histÓria da lÍngua - ufsc - 2012.pdf

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7/25/2019 HISTÓRIA DA LÍNGUA - UFSC - 2012.pdf http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-lingua-ufsc-2012pdf 1/190 História da Língua Florianópolis - 2012 Rodrigo Tadeu Gonçalves Renato Miguel Basso Período

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    Histria da Lngua

    Florianpolis - 2012

    Rodrigo Tadeu Gonalves

    Renato Miguel Basso

    6Perodo

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    Governo FederalPresidenta da Repblica: Dilma Rousseff

    Ministro de Educao: Aloizio Mercadante

    Secretrio de Ensino a Distncia: Carlos Eduardo Bielschowsky

    Coordenador Nacional da Universidade Aberta do Brasil: Celso Costa

    Universidade Federal de Santa CatarinaReitora:Roselane Neckel

    Vice-Reitora:Lcia Helena Martins Pacheco

    Pr-Reitora de Graduao:Roselane de Ftima Campos

    Pr-Reitor de Pesquisa:Jamil Assreuy Filho

    Pr-Reitor de Extenso:Edson da Rosa

    Pr-Reitora de Ps-Graduao:Joana Maria Pedro

    Pr-Reitor de Planejamento e Oramento:Luiz Alberton

    Pr-Reitor de Administrao:Antnio Carlos Montezuma BritoPr-Reitora de Assuntos Estudantis:Beatriz Augusto de Paiva

    Curso de Licenciatura Letras-Portugus na Modalidade a DistnciaDiretor Unidade de Ensino:Felcio Wessling Margotti

    Chefe do Departamento:Rosana Cssia Kamita

    Coordenador de Curso: Sandra Quarezemim

    Coordenador de Tutoria:Cristiane Lazzarotto-Volco

    Comisso EditorialTnia Regina Oliveira Ramos

    Silvia Ins Coneglian Carrilho de VasconcelosCristiane Lazzarotto Volco

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    Equipe de Desenvolvimento de Materiais

    Coordenao: Ane Girondi

    Designer Instrucional:Daiana Acordi

    Diagramao:Pedro Augusto Gamba & Raquel Darelli MichelonCapa: Raquel Darelli Michelon

    Ilustrao:Kamilla Souza

    Tratamento de Imagem: Pedro Augusto Gamba & Raquel Darelli Michelon

    Copyright , Universidade Federal de Santa Catarina/LLV/CCE/UFSC

    Nenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer

    meio eletrnico, por fotocpia e outros, sem a prvia autorizao, por escrito, da Coordena-

    o Acadmica do Curso de Licenciatura em Letras-Portugus na Modalidade a Distncia.

    Ficha Catalogrfica

    Catalogao na fonte elaborada na DECTI da Biblioteca Universitria da

    Universidade Federal de Sa nta Catarina.

    G635h Gonalves, Rodrigo TadeuHistria da lngua / Rodrigo Tadeu Gonalves, Renato Miguel

    Basso. Florianpolis : LLV/CCE/UFSC, 2010.190p. : il.Inclui bibliografia

    UFSC. Licenciatura em Letras-Portugus na Modalidade a Distncia

    ISBN 978-85-61482-32-91. Lngua portuguesa Histria. 2. Lingustica histrica.

    3. Sociolingustica. 4. Ensino a distncia. I. Basso, Renato Miguel.II. Ttulo.

    CDD 806.90(091)

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    Sumrio

    Apresentao ...................................................................................... 7

    Unidade A - Do Latim ao Portugus ........................................... 9

    1 Do Indo-Europeu ao Latim: primrdios da histria

    das lnguas ......................................................................................................11

    Introduo ..................................................................................................................11

    1.1 O desenvolvimento da lingustica histrico-comparativa ................. 12

    1.2 O protoindo-europeu e as lnguas indo-europeias ........................ ......13

    1.3 Do protoindo-europeu ao latim ..................................................................192 Latim e latim vulgar, ou de onde mesmo vem o portugus? ......21

    2.1 Brevssima histria do latim ..........................................................................21

    2.2 Caractersticas do latim clssico e do latim vulgar ...............................26

    3 A Expanso do Latim: a Romnia e sua Dissoluo .........................41

    3.1 Conceituao de Romnia .............................................................................41

    3.2 Inovaes panromnicas ...............................................................................43

    3.3 Influncias do substrato, superestrato e adstrato nas lnguasromnicas ............................................................................................................44

    3.4 As lnguas romnicas .......................................................................................48

    Unidade B - Histria do portugus ...........................................59

    4 A Pennsula Ibrica e sua formao lingustica .................................61

    Introduo ..................................................................................................................61

    4.1. Catalo .................................................................................................................61

    4.2. Espanhol..............................................................................................................62

    4.3 Formao histrico-lingustica da Pennsula Ibrica ........................... 65

    5 O portugus arcaico ....................................................................................77

    5.1 Periodizao .......................................................................................................77

    5.2 O portugus arcaico ........................................................................................79

    5.3 Textos comentados ..........................................................................................87

    6 O portugus clssico...................................................................................97

    Introduo ..................................................................................................................97

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    6.1 Caractersticas do portugus clssico .......................................................98

    6.2 Texto Dcadas da sia ..................... ........................ ........................ ...........103

    7 O Portugus em Portugal depois de 1500 e a Lngua

    Portuguesa no mundo ............................................................................107

    7.1 O portugus europeu depois de 1572 ..................... ........................ .......108

    7.2 Portugus no mundo ....................................................................................111

    Unidade C - Histria do Portugus na Amrica ................. 117

    8 Chegada do Portugus na Amrica: a delimitao das

    fronteiras e a periodizao do portugus brasileiro....................119

    8.1 A formao do territrio nacional.............................................................124

    8.2 Panorama lingustico da Amrica portuguesa ..................... ................128

    8.3 A periodizao do portugus brasileiro .................................................133

    9 O portugus brasileiro e suas caractersticas ..................................135

    9.1 Fase formativa (1550 a 1700) ......................................................................136

    9.2 Fase diferenciadora (1700 a 1800) ................................. ........................ ...137

    9.3 Fase de desenvolvimento da escrita e do ensino (1800 a 1950)....141

    9.4 Fase de nivelamento (1950 em diante) ........................ ........................ ...144

    10 Lnguas indgenas e africanas na formao do portugusbrasileiro, sua unidade e diversidade .............................................149

    10.1 Indgenas, africanos, europeus e brasileiros: o caldeiro doportugus do Brasil .....................................................................................149

    10.2 Unidade e diversidade no portugus falado no Brasil....................157

    Eplogo ............................................................................................. 167

    Concluso ........................................................................................ 171

    Cronologia ...................................................................................... 173

    Referncias ...................................................................................... 177

    Glossrio .......................................................................................... 179

    Apndice Atividades ................................................................ 181

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    Apresentao

    Este livro tem por objetivo introduzir o leitor ao vasto e diversifica-

    do domnio da histria das lnguas. Nosso objeto aqui a lngua

    portuguesa e sua histria. Procuraremos entender um pouco so-

    bre as origens do portugus, sua relao com o latim, sua fixao enquanto

    lngua de um Estado e, posteriormente, seu translado e fixao na Amrica,

    na sia e na rica.

    alvez a caracterstica que mais chame a ateno do leitor seja o ato de que

    no possvel entender a histria de uma lngua sem levarmos em conta os

    eventos polticos e histricos pelos quais passou o povo que alava essa lngua.

    Usando os termos da lingustica histrica, para entender a histria internade

    uma lngua, imprescindvel que levemos em conta sua histria externa. por

    isso que em vrios momentos apresentamos a situao poltica de um determi-

    nado pas, seus interesses econmicos e suas dinmicas populacionais.

    O presente livro est dividido em trs unidades. Na primeira delas, traaremos

    uma histria da lngua latina, de sua origem at o incio das lnguas romni-

    cas, salientando as principais caractersticas da lngua latina, a expanso do

    Imprio Romano e a ormao e dissoluo da Romnia. Na segunda unida-

    de, olharemos para a histria da lngua portuguesa desde os seus primeiros

    documentos at a chegada do portugus ao Brasil, pontuando cada uma das

    grandes mudanas estruturais detectadas ao longo de sua histria. Finalmente,

    na terceira unidade, apresentaremos a histria do portugus no Brasil, algu-

    mas das hipteses sobre sua ormao e oereceremos um panorama da lngua

    portuguesa no Brasil de hoje.

    Ao longo deste livro, apresentaremos vrios excertos e textos antigos que sero

    analisados, alm de mapas e imagens, para ajudar o leitor a se situar no longo

    percurso histrico que o espera nas prximas pginas. No fim deste livro, o

    leitor encontrar uma srie de atividades sugeridas para a sala de aula; procu-

    raremos mostrar com as atividades que estudar a histria de uma lngua pode

    servir como uma ponte interessante para as disciplinas de Histria e Geografia,

    alm de despertar o interesse dos alunos sobre as razes de o portugus ser

    como hoje, ter a ortografia que tem e suas caractersticas distintivas. Ain-

    da para auxiliar nessas atividades, o leitor encontrar um Glossrio com os

    Histria InternaAspectos relacionadoss mudanas estruturaisque uma lngua sofreuao longo do tempo.

    Histria ExternaEventos de ordem nolingustica, polticos,econmicos, blicosetc. que influenciaramuma dada lngua.

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    principais termos tcnicos utilizados e uma Cronologia com as datas mencio-

    nadas no texto e outras que so importantes para a histria do portugus.

    Antes de terminar a Apresentao, gostaramos de deixar registrado nosso agra-

    decimento leitura cuidadosa e s vrias sugestes da proa. Izete LehmkuhlCoelho, que em muito contriburam para este livro.

    Boa leitura!

    Rodrigo Tadeu Gonalves

    Renato Miguel Basso

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    Unidade ADo Latim ao Portugus

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    1.1 O desenvolvimento da lingustica

    histrico-comparativa

    Desde h muito tempo, diversos estudiosos viram semelhanas en-tre o latim e o grego clssicos que no podiam ser resultado do acaso. No

    entanto, os estudos dos perodos anteriores ao sculo XIX eram muito

    esparsos e baseados em suposies muitas vezes inundadas, como a de

    que o latim derivava diretamente do grego, e este diretamente do he-

    braico, a suposta lngua original cujo dialeto mais antigo Ado teria a-

    lado. Aos poucos, as hipteses que ligavam o latim e o grego ao hebraico

    oram sendo descartadas, em grande parte devido ao interesse crescente

    pelas lnguas do Oriente, que passaram a ser mais bem conhecidas pelo

    Ocidente europeu em virtude dos contatos crescentes entre os povos,

    derivados de um trnsito comercial e colonialista mais intenso, acirrado

    pelos movimentos expansionistas europeus.

