história da igreja católica

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HISTRIA DA IGREJA CATLICA 1. O terreno onde a semente foi plantada H quase dois mil anos, o mundo mediterrneo era controlado por Roma. O Grande Imprio se estendia da Sria at Portugal, das Ilhas Britnicas at o Egito. Fundado pelo gnio de Otvio Augusto, que soube concentrar em suas mos o poder sem destruir as aparncias da Repblica, o Imprio vivia, no incio da nossa era, um perodo de paz e prosperidade (Pax Romana). O helenismo, a influncia dos costumes e do pensamento gregos sobre o mundo mediterrneo, estimulava o gosto pelas coisas espirituais (estoicismo, platonismo). Uma grande efervescncia religiosa atingia todas as camadas da sociedade. O panteo romano, retocado pelo Olimpo grego, conservava seu prestgio e contava com inmeros fiis devotos. Mas existiam outras correntes se desenvolvendo. Pregadores anunciavam seus deuses em cada canto do Imprio. Vindos do Egito, atravs de Alexandria, chegavam os mistrios de sis e de Serpis. Os fencios adoravam seus baalins. Em Roma, havia o culto sensual da deusa Cibele, me de Pessinonte. O orfismo afirmava a existncia de mediadores entre Deus e os homens - para os pitagricos, um Logos. As almas mais inquietas e sedentas de eternidade se voltavam para Mitra, o deussol dos arianos, cujo culto se fortalecia com a astrolatria caldia. Uma enorme diversidade de sincretismos e supersties pululava por toda a parte. Trazido do Oriente, desenvolvido pelos sucessores de Alexandre Magno, o culto ao soberano se implantou no Imprio. Quando morria um imperador, logo surgia um culto oficial sua divindade. Nas provncias orientais, o imperador era adorado ainda em vida. No meio dessa babel de crenas, um povo fazia questo de manter-se fiel a um s Deus, fugindo de toda contaminao pag. Na Dispora ou na Palestina, o pequeno povo de Israel jamais havia esquecido a f dos antepassados, Abrao, Isaac e Jac, e de como Yahweh os tinha libertado da escravido no Egito. Tinha conscincia do seu status superior, de ser uma raa escolhida e predestinada por Deus, herdeira das promessas divinas. Entre Yahweh e o seu povo havia um lao, a Tor, a Lei que Moiss recebera no monte Sinai e que tinha de ser observada zelosamente. A Lei era uma coletnea de preceitos ticos e religiosos fixados em um conjunto de cinco livros sagrados, o Pentateuco. Ao lado do Pentateuco existiam outros livros, de cunho histrico, proftico, potico, salmos... A sua coleo formava as Escrituras Sagradas do judasmo. Na poca de Jesus ainda no havia um cnone fixo das Escrituras. S depois, no final do sculo III, surgir uma definio mais rigorosa. Ao lado dos livros, havia entre os judeus uma tradio oral, transmitida de pai para filho. O sindrio, tendo a frente o sumo sacerdote, e os escribas, era o responsvel pela guarda da Lei. Jerusalm, a cidade sagrada, e seu templo, eram o centro

da religiosidade dos judeus. Fora da Palestina, o judasmo alexandrino comeava a assimilar elementos do platonismo e do estoicismo. Flon de Alexandria (13 a.C. a 54 d.C.) construiu um sofisticado sistema teolgico e filosfico que integrava as Escrituras com certas correntes do pensamento grego. Tal movimento influenciava profundamente as comunidades judias da Dispora e preparava o caminho para o desenvolvimento da teologia crist. Na Terra Santa, qualquer tentativa de assimilao com o helenismo era fortemente repelida. Antoco Epfanes teve a ousadia de colocar um Jpiter olmpico no templo de Jerusalm e por isto enfrentou a ira dos Macabeus. Uma verdadeira guerra santa. Mesmo quando Roma reduziu Israel condio de simples vassalo, o povo de Deus se apegou mais ainda f de seus pais e se uniu aos fariseus, sucessores dos piedosos (hasidim) da poca dos Macabeus. Os fariseus tinham uma espiritualidade centrada na meditao e no cumprimento da Tor. Para eles o pai judeu que ensinasse grego ao seu filho era maldito. Impunham uma rgida observncia do Sbado. Cuidavam para que os menores mandamentos fossem sempre respeitados. Acreditavam na imortalidade da alma, na ressurreio, na existncia de anjos, contrariando os ensinamentos dos saduceus, os quais s reconheciam o Pentateuco. Os zelotas, rebeldes que combatiam a dominao romana pela luta armada, encarnavam o nacionalismo judeu em sua forma mais fantica e intransigente. Os essnios, segundo Flvio Josefo, se estabeleciam em vrias cidades e eram numerosos. A comunidade essnia de Qumr se diferenciava por seu estilo de vida cenobtico. Os Manuscritos do Mar Morto, encontrados recentemente, nos deram mais informaes sobre este grupo em particular. "Quando, porm, chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a Lei..." (Gl 4,4). 2. O Messias Nazar era apenas uma pequena povoao, uma aldeia entre tantas outras da regio da Galilia. Quem passasse por ali veria um ajuntamento desordenado de casas em uma encosta rochosa, com uma fonte nas proximidades, cuja gua havia atrado seus primeiros habitantes. Nazar no tinha boa fama. Ainda hoje existe um ditado na Palestina que diz: "A quem Deus quer castigar, com uma nazarena o faz casar". E Natanael, ao saber que Jesus era de l, perguntou a Filipe: "De Nazar pode vir algo bom?". Neste lugar desprezado por todos vivia uma jovem, desposada por um carpinteiro chamado Jos. Embora provavelmente no chamasse a ateno, a no ser por sua profunda piedade, f e pureza de corao, tinha sido ela a escolhida, a eleita de Deus para ser a Me do Messias. O salvador esperado por Israel e profetizado nas Escrituras, que libertaria o povo da opresso e

