperaram; com as prosperidades das minas, núcleos importantes de população, como ainda hoje, atestam as ruínas das casarias e das igrejas ali edificadas, e cujos vestígios os índios querem apagar de vez, porque ali estão todos os dias a descobrir uma ou outra casa ainda que se conserva de pé. Segundo informações que me foram ministradas pelos próprios filhos de São Vicente, a última investida dos índios cabixis ali teve lugar em 24 de agosto de 1877. Parece até que houve, de antemão, combinação de um plano geral de ataque aos moradores. Quando crescia o dia, uns deitaram fogo nos paióis de milho nas roças, e outros se aproximaram dos habitantes do arraial, que felizmente não se amedrontaram e souberam repelir com vantagem aqueles

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bárbaros. Não quiseram então mais fazer plantações e, quando em dezembro, principiaram as chuvas, foram se valer para os aprestos da imigração que iam fazer dos recursos com que a natureza dotou seu torrão natal. José Fernandes Leite, David Francisco da Silva, Epitânio Bispo de Freitas, Manoel Mâncio e Diogo Francisco da Silva e mais outros companheiros lavraram as minas, e em março seguinte se retiraram levando todos muitas oitavas de ouro com que principiaram a cuidar de nova vida na cidade. Todas as minas de Mato Grosso não estão esgotadas, como provam o fato citado, que pode ser verificado, por quem quer que seja. É que antigamente só se aproveitaram as veias à flor da terra, os cascalhos ricos de aluvião. As jazidas mais profundas eram abandonadas, porque opunham mais dificuldades ao seu aproveitamento e eram desconhecidos os aparelhos adiantados de mineração, que é hoje uma ciência positiva como qualquer outra. Organizem-se associações ou companhias com os precisos elementos; haja boa direção, que das profundezas daquele solo hão de extrair tesouros capazes de mudar completamente a vida do povo de Guaporé. A mineração de ouro é, pois, indústria que precisa ser novamente criada naquele município e em todo Estado e eis a razão por que não tratamos dela em primeiro lugar.

Cândido Mariano da Silva Rondon nasceu em Mimoso, Santo Antônio do Rio Abaixo, Cuiabá, hoje município de Santo Antônio do Leverger. O marechal Rondon foi o maior sertanista brasileiro. Prestou, por meio da Comissão Rondon, relevantes serviços ao seu Estado natal. A Comissão Rondon não só realizou os trabalhos de linhas telegráficas, como também catequizou os índios de Mato Grosso e Amazonas, e ainda, para maior glória do grande brasileiro, publicou a Comissão Rondon 66 trabalhos de estudos e reconhecimentos, história natural, etnografia, astronomia, exploração de rios, botânica, zoologia, mineralogia, serviços sanitários, mapas, relatórios, conferência, estudos sobre águas termais, etc. Rondon era um homem de ação. Rígido e de têmpera de aço. Era membro dos Institutos Históricos do Ceará, Maranhão, Amazonas, Presidente de Honra do Instituto Histórico e Arqueológico de Pernambuco, das Sociedades de Geografia do Brasil, Bélgica, Haia, Itália, Nova Iorque, Paris e Peru. Foi um dos mais brilhantes oficiais de que se pode orgulhar o Exército Brasileiro. Faleceu no Rio de Janeiro, a 18 de janeiro de 1958.

Esta página de Rondon foi escrita em 1919, quando do bicentenário da fundação de Cuiabá.

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A INFLUÊNCIA DE CUIABÁ NA EVOLUÇÃO POLÍTICA DE MATO GROSSO

Depois desses grandes acontecimentos, por muito tempo, pelo século XIX adentro, Cuiabá parece dormitar, cansada do esforço enorme despendido em sua valorosa juventude. Ela assiste, com mal disfarçada indiferença, ao passar das estéreis expedições científicas que não procuravam os seus admiráveis sertões senão na esperança de encontrarem materiais de coleção exóticas de afamados museus da Europa.

Mas, de repente, um abalo tremendo, a guerra, a invasão do nosso território pelas forças da República do Paraguai, fazem-na de novo encontrar o seu destino político e ocupar o lugar que lhe cabe na economia da defesa e conservação da Pátria brasileira.

Eu não tenho, meus caros patrícios, a pretensão de me apresentar como querendo rememorar-vos aqueles acontecimentos tristes e heróicos, da queda de Coimbra e Dourados, do êxodo de Corumbá, da ocupação de Miranda e Nioaque e de todo o Sul do nosso Estado; não se rememora o que se tem constantemente presente diante dos olhos da alma, e é assim que vós tendes os feitos e as figuras gloriosas daqueles heróis que foram Porto Carrero, Oliveira Melo, Antônio João, Maria Coelho, Camisão, Leverger, Couto de Magalhães e tantos outros que vivem num ambiente de gratidão imperecível em nossos corações de brasileiros e mato-grossenses.

E a nossa Capital viu voltarem as circunstâncias dos seus dias primitivos. Isolada das suas irmãs, sem comunicações úteis com o governo do país; impossibilitada de se abastecer de material bélico, ela teve de prover a todas as suas necessidades desses momentos terríveis, em que os adversários dominavam o nosso rio e só não podiam transpor a barreira que lhes levantaram os cuiabanos em Melgaço. E não satisfeita com o ter assim mantido desfraldado, em terras de Mato Grosso, o sacrossanto pendão da nossa Pátria, Cuiabá tomou ainda a si a glória de ir reerguê-lo nas cidades e fortalezas que o haviam visto abatido e vencido.

E quando a nação resolveu sacudir, com o trono imperial, as cadeias que lhe entorpeciam os passos para a subida aos seus destinos gloriosos, e o espírito de iniciativa sentiu-se desembaraçado

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para retomar os vôos de que dera provas tão estrondosas nos séculos XVII e XVIII. As obras que se planejaram e executaram, seguiram a traça que teria sido ideada pelos primitivos fundadores de Cuiabá para assegurarem os resultados de sua ação.

Primeiro vem o telégrafo da Capital da República, através de Goiás a esta cidade, e daqui se expande para o Sul a levar a segurança e o conforto àquelas mesmas paragens que tantos cuidados e tantos trabalhos custaram aos nossos pais. Depois, o mesmo poderoso instrumento de comunicações estende os seus tentáculos para essas misteriosas paragens do Guaporé; protege Vila Bela, passando por São Luís de Cáceres, levantando Poconé; e doutro lado, atira-se para os sertões de Jurema, do Jiparaná e do Madeira, abrindo em cada ponto uma estação de vigilância naquelas poderosas artérias por onde correu o ouro de Vila Bela em demanda das cortes faustosas de Lisboa e Roma.

Ao telégrafo, quase acompanhando os passos no domínio das nossas fronteiras e na conquista dos nossos sertões, segue-se a estrada de ferro que no seu primeiro arranco acompanha, com pequeno desvio, a linha geral dos caminhos por que vinham às nossas plagas as bandeiras e as monções saídas de São Paulo.

Falta agora completar essa obra, até este momento apenas iniciada. De São José do Rio Preto, os trilhos da Araraquara devem quanto antes lançar-se na direção de Cuiabá, rumo mais direto ao porto de Santos, cortando os vales do Paranaíba, Araguaia, Garças, Itiquira e São Lourenço, com entroncamento em Santa Rita do Araguaia para o ramal de Campo Grande. Daqui, depois, partirão outras em demanda do Guaporé, do Madeira e do Tapajós, fecundando os sertões em que dormem as maiores riquezas que se possam imaginar, em metais preciosos, em força mecânica, em produtos florestais, em terras fertilíssimas para lavoura de todos os gêneros, em pastagens maravilhosas e em climas deliciosos para a fecundação de sanatórios e de estações de recreio.

E por toda essa região, encontram-se núcleos daquelas populações que deram a semente necessária para criação da raça fortíssima que estendeu a sede da Pátria brasileira até estas paragens longínquas, tão afastadas da orla do oceano e dos limites impostos pelo pacto de Tordesilhas.

Tomar a iniciativa de execução desses grandes projetos; identificar-se com ele, encarando-o, não como obra nova, mas, sim, como a continuação, que na verdade o é, da realização, com os

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meios do nosso tempo, do fim que tenderam todos os trabalhos e pensamentos dos fundadores, desde Pascoal Moreira Cabral até D. Luís de Cáceres; tal é o caminho que temos de trilhar, cuiabanos, para não deixarmos a nossa cidade decair do trono glorioso em que a colocou a sua missão de incorporar à civilização brasileira o extremo Oeste do território de nossa Pátria.

E quando tivermos realizado, com aquela nossa fortaleza de ânimo resoluto e sereno, sobranceiros aos sofrimentos do corpo, inflexíveis às ameaças e às injustiças dos poderosos, que passam, de que deram provas os nossos pais, então os nossos filhos, abrangendo num olhar de gratidão os nossos feitos, e reconhecendo neles a terminação da obra encetada há agora dois séculos, repetirão cheios de justo orgulho as palavras do poeta: “Vejo um povo de heróis”.

Estevão de Mendonça – nome civil: Estevão Anastácio Monteiro de Mendonça. Nasceu em Santo Antônio do Rio da Barra, distrito de Melgaço, freguesia de Santo Antônio do Rio Abaixo, hoje município de Barão de Melgaço, a 25 de dezembro de 1869. Faleceu em Cuiabá, a 2 de dezembro de 1949.

Historiador, jornalista, professor e advogado. Publicou: Quadros Corográficos do Estado de Mato Grosso (1906); Uma Caturrice (1908); Datas Mato-Grossenses (1919); Retalhos da Vida (publicação póstuma, dirigida por seu filho Rubens de Mendonça, 1950). Sócio-fundador do Instituto Histórico de Mato Grosso e da Academia Mato-Grossense de Letras, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, (correspondente). Pertenceu aos Institutos Históricos e Geográficos de São Paulo, Sergipe, Pará, Paraná. Sócio-correspondente da Sociedade de Geografia de Lisboa e do Rio de Janeiro. Possuía a Medalha Regnell, da Real Academia de Ciências da Suécia. Sócio da Sociedade Capistrano de Abreu. Foi o maior historiador de Mato Grosso. A sua mais importante obra são as Datas Mato-Grossenses, a respeito das quais dom Aquino Corrêa escreveu: “Obras, como esta, é que dignamente comemoram e solenizam o bicentenário da colonização do Estado. Bem o compreenderam felizmente os nossos estudiosos”.

A página que transcrevemos de Estevão de Mendonça é realmente uma página digna de Antologia.

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O MILAGRE

Chamava-se Maria da Conceição Monteiro de Mendonça. Sem filhos. Os seus anseios espirituais de maternidade consubstanciaram-se em mim, pobre doentinho que ela salvara no alvorecer da vida.

Era uma santa, e adorava-me como mãe.

Quanto de suave a minha alma conserva, é obra sua. Esposa de militar, narrava-me acontecimentos da guerra, impregnados de sua religiosidade cândida. Assim a revejo ainda agora, no doce encanto da Fé, que também foi por muito tempo a minha.

À distância recomponho este cenário. Assentados na mesma rede, ao descer de uma tarde morna, contou-me ela a retirada da lendária Coimbra:

– O combate, desde a véspera, fora renhido. As muralhas do forte trepidavam a cada disparo, e as paredes pareciam ruir quando a artilharia inimiga atingia o flanco da bateria sul.

Segredava-se, desde cedo, a falta de munição. A triste verdade explodiu no conselho, reunido às sete da noite. Porto Carrero chorava quando fez arriar a bandeira, e as famílias dirigiram-se à capelinha, onde resplendia a padroeira. D. Ludovina Porto Carrero retirou do altar a imagem de N. Sa. do Carmo, depondo-a nas mãos de uma filhinha.

Embarque silencioso, entrecortado de soluços. Às 9 horas o Amambaí rumava a montante, arrastando-se com o peso dos tristes retirantes da heróica fortaleza. Mais abaixo, a esquadrilha paraguaia se estendia em linha de combate, nos aprestos da investida. Súbito ressoaram as notas de “Sentido!”, vindas do comando em chefe.

Barrios empenhava-se em poupar os seus homens e, em Coimbra, onde a iluminação era abundante, observava-se desusado movimento. Evidentemente, o forte reforçava-se, vendo-se tropas que operavam desembarque, e assim durante a noite. Tropel e vozes chegavam aos inimigos.

Dia claro, um batalhão investe contra a praça silenciosa, e depois outro e mais outro. Decepção atroz! Coimbra abandonada, e a sua guarnição já longe. E a narradora, na sinceridade de uma convicção puríssima, explicava-me então: - Nossa Senhora do Carmo é que conduzia o reforço a Coimbra, e que só o inimigo via!

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Firmo José Rodrigues, cuiabano, nascido a 1º de junho de 1871, e falecido na cidade natal, a 16 de junho de 1944. Militar, major do Exército Nacional, professor, membro do Instituto Histórico de Mato Grosso e seu vice-presidente. Colaborou em vários jornais e revistas do Estado. Publicou: Bibliografia Mato-Grossense (em colaboração com José de Mesquita e Rubens de Mendonça, 1944); Figuras e Coisas de Nossa Terra (publicação póstuma feita por sua filha, professora Dunga Rodrigues). Seu estilo é ameno:

TEATROS EM CUIABÁ

Duas coisas nunca faltaram em Cuiabá, nos tempos de antanho: amadores do palco e da música.

Muito antes de existir o Teatro Amor à Arte, que apareceu em 1877, funcionando com amadores, desde os tempos coloniais, exibiam-se comédias e farsas, em palcos improvisados na praça pública, ou em carros que percorriam as ruas da vila. Era o teatro ambulante.

Assim aconteceu à chegada do governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro, em 1796, recebido com as mais ruidosas festas que o mundo oficial e o povo podiam então proporcionar, em homenagem a tão elevada autoridade: iluminação geral da vila, durante três noites consecutivas, bandos de mascarados, orquestras percorrendo as ruas, bailados ao ar livre, cavalhadas, touradas e, como fecho de ouro, a representação de seis comédias.

As luminárias, feitas com tigelinhas de barro cheias de sebo derretido e tendo um pavio de algodão torcido, eram tão brilhantes, que um cronista daquela época assim escreveu: houve iluminação geral da vila, com tal profusão, que mais parecia dia do que noite!

Durante a existência do Teatro Amor à Arte, todo construído de taipa socada, não faltaram artistas amadores que, com um mês de ensaios, levavam à cena os dramalhões portugueses e as comédias da mesma origem. No segundo distrito desta cidade, houve outra sociedade teatral, cujos espetáculos eram realizados num palco coberto de zinco, armado em terreno próximo ao quartel do 16º B. C.

Era cenógrafo desse teatro, um Sr. Rocha, capitão do exército.

Nos últimos anos da existência do Teatro Amor à Arte, que

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desabou com temporal, era José Estevão Correa quem, com uma turma de alunos do Liceu Cuiabano, realizava espetáculos e festas cívicas. Era trabalho de paciência, porque os amadores, não eram pontuais aos ensaios; nessas ocasiões, ele ficava no teatro, dirigindo a indisciplinada troupe.

Nessa época, estavam em moda os dramalhões de légua e meia: Fantasma Branco, Estátua de Carne, Remorso Vivo, Morgadinha de Val Flor, etc.

Com a extensão dos dramas e as trabalhosas mudanças de cenário, não é para admirar que, de ordinário, a função teatral terminasse às duas horas da madrugada.

Como amador do palco, fez época o Juca Calafate (José Correa Ribeiro). Desempenhava sempre a parte cômica. E, realmente, o Juca era um tipo galhofeiro, tinha sempre algum caso interessante e chistoso para contar, e possuía bom-humor admirável.

Uma noite, levaram à cena, no Amor à Arte, um desses dramalhões, cuja cena última tinha por fim comover e arrancar lágrimas.

No desempenho desse drama, o Duarte, cabeleireiro, fazia o papel de príncipe; e Juca Calafate, o de soldado da guarda do palácio residencial do príncipe.

No final do último ato, o príncipe entra em cena, e o soldado conserva-se assentado.

– Então, soldado? Que falta de respeito é essa à autoridade do seu príncipe? Você não me conhece?

Juca Calafate lança ao príncipe um olhar de mofa, dá estridente gargalhada e responde insolentemente:

– Qual príncipe, qual nada! Quem é que não conhece o Duarte cabeleireiro, o sujeito mais velhaco de Cuiabá, o barbeiro mais sabujo que aqui existe?

E, por aí afora, Juca Calafate passou tão tremenda descompostura no príncipe, que este perdeu a tramontana e atirou-lhe uma cadeira!

E o drama, que devia no final provocar lágrimas, fez a platéia desatar em gargalhadas, transformando-se em hilariante comédia.

Antônio Vieira de Almeida, cuiabano, nascido em maio de 1873.

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Falecido no Rio de Janeiro, a 29 de fevereiro de 1916. Jornalista e contista. Patrono da cadeira nº. 27 da Academia Mato-Grossense de Letras. Deixou um livro inédito Contos de Outras Eras.

CONVERSÃO

Encostado à grade da prisão, Pedro, o célebre e audaz facínora que fora o espantalho de toda uma população, em cujo seio a sua gazua e o seu punhal obraram prodígios, olhava para o pátio da cadeia que lhe ficava frente em frente, banhado, àquela hora, da linda luz acariciadora do Sol.

Quem o observasse de perto veria que seus olhos estavam rasos d’água. Contando, ninguém acreditaria!

Pedro sempre fora um mau, um perverso, e a sua consciência um negro fosso em cujas profundidades nunca se divisara sem o vislumbre de um pensamento bom. Sua própria mãe, ele a abandonara desde criança, seduzido pelas más companhias, que o fizeram um ente desprezível e perigoso.

... E aquelas lágrimas tinham uma grande significação, eram o resultado do arrependimento, a linguagem da consciência acusando o passado, esse fantasma sombrio!

E toda essa grandiosa transformação era obra de um homem, dos seus conselhos, da sua bondade infinita.

Desde que fora recolhido à cadeia, o carcereiro, uma grande alma benfazeja, amigo e protetor dos presos, a quem sempre tratava com carinho e amor, tomara a seus ombros a humanitária tarefa de converter, de iluminar aquele coração onde só trevas havia... E todos os dias o visitava na prisão, sentava-se ao lado dele como um amigo ao lado de outro amigo, e falava-lhe da família, do amor, da virtude, estigmatizando o crime, exaltando os mais puros e os mais alevantados princípios.

E, naquele dia, o excelente homem soube, como nunca, falar ao coração do condenado, comovendo-o com a sua palavra cheia de bondade doce como carícia, alentadora como a esperança.

Dir-se-ia um inspirado, como Cristo o fora outrora, semeando o bem por toda parte, convertendo os maus, levando a todos os espíritos a luz redentora da verdade e da fé.

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Assim falou então:

Sabes, meu amigo, em quem estive pensando há pouco? Em tua mãe, naquela pobre velhinha, a quem num momento de desvario abandonaste, para seguir o caminho dos maus.

Avaliava, então, a grande alegria, a satisfação imensa que ela experimentaria no dia em que livre, tu corresses, de braços abertos para junto dela, dizendo-lhe: minha mãe, eis aqui o teu filho, foi grande o seu crime abandonando-te, mas perdoa-o, porque ele tem sofrido muito e, ainda mais, porque está arrependido!

E estas palavras bailaram agora na imaginação do infeliz preso, produzindo em todo seu ser uma revolução extraordinária, mostrando-lhe a existência por um novo prisma, fazendo-lhe à alma um bem enorme como nunca houvera experimentado.

Sentiu-se tal como quem vê despontar a madrugada após uma longa noite cheia de tristezas e sombras, pontilhadas de horríveis sobressaltos.

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Chegou, afinal, o dia da liberdade!

A boa nova, recebeu-a ele pelo seu generoso amigo, o carcereiro, e chorando lágrimas que lhe brotavam do íntimo, de joelhos soluçou:

– Ah! Meu amado protetor, nunca me hei de esquecer de vossos carinhos, da amizade desinteressada que sempre me dedicastes. O vosso nome, eu o repetirei como uma prece, como se murmura uma oração fervorosa. Os vossos conselhos serão lá fora o meu guia, tenho-os bem gravados na minha imaginação.

Não sei como vos agradecer o que fizestes por mim, quando todos me repeliam porque eu era mau, quando sobre os meus ombros pesava a autoria de muitos crimes, quando a lei me atirara para o fundo deste cárcere, que a vossa bondade converteu num doce oásis, que o vosso magnânimo coração transformou num sagrado templo, onde aprendi a ser bom, onde, no meu peito, morreram para sempre os rebentos da árvore do mal, que enegreceram os meus passados dias.

Vede essas lágrimas que me rolam pelas faces? São a expressão sincera da minha gratidão imperecível. Agora, dai-me a vossa mão

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generosa, quero beijá-la. E os olhos do carcereiro umedeceram-se também...

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Deixando a cadeia, o primeiro cuidado de Pedro foi tomar o caminho da casa de sua velha mãe, situada a algumas léguas da cidade, num arraial.

Era grande a ansiedade que tinha em vê-la, arrojar-se a seus pés, pedir-lhe perdão, depois cobri-la de beijos e a estreitar bem forte sobre o peito. Por isso, caminhava tão ligeiro quanto lhe permitiam as forças.

Pudesse, e voaria então, e, de um só vôo ousado, galgaria toda a distância.

Era por uma linda manhã de maio. O céu era de um azul puríssimo, e o Sol parecia derramar sobre a terra mãos cheias de ouro.

Nas margens da estrada que ele percorria agora, alegres passarinhos cantavam, nas verdes ramarias poisados, saudando a natureza, a grande mãe criadora. No entanto, ele não tinha olhos para esse quadro admirável, nem ouvidos para ouvir a doce música dos ninhos, cheia das mais suaves melodias.

O desejo que tinha de ver sua mãe absorvia-o completamente. E, pensava, que alegria imensa, a sua, quando a abraçasse! Quando a tivesse a seu lado, ouvindo-lhe a voz carinhosa, cheia de doçura, bondade e de meiguice!

Por vezes, julgou vê-la diante de si, com um sorriso bom nos lábios já encarquilhados, os cabelos brancos como a neve...

Só ao cair da tarde, à hora triste do crepúsculo, foi que ele chegou ao arraial.

Até que enfim, balbuciou, ao avistar a casinha branca onde nascera e onde supunha ainda encontrar aquela que lhe dera o ser.

E apressou então mais o passo, como se tivesse receio de que ela fugisse qual visão de sonho...

Sentiu um grande golpe alancear-lhe o coração, ao verificar que a casinha estava fechada, ameaçando desabar, sem o menor indício de que alguém a habitasse.

Soube, então, que sua mãe já não existia.

– E morreu sem lançar-me a sua benção, sem conceder-me

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o seu perdão, gritava como um desesperado. Ah! Que desgraçado que sou! Por que a abandonei? Por que me deixei arrastar pelas más companhias, pelos sentimentos maus?

E, cansado, exausto, caiu por terra como um vencido, soluçando...

A manhã seguinte veio encontrá-lo ainda ali, de bruços, dormindo um sono cortado de pesadelos.

O conto não é lá grande coisa. Segundo informações que me prestou o coronel Benedito Bruno da Silva, além de homem culto, teria Antônio Vieira de Almeida (Totó Vieira) sido grande orador.

Nicolau Fragelli, corumbaense, nascido a 13 de novembro de 1884, e falecido na cidade de Campo Grande, MS, a 16 de fevereiro de 1949. Médico, político e jornalista brilhante, sendo um dos maiores do Estado. Dirigiu por muitos anos o jornal O Progressista, de Campo Grande, e era membro da Academia Mato-Grossense de Letras, onde ocupou a cadeira nº. 33, que tem como Patrono Mariano Ramos. É de sua autoria a seguinte página, trecho do seu discurso de posse na Academia Mato-Grossense de Letras.

O JORNALISMO

Particularizo, primeiro, o jornalismo e, preferentemente o nosso, esquecido de que em Mato Grosso essa atividade está ainda nos seus rudimentos, muito pouco se distanciando do que existia no Império, que não contava com as vantagens do avião, do telégrafo e, muito menos, do rádio.

E não é para nos causar pasmo essa verdade, se considerarmos que a imprensa mais ou menos senhora dos recursos modernos: papel linha d’água, linotipos, clicherie, material bom para tudo que constitui a arte gráfica, etc., essa imprensa ajustada à trepidação da vida atual está em função do número de habitantes que, no nosso Estado, se exprime ainda por um índice desconsolador.

Mas, não obstante nosso lento andar na esfera demográfica, não se pode negar que o processo parece desviar dessa contingência para se alastrar por toda parte, na ordem direta da facilidade de transporte, superando óbices que mais avultam na nossa terra do que alhures. E não deixa de ser triste surpreendermos o contraste entre

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o avanço e a inércia de nossa imprensa, imprensa que, na definição sintética de Ruy, “é a vista da nação”. E é Ruy que explica: “Por ela é que a nação acompanha o que lhe passa ao perto, e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alvejam, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça”. E é ainda Ruy quem diz: “é mediante a publicidade que os povos respiram”, ajuntando esta frase de algum: “a imprensa é a garantia de todas as garantias”.

Ora, por essas cristalinas palavras do grande baiano, infere-se quanto valem para a vida dum povo os órgãos de publicidade, que têm objetivos muito mais importantes de que, de relance, se podem avaliar.

Já Ortega Y Gasset diz, por sua vez, que

el periódico es al arte del acontecimiento como tal. Su misión no es buscar la realidad latente, que un día quedará destilada de los sucesos. Esta destilación es faena que se hace siempre mañana, lejos del hecho inmediato; es anatomía, análisis, abstracción. El periódico, por el contrario, asiste al acontecimiento, y lo que más debe interesarle es, precisamente, su apariencia, lo que de él se habrá ya mañana volatilizado.

Vê-se claramente, pelas palavras do filósofo ibérico, que o que mais deve preocupar o homem de imprensa, como artista do acontecimento, é gravar, nas colunas de seu jornal, a exterioridade que impressiona imediatamente; o que se oferece à primeira vista, aos sentidos. Essa é justamente a parte do acontecimento que se evola dum dia para outro, e que precisa ser fixada pelo jornalista. Fica para o comentarista moderno, ou para o historiador, registrar, au jour le jour, todos os acontecimentos que podem prender a curiosidade pública. Tal não é dado ver, ainda, nos nossos jornais que, além de se acharem desaparelhados para colher e publicar, de todos os fatos e feitos, aquilo que mais de pronto alvoroça a coletividade, não possuem reportes suficientes para evitar a fuga do que mais interessa no acontecimento. E não falemos aqui do mutismo propositado determinando, algumas vezes, por circunstâncias singulares que surgem na sociedade, e outras, por inflamado partidarismo, que se nega a noticiar, por exemplo, a chegada dum Eduardo Gomes a Corumbá.

As restrições que venho de fazer no tocante à vagarosa

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evolução da imprensa de nosso Estado, não me tolhem, contudo, o prazer de assinalar que, não obstante a inópia de que não pude ainda desvencilhar o nosso periodismo, tem ele podido, todavia, a tudo sobrepor-se sempre, para dar conta do seu papel social, de sua ação educativa, de sua missão patriótica. E como conseqüência correlativa dessa eficiência funcional, há a imprensa imperial e republicana de nosso Mato Grosso produzido jornalistas de sedutores predicados de estilo, de arte e de cultura, capazes de brilhar, como se tem visto, mais ainda, quando solicitada a sua virtuosidade pelos estímulos inerentes aos grandes centros.

Jornalistas há os ocasionais, há os curiosos, os supranumerários da classe, que surgem e pululam nas encruzilhadas eleitorais, e há os que, uma vez iniciados nessa atividade, sentem-se a ela integral e definitivamente presos, não lhes sendo mais possível interrompê-la, sem sofrerem uma verdadeira coloidoclasia moral. A esse número pertenceram Alcindo Guanabara , Quintino, Patrocínio, Félix Pacheco, aqui no Brasil, e Mitre e Murature, na Argentina. Murature que à pena aristocrática e pitoresca que Otávio Amadeu inspirou esta frase: “El periodista es como el sacerdote; una vez ungido, su marca es indeleble”. E é a esta categoria, a esta casta nobre de verdadeiros apóstolos, que cabe, por certo, a salvaguarda desse precípuo dever da imprensa que é a verdade.

Ruy mostrou como os regimes que se desmandam para o absolutismo, vão entrando logo (são palavras suas) a contrair amizades suspeitas entre os jornais. Refere-se ao que, nesse sentido, se viu no império de Napoleão III, e na Alemanha de Bismarck que fundou a repartição da imprensa às margens do Spréa, a qual não passava da mais vasta fábrica de opinião pública que até então se viu, com filiais pelo mundo todo.

É bem de ver que a imprensa, assim inclinada para a mentira, se converte num verdadeiro flagelo para a coletividade. E, infelizmente, muita da fartura ostentada por certos órgãos da imprensa metropolitana não tem o selo da procedência que Ruy queria.

Mas, no que nos toca (falo agora como jornalista), não nos envergonhemos nunca da nossa pobreza e limitação material de nossa imprensa, desde que dessas condições não procuremos sair pelo caminho tortuoso da mentira, irmã gêmea do suborno.

Não há dúvida de que é empresa árdua dizer a verdade para os poderosos. E já Montesquieu dizia “c’est un pesant fardeau que

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celui de la verité torsqui il la porter jusqu’aux princes”.

Mas, superemos tudo pela verdade, fonte dos mais fecundos benefícios que a imprensa pode prestar à coletividade.

Nicolau Fragelli foi jornalista combativo. Se não foi um Alcindo Guanabaro, um José do Patrocínio, foi uma das mais brilhantes penas do nosso Estado. Não deixou livro publicado.

João Barbosa de Faria, cuiabano, nascido a 20 de fevereiro de 1878, e falecido no Rio de Janeiro, a 14 de julho de 1941. Etnógrafo e historiador. Foi sócio do Instituto Histórico de Mato Grosso e da Academia Mato-Grossense de Letras, onde ocupava a cadeira nº. 15, patrocinada pelo Visconde de Taunay. Publicou: Limites Orientais de Mato Grosso; Esboço Gramatical; Vocabulário; Lendas e Cânticos dos Índios Aritis (Paricis), uma edição do Conselho Nacional de Proteção aos Índios; Esboço da História de Mato Grosso (inédito).

João Barbosa de Faria era historiador seguro, mas de estilo pesadão.

CONQUISTA DO TERRITÓRIO

MATO-GROSSENSE

A situação de Pascoal Moreira Cabral e seus companheiros, nessa época, já era extremamente crítica. Padecendo, há muito, penosas privações de toda casta, e ultimamente desprovido de toda pólvora, chumbo e sal, eles tinham diante de si a mais desesperadora expectativa, que era a de acabarem nas mãos dos índios ou serem aniquilados pela miséria.

Fernando Dias Falcão, providencialmente, chegou a tempo de conjurar a crise e salvar os legendários pioneiros.

Entre os recém-chegados na monção de novembro, achavam-se dois personagens, paulistas de boa estirpe, mas também sobejamente conhecidos como contumeliosos e violentos, ambos facínoras que andavam foragidos da justiça de São Paulo. Eram eles os irmãos João Leme da Silva e Lourenço Leme da Silva, homens de haveres, que se apresentaram na Forquilha com grande comitiva de escravos e sequazes, e com farta provisão de mercadoria.

A presença destes homens no arraial logo se fez sentir. Em

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chegando aí, eles manifestaram-se em desacordo com a eleição de Pascoal Moreira Cabral para o cargo de guarda-mor. Objetavam que o eleito era um ancião valetudinário, e o posto reclamava um serventuário válido e valoroso.

Não obstante essa eleição não estar em causa e não comportar contestação, porque era fato já consumado, ninguém ousou contrariar os desígnios dos dois régulos dos sertões, e, em 9 de novembro de 1719, procedia-se a nova eleição, sendo sufragado o nome de Fernando Dias Falcão, por eles inculcado para o cargo de guarda-mor.

Pascoal Moreira Cabral submete-se com abnegada e prudente resignação ao esbulho da investidura, galardão de ingentes esforços e sacrifícios com que contribuíra para a conquista das minas, recolhendo-se, serenamente, ao ostracismo, onde o encontrou a morte, em 1726, em plena indigência, com os olhos fitos no trono de el-rei, ao qual suplicava as mercês prometidas aos descobridores.

Em princípios de 1720, entretanto, chegava a Forquilha a segunda monção, numerosa, na qual se destacavam vários paulistas de nomeada, entre outros o capitão Jacinto Barbosa Lopes, o sargento-mor João Carvalho da Silva, o capitão-de-mar-e-guerra João Martins de Almeida, Inocêncio Martins de Almeida, João Leite de Barros, Pedro Correa de Godói, os padres Jerônimo Botelho, André dos Santos Queirós, frei Florêncio dos Anjos, etc.

O arraial de Forquilha, inacabado arranchamento de mineradores que era então, ganha, a partir dessa época, notável incremento; ganha, sobretudo, a feição de um núcleo de povoação que se consolida.

A seguir, vem outro historiador também cuiabano, Antônio Fernandes de Souza, nascido a 15 de janeiro de 1879. Era sócio do Instituto Histórico de Mato Grosso e da Academia Mato-Grossense de Letras. Seu estilo, como o de João Barbosa de Faria, é também pesado, mas como historiador é fiel nas suas informações. Publicou: A invasão Paraguaia em Mato Grosso (1919); Luís d’ Alincourt; A Fundação de Cuiabá e Antônio Paes de Barros (Totó Paes) e a Política de Mato Grosso, (1958).

Do seu último livro, transcrevemos esta página.

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O MOVIMENTO ARMADO

A revolução estalou em Corumbá, no dia 16 de maio de 1906, coincidindo significativamente com a chegada, naquela cidade, do general Salgado, novo comandante da Guarnição Federal de Mato Grosso, nomeado em substituição ao general Abreu Lima – já afastado do cargo – e ao coronel Sebastião Barbosa que desempenhava aquelas funções interinamente.