    Muitos estudiosos, principalmente aqueles que participaram dos

    estudos lingustico-comparativos entre o sculo XIX e comeo do s-

    culo XX, descobriram semelhanas tambm entre diversas lnguas da

    Europa, organizando essas lnguas em amlias lingusticas, que, por sua

    vez, tambm eram aparentadas entre si. Exemplos mais comuns so jus-tamente as lnguas romnicas, como o rancs, o espanhol, o italiano, o

    romeno, o portugus etc., cujo percurso do latim at seu estado moder-

    no oi documentado atravs dos mais diversos tipos de texto (polticos,

    literrios, jurdicos etc.), e tambm as lnguas germnicas, como o in-

    gls, o holands, o alemo, o islands, o dinamarqus etc., que descen-

    dem de uma lngua chamada de protogermnico.

    O parentesco entre o grego, as lnguas latinas (e o latim), as ln-

    guas germnicas e outras da Europa j estava razoavelmente estabele-cido quando um jurista, fillogo e humanista ingls, Sir William Jones,

    demonstrou, em 1786, que o snscrito, uma lngua bastante antiga da

    ndia, era inequivocamente prximo ao latim, ao grego, ao protogerm-

    nico e tambm ao persa, lngua alada no Ir. Seu discurso para a Socie-

    dade Asitica (undada por ele mesmo em 1784), publicado em 1788, oi

    considerado o pontap inicial da Lingustica Histrico-Comparativa.

    Em uma passagem clebre, o fillogo afirmou que:

    Para que voc possa

    relembrar como os pes-quisadores estabelece-ram o parentesco entreas lnguas, sugerimos areleitura do livro-textode Histria dos Estudos

    Lingusticos, de HeronidesMoura e Morgana Cam-brussi, especialmente o

    Captulo 4 da Unidade A.

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    O snscrito, sem levar em conta a sua antiguidade, possui uma estrutura

    maravilhosa: mais perfeito que o grego, mais rico que o latim e mais ex-

    traordinariamente refinado do que ambos. Mantm, todavia, com estas

    duas lnguas to grande afinidade, tanto nas razes verbais quanto nas

    formas gramaticais, que no possvel tratar-se do produto do acaso. to forte essa afinidade que qualquer fillogo que examine o snscrito,

    o grego e o latim no pode deixar de acreditar que os trs provieram de

    uma fonte comum, a qual talvez j no exista. Razo idntica, embora

    menos evidente, h para supor que o gtico e o celta tiveram a mesma

    origem que o snscrito. (ROBINS, 1983, p.107)

    Com tal descoberta, estava aberto o caminho para que o termo

    indo-europeu osse cunhado, em 1813, pelo polmata ingls Tomas

    Young. O sculo XIX oi o perodo em que uma srie de fillogos de-

    senvolveu gramticas comparativas entre vrias lnguas indo-europeias,

    entre eles Rasmus Rask, Jakob Grimm, Franz Bopp, August Schlegel,

    Wilhelm Von Humboldt e August Schleicher. rata-se do primeiro ca-

    ptulo da histria da lingustica moderna, que viria a culminar em abor-

    dagens cada vez mais cientificizantes, como a dos chamados neogram-

    ticosdo final do sculo, que abriram caminho para o estruturalismo no

    incio do sculo XX.

    1.2 O protoindo-europeu e as lnguas indo-

    europeias

    Entre as realizaes mais interessantes dos fillogos/linguistas

    comparativistas do sculo XIX esto alguns estudos sobre mudanas o-

    nticas das lnguas indo-europeias, como as Leis de Grimm, e tentativas

    de reconstruo do protoindo-europeu, como a de August Schleicher,

    que inclusive chegou a tentar escrever textos na lngua reconstruda.

    Irmo de Wilhelm Grimm,com quem escreveu osfamosos contos de fadasdos Irmos Grimm.

    Hermann Osthoff e KarlBrugmann so os maisconhecidos.

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    Dos diversos estudos desses fillogos, linguistas, gramticos com-paratistas e humanistas, oi possvel descobrir que o latim e o snscri-

    to eram aparentados o suficiente para terem uma origem comum, nos

    moldes em que dizemos que o rancs e o portugus tm origem no la-

    tim. A suposta lngua que deu origem ao latim, ao grego, ao snscrito, ao

    protogermnico etc. oi chamada de protoindo-europeu. No entanto,

    como dissemos, no h praticamente nenhum resqucio escrito da pas-

    sagem do PIE para as lnguas da amlia indo-europeia e sua reconstitui-

    Doravante, neste livro,abreviada como PIE.

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    o eita com base nas mudanas lingusticas atestadas historicamente

    e tambm na comparao entre as diversas lnguas indo-europeias. Os

    estudiosos oram capazes de identificar os ramos da amlia indo-euro-

    peia mais antigos, como o anatlico, que se desenvolveu provavelmente

    por volta de 2000 a.C.; o indo-iraniano, por volta de 1400 a.C.; e o grego

    por volta de 1300 a.C. ou mesmo antes. Assim, o PIE oi alado prova-

    velmente antes de 2500 a.C., mas as dataes so todas muito diceis

    de estabelecer e muito hipotticas. Para termos ideia da extenso cro-

    nolgica envolvida nas transormaes entre as lnguas indo-europeias,

    pode-se dizer que o latim tem origemem torno do sculo XI a.C.e o

    snscrito entre 1500 e 1000 antes de Cristo. Vejamos abaixo exemplos

    das semelhanas no vocabulrio de algumas das lnguas indo-europeias,

    lembrando que em lingustica histrica, ormas marcadas com asteriscoso aquelas que no oram atestadas em documentos, mas reconstrudas

    a partir de dados da histria da mesma lngua ou das que derivaram

    dela; usaremos essa notao neste livro.

    Portugus pai me irmo lobo

    Latim pater mater frater lupus

    Grego

    Antigo

    pater meter phrater lykos

    Snscrito pitar matar bhratar vrkas

    Espanhol padre madre hermano lobo

    Francs pre mre frre loup

    Ingls father mother brother wolf

    Alemo Vater Mutter Bruder Wolf

    PIE *phatr *mh

    ater *bhrh

    ater *wlk wos

    Podemos ver como as palavras so semelhantes, e as reconstruesdo PIE apresentadas, embora paream estranhas por causa da notao

    ontica, so muito prximas das lnguas antigas apresentadas cujos da-

    dos oram atestados, o snscrito, o grego antigo e o latim.

    O quadro a seguir ilustra as principais amlias lingusticasque se

    originaram do protoindo-europeu:

    O smbolo indica quese trata de uma lnguaque no tem mais falantesnativos, ou seja, de acor-do com a terminologiacorrente, trata-se de umalngua morta.

    As inscries mais antigasencontradas datam dosculo VII, embora Romatenha sido fundada porRmulo, segundo as len-das, em 753 a.C.

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    Protoindo-europeu

    () ramo anatlico () assrio, () hitita

    ramo helnico () grego antigo grego moderno

    ramo indo-iraniano persa, () snscrito

    ramo itlico () latimfrancs, romeno, italiano,portugus, espanhol etc.

    ramo clticogals, galico irlands, galicoescocs, breto

    ramo balto-eslavo() antigo prussiano, () proto-eslavo

    leto, lituano, russo, tcheco,polons, ucraniano, croataetc.

    ramo germnico () protogermnico

    islands, noruegus, sueco,

    alemo, ingls, holands,faros etc.

    ramo armnio armnio

    () ramo tocrio

    ramo albans albans

    Podemos ver a extenso da cobertura das lnguas indo-europeias

    em seus espaos de ocupao originais no Mapa 1:

    Indo-europeia - Romnica

    Indo-europeia - Germnica Setentrional

    Indo-europeia - Germnica

    Indo-europeia - Eslava

    Indo-europeia - Bltico

    Indo-europeia - Helnica

    Altaica- Turcomana

    Urlica

    Afro Asitica - Semtica

    Mapa As lnguas indo-europeias em seus espaos originais. (Adaptado do mapa disponvelem: . Acesso em: 05 abr. 2010.)

    Perceba que outras fam-lias lingusticas tambm

    aparecem no mapa.

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    O indo-europeu no , obviamente, a nica amlia de lnguas do

    planeta. Lnguas como o rabe, o chins e o turco no so indo-euro-

    peias e cada uma pertence a uma amlia lingustica, respectivamente,

    o semtico, o sino-tibetano e o altaico. Os mtodos de comparao e

    reconstituio de lnguas que oram empregados para o caso da am-

    lia indo-europeia e que resultaram no protoindo-europeu poderiam,

    a princpio, ser aplicados s outras amlias lingusticas do mundo, in-

    cluindo certamente as lnguas indgenas brasileiras e do resto do conti-

    nente americano. Qual seria o resultado de tal aplicao? Seria possvel

    reconstituir todas as protolnguas? Se sim, o que isso nos mostraria?

    eriam todas as lnguas uma mesma origem? Ou talvez no haja paren-

    tesco entre as protolnguas e a linguagem surgiu em momentos, lugares

    e com estruturas dierentes nos vrios grupos humanos?

    O estabelecimento doturco na famlia altaica incerto, mas esta famliainclui tambm o coreanoe o japons, entre outras.

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    1.3 Do protoindo-europeu ao latim

    Uma histria do protoindo-europeu demandaria muito mais do

    que pretendemos com este livro, mas algumas caractersticas impor-

    tantes da passagem dos dados hipotticos reconstrudos para o que

    conhecemos do latim sero importantes para entender alguns para-

    lelos entre esse movimento e os movimentos posteriores da passagemdo latim ao portugus.

    Na morologia, podemos verificar alguns enmenos interessantes

    de simplificao ocorridos no percurso PIE-latim. Por exemplo, o PIE

    declinava seus substantivos em nmero e gnero, como em portugus,

    mas tambm em caso, como em latim, grego, snscrito e algumas ln-

    guas modernas como o russo e o alemo. rata-se da flexo morol-

    gica relacionada com unes sintticas, como a que vemos ainda nos

    resqucios de morologia casual em portugus nos pronomes pessoaiseu (orma de sujeito) e me. Dizemos euvi o cachorro e o cachorro

    meviu com ormas dierentes para o pronome eu por causa do mes-

    mo enmeno. Considera-se que o PIE possua oito casos gramaticais,

    sendo eles o nominativo(caso basicamente de sujeito), acusativo(caso

    do objeto direto, como o me do portugus), ovocativo(o caso usado

    quando chamamos um interlocutor), o genitivo(caso de posse, como o

    genitivo womans da mulher do ingls), o dativo(caso do objeto indi-

    Forma tona que serve,por exemplo, como obje-to; no prximo captulo

    exploraremos mais afundo o conceito de casoe suas manifestaes.