implantaria um Reino maior que o de David. Maria, a cheia de graa, soube por um anjo qual era a deciso de Deus... e disse sim. Adotado por Jos, Jesus nasceu em Belm, na Judia, talvez entre os anos 6 e 7 antes da nossa era (outros situam o seu nascimento entre 4 e 5 a.C. - h controvrsias; o monge srio Dionsio, o Pequeno, no sc. VI, cometeu um erro na hora de fixar a diviso em a.C. e d.C., adiantando a data do nascimento de Jesus em alguns anos). Durante trinta anos viveu "escondido". Ajudava o pai e a me, cuidava de tarefas domsticas, estudava a Tor, aprendia o ofcio de carpinteiro, "crescia em sabedoria, em estatura e em graa, diante de Deus e diante dos homens" (Lc 2,52). Um dia, arrumou suas ferramentas, despediu-se de sua me, e partiu rumo ao rio Jordo, onde seu primo, Joo Batista, pregava e batizava. Depois de ser batizado e de passar algum tempo no deserto, Jesus d incio ao seu ministrio pblico. Escolhe doze apstolos - os fundamentos de sua Igreja, entre os quais se destacam Pedro, Tiago e Joo. Atravessa a Palestina vrias vezes realizando milagres e pregando o Reino de Deus. Boa parte dos seus ensinamentos so proferidos na Galilia: a orao do Pai Nosso, as bemaventuranas, o anncio da paixo... Sua viso da Lei e seu modo de agir incomodam os responsveis pela religio oficial que comeam a tramar meios para elimin-lo. O modo como se relaciona com Deus - seu Pai, e a afirmao velada de sua divindade, eram intolerveis para os fariseus e os escribas. No final do ano 29, Jesus desce lentamente para Jerusalm. Sabe que sua hora est prxima. A festa do domingo de Ramos logo sucedida pela priso, pelo processo diante de Pncio Pilatos, procurador romano, e pela condenao morte na cruz. Provavelmente no dia 14 de Nis do ano 30, ou 7 de abril no nosso calendrio, uma sexta-feira, Jesus de Nazar morre crucificado juntamente com dois ladres. No madeiro, uma placa com a inscrio: Jesus de Nazar, rei dos Judeus, escrita em hebraico, grego e latim. Ao p da cruz, estavam um grupo de mulheres, incluindo sua me, e um discpulo. Depois do suplcio, o corpo de Jesus colocado por alguns seguidores em um sepulcro ali perto. Tudo parecia terminado. fcil aceitar que Jesus morreu. Mas sua ressurreio algo que escandaliza, que parece ferir o bom senso e a razo. No entanto, exatamente isto que os apstolos testemunharam trs dias depois do "desastre" em Jerusalm. Jesus ressuscitou, ele vive! A ressurreio o fulcro, a base de toda a f crist: "...se Cristo no ressuscitou, ilusria a vossa f..." (1Cor 15,17). Jesus apareceu vrias vezes aos apstolos. Deixou-lhes instrues, preparouos mais um pouco para o que viria a seguir. Quarenta dias depois da Pscoa, "subiu aos Cus", no sem antes prometer outro Parclito para conduzir a sua

Igreja.