Contando com a adesão de elementos militares e com a complacência das autoridades civis locais, o coronel Generoso Ponce promoveu o levante praticamente sem resistência e providenciou o embarque de armas, munições, gêneros alimentícios e do pessoal que conseguiu reunir, apossando-se das embarcações, surtas no porto de Corumbá, e subiu o rio Paraguai, rumo de Cuiabá.

Na altura da barra do rio São Lourenço, foi destacado o tenente Clementino Paraná, que, cumprindo a missão que lhe foi confiada, dirigiu-se à cidade de São Luís de Cáceres, subindo o rio Paraguai na lancha Aricá.

Pela calada da noite de 23 para 24 de maio, desembarcou naquela cidade e assaltou o quartel do 19º Batalhão de Infantaria, enquanto dormia despreocupadamente em sua residência o respectivo comandante Tacito de Moraes Vernes.

Dali regressou o tenente Paraná com sua valiosa presa, constituída de soldados, armas e munições. Em caminho, descendo o rio Paraguai, defrontou-se com o vapor de guerra Antônio João, vindo de Corumbá e trazendo a bordo o general Salgado que se dirigia a São Luís de Cáceres. Intimado por essa autoridade a render-se, o tenente Paraná recusou-se a cumprir a ordem do seu superior, dispondo-se a abrir fogo contra o vapor Antônio João. Em vista dessa atitude, o general Salgado regressou a Corumbá, permitindo, assim, ao tenente Paraná prosseguir a viagem e reunir-se ao grosso das forças revolucionárias que prosseguia subindo os rios São Lourenço e Cuiabá, aguardando reforços terrestres que estavam sendo aliciados em Cáceres, pelo Dr. Joaquim Augusto da Costa Marques, e em Poconé, pelo coronel José Teodoro de Paula.

Ao mesmo tempo, o coronel Pedro Celestino Correa da Costa, agindo na Região Norte do Estado, conseguia reunir elementos em Diamantino e Rosário Oeste, em sua maioria seringueiros retirados das feitorias onde trabalhavam e, em junho, já estava com sua coluna constituída e em marcha para Cuiabá, por terra.

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Isaac Póvoas nasceu em Cuiabá, a 4 de janeiro de 1886. Professor do antigo Liceu Cuiabano. Jornalista, folclorista e às vezes poeta. Como jornalista, Isaac Póvoas teve grande atuação na nossa imprensa, sobretudo no jornalismo político. Foi membro da Academia Mato-Grossense de Letras, onde ocupou a cadeira nº. 32, da qual é patrono Francisco Catarino Teixeira de Brito. Isaac Póvoas colaborou e dirigiu vários jornais. Seu artigo, Faca no Universo, tornou-se célebre na época.

OS TROVEIROS DO SERTÃO

Nas festas religiosas e profanas que fazem por ocasião do São João, do Natal ou do padroeiro da povoação, é que o estro sertanejo se expande, manifesta-se em toda sua exuberância. É precisamente, nessas ocasiões, que extravasam seus sentimentos de bem e de malquerer.

É de um espírito volúvel, desses que ainda não elegeram definitivamente quem deva ser a companheira de seus dias na solidão agreste do sertão, a seguinte confissão:

Cigarrinho de papéFumo verde num fumegaOnde tem moça bonita

Meu coração num sucega.

Outro, vendo-se desprezado pela morena que outrora lhe fazia girar mais apressado o sangue nas artérias, atira-lhe com toda serenidade este verso:

Eu tenho um lencinho brancoMarrado nas quatro ponta;Eu tenho meu amor novoDo véio num faço conta.

Com a mesma habilidade com que tece suas quadras românticas, apaixonadas, o sertanejo se mostra também exímio satírico. A sua ironia fere profundamente como os cardos dos cerrados.

Mais comum neste gênero nos desafios, surgem, entretanto, com

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freqüência, nas quadras isoladas, ressaibos de crítica, de chiste, como as que damos de amostra:

Moça morena é quituteMoça branca é canja friaQuero a morena pra sempreE a branca nem para um dia. Mulheres há para tudoPara o amor e para taca,Umas acabam no altarOutras na ponta da faca.

Varzearia não é vila,E também num é cidade;É somente uma chapadaOnde reina a farsidade

Dizem que a muié é farsafarsa como papéMas quem vendeu Jesus CristoFoi home, num foi muié.

O negro é sempre malvisto pelos cantadores. A inferioridade da sua raça o faz constantemente alvo predileto das chacotas, das suas ridicularias. É chegar um negro na roda do folguedo, toma logo pelas ventas versos como estes:

Negro não vai no céuNem que seja imperadô,Tem cabelo encarapinhadoQue arranhô Nosso Senhô. O anum é pássaro pretoPássaro de bico rombudoFoi praga que Deus lhe deuDe todo negro ser beiçudo.

Pepino maduro é que dá sementeMoça bonita é que mata a genteCabelo de negro quando vê penteAbre a cara, arreganha o dente.

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Interessante são estes improvisadores; mas os desafios prendem-nos mais a atenção. Neste gênero é que o sertanejo se mostra mais senhor de si; revela a sua habilidade, o seu saber, a sua presença de espírito, como se vê;

– Da palma nasce o palmitoDo palmito nasce a palmaVem dizer-me agora em versoQuem entrou no céu sem alma?

– Do palmito nasce a palma,Da palma nasce o palmito:Quem entrou no céu sem almaFoi a cruz de Jesus Cristo.

– Vou fazer uma perguntaPra você me destrinchá:Quero que me diga a contaDos peixes que tem no má.

– Você vá acercá o máCom moeda de vintém. Que eu então lhe digo a conta Dos peixes que nele tem.Si você nunca cercáNunca eu lhe digo também.

– Eu sô cabra perigoso,Quando pego a perigá;Eu mato sem fazê sangue,Engulo sem mastigá.– Eu sô cabra perigoso,Quando pego a perigá;Sou caboclo sem catingaSe quisé vem me cherá.

Nessa disputa, prosseguem os sertanejos pela noite a fora, degenerando esses desafios, as mais das vezes, em grossa pancadaria. Não raro é ver, ao fim de certo tempo de folgança, surgirem provocações do jaez dessa última, ou mais formais ainda como a que vai a seguir, dirigida a um toureiro poconeano

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por um colega cacerense:

– Caboco de PoconéÉ caboco matadô;Iscondido atrás do toco,Quando assusta, já matô.

Mas a resposta não se fez esperar:

– Verdade, num é mentira;Que eu sou memo matadôMato branco – faço crime;Mato negro – faço frô.

Naturalmente acanhado no trato com as pessoas estranhas a seu meio, o sertanejo se torna, entretanto, galhofeiro quando se diverte, procurando constantemente meter a ridículo os citadinos que assistem aos seus folguedos:

– Estes moços da cidade,De gravata e colarinhoPõe a mão no bolso delesNão tira nem um cinquinho.

Encontrou, porém, o satírico trovador, entre os do grupo da cidade, um espírito alegre que, aceitando o desafio, toma da viola e, enfrentando seu adversário, responde-lhe no diapasão sertanejo:

– Meu amigo cá do mato,Que anda de calça e camisa,Ponha a mão na consciência

Diga lá quanto precisa.

As festas tradicionais são celebradas no sertão com o resultado das esmolas tiradas por grupos de pessoas, dando a essas festas o nome de folias.

O chefe de cada folia é denominado folião. Percorrem estas folias, levando a bandeira do santo à frente, todos os sítios, povoações, freguesias e vilas vizinhas, tirando esmolas para o santo cuja festa vai ser realizada.

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Às vezes, dá-se o encontro de duas folias, caso em que se tornam necessários os cumprimentos.

Esses cumprimentos, ou são simples quadras de saudação e de agradecimento, ou é um desafio, como o seguinte que presenciamos:

– Encontrando duas bandeiras,Numa campanha sem fim,Eu quero que vancê diga:Em uma légua de terra,Quantos pés têm de capim?

– Encontrando duas bandeiras,Duas bandeiras sinceras,Eu devo lhe declará:Eu ando tirano esmolasNão ando medino terras.

Têm-se encontrado, igualmente, entre as poesias sertanejas, espécimes outros de versos que escapam às classificações estabelecidas pelos competentes no assunto. São versos em branco, às vezes exóticos, que Marinetti e seus epígonos não poriam, talvez, dúvida em subscrevê-los.

Darei deles umas amostras:

Eu queria sê serenoPra caí naquela frôÉ madrugada morenaQuando vai amanheceno.Cousa que eu arrenegoÉ moça feia namorá:Ela chega no meio da genteComeça a oiá de meu lado,Eu faço a cara fechadoPra ela num gostá de mim

Ai como padece um fio aieio, gente,Anda no mundo a pená;Imaginano seu pensamentoOra então.Que vida mais triste passaQuem tem amor.

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Filogônio de Paula Correa, professor de História do antigo Liceu Cuiabano. Mestre Filó nasceu em Cuiabá, a 20 de dezembro de 1886. Era membro do Instituto Histórico de Mato Grosso e da Academia Mato-Grossense de Letras, onde ocupou a cadeira nº. 20, patrocinada por José Estevão Correa. Era “um imenso talento”. Lembrava Eça descrevendo Pacheco, na Correspondência de Fradique Mendes. Mestre Filó desde moço foi professor do Liceu Cuiabano e durante 40 anos lecionou História, adotando um só livro: Compêndio da História Universal, de Raposo Botelho, professor português. Filó com o seu “imenso talento” apenas publicou Limites de Mato Grosso com Goiás (1918 – 22 páginas); Cuiabá, (1944, edição do Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda). Esta obra trata de conferência pronunciada na Casa Barão de Melgaço, no dia 8 de abril de 1944, data aniversária de Cuiabá, e comemorativa do 25º ano de instalação do Instituto Histórico de Mato Grosso, com 24 páginas. Como professor sabia transmitir os seus conhecimentos. Era humorista, pronunciou várias conferências de caráter humorista na Academia, mas que eu não achei graça alguma e por isso vamos transcrever o trecho de uma dessas conferências.

PESOS E PESADOS

O Dr. José Maria Metelo, primeiro deste nome, apesar de prestigioso e de ser formado em borla e capelo, era pesado para certas pretensões. Estava para a presidência do Estado como o conselheiro Ruy Barbosa para a presidência da República. Em 1892, foi um dos mais papáveis e foi barrado, e em 1899 o pleito em torno de seu nome foi causa de revolução daquele ano. Além de candidato a presidente do Estado, ele foi já, em 1885, candidato a deputado geral, tendo sido a eleição, por ele pleiteada, a mais renhida de quantas tivemos no antigo regime, anulada posteriormente.

Em 1908, a sua candidatura a senador foi vivamente guerreada no seio do partido da Coligação Mato-Grossense, indo de encontro a idêntico desejo do coronel Generoso Ponce. Candidato em 1889, proclamou-se a República.

Quando o coronel Pedro Celestino iniciou campanha contra o governo do Dr. Costa Marques, com a questão do Mate, havia aqui um tipo de rua que se intitulava o Pesado; enquanto ele assim se proclamou, o partido perrengue nada conseguiu.

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O Juca Calafate, pessoa prazenteira e boa, acreditava-se encaiporado por engano de Deus.

Quando saía de Portugal para tentar fortuna no Novo Mundo, para “sofrer na América”, como por lá dizem, sua velha mãe, inconsolável e chorosa, abençoando-o, falou: – “Ah! Meu filho, Deus queira que nunca tenha nada”. Ela se referiu a moléstias, mas Deus entendeu que se tratava de haveres, daí o andar ele sempre pronto.

O padre Ernesto Benevides, no seu livro Erros Sociais, insurge-se contra quem admite o peso dos sacerdotes, analisando uma frase muito repetida: “Há descarrilamento; vai um padre no trem”.

Os choferes acreditam que há, para os autos, passageiros felizes e passageiros encrencados.

Alguns há que basta que tomem um carro e já logo tudo desorganiza, mesmo que sejam as peças todas novas e muito ajustadas. Paes de Oliveira é um deles.

O Sr. De Scalas já fez soar todas as notas na escala das desventuras, mas ainda continua tinindo, a apitar. É o campeão do peso-pesado.

O João José contesta-lhe, entretanto, com ótimas credenciais, o título de campeão.

Agente de uma delegação consular, que não possui súditos em Cuiabá, e de cujo país nem mesmo é filho, pretende exercer a sua influência sobre a Colônia Síria, cuja recente revolta, contra alheias tutelas, ameaça retirar-lhe o último reduto de ação.

Miguel Boabaid, para neutralizar as más conseqüências de suas freqüentes visitas, adquiriu uma figa, do tamanho natural de um antebraço, colocando-a em lugar de destaque na sua agência de navios.

Leovegildo Cunha, Briene, Humberto, frei Ambrósio, etc., sentiram as conseqüências da sua aproximação. O Clube 3 de Outubro não perde por esperar. Padre Teodoro maliciosamente insinua que uma parede do Liceu começa já desabando.

Somados os fatos, Biancardini deu-lhe o fora, não tendo ainda o Elpídio feito o mesmo.

Agente do jogo do bicho deu tanto azar aos banqueiros que a praga esteve a ponto de extinguir-se entre nós, mas como isso importava num grande benefício, arranjou colocação depois da

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derrota de São Paulo.

Salomão Cristão é impiedoso. Nomeado arquivista do serviço de índios, era, logo depois, extinto o cargo; o lugar que conseguiu nos Telégrafos foi igualmente suprimido; foi servir à Instrução Pública durante o impedimento de um funcionário e, quando se deu a vaga definitiva, nomearam um terceiro; foi também nomeado para um cargo em Santa Rita do Araguaia e, viajando para lá, foi surpreendido pelas chamas no caminhão em que estava, perdendo toda a bagagem. Foi depois morar no bairro do Baú, em companhia de uma viúva. Pouco tempo depois a viúva enlouquecia.

O Marcal fez-se conhecido como guarda-livros das casas candidatas à falência.

Seduziu depois o genro para uma grande plantação de cebolas, e estas não brotaram.

Estou convencido de que, se ele negociar em carapuças, as crianças nascerão sem cabeça.

Torquato não se apruma e desapruma os seus clientes.

Desde o massacre da baía do Garcez, a macaca o persegue.

Advogado de uma parte, faz pouco foi a Santo Antônio embargar uma praça.

A parte contrária, interessada em não haver o embargo, recebeu-o na vila onde ele chegara, em viagem especial de auto, duas horas antes da audiência.

Cercou-o de muitas gentilezas e ofereceu-lhe café, detendo-o depois em atraente palestra.

Quando ele chegou ao edifício da Câmara, o termo de arrematação estava já lavrado e assinado.

Regressou para aqui tendo gasto 200$000 de transporte.

Eu julguei que o movimento de São Paulo ia ser vitorioso porque os pesados todos estavam do lado de lá, só depois é que me disseram que o Ilídio Bela e o Torquato eram constitucionalistas.

Benedito Curiangu é diretor do recorde do peso-leve. Acredita-se sempre um egresso de melhor sorte. A República Nova precisa cair, porque ainda não lhe deram emprego, apesar das promessas do homem da Rua de Baixo, de quem ele acredita que lhe venha o peso, por irradiação.

Dentre as propriedades azaradas, a Usina do Itaici ocupa o

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número 1. Ilustre causídico afirmou-me, há pouco, que ela ainda há de ser, por muito tempo, patrimônio dos advogados.

O coronel Antônio Paes de Barros mandou construir, naquela propriedade, uma casa de sobrado para a residência do mecânico D. Jorge.

Tal casa ainda não foi concluída, e o atual proprietário da usina garantiu-me, mesmo, que vai mandar demoli-la.

A casa em frente ao jardim do porto, propriedade de Maneco Albarnez, traz a sina de enlouquecer aos seus inquilinos. No governo Mario Correa esteve a ponto de ser demolida para a abertura de uma avenida. Isso, entretanto, não se deu para que ela continuasse a cumprir a sua negra missão.

A casa grande do Largo da Mandioca arrasou o Beneditão e quase endoideceu o Fernandinho. Garantem que no primitivo prédio, edificado no seu terreno, assinavam-se as sentenças de morte.

O prédio da Rua Formosa, em frente ao mercado do 1º distrito, vem pagando a culpa de assistir à passagem dos condenados, que se dirigiam para o Largo da Forca. Eduardo de Pinho, Galvão e Cia., Paulo Schmidt e Florêncio de Amorim foram as suas vítimas.

A sua desdita entendeu-se mesmo para a rua em que está. Pretenderam trocar-lhe o nome para rua – João Pessoa – e o orador do meeting morria logo depois, lamentavelmente assassinado.

O Salgado, que oferecera as placas para o futuro nome, viu sair-lhe das mãos a chave do cofre que contém o dinheiro do qual era ele o guarda.

A casa do Seror, antiga Loja Pina, tem mandado à glória os seus inquilinos, o mesmo acontecendo ao prédio da Rua do Meio, onde nada bem se deram Ovídio Mamoré, Pedro Maciel, Alfredo Neves e Pedro Strabel, assassinado quando ali morava. Zé Lopes pretende quebrar-lhe o encanto.

O palacete do Bosque persegue os palacianos que têm nele a sua residência particular.

O seu primitivo dono teve ali a sua velhice amargurada por desgostos íntimos, e o seu filho e sucessor, na propriedade da casa, perdeu nela, em pouco tempo, as suas esposas da primeira e segunda núpcias, durante o tempo em que foi oficial maior da secretaria do governo.

Velho chefe viu ali empalidecer a sua estrela política; o Dr.

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Mário Correa passou nela, agitadíssimo, todo o seu quatriênio; o Dr. Aníbal de Toledo só conseguiu governar nela pelo espaço de um ano, e os três interventores do período da revolução até agora não gozaram calma.

Para terminar, um aviso sobre os objetos de vestuários: roupa marrom, sapatos com salto baixote, elástico aos lados e chapéu verde não gozam de bom conceito. Deste último, o Dr. Amarílio Novis dá testemunho pessoal e insuspeito.

Possuía um chapéu verde que em tudo o atrapalhava. Preveniram-no disso, não acreditou. A esposa, entretanto, impressionou-se, e fê-lo dar de presente o chapéu.

Cessaram os contratempos para ele, mas o presenteado, no mesmo dia da estréia, tomou uma tremenda carraspana, fez distúrbio e foi na cadeia.

Como, entretanto, havia chovido e no trajeto para a casa amarela deviam passar por uma sarjeta com abundante água corrente, o chapéu rodou, e com ele a urucubaca.

E agora, antes que os circunstantes virem, de cabo para baixo, alguma vassoura atrás da porta, ou deitem ao fogo alguma pedra de sal, a fim de que eu ponha termo a esta estirada resenha, despeço-me da assistência, prometendo para a próxima vez o tomo segundo do assunto: – Mulheres Pesadas.

Ora, isso não tem nada de humorismo. Pode ser, por muito favor, a grosseira chalaça portuguesa.

Entretanto, o professor Filogônio era um homem culto, mas produto da sua época.

Virgílio Corrêa Filho, nome civil: Virgílio Alves Correa Filho. Nasceu em Cuiabá, a 8 de janeiro de 1887. É um dos grandes historiadores mato-grossenses, sócio-fundador do Instituto Histórico de Mato Grosso e da Academia Mato-Grossense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Publicou as seguintes obras: Estrada da Chapada (1910); Questões de Terras (1923); Notas à Margem (1923); Às Raias de Mato Grosso (4 volumes, 1925); A Síntese de um Governo, Monografias Cuiabanas (7 volumes, 1926 e 1927); Predecessores de Rondon (3 volumes, 1930); Os Tratados com a Bolívia (1930); Impressões de Campo Grande; A República em Mato Grosso (1934); Alexandre Rodrigues Ferreira; Mato Grosso; Luís de Albuquerque (1942);

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Joaquim Murtinho e outros trabalhos de real valor.

A QUESTÃO DO ACRE

Mas, já se achavam estremecidas as relações políticas dos dois maiores dissidentes, quando Plácido de Castro revolucionou o Acre, para livrar seus patrícios do arrocho da desnacionalização das paragens fabulosas que o governo boliviano doou ao forte sindicato industrial.

Estreante no Itamarati, Rio Branco tomou a questão por outra face, diversa da que lhe emprestaram os seus antecessores.

Em perfeita harmonia com a expansão instintiva dos desbravadores de seringais, declarou erronia a interpretação até então dada ao Tratado de 1867, que regulava o assunto, envolto nas incertezas dos mistérios não ainda desvendados, e empenhou todo o seu prestígio para solucionar a dificuldade que se lhe deparou, sem provocar maior grita.

Obtida a desistência dos interessados estrangeiros, mediante compensadora indenização, cuidou de negociar com a Bolívia conveniente transação.

O Brasil reclamava para os seus filhos a posse da região litigiosa, que eles devassaram, povoaram, e integraram no patrimônio civilizado.

A Bolívia, que escudava a sua pretensão na própria hermenêutica do Itamarati, que lhe atribuíra o território compreendido entre o paralelo de 10°, 20” e a linha geodésica da foz do Beni à nascente principal do Javari, não quis abrir mão do que julgava seu direito, sem vantagens correspondentes.

Exigiu o máximo possível.

Além de pleitear parte do território do Acre, e a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, que serviria a zona litigiosa, realizando antiga aspiração boliviana na rápida saída para o Atlântico, os seus plenipotenciários valeram-se da oportunidade para conseguir a revisão do Tratado de 1867 em outras paragens, que não ofereciam sombra de dúvida, demarcadas, como se achavam, por comissões mistas.

E a Mato Grosso voltara as vistas, para propor a fronteira pelo Paraguai até a confluência do Jauru, e por este acima e pelo

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seu afluente Bagre até a Serra de Santa Bárbara, de onde procuraria o sítio mais próximo do Guaporé.

Era, em pleno século XX, o anacronismo do Tratado de 1750, a traçar a divisa contra a qual os governos coloniais apresentaram objeções poderosas.

Paranhos replicou, para ceder parte do território mato-grossense, em Bahia Negra, Lagoa de Cáceres, ao flanco de Corumbá, Gaíba, Mandioré, contra o voto de um dos plenipotenciários brasileiros, nada menor que Ruy Barbosa, de quem recebeu o pedido de exoneração, acompanhado de explicações mais pormenorizadas em carta.

“As questões de territórios, como as de honra, são as que mais exaltam o melindre nacional. Portanto, que os homens de Estado têm de resolvê-las, se as quiserem deixar com efeito resolvidas, e medirem o mar das agitações alimentadas por uma impressão popular da ofensa à integridade do país.

Por isso me opus em absoluto à cessão da margem direita do Madeira, que felizmente não vingou.

Ainda entendia que, nesse gênero de concessão, devíamos caminhar sempre por outros tantos perigos...

Contudo, até aí se poderia ir, suponho eu. Mas somar a todas essas verbas 5.973km de território brasileiro, é o que me parece uma generosidade, cuja largueza excede, a meu ver, o limite dos nossos poderes.

José Jayme Ferreira de Vasconcelos nasceu no Rio de Janeiro, a 16 de fevereiro de 1888. Talvez seja o intelectual de vida mais agitada que o Estado já possuiu. Em 1911, por ocasião da fundação da Academia da Imprensa, no Rio de Janeiro, quando disputando uma das dez cadeiras daquela Sociedade, Jayme vence o pleito, mas por esse motivo se bateu em duelo com o jornalista José do Patrocínio Filho. Os adversários eram tão maus atiradores que as balas passaram silvando, sem tocar em nenhum deles. Veio para Campo Grande, onde fixou residência, e naquela cidade fundou e manteve pelo espaço de 40 anos um jornal diário – Jornal do Comércio.

Membro da Academia Mato-Grossense de Letras, ocupou na Casa Barão de Melgaço a cadeira n°. 35, que tem como patrono Joaquim Pereira Ferreira Mendes. Publicou: O Direito em Ação (300 páginas, Edição Irmãos Pongetti); Projeto de Código do Processo Civil e Comercial (250 páginas); O Dr. Aníbal

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de Toledo e o Estado de Mato Grosso (200 páginas); Nulidade de Casamento no Direito Vigente; O Domínio Derivado nas Ações de Reivindicação no Código Civil; Os Direitos do Assistente nas Ações de Divisão; As Escrituras Públicas a Non Domino e o Direito de Propriedade; Lauro Sodré, a Amazônia e o Brasil; Clóvis Beviláqua, o Jurista e o Amoroso; Estevão de Mendonça e a Historiografia Mato-Grossense.

A IMPRENSA DO INTERIOR

Apelamos para que os nossos colegas dos pequenos jornais das cidades sertanejas digam se estamos exagerando em nossa apreciação, ao pedir que se olhe, que se atente, que não se subestime a pequena imprensa, contra a qual se alega a reduzida circulação dos nossos jornais, sabido como é, e se documenta com as quotas do papel importado, que as tiragens raramente ultrapassam cinco mil exemplares nos diários e dois mil nos semanários. Atente-se, entretanto, ao fato incontestado de que a circulação de um só exemplar de pequeno jornal do interior, mesmo semanário, é muitas e muitas vezes maior do que a de um grande diário de manhã dos grandes centros, que é pouco depois superado pelos vespertinos noticiosos e sensacionalistas.

O modesto jornalzinho, que o sertanejo recebe no sítio ou na fazenda, ele o envia ao seu vizinho, com as insignificantes notícias do aniversário ou noivado da filha, ou de algum acidente de interesse da família. Um só jornal corre de mão em mão, de fazenda em fazenda, multiplicando a amplitude de sua circulação originária e, conseqüentemente, o valor da sua publicidade.

Herbert Moses, este nosso insuperável e infatigável líder, escreveu-nos, e sua Mensagem pelo 35°. aniversário do nosso jornal está em nosso arquivo, que para ele e para a gloriosa Associação Brasileira de Imprensa não há grande ou pequena imprensa, mas esta grande e esforçada família de jornalistas, em que todos trabalham pelo ideal da grandeza do Brasil. São lindas e generosas palavras que refletem nobres pensamentos. Mas, no terreno realístico, a nossa situação não lhes dá confirmação. Concretizemos a assertiva.

Qualquer um dos grandes diários, em seu cadastro bancário, tem seu título avaliado e avaliadas as suas máquinas e seu arquivo. E os jornais do interior? Estes, ainda que possuindo regulares oficinas gráficas dotadas de linotipo como jornal do signatário

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desta comunicação, não são sequer cadastrados, ou quando o são, é com base nos bens dos seus proprietários. As carteiras de crédito bancário não se abrem aos pequenos jornais, além do mais porque o limite dos seus recursos é absorvido totalmente pela imprensa dos grandes centros e das Capitais dos Estados litorâneos e pelo financiamento dos boletins e revistas mantidos pelos serviços públicos, e que custam à Nação somas tão altas, de tantos bilhões de cruzeiros, que causariam indignado assombro, se algum ilustre e curioso deputado conseguisse divulgá-las.

Essas observações, talvez amargas, são levadas ao conhecimento do Oitavo Congresso Nacional dos Jornalistas reunidos na bela Capital da decantada terra do Sol e berço de Iracema, para que os nobres colegas e líderes da profissão se lembrem de chamar a atenção dos poderes públicos para a angustiosa situação da esquecida e subestimada imprensa interiorana, que resiste a todas as dificuldades, serena, patriótica e vigilante nacionalista sem exageros ou deturpações.

Jayme de Vasconcelos, além de pertencer à Academia Mato-Grossense de Letras, foi membro do Instituto Histórico de Mato Grosso e presidente, por mais de 35 anos, da Associação de Imprensa Mato-Grossense e de várias outras sociedades culturais nacionais e estrangeiras.

Amarílio Novis nasceu em Cuiabá, a 13 de outubro de 1888. Faleceu no Rio de Janeiro, a 10 de abril de 1963. Uma das mais brilhantes inteligências do Estado, porém dispersiva. Colaborou ativamente na imprensa. Não deixou obra alguma publicada. Era membro da Academia Mato-Grossense de Letras, onde ocupava a cadeira n°. 38, que tem como patrono Frederico Augusto Prado de Oliveira. Amarilio Novis, mais conhecido pelo apelido Ari Novis, era também poeta. Foi um humorista fino.

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FOLHAS AO VENTO

Em tempos que já vão longe, uma das minhas visitas freqüentes, aos domingos, era a chácara do Ramiro, ali onde hoje a Escola dos Aprendizes Artífices, sem estrépido nem matinada, realiza devotamente obra altíssima a que foi destinada.

A esse tempo, a chácara era um mimo do mais refinado bom-gosto. Frutas e flores obtinham-se das mais raras espécies naquela magnífica vivenda.

E, sobrepairando a esse ambiente pitoresco de sombras e perfumes, a fidalguia do casal Ramiro. O espírito cintilante do velho companheiro, causeur admirável, geralmente festejado.

Encarregado do pomar era, então, o Atanásio, preto, alto, dedicado, respeitador como a maioria dos serviçais daquela época.

De uma feita, o Ramiro me preparou um sortimento de frutas escolhidas, e ao invés de, como de costume, entregar ao Atanásio o cesto para que mo levasse, me disse:

– As suas frutas irão à tarde. O preto foi esta noite ao velório de um compadre e deve estar a dormir.

Nisso passava o camarada na faina costumeira.

Chamou-o Ramiro:

– Vem cá, Atanásio.

Não me disseste, ontem, que ias a um velório?

Disse o preto, rodando o chapéu nas mãos:

Disse, nhor sim. Mas não tinha cachaça lá, voltei.

– E a consideração ao defunto?

Respondeu-lhe o Atanásio, dando para o lado uma cusparada de fumo mascado: – Velório sem pinga... gente nem não sinte...

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As festas do Divino que estão se realizando no corrente ano me fizeram lembrar do preto Atanásio: sem almoço na casa da festa... gente até perde a fé...

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Como poeta, vamos transcrever um trecho do Carnaval Político de 1924:

Eu, nhô Fernando Campos (Lobisomem)Conhecido demais pelo cognome,Morador lá na Rua Antônio João,(Condescendência e mera proteção)Bom professor de língua, e língua viva,Que das outras o mundo já se esquiva,Com poderes gerais constituídoO integrante maior do meu partido,Empunhando esta rútila trombeta,(O bombo vai tocado por Bondeta)Por ordem de quem manda nesta terra, Morubixaba nato lá na serra,Trago em público e raso este programa,Das festas todas que o governo tramaEm honra a Momo, em honra da Folia...Nunca vi por aqui, tanta alegria!...Já se preparam carros pra o cortejoIguais aos quais eu nunca vi nem vejoNos catálogos vindos de encomenda...E tão bonitos são que há já contendaEm torno ao “Grande Prêmio” cobiçado...Este prêmio, eu vos digo entusiasmado,É um retrato do Dito, o belo mano– A inveja capital do cuiabano...E, não fora o segredo da surpresa,Descreveria-o já, tenho certeza...Arrisco este começo: Está de beca!Que beleza, meu Deus! Uma boneca!...

Os carros construídos a caprichoSob as vistas do Mário, artista bicho,Darão a nota d’arte ao carnaval.São dez mimos de graça sem igual...– Simbolizando o primeiro a probidade...Nhô Pedro nesse vem todo à vontade,Engraxando ele próprio suas botinas.Exemplo das “virtudes peregrinas”...– No segundo vem Mário, o grande artista,No carro usurpação sempre na pista

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Do Barão de Antonina que lhe foge...– Forma em terceiro a gondola de um Doge...No carro catacumba, em que o Borralho,Singrando rio-abaixo sem trabalho,Entre flores e sírios, tem sumiço...– Segue, agora, senhores, o cortiço...

Este carro alegórico de intriga,No qual figuro como mãe da briga,Dos zum-zuns, disque-disque e boatos...– Como prêmio alcançado pelos fatosQue sagraram Bondeta um valentaço,Vai em quinto lugar, andando a passo,O carro treme terra, em que seu Dito,Todo escorado em cordas, esquisito,Lança murros terríveis às risotas.Inclusive as que vêm das molecotas– Gozando vem atrás o Filogônio.Em rubras vestimentas de demônio– No cavalo horroroso de Daydée,O Jaime suarento, faisandé,Traz Xulia jungido na garupaQue o lenço do nariz não desocupa...– Num fraque balandrau, de calças brancasO Novis da higiene vai dar pancas;Provará co’ injeções MedicamentaQue um boi pode ser pai de uma jumenta...

E assim prossegue o carnaval político.

Olegário Moreira de Barros, corumbaense, foi talvez o maior orador do Estado. Nasceu em 10 de março de 1890, e faleceu em Corumbá, a 6 de janeiro de 1969. Era membro da Academia Mato-Grossense de Letras, onde ocupava a cadeira n°. 34, que tem como patrono José Tomás de Almeida Serra.

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DISCURSO DE POSSE

Estou certo, ao transpor, hesitante, este portiço aberto para o cenário da arte, de que não premiastes um representante, mesmo medíocre, da nossa cultura literária.

E não é por falsa modéstia que assim, rudemente, me exprimo ao entrar para o vosso seio num dos mais gratos momentos de minha vida.

A ênfase da afirmação e o atrevimento da frase revelam, claramente, a resultante indeclinável da análise serena e consciente.

Realmente, por mais que esquadrinhe o passado, revolvendo-lhe os sonhos que sonhei sob a constelação ardente que iluminava a minha torre de marfim, nada, senhores, nada me acode à memória que me faça digno de conviver convosco sob o perfume das rosas destas arcadas místicas, enquanto a liturgia do oficio sagrado ides celebrando.

Que, afinal, fiz eu para merecer-vos?

É verdade (e que alvorada maravilhosamente esplêndida a levanta a esta recordação!), é verdade que, quando se me ia ainda muito verde a juventude, à ação irreprimível que o instinto da beleza nos desperta, enchendo o coração de poesia e a garganta de cantares, cheguei a fazer fracos ensaios literários em prosa e verso.

Mas, talvez, fossem os únicos, que a mão febril sinceramente escrevesse acompanhando o ritmo da tristeza ou da alegria que estalava o coração...

Não me recordo de outras tentativas que não malograssem, de trabalhos posteriores outros que fossem, simplesmente, versos alados para o firmamento, soluções sinceras sacudindo a alma ou, quando menos, mera preocupação dos rendilhados que deslembram pela forma, pela cor, extasiando os sentimentos ou encantando pelos pensamentos.