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    reto), o ablativo(caso usado geralmente para denotar aastamento espa-

    cial, provenincia, entre outras coisas, como em ele veio da fazenda),

    o locativo(caso que se usava para dizer algo como estou em casa) e o

    instrumental(caso usado para especificar o meio ou o instrumento que

    se usou para azer algo, como em ele quebrou a porta com o machado).

    Outra caracterstica interessante para este panorama a da flexo

    de nmero dos nomes. O PIE, assim como o grego antigo, flexionava os

    nomes em singular, plural e dual. Este ltimo nmero denota dois obje-tos ou elementos. Assim, se casa significa basicamente uma casa em

    oposio a casas, que podemos entender como mais de uma casa, o

    PIE e o grego ainda tinham uma flexo para dizer duas casas. O latim

    no conservou a categoria do dual como flexo dos nomes, que sobre-

    viveu apenas em ormas como duo, dois, ambo, ambos, que tambm

    temos em portugus e que denotam somente pares de objetos.

    H vrias caractersticas do PIE que oram transmitidas ao latim

    diretamente, como a terminao -m de acusativo singular, que deriva do

    *-m PIE. Outro exemplo seria o *-a, terminao de neutro plural do PIE

    que aparece exatamente dessa orma em latim. Se voc j estudou latim,

    seria interessante lembrar ou retomar o que viu.

    Isso no significa, demodo algum, que essas

    sejam as mudanas maisimportantes nem as ni-

    cas que ocorreram do PIEpara o latim.

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    2 Latim e latim vulgar, oude onde mesmo vem o

    portugus?Neste Captulo, fazemos uma breve histria do latim, identificando as

    diferenas bsicas entre o que chamamos de latim clssico e latim vulgar, bem

    como entre seus perodos histricos, como o latim arcaico e o latim tardio.

    Alm disso, avaliamos algumas diferenas bsicas entre as estruturas do latim

    clssico e vulgar.

    2.1 Brevssima histria do latim

    O latim era a lngua alada na regio central da Itlia, chamada de

    Lcio, durante o primeiro milnio antes de Cristo e que, juntamente

    com o Imprio Romano, estendeu-se por grande parte da Europa, pelo

    norte da rica e por diversas regies da sia, at se transormar, atravs

    do curso natural das lnguas, em dialetos incompreensveis entre si, que

    acabaram dando origem s lnguas romnicas. Para entendermos a his-

    tria do portugus, ser necessrio compreender o percurso que o latim

    trilhou at se dierenciar em lnguas romnicas, especialmente porquea lngua que resultou nos romances e nas lnguas romnicas modernas

    Bretanha

    Espanha

    Africa

    Italia

    RomaMacedonia

    Grecia

    Asia Menor

    Mar Negro

    Judeia

    Egito

    Rio Nilo

    Mar Mediterraneo

    Glia Mar Cspio

    Mar Vermelho

    Oceano Atlantico

    Mapa O Imprio Romano no seu apogeu. (Adaptado do mapa disponvelem: . Acesso em: 05 abr. 2010.)

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    no oi o mesmo latim que chamamos de clssico hoje, mas sim o latim

    alado pelas pessoas comuns, no dia a dia, nas mais diversas interaes:

    o chamado latim vulgar.

    Para termos uma ideia do mpeto expansionista do Imprio Roma-no e de seu poderio, vejamos no mapa da pgina anterior as regies que

    pertenceram a ele durante seu apogeu; nunca demais dizer que o latim

    era levado a todas as regies conquistadas.

    O latim que normalmente aprendemos hoje corresponde variante

    literria e estilizada de um perodo muito importante para a histria

    do Ocidente: o perodo que, de maneira geral, compreende os sculos I

    a.C. e I d.C. Nesse perodo, grandes autores escreveram obras literrias

    que ajudaram a moldar as bases culturais, polticas, sociais, filosficas ereligiosas da Europa e, consequentemente, do mundo ocidental. Den-

    tre esses autores, podemos destacar o poeta Virglio, que, entre outras

    obras, escreveu a Eneida no final do sculo I a.C. Nesse poema, Virglio

    narra as origens histricas e mitolgicas da grandiosa Roma, governada,

    no seu tempo, por Augusto. Aps longas dcadas de guerras civis, havia

    sido declarado imperador em Roma, e criaria um perodo de paz e pros-

    peridade para a capital de um Imprio que, se j vinha se expandindo

    enormemente ao longo dos sculos precedentes, levaria as ronteiras deseus domnios para lugares to distantes quanto as Ilhas Britnicas, a

    costa do Norte da rica (incluindo o Egito), e vrios territrios do atual

    Oriente Mdio, at as bordas do Mar Negro.

    Virglio sentado entre as musas Clio,da histria, e Melpmene, da tragdia.Sousse, sc. III d.C.

    De nome Gaio Jlio CsarOtaviano, Augusto rece-

    beu esse ttulo quando setornou o primeiro impera-

    dor de Roma. Nasceu em63 a.C. e morreu no ano 14

    da nossa era. Sob seu im-prio, cessam quase cem

    anos de guerras civis entreos romanos, em especial a

    mais importante, travadaentre seu tio, Jlio Csar, e

    Pompeu.

    Publius Vergilius Maronasceu no ano 70 a.C.

    perto de Mntua, na GliaCisalpina, e morreu no ano

    19 a.C.

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    2.1.1 Latim arcaico

    Os primeiros registros do latim escrito encontrados datam de VII

    ou VI a.C. Mais tarde, por volta do sculo III a.C., comeam a ser pro-

    duzidos textos literrios em latim, em grande parte atravs de um pro-cesso de assimilao da cultura e literatura gregas do perodo.

    Roma, j ento uma potncia, conquistava territrios de vrios un-

    dos culturais dierentes, e, em pouco tempo, por volta do sculo II a.C.,

    o Mar Mediterrneo j era praticamente dominado pelos romanos.

    desse perodo, por exemplo, o texto literrio mais antigo do qual

    temos notcia escrito em latim: uma traduo da Odisseia de Home-

    ro eita pelo escravo grego Lvio Andronico para propsitos educacio-nais. Do texto de Lvio sobreviveram apenas alguns ragmentos, e temos

    acesso a menos de cem versos da obra completa. Nesse perodo, ainda,

    outros autores produziram textos mais ou menos adaptados da tradio

    grega, como as comdias de Plauto e erncio, de gosto popular, que se-

    guem a tradio da Comdia Novagrega, e as tragdias (em grande par-

    te perdidas) de Nvio e nio, por exemplo. Seguindo o caminho aberto

    por Lvio, Nvio e nio tambm escrevem os primeiros textos picos

    em latim, dos quais, inelizmente, tambm restaram apenas ragmentos.

    O latim desse perodo ainda considerado menos polido e estilizado

    do que o que viria a ser utilizado no perodo seguinte, quando a lngua

    literria levada ao seu pice criativo.

    2.1.2 Latim clssico

    Convencionou-se chamar de latim clssico o estilo literrio culto da

    lngua ao longo do primeiro sculo a.C. at o incio do primeiro sculo

    da Era Crist. So desse perodo a prosa elaborada do poltico, filsoo e

    orador Ccero; a poesia lrica e a pica nacional de Virglio, com as suas

    Buclicase a sua Eneida; e a lrica amorosa de Catulo, Proprcio, ibu-

    lo, Horcio e Ovdio, alm de textos de historiadores como ito Lvio.

    Em geral, o latim que ensinamos hoje em dia a lngua literria desse

    perodo, tanto por causa da beleza do estilo cuidadosamente trabalha-

    do desses autores quanto pelo ato de que grande parte do corpusmais

    substancial dos textos clssicos literrio, o que nos deixou sem muito

    A Comdia Nova gregasurge no perodo davirada do sculo IV para oIII antes de Cristo e baseia-

    -se em tramas familiares,convencionais, com perso-nagens caricaturais, comoo velho imbecil, seu filhosem responsabilidades e,em geral, apaixonado poruma moa que no podese casar com ele, o escravosagaz do velho que ajudao filho em suas desventu-ras etc. O principal autorgrego dessa tradio

    Menandro.

    Esttua do imperador Augusto. Museudo Vaticano

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    acesso aos outros registros lingusticos do perodo. Ao contrrio do que

    se pensa, no do latim clssico que as lnguas romnicas se desenvol-

    veram, mas sim das variantes aladas ao longo da histria do latim.

    2.1.3 Latim culto

    O latim culto era a variedade alada pela classe culta de Roma.

    Esse dialeto era a base do latim clssico, a variante literria, mas no

    se conunde com ela. O latim culto era regido pelas mesmas regras

    gramaticais atravs das quais estudamos latim, mas certamente muito

    menos estilizado do que a lngua literria. Documentos escritos nessa

    variedade lingustica so menos comuns, mas possvel encontrar esse

    tipo de registro, por exemplo, em cartas de autores antigos, como as

    de Ccero para seu irmo ou as de Sneca para sua me, nas quais a

    estilizao e o trabalho esttico consciente com a linguagem so menos

    intensos, ainda que presentes. Nas cartas, portanto, temos acesso ao

    dialeto que as pessoas cultas escreviam quando no estavam preocupa-

    das com a criao esttica.

    2.1.4 Latim vulgar

    A variedade do latim chamada de latim vulgar a lngua do povo

    romano em geral. Os registros dessa lngua so mais diceis de encon-

    trar, pois no se escrevia nessa variante de propsito, mas do testemu-

    nhos muito interessantes da evoluo do latim. As inscries encontra-

    das em muros, em banheiros pblicos, e at mesmo em obras literrias

    que tentavam retratar avariedade lingusticanos mostram uma lngua

    viva, muito requentemente aberta s mudanas que ocorrem natural-

    mente nas lnguas, especialmente em se tratando da lngua de um im-

    prio que se espalhou por regies com substratos lingusticos bastante

    dierentes.

    Um texto extremamente interessante o chamadoAppendix Pro-

    bi, annimo, provavelmente datado do sculo III a.C., que se constitui

    simplesmente de uma lista na orma de X non Y, que uncionaria para

    evitar que os alantes usassem as ormas consideradas incorretas, Y, e

    usassem as ormas cultas, X. Um dos exemplos interessantes doAppen-

    dix a linha: auris non oricla. Essa linha nos diz muita coisa sobre como

    Um exemplo de obra

    literria que retrata varian-tes do latim o romancechamado Satyricon, de

    Petrnio, autor do sculo Id.C., que apresenta longas

    passagens que tentamsimular a lngua do povo

    de Roma.

    Sobre os substratoslingusticos das regiesromanizadas, veja-se o

    Captulo III.