3. Nasce a Igreja Os Evangelhos mostram a Igreja como um barco, no qual Jesus est presente, embora em alguns momentos parea estar dormindo (Mt 8,23-27). O mar que este barco atravessa a Histria, s vezes calmo, outras vezes turbulento e ameaador. H quase dois mil anos o barco saiu de seu porto. No sabemos quando chegar ao seu destino, mas temos certeza de que Jesus nunca o abandonar. A Igreja um projeto que nasceu do corao do Pai, prefigurada desde o incio dos tempos, preparada na Antiga Aliana com Israel, instituda por Cristo Jesus. A Igreja o Reino de Deus misteriosamente presente no mundo. Ela se inicia j com a pregao de Jesus. Foi dotada pelo Senhor de uma estrutura que permanecer at o fim dos tempos. Edificada sobre Pedro e os demais apstolos, dirigida por seus legtimos sucessores. A Igreja comea e cresce do sangue e da gua que saram do lado aberto do crucificado. Nela se conserva a comunho eucarstica, o dom da salvao oferecido por Jesus em nosso favor. A Igreja indefectivelmente santa, sem mancha e sem ruga, porque o prprio Deus nela habita, santificando-a por sua presena. O pecado dos fiis no lhe pertence. S em sentido derivado e indireto se pode falar de "Igreja pecadora". Em Pentecostes, "a Igreja se manifestou publicamente diante da multido e comeou a difuso do Evangelho com a pregao" (Ad Gentes, n. 4). Pentecostes do ano 30. Todos reunidos: os apstolos, Maria, parentes de Jesus, algumas mulheres. Um rudo de ventania desce do cu. Lnguas como de fogo surgiram e se dividiram entre os presentes. Todos ficaram repletos do Esprito de Deus e comearam a falar em outras lnguas. Esta assemblia inicial, esta kahal, ekklesia, igreja, o princpio. Depois do prodgio das lnguas, Pedro dirigiu-se multido reunida na praa e fez uma memorvel pregao. Muitos se converteram, especialmente judeus vindos da Dispora. Estes levaram a Boa-Nova aos seus locais de origem, o que provocou o surgimento, bem cedo, de comunidades crists em Damasco, Antioquia, Alexandria e mesmo em Roma. Alguns helenistas, no entanto, permaneceram em Jerusalm. Para cuidar de suas necessidades materiais, os apstolos escolheram sete diconos.

Filipe, um dos sete, evangelizou em Samaria (foi l que Simo, o Mago, ofereceu dinheiro aos apstolos Pedro e Joo em troca do Esprito Santo, donde o termo simonia - trfico de coisas sagradas e de bens espirituais) e anunciou Boa Nova a um etope, funcionrio da casa real de Candace. Estevo era o dicono que mais se destacava. Por sua pregao incisiva, detido pelas autoridades judaicas, julgado e apedrejado como blasfemador. Torna-se o primeiro mrtir da Histria da Igreja. Enquanto assassinado, perdoa os seus perseguidores e entrega, confiante, a sua vida nas mos de Jesus. O manto de Estevo foi deixado aos ps de um jovem admirador do ideal farisaico chamado Saulo.

4. "Por que me persegues?" Saulo, Schaoul, natural de Tarso da Cilcia, filho da tribo de Benjamim, a mesma do rei David. Filho de comerciantes ricos, cidado romano, ligado seita dos fariseus, aluno do glorioso rabino Gamaliel, zeloso defensor da Tor. Depois de oito dias atravessando a estrada arenosa que ligava Jerusalm a Damasco, o corao cheio de fria, inflamado pelo fanatismo religioso, Saulo estava cansado mas prosseguia com obstinao. Era mais ou menos meio-dia. Subitamente, uma luz muito forte o envolveu e o fez cair por terra. Enquanto tentava compreender o que estava acontecendo, ouviu uma voz: "Saulo, Saulo, por que me persegues?" Assustado, perguntou: "Quem s, Senhor?" A voz lhe respondeu: "Eu sou Jesus a quem tu persegues". "Senhor, que queres que eu faa?" A voz disse: "Levanta-te, entra na cidade. A te ser dito o que deves fazer". Saulo, o perseguidor, converteu-se no grande arauto do cristianismo, um caso nico. Algum que no chegou a conhecer Jesus pessoalmente, que no fazia parte dos doze, mas que se lanou na difcil misso de evangelizar os povos pagos, percebendo que no era necessrio passar pelo judasmo para se