E a essas pobres produções, que a imprensa compassiva e acolhedora agasalhou, cuidando, certamente, que, menos murchas, outras florescências viessem, sempre faltou o condão do encanto e da graça e a harmoniosa vivacidade dos pássaros que voam, livremente, pelo espaço.

Datam esses primeiros e, creio, esses meus últimos ensaios, da frase ruidosa, dessa alegre matinada do Clube Minerva cuja vida,

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embora efêmera, deitou fundas raízes em nossa saudade.

Permiti, e não será inoportuno, que eu vos evoque, aqui, alguns dos seus mais pitorescos episódios, que a muitos também eles pertencem, e serão, assim, histórias contadas e vividas, fragmentos de nossa própria vida.

Éramos dezena e meia de rapazes, quase todos do extinto Liceu Salesiano São Gonçalo.

Nascera o Clube Minerva da força cálida e abrasadora dos nossos desejos, em um glorioso domingo de sol, quando os sinos das igrejas, em gritos claros, anunciavam solenidades religiosas.

Bastou, então, a nossa vontade forte, unida e harmônica, e, como na passagem bíblica, o Clube foi criado.

No seu escudo simbólico, lembro-me bem, talhado com pouca mestria em uma folha de zinco, amador patrício que, há um tempo, acumulava os pendores de músico, alfaiate, fotógrafo, desenhista e presidente perpétuo do Clube Habitantes da Lua, pintara, com tintas berrantes, uma senhora absolutamente hedionda, a que, irreverentemente, cognomináramos Deusa Minerva (!), sem atender que poderíamos ofender os melindres artísticos de Fídias.

Foi à sombra amorável dessa tenda, sob os auspícios dessa Deusa boa e desfigurada, que iniciamos, eu e vários de vós, que me honrastes com o vosso voto, a nossa despretensiosa carreira literária.

Curta, sim, a sua vida, mas o canto, que é a finalidade das cigarras e das aves, encheu-a ponta a ponta.

Parece-me, que não é licito dizer-vos, sem espontâneo embaraço, como o esperançoso ninho de sonhadores foi sacudido dos ramos em que o construíramos, e brutalmente arremessados ao solo. Só vos posso adiantar que, ao trágico acidente, se prenderam questões de ordem financeira, um acentuado e crescente desequilíbrio orçamentário. A causa mortis, afinal, se não me trai a memória, foi a impontualidade invencível no pagamento aos senhorios, razão, é verdade, de pouca monta para um bando de sabiás que enchiam de alegria e mocidade as mangueiras verdes e cheirosas de Cuiabá.

O que foram as nossas conferências, os saraus musicais que promovemos, a nossa imprensa então o maior assomo do nosso orgulho e toda a nossa glória afinal!...

O O Cruzeiro, de sete em sete dias, surgia como um viveiro de sons, de rimas e de cantos. José de Mesquita e Alírio de Matos,

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que formavam os pontos de apoio da vida jornalística de caravana bendita, irradiavam o mais robusto e fulgurante talento.

Em colunas vivemos intensamente, ora em filigranas de ouro, ora em som elegíaco, ora em notas ardentes como beijos que só o verso lírico pode traduzir.

Havíamos alcançado a Canaã dos nossos sonhos, éramos no esplendor do Olimpo...

Houve, é certo, uma época de não muito grata recordação na trajetória da sua vida luminosa, em que as asas azuis da poesia se encolheram, pendentes, embora Mallarmé entenda que a fonte inspiradora flua, mesmo, entre os anúncios dos jornais.

Foi quando começamos de arpoar os maus costumes e a discutir, com azedume, questões de linguagem.

À sátira e ao remoque sucederam, como era fatal, atritos de certa gravidade entre a nossa e a gente da Juventude, outro hebdomadário, não menos valente, que combatíamos.

O estilo engrossou, tornando-se áspero de lado a lado, até que, duma feita, os aretinos e os filólogos, arregaçando as mangas, quase se pegaram, a pau e a murros, nas imediações do Jardim Ipiranga, com estranhos e contundentes argumentos em torno das altas questões de linguagem.

Foi nessa fase gloriosa, mal entrando na mocidade, que escrevemos, quando as produções queriam, a nossa prosa e o nosso verso.

Notai, porém, Senhores, que essas clarinadas nada podem valer.

Que expressão positiva, que ativo literário, com efeito, podem elas representar que tenha a força para alçar-me até vós, a um Centro de Cultura onde se alteiam as mais ricas bagagens e os mais heróicos e suntuosos troféus?

Onde, pois, o motivo real de minha temeridade e dessa vossa generosa acolhida, senão na confiança que nutri em vosso coração magnânimo, certo de que dareis o amparo afetuoso à ambição santa de quen vos quer servir sinceramente acausa e defender a dama no instante apreensivo em que se armam conspirações contra a sua beleza?

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Cesário Correa da Silva Prado nasceu em Cuiabá, 26 de setembro de 1891, e faleceu no Rio de Janeiro, em 1969. Pertenceu à Academia Mato-Grossense de Letras, nela ocupando a cadeira n°. 37, da qual é patrono Antônio Vieira de Almeida. Era também membro do Instituto Histórico de Mato Grosso. Colaborou na imprensa do Rio de Janeiro, notadamente na revista Ilustração Brasileira. Usava os pseudônimos Hugo Bobisart, Edgar Muniz, Raul e J. Terra. Publicou: Passeio pelo Passado (Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 1954); Contos Breves (Gráfica Editora Aurora, Ltda., Rio de Janeiro, 1962).

O CHAFARIZ DO ALENCASTRO

Já adiantado em anos, Louzada punha em dúvida a notícia ou o projeto de certos progressos locais. Quando a gente se lembra do aqueduto carioca de Santa Teresa, não tem de estranhar a incredulidade do Louzada sobre a hidráulica. Na inauguração do chafariz do Alencastro, Louzada postou-se defronte para zombar daquela engenharia que desconhecia a lei dos vasos comunicantes. Riu-se a bom rir, limpava lágrimas de riso sufocador ao ver o fracasso dos roncos e borbulhos do chafariz, mas foi uma decepção quando o jorro fez-se contínuo e cantava alegre na bacia de pedra arrodeada dos basbaques...

O velho foi para casa abanando a cabeça e confessando que já não lhe faltava ver coisa alguma, já vira a água do Cuiabá à altura do Palácio...

Conta-se que a filosofia de Louzada era um tanto seca e egoísta. Que áspide da ingratidão mordera-o com tanta peçonha para o levar a negar o dever da beneficência?

Freqüentemente, dizia a um seu vizinho:

– Não se deve fazer bem algum e a ninguém. Do mal que se faz a gente se precata e nada acontece; do bem, espera-se a retribuição, e vem o mal que por inesperado nos fere e vence.

Sucedeu que recolhendo-se de noite, ao puxar a chave da fechadura se estatelou no passeio da rua; veio em seu auxílio o vizinho que o recolheu carregado e o acomodou no leito.

– Pela sua teoria, sió Louzada, eu não deveria prestar-lhe este auxílio?

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– Nunca, redarguiu o discípulo de Sísifo que mostrou o ser também de Pirro, a menos que o senhor não tenha querido haver de que se arrepender.

– Com tal agradecimento já estou arrependido, sió Louzada, boa-noite!

Entretanto, a amizade com o recém-finado arcebispo conseguiu adoçar esse agro-pessimismo e despertar-lhe a simpatia pelos homens. A retratação da tal teoria foi o seu testamento, cheio de generosos legados às instituições pias – para honra de sua memória.

Nilo Póvoas, professor de Português da antiga Escola Normal Pedro Celestino. Nasceu em Cuiabá, a 2 de outubro de 1892, e faleceu na mesma cidade, a 7 de abril de 1968. Era sócio da Academia Mato-Grossense de Letras, ocupante da cadeira n°. 14, cujo patrono é o padre Ernesto Camilo Barreto. Pertenceu também ao Instituto Histórico de Mato Grosso. Publicou os seguintes trabalhos: A Intervenção em Mato Grosso (1918); Esboço de História da Literatura Brasileira (1928); Formulário Ortográfico; Reparos e Teses ao Concurso para a Cadeira de Português; Tradições Que se Extinguem (1964).

Nilo Póvoas foi filólogo e educador emérito, uma das mais fulgurantes culturas de Mato Grosso.

LEÔNIDAS DE MATOS E O SEU GOVERNO

Queria a Providência Divina, entretanto, que os ideais de sadio nacionalismo, que inspiraram o presidente Getúlio Vargas no traçar as normas constitucionais por que se rege o Estado Novo, se comuniquem também a nós, mato-grossenses do Norte, do Centro e do Sul, para que rumemos por outros caminhos, pondo em prática uma política de horizontes mais amplos, escoimada dos preconceitos regionalistas e, sobretudo, brasileiros!

Não encerraremos estas linhas sem duas palavras em defesa do nosso saudoso conterrâneo, Dr. Leônidas de Matos, a quem o Senhor Arquimedes (Pereira Lima) inculpou de grandes erros, cometidos no seu governo, sem, todavia, deixar de reconhecer e proclamar, num gesto elegante de justiça, os excelsos atributos de caráter e de coração daquele grande mato-grossense, tão cedo

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roubado à família, que ele idolatrava, e ao Estado natal, a que ele deu sempre o melhor da sua inteligência e do seu patriotismo.

Erros pode o Dr. Leônidas ter praticado. E quem estará imune? Teria errado, entretanto, levado pelo desejo de acertar. Teria errado de boa-fé, o que não lhe pode ser desar. Se os mais experimentados estadistas erraram, por que exigir-se fosse deles isento o Dr. Leônidas de Matos, jovem ainda e com pouca prática de política e de administração? Errare humanum est.

Seja-nos lícito advertir, porém, que é ainda muito cedo para se pronunciar, definitivamente, sobre os atos praticados pelo Dr. Leônidas na administração do Estado. A paixão política, que se exacerbara tanto durante o seu governo e que ainda perdura, prejudicaria, por certo, um julgamento exato.

Uma circunstância, contudo, há mister retificada; pois que envolve um traço acentuado do seu caráter. Amigo e colega que dele fomos, com ele tivemos a honra de conviver durante largo tempo, desde os saudosos bancos ginasiais. Ficamos, assim, conhecendo bem o seu feitio moral, o que nos habilita a declarar, e o fazemos com satisfação, que Leônidas sempre teve personalidade e, por isso, sempre assumiu inteira responsabilidade pelos atos que praticava. Se erros podem ser apontados na sua administração, por esses somente ele responde. Ninguém mais. Assim, também, seria incapaz de consentir que, sob sua responsabilidade, se praticasse qualquer ato que pudesse macular a sua reputação de homem público e comprometer a sua administração, fosse quem fosse.

Poderão os seus adversários apontar-lhe defeitos e erros; mas terão que curvar-se ao império da justiça e confessar que Leônidas de Matos foi um homem de dignidade e de honra.

Palmiro Pimenta, cuiabano, nascido a 7 de outubro de 1892. Membro da Academia Mato-Grossense de Letras, onde ocupava a cadeira nº. 10, patrocinada por Prudêncio Giraldes Tavares da Veiga Cabral, e do Instituto Histórico de Mato Grosso. Foi fundador da primeira Faculdade de Direito de Mato Grosso e seu diretor. Exerceu, por vários anos, o cargo de vice-presidente da Academia Mato-Grossense de Letras. Fundou e dirigiu a revista Anais Forenses. Era uma das mais brilhantes culturas do Estado.

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A TROVA BRASILEIRA

Um dos mais ilustres escritores da moderna geração lusitana, sempre que assim se lhe depara a ocasião, arremete contra o fado e, num trabalho ingente de iconoclastismo, procura demonstrar que ele nada tem com a alma portuguesa, que é filho do Limoeiro e, dessa forma, representante de uma reduzida minoria que não pode dar a precisa idéia do sentimento nacional.

Não sei se tem razão o literato de além Atlântico... ou se é uma pontinha de vaidade dos que renegam a ascendência, por vergonha da sua humildade.

Nós aqui não poderíamos dizer o mesmo. Talvez porque oriundos da raça lusa, ainda amalgamada com a nostalgia de negro e a bravura indômita do caboclo, somos por natureza trovadores. E quem percorrer o Brasil em qualquer direção pode até não encontrar a viola que em muitos sítios é substituída por um monocórdio de origem africana, mas encontrará a trova, a quadrilha nossa, genuinamente brasileira, ‘nossa mais elementar forma de arte que, nos seus quatro versos de sete sílabas, contém muitas vezes um estado fugitivo de alma, um demorado aperto de coração, desejo, queixa, agrado, malícia... comunicados a outros com sinceridade e com simplicidade’.

E quando ela fala à nossa alma, diz aos nossos sentimentos, traduz o nosso temperamento, sabem aqueles que longe do bulício cosmopolita das cidades vão rio-abaixo ou rio-acima contemplando a lua de prata dos nossos céus.

Na galera dos amoresTodos se embarcam cantandoPorém no fim da viagemTodos se apartam chorando.

Ou outra qualquer, onde o bom-senso, o chiste, a graça, a

malícia dos nossos sertões se espelham, não tem, não pode fazer perfeita idéia do que é a trova para a alma brasileira.

Para cada sentimento há a quadrinha simples, muitas vezes sem arte, mas cheia de sentimento, cheia de audácia, e para revelar até onde vai a inteligência do íncola das nossas terras aí está o desafio, a bravura rimada que muitas vezes o orgulho dos litigantes faz acabar em tragédia!

O mais importante é a despreocupação desses nababos do sentimento que nunca procuram reaver a propriedade dessas

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verdadeiras jóias da imaginação que atiram aqui, ali, alhures... Que poeta não se sentiria orgulhoso de assinar quatro versos em que há tanto de amor quanto de dúvida, de loucura e de prece:

Chego a perder o juízoDe tanto plano que façoDo que te hei de fazerSe cair no teu regaço.

Não! Os portugueses podem renegar o fado, podem envergonhar-se dele (sem nenhum motivo) alegando o seu sabor à Mouraria, ao degredo, ao Limoeiro, mas nós, os brasileiros, nos devemos orgulhar das nossas trovas, quer elas cantem o amor, o trabalho, o crime, porque são nossas, porque dizem dos primórdios da nossa mentalidade, porque interpretam o nosso sentir.

E só quem não é brasileiro, quem não conhece o ardor do sangue que nos corre nas veias, não poderá reconhecer nessa quadra a nossa galanteria e um pouco de alguma coisa mais:

Esta noite tive um sonhoUm sonho muito atrevido.Sonhei que tinha nos braçosA fôrma do teu vestido.

Francisco Alexandre Ferreira Mendes, professor. Membro da Academia Mato-Grossense de Letras e do Instituto Histórico de Mato Grosso. Nasceu em Cuiabá, a 25 de junho de 1897. Na Casa Barão de Melgaço, ocupou a cadeira n°. 15, cujo patrono é Joaquim Mendes Malheiros. Escreveu para quase todos os jornais de Cuiabá.

PADRE REMETTER

A Congregação Salesiana de São João Bosco é tradição respeitável no coração brasileiro, encerrando memória gloriosa, que a história registra, para exemplo eterno das gerações que se sucedem. Instruindo e educando com o sublime espírito da religião católica, a infância e a juventude dos centros, e levando aos sertões mais recônditos da pátria a semente da fé e da civilização, a obra

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salesiana no Brasil impõe-se ao respeito e à consagração da nossa gente. Numerosos os nomes dos sacerdotes de São João Bosco dignos da admiração e da gratidão dos mato-grossenses. Dentre tantos, destaca-se entre os mais ilustres a recordação do reverendíssimo padre Ricardo Remetter, ora desaparecido de forma brutal do seio da corporação salesiana e da sociedade cuiabana, que soube honrar e sublimar com virtudes veneráveis.

Filho de modestos agricultores alemães, nasceu o padre Remetter a 15 de julho de 1890, na vila de Hosbach, e foram seus pais José e Joana Remetter, cuja alma religiosa católica influenciou a mente do filho, único varão numa progênie de doze filhos. Iniciados os estudos primários aos 7 anos, freqüentou a seguir o ginásio de Aschaffenburg, seis quilômetros distante da sua aldeia natal. Aplicado e virtuoso, sentiu-se atraído para a vida religiosa, cujo misticismo o enlevava em ascese a maravilhosos arcanos.

Aos 18 anos, matriculou-se no Instituto Dom Bosco de Penango, na Itália, ingressando no noviciado e iniciando o seu sacerdócio. Sua vida, porém, estava destinada para os misteres cristãos bem longe de sua pátria, no coração do Brasil, terra prodigiosa, de que ouvira de dom Malam referências sublimes de benesses, para os que se dedicam ao sacerdócio religioso.

Deixa a Europa em novembro de 1913.

Chegando a Cuiabá, exerceu no Colégio São Gonçalo o seu apostolado de mais de meio século. Nesta Capital completou os estudos teológicos e recebeu das mãos do arcebispo dom Carlos Luís d’Amour as sagradas ordens sacerdotais. Dedicando-se nas horas vagas do magistério como auxiliar do professor Sílvio Milanese, no Observatório Meteorológico Dom Bosco, foi nomeado, a 25 de maio de 1921, chefe desse estabelecimento. Falecendo o professor Sílvio Milanese a 18 de dezembro de 1923, assumiu o Padre Remetter as responsabilidades do Observatório Dom Bosco, recebendo, a 8 de agosto de 1933, sua nomeação como inspetor-chefe do Distrito Meteorológico de Cuiabá, em cujo posto a morte o colheu num lamentável acidente de caminhão ao dirigir-se para a Escola Agrícola Santo Antônio, do Coxipó da Ponte.

Quando, em 1960, festejou o Observatório Meteorológico Dom Bosco o seu cinqüentenário, foi padre Remetter agraciado pela Câmara Municipal de Cuiabá com o título de cidadão cuiabano e, a 24 de maio de 1962, recebeu do Consulado-Geral da Alemanha, em Mato Grosso, a Cruz na Ordem do Mérito da República Federal

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da Alemanha.

Sua longa existência, quase toda dedicada ao Brasil, foi exemplo de inexcedível pureza e devoção, devotamento que a terra cuiabana recebeu carinhosamente da sua bondade angélica.

Cuiabá perdeu na pessoa do padre Remetter um grande coração filial, e o Brasil um dos seus insignes servidores. A fama de santidade do padre Ricardo Remetter o canonizou há muito no espírito da gente cuiabana, canonização que, certo, o levará futuramente à gloria das aras católicas, pois à sua memória sobram títulos de benemerência, para que figure no panteão dos varões ilustres que adotaram a pátria brasileira. Sobre seu túmulo, a sociedade cuiabana deposita grinalda natural de saudades, regada perenemente com lágrimas de imperecível reconhecimento.

Francisco Bianco Filho nasceu em Bicas, Estado de Minas Gerais, a 4 de junho de 1901, e faleceu em Cuiabá, em 1947. Era membro da Academia Mato-Grossense de Letras, onde ocupava a cadeira n°. 24, patrocinada por Aquilino Leite do Amaral Coutinho. Jornalista e brilhante orador. Publicou: Mirko, romance de costumes regionais (1920) e Distrito Eleitoral (1945, edição A. Coelho Branco, Rio de Janeiro), deixando inédito outro romance, Rosita, uma crítica social.

DISCURSO DE POSSE

Não foi a vaidade, a que jamais me acurvei, nem a insciência dos apoucados méritos, que hei sido sempre o primeiro a reconhecer e proclamar, o motivo de me haver candidatado à honra insigne que ora me conferis.

Fi-lo, bem o sabeis, correspondendo à magnanimidade de fidalgo gesto de vossos pares que, ao impulso do coração mais do que aos imperativos do raciocínio, entenderam alçar-me ao altiplano deste cenáculo.

No inefável gesto com que vos despeastes das reservas que a razão vos poderia haver ditado, para que livres adejassem os sentimentos que vos expelem os propósitos, bem compreendi que se vitoriava apenas a virtude da boa-vontade que outra mais não possuo, para levar a bom termo as grandes responsabilidades que o evento me reservou em vosso meio hospitaleiro e bom.

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Era a homenagem, bem o senti, à humildade do magistrado, que se empenha em suprir as deficiências do conhecimento cientifico com a extremada fé na Justiça, humanizando quanto possível a aplicação da Lei, quando, no manuseio constante dos autos – noturna manu et diuturna – se vê impelido a afrontar o rescaldo das paixões, os apodos e acrimônias com que, não raro, os alquiladores da própria consciência procuram justificar as precariedades dos próprios intentos, sem concelir nem vacilar em face do dever, sem timidez ante os poderosos nem arrogância ante os humildes, jamais despindo a serenidade inconcussa, que tem sido o seu manto de zainfe, porque, mercê de Deus, malgrado tantas decepções e desenganos, que nos reserva o transfolhear dos anos, ao se transpor o divisor do agro caminho, em seu coração o ódio nunca encontrou guarida onde medrar ou florescer pudesse.

Também alcancei que se consagrava o jornalista, sem lavores, é certo, sem arminhos e brocardos dos guapíssimos cultores do idioma que justificar pudessem o espaço perdido nas ramas das paginações, mas cuja pena jamais destilou o impropério e a dobrez, eis que outros propósitos não na tem inspirado que não fossem os do culto à verdade, à harmonia, à critica construtiva, doutrinando sem acume ou luzimento, mas com honestidade e patriotismo, visionando as idéias, e não os homens, os princípios que enobrecem, e não os interesses que degradam.

Entendi, afinal, que se cultuava, sobretudo, a virtude, da qual, mercê de Deus, sem falsa modéstia, tanto me hei ufanado por toda a vida, qual a do sentimento de gratidão, na adversidade, e retemperado na bonança, com que vou entremeando a existência, neste vale de lágrimas, até que o espírito se liberte do envoltório que o encadeia, quando a noite taciturna do nada me impuser a execução inapelável do Memento Homo, para que volte ao pó o corpo que do pó me adveio.

Gratidão que me agrilhoa a Mato Grosso, cuja fisiografia sempre se me antolhou uma miniatura da própria e estremecida Pátria, e cujas reservas que lhe opulentam o solo e o subsolo me hão inspirado em um dos primeiros discursos, ao tempo em que aqui aportei, a afirmação que dei visto por muitos consagrada, de que o Brasil poderia ser o celeiro da Terra. Mato Grosso poderia sê-lo do Brasil.

Gratidão que há escravizada a esta Cuiabá formosa, gema preciosa que se engasta e fulge nesse diadema de ouro recamado pelo glauco vivaz da floração dos trópicos, entre o alcantilado sempre

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anil das serras que lhe coroam o Norte e as variegadas ondulações dos pantanais que, pelo sul, se abeiram genuflexos aos pés das suas históricas colinas. Reserva milagrosa do sentimento de brasilidade, caldeado nas cruentas provações de dois séculos de isolamento, sem que tal fosse obstáculo ao seu progresso, eis que a tenacidade do seu povo, sublimada pelo amor à terra e às heráldicas tradições do berço comum, supriu o impossível que lhe teria sido anteposto pela displicência dos impassíveis e dos céticos ante as contingências da natureza.

Terra de Rondon e de dom Aquino, cuja glória e fama já se não contêm nos limites do Estado nem nas lendas do território pátrio, pois que fulguram na constelação superante a universalidade dos povos cultos.

E por assim entenderdes, Senhores Acadêmicos, testemunhas que sois da gratidão com que cultuo e venero a vossa terra, que é também nossa, filhos que somos desta mesma e incomparável Pátria, foi que me induzistes a penetrar os umbrais deste Templo, para receber da vossa consagração o manto da imortalidade.

Mas não vos agradeço, porque na clâmide augusta sob a qual me consagrais, resplandescem apenas os fulvos clarões da vossa generosidade e não os pálidos círios do meu tugúrio intelectual, que os excessos da vossa complacência não poderão convelir, nem por milagroso esforço reclamá-lo das filigranas do artista que, no consoar da frase, no esmaltar da inspiração, no carear dos grandes afetos, no librar-se enfim pelas cumeadas do pensamento, consegue, com donaire e graça, com sabedoria e originalidade, em escorreita forma e com diserto engenho, atingir a perfeição que lhe assegura a imortalidade, pela sobrevivência da sua obra à própria vida transitória e efêmera.

A fidalguia das atitudes é como a Caridade que exalta, sublima e dignifica a quem a exercita, e não os que dela se beneficiam.

E não seria eu, Senhores Acadêmicos, quem iria macular, com agradecimentos protocolares, os painéis doirados da esplendida afirmação da vossa bondade, tipicamente brasileira, genuinamente cuiabana.

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Antônio Cesário de Figueiredo Neto, cuiabano, nascido a 30 de outubro de 1902. Membro da Academia Mato-Grossense de Letras, ocupante da cadeira nº. 39, que tem como patrono Antônio Tolentino de Almeida, e do Instituto Histórico de Mato Grosso. Professor de Português do antigo Liceu Cuiabano. Aqui se repete o caso do professor Filogônio Correa. O professor Cesário Neto publicou: Tese (para concurso à cadeira de Português do Liceu Cuiabano, Escolas Profissionais Salesianas, Cuiabá, 1926; com 38 páginas); Na Pista do Rocinante (resposta ao Sr. Luís Murat pelas Escolas Profissionais Salesianas, Cuiabá, 1928, com 41 páginas); O Pensamento no Adulto e na Criança (Tese para o concurso à cadeira de Psicologia Educacional da Escola Normal Pedro Celestino, obra mimeografada com 43 páginas); Divisão do Estado (pelo ponto de vista cultural, 1963, sem nome da editora). Quando, em 1946, publiquei o meu livro Antologia Baroro, o desembargador José de Mesquita me sugeriu que colocasse, do professor Cesário Neto, O Quadro de Zêuxis, que, segundo aquele saudoso amigo, consistia em bela página.

O QUADRO DE ZÊUXIS

“Fizeste-a rica, porque a não soubeste fazer formosa” – assim disse Zêuxis, ao ver o quadro do discípulo bisonho, que pincelara uma imagem de mulher, coberta de adereços e adornos custosos.

Mas Zêuxis que também pintava e ensinava a arte divina aos que eram capazes e aos que não eram, enquanto aquele aprendiz acasquilhava de berloques e jóias preciosas a sua tela, o mestre, que não passava um dia sem um traço, ia compondo, com a pureza das linhas e o debuxo sóbrio das cores, uma figura feminina.

Depois do reparo irônico, sem menosprezo ao oficial pouco primo, antes para consolá-lo ou para uma nova lição, mostrou-lhe o mestre o painel que durante meses trouxera entre mãos: um busto de mulher, sereno e guapo, olhos cristalinos como os da filha de Zeus e um sorriso gentil no rosto lindo, que era como a festa da primavera na paisagem olímpica da Ática.

Severo mas bondoso, não desfez o quadro do discípulo. Emparelhando-o ao seu, expô-los ambos à porta, à espera dos críticos e dos sapateiros.

Acardumaram-se logo os juízes com as sentenças. E nuvens de conceitos e reparos, qual a qual mais original, encheram aquele canto modesto do quarteirão dipilônico, onde ficava a oficina.

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Uns viam, outros observavam, enquanto alguns poucos se encantavam, levando, no silêncio discreto, uma emoção de beleza ou um ensinamento de arte, hauridos na lavra de Zêuxis.

Mas a mor parte professava contrária opinião, olhos fincados na tela do discípulo pomposa e taful:

– Isto sim é arte legítima. Até a cera do encáustico se vê que é superior: é de muito melhor qualidade.

– A argola que prende das orelhas é muito mais bonita, acrescentavam.

– Vejam aqui no bracelete esta pedra, diziam outros: é das mais modernas, segundo os últimos modelos de Síbaris e de Agrigento.

– Eis um quadro em que se revela o espírito moderno, quebrando a rotina das velhas pinturas de Polignoto e de Parrásio, já fora de moda, doutrinavam os mais entendidos na arte moderna de então.

E quase todos, apontando para o quadro pintado pela mão de Zêuxis:

– Este não, este é feio e sem graça; ainda cheira a classismo bolorento.

Vlasdislau Garcia Gomes nasceu em Paranaíba, a 10 de março de 1905. Faleceu em desastre de avião, a 6 de setembro de 1951. Colaborou em vários jornais do Estado e deixou uma Pequena História de Sant’Ana do Paranaíba, que foi refundida pelo Acadêmico Francisco Leal de Queirós e publicada na Revista do Instituto Histórico de Mato Grosso, tomos LIX – LXII, de 1953-1954.

PRIMEIRAS EXPLORAÇÕES

É fato, assaz conhecido, que as primeiras explorações no interior de Mato Grosso foram feitas por bandeiras paulistas que, partindo geralmente de Porto Feliz, desciam o Tietê e o Paraná, subiam o rio Pardo até as suas cabeceiras, e atravessando o divisor das águas do Paraná com o Paraguai, no lugar denominado Camapuã, alcançavam as águas do Paraguai, por onde subiam até Cuiabá. Este, o roteiro seguido por Pires de Campos em 1718 e, um ano depois,

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por Pascoal Moreira Cabral, o fundador de Cuiabá.

Com a notícia do descobrimento das minas de Cuiabá, de produção realmente fabulosa, “os paulistas, diz Virgílio Correa Filho, deixaram-se empolgar pela estonteante miragem, e rumaram, em bandeiras sucessivas, para o distrito cuiabano”.

Tão freqüentada era essa rota que, já em 1727, havia moradores radicados nas margens do Paraná, junto à barra do rio Verde, conforme o testemunho de Cabral Camelo.

É muito provável, pois, que algum curioso, tempos depois, em vez de descer o Paraná, subisse pelo rio Sucuriú e, explorando os terrenos que o margeiam, se sentisse empolgado pela beleza dos seus campos, bem mais atraentes que a solidão monótona das frondosas florestas paulistas.

Segundo a tradição, é ao capitão José Garcia Leal que cabe a primazia, nesse sentido. Filho de Minas Gerais, desgostoso do lugar em que residia, “por perseguições de estreitos partidários”, conforme escreve Estevão de Mendonça, abandonou a sua terra e, procurando o sertão, veio explorar as regiões, então desertas, entre o Sucuriú, Paraná e Aporé. Satisfeito com o que encontrara, tomou posse do vale do rio Santana e, assentando a sua residência à margem deste rio, a uma légua mais ou menos da atual cidade de Paranaíba, foi em busca de seus irmãos Januário, Pedro e Joaquim.

Em Lavras do Funil, Estado de Minas Gerais, é corrente a notícia de terem os irmãos Garcia Leal, fazendeiros residentes nas imediações daquela localidade, mantido, durante muito tempo, luta violenta com poderosa família sua vizinha, luta que, por mais de uma vez, atingiu a extremos lamentáveis.

Talvez tenha provindo desse fato a resolução de se transladarem para novas paragens.

Conta ainda Estevão de Mendonça, e parece-nos bem informado, que José Garcia Leal trouxe consigo, além de seus treze filhos, grande número de escravos e de agregados.

Uma vez instalados, é natural que os novos habitantes procurassem se relacionar com os moradores do Triângulo Mineiro, abrindo para isso as necessárias estradas, conquanto continuassem a buscar em Piracicaba o sal e outros artigos de que necessitavam, através de penosa viagem ao longo do Tietê. Em virtude dessas sucessivas viagens nas quais faziam propaganda da região em que habitavam, a fim de angariar novos moradores que lhes minorassem

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as agruras do isolamento, resultou rápido aumento da população rural, ao mesmo tempo que no local da atual cidade de Paranaíba se formava uma povoação que, já em 1830 mais ou menos, contava com cerca de trinta fogões, conforme rezam as antigas crônicas.

Arquimedes Pereira Lima nasceu em Campo Grande, MS, a 1º de janeiro de 1910. Membro da Academia Mato-Grossense de Letras, onde ocupou a cadeira n°. 13, que tem como patrono Antônio Correa do Couto. Arquimedes foi industrial e, igualmente, diretor da Imprensa Oficial do Estado. Fundou e dirigiu o diário O Estado de Mato Grosso. Publicou: Um Ponto de Vista (1937); A Companhia Mate Laranjeira Vista por um Repórter (1939); Problemas Mato-Grossenses (1941); Arnaldo Serra (1944); A Batalha da Borracha em Mato Grosso (1945).

AS QUEIMADAS

Precisamos resguardar nossas matas, defender nossos campos de um flagelo que assola as nossas terras.

Se não se puser um paradeiro às queimadas, dentro de alguns decênios – e o que são, digamos, 100 anos na vida de um povo? – Mato Grosso será um deserto.

Não existe prática mais nociva à terra, mais prejudicial à agricultura, que essa das queimadas que, anualmente, de julho a outubro, devastam os nossos campos e matas.

Ainda agora, em recente viagem que fiz ao Rio, na ida e na volta, tive ensejo de, contristado, contemplar do avião o espetáculo desolador de nossos magníficos campos, sob a ação devastadora das queimadas. As nuvens de fumaça repontavam no horizonte, negrejando o céu. Por toda a parte a tristeza da terra incinerada, a desolação do fogo lavrando.

O fogo destrói as principais substâncias fertilizadoras da terra. Os campos continuamente queimados transformam-se – isto é coisa que qualquer leigo sabe – em sáfaros charravascais.

Um nosso ilustre colaborador, André Gil, que é técnico de nomeada, já abordou, com mais autoridade, o problema, em nosso jornal. São de André Gil, a cuja voz de protesto hoje venho juntar a minha, estas palavras sobre o que ele, com muita propriedade,

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chama o general Von Fogo: “É urgente, é absolutamente necessário iniciar o combate enérgico e decidido às queimadas desordenadas e inoportunas que, aos poucos, vão esterilizando as nossas terras mais férteis, tornando-as desérticas”.

—————————: : —————————Na Inglaterra houve um rei, Carlos I, que visando ao

desenvolvimento da cultura de cereais, estabeleceu prêmios para os derrubadores de matas. Mais tarde, Cromwell, visando dilatar as pastagens para as ovelhas, incentivou também as derrubadas. Por fim, a siderurgia, localizada às margens das florestas, completou a obra arrasadora.