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    as pessoas alavam e sobre como a lngua seguia seu curso de mudana

    natural. A orma auris, em latim culto, que significa orelha, na ala po-

    pular possivelmente recebia o sufixo diminutivo cula, resultando em

    auricula, orelhinha. Da para a orma oricla, que deveria ser evitada,

    temos a mudana do ditongo aupara simplesmente o, e a queda da vo-

    gal uentre ce l.

    Curiosamente, a pronncia de aucomoo, que j ocorria em latim,

    como quando o prprio Ccero escreveu oriculaem suas cartas, em tom

    jocoso, portanto j azendo parte do chamado sermo vulgarisouplebeius

    (lngua vulgar ou do povo, denominao do prprio Ccero), acaba se

    transormando em um ato ontico na passagem do latim vulgar para

    as lnguas romnicas.

    De onde vem, por exem-plo, auricular em portu-gus. Essa uma palavraque, como foi muitofrequente na histria doportugus, foi empresta-da do latim muito tempodepois de a forma orelha

    j estar em uso pelosfalantes de portugus.Esse tipo de emprstimo considerado erudito,

    pois os falantes voltamao latim para recuperarformas que, quando de-pois acolhidas pela lngua,vivem lado a lado comas formas populares que

    j existiam. Os exemplosso muitos, como a formapopular maduro e a for-ma erudita maturidade,vindos do latim maturus,e a forma popular pai

    que sobrevive juntamen-te com a forma eruditapatronmico, ambos dolatimpater,patris.

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    2.1.5 Latim tardio

    Aps o perodo do latim clssico, o latim continuou sendo usado

    como lngua do Imprio Romano, que cresceu cada vez mais, e poste-

    riormente tornou-se a lngua oficial da Igreja Catlica ocidental. Assim,ao longo de muitos sculos, o latim oi usado como lngua universal para

    relaes internacionais, para a cincia, para administrao do Imprio

    e da Igreja, e, durante a Antiguidade e a Idade Mdia, tudo que osse

    importante era escrito em latim. Aos poucos, as comunidades oram de-

    senvolvendo seus dialetos de orma que se aastassem mais e mais do la-

    tim, dando origem a lnguas dierentes, mas a lngua escrita continuava

    a seguir, na medida do possvel, os padres do latim culto, de orma que

    temos muito material escrito em latim culto por alantes nativos deoutras lnguas ou de outras variedades do latim. Esses registros escritos

    so bastante abundantes. Como exemplo, temos desde a traduo latina

    dos textos bblicos, a Vulgata, vertida por So Jernimo para o latim nos

    fins do sculo IV, at os documentos portugueses de administrao e

    legislao, passando pela filosofia medieval e renascentista.

    2.2 Caractersticas do latim clssico e do

    latim vulgar

    Uma vez que seria muito complexo e muito distante dos objetivos

    desse livro apresentar um panorama vasto da estrutura do latim cls-

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    sico, esta sesso apresentar as caractersticas mais importantes do la-

    tim vulgar em contraste com o clssico para entendermos a histria das

    lnguas romnicas, especialmente a do portugus. Os enmenos com

    que lidamos aqui so relativamente comuns a quase todos os testemu-

    nhos do latim vulgar encontrados, e sero ilustrados na sequncia comalgumas passagens do j citado Appendix Probi. Selecionamos apenas

    algumas caractersticas do latim vulgar para comparar com o latim cls-

    sico, e mais detalhes podero ser obtidos em Castro (2006), Ilari (1992)

    e Renzi (1982), por exemplo. As caractersticas sero apresentadas nos

    domnios da sintaxe, morologia, onologia e lxico.

    2.2.1 Sintaxe

    a) A ordem de palavras do latim clssico era relativamente livre,uma vez que a estrutura da lngua permitia variaes comple-

    xas, que se aliavam estilizao dos textos literrios, resultando

    em textos que apresentam bastante variedade de ordem. Isso se

    devia ao fato de que a sintaxe no dependia apenas da ordem

    das palavras na orao, mas tambm da caracterstica morfo-

    lgica dos casos. No entanto, a ordem bsica, ou no marcada,

    da orao era sujeito objeto/complemento verbo, ou SOV.

    Assim, ao dizer uma frase como Pedro v Paulo, um romanoescrevendo em latim clssico utilizaria a ordem Petrus Paulum

    videt. A ordem fundamental das palavras no latim vulgar passa

    a ser sujeito verbo objeto/complemento, ou SVO. Essa ten-

    dncia ser adotada por todas as lnguas romnicas.

    b) A ordem de palavras no sintagma nominal no marcada no

    latim clssico era determinante determinado, como quando

    um substantivo modificado por um adjetivo:felix homo, ho-

    mem feliz. No latim vulgar e nas lnguas romnicas derivadas,a ordem bsica passa a determinado determinante, como em

    homo felix. Assim como com relao ordem fundamental da

    frase, o latim clssico apresentava algumas variaes nas pos-

    sibilidades dessa ordem, dependendo do tipo de determinante.

    Contudo, no latim vulgar a ordem passa a ser mais fixa.

    c) O latim clssico, como j dissemos, apresentava seis casos gra-

    maticais para as palavras das classes nominais (substantivos,

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    adjetivos e pronomes). Os casos se realizavam atravs de termi-

    naes morfolgicas especficas que funcionavam para marcar

    as funes sintticas das palavras na orao. Para exemplificar-

    mos o funcionamento dos casos, vejamos as seguintes oraes:

    1) Pedro v Paulo.

    2) Paulo v Pedro.

    Essas duas oraes dizem coisas bastante dierentes, pois cada uma

    representa um evento dierente: na primeira, no se pode afirmar que

    Paulo tambm v Pedro; e, na segunda, o contrrio se d. Isso acontece

    em portugus em virtude da ordem das palavras, pois a estrutura do

    evento de o sujeito ver o objeto depende em grande parte da posio

    do sujeito antes do verbo e do objeto depois do verbo. Em lnguas comsistemas de casos plenamente desenvolvidos, como o latim, o sujeito da

    orao ter que ser marcado com o caso nominativo e o objeto com o

    caso acusativo. Assim, em latim clssico, as duas oraes vo apresentar

    terminaes dierentes para os nomes, como podemos ver a seguir:

    1a) Petrus Paulum videt.

    2a) Paulus Petrum videt.

    Como se pode observar, temos duas ormas para cada nome, Petrus

    (sujeito) e Petrum (objeto), nos casos nominativo e acusativo, respecti-

    vamente. A consequncia bsica desse sistema que a ordem de pala-

    vras no determina sozinha a estrutura sinttica da orao, de modo

    que (1a) pode ser reescrita em vrias ordenaes dierentes sem alterar

    o significado bsico da orao:

    1a) Petrus Paulum videt = Paulum Petrus videt = Paulum videt

    Petrus = videt Paulum Petrus = Pedro v Paulo.

    Em portugus, o nico resqucio do sistema de casos encontradonos pronomes pessoais, de modo que eu a orma de nominativo e

    me a orma de acusativo, seguindo a declinao nominal latina, em

    que havia ego(nominativo), me(acusativo), e mihi(dativo, que resultou

    em mimno portugus). No temos problema para ormar rases como

    Pedro me viu e Eu vi Pedro, por exemplo, e perceber que eu o su-

    jeito da primeira e me o objeto da segunda. ambm no trocamos

    as ormas, como Pedro eu viu e Me vi Pedro. A nica dierena que,

    em latim clssico, todos os substantivos, adjetivos e pronomes se flexio-

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    navam em seis possveis casos, no singular e no plural, em um sistema

    um pouco mais complexo do que esse descrito.

    Os outros casos, j mencionados no captulo anterior, eram o voca-

    tivo, usado para interpelar o interlocutor, como em Petre, huc veni!, Pedro, venha c!; o genitivo, para indicar basicamente posse, como em

    exercitus Petri fortis est, O exrcito de Pedro orte; o dativo, que deno-

    ta normalmente complementos indiretos do tipo Petro donum do, Dou

    um presente para Pedro; e o ablativo, que pode significar vrias coisas,

    entre elas aastamento a partir de um local visto como ponto de reern-

    cia, como em abi Petro, sai de perto do Pedro, instrumento/modo, como

    em hoc scivi Petro, eu soube disso atravs de Pedro. Apesar de a orma

    de dativo e ablativo serem a mesma para o substantivo Petrus, dierentesclasses de substantivos apresentam ormas dierentes para os casos.

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    Assim, o sistema casual do latim vulgar apresentava-se muito mais

    enxuto com relao ao do latim clssico, como podemos ver na compa-

    rao entre dois paradigmas do mesmo substantivo:

    Latim clssico dominus, i(segunda declinao, masculino, senhor):

    Caso Singular Plural

    Nominativo dominus domini

    Vocativo domine domini

    Acusativo dominum dominos

    Genitivo domini dominorum

    Dativo domino dominis

    Ablativo domino dominis

    Latim vulgar dominus, i, senhor:

    Caso Singular Plural

    Nominativo dominus domini

    Acusativo dominum dominos

    d) O latim clssico no possua a classe de palavras dos artigos

    definidos e indefinidos como temos em portugus. Os subs-tantivos poderiam receber determinao atravs de pronomes,

    e alguns deles significavam coisas prximas quelas que signi-

    ficamos com os artigos, como o pronome quidam, um certo,

    como em quidam Petrus, um certo Pedro, um tal de Pedro.

    No latim vulgar, contudo, alguns pronomes demonstrativos co-

    meam a ser usados com funes prximas s do artigo defi-

    nido, como o pronome ille, illa, illud(aquele, aquela, aquilo),

    que passa a cumprir a funo de artigo definido o, a, os, as,

    ipse, ipsa, ipsum(o mesmo, a mesma), que tambm encon-

    trado com o sentido mais prximo de o, a, os, as; e o pro-

    nome unus, una, unum, anteriormente numeral, que passa a

    ser usado como artigo indefinido um, uma, uns, umas. Como

    veremos nos prximos captulos, a partir desses usos especfi-

    cos do latim vulgar que as lnguas romnicas desenvolvem seus

    artigos definidos e indefinidos.

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    2.2.2 Morfologia

    a) Declinaes nominais so conjuntos de nomes com a mesma

    caracterstica morfolgica, como os nossos nomes cujo radical

    termina em a, o, ou e (casa, carro, estudante). As decli-naes nominais em latim clssico eram cinco:

    Na passagem do latim clssico para o latim vulgar, observa-se uma

    simplificao dos paradigmas de declinao, antecipando os sistemas

    nominais das lnguas romnicas, que manteriam as declinaes vulga-

    res. Assim, temos o desaparecimento da quarta e da quinta declinaes

    e o fim dos emininos em us, simplificando o sistema para algo mais

    prximo do que temos em portugus:

    femininos em a;

    masculinos e neutros em us;

    comuns (masculinos e femininos) em e.