tornar discpulo de Jesus. Embora Pedro j tivesse aberto a porta da Igreja para os gentios, Saulo, ou Paulo, merece sem dvida o ttulo de Apstolo das Gentes. Em 44, achava-se na cidade de Antioquia (foi l que pela primeira vez os discpulos de Jesus receberam o nome de "cristos") com Barnab. Ao longo de um ano trabalharam juntos. Na primavera de 45, tomaram um barco para a ilha de Chipre e depois seguiram para a Panflia, percorrendo, em seguida, a Licania. Paulo entrava nas sinagogas, pregava, procurava demonstrar que Jesus era o Messias esperado usando as Escrituras. Depois, voltava-se para os pagos e anunciava-lhes a Boa-Nova. Sempre encontrou muitos obstculos no seu ministrio, principalmente a oposio de seus irmos de raa. Quando voltou para Antioquia entrou em confronto com os judaizantes, que impunham o rito da circunciso como pr-requisito para seguir Jesus. A controvrsia levada at Jerusalm, diante de Pedro, Tiago e Joo (o famoso Conclio de Jerusalm, cerca de 49), os quais aprovam o procedimento de Paulo. Para salvar-se o que importa no a circunciso, mas a f em Cristo que opera pela caridade. Isto selou o rompimento do cristianismo com o judasmo. Em 49, Paulo sai de Antioquia para uma viagem de trs anos. Deixa Barnab e toma Silas como companheiro. Na cidade de Listra, Paulo e Silas encontram Timteo e seguem atravessando a Frgia e a Galcia, alcanando a Macednia. Em Filipos so presos. Em Tessalnica so acusados de adversrios do imperador pelos judeus, porque diziam que Jesus era rei. Em Beria, a sinagoga escuta atentamente a pregao de Paulo, comparando suas palavras com o que havia nas Escrituras. Quando entra em Atenas, fica impressionado com a enorme quantidade de dolos e monumentos aos deuses. Discute com os atenienses na gora, tentando usar um pouco da linguagem da filosofia para lhes falar de Jesus. Quando trata da cruz e da ressurreio, no entanto, ridicularizado. Crer que um escravo crucificado saiu de seu tmulo era demais para a sofisticao intelectual grega. Logo a seguir desce para Corinto, cidade porturia, na qual existem dois escravos para cada homem livre. L, onde trabalha muita gente vinda do Oriente, o acolhimento do Evangelho maior do que em Atenas. Como fabricante de tendas, Paulo fica na cidade por dezoito meses. Neste perodo envia suas duas cartas aos Tessalonicenses. Aps uma breve escala em feso, Paulo volta para a Sria pelo mar. Em 53, Paulo realiza sua terceira viagem missionria, a mais demorada de todas. Escolhe feso como base de ao (54-57), de onde envia a epstola aos Glatas e a primeira epstola aos Corntios. Em Corinto estavam surgindo divises que enfraqueciam seriamente a comunidade.

Um fabricante de estatuetas de rtemis provoca um grande tumulto em feso, contra os cristos, o que obriga Paulo a partir. O apstolo segue para a Macednia, onde escreve a segunda epstola aos Corntios. Fica em Corinto novamente e de l redige a carta aos Romanos, pedindo ajuda para efetuar uma viagem evangelizadora at a Espanha. Antes disso preciso ir at Jerusalm levar a coleta feita no Oriente em favor da Igreja-me. Saindo de Filipos, ele passa por Trade e depois chega a Mileto. Aos efsios, que foram encontrar-se com ele, confidencia que no espera mais v-los. Em Cesaria tentam det-lo. No ano de 58, em Pentecostes, encontra-se na cidade santa. Quase linchado, preso. Quando vai ser flagelado, apela para sua condio de cidado romano, e faz com que o enviem a Cesaria, onde mora o procurador Flix. A questo se arrasta por dois anos. O sucessor de Flix, Festo, cansado de ouvir os apelos de Paulo a Csar, envia-o para Roma. Quando finalmente chega capital do Imprio, passa dois anos em liberdade vigiada, correspondendo-se com as comunidades de Colossas, feso e Filipos. Neste ponto se encerra a narrativa dos Atos dos Apstolos. As epstolas a Tito e a Timteo so de um segundo cativeiro, na poca da perseguio de Nero.

5. As primeiras comunidades crists O que mais impressiona nas primeiras comunidades o fervor e a coragem dos cristos. Diante das autoridades e dos lderes religiosos do seu tempo, os fiis no temem confessar que Jesus o Messias. A presena do Esprito Santo muito viva. Cada igreja local tinha seus ministros, apstolos, profetas, doutores... Todo o fiel recebia de Deus carismas especiais, que devia colocar disposio da comunidade (dom de lnguas, sabedoria, cura, ensino...). A atuao feminina era expressiva, mas no havia confuso entre o papel do homem e o papel da mulher (a sociedade romana era muito machista e tratava a mulher como se fosse propriedade do marido; as crianas tambm eram desprezadas, podendo ser rejeitadas ou abandonadas prpria sorte pelo pai tudo isto muda entre os cristos). Em Cristo no h diferena de dignidade entre grego e judeu, homem e mulher, escravo (a sociedade romana era escravocrata) e livre. Todos se reuniam para celebrar a eucaristia (ou frao do po) especialmente no domingo (que substituiu o sbado como o stimo dia dos cristos, por causa da ressurreio do Senhor), oravam em comum, partilhavam seus bens, ajudavam os pobres. O rito de iniciao crist era o batismo, no qual os efeitos da morte redentora de Cristo eram aplicados sobre o crente. Havia ainda a imposio de mos, ou Crisma, atravs da qual o fiel confirmava o seu compromisso e assumia uma misso na comunidade, e a uno dos enfermos, que servia para curar e confortar os doentes.