Quando os estadistas ingleses abriram os olhos e decretaram o reflorestamento, os mais terríveis efeitos já se faziam sentir, a miséria nas “terras deserdadas” era extrema. Em resultado, no continente mais favorecido de matas pela natureza, que é a Europa, onde a Finlândia possui 73% do seu território constituído de florestas, a Suécia, 52%, a Rússia, 45%, a Alemanha, 32%, e os menos dotados, como a Dinamarca e a Holanda, 9% e 11%, a Inglaterra, que é o país mais despido de árvores do mundo, possui 4%.

Os Estados Unidos acordaram a tempo de evitar destino idêntico ao da Inglaterra. Tio Sam, há 40 anos, controla as derrubadas e cuida do reflorestamento. O seu Yellowstone National Park é uma obra de defesa dessa inapreciável riqueza natural, digna de rivalizar com as coisas grandiosas produzidas pelo espírito criador do americano-do-norte.

Sei que não estou descobrindo a pólvora e que temos um corpo admirável de leis adiantadas que coíbe o abuso do fogo, veda as derrubadas desordenadas e regula o reflorestamento. E temos um Conselho Florestal que fiscaliza a aplicação dessas leis.

Mas, a verdade, infelizmente, é que não bastam estas leis, nem o órgão ilustre que superintende a sua execução no país.

A respeito da ineficiência das leis e regulamentos, como da opulenta literatura que sobre o assunto tem sido espalhada pelo Brasil todo, quero dar a palavra a outro colaborador nosso, patriota dos mais dignos, que nos acostumamos a admirar pela coragem e sinceridade com que expõe suas idéias e pontos de vista, o Sr. major Eudoro Correa, e que já abordou também o problema nestas colunas, numa série de três brilhantes artigos. Diz aquele ilustre militar, relatando o que observou numa viagem por via fluvial, desta Capital a Corumbá: “Nas duas margens do rio, até Corumbá,

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o espetáculo da terra calcinada ao fogo representa o desafio da realidade crua às teorias constantemente ventiladas contra as queimadas das florestas”.

—————————: : —————————A mata evita o estancamento das nascentes, defende os rios

contra o desbarrancamento das suas margens, conserva a umidade do solo, mantém o ar rico de oxigênio e de ozônio. Homero já proclamava a natureza sagrada dos bosques.

A Rússia possui a maior reserva florestal do mundo, mas soube defender esse tesouro que a natureza lhe deu. Pedro, o Grande, já punia com a morte a queimada de matas à margem dos rios navegáveis.

Conservemos os nossos campos e matos, declarando guerra ao “general Von Fogo”. Adotemos contra ele medidas mais drásticas. Imitemos, se for preciso, a Pedro, o Grande.

Padre Raimundo Pombo Moreira da Cruz nasceu em Corumbá, 8 de dezembro de 1913. Foi professor de Português, Matemática, História e Desenho do Liceu Salesiano São Gonçalo. É atualmente o único teatrólogo do Estado. Publicou: Heróis Hodiernos (Drama em 3 atos); Educação Moderna (Comédia em 2 atos); O Último Pelotão (Drama em 5 atos); Caduquice de Avô (Comédia em 2 atos, 1955, Escola Industrial Dom Bosco, Niterói); A Múmia de Tibiriçá (Comédia em 3 atos, Escola Industrial Dom Bosco, Niterói, 1957); O Sinal Misterioso (Drama em 5 atos, Escola Industrial Dom Bosco, Niterói, 1958) e Tempestade na Casa do Vizinho (romance contemporâneo). O padre Pombo, embora escreva para adultos, os seus trabalhos são muito apreciados pela juventude. O meu exemplar do seu livro Tempestade na Casa do Vizinho já foi lido por mais de 10 meninas de Ginásio: isso constitui fato importante para o escritor. Padre Pombo é membro da Academia Mato-Grossense de Letras, ocupa a cadeira nº. 4, patrocinada pelo padre José Manuel de Siqueira, cadeira essa que foi ocupada por dom Francisco de Aquino Corrêa.

CENA VI

(Paulo, Tibiriçá e Evaristo)

Tibiriçá – Que tal?

Paulo – Você é um portento. Agora vamos tapear o velho.

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Tibiriçá – Como é mesmo que me chamo?

Paulo – Alberto de Oliveira Regata.

Tibiriçá – (Vai repetindo) Alberto de Oliveira Regata. Alberto de Oliveira Regata... Alberto de Oliveira Regata... Alberto...

Paulo – Fiquei contente com as suas narrações de pesca e caça ... E aqueles fatos que o senhor me contou, que belos!...

Tibiriçá – Ah! Se vivesse ao meu lado naqueles tempos, quantas maravilhas teria que apreciar (Vai à janela). Quando gritar: fogo!... vai ver...

Evaristo – Muito bem, seu Paulo! Como deixou o t i t i o s e m acomodação?

Paulo – Engano, doutor. Eu lhe dei o quarto...

Evaristo – Mas se eu é que o levei para o quarto? Ele assegurou-me que você não lhe tinha indicado...

Paulo – Impossível!... (à parte) Que falta de sorte! Quer ver que chegou o maldito tio? Deve ser aquele fulano. Alerta, Paulo!

Evaristo – (Olhando Tibiriçá que gesticulava à janela) E quem é aquele senhor ali?

Paulo – (à parte) O que hei de dizer?

Evaristo – Já lhe disse que eu devo ser o primeiro informador dos hóspedes que cá chegam. Sou ou não o dono da casa?

Paulo – (ao povo) Como está ficando valente!... (a Evaristo) Certamente. Mas, o que fazer? O senhor anunciou nos jornais... (à parte) Uma idéia... Aquele é um ilustre professor de História do Brasil antigo. Especialista em indiologia, bugralogia, tibiriçalogia, que veio com sua permissão, isto é, dele, fazer estudos sobre a múmia, isto é, do Tibiriçá...

Tibiriçá – (Ouve seu nome e vira-se, com inclinação) Alberto de Oliveira Regata.

Evaristo- (Faz uma inclinação) Nome muito semelhante ao do meu tio. Só que ele tem Palmeira em lugar da Oliveira. Mas, a que devo a honra de sua visita? (Apito de trem).

Tibiriçá – (Corre à janela) Um monstro!... Que olho horrível!... Que dentes!... Que barulho!... Vomita fogo pelas narinas... Que cauda enorme!...

Evaristo – (Assustado, a Paulo) É louco?

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Paulo – Muito estudo, doutor. (Faz gesto significativo de louco). De vez em quando ele diz que a manivela enrosca...

Tibiriçá – Nunca vi animal semelhante. Mas não o temo. A minha flecha, cravá-la-ei nos seus olhos. (Corre para o lado do sarcófago).

Evaristo – (Embarga-lhe o caminho) Não, senhor. Lá ninguém encosta...

Tibiriçá – (Faz menção de estrangulá-lo. Evaristo se encolhe). Aimoré, desprezível!

Paulo – E a palavra? (Tibiriçá lança Evaristo que se recolhe a um canto assustado).

Tibiriçá – Quando começamos a destruição?

Paulo – Espere. Ainda é cedo. (a Evaristo) Eu lhe explico. Espere um pouco lá fora, que o professor está excitado e é perigoso. A loucura dele é passageira. Estudou tanto sobre os índios que, às vezes, se imagina um Tibiriçá, um Cunhambebe, um Araribóia. Agora julgasse um desses caciques, assustado com esse animal novo: o trem.

Evaristo – Mande-o então para a rua.

Paulo – Impossível. Ele quer estudar a sua múmia, isto é, dele; digo, do Tibiriçá. Quem mandou colocar propaganda nos jornais? Mas, logo se acalma... (Evaristo sai resmungando)

Tibiriçá – Passou! (à janela) Que coisa tremenda! A terra se abala, o mundo estremece... Mas, se há um coração que treme, esse certamente não é o meu.

Paulo – Olhe, aquilo não é monstro! É o que se chama trem de ferro...

Tibiriçá – O que seria isso?

Paulo – O senhor se lembra do telefone?

Tibiriçá – Sim!

Paulo – Pois o trem é a mesma coisa que o telefone. Só que é muito maior e tudo ao contrário...

Tibiriçá – Ah! Entendi...

Raimundo Maranhão Aires, maranhense, nascido em Carolina, a 3 de outubro de 1914. Membro da Academia Mato-Grossense de Letras, ocupante da cadeira nº. 23, patrocinada por Antônio Gonçalves Carvalho. O “Poeta da Flor de Neve” foi o intelectual de vida mais intensa no Estado. Publicou vários trabalhos: Ronald de Carvalho (1939); Poesia e Fraternidade (1947); O

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Poeta da Flor de Neve (1945). Dirigiu a revista de intercâmbio cultural Novo Mundo. A seu respeito, escreveu o acadêmico Gervásio Leite: “Aí está Novo Mundo – mostrando a enorme força de sua dedicação às coisas do espírito. Você, com seu amor às coisas literárias e ânimo sempre forte que não topa o desânimo, que ataca os que na província escrevem, está prestando um grande serviço à causa da cultura e a Mato Grosso”.

INTELECTUAIS ESTRANHOS AO MEIO

As letras mato-grossenses arrolam, entre as expressões de cultura polimorfa que tanto enobreceram e exaltaram as suas tradições literárias, muitos nomes de grande ressonância e fina erudição, que vieram de outros climas, de outras regiões afastadas.

E, entre essas personalidades brilhantes e insignes, figuram poetas, historiadores, juristas, jornalistas, literatos de moldes variados, temperamentos diversos, porém todos laboriosos, fecundos, férteis e inteligentes que muito fizeram por esta grande terra!...

José Zeferino Monteiro de Mendonça, português de nascimento,

foi inegavelmente o primeiro poeta de Mato Grosso; Eufrásio Cunha, pernambucano, pesquisador e historiador paciente que, há pouco falecido, deixou nesta cidade o melhor Museu do Estado e um dos mais curiosos e ricos do país; Rosário Congro, paulista culto que aqui tem professado o jornalismo e a poesia, com raro brilho e fulgor; Otávio Cunha Cavalcanti, pernambucano de Goiana, advogado e poeta por excelência, autor de formosos versos que o têm colocado em posição destacada no panorama das letras bororas; João Briene de Camargo, outro bandeirante de Faxina, orador eloqüente, jornalista de pulso, poeta mavioso, erudito e admirável em suas produções cheias de inspiração e de beleza; além de muitos outros mais novos, como Maria Úrsula Santos Costa, a Mascote de versos líricos ou a Marília de estrofes sutilíssimas, essa talentosa poetisa jovem, que tem publicado poemas agradáveis, em ritmos que a classificam uma das mais apuradas revelações artísticas da geração moça.

E nessa longa lista de espíritos adventícios, de figuras intelectuais de largo destaque que aqui aportaram e estacionaram, acha-se também incluso o saudoso cantor Antônio Gonçalves de Carvalho, grande e robusto talento, inteligência aprimorada, lírico, poeta regionalista que muito cooperou em

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favor de Mato Grosso, muito escreveu e deixou a sua obra palpitante e imperecível, como testemunho exaltado de sua produtividade, o que bem confirma a sua projeção e lhe deu garantias de um lugar solene que lhe é apontado nesta hora em que os mortos revivem para o nosso orgulho e depuração dos seus sadios ideais.

O nosso patrono, apesar de quase olvidado, volta à tona, para ser estudado, analisado, comentado e realçado o seu valor cultural, porque a sua obra, que é substanciosa e concisa, marca a sua passagem neste rincão, neste solo sagrado, onde mourejou e produziu, onde lutou e venceu, graças à sua cultura, à sua inteligência.

José de Mesquita, em 1931, quando publicou, em A Cruz, um longo trabalho sobre o vate adotivo desta gleba, entre outras cousas, lamentou o fato do seu nome haver passado ao esquecimento e nem raramente sua vida e obra serem citadas, lembradas ou frisadas...

Apesar de ser fato incontestável, não podemos nada adiantar, sobre essa amarga ocorrência, uma vez que a humanidade é inconstante, mesmo em vida, quanto mais post-mortem. Há, todavia um consolo para os que ficam e vêm depois... Os admiradores sinceros, embora que bem poucos, estes nunca esquecem os seus ídolos, nunca os abandonam. Os de sua época que o leram e nele viram cultura e primor de estilo, trabalharão para que os provindouros o conheçam melhor e mais profundamente, prestando-lhe homenagens, das quais é merecedor, e formando ao lado dos que brilharam com rara intensidade, dos que souberam viver, ofertando páginas evocadoras do mundo, reflexos da vida, vida que não passa, enfrenta o tempo e este escoa-se nos dias que ficam na poeira das estradas percorridas...

Nem sempre um valor à margem, desconhecido dos coevos, é inteiramente olvidado. Aqueles que souberam se impor e galgaram as montanhas e, no ápice delas, deixaram inscritos os seus nomes, como santos, deuses, poetas, espíritos imortais e notáveis, estes serão, em certas épocas, por vezes abandonados pela força do tempo que corre, mas nunca esquecidos, porque eles deixaram a obra que perdura como o mármore empedernido que não corrói, não se gasta, não se estraga jamais.

E quando os nomes entram na penumbra do abandono, voltam à superfície as suas obras, que os tornam vivos, redivivos como outrora. Tornam-se contemporâneos, porque as suas páginas possuem vivacidade e brilho, e esses elementos que entram nessa composição são como que essências finas que não perdem o aroma, ficando mais fortes e mais apreciadas cada vez que

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se abre o vidro. Assim são os livros.

Relegados a segundo plano, somente tomam nova forma e cor quando, esgotados, surgem em novas tiragens, a encherem e enfeitarem as prateleiras das livrarias. E logo surge-lhes nova fase de triunfo, novos loiros lhes cobrem os nomes.

Vencem as lendas do esquecimento. São registradas palavras de veneração, estima e admiração aos seus autores...

E exemplos frisantes temos tido repetidamente. Nunca Machado de Assis foi tão lido, discutido e investigado depois de morto quanto há pouco, nas comemorações do seu centenário de nascimento! E como ele, tantos outros, dignos de ter os seus nomes perduráveis e as suas obras lidas pelas gerações que chegam...

Infelizmente, por vezes, desaparecem quando a humanidade, volúvel como sempre, já os esqueceu em vida. Cita-se, para ilustração, o caso de Coelho Neto, cuja morte não consignou muita repercussão, conquanto que a sua obra haja sido, e ainda representa, a maior bagagem literária deixada por um escritor nacional.

Há espíritos nesse ritmo que, ao deixarem este “vale de lágrimas”, a humanidade já os considera fora de sua época, recuados enfim. Inconstância. Volubilidade dos que ficam, contrariando preconceitos e sentenças, a tradição e o próprio sentimento humano que deveriam estar presentes em todos os corações.

Fernando Magalhães tinha muita razão quando afirmava: “Os que guardam o culto dos desaparecidos sentem-nos ao seu lado, palpitantes e revividos. Todos que viveram também foram peregrinos da perfeição”.

Se a maioria não os relembra com carinho e amor, há, por certo, alguns que jamais os esqueceram, porque neles reconhecem os expoentes de uma fase, um período cultural, cuja história não se apaga, cujo calor não reduz, cuja intensidade não diminui, e o vigor espiritual fica latente nas obras que deixaram.

Antônio Gonçalves de Carvalho, alma grandiosa e ornada de grandes sentimentos cívicos, dotado de fúlgida inteligência, não ficará inscrito no rol dos olvidados, dos que perderam a voz, dos que não foram compreendidos pela humanidade!

Soou sua hora. É chegado o momento de voltar à baila o seu nome, que

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não perecerá no redemoinho das águas em rebuliço, e a sua obra por certo também flutuará para prova insofismável de sua verve beletrística!

Luís Felipe Pereira Leite nasceu em Cuiabá, a 12 de dezembro de 1916. Membro do Instituto Histórico de Mato Grosso e da Academia Mato-Grossense de Letras, onde ocupou a cadeira nº. 21, patrocinada por Manoel Peixoto Corsino do Amarante. Luís Felipe é uma notável cultura e, se não fosse a doença que lhe roubou a vista, teria ele publicado vários trabalhos. Mesmo assim, tem concorrido para o desenvolvimento cultural do Estado.

Obras publicadas: Palestras Acadêmicas (Oficinas Gráficas da Empresa Almanaque Laemmert Ltda., Rio de Janeiro); O Príncipe de Nassau, (Escolas Profissionais Salesianas de Cuiabá, 1937); Discurso de Posse na Academia Mato-Grossense de Letras” (Corsino do Amarante, pela Tipografia Escola Industrial, Cuiabá, 1946).

A GLÓRIA DE RONDON

Falando de Rondon a uma inteligente e aplicada estudante de pouco mais de 17 anos, comoveu-se ela até as lágrimas, ao saber que o maior sertanista do século agoniza, às vésperas de completar 93 anos de idade. Para ela, acrescentou, Rondon deveria ser poupado do aguilhão da morte.

Bem exprime este episódio uma opinião generalizada no espírito da mocidade, que sabe aquilatar o que representa, para o Brasil, a vida e a obra do filho obscuro do Mimoso, nos arredores de Cuiabá, e que se projetou na vida, sagrando-se um dos mais altos valores.

Rasgar os sertões; catequizar os silvícolas; estender linhas telegráficas, ligando ao amplexo da civilização regiões remotas da Pátria; dirimir litígios internacionais; pontificar na cátedra; tudo isso diz bem pouco, ainda, do que foi a obra imperecível do Civilizador do Sertão, que, ao termo de sua longa e edificante vida, podia ostentar meia centena de títulos e distinções conferidas pelos diferentes países e instituições do mundo, justa e merecida homenagem a uma vida toda consagrada aos mais nobres ideais.

Morre Rondon, mas o seu exemplo edificante viverá sempre no espírito dos moços, como símbolo da imortalidade da sua obra, e se perpetuará, também, no de todas as gerações, porque integrava a estirpe dos grandes da humanidade.

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Jânio da Silva Quadros nasceu em Campo Grande, MS, a 25 de janeiro de 1917. Professor, político e escritor. Publicou: Curso Prático da Língua Portuguesa, (Editora Formar Ltda., São Paulo) e História do Povo Brasileiro (em colaboração com Afonso Arinos, J. Quadros Editores Culturais S.A., São Paulo, 1967).

SAUDAÇÃO À BANDEIRA

Permite Deus que eu comemore, hoje, presentes a Casa Civil e a Casa Militar, ainda uma vez, e a última deste Governo, o Dia da Bandeira.

Reunimo-nos em grave momento para a Nação. O processo inflacionário, a crise econômica, a desordem administrativa, a agitação social, as atividades extremistas e o desrespeito à autoridade fazem sombrio o dia de amanhã.

Cumpre, porém, não desesperar. O povo brasileiro continua a merecer plena confiança. Tem sido rápida a sua politização. É acendrado o seu patriotismo; é nobre a sua concepção de honra; é singular o seu apego ao trabalho; são puras as suas convicções cristãs. Esforcemo-nos, assim, todos, integrados nas aspirações superiores dos nossos patrícios, para dignificar, no pendão que festejamos, a grande Pátria, livre e democrática, que ele traduz.

O seu passado de lutas heróicas. A página da inconfidência. A campanha do Paraguai. O longo e próspero reinado do soberano equânime. A abolição. A República. A nossa presença recente e cruenta, na guerra da Itália. A atualidade na qual se forja a nossa grandeza, sem embargo dos temores, dos erros, dos abusos, dos escândalos. O futuro, que nos erigirá em poderoso Estado, humano e igualitário, oferecendo a todos, sob a égide da Lei, as justas oportunidades a que tem direito o cidadão cumpridor dos seus deveres.

Contemplando o símbolo, possuídos de unção patriótica, ergamos nossos corações ao Onipotente e juremos consagrar-nos, até a medida das nossas forças, ao serviço do País. À sua integridade, às suas tradições, à segurança das suas instituições. Ao Brasil imortal.

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Lenine de Campos Póvoas, cuiabano, nascido a 4 de julho de 1921. Professor. Membro da Academia Mato-Grossense de Letras, ocupante da cadeira nº. 33, que tem como patrono Mariano Ramos. Publicou: Introdução ao Estudo de Geografia Humana (1944); Panorama Sombrio (análise da situação financeira do Estado, em 1951, discurso pronunciado na Assembléia Legislativa do Estado) e Radiografia de Mato Grosso (1966).

PERSPECTIVA DO FUTURO

Distante da excessiva umidade das regiões mais baixas do vale amazônico; distante da aridez que os ventos alísios geram nos sertões do Nordeste; distante dos rigores dos infernos do extremo Sul, o nosso Mato Grosso – todo planaltos e planícies –, dotado de excelente clima e de magníficas terras agricultáveis, exuberante de mananciais de energia elétrica, a distância relativamente curta dos centros de produção industrial, servido de navegação fluvial para os mercados consumidores do Prata, e com acesso ferroviário para os Andes, reúne aquelas condições ideais para o povoamento que o geógrafo Jean Brunhes via nas savanas, para ele Zonas de Transição talhadas à civilização de alto grau.

O futuro que lhe está reservado nós o sentimos, sobretudo, no pulsar da vida de suas cidades, Bocas de sertão que evoluem, dessa condição mais modesta, para aquela outra, mais importante, que os mestres da Geografia Humana chamam de Metrópoles Regionais.

É Três Lagoas que deixa de ser a tranqüila cidadezinha que dormia à beira das lagoas, cantadas nos versos maviosos de Rosário Congro, para se converter na “Eletrocap” brasileira, como já a cognominaram, acenando para as indústrias nacionais com o seu tremendo potencial hidrelétrico singularmente situado à margem de uma ferrovia, de onde os conjuntos de Jupiá e de Ilha Solteira espalharão mais quilowatts do que Assuan, no Egito.

É Campo Grande que se torna a metrópole da região sulina, ampliando, de modo impressionante, a sua função de empório comercial e deixando antever, nos seus frigoríficos, nas suas indústrias de óleo, nas suas indústrias da arte do couro, e nas demais, o seu destino de grande centro industrial onde se transformará toda a matéria-prima da vasta área que ela influencia.

É Corumbá que desponta como o maior centro industrial do extremo Oeste do país, com sua indústria siderúrgica, suas fábricas

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de cimento, seu moinho de trigo, sua cervejaria, seus estaleiros e como verdadeiro entreposto de comércio internacional.

É Cuiabá, a cidade que não vive mais ancorada no passado e que só pensa e age em termos de futuro. A velha Capital deixou de ser o melancólico “ponto terminal da navegação fluvial” que fora, durante 200 anos, para se transformar no Trampolim da Amazônia. Enquanto as mercadorias, por via marítima, demandavam meses para ir de Santos a Manaus, ao Acre, a Rondônia, chegam hoje em menos de 15 dias de São Paulo aos mercados consumidores do extremo Norte, graças à abertura da antiga BR-29, hoje BR–364, que concretiza um dos grandes sonhos do imortal Marechal Rondon.

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CAPÍTULO V

ASSOCIAÇÕES CULTURAIS PREDECESSORAS DA ACADEMIA

Terminado o capítulo referente aos prosadores mato-grossenses, desde Augusto Leveger, Barão de Melgaço, até o Sr. Jânio da Silva Quadros, achamos oportuna a publicação deste estudo sobre as Associações Culturais Predecessoras da nossa Academia de Letras.

Ao escrever sobre a influência literária exercida pela Academia em nossa evolução cultural, afirma José de Mesquita10 que, para ter

uma idéia nítida do papel que vem exercendo, na evolução literária de Mato Grosso, a Academia Mato-Grossense de Letras, mister se faz estudar-lhe os antecedentes históricos, através das várias associações que a precederam e que formam, por assim dizer, os elos que se concatenam uns aos outros, na corrente do desenvolvimento cultural do grande Estado.

Assim sendo, penso como o ilustre publicista, devemos estudar toda a evolução do Espírito Associativo de Mato Grosso, em ordem cronológica. É nas Datas Mato-Grossenses, de Estevão de Mendonça, que vamos buscar os dados essenciais para o capítulo. Já em data de 23 de abril de 187411, registra este historiador, fora instalada em Cuiabá a primeira sociedade cultural que se tem notícia, com a denominação de Gabinete de Leitura, onde se destacava, dentre os demais membros, o então presidente da Província, José de Miranda Reis, e o advogado Antônio de Paula Correa. Essa sociedade possuía uma boa biblioteca, montada em um dos compartimentos da Câmara Municipal, e que a ela o segundo se dedicou, desenvolvendo seu patrimônio. Veio desaparecer essa útil instituição em virtude da politicalha da época. A pretexto de economia, diz o autor das Datas, mas, de fato, com o fim de magoar o funcionário que a dirigia, transferiram a biblioteca a cargo da secretaria da Escola Normal, ficando desde logo alterada a sua organização primitiva.

10 José de Mesquita – Anais do C. A. L. e S. C. L. B. – Academia Mato-Grossense de Letras, - 1936.11 Estevão de Mendonça – Datas Mato-Grossenses, – 1919.

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Com o desaparecimento dessa associação, só em 1882, oito anos após, surge, então, a sociedade denominada Clube Literário, cujo estatuto foi aprovado pelo presidente da província, coronel José Maria de Alencastro. Esse clube já possuía uma finalidade bem mais aproximada da Academia. Já naquela época se propunha realizar palestras familiares e a publicação de uma revista, contando para isso com a contribuição dos seus associados que era 5$000 de jóia e a anuidade de 8$000. Fez parte da sua diretoria o professor Tomé Ribeiro de Siqueira, filho do imortal herói de Dourados, Antônio João Ribeiro. Dessa sociedade, cujos motivos de desaparecimento ignoramos, para a Instrução e Recreio, fundada, pode-se dizer, pelo Barão do Batovi, vai apenas um ano, quando logo após surge a Associação Literária Cuiabana, em 21 de outubro de 1884. Esta foi, sem dúvida, das instituições do gênero, a que mais e melhores serviços prestou à nossa cultura, durante o regime imperial. Possuindo uma ótima biblioteca, a fim de facilitar aos seus associados variada leitura, foi a Associação Literária uma das mais perfeitas organizações do tempo. A sua sede primitiva, era na Rua 11 de julho, (hoje Pedro Celestino). Composta por número ilimitado de sócios, contribuindo cada sócio com a importância mensal de 500 réis. Mais tarde a Associação Literária passou a funcionar em uma dependência da Câmara Municipal, gratuitamente cedida para esse fim, quando a mensalidade aumentou para 1$000, até que nos últimos tempos fora transferida a sua sede da Câmara Municipal para a Rua Antônio João, de onde passou para a Rua 13 de Junho, até que, finalmente, por permissão do Governo, ocupou uma das dependências do edifício da Inspetoria de Higiene, na Rua Dr. Joaquim Murtinho, até a sua extinção. Ouçamos o que dela, já em seu declínio, diz o brilhante historiador José de Mesquita12;

No prédio da Rua Esperança (Rua Antônio João, como é conhecida pelo povo cuiabano), foi que conheci, já em relativa decadência, a histórica sociedade. Devo-lhe, posso dizer com segurança, a minha iniciação literária, feita precocemente, desde os meus floridos 12 anos. Lembro-me, como se fosse ontem. Íamos à noite, pelas sete horas, trocar os livros já lidos, por outros. Na meia sombra daquele canto de rua, onde um lampião de querosene punha a sua claridade baça, destacava-se, às suas janelas iluminadas, o salão da biblioteca. Aquelas saídas noturnas, no recolhimento

12 José de Mesquita – Revista do Instituto Histórico de Mato Grosso – Volumes XXIX e XXX.

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do ambiente de Cuiabá de antanho, tinham para mim o mistério vedado de uma aventura. Às vezes, encontrávamos ainda fechado o salão e era preciso esperar a chegada do porteiro – o velho José Martins, por antonomásia o Candimba... E assim finalizava – E bem lhe assiste à Associação extinta, mas sobreviva, o expressivo dístico horaciano das “Odes”: Non omnis moriar – de todo não morrerei! E efetivamente não morreu de todo, porque a sua biblioteca, passando a pertencer ao Centro Mato-Grossense, hoje Academia Mato-Grossense de Letras, vive, e há 15 anos o nome da velha sociedade de cultura é, constantemente, ou melhor, diariamente, relembrado por novas gerações que, consultando as obras que lhe pertenceram, prestam uma homenagem póstuma à velha Associação Literária Cuiabana.

Em 1897, apareceu o Clube Minerva, tendo à sua frente Virgílio de Araújo. Essa sociedade era um misto de literomusical. Ela, fortes razões me levam a crer, era composta de uma mocidade que vivia em pleno Romantismo, embriagada das idéias de Byron e Musset. O ambiente propício de Cuiabá, da época, talvez o oferecesse em seu meio, mais ou menos à semelhança de São Paulo, por volta de 1830. Sem a clássica garoa da paulicéia e sem sua tradicional Faculdade de Direito, por onde passaram os grandes vultos do país – o romântico Álvares de Azevedo, o genial Castro Alves e Rio Branco, legítima glória e orgulho da Pátria –, Cuiabá, na sua penumbra, também oferecia um aspecto romântico, era campo propício para as boemias discretas de jovens talentosos. O Clube Minerva marcou época na história do Romantismo cuiabano (porque, até bem pouco, Mato Grosso era Cuiabá, disse José de Mesquita).

Com o desaparecimento do Clube Minerva, nasce em 1899, nova sociedade cultural – Sociedade Internacional de Estudos Científicos. Já pelo nome, está a revelar sua austeridade. Essa associação, presidida por John W. Price, pastor evangélico, se propunha realizar conferências em torno de assuntos geográficos ou históricos do Brasil e coligir dados destinados a corrigir a carta geográfica de Mato Grosso. Creio que, dos seus sócios-fundadores, os dois últimos a falecer foram o professor Félix de Miranda e Estevão de Mendonça.

Da fundação da Sociedade Internacional de Estudos Científicos, para o aparecimento deste Grêmio de cultura, há apenas curto espaço de 12 anos.

É fundado, a 13 da abril de 1911, o Grêmio Literário Álvares de Azevedo.

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A Revista Mato Grosso, impressa no Liceu Salesiano de Cuiabá, prestou inegavelmente à cultura mato-grossense grandes serviços. A ela devemos o aparecimento de meia-dúzia de poetas e prosadores que constituem orgulho de Mato Grosso.

Saíram eles dos bancos do Liceu Salesiano, alguns já colaborando na Revista Mato Grosso, como José de Mesquita, Leônidas de Matos, Olegário de Barros, Lamartine Mendes e outros tantos. Foram alguns desses jovens, cuja mentalidade se formou à sombra dos paredões do velho Colégio dos Padres, que, tendo à frente Leônidas de Matos, fundaram o Grêmio Álvares de Azevedo. Entre eles se destacavam Lamartine Mendes e Nilo Póvoas. Teve essa sociedade poucos anos de vida, e a não ser o caso que ficou célebre nas crônicas teatrais da cidade, da realização de uma peça teatral que, segundo afirma o professor Francisco Ferreira Mendes, só terminou às 5 horas, nada mais houve que perdurasse em favor da sua memória. Cinco anos depois, surge o Grêmio Feminino Júlia Lopes com sua simpática Revista A Violeta. Desde a fundação do Grêmio, circulou a revista por longos anos, vindo a desaparecer com o falecimento da brilhante escritora Maria Dimpina Lobo Duarte, que a ela se dedicou corpo e alma.

A Academia Mato-Grossense de Letras, fruto, sem dúvida, do esforço conjugado de mais de duas gerações, já atravessou, igualmente, mais uma geração13, conservando-se sempre fiel ao seu programa inicial.

Escrevi em 1940, no Anuário do Oeste Brasileiro14, que o período de 1932 a 1937 representa, para Mato Grosso, um século de evolução literária no Estado. Creio que a afirmativa, embora houvesse contrariado muita gente boa, não fora de todo injusta, dado que, nessa época, viveu Mato Grosso o período mais intenso de sua vida literária. Em 1932, passou o Centro de Letras Mato-Grossense a ser a atual Academia Mato-Grossense de Letras que, dentro desse espaço de tempo, por mais de uma vez se viu na contingência de aumentar seu quadro social.

Portanto, minha assertiva não foi de todo injusta, e a Academia passou também por reforma, recebendo em seu seio alguns elementos da geração nova, alguns até ligeiramente endiabrados15.

13 José de Mesquita – Discurso de Abertura da Sessão Solene de Posse do Acadêmico Rubens de Mendonça.14 Rubens de Mendonça – Os bororos também são artistas.15 Gervásio Leite – Artigo publicado no jornal O Estado de Mato Grosso.

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O PARNASIANISMO

O Realismo, no Brasil, teve início depois de 1870. Em Mato Grosso, ele somente chegou com a geração contemporânea.

O mato-grossense, para se formar nas Faculdades de Direito, Medicina, Engenharia, etc., saía de Cuiabá e ia estudar no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Antes do advento da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, era obrigado, para chegar à Capital da República ou a São Paulo, a atravessar três países estrangeiros (nessa época não existia ainda a cidade de Campo Grande). Portanto, esta minha afirmativa, de que somente depois da primeira Grande Guerra chegou a Mato Grosso o Parnasianismo, não é exagerada. Antes disso não era praticada a Escola, onde pontificavam Leconte de L’Iste, Théophile Gauthier, Banville e Herédia.

Assim mesmo, o Parnasianismo veio até nós com o nome do mais conhecido poeta brasileiro que, graças à sua atuação na Campanha do Serviço Militar Obrigatório, se tornou popular – Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac.

Foi, sem dúvida, Bilac, com o seu nome aureolado, que nos trouxe ao parnasianismo. A verdade verdadeira é que até 1932, os nossos poetas rimavam vilancetes.

Com Otávio Cunha Cavalcanti a coisa mudou. Era ele um poeta vindo de outros meios. Veio para Mato Grosso, do Pará, onde pontificava naquela época Humberto de Campos, e trazia uma nova mentalidade. Nasceu Otávio Cunha, em Goiana, Pernambuco, a 18 de maio de 1884, e faleceu em Cuiabá, a 16 de outubro de 1958. Foi ele poeta parnasiano igual a Olavo Bilac, a quem se pode aplicar perfeitamente os dizeres daquela crítica que José Veríssimo fez de Bilac: “com notáveis qualidades de brilho, colorido, rara força verbal, felicidade de expressão, pompa, eloqüência, inexcedível mestria técnica, calor, entusiasmo”. Otávio Cunha foi grande poeta. Os sonetos que aqui transcrevemos são verdadeiras jóias da poesia nacional:

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MALDIÇÃO

Sob o teu negro olhar seja o meu verso a afrontaque ao teu presente insulta e o teu crime propaga;haja nele o rumor que, no alto mar, despontade uma vaga a bater de encontro a outra vaga.