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    b) Juntamente com a simplificao das declinaes nominais,

    desaparece o terceiro gnero dos nomes, o neutro, como pu-

    demos perceber pelo resultado da declinao nominal simpli-

    ficada acima. O gnero neutro distinguia-se morfologicamen-

    te do masculino e do feminino, mas, com a simplificao das

    declinaes e com a dificuldade de separao formal entre o

    gnero neutro em oposio ao masculino e ao feminino, houve

    a incorporao daquele s declinaes restantes. Assim, nomes

    como templum, neutro da segunda declinao em latim, pas-

    sam a masculino no latim vulgar, j que os temas em o, que

    se realizam no nominativo como us ou um, se generalizam

    como fundamentalmente masculinos.

    c) Quanto ao sistema verbal, vrias mudanas foram percebidas

    na passagem para o latim vulgar. Entre as mais importantes,

    podemos mencionar a simplificao dos paradigmas de conju-

    gao verbal. O latim clssico possua cinco modelos de conju-

    gao, como podemos ver:

    As dierenas undamentais entre as cinco conjugaes so o ato

    de que as conjugaes temticas ou voclicas (primeira, segunda e quar-

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    ta) possuem vogais longas na posio final do tema, o que az que ela

    seja acentuada quando paroxtona (ou seja, habre tem acento tnico

    na segunda slaba, enquanto dceretem na primeira). Alguns verbos de

    conjugaes que no possuam vogal temtica (a terceira e sua deriva-

    da, a mista) oram sendo incorporados pelas temticas, de modo que,

    no latim vulgar, o sistema de conjugao verbal se simplifica para trs

    modelos: os verbos de tema em a, os de tema em ee os de tema em i,

    com alguns verbos ainda na terceira conjugao. Outros verbos, ante-

    riormente no pertencentes a nenhuma conjugao por causa de suas

    irregularidades, regularizam-se e passam a pertencer a alguma das con-

    jugaes. Podemos citar como exemplos:

    d) Quanto categoria de voz verbal, o latim possua as vozes ativa,

    passiva e depoente. A voz depoente, derivada da voz mdia do

    PIE, apresentava-se com morfologia de voz passiva e significa-

    do de voz ativa, e os verbos da voz depoente no poderiam ser

    flexionados em duas formas, ativa e passiva, como os verbos

    normais. Assim, um verbo regular como amo, amo, poderiareceber morfologia de voz passiva, amor, para significar sou

    amado. Os verbos depoentes, por sua vez, s apresentavam a

    forma depoente, como minor, eu ameao, ou morior, eu mor-

    ro, mori, morrer. No latim vulgar, a voz depoente desapare-

    ce, e os verbos que anteriormente se apresentavam nesta voz

    regularizam-se, como morio, eu morro, e morre, morrer.

    O acento tnico no eramarcado ortograficamen-

    te em latim, e o utilizamosaqui apenas para finsdidticos.

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    e) A morfologia dos tempos verbais tambm sofre mudanas

    substanciais, como o desenvolvimento de um futuro perifrsti-

    co no lugar do futuro sinttico do latim clssico. Em latim cls-

    sico, o futuro dos verbos se fazia da seguinte forma: para um

    verbo como amo, o futuro do presente do modo indicativo era

    feito com o infixo modo-temporal bo, bi, como em amabo,

    amabis, amabit, amarei, amars, amar. Esse modelo era apli-

    cado aos verbos da primeira, segunda e quarta conjugaes.

    Para a terceira conjugao e sua derivada mista, o futuro era

    feito com os infixos ae e, como em dicam, dices, dicet, direi,

    dirs, dir. O latim vulgar deixa de usar essas flexes para o

    futuro e desenvolve um futuro analtico (com perfrase verbal)

    formado por infinitivo + habeo: amare habeosubstitui amaboedicere habeosubstitui dicam. desse futuro analtico do latim

    vulgar que as lnguas romnicas desenvolvero seus tempos

    futuros, como ocorreu em portugus, inicialmente com o au-

    xiliar hei (derivado de habeo) aps o infinitivo, como cantar

    hei, passando a formas como hei de cantar, at chegar em

    cantarei.

    f) Vrias outras mudanas ocorreram, como a perda davoz passi-

    va sinttica, a perda de alguns tempos em alguns modos (como

    o perfeito do subjuntivo), o desenvolvimento do modo condi-

    cional, que no existia em latim clssico, atravs da perfrase

    amare habebat, deveria amar, amaria.

    2.2.3 Fonologia

    a) Em latim clssico, as vogais poderiam ser, alm de tonas ou

    tnicas, longas ou breves. Assim, uma vogal a longa seria per-

    cebida diferentemente de sua correspondente breve, como se

    se tratasse de uma nota musical mais longa em oposio a uma

    mais breve. Convenciona-se marcar essa diferena na escrita

    atravs dos sinais diacrticos mcron para as longas (, , ,

    , ) e braquia para as breves (, , , , ). A diferena en-

    tre as vogais longas e breves era fonolgica, ou seja, um par de

    palavras como st e st apresentava significados diferentes (a

    primeira, ; a segunda, come).

    De amor, sou amado, olatim vulgar fez amatus

    sum, sou amado, forma

    que anteriormente signifi-cava fui amado.

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    O latim vulgar perde a caracterstica onolgica da durao das vo-

    gais e simplifica o sistema voclico da seguinte maneira:

    LatimClssico

    LatimVulgar a

    (e aberto)

    e(e fechado) i

    o(o fechado) u

    Com relao ao sistema onolgico como um todo, a consequncia

    da perda da quantidade a fixao do acento de intensidade com valor

    distintivo, como na distino entreprvenitepervnit, do latim vulgar,

    que, em latim clssico, se dava em termos de vogal longa versus breve:

    pervnitepervnit(chega e chegou).

    b) Com relao ao sistema consonantal, ocorreram mudanasmuito profundas. Isso fica claro ao compararmos o sistema do

    latim clssico com o sistema postulado como sendo o do latim

    vulgar, conforme apresentado por Ilari (1992, p.77-87):

    Latim Clssico

    bilabiais lbio-dentais dentais-alveolares palatais velares uvulares

    oclus. surdas p t k, k w

    oclus. sonoras b d g, gw

    nasais m n

    laterais l

    vibrantes r

    fric. surdas f s h

    fric. sonoras

    semivogais w j*[kw] e [gw], grafados como que guso consoantes labiovelares.

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    Latim Vulgar

    bilabiais lbio-dentais dentais-alveolares palatais velares uvulares

    oclus. surdas p t k

    oclus. sonoras b d g

    nasais m nlaterais l

    vibrantes r

    fric. surdas f s h

    fric. sonoras v

    semivogais w j

    O contraste entre as duas tabelas acima apenas mostra uma pri-

    meira dierenciao entre o sistema consonantal do latim vulgar com

    relao ao latim clssico; mas, obviamente, as mudanas no pararampor a. Podemos dizer,grosso modo, que as lnguas romnicas alteram o

    sistema do latim vulgar representado logo acima e fixam cada uma o seu

    prprio sistema consonantal. No obstante, algumas outras mudanas

    podem ser apontadas como tendo ocorrido, em dierentes graus, por

    toda a Romnia; so elas:

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    No podemos esquecer que tambm houve mudana e evoluo na

    realizao dos vrios grupos consonantais latinos, como:

    a) Grupos iniciais em s-, como sc-, st-, sp-;

    b) Grupos de consoantes seguidas de -l, como pl-, cl-, tl-, fl-;

    c) Consoante + [j] (com grafia i): ti, di, ki, li, ni, pi, bi etc.;

    d) Consoante + dental: pt-, ps-, ct-, cs-, gn-, mn-, rs-, ns.

    Novamente, cada lngua romnica evolui de modo prprio, mas

    possvel identificar caractersticas gerais. Para o caso do grupo a), a so-

    luo adotada pelo portugus, por exemplo, oi a insero de uma vogal

    antes do grupo, e assim temos escrever do latim scribere. Para os gru-

    pos b) e c) a soluo oi, via de regra, atravs de palatalizao; assim, em

    portugus temos:

    b) plenu > cheio

    c) folia [folja] > folha

    Por fim, para o grupo d) h s vezes queda e s vezes vocalizao:

    d) fructa > fruta; derectu > direito

    2.2.4 Lxico

    ambm quanto ao lxico, o latim vulgar apresenta tendncias

    claras de mudanas com relao ao latim clssico. O lxico das lnguas

    romnicas deriva muito mais substancialmente do latim vulgar. Alm

    disso, muitas palavras do lxico vulgar que, embora existissem, eram

    menos comuns em latim clssico, oram as ormas que resultaram no

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    lxico das lnguas romnicas. So exemplos desse enmeno termos

    como casa, do latim vulgar, que, em latim clssico, significava um tipo

    muito especfico de habitao, um casebre, enquanto que as ormas mais

    tradicionais como domusou aedissignificavam casa de maneira mais

    geral. , todavia, da orma vulgar que deriva o portugus casa, e no

    do lxico clssico. Outros exemplos podem ser citados, como cavalo,

    que deriva do latim vulgar caballus, e no do latim clssico equus; ou

    campo, que vem de campusdo latim vulgar, que significava campina

    em latim clssico, e no do termo mais comum do latim clssico ager.

    importante apontar tambm para o ato de que, ao longo da histria da

    lngua, quando necessrio, oram sendo eitos emprstimos de termos

    mais eruditos para preencher unes semnticas dierentes. Assim, ao

    lado de casa, temos domiclio e edificao, de domuse aedis; ao ladode cavalo temos equitao, de equus; e ao lado de campo temos

    agricultura, de ager.

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    3 A Expanso do Latim: aRomnia e sua Dissoluo

    Aqui, investigamos o conceito de Romnia, enquanto unidade lingustico--cultural instaurada pela dominao romana em sua extenso de alcance

    mximo. Avaliamos algumas caractersticas das inovaes comuns encontra-

    das em toda a Romnia, e tambm apresentamos informaes bsicas sobre

    algumas das lnguas romnicas.

    3.1 Conceituao de Romnia

    O termo romanusoi usado originalmente como sinnimo de ha-bitante da cidade de Roma. Mais tarde, com a expanso do imprio, o

    termo oi estendido a todos os cidados romanos sob proteo do impe-

    rador, em todas as provncias. Com o tempo, o termo passou a significar

    aquele que no brbaro, ou seja, todos os no estrangeiros. O imprio

    atingiu seu apogeu no incio do sculo II d.C., como se pode ver no

    mapa da pgina 21, Captulo 2. Aps esse perodo, por vrios motivos,

    que incluam a prpria vastido do imprio, os romanos passaram a ser

    atacados requentemente por povos de origem germnica que vinham

    do norte da Europa, pressionados pela invaso de outro imprio ao les-

    te, o dos hunos. Ao conjunto de provncias que constituram o Imprio

    Romano neste perodo d-se o nome de Romnia Antiga.