Uma fonte importante sobre a vida das comunidades crists do final do sc. I e incio do sc. II a Didaqu, ou Instruo dos Doze Apstolos, uma espcie de catecismo primitivo. A primeira parte da Didaqu apresenta os dois caminhos que o homem pode escolher: o da vida e o da morte. Seguem-se orientaes para a conduta dos fiis e exortaes. Na segunda parte h uma descrio da vida sacramental e da orao. O batismo feito em nome do Pai, do Filho e do Esprito Santo e, quando a imerso no possvel, a gua pode ser simplesmente derramada trs vezes sobre a cabea de quem vai receber o sacramento. Os crentes devem jejuar duas vezes na semana e rezar o Pai Nosso trs vezes por dia. A celebrao dominical (Missa) o sacrifcio verdadeiro que cumpre a profecia de Ml 1,10s. Antes de se realizar a frao do po os fiis fazem uma espcie de ato penitencial (exomologese). A Didaqu tambm fala de apstolos, profetas inspirados pelo Esprito Santo (os quais chama de sumo sacerdotes) e mestres que percorrem as igrejas. Bispos e diconos so escolhidos pelos fiis, com a mesma dignidade dos profetas e dos mestres. Por ltimo, adverte contra os "falsos profetas e corruptores", e contra o anticristo que vir quando o fim estiver prximo. Aqueles que perseverarem na f durante a grande tribulao sero salvos. Depois que o cus se abrirem, aps o soar da trombeta e a ressurreio dos mortos, "o mundo ver o Senhor vindo sobre as nuvens do cu". Sobre a penitncia, j lemos no evangelho de Joo (Jo 20,21-23) que Cristo conferiu aos apstolos o poder de perdoar pecados. Paulo, em sua primeira carta aos Corntios, condena um caso de incesto e excomunga os responsveis, esperando que com isto eles se arrependam e retornem para o Senhor. Na epstola de Tiago h uma exortao para a confisso dos pecados (Tg 5,16-18). H casos, porm, de faltas graves para as quais se hesita em reconhecer a possibilidade de remisso (Hb 10,26ss; ver tambm a distino que o apstolo Joo faz entre pecados que levam morte e pecados que no levam morte, 1Jo 5,16). Quem renega a f no encontrar misericrdia para seu crime, segundo o autor da carta aos Hebreus. Os primeiros cristos eram geralmente gente simples, das camadas sociais mais baixas. Exteriormente no se distinguiam das outras pessoas do seu tempo, mas viviam de modo honesto e digno. Procuravam ser obedientes s autoridades e oravam pelos governantes. frente de cada comunidade havia epscopos, ou ento um colgio de presbteros. Havia tambm diconos, que cuidavam da administrao e da distribuio dos bens entre os necessitados. Tanto os epscopos como os presbteros e os diconos eram ordenados atravs da imposio de mos. Esta estrutura ministerial, ainda no muito precisa, deu origem hierarquia da Igreja tal como a conhecemos hoje. Com Santo Incio de Antioquia as coisas ficaro mais claras: "Que todos, assim como reverenciam Cristo, reverenciem os diconos, o bispo, que a imagem do Pai, e os presbteros, que so o Senado de Deus, a Assemblia dos Apstolos". No incio do sculo II, este regime se impor naturalmente entre as

igrejas da sia. O que no se pode negar que, desde os seus primrdios, a Igreja possui uma constituio hierrquica, formada pelos apstolos e por Pedro, e que esta constituio foi transmitida sempre e ininterruptamente atravs do sacramento da Ordem. Os apstolos fundaram comunidades e ordenaram pessoas para presidi-las. Estas, por sua vez, ordenaram outras como sucessoras, e o processo prosseguiu em uma cadeia contnua que permite ligar cada bispo, cada padre, cada dicono da Igreja de hoje aos apstolos e, dos apstolos, ao prprio Jesus Cristo. De modo particular, o bispo de Roma o sucessor do apstolo Pedro e, portanto, responsvel por garantir a unidade e a integridade da f da Igreja. Outra caracterstica relevante dos primeiros cristos era a ansiedade pelo retorno do Senhor, a Parusia. Pelas cartas de Paulo vemos que a volta iminente de Jesus era crena comum. Nas assemblias litrgicas ouvia-se freqentemente a exclamao cheia de esperana: "Maranatha! Vem Senhor Jesus!" Com o tempo percebeu-se que a vinda de Jesus no era to iminente. O cristianismo se aproveitou da imensa rede de estradas que interligava o Imprio. Desenvolveu-se principalmente no meio urbano. De boca em boca, atravs de escravos, mercadores, viajantes, judeus helenizados, artesos, a Boa-Nova ia chegando aos lugares mais distantes. O Imprio de Roma tornouse, logo, a "ptria do cristianismo".