Tenha nalma o remorso e chore esta alma tonta...Converta-se o claro dia em rude noite aziaga!Que hei de, firme, desfiar assim, conta por conta,um rosário pagão de maldição e praga.

Toda recordação do passado acumula!...Talhe brusca tesoura a mortalha de assombrospara o sonho que eu vou depositar na tumba.

Ah! Foste o rito ideal do meu afeto pulcro...E hoje és, por tua culpa, uma estátua entre escombros,ou cadáver do amor que eu joguei no sepulcro.

Ou então este delicado soneto:

ESPERANÇA

Verdes mares beijando a asa-branca do sonhoQue vai na rota azul de uma enseada bendita!...Os desterros suaviza... Ao cárcere medonhoDesce... e alma eleva a Deus para a crença infinita!

A Esperança... (É a patena onde o afeto deponho)O ermo povoa... a dor aplaca... o céu limita...É a benção que alivia o martírio tristonho...O lampejo da fé que a pátria ressuscita!...

A água branca que lava a cor negra das pragas...A esmola que abre o céu da bem-aventurança...O náufrago a lutar pela vida entre as vagas!...

Mansuetude de Cristo – entre espinhos e lanças!...A paciência de Jó – sob o fogo das chagas!...

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(Ai de nós, meu amor, se não fosse a esperança!)

Como se vê a poesia de Otávio Cunha nos fala à alma. Era um poeta verdadeiramente genial. Deixou dois livros de versos inéditos: Folhas Verdes no Outono e Poema.

De Folhas Verdes no Outono vamos transcrever mais um soneto:

ÊXTASE

Ontem, pensando em ti passei o dia,o dia todo numa inquietudede sabiá, que no ninho tece e fia,antes que o tempo de repente mude.

Embora a crença em nosso amor se escudenuma esperança, que nos delicia...longe de ti, tudo parece rude...– galhos quebrados pela ventania...

Longe de ti... a vida é um mar bravio,num fragor retumbante de escarcéus;junto de ti! – é um leito alvo e macio.

Quando em êxtase fico a te mirar,– Vejo a terra subindo para os céus...– ou os céus descendo para nos levar!

Rosário Congro nasceu em São Paulo, a 11 de setembro de 1884, e faleceu em Três Lagoas, onde se radicou e foi prefeito municipal.

Rosário era um poeta inspirado. Publicou: Inaiá (poemeto); Sombras do Ocaso (versos); Colunas Partidas; Outras Ruínas e Últimos Caminhos. Usava o pseudônimo Cruz do Vale.

As Garças é uma de suas melhores produções. Era membro da Academia Mato-Grossense de Letras, onde ocupava a cadeira n°. 40, que tem como patrono padre Armindo Maria de Oliveira.

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AS GARÇAS

Morre a tarde de rosas na planura,no pantanal desce a tristeza agora.Brancas, tão brancas como a neve pura,ao pouso as garças voltam, céu em fora.

Quando refulgem os vitrais da aurora, na beleza sem par da iluminura,O bando, que nas frondes se alcandora, parte, em revoada, sobre a vasa impura.

Aves hieráticas das verdes naves, dos silêncios profundos e suaves, no sonho azul da Íbis, enlevadas...

Lírios alados das regiões serenas, trazeis na alvura imácula das penas a pureza das virgens impecadas!

A prosa de Rosário Congro é amena. Seu estilo é simples e claro.

Arnaldo Serra nasceu em Cuiabá, a 2 de março de 1885, e faleceu no Rio de Janeiro, em 1943. Escreveu Páginas Íntimas (Contos Regionais, 1929), Aromitas (versos, 1932), além de um livro inédito Cenas de Minha Terra. Foi membro correspondente da Academia Mato-Grossense de Letras.

BUCÓLICAS CUIABANAS

Desliza o belo rio, plácido e sereno,Às carícias de amor dos verdes saranzais,Donde a garça gentil distende o vôo ameno.E o martim-pescador, do galho dos ingais,

Esponta as longas asas, de ambiente pleno,Acordando-o, parece, a gritos de cristais.Fere o meio do rio, impávido e pequeno,E do colo das linfas erguem-se os biguais.

Abica-se ligeiro a trêfega canoa,

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O pescador apanha o matiri da proa,E isca o anzol. E canta e espraia antiga mágua.

Corre, de vez, o peixe à profundeza em fora.Ferra o caniço! Em vão. A presa vai-se embora,E o velhinho, a sorrir, cospe três vezes nágua...

José de Mesquita, prefaciando Aromitas, disse: “Para livro de estréia (como poeta, bem-entendido, pois que você já deu o seu primeiro trabalho em prosa), é mais do que bom”. Note-se bem: Mesquita disse que para livro de estréia é mais do que bom.

Dom Francisco de Aquino Corrêa nasceu em Cuiabá, a 2 de abril de 1885, e faleceu em São Paulo, a 22 de março de 1956. Foi arcebispo de Cuiabá, fundador do Instituto Histórico de Mato Grosso e da Academia Mato-Grossense de Letras. Foi o maior orador sacro de seu tempo. Pertenceu ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e ocupava, na Academia Brasileira de Letras, a cadeira n°. 34, que tem como patrono o padre Antônio Pereira de Souza Caldas. Dom Aquino foi criticado, como orador, pelo acadêmico Rodrigo Otávio que, a seu respeito, escreveu:

Dominado ainda pela emoção que me trouxe a leitura da sua oração à velha bandeira de Mariana, não me furto ao ímpeto irresistível de escrever-lhe estas simples linhas portadoras dos meus agradecimentos. Não tenho memória de páginas mais belas na língua de Vieira e Rui.

Como poeta, assim se referiu a ele Afonso Celso: Em suma, Terra Natal e outras composições de dom Aquino Corrêa provam que ele pertence à família espiritual dos Bossuet, Fenelon, São Francisco de Sales e cardeal Mercier, simultaneamente grandes antístites e exímios homens de letras.

Para Humberto de Campos, um dos homens de maior prestígio intelectual do país, no seu livro Críticas, 2ª série, dom Aquino era:

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Único representante, também, da sua classe na Academia Brasileira de Letras – que parece disposta, aliás, a tornar tradição uma poltrona eclesiástica –, é natural que o Sr. arcebispo de Cuiabá procure preencher a deficiência do número com o vigor da atividade e, sobretudo, com a unidade da ação, pondo a pena e a palavra a serviço exclusivo da Igreja. Assim é que a sua bibliografia constitui, toda ela, um atestado de fé. Aquém ou além dos muros dos templos católicos, falando aos crentes ou aos incréus, ele é, sempre, o mesmo soldado de Deus.

Poeta, dada sua situação clerical se limitou a fazer apenas poesias

épicas e religiosas.

BANDEIRANTES

Nessa armadura arcaica e tão grosseiraDe couro cru, rebrilha, em alvorada,O heroísmo que, ao sol destas douradasPraias, vos guiou por ondas de sangueira.

Vosso rude arcabuz de pederneiraReboa ainda as glórias alcançadas;E há frêmitos de homéricas jornadasNos trapos e na cruz dessa bandeira!

Engrandecestes o Brasil, domando,Corpo a corpo, em conflito formidando,A mata, o rio, a peste, a fome, a guerra!

Salve, heróis! Salve, humildes bandeirantes!Fenícios do sertão! monções errantes,À conquista imortal da minha terra!

Dom Aquino foi, sem dúvida, um grande poeta, que poderia ser maior ainda se não fosse a restrição motivada por sua condição de arcebispo. Nem ele poderia ter procedido de outra maneira. Era um espírito culto, conhecedor profundo do idioma, inteligentíssimo, amável e elegante.

Nasceu um pouco fora de seu tempo. Nasceu para embaixador, para brilhar nas velhas cortes da Europa, mas era cuiabano cento por cento. Indo à Suíça, como representante do Brasil, na conferência de Educação em Genebra, escreveu uma poesia à beira do lago Leman, lembrando a terra natal. Ei-la:

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Olho os bosques, e vejo hirtos pinheiros,Cuja coma penteada além farfalha,Estalarem os cumes altaneiros,Qual exército em ordem de batalha.

Olho os campos de trigos tão doirados,E tão simétricos como um desenho,E as avenidas e os vergéis e os prados,Tudo a florir, com tanto estudo e engenho.

Mesmo as aves a voar, tão familiares,Pardais e melros, rouxinóis e gaios,Dir-se-ia que, antes de gorjear nos ares,Já fizeram na escola os seus ensaios.

Vejo tudo isto, e sonho a minha terraTão virginal, ao sol, que a beija e doura,Desde as cristas selváticas da serraAté à campina, onde a boiada estoura.

Sonho a vasta e magnífica desordem Das águas a tombarem nas cascatas,Formando os rios bárbaros, que mordemO húmus profundo e secular das matas.

Sonho, daqui, desta gentil paisagem, De tantas graças e de enlevos tantos,Eu suspiro por ti, torrão selvagem,Em toda a bruta flor dos teus encantos.

Que a natureza, aqui civilizada,Fala-me do homem, só me fala da arte;Mas tu, ó terra virgem e sagrada,Tu me falas de Deus, em toda parte!

Um dos melhores sonetos de dom Aquino é sem dúvida este:

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ERVA DE TAPERA

Nas taperas em flor da minha terra,Não crescem folhas de heras peregrinas,Mas uma erva aromal, que ao sol descerraAs suas roxas flores pequeninas.

O viajor que, por matas e campinas,Corta o imenso sertão, do vale à serra,Ama essas melancólicas ruínas,Onde o fantasma das saudades erra.

Pára. E eis que andando a sós, absortamente,Por entre o verde mato emaranhado,Sente-se, de surpresa, num ambiente

Tão doce, tão sutil, tão perfumado,Qual se ali o envolvera, de repente,Todo o aroma infinito do passado.

Em outra passagem, fizemos a afirmativa de que dom Aquino foi o maior orador sacro de seu tempo. Poderíamos apenas ter dito que dom Aquino foi o maior orador do seu tempo. Por isso, vamos transcrever um trecho de um seu discurso:

SERRA DA CHAPADA

Era em princípio da seca de 1800, no mês das monções... ao findar das chuvas, quase à entrada do outono, quando a terra em sede requeimada bebera longamente as águas da estação, e o padre Siqueira cavalgava, pela primeira vez, em missão oficial e científica, as íngremes escarpas da serra da Chapada.

Serra da Chapada! Quem poderia dizer as emoções com que terá galgado as tuas bocainas históricas e pitorescas, a alma pensadora do sacerdote naturalista!

Serra da Chapada! Imponente maciço milenário, que, resistindo heroicamente à erosão implacável das águas e dos séculos, ergues-te hoje, nos horizontes de Cuiabá, como o eterno monumento azul da sua pré-história silenciosa!

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Serra da Chapada! Cujos flancos úberes saltam as cristalinas fontes do vale cuiabano, o predestinado cenário de tantos dramas inéditos das bandeiras e das minas!

Serra da Chapada! Das tuas rechãs floridas é que também o Coxipó-Mirim, o belo rio dos bandeirantes, espadana do alto os seus cristais, desfeitos em flocos de imenso véu de noiva, cantando eternamente o noivado virginal do sol com a terra sempre em flor da nossa Pátria!

Serra da Chapada! Seguindo ao arrepio dessa corrente foi que os sertanistas, um dia, descobriram-te no céu do oriente, a dominar a amplidão deste cerúleo morro da Canastra, crismado mais tarde, por eles mesmos, com o religioso nome de S. Jerônimo!

Serra da Chapada! Da planura deserta por onde serpeia a teus pés o fértil Aricazinho, olhos fitos em teu vulto majestoso, é que Pires de Campos sonhava, para além dos teus chapadões, a encantada serra dos Martírios, onde com ele brincara em criança, vai já por tantos anos, o seu lendário colega, o Anhanguera!

Serra da Chapada! Chapada dos Guimarães! No teu doce araxá, nesse miradouro do céu e do infinito, consoante a linda etimologia indígena, tu nos deparas ainda a tapera evocativa da Aldeia Velha, onde pairam as sombras apostólicas dos padres Estêvão de Castro e Agostinho Lourenço, os jesuítas missionários, tanto mais veneráveis quanto mais impiedosa foi a rajada pombalina que lhes varreu a futurosa redução!

Serra da Chapada! Mas eis que em tua história culmina hoje para nós, por tua rica flora, desde as campinas viçosas aos tabuleiros duros, onde as canelas-de-ema estrelejam, na expressão agressiva da secura e da esterilidade!

Serra da Chapada! Quem sabe, quantas vezes, em teus incomparáveis belvederes, por essas noites serenas em que, ao luar do planalto, os teus paredões se transfiguram em adarve colossais de castelos fantásticos, com seus torrões e ameias. Quem sabe, quantas vezes, o solitário sócio da Academia Real das Ciências não terá evocado os estudiosos tempos do ultramar, o aconchego fraternal e honroso dos mestres, e, estimulado sempre mais no desvendar as grandezas de Deus nos segredos da natureza, ter-se-á entregue às lucubrações da ciência e da fé, muito mais nobres e santas que as de Eurico, o presbítero, nas solidões alpestres do Calpe!

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Para compreender bem este discurso, necessário se faz subir a serra de Chapada. Toda a vez que visito Chapada, vou repetindo mentalmente este discurso de dom Aquino.

João Nunes da Cunha nasceu em Cuiabá, 6 de maio de 1885, e faleceu na mesma cidade, a 1º de abril de 1930. Foi poeta e jornalista. Deixou um livro inédito intitulado Selvas. Apesar de ter vivido em nossos dias, não se deixou influenciar por outra escola poética que não a romântica. Seus versos não perderam o sabor de 1830.

Como jornalista, levou algumas surras. Era redator do jornal humorístico O Cacete, editado em Cuiabá, em 1920.

Este soneto de sua lavra vem confirmar nosso conceito quanto à escola poética de João Nunes da Cunha:

REALIDADE

Vai minha alma chorosa e solitáriaVivendo arcada ao peso das saudades...E canta e geme em meio das maldades,Da dor que neste mundo é sempre vária!

Tudo é fictício e leve. Mão falsáriaAtirou-me ao negror das tempestades, Onde passo tateando em soledades,Entregue à luta do viver diária!...

De misérias o mundo é um boqueirão!Enquanto um ri-se, um outro, na desgraça, Lamenta a triste sorte, mas em vão...

Os bens da vida esvaem-se qual fumaça,Fogem os nossos dias em botão,Tudo definha e morre, tudo passa!...

João Briene de Camargo, paulista nascido a 7 de setembro de 1885, veio para Mato Grosso como professor. Faleceu em Cuiabá. Era poeta e fluente orador. Pena foi que todas as suas orações fossem improvisadas. É de sua autoria este soneto:

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Pudesse agora o meu olhar, divina,mergulhar no teu colo perfumado,como um raio de sol beija uma ondina,como um beijo de luz cristalizado.

Mas não posso fazê-lo; é minha sinaViver distante do teu vulto amado:E a miragem grácil, que me fascina,Vê-la desfeita por estranho fado.

Guarde eu, embora, o meu amor sozinho!E o prazer que a minha alma dilacera,À tua alma feliz não seja espinho...

E nunca saibas, sorridente e pura,Que este versos, que lês, calma e sincera,São soluços de mágoa e de tortura.

Briene de Camargo era companheiro de Júlio Prestes, quando estudante em São Paulo. Como poeta, era fino e culto, além de ótimo professor.

Luís Feitosa Rodrigues, poeta corumbaense, nascido a 25 de agosto de 1889, publicou dois livros de versos: Inspirações (1936) e Devaneios (Tipografia Trouy, 1952).

Feitosa Rodrigues era membro da Academia Mato-Grossense de Letras. Ocupava a cadeira nº. 36, da qual é patrono Pedro Trouy.

SONETO

Vem, querida, vem ver o grande EstadoDo peito meu e a sua geografia:Aqui, o mar da dúvida, agitado;Ali, repousa o lago da agonia.

As montanhas que vês dest’outro lado,São os montes da dor que me crucia;O vulcão das paixões está apagadoNa ilha do abandono tão sombria.

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No bosque dos segredos, bem tristonho,No solar em ruínas do meu sonho,Revoam da saudade as pombas mansas...

Ah! Meu bem, meu tesouro de ternura,Vem plantar neste reino de amarguraA mais rasteira flor das esperanças!

Para Alceste de Castro, Luís Feitosa

é uma poesia cinzelada, sutil, é o lírio num jarro antigo, um camafeu com silhuetas gregas. Ora panteísta, ora místico, seus versos têm a opalescência dos poentes outonais, róseos e plúmbeos, e asas de aves batendo compassadas e sinos plangentes em campanários de lírios.

Francisco de Paula Aquiles, também corumbaense, nascido a 4 de maio de 1889. Viveu no Rio de Janeiro, onde faleceu. Foi professor de História Geral e de Latim. Exerceu o cargo de diretor do departamento de Imprensa Nacional.

É um poeta quase desconhecido no seu Estado natal, entretanto publicou várias obras. Pertenceu à Academia Fluminense de Letras. Eis suas obras: Luz Tropical (poemas, 1930); Rumos Novos Educacionais (prosa, 1935); Uma Escola para o Brasil, (prosa, 1940); O Brasil em Marcha (1942); Outono que Vai Passando (1946); Dança da Vida; Silêncio do Meu Destino, (1949); e Sociologia Educacional (inédito).

Esses dados sobre Paula Aquiles, bem como o soneto abaixo, figuram no livro do senhor Edgar Rezende Sonetos Brasileiros.

ORAÇÃO À NOITE

Tu que enlutas o mundo e, a cada instante,Nos olhos das estrelas luminosasCrepitas como um sonho delirante,E assinalas no espaço as nebulosas;

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Tu que trazes, no todo alucinante,A calma que adormece a terra, as rosas;Tu que os astros conduzes no levanteSidéreo das alturas silenciosas;

Tu que em mim a razão reconcilias,Num grito repetido e impenitente,Recalcando tremendas agonias;

Leva-me ao fundo abismo destas ânsias,Noite, em teu seio eterno, então, consenteQue eu durma no infinito das distâncias!

Luís Terêncio de Figueiredo, cuiabano, nascido a 2 de novembro de 1889, e falecido em 1947, internado num hospital de alienados do Rio de Janeiro. Possuía um livro de versos inéditos que, com a doença, foi extraviado. Gostava de fazer sonetos alexandrinos. É de sua autoria este soneto:

A IMPRENSA

Tenho por tudo quanto é grande, tudo quantotraz consigo do gênio a irradiação fremente, um entusiasmo estranho e eis por que tantoeu te consagro, Imprensa, este amor inconsciente.

És poderosa como a luz, em qualquer cantodo globo vais entrando irresistivelmente e aos poucos esgarçando o nebuloso mantode incerteza que envolve a tudo e a nossa mente.

Eu te saúdo, augusta Imprensa, excelsa glóriafulgurante da grande inteligência humana,que a Gutemberg deu franca entrada na história.

Salve! divino sol deslumbrante da ciência,perene manancial donde ardente dimanaa luz que nos dirige através da existência!

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Ou então em decassílabo, interpretando o elegante dizer de Júlio Dantas: “A eloqüência do argumento das lágrimas é geralmente sabido”. Por isso Luís Terêncio escreveu neste terceto:

Como é forte a fraqueza feminina!Pois, sobretudo em lágrimas consiste,E o coração mais duro ela domina!

João Villasboas nasceu em Cáceres, a 21 de abril de 1890. Poeta parnasiano, jurisconsulto e jornalista. Usa os pseudônimos: J. Vargas e Vítor Jarbas. Publicou: A Hipoteca Naval, obra de Direito que mereceu justos elogios do maior jurisconsulto do Brasil, professor Clóvis Beviláqua. Villasboas, embora fosse um ótimo poeta, não gostava de publicar suas produções. Quando se divulga um trabalho seu é quase tomado à força. Entretanto, seus sonetos são deste quilate:

ÚLTIMA PÁGINA

Vai... Não te quero mais... Prossegue avanteno teu caminho, feito de traições.Foge de mim... Vai, para bem distante, despedaçar estranhos corações...

Meu ódio seguirá teu passo errante, mesmo através das frias solidões.Quero que a dor dentre em teu peito cante, que vivas em tormentos e aflições!...

Eu te desejo todo o mal que encerra o máximo suplício das mulheres: - o desprezo dos homens sobre a terra.

Pois ciúmes terei de quem te amar...Ciúme dos prazeres que tiveres e dos beijos de amor que possas dar!

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Outro bom soneto de Villasboas é este:

Por que vieste, ao declinar do dia, animar meu viver de solitário? quando meu peito é cofre mortuário, guardando um coração em agonia...

Teu sorriso é cantar de cotovia, na alvorada de um sol incendiário.O meu riso é tanger de campanário, anunciando o chegar da noite fria.

Que importa seja eu velho e sejas moça?...Sofro, embora te ver desiludida,que um cântico de amor ainda eu ouça!... Felicidade!... és filha da quimera!... e, na tarde outonal de minha vida, dás-me alegres manhãs de primavera!...

Villasboas é grande polemista e orador parlamentar.

Ulisses Cuiabano, cuiabano até no nome, nasceu a 4 de agosto de 1891. Escreveu várias poesias. Deixou um livro a publicar, intitulado Grupiaras. Cultivou o Haikai e foi o primeiro poeta a escrever em Mato Grosso essa modalidade de poesia japonesa.

Dedicou-se também ao estudo de folclore, escrevendo vários ensaios. Pertenceu à Academia Mato-Grossense de Letras, onde ocupava a cadeira n°. 16, que tem como patrono Antônio Augusto Ramiro de Carvalho. Era membro do Instituto Histórico de Mato Grosso. Faleceu em Cuiabá, a 3 de janeiro de 1951. Foi professor durante toda a sua vida e tinha verdadeiro amor à profissão.

Vou transcrever aqui um soneto que o poeta me dedicou quando da publicação do meu livro de versos Cascalhos da Ilusão, em 1944.

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GARIMPEIRO DAS RIMAS

Ao poeta Rubens de Mendonça

Nos golfos, nos monchões, nas brutas grupiarasDos ínvios charrascais misteriosos da vida,Garimpeiro viril rebusca, em dura lida,Esmeralda e rubim, topázio e gemas caras.

Ei-lo, audaz, a descer nos peraus onde UiarasLhe oferecem, cantando uma canção dorida,O seio palpitante, dolorosa guaridaDe gozos sensuais, de volúpias tão raras.

Depois, à flor da Ninfa, o mineiro aparece,Trazendo o rebo, e, então, a bateia balançaNo desejo de achar a pedra que apetece.

Poeta, como o audaz mergulhador, risonho, Cascalhos da Ilusão a lavar, com pujançaLindos versos trazeis dos Garimpos do Sonho.

No último terceto, o poeta faz alusão a outro livro de verso da nossa autoria, Garimpo do Meu Sonho.

Soter Caio de Araújo, corumbaense, nascido a 22 de abril de 1891, e falecido no Rio de Janeiro, em 1958.

Soter era poeta humorista. Publicou apenas um livro de versos: Ex-tudo (versos matemáticos – Rio de Janeiro, 1916). Usava o pseudônimo: João da Escola. Os seus versos eram assim:

Os três da banca que me examinou,O diabo os fez, e a escola os ajuntou.

Seu livro se tornou monótono porque, desde a primeira até a última página somente trata de assuntos escolares. Vejamos este soneto:

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CONDENADO

Mestres, ó timoneiros valorosos,Guiando, à mão segura e engenho ardente,A nau que leva dentro, pressurosos,Os futuros da Pátria sorridente.

Vós, mestres, nossos guias generosos,Tesouros de saber, força potente,Farol da mocidade, luminosos...(Inda falta elogio, certamente!)

Perdoai: eu não quis fazer com istoUm inferno, católico ou dantesco,Para onde vos metesse... eu não sou Cristo,

E nem Dante; mas, sim, raciocinando,Com o espírito a rir, celebro fresco,Simplesmente um futuro examinando.

Carlos de Castro Brasil, também corumbaense, nascido em 1892. Jornalista e poeta. Castro Brasil é um dos bons poetas mato-grossenses.

A SOMBRA

Vens de longe, vens passo sobre passo,Os meus passos na vida acompanhando,Sempre o teu vulto esquálido arrastandoPor onde arrasto este meu corpo lasso.

Teus olhos, de um fulgor soturno e baço,Sempre fixos em mim, me estão fitando.– Olhar de quem, talvez está chorando...– Olhar de quem está morto de cansaço...

De que sombrio túmulo te ergueste,Oh! Solitária sombra que viestePara seguir, na vida, a minha sorte?

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És a minha consciência? És a verdade?És a sombra, talvez, de uma saudade,Ou és a sombra fantástica da morte?

José Barnabé de Mesquita, assinava-se somente José de Mesquita. Nasceu em Cuiabá, a 10 de março de 1892, e faleceu na mesma cidade, a 22 de julho de 1961. Foi o mais profícuo escritor mato-grossense. Poeta parnasiano, jornalista, historiador, romancista e contista. Usava os pseudônimos: Leonel e Altino de Lima, Hélio Maia, Marciano, Louzada Júnior, Jota de Eme, Aurélio Marcos. Fundou a Academia Mato-Grossense de Letras e tomou parte em todos os movimentos culturais do Estado. Era sócio-correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Publicou cerca de 31 obras: Poesia (Cuiabá, 1919); Elogio Histórico ao Dr. Antõnio Correa da Costa (Cuiabá, 1921); O Catolicismo e a Mulher (Cuiabá, 1926); Elogio Fúnebre do General Caetano Manoel de Faria e Albuquerque (Cuiabá, 1926); Terra do Berço (poesias, Cuiabá, 1927); A Cavalhada, (contos, Cuiabá, 1928); Um Paladino do Nacionalismo (elogio de Couto de Magalhães, Cuiabá, 1929); Semeadoras do Futuro, (discursos, Cuiabá, 1930); Epopéia Mato-Grossense (poesias, Cuiabá, 1930); O Taumaturgo do Sertão (biografia do Frei José Maria Macerata, Niterói, 1931); Atentado contra a Justiça” (tese de Direito, Cuiabá, 1932); Espelho de Almas (contos, premiado pela Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro, 1932); João Poupino Caldas (ensaio biográfico, Cuiabá, 1934); O Sentido da Literatura Mato-Grossense (conferência, Niterói, 1937); Piedade, (romance cuiabano, Cuiabá, 1937); Relatório da Administração da Justiça, (Cuiabá, 1937); Manoel Alves Ribeiro (ensaio biográfico, Cuiabá, 1938); O Sentimento de Brasilidade na História de Mato Grosso (discurso, Cuiabá, 1939); De Lívia a Dona Carmo (mulheres na obra de Machado de Assis, 1939); Professoras Novas para um Mundo Novo (discurso paraninfal, Campo Grande, 1940); A Chapada Cuiabana (tese geográfica, Cuiabá, 1941); O Exército, Fator de Brasilidade (discurso, Rio de Janeiro, 1941); A Academia Mato-Grossense de Letras (notícia histórica, Cuiabá, 1941); Três Poemas da Saudade (poemas, Cuiabá, 1943); Bibliografia Mato-Grossense, (em colaboração com o professor Firmo Rodrigues e Rubens de Mendonça, Cuiabá, 1944); Escada de Jacó (sonetos, Cuiabá, 1945); No Tempo da Cadeirinha (contos regionais, Curitiba, 1946); Poemas do Guaporé (poemas, Cuiabá, 1949) e o romance Imagem de Jaci, ainda não editado.

Este é um dos melhores sonetos de sua autoria:

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ASCENSÃO

Íngreme e sinuosa, aspérrima e escarpada, sob o sol flamejante ou entre tormentas duras, cheia de abismos maus, que abrem fauces escuras, vai a estrada coleando, em busca da esplanada.

Sobes. E na ascensão, entre angústia e torturas, trons de ira e de despeito, apodos e assuada, vês diminuírem mais as coisas na baixada e se abrirem os céus em mais amplas alturas...

Hás de sempre encontrar urzes pelos caminhos, serpes por sob a relva e, nas rosas, espinhos.Mas nunca te pareça o teu esforço vão.

Lá bem no alto cintila a estrela da bonança, e além, teu coração, mais do que a vista, alcança, límpido e claro, o azul da eterna perfeição!

DIAMANTINO

Silêncio e calma. O crepúsculo desceSobre a paisagem tétrica e silente.O vale, entre altos morros, esmaece no violeta pálido do poente.

Das velhas lavras ergue-se uma prece.A alma de uma outra idade erra no ambiente.E o velho Ribeirão de Ouro emudece, entre as lajes, seu pranto alto e dolente.

Silêncio e calma. Um doce misticismo na alma nos unge de poesia agora...E quando em teu passado altivo cismo,

Sinto que este contraste em mim se aviva: rica vila, suntuosa e bela, outrora, hoje triste cidade evocativa...

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José de Mesquita não ficou somente na poesia parnasiana. Ele evoluiu e escreveu versos modernos. Tinha um livro em preparo: Ritmos Novos. Nesse livro, dizia o poeta:

MULHERES

O homem pôs-se à margem da sua própria vida a contar as mulheres que cruzaram o seu caminho, em mais de quarenta anos...E viu as que o amaram, e ele não amou.E as que ele julgou amar e se iludia.As que lhe deram o gozo efêmero de um dia.E as que o enganaram e as enganadas.(Quais as mais infelizes?)E quando quis contar as que ele amou e das quais foi amado, não achou senão uma...(E essa mesma, vivia no seu sonho).

Ou em

Aprende, amigo, a viverComo se fosse, agora, a hora de morrer...E quando tiveres de morrer, convenças-te que vais começar a viver...

Nele havia ainda o contista, o romancista, o historiador. Nós damos, em nosso trabalho, preferência sempre para a página do escritor em que fala das nossas coisas. É que Mato Grosso é um Estado quase sem propaganda. Daí o motivo por que transcrevemos sempre o que fala do nosso folclore, das nossas paisagens, da nossa história, dos nossos costumes.

NAS TOURADAS

Retirados a um canto do “botequim”, os dois rapazes conversavam, quando, vendo-os a distância, para lá se dirigiu o Cardoso, num expansivo amplexo, a exclamar:

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– Vocês já viram a rainha do “Campo de Ourique”?

– Não. Quem é? perguntou, mostrando pouco interesse o moço advogado.

– Quem mais há de ser, senão a formosa viuvinha Eunice, a menina dos olhos do nosso caro major, disse, num piscar de olhos, meio irônico, Leo.

– A filha do Azevedo? insistiu Paulo, fingindo-se esquecido.

– Qual Azevedo, homem! Você onde está que não se recorda mais da galante pequena que tanto o impressionou à primeira vista? Não se lembra mais da moça que lhe fez repetir outro dia, no jardim, um soneto inteiro do... do Luís... ora, agora, a mim me esquece o nome...

– Pistarini, disse Leo, desapurando o maçante gamenho. É sempre mais fácil guardar os nomes das viúvas bonitas que os dos poetas...

Cardoso, entanto, sentara-se numa cadeira ao lado e pedira um chope e pastéis de nata. Os dois primos se entreolharam sorrindo. Estava o velho amigo fiel na execução dos seus planos que consistiam em utilizar-se sempre da boa-vontade dos “camaradas” para demonstrar-lhes a confiança que tinha nos mesmos.

A esta hora, o rumor no vasto Campo se fazia sentir numa animação crescente. Novas famílias chegavam e os palanques estavam quase todos cheios, vendo-se, igualmente apinhados de gente, as “cercas” e os “botequins”. A temperatura favorecia o prazer popular, pois a dois ou três dias frígidos, de cerração, seguira-se uma tarde linda, azul, claríssima, de doçura primaveril.

Começara Cardoso a relatar a Paulo um começo de rolo que ia havendo no curro, a noite passada, quando a música deu o aviso da entrada do toureador. Acorreu para as proximidades da arena gente de todos os rumos e os botequins ficaram momentaneamente vazios. O próprio Leo, acompanhado do Cardoso, precipitou-se para o “camarote” a ver um dos episódios mais curiosos da diversão empolgante que as “touradas” proporcionam. Era Leo um fanático por essas corridas, ao contrário do primo que as “touradas” deixavam frio, tendo antes repulsa por essa diversão, não demonstrando, porém, pelo receio de parecer snob e demasiado puritano. Era desses que se deixam levar pela maioria, pela tradição, e todas as vezes ia ao “Campo de Ourique” porque toda a gente ia e há muito se procedia assim, se bem que, no íntimo, isso tudo lhe parecesse estúpido e

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atrasado. Com pouco o estrugir dos buscapés, as palmas e gritos da assistência, a música ruidosa, denunciaram a “primeira sorte”. Nas alamedas em torno dos “camarotes” não se via quase ninguém. A cidade em peso acompanhava, com a alma suspensa nos lábios, em exclamações, corrimaças e vivas, o desenvolver emocionante da corrida. Agora eram os “capinhas” descalços, de calça branca e blusa escarlate, empunhando a bandeirola na mão esquerda, com que acenavam ao animal, e a “garrocha” na direita – uns, ágeis vaqueiros acostumados ao trato áspero de campeio; outros, gente da cidade, habituada a diversos misteres, mas que, nesses três dias, se convertiam em “capinhas” para ganhar mais facilmente dinheiro. Alguns havia até que começavam como “máscaras”, para cujo papel se não exigem qualidades próprias, bastando agilidade em subir na cerca e um pouco de chiste barato para divertir as galerias. Eram, ao depois, à vista da habilidade e coragem reveladas, elevados a “capinhas”, o que equivalia a uma promoção no conceito público. Não assim o “toureador”, que era sempre o mesmo, espécie de dignidade vitalícia, substituindo-se uns aos outros e só com a morte perdendo o título e as honras. Ao de agora, precedera um já algo idoso, o “Mirandeiro” como se fazia conhecido e a quem coube a glória de morrer em pleno campo, não de uma forte marrada ou queda, mas de um mal de coração, o que, para a consagração lendária de seu nome, teria sido a mesma cousa. Também as honras de “jacuba” – prestimoso auxiliar e escudeiro do “toureador”, eram personalíssimas e duravam de uma para outra corrida. O jacuba não necessitava mais do que ser prudente, evitar cautamente a aproximação do touro e acompanhar o seu amo e senhor, menos quando ia fazer as sortes, o que é perigoso. Muita gente, nota-se, faz na vida este papel de “jacuba” sem o sentir: são os amigos dos bons dias e das horas de prosperidade que fogem aos riscos das “sortes”. É uma posição de lustre, muito prática e desejável nestes tempos que correm... Voltemos, porém, aos “touros”.