    Com as invases germnicas no Ocidente e eslavas no Oriente,

    ocorreu uma grande ragmentao poltica e lingustica, e os povos a-

    lantes de latim localizados em provncias to distantes como a Dcia e a

    Lusitnia mantiveram traos de romanizao em graus variados, que de-

    pendiam, basicamente, da antiguidade da romanizao, do perodo emque ficaram submissas ao Imprio, e da proundidade dos contatos; es-

    sas provncias, ento, acabaram desenvolvendo dialetos mais ou menos

    prximos ao latim vulgar. O desenvolvimento da Romnia posterior, ou

    Romnia Medieval, deu-se em parte por causa desses atores, mas tam-

    bm dependeu dos contatos lingusticos com os povos alantes de outras

    lnguas que j se encontravam nos territrios conquistados (alantes das

    chamadas lnguas de substrato), com os alantes das lnguas dos povos

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    que vieram a conquistar os territrios romanizados (alantes das lnguas

    de superestrato) e com os povos alantes de lnguas como o grego, que

    conviveram com os alantes de latim em vrias regies em situao de

    bilinguismo por muito tempo (alantes de lnguas de adstrato).

    Com a queda do Imprio Romano, em 476 da nossa era, o conceito

    de Romnia passou, ento, a ser mais cultural e lingustico do que geo-

    poltico, e as regies que tiveram mais contato com a romanizao aca-

    baram por desenvolver dialetos derivados do latim vulgar, que viriam a

    se transormar nas lnguas romnicas como as conhecemos. As regies

    do Imprio que oram racamente romanizadas, como a Inglaterra, a

    regio dos bascos, parte da Blgica, o norte da rica e os Blcs, aca-

    baram desenvolvendo lnguas no romnicas, ainda que mantivesseminfluncias do latim vulgar como lngua de substrato.

    A Romnia Moderna compreende todos os territrios de ala ro-

    mnica aps o desenvolvimento das lnguas romnicas propriamente

    ditas, que inclui todos os territrios dominados pelos pases de ala

    romnica, como a Amrica do Sul, parte do Canad, alguns pases da

    rica e da sia, onde vemos o portugus, o espanhol e o rancs como

    lnguas oficiais at hoje.

    Podemos ter ideia de como os alantes dos romances j no enten-

    diam latim por volta do sculo IX atravs, por exemplo, do texto do Con-

    clio de ours, convocado por Carlos Magno em 813, que apresenta a de-

    ciso dos bispos de que se traduzissem as homilias (sermes religiosos)

    para a rusticam romanam linguam aut Teodiscam, quo facilius possint

    intellegere quae dicuntur, ou seja, para a lngua romana rstica ou para

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    a lngua germnica, para que se possam entender mais acilmente as coi-

    sas que so ditas. Isso j mostra a dierena radical entre a lngua latina

    oficial da Igreja, artificial, e as lnguas aladas na regio da Frana.

    J em 842 temos o texto dos Juramentos de Estrasburgo, documen-to mais antigo escrito em uma lngua romnica, que so juramentos de

    ajuda mtua pactuados pelos netos de Carlos Magno, Carlos, o Calvo, e

    Luis, o Germnico, contra seu irmo Lotrio. Esse o primeiro testemu-

    nho do romance ento mais claramente dierenciado do latim, que viria

    a se tornar a lngua rancesa. Vejamos um trecho dos Juramentos:

    Pro deo amur et pro christian poblo et nostro commun salva-

    ment, dist di in avant, in quant deus savir et podir me dunat, si

    salvarai eo cist meon fradre Karlo et in aiudha et in cadhuna cosa,

    si cum om per dreit son fradra salvar dist, in o quid il mi altresi

    fazet, et ab Ludher nul plaid nunquam prindrai, qui meon vol cist

    meon fradre Karle in damno sit.

    Pelo amor de Deus e pelo povo cristo e nosso bem comum, a par-

    tir deste dia, enquanto Deus me dar sabedoria e poder, eu darei socorro

    a meu irmo Carlos com minha ajuda e toda outra coisa, como se deve

    ajudar seu irmo por igualdade, condio que ele aa o mesmo pormim, e no passarei nenhum acordo com Lotrio que, de minha vonta-

    de, possa ser prejudicial a meu irmo Carlos.

    J se podem notar certos desenvolvimentos romnicos que viro a

    se confirmar nas lnguas romnicas todas, como o uturo sinttico salva-

    rai> salvare habeo e a sonorizao de oclusivas como emfradre>frater.

    3.2 Inovaes panromnicas

    Embora o desenvolvimento do latim vulgar para as lnguas rom-

    nicas tenha dependido de muitos atores, como a durao da romaniza-

    o nos territrios conquistados e o momento em que a romanizao se

    deu em cada local, possvel verificar certa uniormidade em algumas

    caractersticas das lnguas romnicas, que se deve a determinados en-

    menos de inovao que chamamos de panromnicos. Entre eles, pode-

    mos destacar os seguintes (c. CASRO, 2006, p.52):

    Localidades muito dis-tantes, como a Dcia oua Lusitnia, tendem adesenvolver dialetos maisarcaizantes, por exemplo.

    Texto disponvel em:. Acesso em: 05abr. 2010. Imagem dispo-nvel em: Acessoem: 05 abr. 2010. Traduonossa).

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    3.3 Influncias do substrato, superestrato e

    adstrato nas lnguas romnicas

    Muitas das influncias locais que o latim alado recebeu nas regies

    romanizadas se deveram s lnguas j existentes nessas regies anterior-

    mente chegada dos romanos. A essas lnguas chamamos de lnguas

    de substrato. natural percebermos que as populaes preexistentes ao

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    domnio romano alavam outras lnguas e acrescentaram ao latim que

    passaram a alar diversas caractersticas de suas lnguas, algumas ono-

    lgicas, outras lexicais. As influncias oram maiores em regies onde o

    latim ficou mais tempo em contato com as lnguas de substrato.

    O substrato da pennsula itlica oi basicamente o das lnguas it-

    licas, aladas pelas populaes que ali habitavam quando os romanos

    comearam as conquistas territoriais. rata-se de lnguas do ramo it-

    lico, aparentadas do latim, como osco, o umbro e o sablico. Uma das

    caractersticas incorporadas dos itlicos na passagem para as lnguas

    romnicas oi a assimilao de -nd- e -mb- em -nn- e -mm-, em regies

    onde antes se alava osco, como o centro-sul da Itlia.

    Os substratos mais importantes da regio da Frana, na regio

    dos Alpes e na regio do vale do P oram as lnguas celtas dos gau-

    leses. Os celtas invadiram grande parte da Europa por volta do s-

    culo VI a.C. e se estabeleceram nas Ilhas Britnicas, na Ibria (onde

    se mesclaram com os iberos, dando origem ao povo que conhecemos

    como celtiberos), no norte da Itlia e at na Galcia, na sia Menor.Do celta antigo no restou nada a no ser pelo testemunho que deixou

    no vocabulrio das lnguas influenciadas, mas as lnguas celtas que se

    desenvolveram a partir dele sobrevivem ainda hoje no irlands, esco-

    cs, gals, manques e breto.

    Os superestratos mais importantes para as lnguas romnicas o-

    ram, de um lado, os brbaros (germnicos no ocidente e eslavos no

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    oriente da Romnia) no perodo de queda do Imprio Romano, e os

    rabes, que invadiram e conquistaram o norte da rica, a Ibria e parte

    da Siclia por volta do sculo VIII.

    Dos povos germnicos que constituram reinos em lugares ondeanteriormente se alava latim, os mais importantes oram os visigodos,

    os vndalos, os burgndios, os alamanos, os ostrogodos, os nglios e

    saxes, os rancos, os normandos e os longobardos.

    Os vndalos vieram da Hungria e conquistaram uma regio na Ib-

    ria na qual ainda sobrevive o nome Andaluzia (derivado de Vandalucia).

    Os visigodos conquistaram grandes pores das atuais Itlia, Frana e

    Espanha, e oram aliados dos romanos por um perodo, at serem em-

    purrados para a Ibria pelos Francos, que os tiraram da regio da Franaem 507. Ali, o reino romano-gtico dos visigodos resistiu aos outros rei-

    nos brbaros at ser dominado pelos rabes em 711. A presena dos visi-

    godos na Ibria exerceu muita influncia no lxico dos romances locais,

    como na antroponmia (lvaro, Fernando, Aonso, Rodrigo, Gonalo),

    nomes comuns (gans>ganso,fat> fato, raupa> roupa, entre outros).

    Outro reino germnico importante como superestrato oi o dos

    rancos (de cujo nome derivou o atual termo Frana), que conquistou

    grande parte da Glia e posteriormente, vencendo os visigodos, parte

    da Ibria. No sculo VIII, Carlos Magno instaura o Sacro Imprio Ro-

    mano, um Estado ranco, numa tentativa de reunificar o Imprio, que

    abrangeu a Frana, grande parte da Itlia e da Espanha.

    Alguns emprstimos notveis dos povos germnicos oram ter-

    mos como werra> port.guerra, r.guerre, borg> port. burgo, r. bourg,

    it. borgo.

    O superestrato rabe oi importante pela presena desse povo porvrios sculos em grande parte da Pennsula Ibrica e do Mediterrneo.

    Aps conquistar o Egito e o norte da rica do Imprio Bizantino, os

    rabes l se instalam e conquistam grande parte da Pennsula Ibrica,

    onde ficaram do sculo VIII at o sculo XV, e de onde s saram aps

    longas guerras instauradas pelo chamado movimento de Reconquista

    (do qual alaremos no prximo Captulo). Muitas palavras dos roman-

    ces dessa regio vieram como emprstimos do superestrato rabe, e eles

    Tambm chamado Im-prio Romano do Oriente,que se inicia em 330 com

    a fundao de Constan-tinopla pelo imperador

    romano Constantino, paraservir como capital da

    seo oriental do Imprioe que segue existindo

    independentemente da

    queda do Imprio doOcidente at a tomadade Constantinopla pelos

    turcos em 1453.

    FatoVestimenta, em portu-

    gus europeu.

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    so reconhecidos normalmente pelo incio al-, como lcool, lgebra, al-

    caide, entre muitas outras.

    O superestrato eslavo oi mais importante na seo oriental da ro-

    mnia, especificamente na regio onde se desenvolveu o romeno. O ro-meno oi escrito com o alabeto cirlico por muito tempo e grande parte

    do seu vocabulrio de origem eslava, em virtude das invases eslavas

    na regio.