6. Pedro e Paulo Muitos opem Pedro a Paulo e insinuam inclusive que a autoridade deste ltimo na Igreja primitiva era superior do primeiro. Nada mais falso. Os Evangelhos mostram claramente a importncia de Pedro como chefe do colgio apostlico e intermedirio de Jesus. "Tu s Kefa e sobre esta Kefa edificarei a minha Igreja". Estas palavras j so suficientes para estabelecer a importncia e a autoridade superior de Pedro. Junte-se a isto o testemunho dos Atos dos Apstolos e o prprio testemunho de Paulo, que fez questo de se encontrar com Pedro para ter confirmada a sua misso. Durante a perseguio de Agripa I, Pedro fica preso, mas graas s oraes da Igreja milagrosamente libertado. Da em diante no temos mais informaes exatas sobre o seu paradeiro. Segundo a tradio, Pedro e Paulo foram as colunas da Igreja de Roma. Na Cidade Eterna, durante a perseguio de Nero, por volta do ano 64, as vidas dos dois apstolos foram ceifadas no martrio (Pedro morreu talvez no ano 64 e Paulo em 63. Mas h estudiosos que propem outras datas). Cr-se que Paulo foi decapitado e Pedro crucificado de cabea para baixo.

Quando Paulo estava j perto da morte, escreveu estas palavras: "Quanto a mim, j fui oferecido em libao, e chegou o tempo de minha partida. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a f. Desde j me est reservada a coroa da justia, que me dar o Senhor, justo juiz, naquele Dia; e no somente a mim, mas a todos os que tiverem esperado com amor a sua Apario" (2Tm 4,6-8).

7. Os outros Apstolos Existe tambm uma tradio, consignada por Eusbio de Cesaria, que diz que os apstolos foram dispersos pelos quatro cantos da terra. Tom teria ido para o pas dos partos, Mateus para a Etipia, Andr para a Ctia e Joo, para a sia, morrendo em feso. O evangelista Marcos teria fundado igrejas no Egito. Tiago, irmo de Joo, foi decapitado por ordem de Agripa I, em 44. Em 62, o sumo sacerdote An manda apedrejar Tiago, irmo do Senhor e bispo de Jerusalm. Ele sucedido por Simeo, filho de Clefas e de Maria, irm da me de Jesus. 8. Joo Entre os anos 92 e 96, Joo, o discpulo que Jesus amava, encontrava-se na ilha de Patmos, deportado por ordem do imperador Domiciano. De seu exlio testemunhava a crueldade das perseguies contra a Igreja. Inspirado por Deus, sentindo a necessidade de reagir contra o desespero e a angstia que ameaavam os cristos, escreveu um livro que o grito de esperana e confiana em Deus de todo seguidor de Jesus: o Apocalipse. Quando o primeiro sculo chega ao seu final, o apstolo um ancio venervel, cheio de glria e santidade, reverenciado por toda a Igreja. O seu corpo conservava as marcas do suplcio do leo fervente, do qual tinha sobrevivido milagrosamente. Entre 96 e 104 conclui o quarto Evangelho. Entre suas maiores preocupaes estavam as heresias e os erros que ameaavam a integridade da f. Seu estilo teolgico bem particular, marcado por influncias do pensamento grego (o Verbo, ou Logos, por exemplo). Com a morte do discpulo que Jesus amava, aquele que recebeu Maria em sua casa como me, que viu o sangue e a gua saindo do lado do Salvador e que conheceu e tocou com as mos o Verbo da Vida, encerram-se os tempos apostlicos.

9. O Novo Testamento Ao longo do sculo I vo se formando as Escrituras crists. A lngua em que foram escritos os livros do Novo Testamento o grego (o grego no Imprio Romano era como o ingls em nossos dias - a lngua universal). Colecionamse as epstolas de Paulo como livros inspirados. As vrias tradies orais sobre a vida de Jesus e seus ensinamentos se cristalizam nos evangelhos. Em torno do ano 50 temos o Evangelho de Mateus escrito em aramaico. O Evangelho de Marcos redigido por volta de 64, em Roma. O Evangelho de Lucas, o Evangelho de Mateus em grego e os Atos dos Apstolos aparecem a partir do ano 70. Outros apstolos e figuras ilustres tambm redigiram epstolas. Pedro (1Pd c. 64, 2Pd entre 70 e 80), Joo (1Jo, mais ou menos em 95, 2Jo e 3Jo foram escritas um pouco antes), Tiago (Tg em torno de 62) e Judas (Jd entre 70 e 80). A epstola aos Hebreus datada por volta do ano 67. Ainda assim, a fixao do cnone do Novo Testamento levaria um bom tempo. Juntamente com os livros inspirados circulavam inmeros evangelhos, epstolas, atos de apstolos e apocalipses apcrifos.