Terminadas as primeiras “sortes”, começou a gente a abandonar os “camarotes” e se povoou de novo a avenida dos passeantes. O lado da “sombra” era naturalmente preferido, sendo que ali é que se constroem os “botequins”. Ostentava a praça, cerca de 3 horas da tarde, um ar animado, com as cores vivas dos “camarotes” e botequins, a graça e elegância das transeuntes, e a alacridade que a todos dominava.

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José Antônio da Costa, paraibano, nascido em Pilar, a 26 de julho de 1893, e falecido em Cuiabá, a 1° de maio de 1962. Veio para Cuiabá em 1918. Era uma notável inteligência. Ele próprio dizia, em tom de gracejo: “se eu tivesse freqüentado escola!”. Poeta repentista de grande inspiração. Faleceu no posto de capitão, reformado da Polícia Militar do Estado, corporação que muito dignificou.

O CABARÉ

Quero ir contigo à casa da misériaPara mostrar-te a vida deletériaÀ luz dos cabarés;Quero mostrar-te a messalina andante,Nos braços sensuais de um novo amante,No leito dos bordéis;

Quero mostrar-te a carne entorpecida,O câncer a gargalhar, uma feridaEm gases a sangrar,E o dinheiro dos roubos sobre a mesa,Roubado ainda uma vez na sutilezaDas cartas a dançar;

E a inconsciência, filha da desgraça,Ao lado da ganância e da trapaçaContrariando a sorte,Entre perfumes, sedas e morfina,Vinho, uísque, champagne e cocaína,O espectro da morte;

E a pobre da mulher tão exploradaPela mão do interesse, disfarçadaem notas musicais,Onde se escondem homens execráveisExpurgos sociais abomináveisPiores que chacais.

A luz dos cabarés tem atração...Arrasta o inocente à sedução,Corrompe a mocidade...

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E faz lembrar as noites de SodomaE os bailados de Nero, quando em RomaCaiu a virgindade.

Escrevendo a respeito do capitão Costa, Hélio Maia, pseudônimo de José de Mesquita, disse:

Em geral, a poesia é uma dessas manifestações que nos vêm com a chamada “mudança de idade”, entre os 15 e os 20 anos. Moléstia da adolescência, de que nos curamos com o vir da idade madura.

Há casos, porém, que fogem à regra, como para confirmar a única regra certa, de que não há regra sem exceção. Um desses é o do meu amigo J. A. Costa, que vem se revelando possuidor de um estro apreciável e conhecedor da técnica do verso através de produções suas que a imprensa da terra tem publicado.

Costa, por modéstia, somente começou a publicar versos no fim da

vida, ou melhor, depois de reformado.

Lamartine Mendes, outro poeta parnasiano. Em uma antologia, este poeta figura como nascido em São Paulo, mas Lamartine é cuiabano, nascido a 7 de fevereiro de 1895. Residiu muitos anos em São Paulo. Publicou: Serras e Pantanais (São Paulo, 1927) e Águas Passadas (São Paulo, 1932). O seu soneto famoso é

A PALMEIRA

Olha a palmeira, a sós, cujo bonito, esbelto fuste é já tão alto, e cresce, no desejo talvez doudo, inaudito, de noivar com o Sol, que resplandece.

Morde-lhe o pé a multidão refece das arvores anãs, entre o granito: e ei-la moça e graciosa, até parece um traço, unindo a terra ao infinito.

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Cresce, e a nada se anima para a altura galgar e bebe luz, numa tonteira, e abre a espata, abençoando a flor e o espinho.

Na sua aspiração grandiosa e pura, homem, imita o exemplo da palmeira:

subir bastante, mas subir sozinho.

A Volta das Canoas, outro bom soneto de Lamartine:

Quando a tarde se esvai, dourando a mata, e na embaúba, às margens das lagoas, gemem as rolas, descem as canoas, da água enrugando o espelho, que as retrata.

Vêm da pesca. Um remeiro a voz desata e canta. As ondas quebram-se nas proasE pelas ondas trêmulas e boas há reflexos de púrpura e de prata.

E os madeiros em fila, ao vento frio, vão boiando, boiando, lentamente, debruçados, tristonhos, sobre o rio.

Passam, e a noite cai, pura e silente.Passam, e depois fica o fugidioManto da espuma aberta na corrente.

D. Maria de Arruda Muller, poetisa cuiabana. Não tem livro publicado. Nasceu a 9 de dezembro de 1898. Pertenceu à Academia Mato-Grossense de Letras, onde ocupou a cadeira nº. 7, patrocinada pelo cônego José da Silva Guimarães. É uma das poucas poetisas que o Estado possui.

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ASPIRAÇÃO

Bojando a vela sobre o mar sem alma,Vai, asa branca, ao ritmo do vento.Circunfletindo, oscila e corta e espalmaImensidão que espelha o firmamento.

No ar rarefeito treme a leve palma...Se a tempestade vier, o oceano é cruento...E ela não sente quando a tarde é calmaInsídias de borrasca em céu sedento.

Quisera ver minha alma – neste instante – Como a vela boiar, e se sumindoNo horizonte, indo além, bem mais distante...

E indo a vogar meu pensamento com ela,Livre da ronda das paixões (que lindo!)Como a alvura que aclara a branca vela!

José Raul Vilá, nascido em Ponta Porã, MS, a 25 de março de 1899, faleceu no Rio de Janeiro, em 1956. Publicou apenas um livro: Rondônia (poema, pela Tipografia da Livraria Globo, 1918). Vilá cedo abandonou a poesia. Pertenceu à Academia Mato-Grossense de Letras, onde ocupava a cadeira nº. 25, patrocinada por Amâncio Pulquério de França.

José Raul Vilá, quando aluno de nossa Escola Normal, escreveu, certa vez, uma quadra que quase lhe valeu a expulsão daquele estabelecimento de ensino.

Aconteceu que era professor da Escola o Dr. Floriano de Lemos, que havia publicado um livro de versos O Bem, onde uma das poesias trazia a seguinte quadra:

Adeus, apitos...carreiras...Adeus...Adeus...Vai-se o trem.Oh! Nunca queiras, meu filho,

Dizer adeus a ninguém...

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Pois bem, na manhã seguinte, Vilá escreveu no quadro-negro da classe:

Adeus... Apito... carreira...Adeus... Adeus... Vai-se o trem.Poeta que escreve asneira,Não vende livro a ninguém...

Ridicularizou a cacofonia – nunca queiras – do autor de O Bem.

Contudo, Vilá, tão exigente, publicou na revista do Centro Mato-Grossense de Letras, tomo III, ano II, três sonetos, iniciando o primeiro com o seguinte verso: “Quando, ao vário sabor da procela sanhuda”.

O “nunca queiras” de Floriano ficou vingado com o “ao vário” do soneto de Vilá.

Entretanto, Camões escreveu o “alma minha”, e ninguém disse nada!

O soneto de Vilá de que mais gosto é

O DESTINO DE QUATRO PAREDES

Com que encantada e doce placidezSe abre este asilo alvíssimo e risonho,A agasalhar nosso afagado sonhoE nossos beijos, com gentil mudez.

E, quantas vezes, com que dor suponho,Que já se abrira para a embriaguezDo vício, e para o crime atro e medonho,E para a infanda crápula talvez.

Ora lépido ri-se, e quem diria,Que a morte talvez ontem, feia e fria,O recamou de luto e lividez.

E para a alva bondade e o torpe vício,E para o gozo e para o sacrifício,Há de se abrir com a mesma placidez.

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João Jacó, mais conhecido pelo pseudônimo de Jercy Jacó, do que pelo seu próprio nome, nasceu na Vila de Nepomuceno, Minas Gerais, a 16 de outubro de 1899, e faleceu em Cuiabá, a 1º de setembro de 1968. Jercy jamais escreveu uma poesia moderna. Cultivou de preferência o soneto. Publicou os seguintes livros: Sombras do Além (poemeto); Frei André (poemeto); Musa Discreta, (poesias, Tipografia Calhao, Cuiabá, 1926); Missal do Sonho (poesias, Cuiabá, 1948); Rimas Pagãs (sonetos, Cuiabá); Sinfonia da Alma (sonetos, Cuiabá, 1961).

O PESCADOR

O pescador, em noite enluarada,Ao mar se atira para a incerta lida.Uma constância rude e revividaConforta-o na incerteza da jornada.

E singra o mar... e colhe as redes...Nada!Uma vez mais... mais outra vez perdida...Regressa à praia. E, assim, no mar da vida,Tem mais uma esperança naufragada.

Hoje, amanhã, depois... Talvez um dia!E para mais distante o acaso envia,Tecendo da promessa o desengano.

E os dias fogem... e o ideal avança...O pescador é o coração humano,

Sempre a correr atrás de uma esperança!

SIMBOLISMO

Como reação à Escola Parnasiana em 1890-1900, apareceu no Brasil a escola Simbolista da qual se tornou expoente máximo o poeta negro Cruz e Souza. A influência do poeta catarinense refletiu também em Mato Grosso. Aludo a Pedro Medeiros, poeta corumbaense, nascido a 25 de novembro de 1891, falecido na mesma cidade, a 12 de abril de 1943. Foi um dos maiores poetas mato-grossenses. A seu respeito, escreveu Gervásio leite:

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Poesia não podia existir, em Pedro Medeiros, sem o acompanhamento da boemia. Boemia não no sentido mambembe, muito provinciano de mistificações sem sentido, que acaba estragando o Poeta, a Poesia e a Boemia. É desta no sentido de Paul Verlaine que Medeiros viveu, naquele sentido que o “pauvre Liian” tão interessante sofreu. Boemia em seu nobre, generoso e elevado sentido, em que a vida se funde numa harmonia serena, e os versos fluem acabados, perfeitos e precisos, resultando aquela poesia que é a “excitratrice d’acets vitaux”.

Pedro Medeiros teve a influência do autor de Rondas Noturnas, Mário Pederneiras.

O poeta corumbaense publicou 13 de Junho (poema). Em 1967, seu filho Djalma de Medeiros publicou-lhe um livro póstumo: Poesias-Crônicas e Comentários.

O BURIL E A PENA

Certa vez, encontraram-se na estrada,O buril e a pena...E disse o buril: – vem, minha amada,Vem, pequena,Vem ser a minha companheira.

A pena sorriu, e se voltou sobranceira,Respondendo ao buril:– Eu sou fraca, sou pobre e pueril,Em todo caso...Tu que dás à tela a cor do oceano,Maravilhosamente,Talvez consigas facilmenteÀ vida me tornar...

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Deram os braçosE, a grandes passos,Continuaram a andar!Depois, sempre que o buril sonhandoMatizava lendas,Puríssimas legendas...E se a pena robusta produziaBailada cor de opala,Tinha o auxílio do buril que iaFartamente ilustrá-la......................................................

Agora morreu a pena. E o buril,Triste, sutil,Ao invés de dar à tela uma paisagem,Evoca a soledade,Ou deixa-lhe esculpida a branca imagemDa SAUDADE!

Ou nesta outra notável poesia:

CORAÇÃO...

Coração, coração...Leito de plumas brancas, luxuriantes,– macio, veludoso, calmo e brando...De quando em quando– um vulcão!

Um Vesúvio de lavas crepitantes,em plena erupção!Coração pára-beijos; coração pára-raios;Antena – muita vez para meros ensaios...

Relicário de tantas ilusões!Ninho de fantasias,Escrínio de alegrias,– Cofre de emoções!

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É o solar da descrença e o castelo da fé.Câmara mortuária e sala do cabaré.É um escravo d’alma, lacaio de matéria,torre de altruísmo e gruta da miséria.

Esconde o crime, o vício, agasalha a virtude,tugúrio de gemidos, soluços e inquietude,– coração pára-raios! Ó coração antena!Favo de mel às vezes, e muita vez gangrena!Coração, treva e luz,Glória e horror!É um posto para a cruz;– Um vaso para flor!

Canteiro, vivem nele a flor do bem, do mal...Antro, caverna, alcouce, – catedral!

Franklin Cassiano da Silva, também corumbaense. Nasceu a 1º de maio de 1891 e faleceu em Cuiabá, a 9 de junho de 1940. Um dos poucos autores teatrais que possuiu o Estado, escreveu peças teatrais que, infelizmente, foram extraviadas, entre elas uma que foi levada à cena em 1928, Cuiabá em Revista, muito aplaudida.

O principal objetivo deste trabalho, aliás, como outros trabalhos do gênero, constitui apenas em registrar para as gerações futuras o que foi Mato Grosso, porque dentro em breve, com o descaso por parte dos poderes públicos em relação às nossas coisas, ao nosso arquivo, as nossas tradições, tenho certeza, vão desaparecer. Esse descaso não é apenas do atual governo. Depois da intervenção federal do desembargador Olegário Moreira de Barros, letras e cultura, no Estado, vêm sendo relegadas a plano secundário.

Voltemos a falar sobre nosso poeta. Os versos de Franklin Cassiano da Silva eram assim:

Era no doce tempo da quimera,Era o tempo risonho dos amoresEm que, no campo, o repontar de flores

Anuncia o sorrir da primavera.

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Sua poesia era suave e delicada. O poeta mais se aproximava de Gustavo Santiago que de Cruz e Souza.

SUGESTÃO AO LUAR

A Lua – uma velhinha a nos olhar...E nós, tão moços, eu e tu, assim

Sob a luz do luar,Qual dois velhinhos parecemos juntos

A rezar, a rezar,As contas desfiando, uma a uma,

Do rosário do passado!Eu e tu...

Coisas que lá foram – gratas à lembrança:Eu um homem já feito, e tu criança.Um namoro feliz, um noivado depois...

Tantas cousas!...Ciúmes inocentes,Arrufos para sempre

Que não duram mais que a vida de um sorriso...Ah! Que saudade este luar me traz...

E que desejoDe repetir contigo, minha amiga,Toda briga que outrora já tivemos!

É também digno de nota este soneto:

ESTADO D’ALMA

Hoje o dia está triste e o céu nublado.Vejo em tudo uma lágrima escondida...Há pelo ar um dobre de finadoE o tédio a bocejar sinto na vida.

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Todo o meu ser se estorce contristadoNuma agonia imensa e dolorida...Sinto um grande desejo incontentadoDe uma beleza vaga indefinida!...

No desejo de um bem, ansiosa e presa,A receber os beijos da saudade,Fica minha alma enregelada e fria!...

E é tanta a dor que este meu peito invadeQue nem sei se é do dia essa tristeza

Ou se é minha alma que entristece o dia!...

Franklin Cassiano da Silva pertenceu à Academia Mato-Grossense de Letras, onde ocupava a cadeira nº. 16, cujo patrono é Antônio Augusto Ramiro de Carvalho.

Outro poeta simbolista foi Oscarino Ramos. Nasceu em Cáceres, a 1º de novembro de 1891, e faleceu em Cuiabá, a 6 de março de 1969. Deixou um livro de versos inédito. Em razão de sua miopia, escreveu pouco.

ÂNGELUS

Pás de sombras no túmulo do dia...Horas de evocações... Choram trindades...A voz do sino é o eco de agoniaDe alguém que anda morrendo de saudades.

Sozinho, nesta solidão tão fria,Eu fico a recordar outras idades:Belos tempos repletos de alegriaDe sons, de amor, de sonhos, de bondades!

Oh! Que ânsia irreprimível de chorarÀ hora do dolente Ângelus, por essesCrepúsculos cinzentos e doridos...

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E que saudade sinto do meu lar...Da minha mãe ... da minha infância ... desses

Tempos idos, queridos e floridos.

Em outro soneto, diz o poeta:

VIDA OBSCURA

Nasceu, humilde, ao pé de uma montanha,O regato que vês ali passando.É tão furtivo o seu correr, tão brando,Que os pássaros e bichos não assanha.

Povoa-lhe as margens verdes, bandoDe aves mansas gozando paz tamanha,E nas moitas floridas que ele banhaBaloiçam ninhos tépidos noivando.

Igual a este regato é a minha vida...Ela passa a sorrir despercebida,Sem sustos, sem invejas, sem clamores.

E assim prossegue sob o teu amparo,Feliz e obscura à luz de um céu bem claro,Povoada de gorjeios e de amores.

Leônidas Antero de Matos nasceu em Cuiabá, a 28 de fevereiro de 1894, e faleceu no Rio de Janeiro, a 8 de abril de 1936. Leônidas de Matos foi grande poeta. Não deixou livro publicado. “Leônidas de Matos, disse dom Aquino Corrêa, essa alma de poeta, cuja musa, desde os tempos de estudante, vive a rendilhar a teia lírica dos versos e prosas, em que lhe desentranha o coração docemente vibrátil”.

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DO ACASO E DO SILÊNCIO

Nas horas derradeirasdo Sol morrer, o ocaso, evocativo,parece uma paisagem simbolista...É violeta... é sangue... é ouro vivo...Tem a cor da saudade e da ametistadas plangentes olheiras...

Longe, em ruínas, a torre secular,isolada entre as árvores, levantao seu perfil, em cismas dolorosas...Olha à distância, espiaa ver que crente vem para rezara oração derradeira ao fim do dia...

Despetalam-se rosas...Uma cigarra ao longe canta...Cai sobre a terra uma saudade roxa...Um silêncio de seda...E a luz vai a fugir... é frouxa... é frouxa,debatendo-se aos troncos da alameda...

Ó silêncio da tarde que me exortas!...Ó silêncio... ...amigo das igrejas mortas...das alcovas esquecidas,os beijos que morreram soluçando,onde a saudade vai ouvir, chorando,as palavras perdidas,que caladas morreram no silêncio...

Amo-te, hora, em que o Ângelus dolente,na luz crepuscular,Chora saudades brancas pelo ar!...Ó misticismo azul do pôr do Sol!Ó pedrarias vivas do arrebol!Ó quadro simbolista do poente!...

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PRÉ-MODERNISMO

Para Alceu Amoroso Lima, o Pré-Modernismo é o período compreendido entre 1900 e 1920. Dentro desse esquema, vamos estudar a literatura mato-grossense.

O primeiro poeta desse período é Carlos Vandoni de Barros, nascido em Corumbá a 26 de junho de 1904. Seus versos já têm um novo sentido. Por exemplo, O Cururu já é uma poesia diferente:

Fervilha o cururu no rancho de acuri,À luz de vela de garganta e de pavio,Enquanto se desfaz, em prantos por ali,Viola de ximbuva e tripas de bugio.

E assim que o violeiro geme no bordão,Fazendo soluçar a música brejeira,As morenas bonitas que dançando estão,Acompanham cantando o coro a noite inteira:

Maré encheu,Maré vazou,O cabelo da morena,Foi Batista que cortou.

Eu não tenho medo da onça,Nem da pinta que ela tem;Tenho medo da morena,Quando chega a querer bem...

E o cantador destemido,Já meio aqui, meio ali,Solta o verso que é aplaudido,Sorrindo cheio de si:

“Lá na mata do FuziJoão Caetano me falô,Que as muié do Taquari,Co’a vida dele acabô”.

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E na manhã seguinte, quando o galo canta,E a madrugada, pouco a pouco, já se vê,A voz da morenada alegre se levanta,

Tristonha a soluçar: “não deixa amanhecê!”

Como se vê, Carlos Vandoni de Barros já escreveu versos de forma diferente:

AGUAÇU

Campanhas infindáveis verdes, desoladas,Tapetes de valor jogados por ali,Sempre novos, depois das anuais queimadas,Quando a gramínea mostra mais poder em si.

Todo dia cantando em lindas revoadas,O joão-pinto, o canário, o tordo e o bem-te-vi,Fazem assim o coro em notas compassadas,Ao murmúrio das águas do Capivari!!!E no meio do campo um aguaçu conquista A imensa região de se perder de vista,Com seu porte fidalgo, altivo e sobranceiro!

E a gente muito humilde e boa do sertão,Achou-o tão tristonho em sua solidãoQue acostumou chamá-lo de “aguaçu solteiro”.

Cavalcanti Proença, no civil Manoel Cavalcanti Proença, nasceu em Cuiabá, a 15 de julho de 1905, e faleceu no Rio de Janeiro, em dezembro de 1966. Este era o único escritor mato-grossense com condições de entrar para a Academia Brasileira de Letras. Publicou as seguintes obras: Ribeirinha do São Francisco (1944, Biblioteca Militar, Rio); Uniforme de Gala (contos, 1953, Ed. Opama); Ritmo e Poesia (1953, Ed. Organização Simões); Roteiro de Macunaíma (1953, Ed. Ambembi, São Paulo); No Termo de Cuiabá (Ed. do Instituto Nacional do Livro, 1957, Rio); Augusto dos Anjos e Outros Ensaios (1959, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro); José de Alencar na Literatura Brasileira, (Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro); O Alferes (romance, 1967, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro), além de inúmeras biografias, introduções e notas feitas nos livros Clássicos Brasileiros (Livros de Bolso).

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Xaraés é uma poesia escrita quando Maneco Proença era ainda jovem:

Ardem topázios pelos céus em fora.Sobre a pira do ocaso o dia arqueja;À flor do pantanal uma asa adeja,E a voz da anhuma, estrídula, clangora.

A vaga azul do Xaraés absortoPega fogo no incêndio do sol-pôr,Xaraés verde e azul, oceano morto,Oceano triste que morreu de amor. E a luz do ocaso acorda o impulso ardenteDe heroísmo que o letargo encerraPorque tu és, ó Xaraés, ao poente,O rubro coração da minha terra.

E revivem figuras gloriosas,Crispa-te a face em fulvos arrepiosA proa das igaras numerosasDos paiaguás membrudos e bravios.

Lá desponta a monção, franjas de espumaVêm abrindo o cortejo das canoas,E a tua vaga as beija, uma por uma,De rudes argonautas te povoas.

Depois? O paiaguá, e a luta, e breveA tua água se tinge num instanteDe rubro sangue, a tinta em que se escreveA epopéia imortal do bandeirante.

E ouve a última queixa do precito,Vendo a torre do sonho que desaba,Que vai morrer, que é filho..., e o olhar aflitoProcura os lados de Araritaguaba.

Aquele outro que bóia sobre as águasEra noivo. Ainda hoje se pressenteA sua alma a chorar, cheia de máguas,No grito ansioso da arancuã nubente.

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Calma... é noite, sonolento, absorto,Tu que, há pouco, eras púrpura e esplendor,Xaraés verde e azul, oceano morto,Oceano triste que morreu de amor.

Voltemos ainda a tratar desta figura de grande destaque nas nossas letras. Já o vimos como poeta, agora o vejamos como prosador, num trecho do seu romance O Alferes:

Quiseram, pois, altos desígnios da Providência que este imparcial observador assistisse à posse do coronel Ernesto Augusto da Cunha Matos na presidência deste vasto, inóspito e apartado Mato Grosso, e, ao seu esforço, logo após desencadeado de cabala e pressões, eleger deputado o Dr. Carlos de Laet. “Apesar da repugnância do eleitorado”, como disse uma gazeta coetânea.

Não se pode afirmar fosse incapaz de fazer alguma coisa pela província, mas só esteve no cargo três meses; governamentalmente falando, até que não era de todo canhestro. Mas vamos aos fatos.

Baile de primeira (com este teu colega muito sucessful) foi o oferecido pelo Partido Liberal ao capitão Pais Leme de Souza Ponce, de nome grande, simpatia grande, e depois, grande chefe, embora de certos rompantes que não me agradam. A música toca, e lá me vou dançando com a Noêmia, moçoila casadoura, a quem há tempos beijara debaixo da bandeira do Divino Espírito Santo. (Anote o pormenor biográfico do seu informante.) Deve saber que, na festa do Divino, é costume as pessoas se abaixarem para colocar sobre a cabeça a bandeira, toda de tafetá-chamalote escarlate, no meio a pombinha de asas abertas, bordada a fio de prata e de ouro. Com vasto farrancho, bandeira, cetro e coroa, percorrem casa por casa das ruas abastadas. E entra aí a crendice do beijo. Noêmia, dos olhos grandes, a curva ântero-superior acentuada, no estilo peito-de-rola, um grande uru remexente, se abaixou e não perdi meu tempo (Você, devoto de José de Alencar, sabe que a palavra uru tem tradução inocente, mas, como é difícil nomear, em documento decente, certas partes do corpo, adotei-a e adaptei-a). A moça se ergueu, meio vermelha, reflexo da bandeira escarlate; não insisti na hora, mas, com pouco, era namoro ferrado, de par constante até em baile oficial.

Pois andava o baile em começo, com discurso gosmado

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elogiando os serviços do capitão Ponce ao Gabinete Ouro Preto, foguetes, vivas a Sua Majestade, o imperador. Temporal, menino, trovejava de velha queimar palma benta com medo de relâmpago. Chovia que mais chovia, transbordava o córrego da Prainha, mas tudo acaba acabando, serenou. Serenou, dancei com a Noêmia, apertinhos de mão, esbarros sem querer, querendo, nas partes mais estofadas. E agora...(Som de tambor rufando, rolante). Chegou a notícia da Proclamação da República. Para seu governo: uma hora da manhã de 8 de dezembro de 1889.

Chegou a cavalo, por um cavaleiro do Aricá. Não pense você que um sujeito qualquer montou a cavalo, aí no Rio, e veio, jocotó, jocotó, jocotó, até aqui. Nada disso. O navio é que, chegando no Aricá, trouxe a carta. A carta foi despachada a cavalo para chegar antes do navio, que vinha remanchando nas curvas do rio. Na dita carta se dizia: “República foi proclamada no dia 15 de novembro”. Rigor histórico.

Foi chegar a notícia que começou o corre-corre. Como sempre, apareceu um camarada que tinha idéias, e apareceram os que aproveitam as idéias alheias. Pois se lembraram do general Antônio Maria Coelho. Herói da Guerra do Paraguai, tinha chegado há poucos dias para inspecionar a tropa da guarnição.

Alta noite, no Largo da Boa Morte, bateram na chácara de D. Marta, onde ele se havia hospedado, e, àquelas horas, já estava recolhido e, com certeza, dormindo. Chamado, acordado, se agasalhou e veio atender.

Mostraram-lhe a carta em que se falava que seu nome fora lembrado, aí na Corte, para chefiar o governo provisório da província. Ficou meio indeciso, um pé lá, outro cá, mas os republicanos insistiram, falaram, convenceram, e ele acabou aceitando. Só punha uma condição: ser aclamado pelo povo.

Logo, para se garantir, o general mandou o ordenança chamar o comandante do 8º e do 21º de Infantaria. O major do 8º, logo aderente (ou adesivo) ao chefe e à República, voltou ao quartel, botou a tropa de prontidão e ficou na espera.O coronel do 21º – depois se soube – começou querendo pôr cisco na coisa: fez hipóteses de reação do presidente Cunha Matos, convocou todas as teorias que o sujeito aprende sobre como não ser surpreendido pelo inimigo, entrou no coco do inimigo, pensou como se fosse o inimigo.

Você aí, seu André, que só conhece Rio e São Paulo, com certeza anda cheio também dessas teorias. Mas nós, deste vasto

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sertão que é o resto do Brasil, já sabemos que teorias são coisas de livros, delicadas. Quando tomam sol e chuva do sertão, estorricam ou embolaram, empenam ou desandam. (Gostou dessa retórica? Pois dou logo a receita: está nas Lições Elementares de Eloqüência Nacional, do Freire de Carvalho.)

Depois desta contribuição à arte de persuadir e convencer, volto ao general Antônio Maria, e digo que ele tomou o coronel como inimigo mesmo, encrespou e deu o estouro:

– Se o senhor tem receio de compromissos, meto meu quepe e entro no 21º de peito aberto. Dos seus soldados, os veteranos estiveram comigo na campanha do Paraguai; os novos já ouviram falar de mim. Garanto que vão dar vivas à República.

Não sei que mais ele disse, mas o coronel concordou e foi para o Largo da Matriz colocar o 21º de Infantaria em pé de guerra.

As coisas se agitaram até dez horas da manhã; com a renúncia do coronel Cunha Matos, o capitão Sobrinho tinha assumido a presidência da província, e estava na assembléia, reunida em sessão plenária. Foi aí que o general Antônio Maria despontou com aquele povão, gente de toda qualidade, e entrou ovante, a fim de que a assembléia lhe desse posse em nome da soberania popular. Capitão Sobrinho ainda trastejou, falou em consultar os munícipes para saber se devia passar a presidência do Estado ao general. Mas, nessa altura, seu André, o povo começou dando vivas a Antônio Maria, à República, à soberania popular. O capitão meteu a viola no saco, e o presidente da Câmara, Generoso Ponce, aclamou o general, em nome do povo e de seus representantes, governador do Estado Confederado de Mato Grosso. Daí só se escutou foi o vivório: “viva o marechal Deodoro, viva a República, viva o Exército, viva a Armada, viva o general Antônio Maria Coelho, viva o governador-general, viva o general-governador”.

Política é o diabo, meu caro André. Saiba, desde já, que este general-presidente é pessoa bondosa e soldado capaz. Foi ele quem comandou a retomada de Corumbá, em junho de 1867, na campanha do Paraguai, junto com o governador Couto de Magalhães, um doutor paulista com paixão pelos índios. Comissionado em coronel, comandou a coluna, viajando pelo pantanal do São Lourenço, cheio de dificuldades; lutou, teve bravura e retomou Corumbá que, desde o começo da guerra, estava na mão dos paraguaios. Pois um homem desse calibre, na hora de eleger a Assembléia Constituinte, cabalou tanto (ameaçou com cadeia e até pancada) que a eleição

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foi puro teatro. Só ganhou cadeira quem o general bem quis e bem mandou. Afinal, sou republicano e tenho estima pelo velho, mas, como testemunha da História, não posso mentir, nem calar. E para que você saiba de tudo documentadamente, remeto a suas mãos de historiador a primeira proclamação por ele assinada, e que tem este começo promissor: “Mato-Grossenses, enfim é livre a terra de Colombo. A planta exótica que ainda existia feneceu no glorioso

dia 15 de novembro de 1889”.

A página é de romance, mas os fatos verdadeiros.

Cavalcanti Proença mereceu uma crônica de Francisco de Assis Barbosa, cujos dizeres anotamos:

Familiar de Camões e dos clássicos quinhentistas, Manoel Cavalcanti Proença o é também dos humildes violeiros cuiabanos, dos cantadores das feiras nordestinas ou dos tocadores de violão dos subúrbios cariocas. Daí não só a sua modernidade, que faz desse erudito, nascido em Mato Grosso, sem perder as suas características de caboclo sertanejo, com uma ponta de sangue índio, um homem verdadeiramente universal, no melhor sentido da palavra.

Mais no espírito que na forma, o escritor de Augusto dos Anjos e Outros Ensaios faz-nos lembrar um pouco Euclides da Cunha, um Euclides enxuto, como que despojado de toda a pompa verbal, mas com o mesmo forte sentimento de compreensão da sua terra e da sua gente.

Clodoaldo D’Alincourt Sabo de Oliveira, cuiabano, nascido a 29 de abril de 1906. Publicou: Páginas d’Alma (versos, 1944); Destinos (versos, 1952); Musa Heróica (versos, Editora Gráfica Laemmert Ltda., Rio de Janeiro, sem data), e Sombras Humildes (poemas sobre os cães, Editora Gráfica Lammert Ltda., Rio de Janeiro, 1963). O poeta fez versos rimados e metrificados.

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O FORTE DE COIMBRA

“Ricardo Franco, comandando o Forte de Coimbra em Mato Grosso, foi intimado pelos espanhóis a render-se ou morrer nas ruínas da cidadela. Respondeu que era o dever do soldado deixar-se matar antes de conhecer a desonra da rendição. E expulsou a frota inimiga, graças ao valor dos soldados brasileiros.”

Numa curva do rio, ali junto à fronteira,– Sentinela de pé sempre em nossa defesa – O Forte, embora antigo, ainda encerra a grandezaDos avoengos heróis da história brasileira.

O tempo o não destrói. E à investida primeiraDe atrevido espanhol lhe ameaçando a nobreza,Vingara a colonial construção portuguesaApontando os canhões e erguendo alto a viseira!

Quem quer que o Paraguai suba armado, e o defronteNa imprevista mudez de uma antiga armadura– Recordando o passado e auscultando o horizonte –

Há de sempre o encontrar no tranqüilo barranco,Velando as tradições com soldados à alturaDos passados heróis como Ricardo Franco...

A sua poesia é toda assim rimada, metrificada e bem-comportada.

FITANDO O CRESCENTE

Hoje a lua surgiu como que a medoNo espaço incalmo, desolado e aflito,Como se fora, erguido, o alfanje tredoDe um árabe depois de algum delito...

Vendo-a no poente, embora assim tão cedo,Sem ter o vôo no alto céu descrito,Teve a ilusão de que um sinistro enredoSe tramava no côncavo infinito...

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Tive medo do céu! À luz escassa,Vi no horizonte o pálido crescenteNuma atitude de sinistra ameaça...

Ele aparece ao meu olhar insano,Como a espada de Dâmocles pendenteSobre a incerteza do destino humano!!!