    A influncia do latim culto nas lnguas romnicas se deu de modos

    dierentes, em pocas dierentes, como os perodos do Renascimento

    Carolngio (do imprio de Carlos Magno), o Renascimento propria-

    mente dito a partir do sculo XIII, entre outros. Desse modo, em alguns

    perodos, ormas vulgares oram substitudas por ormas cultas, como a

    orma antiga portuguesa chor, que oi substituda pela orma latinaflor.

    Dependendo do modo como o emprstimo eito, a lngua mantm a

    palavra e recebe a outra em contextos especficos, como quando utiliza-mos cultismos como magnitude, do latim magnitudo, grandeza, mas

    mantemos os vocbulos derivados de ormas mais populares, como as

    derivadas degrandis, do latim vulgar.

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    3.4 As lnguas romnicas

    Portugus Espanhol

    Catalo

    Occitano Galo-Itlico

    Frnces

    Italiano

    Rtico

    Sardo

    Romeno

    Franco-Provenal

    Portugus

    Espanhol

    Catalo

    Occitano

    Frnces

    Franco-Provenal

    Galo-Itlico

    Legendas

    Italiano

    Rtico

    Romeno

    Sardo

    Mapa Os sistemas dialetais na Romnia Antiga. Adaptado de Ilari (1992, p. 169).

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    3.4.1 Romeno

    A provncia romana da Dcia oi conquistada pelo imperador ra-

    jano entre 101 e 106 da nossa era e oi abandonada pelo imperador Au-

    reliano em 270, sob presso dos visigodos e dos srmatas. Embora aocupao romana tenha sido muito breve, ela oi prounda o bastan-

    te para que um dialeto romnico se desenvolvesse ali. Dessa orma, as

    outras regies continuaram a ter contato com o latim medieval, mas

    a Dcia oi sendo ocupada por vrios povos, especialmente eslavos, o

    que explica grande parte das caractersticas bastante conservadoras do

    romeno. O eslavo oi a lngua de contato mais importante, pois a Igreja a

    adotou como lngua escrita, enquanto a populao alava o romance que

    viria a se tornar o romeno. Os primeiros textos em romeno so muitorecentes, tradues de textos religiosos do sculo XVI.

    O romeno apresenta quatro dialetos principais, o daco-romeno,

    alado hoje na Romnia e em algumas localidades prximas, na Bulg-

    ria e Hungria; o macedo-romeno, ou aromeno, encontrado em algumas

    regies na Grcia, Bulgria e Macednia; o megleno-romeno, alado na

    regio da essalnica, na Grcia, e em algumas localidades isoladas da

    sia Menor; e o strio-romeno, alado na pennsula da stria. O molda-

    vo, lngua da Moldvia, uma variedade bastante prxima do romeno.

    3.4.2 Dalmtico

    Uma lngua romnica morta, o dalmtico oi alado na antiga re-

    gio da Dalmcia, provncia romana situada na pennsula balcnica, e

    seu ltimo dialeto, da ilha de Veglia, oi extinto no sculo XIX. O dal-

    mtico mostraria que h uma continuidade dialetal entre o romeno e os

    dialetos romnicos da pennsula itlica, mas oi suplantado pelo servo-

    croata e por outros dialetos romnicos. Os documentos escritos em dal-mtico so pouco numerosos e os estudos se deveram principalmente

    a esoros de romanistas como Mateo Bartoli, que documentou todo o

    material existente nessa lngua.

    3.4.3 Italiano

    O grupo dos dialetos da regio da Itlia muito variado, e o ita-

    liano padro hoje na Itlia o dialeto da oscana, que oi estabelecido

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    como dialeto principal pelo esoro de autores como Dante, Boccacio

    e Petrarca, que o elevaram categoria de lngua nacional. No entanto,

    na pennsula itlica, bem como na Crsega, Sardenha e Siclia, muitos

    dialetos bastante variados ainda convivem com o toscano. possvel

    classificar esses dialetos em trs grandes grupos:

    O italiano setentrional: piemonts, lombardo, lgure, venezia-

    no, entre outros;

    O italiano central: toscano, corso, mbrico;

    O italiano meridional: campaniano, apuliano, calabrs, siciliano.

    Os dialetos italianos comeam a se desenvolver separadamente do

    romance por volta do sculo IX, e a prouso de maniestaes literriasa partir do sculo XII levou a um impasse, j que o grau de dierenciao

    entre os dialetos da Itlia sempre oi bastante grande. Dante, contudo,

    inspirado na lngua literria comum dos provenais, promoveu uma

    tentativa de identificar o dialeto italiano que tivesse a maior quantida-

    de de caractersticas comuns entre todos os dialetos, e acabou elegendo

    uma mescla de dialetos de prestgio, como o toscano e o florentino, para

    compor a sua Divina Comdia. Apesar da grande quantidade de pol-

    micas sobre a influncia que o toscano-florentino passa a ter depois, por causa desse mesmo prestgio literrio que esse dialeto acaba se

    tornando o dialeto preponderante da Itlia, dierentemente de outras

    regies, em que a eleio do dialeto-padro acaba seguindo critrios

    polticos, de prestgio ou de localizao.

    3.4.4 Rtico

    O que chamamos de rtico hoje , na verdade, um conjunto de

    dialetos alados na regio do extremo-norte da Itlia e na Sua, rela-tivamente semelhantes entre si, e que oram identificados como rema-

    nescentes de uma antiga aixa de dialetos reto-romance alados na pro-

    vncia romana da Rcia (Raetia), invadida pelos alamanos no sculo V.

    Os dialetos ali restantes acabaram sorendo presso das lnguas germ-

    nicas ao norte e dos dialetos do italiano ao sul e acabaram se isolando

    em trs pequenas regies na ronteira entre Itlia, Sua e ustria. A

    variedade mais oriental do rtico, localizada no canto dos Grises, na

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    Sua, compreende os dialetos chamados engadino e sobressilvano. A

    partir de 1938, a Sua reconhece o rtico dos Grises (tambm chama-

    do de romance) como lngua nacional, ao lado das trs lnguas oficiais,

    alemo, rancs e italiano. A variedade central do rtico, o ladino, ala-

    da no norte da Itlia e o riulano o dialeto rtico mais oriental, no nor-

    deste da Itlia. O rtico oi abordado num importante estudo de 1873 de

    G. Ascoli, chamado Saggi Ladini, que exps a questo da unidade dos

    dialetos e sua caracterizao. Linguisticamente, os dialetos rticos no

    se distinguem muito dos dialetos galo-itlicos e demais dialetos romni-

    cos, mas h uma caracterstica em especial que bastante interessante, e

    que aasta o rtico do romance oriental (italiano, romeno e dalmtico):

    a manuteno do s final latino nos substantivos (pectus>pez, mas port.

    peito, it. pettoe tempus > temps, mas port. tempo, esp. tiempo), cujaqueda, na maior parte dos dialetos orientais, gerou plurais em i (c.

    italiano ragazzi, meninos, e romeno lupi, lobos).

    3.4.5 Sardo

    O que chamamos de sardo um conjunto de dialetos alados na ilha

    da Sardenha, a oeste da Itlia. A Sardenha e a Crsega oram conquista-

    das pelos romanos j em 238 a.C., que l permaneceram por muito tem-

    po. Como a romanizao oi lenta, os dialetos do romance que se desen-volveram ali se mantiveram mais prximos ao latim em vrios quesitos,

    de modo que o sardo uma das lnguas romnicas mais conservadoras

    e arcaizantes. Podemos verificar, por exemplo, atravs do desenvolvi-

    mento de algumas palavras do sardo, que ele no desenvolveu certas

    mudanas que a maioria dos dialetos romnicos desenvolveu, como lat.

    domum> sar. domo, casa, quando a maioria das lnguas romnicas de-

    rivou casa do latim vulgar casa, como j vimos, e lat. scire> sar. ski-

    re, saber, que as outras lnguas romnicas derivaram do latim vulgarspere, provar, sentir o sabor de algo. Vrios traos onticos gerais

    corroboram esse carter arcaizante, como a manuteno da semivogal

    i em palavras como iugum> iugu(o portugus palatalizou a semivogal

    e ez jugo, assim como maior parte das outras lnguas romnicas), a

    conservao da articulao velar de c, mesmo antes de ee i(Cicero,

    em latim, era pronunciado Kikero; a maioria das lnguas romnicas

    ricativizou o c antes de e e i, de modo que temos o som /k/ antes de

    Diferentemente do sfinal do nominativo latinopresente na ortografiado francs, que no pronunciado, cf. fr. temps,pronunciado t.

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    a, o, e u e /s/ antes de e e i). Outra caracterstica interessante do sardo

    o desenvolvimento do artigo definido a partir do demonstrativo ipse,

    ipsa, ipsum, do latim, ao invs do pronome ille, illa, illud, como ocorreu

    nas outras lnguas romnicas. Assim, em sardo temos so, sa, sos, sas, e

    em portugus, o, a, os, as.

    Os dialetos mais importantes do sardo so o logudors, o mais re-

    presentativo; o campidans, do sul da ilha; o galurs, no territrio da

    Gallura, no nordeste; e o sassurs, ao redor da regio da Sassura, no

    noroeste.

    ALEMES

    RTICOS

    FRANCO-PROVENAIS

    PROVENAIS

    ITALIANOSSETENTRIONAIS

    TOSCANOS

    ITALIANOS CENTRO-MERIDIONAIS

    GALURIANOS

    CORSICOS

    ESLAVOS

    SARDOS

    campidaneses

    logudoreses

    toscanos

    italianos setentrionais (IS)

    crsicos galurianos

    sardos

    provenais (Pr.) franco-provenais (FPr.) catales (C)

    rticos

    albaneses (Al)

    gregos (G)

    eslavos (E)

    alemes (A)

    romenos (R)

    italianos centro-merdionais

    calabreses

    salentinos

    lucanos

    campanianos

    aplicossetentrionais

    abruzesesmolisanos

    marquigianovsv

    mbrios

    lacais

    genoveseslunigianos

    piemontesesvnetos

    lombardos friulanos eslovenos

    croatasromenos

    Carloforte (Gen.)

    Alghero

    Cargese

    Bonifcio (Gen.)

    Guardia (Pr.)

    S. Fratello(IS)

    Nicosia(IS)Piana dei Creci (Al)

    S. Michele diGanzaria (Al)

    NovaraPiazza (IS)

    Bova (G)

    Faeto

    Badessa (Al)

    (Al)

    (Al)

    (C)

    (C)

    (A)(A)

    (A)

    (A)

    (Al)(E)

    (G)

    (Al)

    (FPr)

    Aosta

    Gressoney

    VII Comuni

    XIII Comuni

    CantonTicipo

    Veglia

    EmilianiRomagnoli

    limite poltico anterior guerra

    limite dialetais maiores

    limite dialetais menores

    Mapa Lnguas e dialetos na Itlia do sculo XX. Adaptado de Ilari, (1992, p. 186).