10. O fim de Jerusalm Cansado da brutalidade dos procuradores Albino (62-64) e Gssio Floro (6466), e incitado pelos zelotas, o povo judeu se revoltou. Em Cesaria e Jerusalm houve grande agitao. A fortaleza Antnia e o palcio de Herodes foram consumidos pelas chamas. As suas guarnies foram massacradas. Ataques contra guarnies romanas pipocavam em toda a Palestina. Durante o inverno de 66-67, o legado da Sria levou doze legies pela costa mediterrnea e conseguiu chegar aos muros de Jerusalm, mas foi derrotado pelos guerrilheiros judeus. A vitria exaltou os nimos dos rebeldes. Chegaram a ser cunhadas moedas de prata com a data do "primeiro ano da liberdade" de Israel. Roma reagiu com fora. Em 67 Nero enviou o general Vespasiano, que devastou a Galilia com sessenta mil soldados. Mas, ao chegar na regio montanhosa do pas, sofreu vrias baixas, algumas bem graves. Na Pscoa do ano 70, Vespasiano, sucessor de Nero (depois de alguma confuso), enviou o seu filho Tito para Jerusalm, com todas as foras

necessrias. A cidade santa foi cercada. Depois de cinco meses de horror, o cerco termina com a vitria dos romanos. Jerusalm reduzida a runas, o Templo incendiado e muitos cadveres ficam apodrecendo pelas ruas. A resistncia judaica reduzida a grupos insignificantes. O ltimo reduto fica em Massada. No ano 73, Flvio Silva, legado da Judia, triunfa sobre os revoltosos sicrios chefiados por Eleazar, os quais, para evitarem uma humilhante rendio, preferem matar-se uns aos outros. Tais fatos s contriburam para aumentar ainda mais a tenso entre judeus e cristos. O historiador Tcito fala de um comentrio feito por Tito, evocando "a luta de uma destas seitas contra a outra [judeus e cristos], apesar da sua origem comum". Por volta do ano 93, o historiador judeu Flvio Josefo, em suas Antigidades Judaicas, descreve detalhadamente o cerco e a destruio da cidade santa. No comeo do sculo II, o imperador Adriano (117-138) ordenou a reedificao de Jerusalm. Mas, ao mesmo tempo, mandou encher a cidade de dolos. As sobras da resistncia de Israel ficaram inflamadas. Um pseudo-messias chamado Bar Kkeba, e um certo rabi Akiba, incentivam a revoluo. Mais trs anos de horror se sucedem. Os fanticos combatem em duas frentes: contra os romanos e contra os cristos. Roma esmaga impiedosamente os agitadores. Bar Kkeba degolado e os sobreviventes dispersos. Os judeus s podero aproximar-se novamente de Jerusalm apenas a cada quatro anos, para poderem chorar e lamentar a sua desgraa.

11. Roma e o Cristianismo - primeiras perseguies Melito, bispo de Sardes, cidade da sia Menor, escreveu uma carta para o imperador Marco Aurlio defendendo os cristos perseguidos. Nesta carta, ele fala da providencial coincidncia entre o nascimento do Imprio e o aparecimento do cristianismo. Jesus nasceu quando Augusto era imperador, e pregou no reinado de Tibrio. A rpida expanso do cristianismo se deveu principalmente unificao da bacia mediterrnea sob o poderio romano e s facilidades proporcionadas pelas estradas e rotas martimas, que permitiam a rpida circulao de pessoas e idias. Mas quando foi que o Imprio comeou a se dar conta da existncia do cristianismo? O documento oficial mais antigo falando dos cristos do ano 112: uma carta enviada a Trajano pelo procnsul da Bitnia, Plnio, o Jovem. A opinio pblica confundia os judeus com os cristos. Geralmente ambos os