Celestino Correa Pina, este é mais filólogo do que poeta. Organizou uma Pequena Antologia Latina para 4ª série ginasial, publicada pela Editora do Brasil S/A, São Paulo, 1944. Publicou poucas poesias. Dentre elas se destaca este soneto:

NOITE DA ALMA

Tétrica noite aziaga. Irada, a tempestadeBrama. Roncam trovões formidandos. Rebenta,Rápido, um raio ao longe... E, em torrentes, violenta,A água jorra. Solidão. Letargo. Escuridade.

Mas cede o temporal... Findou. Na imensidade...Azul, faísca um fulgor de pedrarias. Lenta,A lua, aranha de oiro, o véu diáfano ostentaDo luar, que, amplo e divino, agasalha a cidade.

Minha alma é imagem fiel dessa noite atra e dura,Era do desespero ao seio acorrentada.Mas, um dia, chegaste. E, hoje, calmo, fulgura,

Como um pálido de luz, por sobre a minha vida,Orientando-me o passo e aclarando-me a estrada,Esse divino luar do teu amor, querida.

Gabriel Vandoni de Barros nasceu em Corumbá, a 10 de julho de 1907. Publicou: A Burla do Voto na República Nova (Estabelecimento Gráfico Vanitas, São Paulo, 1934); Cuiabá – Terra Agarrativa (discurso de posse na Academia Mato-Grossense de Letras, Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 1951) e A Rosa e o Vento (trovas, pela Livraria Martins Editora, São Paulo,

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1967). Um livro bem impresso é este último, capa e vinheta de Tran Tho, ótimo papel, edição de luxo, prefácio de Agripino Grieco que, a respeito do autor, disse:

Gabriel Vandoni de Barros, em quem não escasseiam espírito e sensibilidade, poderia escrever muitos sonetos e até alongar-se em poemas líricos de boa estrutura e timbre melodioso. Mas prefere – o que não destoa das exigências de síntese da vida vertiginosa de hoje – consagrar-se à trova. Dezenas de quadrinhas suas, vencendo o difícil e, mais ainda, evitando o fácil do gênero, são excelentes.

O prefácio do macróbio demolidor dos homens de letras do Brasil não

recomenda a ninguém. Eu, como Rosário Fusco: “Muito tempo considerei o Sr. Agripino Grieco um grande crítico. Durante todo esse período, eu achava que a inteligência estava mais próxima da bílis que da massa cinzenta”.

Agripino criticou dom Aquino Corrêa numa linguagem imprópria de um crítico literário, numa linguagem baixa, de mal-educado. Felizmente, no Brasil pouca gente leva a sério Agripino Grieco.

Para ele, todos os membros da Academia Brasileira de Letras são medalhões e incapazes. Ele não faz espírito nem humor: a sua graça é a chalaça rude e ofensiva.

Lamento que o meu amigo Gabriel Vandoni tivesse dado o seu livro para Grieco prefaciar. Sobretudo ele, Vandoni, que era tão amigo de dom Aquino Corrêa.

Entretanto o livro não é mau. Broche, por exemplo, é quadra delicada:

Tuas lágrimas eu quisIncrustar num broche antigo,Mas o joalheiro me diz:São pedras falsas, amigo!

Na introdução do livro, o senhor Gabriel Vandoni coloca este delicado soneto em sete silabas:

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PRELÚDIO

A alma do povo anda céticaante a mofina parlendaque transformou a arte poéticanuma execrável contenda.

A nau da poesia herméticajá se destrói, fenda a fenda.Mais valem rumos de estéticana expressão que se compreenda

A fingir profundidade,muita lira se persuadea mostrar-se mais obscura.

Recorro à trova inocentecomo quem volta à vertente de uma água nativa e pura.

Como chamei Agripino Grieco de mal-educado, crítico literário de

linguagem baixa, vou prová-lo.

São estas as palavras do Sr. Agripino Grieco, criticando dom Aquino Corrêa:

Expoente da banalidade tonsurada, candidato turfista, imposto à Academia pelos magnatas do Jóquei Clube, ele, no Parnaso, estará mais perto de Pégaso que de Apolo, e a sua Musa, se algum dia adoecer, não será de histeria ou ovariocele, e sim de laparão. Tão hípico se sente o amigo de dom Malan que, em seu discurso de recepção, evoca a montaria do marechal Deodoro, fala em “Freios e bridas” e, sempre que alude a Santo Agostinho, não se esquece de chamá-lo bispo de Hipona, talvez porque esta palavra também lhe possa trazer sugestão cavalar. (Obras Completas Agripino Grieco – 7 – Carcaças Gloriosas – Livraria José Olympio Editora – Rua do Ouvidor, 110 – Rio de Janeiro – 1956, páginas 128 e 129).

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Se a isso chamam crítica, eu denomino de falta de educação.

Gabriel Vandoni de Barros pertenceu à Academia Mato-Grossense de Letras, onde ocupou a cadeira nº. 12, patrocinada por Antônio Cláudio Soído.

Hélio Serejo nasceu em Nioaque, a 1º de junho de 1912. Jornalista, poeta, crítico literário e contista. Publicou: Tribos Revoltadas (1933); Homens de Aço (São Paulo, 1946); Prosa Rude (São Paulo, 1952); Canto Caboclo, (versos, São Paulo, 1958); Buenas, Chamigo! (São Paulo); Poesia Mato-Grossense (Tomo I, São Paulo, 1960).

Como poeta, já escrevemos a respeito do seu livro Canto Caboclo, cuja inspiração lembra o grande poeta do sertão, Catulo da Paixão Cearense. Porém, Hélio é o cantor dos sertões do Oeste e, por que não dizer, o Catulo Mato-Grossense.

Minha Terra é uma bela poesia, em estilo de Catulo:

Mecê disse, sêu Antão,qui quem vê u meu sertão:rume a mala ... bamo imbora,faiz bão tempo ... tá na hora ...

Bamos bem vagarinhoqui num é bão u caminho!U dia tá manheceno ...Logo u sór istá naceno ... Escuite a perdiz cantano;us macuquinhos piano; e essa mata escura, intera,numa loca baruiera ...

Óia ... é a garça morena,bunita ... sortano pena;aquele preto ... u chupim;u cô de terra ... o sem-fim ...

E essa doida choradera, é o ronco da cachuera ...Bomo pará, seu Antão,bota a mão no coração!

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Agora tire o chapéu,Tamo chegano no chéu!É aqui meu Mato Grosso,Este gigante colosso!...

Hélio viveu muito tempo na fronteira, em Ponta Porã. Daí suas expressões de gaúcho, porque essa cidade foi colonizada pelos rio-grandenses-do-sul. Por isso Hélio escreve poesia assim:

O ARREEIRO

Semana Santa. Dia de festançano vilarejo dantes sossegado!Vibra no espaço ao som da acordeona; toda enfeitada, geme uma guitarra! Eis o arreeiro bem chumbado e alegre,de poncho-pala e lenço no pescoço.

Dança arrastado... pisa a dama agora;cospe, resmunga, bate os pés e grita.

De tudo compra e não pergunta o preço;come sardinhas, bebe “canha” e vinho...

Quando retorna para o erval distante,pesada conta, satisfeito leva!Boêmio doido, não maldiz a sorte;foi grande o gasto... mas bem linda a farra!

______________

Se lhe perguntam: e que tal dom Bento?responde logo, orgulhosamente:– Pobre, mui pobre... pero bien contento!...”

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Na poesia de Hélio Serejo, como na de Vargas Neto, não falta também o quero-quero:

Sentinela da coxilha,fica em eterna vigília,ao lado do ninho antigo,rente ao solo... sem abrigo...

É feroz, valente e forte,embora de frágil porte!Tem essa sina danadade rondar, na madrugada,

o tropeiro que, sozinho, avança pelo caminho,conduzindo a tropa sua,no silêncio da planura...

A respeito de Hélio Serejo, como prosador, escreveu José de Mesquita:

Desfilam, aos olhos do leitor, não figuras artificiais de ficção, mas criaturas-vivas, emergidas, quase nuas, do real, boiadeiros, ervateiros, de Bela Vista, da Vacaria, nos seus ponches-puitãs, ao chorar das gaitas e acordeonas maturas. E são ainda mais flagrantes as suas criações femininas - não fosse a mulher a obra-prima da criação – como aquela Marina de O Filho Bastardo – “que tinha nos olhos negros a doçura das jabuticabas maduras”, ou a felina Chinoca, do Tragédia Rústica, que parece a heroína saída de uma peça de Orestes ou Sófocles, ou, ainda, a apetitosa guarani de Um Júri nos Ervais – “de formas sensuais e de olhar inquiridor e provocante, verdadeira deusa selvagem” ... que enfeitiçou dom Nenito.

Há páginas humorísticas, como essa, que se casam, à guisa do que ocorre na vida, com outras pungentes e dolorosas, como as de O Filho Bastardo e Tragédia Rústica, intercalando-se outras, de curioso folclore, como Katira, lenda borora, e outras de acentuada brasilidade, estuante de civismo, a exemplo de O Herói de Dourados.

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Jari Gomes, corumbaense, foi governador do Estado de Mato Grosso. Nasceu a 26 de novembro de 1913. Publicou: Poliantéia (versos, 1932); Discurso de Despedida (pronunciando na Escola de Medicina, 1939); Idéias e Sugestões (crônicas, 1947); Rumos à Colonização (ensaio geopolítico, 1948); Aspectos Econômicos de Mato Grosso (1950). O soneto que transcrevemos, eloqüente, formado de palavras retumbantes, não passa de um bestialógico sem pé nem cabeça.

ASPIRAÇÃO DE POETA

O artista n’alma traz as almas de outras almas:procelas, vendavais, gigantes Prometeus...O raio que fulmina e quebra a paz das calmas.E Telus tão pequena não comporta Zeus.

O artista n’alma traz as almas de outras almas.Dos tétricos trovões, os roucos brados seus;dos selvagens tufões, o ribombar das palmas,como bênçãos do inferno ou maldição de Deus.

Catedrais de ouropéis, espaços, céus profundos,abismos, furacões, montanhas de granito,o poeta aspira mais... quer mundos e mais mundos!

Tem sede de vulcões, vertigem de crateras,anseios de volúpia, anseio de infinito,de esfera sobre esfera, apostrofando esfera!!!

Quem disser que entendeu este soneto, está certamente faltando com a verdade.

Lobivar Matos, poeta da geração da Primeira Guerra Mundial. Para Mato Grosso, a Guerra foi, sem dúvida, o ponto visível de separação das duas gerações. Por isso, classificaremos nossa literatura da seguinte maneira: antes e depois da Guerra, ou seja, velha e nova geração, “que representa duas psicologias, duas civilizações, duas consciências completamente opostas”. (Pitigrili)

Lobivar nasceu em Corumbá, a 11 de janeiro de 1914, e faleceu no Rio de Janeiro, a 27 de outubro de 1947. Era um dos melhores poetas dessa

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geração. Publicou: Areotorare (poetas bororos, Rio, 1935) e Sarobá (poemas, Rio, 1936). Mereceu do genial poeta Manoel Bandeira a seguinte crítica: “Têm um forte sabor regional os poemas do poeta mato-grossense Lobivar Matos”. Sarobá é a denominação de bairro de negros de Corumbá. Basta esta pequena transcrição para dar idéia da poesia de Sarobá: técnica – verso livre com recorrência de certos ritmos regulares batidos; fundo – um sentimento realista que ousa chegar até à obscenidade, como no poema Sexo (dos melhores do livro, mas infelizmente impossível de transcrever); inspiração revolucionária, revelando-se às vezes de maneira direta, às vezes sob forma alegórica no poema Derrocada. Ou na generosa simpatia para com os pobres, os esmolambados):

Quando sinto vontade de ver santonunca entro na igreja.Sento-me num banco de praçana boquinha da noite, e fico namorando os desgraçados,encolhidos na escadaria da igreja.

Eloy Pontes, que é crítico literário consciencioso e não crítico da marca de Agripino Grieco, a respeito de Lobivar Matos escreveu: “foi uma das poucas surpresas que nos assaltaram nesses últimos tempos”.

BANZÉ DE CUIA

Negro tá com morrinha, tá com o diabo no couro e não provoca, não, cabra safado, porque do contrário vai haver banzé de cuia, forrobodó. Em casa, a negra velha tá fula de raiva, já andou dando sopapos no marido, espremendo os moleques e xingando a vizinha, que não lhe quer emprestar um pires de farinha.

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Não mexe com o negro não, negrada. Ele está acuado e não quer prosa não. Negro entra no boliche, pede fiado um “mata-bicho” e senta na calçada, cuspindo:

– Porcaria de vida...

Introspecção é também uma boa poesia do autor de Sarobá:

Na sala enorme coloridado meu cérebro,lembranças vagasde mulheres vivasdançam numa ginga mole.bambas, sambase cateretês.

João Alípio de Almeida Serra nasceu em Cuiabá, a 17 de setembro de 1914, e faleceu em Campo Grande, no Estado de Mato Grosso do Sul, a 1º de abril de 1934. Contava 20 anos. Deixou pouca produção.

O LOUCO

Era um homem soturno, indiferentea tudo que ao olhar lhe aparecia,Mirava-o a gentalha, sorridente,zombando da miséria em que vivia.

A desgraça enfrentara-o, frente a frente,e imerso na maior melancolia,falando desconexo, o dementeaos frêmitos de quando em vez surgia.

Um dia, ninguém o encontra e escuta,na sua voz cortada e irresoluta.E o povaréu, que tudo saber quer,

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achá-lo foi, no mudo cemitério,morto, sorrindo num sorrir etéreo,abraçado à jazida da mulher!...

Henrique Rodrigues do Vale, corumbaense, nascido a 26 de maio de 1915. Foi embaixador do Brasil na Rússia. Poeta modernista do grupo da revista Pindorama, como Lobivar Matos.

Seus versos são desta forma:

O MAU

O mau é seres friacomo uma estátua:

o mau é não seres estátuas.

O IRREMEDIÁVEL

O pior, o horrível, o irremediávelé que, apesar de tudo, a vida é bela

como a mulher fatal.

DÚVIDA

A noite é negra mesmo?O mundo é mesmo triste?Ou sou eu que sou burro?

O CÁCTUS

Gosto de cáctus que não engana:só tem espinhos.

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Rubens de Castro nasceu em Lençóis, Estado da Bahia, a 3 de julho de 1915. Veio para Cuiabá, onde se casou. Mais tarde fixou residência em Corumbá. Dirigiu, com João Antônio Neto e Agenor Ferreira Leão, o jornal literário Ganga.

Rubens de Castro foi inspirado poeta. Nunca fez, e detestava a poesia moderna. Tem vários livros de versos inéditos. Já tomou parte em vários Jogos Florais no país, saindo, a maioria das vezes, vencedor.

O HOMEM

Essa explosão de células que animaNosso corpo tão frágil e mesquinho,Nada possui de nobre que a redimaDa sina de trilhar o seu caminho!

Veio do pó, e dele se aproximaCada dia que passa, em torvelinho,Como o culpado que a justiça intimaA escalar, passo a passo, o pelourinho!

O espírito somente é que é divino!De sinfonia humana – é o violino,O lírio que no pântano descerra!...

Mas a verdade é força e rompe véus...Se o corpo é um verme que rasteja a terra,A alma é um cisne que demanda os céus!

Rubens de Castro é, para mim, bom poeta. Quanta poesia e espontaneidade se encontram neste soneto – Sonho de Pobre.

Meu pai, quando traçava meu destino,Orgulhoso, apontando-me, dizia:“Este filho querido, este menino,Vai ser uma das glórias da Bahia!”

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Ao proferir tamanho desatino,Como foi bom meu pai! Não anteviaMeu futuro de eterno peregrino,Nesta luta feroz de cada dia!

Hoje, porém, do antigo lar, disperso,Apontando meu filho, assim repito:“Vai ser a maior glória do Universo!”

Oh! Coração de pai, grande e profundo!Que se perde em miragens do infinito,Na miséria infinita deste mundo!

Rubens de Mendonça, cuiabano, nascido a 27 de julho de 1915. Poeta do grupo de Pindorama, revista literária dirigida por Gervásio Leite, João Batista Martins de Melo e Rubens de Mendonça. Pindorama foi o grito de revolta contra o academismo.

Enquanto o mundo se agitava nesta fase renovadora, anos depois de Marineti haver lançado seu manifesto modernista e Graça Aranha tentar-lhe a reforma na Academia Brasileira de Letras, em Mato Grosso estávamos no período romântico. Os sonetos ainda ao sabor do Noivado do Sepulcro, de Soares de Passos, predominavam. Os nossos poetas rimavam vilancetes em pleno ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1932.

O programa de Pindorama era o seguinte:

De um lado, a rotina, a desmoralização, a pasmaceira, a agonia. Na outra margem, os espíritos sedentos de novidade, a vida, o movimento, a energia. Sempre duas gerações que se combatem, que se mutilam, que se destroem.

Nunca num mesmo plano, o velho e o moço compareceram para discutir seus problemas. Sempre a intolerância.

Se o velho, esfriado pelos anos, toma uma atitude passiva diante da vida, não acompanha o ritmo da Idade Nova, petrifica-se na sua geração, o moço, por sua vez, levado pelo entusiasmo da idade, pelo ardor dos anos, desrespeita o passado, despreza a tradição e se embriaga com as conquistas modernas. É ele o lógico, o razoável, o justo.

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Este é o programa de uma revista de moços – novidade e atualidade.

Geração moderna deve procurar, nas cousas atuais, elementos para construir um mundo melhor.

Se as possibilidades são poucas, muitas são as esperanças.

As luvas estavam lançadas. Daí, era enfrentar a luta. Mas não houve

luta. Houve capitulação, e pouco honrosa.

Como se não bastasse o grito de guerra de Pindorama, veio o Movimento Graça Aranha, cujo Manifesto foi o seguinte:

Caríssimo confrade:

A situação que a hora presente criou para a inteligência brasileira; a necessidade cada vez mais urgente de reunir e selecionar os intelectuais numa frente de combate e de construção; o dever de as inteligências se agitarem nos jogos dos pensamentos fecundos e bons; a responsabilidade dos homens das letras no mundo contemporâneo e, sobretudo, a necessidade de criar quadros mais amplos para a inteligência mato-grossense, levou-nos a cogitar de um Centro que reunisse todos os intelectuais mato-grossenses a fim de lançar, definitivamente, as bases das nossas manifestações artísticas.

Lembrou-se do nome de Graça Aranha, significativo no terreno cultural e artístico do Brasil, para patrocinar esse movimento primeiro da inteligência de Mato Grosso, movimento que alcança uma expressão singular, porque tende a arregimentar todos os que fazem, do pensamento e da arte, motivos fundamentais da Vida. Não pretendemos, com ele, criar escolas, correntes, círculos ou conchavos, mas tão-somente despertar dentro do nosso Estado o gosto pelas cousas do espírito, o movimento do pensamento na criação. Não visamos ao movimento de intolerância ou de lutas estéreis sem objetivos altos. Não queremos separar, mas unir. Não queremos combater, mas criar. Não queremos restringir, mas libertar. Em suma, queremos integrar os homens de letras, os intelectuais, os artistas, nessa obra de renovação que se observa em todos os setores da vida do Estado, situar a inteligência na corrente da Vida Nova.

O Movimento Graça Aranha visa, acima de tudo, possibilitar às nossas realizações artísticas o lugar que merece dentro da Terra

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brasileira. Levar à Nação a nossa mensagem feita de crença nas coisas do espírito, de solidariedade e de compreensão. Queremos transmitir à inteligência mato-grossense esse dinamismo criador que sacode todo País na hora decisiva em que vivemos.

Certos de que o confrade compreenderá nosso objetivo e aguardando seu pronunciamento, somos, mui atenciosamente,

confrades gratos.Gervásio Leite,Rubens de Mendonça,Euricles Mota.

Pois bem, a essa Circular, o único que se dignou de atender foi o jornalista Arquimedes Pereira Lima que sobre ela escreveu um artigo, em que dizia: “Chega de Academias e de Centros Literários! Basta de doutores e bacharéis”.

É bom notar que, nesse registro, não fiz comentário algum sobre minha pessoa, apenas historiei uma fase da vida literária de Mato Grosso, na qual tomei parte ativa. Não transcrevo nenhum trabalho de minha autoria. Apenas registro as obras que publiquei, para com isso provar que a minha geração fez alguma coisa para o Estado.

Em 1938, publiquei meu primeiro trabalho literário, uma conferência idiota, a qual dei o nome de Aspectos da Literatura Mato-Grossense; posteriormente publiquei Garimpo do Meu Sonho (verso, Tipografia Calhao, 1939); Álvares de Azevedo, o Romântico-Sertanista” (Tipografia A. Evangelista, 1941); Poetas Bororos (antologia de Poetas Mato-Grossenses, Escolas Profissionais Salesianas, 1942); Cascalho da Ilusão (versos, Escola Industrial de Cuiabá, 1944); Os Mendonças de Mato Grosso (Estudos Genealógicos, Escola Industrial de Cuiabá, 1945); Discurso de Posse na Academia Mato-Grossense de Letras (Escola Industrial de Cuiabá, 1945); No Escafandro da Vida (versos, Escola Industrial de Cuiabá, 1946); Antologia Bororo (Editora Guaíra Ltda., Curitiba, PR. 1946); Gabriel Getúlio Monteiro de Mendonça (ensaio biográfico, Escola Industrial de Cuiabá, 1949); História do Jornalismo em Mato Grosso (Departamento de Cultura, São Paulo, 1951); Roteiro Histórico & Sentimental da Vila Real do Bom Jesus de Cuiabá (Escola Industrial, 1951); Álbum Comemorativo ao 1°. Congresso Eucarístico de Cuiabá (Gráfica Editora Aurora Ltda., Rio de Janeiro, 1952); Dicionário

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Biográfico Mato-Grossense (Gráfica Mercúrio S/A., São Paulo, 1953); Dom Pôr do Sol (versos, Editora Sara, Cuiabá, 1954); Roteiro Histórico & Sentimental da Vila Real do Bom Jesus de Cuiabá (2ª edição, Gráfica Mercúrio S/A, São Paulo, 1954); Poetas Mato-Grossenses, (Antologia de Poetas Mato-Grossenses, Gráfica Mercúrio S/A., São Paulo, 1938); Presença de Estevão de Mendonça (Discurso paraninfal, Editora Sara, Cuiabá, 1959); História do Jornalismo em Mato Grosso (2ª edição, Imprensa Oficial do Estado, Cuiabá, 1963); Bilac – O Poeta da Pátria (conferência, Campo Grande, 1966); A Espada Que Unificou a Pátria (Campo Grande, 1966); História de Mato Grosso (São Paulo, 1967); Estórias Que o Povo Conta (Imprensa Oficial do Estado, Cuiabá, 1968); Ruas de Cuiabá (Editora Cinco de Março, Goiânia, GO, 1969); Histórias do Poder Legislativo de Mato Grosso (Gráfica Editora Bandeirantes Ltda., Bauru, SP, 1969); Sagas & Crendices da Minha Terra Natal (Editora Cinco de Março, Goiânia, GO, 2ª edição., 1969) e História de Mato Grosso (Editora Ave-Maria, 2ª edição, São Paulo, 1970).

Gervásio Leite nasceu em Cuiabá, a 19 de junho de 1916. Intelectual do grupo da revista Pindorama. Notável escritor, Gervásio Leite é sifiliticamente inteligente. Sua inteligência é fora da normal. Vivesse em outro centro, no Rio de Janeiro ou em São Paulo, teria, pelo seu talento e cultura, projeção internacional. Foi advogado e, na profissão, era um dos mais notáveis do Estado.

Publicou: Leão XIII e o Mundo Moderno (Cuiabá, 1941); Aspecto Mato-Grossense do Ensino Rural (Cuiabá, 1941); O Gado na Economia Mato-Grossense (Cuiabá, 1942); O Avião da Vingança (poema, Cuiabá, 1947); As Imunidades dos Vereadores e a Constituição do Estado (1948); Terra Agarrativa e Linda (Editora Cinco de Março, Goiânia, GO, 1969); Parte Geral do Direito Civil (Editora Cinco de Março, Goiânia, GO, 1970). Usou o pseudônimo de Joel Corrêa Júnior, dirigiu a revista Pindorama e foi um dos signatários do manifesto do Movimento Graça Aranha.

Por meio da revista Pindorama, escreveu esta resposta ao poeta Lobivar Matos – Os Bororos também falam:

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Lolito, você tem razão. Os bororos também falam ou, pelo menos, estão aprendendo a falar. É que ainda falamos uma língua estranha, que não sendo bem a língua portuguesa, não é também castelhana. Nem guarani. Nem brasileira. De modo que, por aqui, fala-se o esperanto. Ora já é uma vantagem falar o esperanto quando ninguém acredita nele. Mas vamos adquirindo também o hábito de expressar coisas humanas com esse esperanto, qualidade que é bem apreciável. Saber falar “humanidade” – confesse! – já é um pedaço bom. Pois nós sabemos. E até usamos sinônimos que é o cúmulo da sabença. Só que não encontramos eco. Falamos na planície, e vozes nos planos perdem-se, morrem. Daí a gente tornar-se casmurro, interiorizado, difícil. Bancar o programa, falar sozinho na vida é bem duro. Felizmente, você e outros falam em nosso nome lá fora, revelando aos brasileiros espantados a voz e o pensamento de Mato Grosso, principalmente da mocidade mato-grossense. Aqui do fundo da taba, temos o prazer de aplaudir a sua voz, natural, violenta, diferente, de índio esperto da tribo dos bororos.

Por sua vez, Lobivar, no Rio de Janeiro, ajudava a luta escrevendo no

Anuário Brasileiro de Literatura:

Cuiabá é o quartel-general das letras mato-grossenses. D. Aquino Corrêa chama-a de “capital verde”. Eu digo apenas: cidade pacata, cheinha de gente boa.

Por influência do meio, os imortais e os mortais do Norte e do Centro produzem quase nada, literariamente falando. São vítimas do ambiente. Preguiçosos, indolentes e sem estímulo dos ventiladores que são as nossas ridículas igrejinhas literárias, vivem dormindo numa inércia impressionante. É claro que há exceções...

Um poeta bororo, que faz parte da “nova geração”, há pouco tempo me obrigou a observar um fenômeno literário de grande importância para esta síntese: o atraso dos acadêmicos e dos sapos da Academia. Disse-me o poeta: “Menino, parece mentira, mas não entraram ainda nem no Romantismo...” De fato, a observação do poeta é exata. Não digo que ainda não chegaram ao Romantismo. Isto de chegar, já chegaram. Não conseguiram avançar mais. Nem um milímetro. Isto sim.

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E era mais ou menos isto: só um homem trabalhava, e esse homem se chamava José de Mesquita.

Gervásio participou intensamente do movimento modernista. Sem ele, acredito, nada teria sido feito. Ele definiu a “posição da mocidade”. “Quando Pindorama apareceu, formulou uma profissão de fé compatível com o mundo que se desagrega e que marcha, aceleradamente, para o abismo. O moço de hoje, que tem coragem de viver dentro do seu tempo, deve procurar no caos, paradoxalmente, rumos para um mundo mais humano. Intolerantemente, a juventude deve se manter dentro dos seus princípios, sem aceitar acordos com os princípios decadentes que certos espíritos velhos defendem. É dessa luta na defesa dos nossos princípios mais humanos, capazes de satisfazer a vida absorvente do século. Nada de desfalecimento. A luta é para o forte. Aqueles que não sabem ter coragem para sustentar seus ideais são indignos de se arregimentarem na falange da mocidade.

Pindorama continua na vanguarda”.

Em Pindorama, publicou Gervásio uma das suas melhores poesias:

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MULHER

Trazes na glória do teu corpo jovem um poema divino.És na graça diabólica de tua mocidade, um feixe de luz na escuridão do mundo.A natureza escondeu mistérios nos teus olhos,sob tua pele rosada e nesses lábios que prometam revelações sutis.És um poema de carne! És um poema de graça! És um hino de beleza!Deus sintetizou em ti, mulher, toda a beleza dis - persa do Universo.O brilho dos teus olhos lembra diamantes esplên- didos fugidos de coroas reais;Os teus lábios vermelhos viveram milênios no fun- do do mar num ramo do coral;Roubaste um pedaço da noite negra e profunda, e idealizaste esse penteado fascinante;Apanhaste o ondular feminino da serpente no fun- do das selvas,Longamente escolheste as perolas que fulguram na tua boca;Furtaste sedução e graça de sereias e fadas,E conquistaste misteriosamente esses pequeninos nadas que enfeitam teu corpo.Todos os animais da terra, todas as flores do mundo, todas as pedras do subsoloConcorreram para que fosses criada, mulher mara - vilhosa!E Deus te mandou à terra para enganar os ho-

mens com os segredos indecifráveis do teu corpo.

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Ou esta outra interessante poesia:

HAMLET

Hamlet, diante do abismo,deveria ter dito como o outro de Shakespeare:“To be or not to be, that is the question”.

Mas este Hamlet do meu poemaJogou o chapéu para trás, engoliu em seco e articulou:“Mas que buracão, meu Deus do céu”.

É que este Hamlet do meu poema é analfabeto, trabalha na estiva, é filho da minha lavadeira, nada tem com Shakespeare, é só Hamlet por acaso.

Manoel de Barros, excelente poeta modernista. Nasceu em Corumbá, a 12 de dezembro de 1916.

Comentava Lobivar Matos, em 1937, que o poeta tinha um volume de poemas para publicar, naquele ano: Muxirum.

Poeta originalíssimo:

“aquele morro bem que entorta a bunda da paisagem”.

Esse é o estilo do poeta de Muxirum, diz Lobivar: “O sofrimento humano, os anseios e as revoltas surdas dos que sofrem inundam seus poemas”.

Manoel de Barros publicou as seguintes obras: Face Imóvel (Editora Século XX, 1942); Poesias (Irmãos Pongetti – Editores, Rio de Janeiro, 1956); Compêndio para Uso dos Pássaros (poemas, prêmio “Orlando Dantas” de 1960, Livraria São José, Rio de Janeiro, 1961).

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Seus versos são neste estilo:

Ela me encontrará pacífico, desvendável,vendável, venal e de automóvel.Ela me encontrará grave, sem mistérios, duro, sério, claro como o sol sobre o muro. Ela me encontrará bruto, burguês, imoral, capaz de defendê-la, de ofendê-la e perdoá-la; capaz de morrer por ela (ou então de matá-la), sem deixar bilhete literário no jornal.

Ela me encontrará sadio, apolítico, antiapocalíptico anticristão e, talvez, campeão de xadrez.Ela me encontrará forte, primitivo, animal como planta, cavalo, como água mineral.

Ou estoutra poesia:

UM BEM-TE-VI

O leve e macio raio de sol se põe no rio.Faz arrebol...

Da árvore evola amarelo, do alto bem-te-vi-cartola e, de um salto,

pousa envergadono bebedouro a banhar seu louro

pelo enramado...De arrepio, na cerca, já se abriu, e seca.

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Euricles Mota, cearense, nascido a 17 de outubro de 1917, falecido em Cuiabá, a 22 de fevereiro de 1968. Foi um dos signatários do Manifesto Graça Aranha.

A seu respeito, disse Malba Tahan, em seu livro A Lua, página 117: “Coube a um poeta mato-grossense a originalidade de qualificar até de funérea a luminosidade da Lua, nos seguintes versos de Euricles Mota:

A paisagem branca de cemitério mais branca se torna sob a funérea luminosidade da Lua.

Euricles escreveu também versos humorísticos que publicava no jornal O Combate, com o pseudônimo Zé Ceguinho. Ele usava também o pseudônimo Luís de Cáceres. Esta poesia revela bem o poeta.

CANSAÇO

Tenho a alma tão velha e cansada que um desejo me anima: esquecer.Dá-me, pois, sábio Khayyam, a ânfora consoladora, quero embriagar-me e sonhar.

Minha janela se abre, num convite ao sonho, para a suavidade loura da tarde tropical... nuvens sonolentas vão rolando, no horizonte, por sobre a verde mansidão das montanhas; – e anda em tudo um silêncio de exaustão, um desejo de paz indefinido que, languidamente, se estremunha no ar...

Enche-me a taça, amada minha, e dá-me um beijo; quero esquecer e sonhar...Contar-te-ei, agora, histórias tão lindas, que, certo, iguais nunca ouviste, e de um mundo justo e perfeito.Era uma vez...

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Hugo Pereira do Vale nasceu em Campo Grande, a 11 de janeiro de 1918. Hélio Serejo acha “seu estilo poético; mesmo nas produções essencialmente modernistas, é profundamente agradável”. Tinha um livro em preparo: Areia do Deserto.

Flores da Noite é uma das poesias de sua autoria:

Na floresta oculta e sombriaDo oásis da minha alma de artista,A luz lunarDesce entre montanhas da sensibilidadeE vai pratear o rioDa mágoa humana,Onde floresce à margem A árvore verde da esperança...

Neste lugar sagradoO sol doura a paisagemE tece a poesia mágica da luzNas manhãs plenas de vida!E há melodias bárbaras, E há romances selvagensAté ao cair da tarde silenciosa...Daí a lua, noiva do sonho,Enternece na doçura da penumbraAs águas do rio...

Tudo adormece...E as flores nascidas,Ao cair da noite,Despetalam-se ao vir da aurora.São lágrimas da árvore da esperançaNo rio da vida!

João Hamilton Rocha de Matos, cuiabano, nascido a 23 de janeiro de 1818, falecido no Rio de Janeiro, a 10 de julho de 1941. Publicou: Elogio a José Barnabé de Mesquita (Senir, Cuiabá, Tipografia Calhao, 1938) e deixou um livro de poemas inédito: Iaragudu.

João Hamilton publicou muito pouca coisa. Dele somente conheço um soneto que publiquei no meu livro Poetas Mato-Grossenses e duas poesias:

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Cuiabá e Festando São João na Roça.