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    3.4.6 Francs

    O rancs a lngua romnica desenvolvida na regio da antiga G-

    lia, derivada do conjunto de dialetos medievais identificados como lan-

    gue doil, em oposio ao grupo identificado como langue doc (dialetosdo provenal). A oposio se d a partir do vocbulo utilizado para di-

    zer sim, oilou oc, e a distribuio dos dois conjuntos geograficamente

    marcante. A langue doil se desenvolveu no norte da Frana e Blgica de

    ala romnica e apresentava muitos dialetos dierentes, que acabaram

    por sucumbir ora poltica e cultural do dialeto de Paris. Assim, o

    rancs padro culto hoje basicamente equivalente ao dialeto de Paris,

    assim como o italiano padro, que se identificou com o dialeto toscano-

    florentino. No entanto, isso se deu principalmente pela importncia po-ltica da Frana ao longo dos ltimos sculos, azendo com que muitos

    dialetos doilossem incorporados pelo rancs literrio.

    O rancs uma das lnguas romnicas que apresentaram mais

    inovaes com relao ao latim. Isso se d em grande parte pela rapi-

    dez com que certas mudanas, tpicas de todas as lnguas romnicas, se

    deram em rancs. Um exemplo a tendncia das oclusivas surdas a se

    sonorizarem e depois se transormarem em ricativas. O rancs apre-

    sentou essas mudanas mais rapidamente, de modo que uma nova etaparequentemente se encontra aps a ricativizao: a perda da consoante,

    seguida de encontros voclicos que se monotongam. Um exemplo ca-

    racterstico aqua> eau(pronunciado ).

    Uma das caractersticas inovadoras do rancs que decorrem da

    rapidez nas inovaes onticas a obrigatoriedade da presena do

    pronome pessoal na conjugao dos verbos: como muitas desinncias

    nmero-pessoais tm a mesma pronncia, undamental a presena do

    pronome jaime, tu aimes (sem pronunciar o s), il aime, ils aiment,

    todos pronunciados igualmente, exceto pelo pronome.

    ambm em virtude dessas inovaes onticas rpidas, a ortogra-

    fia do rancs uma das mais peculiares entre as lnguas romnicas, pois

    muitas palavras mantm ortografias mais antigas que no do conta de

    representar a pronncia da palavra de modo mais aproximado.

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    3.4.7 Provenal

    O provenal, do antigo grupo chamado de langue doc, um dos

    dialetos do ocitnico, com o qual muitas vezes se conunde, e alado

    ainda hoje em uma extensa rea do sul da Frana. As dierenas prin-cipais com relao ao grupo das lnguas doil que, enquanto o norte

    oi dominado pelos rancos, o sul oi dominado pelos visigodos. No sul

    provenal, predominou o direito escrito, em oposio ao consuetudin-

    rio do norte, o que avoreceu um contato maior com o latim culto no

    sul, propiciando caractersticas mais conservadoras em oposio s mu-

    danas onticas mais radicais no norte. Vrias caractersticas de con-

    servadorismo ontico podem ser vistas nas comparaes a seguir: lat.

    caprumcabra > prov. cabro, r. chivre, lat. canem, co > prov. can, r.chien, lat. cor, corao > prov. cor, r. coeur.

    O provenal se desenvolve muito cedo, e j possvel encontrar tra-

    os do lxico e rases soltas em documentos dos sculos VII a IX, e o pri-

    meiro documento totalmente em provenal um testamento de 1102.

    No entanto, uma grande tradio literria iria se desenvolver a partir

    das poesias lricas dos trovadores, cujo auge se deu entre os sculos XI e

    XIII. Uma das caractersticas mais interessantes do movimento literrio

    dos trovadores o uso de uma espcie de koin(lngua comum) liter-ria, com pouca variao dialetal entre as regies e autores dierentes, e

    mesmo trovadores de outras regies, como da Itlia ou da Catalunha,

    escreviam nessa koinliterria provenal. A popularidade do provenal

    durou at meados do sculo XIV, por causa de guerras contra os albin-

    genses. Houve pelo menos dois grandes movimentos de renascimento

    literrio do provenal: um no sculo XVI e outro no sculo XIX, e a

    lngua ainda alada no sul da Frana, ainda que em um territrio bem

    menor do que aquele ocupado entre os sculos XI e XIV.

    3.4.8 Franco-provenal

    O ranco-provenal um conjunto de dialetos alados no centro-

    leste da Frana na ronteira com a Itlia e a Sua, pases em que tam-

    bm h alguma extenso coberta por eles. No possvel caracterizar o

    ranco-provenal como rancs ou como provenal porque ele apresenta

    caractersticas de ambos, e constitui uma lngua dierente. H vrios do-

    So conhecidos nomes demais de 400 poetas lricos

    provenais!

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    cumentos escritos j nos sculos iniciais da independncia do romance,

    mas pouca literatura oi escrita em ranco-provenal.

    Como caractersticas lingusticas importantes, temos o vocalismo,

    que se aproxima do provenal, e o consonantismo, que se aproxima dorancs. Assim, do latimpanetemos em ranc.prov.pan, em prov.pan,

    mas em rancs pain, e do latim casa temos ranc.prov. chieu, r. chez,

    mas prov. casa. O ranco-provenal mantm o o final latino, enquanto

    que o provenal e o rancs, no, por exemplo lat. vulg. quattro> ranc.

    prov. quatro, r. quatre e prov. quatre. Outra caracterstica do ranco-

    provenal a grande quantidade de elementos pr-romanos no lxico,

    em virtude do isolamento geogrfico da regio, em geral montanhosa.

    Langue doil

    Breto

    Basco

    Angevino

    Valo

    Picardo

    Normando

    D. de Berry

    Borgonhs

    Alemo

    Flamengo

    Romando

    Lyon

    Italiano

    Provenal

    Bearns

    Linguadcio

    Bordus

    Limosino

    Pictavo

    Auverns

    Saboiano

    LorensParis

    frncico

    Franco provenal

    Langue doc

    Mapa Os dialetos galo-romnicos antes da absoro pelo francs. Adaptado de Ilari (1992, p. 183).

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    rataremos das lnguas ibero-romnicas, o catalo, o castelhano e o

    portugus, no prximo captulo, em virtude da maior afinidade temti-

    ca. Por ora, vejamos a tabela e os mapas apresentados a seguir como um

    resumo das lnguas romnicas, suas filiaes e sua geografia.

    Classificao das Lnguas Romnicas

    Balcano-Romnico Italo-Romnico Galo-Romnico Ibero-Romnico

    Romeno

    DalmticoItalianoRticoSardo

    FrancsProvenalFranco-provenal

    CataloEspanholPortugus

    Mar Mediterrneo

    Mar Mediterrneo

    MarNegro

    Daco-Romeno

    Megleno-Romeno

    Catalo

    Galego

    PortugusCastelhano

    Basco

    Gasco

    Frnces

    Provenal(Occitano)

    frica

    Sardo

    Corso

    Malts

    Italiano

    GrciaTurquia

    Bulgria

    Moldavo

    Hungria

    Iugoslvia

    MacedniaMcedo-Romeno

    Albnia

    Crocia

    BsniaVeglioto

    Eslovnia

    ustria

    AlemanhaBlgica

    Inglaterra

    Irlanda

    Sua

    Franco-Provenal

    Oceano Atlntico RticoCentral

    RticoOcidental

    RticoOriental

    MarTir

    reno

    MarAdritic

    o

    Dalmtico

    Limites polticos

    Limites lingusticos

    Istrio-Romeno

    Mapa As lnguas romnicas e alguns de seus dialetos na Europa atual. Adaptado de Basseto,(2005, p. 379).

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    Resumo

    Nesta unidade, fizemos um percurso sobre a histria do latim, in-

    vestigando suas origens no protoindo-europeu, suas dierentes ases e

    sua ragmentao nos vrios dialetos que posteriormente resultaram

    nas lnguas romnicas. Vimos tambm algumas noes-chave da lin-

    gustica histria como a histria interna e a externa, regras de mudanas

    ontico-onolgicas etc. com essas erramentas que abordaremos a

    histria do portugus nas prximas unidades.

    Leia mais!

    Se voc quiser se aproundar sobre a lingustica romnica, ou seja, sobreo estudo da ormao e estrutura das lnguas romnicas, h vrios livrosmuito bons sobre o assunto, alguns dos quais citamos nas Referncias.O leitor interessado pode comear, por exemplo, por Lingstica Rom-nica, de Ilari (1992), que um manual introdutrio voltado a um stempo histria externa e interna das lnguas romnicas. De um pontode vista mais filolgico, o leitor pode consultar Elementos de FilologiaRomnica, de Bassetto (2005), no qual encontrar mais inormaessobre a histria externa. H ainda o importante manual de Lausberg(1974), intitulado Lingstica Romnica; e Introduccin a la Filologa Ro-

    mnica, de Renzi (1982), ambos bastante amplos e ao mesmo tempoproundos. Certamente h inmeros outros livros e artigos que lidamcom a lingustica romnica e com a ormao das lnguas romnicas,mas o leitor pode comear pelos livros citados e, a partir deles, um ver-dadeiro mundo de estudos se abrir.

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    Unidade BHistria do portugus

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    A Pennsula Ibrica e suaformao lingustica

    O objetivo deste captulo abordar a Pennsula Ibrica como um todo,apresentando as principais lnguas que ali se desenvolveram. Tambm proce-

    demos a uma histria especfica do desenvolvimento lingustico das lnguas

    romnicas da Pennsula.

    Introduo

    Continuando o captulo anterior, voltaremos agora nossa olhar

    para as principais lnguas romnicas da Pennsula Ibrica. Na sequn-cia, apresentaremos um histrico da ormao da Pennsula e do desen-

    volvimento dessas lnguas.

    4.1. Catalo

    O catalo , hoje, a lngua nativa de mais de 5 milhes de pessoas.

    a lngua oficial de Andorra e de vrias regies da Espanha, especial-

    mente da comunidade autnoma da Catalunha, no nordeste, alm dealguns territrios na Frana e na Itlia, nas proximidades da ronteira

    com a Espanha.

    O catalo uma lngua derivada do chamado pan-ibero-romance,

    o romance alado na Pennsula Ibrica que, por volta do sculo X, ainda

    era relativamente uniorme ao longo da pennsula. Ao longo do perodo

    da Reconquista, o catalo acaba se dierenciando bastante do espanhol e

    do portugus. A histria do catalo se divide em trs ases: a ase nacio-

    nal, dos primrdios at o sculo XV; a ase da decadncia, at o sculoXVIII; e a ase do renascimento, do sculo XIX em diante. Durante a

    ase nacional, o catalo era alado pela maioria dos habitantes do reino

    de Arago e rivalizava com o latim literrio e com o provenal, lngua