Oh! Quanto é atraente uma festa de São JoãoNo sertão,Ao lado da minha gente!...E foi numa dessas tradicionais noitesQue fiquei olhando uma porção de coisas...Ouvindo lindos hinos...E apanhando, da noite, o sereno,Sentado num mocho pequeno.Foi numa dessas noites juninas,Que dormi olhando para as estrelas do céuE fazendo uma oração ao cruzeiro...Mas, ó surpresa!... ó que espanto!...Foi numa dessas noites, ainda,Que vi envolvido, parece que num simples manto,Um glorioso santo,No meio de cinzas e do fogo já adormecido,Esse mesmo São João amigoBatizando alegre meu povo...Os dias passaram, e ainda hoje eu guardo triste, na lembrança,A mesma esperança que minhalma soltou,Qual balão que foi-se embora, e não mais voltou,E quem sabe mesmo se talvez já se queimou,Como esses balões de cor verde da esperançaQue sobem em minha terra,Alto, bem mais alto que muita serra,Por entre assobios, gritos, estampidos e viravoltas de foguetes,Soltados por moleques,Entre vivas e alaridos das criançasQue fazem o barulho atingir as culminâncias...

O poeta, apesar de a poesia ser moderna, teve preocupação com a rima.

Corsíndio Monteiro da Silva, cuiabano, nascido a 24 de abril de 1918. Poeta, dedicou-se ao estudo de Direito Administrativo e teve várias obras publicadas. Como literato publicou: Está em Silêncio o Jardim de Academus (Cuiabá); Caminhemos (poemas, Rio de Janeiro, 1958). As suas obra de Direito são: Aspectos do Abandono de Cargo (Rio de Janeiro, 1958); O Juiz em Face do Atual Regime de Acumulação de Cargos (Rio de Janeiro, 1958); A Côngrua no Regime de Proibição de Acumular (Rio de Janeiro, 1962); O Instituto da

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Readaptação Preconizado pela Lei (Rio de Janeiro, 1962); Acumulação de Cargos (Rio de Janeiro, 1963); Readaptação de Cargos (Gráfica da Universidade do Rio Grande do Sul, 1964); Acumulação de Cargos (Gráfica da Universidade do Rio Grande do Sul, 1964); Readaptação de Funcionários (Editora Melso S.A., Rio de Janeiro, 1964); Acumulação de Cargos (2ª edição, Editor Borsói, Rio de Janeiro, 1965).

Com relação à poética de Corsíndio Monteiro, escreveu o professor Joaquim Ribeiro:

É esse encanto nascente que divisamos nos poemas de Carlos Drummond de Andrade, de Vinícius de Morais, de Tasso da Silveira e noutros poetas e, agora, neste novíssimo Corsíndio Monteiro.

O seu dialeto poético não é nenhuma algaravia difícil. É simples, mas essencialmente novo.

Incontido Desejo é uma Belíssima poesia do livro Caminhemos.

Desejo da humilde liberdade!Da liberdade de vagar pelas ruas, sem horários e sem destino...

Liberdade de ser pobre e de ser triste.Liberdade de amar, liberdade de ficar em silêncio e de padecer minhas dores...

Ah! Ainda o incontido desejo de ser isento, de ser eu mesmo: tranqüilo, plácido, vago, tênue e ausente...na doce serenidade do desencanto...

Renato Báez nasceu em Porto Murtinho, a 26 de janeiro de 1920. Radicou-se em Corumbá. Tem publicado uma série de livros sobre aquela cidade. Um prefeito de Corumbá, em conversa comigo, disse-me que os livros de Renato eram Catálogos Telefônicos; entretanto, eu os acho utilíssimos, e

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vão ser grandemente procurados e consultados daqui alguns anos. Então irão dar valor às suas obras, obras informativas de consultas. São elas: Nomes & Vultos (ensaios históricos, 1963); Figuras & Fatos (1964); Cenas de Minha Terra (1965); Evocações & Realidades (1965); Centenário de Antônio Avelino do Amaral (1966); Futebol & Copas (1966).

AS ÁRVORES

Cavando o solo abrupto em busca de firmeza,Onde possam crescer, florir, dar sombra amiga,Seguem firmes, meu Deus, as leis da natureza,Sem revolta, sem tédio e sem clamar fadiga!

Entre os verdes ramais em que o amor se abrigaNa comunhão feliz do sonho e da beleza,Não medra, como em nós, a trama, a vil intriga,A minar-lhes, de vez, os troncos e a nobreza!São todas bem irmãs!... E os galhos retorcidos,A caminho dos céus, sublimes, são erguidos,Em mudas oblações às glorias do Senhor!

No mundo vegetal, mais puro e mais perfeito,Traz cada uma um tronco, e dentro dele – um peito,Se as árvores têm alma... e delas – nasce a flor!

Os livros interessantes de Renato Báez são neste estilo:

AERONÁUTICA

Santa Maria foi o avião que primeiro sulcou os céus corumbaenses, às dez horas de 16 de março de 1927, vindo da Itália, na sua rota internacional, tendo como 1º. piloto o marquês de Pinedo; como 2º., Del Prete; e como mecânico, Zacchetti.

O aparelho era um Savoia de dois motores Isotta, 500, e fez apenas uma evolução, relativamente baixa, enquanto o povo, que aglomerava no porto e na avenida Cândido Mariano (atualmente General Rondon), acenava com lenços aos bravos aeronautas, alimentando a esperança de ver o curioso aparelho aquarissar no rio Paraguai, mas o Santa Maria prosseguiu sua viagem rumo a

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Cáceres, neste Estado.A segunda aeronave a contemplar dos céus a Cidade Branca

foi o Beni, do Loyd Aéreo Boliviano, em 27 de fevereiro de 1928, tripulado pelo piloto Hermann Schroth e mecânico Emílio Katznez.

A visita do Beni constou apenas de algumas evoluções sobre a cidade, deixando cair simpática saudação, impressa em papel de seda amarelo, verde e vermelho, cores nacionais da Bolívia.

Em terceiro lugar, chegou até a Princesa do Paraguai, a 18 de agosto de 1928, às 17 horas, o LATE-26 da Latecoére, que, em razão da deficiência do campo de pouso local, teve de aterrissar na vizinha cidade boliviana de Puerto Suarez, de onde seus tripulantes vieram à noite para Corumbá, em automóvel, participar de um jantar no Hotel Venizelos, oferecido pela Prefeitura; pernoitaram nesta cidade e regressaram, às primeiras horas do dia 19, para Puerto Suarez, de onde levantaram vôo rumo a Assunção do Paraguai.

Em quarto lugar, chegou a Corumbá, às 9 horas do dia 28 de março de 1929, o Havre Avion, tripulado pelos aviadores brasileiros Vasco Cinquini, antigo companheiro de Ribeiro de Barros na travessia do Atlântico, e Reinaldo Gonçalves.

O Havre Avion saiu a 26 de março, de Santos, e fez a escala em Bauru, Três Lagoas, onde pernoitou, prosseguindo, a 27, para Campo Grande, onde sofreu pequeno acidente na hélice e asa, reparado no mesmo dia. A 28 de março, o Havre saiu de Campo Grande, às 5h20, chegando a Corumbá, às 9 horas, aterrissando no pequeno campo de pouso local.

Após o almoço nesta cidade, Cinquini e Gonçalves foram até Puerto Suarez, reabasteceram o seu avião, levantaram vôo, ao meio dia, rumo a Cuiabá, onde chegaram por volta das 17 horas do mesmo dia.

Foi esse o primeiro aparelho que pousou em Corumbá.A 24 de setembro de 1930, a Cia. Sindicato Condor Ltda.

inaugurou a primeira linha aérea comercial em Mato Grosso, entre Corumbá e Cuiabá.

O trabalho do Sr. Renato Báez se nos afigura muito útil, pelas

informações que contém.João Antônio Neto nasceu em Couto de Magalhães, Goiás, a 19 de abril

de 1920. É um dos maiores poetas do Estado. Ao recebê-lo na Academia Mato-Grossense de Letras, tivemos ocasião de dizer-lhe de viva voz: “não ficastes somente nos versos parnasianos; também como poeta modernista sois grande artista”. Mas, efetivamente, João Antônio Neto é grande sonetista. Sua cultura

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só rivaliza com a de Gervásio Leite. É, como Gervásio, um espírito brilhante. Poeta nato. Este soneto, na nossa opinião, é obra-prima:

O SURDO, O CEGO, O MUDO

Surdo... sem nunca ouvir o grito agudoOu a palavra, de perto, murmurada...Cego... pensar em rosas de veludo,E pisar nos espinhos da jornada!...

Surdo, sem som... Cego, sem luz... E mudo,Sem voz que diga, numa estrofe alada,Um pouco da tristeza que anda em tudoE da alegria que não falta em nada!...

Saber, em vão, que o som de tudo espoca...Sentir que há luz, e nunca um raio achar-lhe...Querer dizer, e a voz não vir à boca...Passar, às vezes, pelo amor... sem vê-lo Vê-lo passar... e não poder falar-lhe...Sentir o amor falar... sem compreendê-lo!...

Tema de difícil desenvolvimento é o desse soneto, por não ter sido vivido pelo autor. Entretanto, nele pôs o poeta toda sua sensibilidade para com o ser humano.

Este outro soneto também é perfeito:

PILATOS

As sandálias de pobre, e pobre a longa veste,Parou Jesus, humilde, em face de Pilatos:“Dize-me, Galileu, que crime tu fizestepara aqui vires ter, como os réus insensatos?”

E o Rabino volveu-lhes os olhos abstratos... “Senhor! não sei se fiz nenhuma cousa agreste!Ensino o amor e o bem, amo os homens ingratos,Beijo a flor – como beijo um doente de peste!

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Considero o ódio e o crime, o erro e a felonia,Sou Vida e sou Verdade...” E a Verdade, que é? – Disse Pilatos, firme, e pondo-se de pé...

E o doce Cristo o dedo ao lábio roxo encosta,Como a pedir silêncio, e nada balbucia...Que a Verdade, é a pergunta – e a Mentira é a resposta!

João Antônio Neto publicou, quando estudante ginasial, um livro de versos: Vozes do Coração. É membro da Academia Mato-Grossense de Letras, onde ocupa a cadeira nº. 25, da qual é patrono Amâncio Pulquério de França.

Alceste de Castro, corumbaense, nascido a 20 de junho de 1920, publicou: Celestiais (versos); Crepusculares (versos); Jornal do Comércio (Rio de Janeiro, 1946); Crônicas de um Romance... (Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 1947) e Poetas Mato-Grossenses (Aula Inaugural no Instituto Superior de Pedagogia de Corumbá, em 1º de abril de 1968).

Velho Farol que espias de um rochedo os que vêm... é uma poesia muito interessante, por ter sido ela inspirada no farol que fica no rio Paraguai, quase em frente à cidade de Corumbá:

Velho farol que ouves os cantadores,Rio descendo ou subindo...E que ficas piscando, alegremente,Ao chorar da corrente,Vendo a terra tão clara e o céu tão lindo!Vais escrevendo no infinito a históriaDe um rio... de uma cidade...Passam as águas, homens... passam barcos...E iluminas os charcosMostrando o rio e olhando a imensidade...

Aos que vêm: boas-vindas – aos que vão:Um adeus, num piscar...Lenços brancos voando na barranca...E a terra toda brancaDe saudade, de lenços, de luar...

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O Paraguai conta-te histórias tristesDe afogados, de Iaras...Ouves e choras – e a corrente levaA borbulhar, na treva,Lágrimas feitas de esmeraldas raras.

És um monge a rezar, esguio e negro,Com uma vela na mão...Rezas soturnas, lúgubres, horríveis,Dos gênios invisíveisQue andam gemendo pela solidão?Ou vagalume preso em alto poste em eterno fosforear...E quer fugir, ouvir os pescadoresFalar dos seus amoresEm noites claras, brancas de luar?

Ou és feito das lágrimas brilhantesDas grandes despedidas...Das promessas, das juras que morreramE no rio se perderam,E nunca mais serão vividas?Não sei... não sei... que tantas coisas lembrasNesse eterno luzir...Estrelas, monge, pirilampo, guiaQue ficas noite e diaDando um adeus para os que vão partir...

Velho farol que espias de um rochedo,Os que vêm... os que vão...E que parece uma menina ariscaNo eterno pisca-piscaDesse namoro com a cerração.

Padre Wanir Delfino César nasceu em Cuiabá, a 26 de agosto de 1922. Poeta, historiador. Diretor da Rádio Cultura. Trabalhador infatigável, Padre Wanir é bom poeta. Membro da Academia Mato-Grossense de Letras, onde ocupou a cadeira nº. 16, patrocinada por Antônio Augusto Ramiro Carvalho. Padre Wanir foi o presidente da nossa Academia de Letras. Possui um livro de poesias a ser publicado e está escrevendo uma obra sobre a personalidade de dom Aquino Corrêa. Compôs um excelente hino aos 250 anos de Cuiabá. Publicou um poema, Amazônia (1967), que transcrevemos:

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Outrora, o bandeirante, em meio às maravilhasDestes ínvios sertões, rasgou de TordesilhasO limite fatal,Que destinara Deus o Brasil um giganteE lhe pôs na Amazônia a riqueza bastanteA fazê-lo imortal.

Salve, bendito arcano, em cujo seio dormeUm sublime tesouro, uma riqueza enorme,Na espera secularDe poder imprimir seu impulso fecundoE tornar o Brasil, no concerto do mundo,Uma nação sem par!

E agora, quando surge a civilização Como um radiante sol, aclarando o sertão,A Amazônia fulgura,Empolgando o Brasil e o mundo, lado a lado,Pois todos nela vêem o célebre eldoradoRepleto de ventura.Bem hajam as novas e intrépidas bandeiras,Que abrem para o país as visões mais fagueirasDe progressos a flux; Essa moderna, audaz e impávida conquista,O ansiar das gerações, que o passado registra,Concretiza e traduz.

E por entre o fulgor desse imenso colosso, Terás, ó meu querido e rico Mato Grosso,Um brilho singular.Deus culminou aqui, por certo, o dom mais puro,Destinou-te o maior e próspero futuro,Que se possa sonhar!

Deus te salve, torrão, ninho de heróis, a glória,Em turbilhões de luz, nas páginas da história,Teu nome exortará;

E as matas e os caudais e as imensas jazidasSustentarão em ti milhões, milhões de vidas,Como alhures não há!

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Agenor Ferreira Leão, baiano, de Andaraí, nascido a 11 de novembro de 1922. Publicou Três Escolas Econômicas. A publicar: Sonetos Religiosos, Sonetos Líricos, Sonetos Diversos, Emoções Dispersas (poesias). Pelos títulos dos seus livros, o poeta é de fato sonetista. Seus versos são, ainda, metrificados. Embora moço, não aceita a poesia moderna, mesmo em seus versos sem rimas, conhecidos como versos brancos. Para este trabalho, pedi-lhe uns versos e ele me deu uma poesia: Meu Pai. Como é sonetista, resolvi escolher um de seus sonetos publicados no jornal Ganga, do qual era diretor, cargo que exercia em conjunto com João Antônio Neto e Rubens Castro.

HISTÓRIA DE MENTIRA

Era uma vez um príncipe encantado...– Naquele tempo a minha avó dizia – E me contava histórias do eldorado,Do lenhador, de João e de Maria.

E eu escutava alegre e deslumbrado,Enquanto o vento no pomar gemia...E no seu colo alvíssimo, encostado,Aos poucos, lentamente, adormecia.

Hoje, que aquele tempo já passou,E qual fumaça angelical de incensoA minha infância logo se acabou,

Eu recordo, quase todo o dia,Dessas histórias de mentira, e pensoQue foi vovó quem me ensinou poesia...

Este soneto, eu considerei bem melhor que a poesia que ele me deu. Aliás, diga-se de passagem, Leão não sabe escolher poesia nem declamar. Quando ele diz um soneto de sua lavra, eu prefiro lê-lo, porque lido é melhor que declamado pelo autor.

Newton Alfredo de Aguiar se assina apenas Newton Alfredo. Cuiabano, nascido a 18 de junho de 1923. Publicou: Sonata ao Luar (peça teatral, Cuiabá, 1947); Miosótis (quadras, Gráfica Auriverde Ltda., Rio de Janeiro, 1968). O poeta Luís Otávio, escrevendo sobre o autor de Miosótis, disse: “Newton

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Alfredo tem muito gosto pela trova, possuindo trovas simples, sentidas e muito agradáveis”.

Minha opinião sobre Newton Alfredo é a seguinte: trata-se do melhor trovador de nossa literatura.

Suas quadras são boas e inspiradas:

Saudade – coisa que a gente, embora tente esconder, quanto mais tenta, mais sente que não a pode esquecer!

Ou

No seu sabor delicado, assim se explica uma trova: – a saudade de um passado, que sempre se torna nova...

E ainda:

Meus ideais de poesia, aos poucos vão renascendo, nessa doirada alegria de teus olhos me entendendo...

Ou estoutra:

O samba, quando é gostoso, fala de morro e saudade... – É a alma de Ari Barroso chorando pela cidade...

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Agora, vejamos um trecho de uma das suas peças teatrais: Abandono:

Maria – Amanhã, querido?

Paulo – Sim!...

Maria – Noto uma diferença em seus olhos, em seu modo de olhar!...

Paulo (decisivo) – Deve estar enfadada de mim, de minha presença, de tudo!

Maria (emocionada) – Não me amargure mais ainda, Paulo!

Paulo – Deixe-me em paz. É o que lhe peço! Nunca deixou de atender aos mais simples pedidos meus! (passos de quem se afasta).

Maria (apreensiva) – Esses gestos não me dizem boa coisa!

Paulo (nervoso) Deixe-me em paz, já disse! Quantas vezes será necessário pedir-lhe?

Maria – Vou lá para dentro. Mas não quero que se vá sem se despedir de mim. Embora esteja nesse estado de nervos, não sei ficar sozinha sem antes consolar-me fitando os seus olhos, procurando saber o que eles tentam esclarecer, qual a dúvida que os atormenta!...

Paulo (a sós) (ganância) – Ótimo! Maria não sabe que eu tirei este colar lá de sua caixa de jóias! (Sorri) E nunca saberá! De uns tempos para cá, tem andado doente, meio lerda, meio esquecida... (suspira) amanhã (entusiasmado), Carbia deve estar me esperando com o melhor dos sorrisos! Disto também Maria nem sequer desconfia! Eu sei preparar tudo muito bem... (pausa) Eu só lastimo é deixar o meu filho! De agora por diante, não irei mais buscá-lo no colégio. Será Maria quem irá! (suspira) Afinal, há um jeito para tudo! O que eu não posso é perder esta oportunidade que a vida me oferece! Seria um verdadeiro trouxa! (com espanto) Oh!...

Maria (voltando) – Zangado porque voltei lá de dentro?

Paulo – Tecendo os meus planos de viagem! Você sabe que os homens providentes não deixam nada sem solução! Nada!

Maria – Como o meu maridinho não tem deixado faltar nada aqui nesta casa, não é verdade? (Beija-o)

Paulo – Nessa parte não pode se queixar de seu marido!

Maria – Só nessas constantes viagens que faz, não é mesmo? Numa dessas...

Paulo – Já vem você com as suas costumeiras insinuações...

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Maria – (carinhosa) Gosta de sua mulherzinha, não é verdade?

Paulo (cinicamente) Demais!... Dá-me um beijo! (pausa) Assim!

Este registro que fizemos desta página teatral de Newton Alfredo, não significa havermos escolhido a melhor: ela retrata apenas uma peça do poeta. Porque, em matéria de teatro, estamos em franca decadência. A não ser o Padre Raimundo Pombo, ninguém mais trata do assunto.

Tertuliano Amarilha nasceu em Campanário, neste Estado, a 26 de abril de 1924. Publicou: Lira Mato-Grossense (versos, São Paulo, 1955). Para Hélio Serejo, “seus versos são espontâneos e sinceros, repassados algumas vezes de lirismo ingênuo”. Eu, porém, os acho apenas ingênuos.

SE EU FOSSE UM PASSARINHO

Ah! Se eu fosse um passarinho,Construiria nosso ninhoCom cuidado e com primor,Entre os ramos da mangueiraOnde a brisa, em voz fagueira,Ao luar segreda amor!E, bem cedo, à luz da aurora, Cantaria à deusa FloraSacros hinos de louvor;Encheria a naturezaToda lírica, em beleza,De selvático rumor!

Levaria aos teus ouvidosOs meus cândidos sentidos,De tormentos tão cruéis;Depois esvoaçaria,Esparzindo melodiaPelos campos e vergéis!

Todos os seus versos são assim. Não há nada melhor.

Manoel Cristiniano de Miranda, nascido em Poxoréo, a 24 de julho de 1925, faleceu no Rio de janeiro. Deixou-nos:

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TUAS MÃOS

São pequeninas tuas mãos rosadas,Tão pequeninas quanto originais,Ficando inteiramente agasalhadasNa mais comum das mãos de outros mortais.

Mas o contraste vem nas madrugadasDo cálido labor dos hospitais,Onde em carinho e técnica embaladasJamais fizeram outras mãos iguais.E se engrandecem estas mãos mimosas,Mãos de trabalho, paz e liberdade,Tornando-se assim mais volumosas.

Nas tuas mãos canta a felicidade,Na pauta firme, em notas carinhosas,A sinfonia rubra da verdade.

Francisco Leal de Queirós nasceu em Paranaíba, a 8 de janeiro de

1927. Leal de Queirós é poeta modernista. Publicou: Enquanto a Lira Tange (versos, 1948); Violino das Galeras (versos, 1949) e 3 Estórias (1967). Leal pode ser classificado como poeta da fase depois do Modernismo. Seus versos têm estas modalidades:

Os nossos sentidos são bancos públicos instaladosNum jardim qualquer de uma existência em que descansam as almas desprendidas, embriagadas do sabor dos alecrins, do perfume das hortênsias.

E o meu peito, aberto ao mundo da censura?É uma gaiola de alegres passarinhosCantarolando da tristeza uma partitura, por não deixar também de embriagar-se ao sabor dos alecrins, do perfume das hortênsias.

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As folhas secas dos meus sonhos, o calor de um beijo fê-las cinzas, as cinzas um vento norte as carregou numa canoa feita de saudade...

Dantes, entoava baladas...Ora, só me resta aos olhos cheios de pudor, no jardim plantado num quartel da vida, um corpo nu de um pé qualquer de alecrins, e a terra causticada de um canteiro de hortênsias...

Leal de Queirós e Wladislau Garcia Gomes são os representantes máximos das leras de Paranaíba. Na Academia Mato-Grossense de Letras, Leal de Queirós ocupa a cadeira nº. 30, patrocinada por Manoel Esperidião da Costa Marques.

Wlademir Dias Pino, cuiabano, nascido a 2 de fevereiro de 1927. O maior de todos os poetas concretistas de Mato Grosso. Wlademir foi um dos chefes do movimento novo na literatura brasileira: o concretismo, poesia concreta. Escreve o professor Delson Gonçalves Ferreira, no seu livro Língua e Literatura Luso-Brasileira:

o movimento começa a aparecer como reação ao marasmo, à apatia, ao desfibramento, à inexpressividade do momento poético. O Modernismo já não traz mais a força do arranco, barulhento e anárquico, do princípio: caiu na pasmaceira.

Luta Corporal, de Ferreira Gullar, é o primeiro semeador da nova semente. Surgem outros poetas concretos: Wlademir Dias Pino em Mato Grosso; Sílvia Grossman, Reynaldo Jardim, Augusto Campos e Décio Pignatari são os mais ativos. Esta escola surgiu em 1957.

Ainda quanto a esse movimento poético, inspirado no concretismo pictórico, diz o Sr. Afrânio Coutinho, na sua obra Introdução à Literatura Brasileira: caracterizado pela redução da expressão a signos concretos, que visem à apresentação direta do objetivo pela organização dos elementos básicos da linguagem em representações gráficas. É um esforço do vocábulo, de isolamento dele em relação aos possíveis conteúdos, afasta-se da poesia “conteudística” e, como experimentalismo formal, o movimento se destina a produzir resultados benéficos. Figuram entre os mais típicos praticantes e expositores da tendência: Haroldo de Campos,

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Décio Pignatari, Augusto de Campos, Ronaldo Azevedo, Wlademir Dias Pino, Ferreira Gullar, Mário Faustino, Oliveira Bastos, Reinaldo Jardim.

Daí nossa afirmativa de ser Wlademir o maior poeta concretista e, por

que não dizer, o único. Eis um poema de sua lavra:

Céu céu céuCéu ave sol sol solSol ave luz luz luzLuz aveAve asa asa asaAsa ave vôo vôo vôo aveVai ave

Estoutra poesia é moderna, e não concretista, de fundo humorista:

PROTESTO PROVINCIANO

O sorriso de Teresa é de utilidade pública.Passa pobre, passa rico,Teresa sorri!

O olhar de Teresa é de utilidade pública.Passa pobre, passa ricoTeresa olha todo mundo.

O corpo de Teresa é de utilidade pública.Passa pobre, passa rico,E todo mundo descansa nele.

Teresa não faz “nada” o dia todo,só andando daqui pra ali.

Branca que nem ambulância,Atendendo a todos os sorrisos,atendendo a todos os olhares.

E a Assembléia do Estado não dá subvençãoPra Teresa, que é toda de utilidade pública.

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Vera Iolanda Randazzo. Cronista e poetisa. Nasceu em Caxias do Sul, Estado do Rio Grande do Sul, a 21 de setembro de 1927. Está, atualmente, publicando um livro de crônicas: Paguimegera. A palavra foi grafada da maneira como escrevia o marechal Rondon.

É um livro interessante e dele faz parte a crônica Murmúrio do Rio Cuiabá, uma das melhores do livro:

Sou também o rio amigo de sempre, embora, às vezes, como qualquer pai, incho de raiva, transbordo e fico ameaçador, mas minhas zangas são passageiras, recolho-me logo ao leito e continuo levando Cuiabá para a História!

Calou-se então o rio, mesmo porque as horas tinham passado, e a aurora vinha chegando, arrastando consigo o dourado Sol.

A jovem brisa ergueu-se dos braços do rio e, rodopiando, graciosamente iniciou um bailado fantástico e invisível enquanto se mirava sobre as águas. Depois desceu um pouco, beijou de leve o rio, arrepiando-o todo, e voou célere para a cidade, para unir-se às suas companheiras: iriam preparar as chuvas dos cajus. Era tempo!

Assim é o seu estilo, ameno e gracioso. Na poesia tem algo de original. Moderna e realista.

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A PRIMEIRA FEIRA

Convidamo governador, a senhora,a costureira, o doutor,deputados, senadores,o artista do vento,o poeta das quadrinhas,o padre moderninho,o menino barbudinho,o pioneiro, o viajante,o dono do hotel,as dez mais bem-vestidas,as vinte debutantes,o jornalista e toda a nossa gente, para visitarem a Primeira Feira de Artesanato Popular de Cultura Mato-Grossense por um grupo estudantil avançado, que procura difundir as nossas coisas belas, sejam de barro, madeira ou sentimentos!

Gente-poeta, com mãos vivas, que mora à beira do rio, atrás do morro Santo Antônio,atrás da grade de ferro, em cima do chão de terra, por baixo de palhas trançadas.

Este trabalho não pode ser muito extenso. Bem por isso, procuro resumir quanto possível as citações, porque senão não haverá dinheiro para sua publicação.

Benedito Sant’Ana da Silva Freire, poeta modernista, nasceu em Mimoso, município de Santo Antônio de Leverger, a 20 de setembro de 1928. Publicou em 1965, por ocasião do Centenário de Nascimento do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, um poema – Rondon: Silêncio Orgânico das Flores... O verso, não entendi, mas foi muito elogiado por Gervásio Leite e João Antônio Neto. O primeiro escreveu: “A poética de Silva Freire não é atividade lúdica; é experiência séria, pesquisa original, reinterpretação da palavra ou a sua adequação ao mundo em que vivemos”. O segundo ponderou:

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“Daí não podermos, em linhas tão breves, dizer tudo desse laboratório de riquezas poéticas que é Silva Freire. Poeta dos mais singularíssimos, cravejador de almas nas coisas e nos seres”.

Transcrevemos aqui, para conhecimento do leitor, um trecho desse poema:

RONDON E TELÉGRAFO

Ternura de Samuel Morse saltitando no dedo do homem de cóbrea cor- na linha do poste- no pico do morro- piano de uma tecla sótransmitindo no cântico “Aruanã”a bravura praeira do carajá.

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Depois de alguns sinais de Morse, continua o poema:

Rondon e dorsem queixasem nadaé si-lên-cio...– uma enorme cegueira passeia o respeito da noi-te-sem-fim na vigília olímpica do guarda lendário do meu sertão.

Rondon é lembrançado meu serdo seu valordo meu medodo teu calordo nosso livrodo vosso mor... nahahá ameri nuga.O velho sertanista: musgo monobloco feito à enxada pá picareta e pá.O nome dele: Cândido Mariano da Silva bororo xavante bacairi nhambiquara parecis baquité borduna arco zagaia tanga Rondônia Rondonópolis. Rondon

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É este o poema tão elogiado pelos dois maiores intelectuais de Mato Grosso: Gervásio Leite e João Antônio Neto.

Adauto de Alencar, cearense, nascido em Assaré, a 10 de agosto de 1931. Publicou: Remanso (versos, Editora Caminho Ltda., Rio de Janeiro, 1959); Maria Amélia (romance, Rio de Janeiro, 1962). Adauto de Alencar não se filiou à escola, nem sequer é modernista. Faz versos rimados e metrificados. Gosta de sonetos e os tem alguns bons, por exemplo Máscara e, ainda, Cuiabá. Para este livro, eis o que elegemos:

O AMAZONAS

Desce a princípio calmo sobre a serraUm simples fio da água reluzenteDos Andes, e depois, por toda terra,Vai-se formando o leito da torrente...

Sobre um sulco uniforme que não erraVai-se desenrolando igual serpente,Em rumo ao mar, o rio em que encerraUm outro mar bramindo loucamente...E em doidos torvelinhos inconstantes,As águas bramem num gemido enormeNum encontro brutal de dois gigantes!...

E em serpenteios longos, se agitandoNum aglomeramento desconforme,Estronda a pororoca quando em quando!...

Amália Verlangiére, cuiabana, poetisa, nascida a 22 de julho de 1930. Hélio Serejo, no seu livro Poesia Mato-Gossense, Tomo I, escreveu a respeito da poetisa cuiabana: “Não sendo sonetista, vai, entretanto, burilando a forma no ritmo compassado do verso livre, no qual determina ângulos suaves, numa saltante multiplicidade de facetas graciosas”. Pensamento é uma das poesias de sua autoria, selecionada por Hélio Serejo:

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O pensamento passouLeve, sutil, impalpável,E se perdeu no luar...Que, refletido na água,Era uma bola de prata...E se desfez, novamente,Atrás de nuvens altas...O pensamento passouTão leve, tão fugidioQue se perdeu com o vento... E se desfez pela noiteuma poeira de estrelas.

A nosso ver, preferimos estoutra poesia:

ALMA DAS COUSAS

A água que cai agoraTão mansa, tão quieta,Parece a lágrima escorrendoNo rosto dum menino pobre.

E em tudo há certa mágoa, desalentoTão grande e profundo,Que a alma das cousas se emudeceE se curva, humilde, como ante um altar.E eu andava a falar...Parei para escutarA alma das coisas falar...

Ronaldo de Arruda Castro, cuiabano, nascido a 17 de março de 1941. Trata-se do maior poeta de sua geração. Jornalista brilhante, trabalhou na imprensa em São Paulo, Brasília, Goiânia, Salvador e Recife. Escreve muito bem. É brilhante jornalista. Tem vários livros de versos inéditos. Este seu soneto é digno de antologia:

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A FLOR DOS AGUAÇAIS

Não posso apreciar a rosa, cultivada pela jeitosa mão do mestre jardineiro,Por mais que seja bela, é pobre, é deturpada, é sempre imitação de cunho financeiro.

A essa rosa falsa, enferma e bem-tratada, prefiro a flor pagã, de porte alvissareiro, que treme e se balouça ao som da chuvarada, que brota no negror do insípido atoleiro.

É a flor dos aguaçais... selvática, viçosa, enfrenta a tempestade e cresce bela, inculta, em meio ao estridor da luta tormentosa.

E quando a morte atroz perpassa-lhe a raiz, ela não chora a dor, e mesmo assim se exulta, porque lutou, sofreu, foi livre e foi feliz!

Como poeta regionalista, Ronaldo escreveu estes versos ao pacu, peixe genuinamente cuiabano:

O PACU

É o cuiabano fluvial refletindo nas escamas a cor de ouro de Pascoal MoreiraPacu herbívoro comedor de tarumã e bóia milagrosa de lavadeiras e operários

Pacu de ouro cuiabano nacional solenissimamente

Filho vigilante das lágrimas puras que choram a cidade – rio Cuiabá.

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Ronaldo dá uns nomes esquisitos a seus livros de versos. Sejam exemplos: Minha Pretinha Minha, Poemas do Eu sem Mundo à Mulher Antílope e Sonetos Diversos.

Pedro Pedrossian – governador do Estado

A razão de incluirmos, neste trabalho, o discurso do governador Pedro Pedrossian, prende-se a uma homenagem a Cuiabá, quando dos seus 250 anos.

Se ontem, dizia o governador em sua oração, Cuiabá era a nossa Capital apenas de direito, pois quase tudo lhe faltava, hoje ela o é de fato, pois aqui se constrói um dispositivo infra-estrutural que a prepara para novas e definitivas conquistas, dando-lhe não apenas a dimensão de metrópole, mas o indispensável ornamento de uma grande cidade em condições de suportar e promover o desenvolvimento, como irradiador de cultura e civilização.

Se o governador, que não é cuiabano, reconhece em Cuiabá “condições

de promover o desenvolvimento, como irradiador de cultura e civilização”, é porque, na sua visão de administrador, viu esse fenômeno social na antiga Vila Real do Bom Jesus de Cuiabá.

Portanto, achamos propositada a oração do Dr. Pedro Pedrossian e, por isso, a incluímos em nosso trabalho. Já em outro livro de nossa autoria, Antologia Bororo, incluímos o discurso do então general Eurico Gaspar Dutra, quando da posse na Presidência da República.

Esta página é uma homenagem a Cuiabá.

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