grupos eram vtimas das mesmas acusaes e maledicncias. Mas em Roma a diferena foi percebida bem cedo. Em 49, Cludio "expulsa de Roma os judeus que se agitavam por instigao de Crestos [Cristo?]" (Suetnio). Nero comeou a governar com a idade de 17 anos. Dirigiu o Imperium de 54 a 68. Mandou matar o irmo, a me e seu mestre, Sneca (os dois ltimos sob influncia da sua amante, Popia Sabina). Em 62 divorciou-se da mulher, Otvia, a qual fez exilar em Pandatria. Tantos crimes provocaram a indignao popular. Foi na noite de 18 (ou 19?) de julho de 64 que as trombetas dos sentinelas comearam a ser ouvidas pelos quatro cantos de Roma. O fogo se espalhava rapidamente. Depois de cento e cinqenta horas, quatro dos catorze bairros da cidade tinham sido completamente devorados pelas chamas, enquanto de sete s sobravam as paredes das edificaes ou escombros inabitveis. Sobre as causas da calamidade circularam vrios rumores. Alguns pensaram que tinha sido apenas um acidente. Mas atribuir ao acaso tamanha destruio no parecia uma hiptese muito plausvel. Precisava-se de um culpado. E logo o seu nome comeou a correr de boca em boca. Seria o prprio Nero o responsvel? Sabia-se que ele desejava demolir as velhas construes para edificar uma nova Roma. Talvez fosse um castigo dos deuses por causa dos crimes hediondos do imperador. Suetnio nos fala de um boato segundo o qual Nero teria permanecido em uma torre durante o incndio, com roupas de teatro e uma lira, admirando o terrvel espetculo e entoando um poema de sua autoria sobre a conquista de Tria e o fogo nela ateado pelos guerreiros de Agamenon. Nero logo teve de arrumar um bode expiatrio. Atravs de torturas e falsas testemunhas, obteve as "provas" para acusar os cristos. As prises ficaram lotadas a ponto de Tcito se referir aos encarcerados como uma "grande multido". Sob acusao de "inimigos do gnero humano", os cristos foram perseguidos. Tertuliano fala de um instrumento jurdico institudo por Nero para legalizar a perseguio, o Institutum Neronianum, que afirmava a ilicitude do cristianismo ("non licet esse Christianos", no lcito ser cristo). Mas os historiadores no so unnimes em reconhecer isto como fato. No apenas os cristos eram trucidados, degolados e crucificados no circo de Nero (que ficava localizado onde hoje est a Baslica de So Pedro). Organizaram-se verdadeiras caadas nos jardins do imperador, com fiis fantasiados de animais. Foram encenadas as mais escabrosas cenas, copiando a mitologia pag, onde os "atores", cristos, eram humilhados e ultrajados de mil maneiras e com sadismo indescritvel. Durante a noite, pelas alamedas, cristos cobertos de pez e resina ardiam em chamas, queimados vivos, iluminando o caminho para a passagem da carruagem de Nero.

Pedro, em uma de suas epstolas, alude a esses terrveis sofrimentos. Mais tarde, quando Joo escrever o Apocalipse, a sua lembrana ainda ser muito viva. Nada mudou com Domiciano (81-96), que se autoproclamou "Dominus et Deus". Quando o sculo I termina, a f crist j comea a conquistar as classes mais altas, chegando at o palcio do imperador. Flvio Clemente, Flvia Domitila, parentes de Domiciano, e Aclio Glbrio, um dos cnsules de 91, eram cristos. Para satisfazer a alegria das elites pags, o imperador massacra os fiis, tomando seus bens e executando-os sob a acusao de atesmo. Na sia a perseguio foi bem violenta. Trajano (98-117), mais tolerante, responde a Plnio, o Jovem, em uma carta dizendo que os cristos no deviam ser procurados e que as denncias annimas deviam ser ignoradas. Os cristos convictos que se recusassem a abandonar suas crenas, no entanto, seriam punidos. O Rescrito de Trajano, como conhecido este documento, estabeleceu jurisprudncia.

12. Os padres apostlicos A gerao crist que sucede aos apstolos tem sua frente bispos e presbteros, entre os quais se destacam algumas figuras, luminosas por sua santidade, sabedoria e zelo doutrinal: os Padres Apostlicos. Seus escritos so muito parecidos com as epstolas do Novo Testamento. Procuram mostrar aos fiis a importncia da salvao concedida por Cristo, reforam a esperana no seu retorno, exortam obedincia aos pastores das suas comunidades e alertam para o risco das heresias e cismas. So eles: Clemente Romano, Incio de Antioquia, Policarpo de Esmirna, Ppias de Hierpolis, Barnab e Hermas. a) Clemente Romano Clemente possua, na sua poca, grande autoridade, embora tenha sido conservado apenas um escrito de sua autoria: a carta aos Corntios. A Igreja na Sria atribuiu a esta carta valor cannico, e o Codex Alexandrinus da Bblia a incluiu entre os livros inspirados. Em torno do ano 170 o bispo Dionsio de Corinto atesta a sua leitura litrgica. Orgenes e Eusbio identificam Clemente com o colaborador de Paulo citado em Fl 4,3. De acordo com Santo Ireneu, ele foi o terceiro sucessor de Pedro em Roma (Pedro, Lino, Anacleto, Clemente). Para Tertuliano, no entanto, Clemente recebeu a Ordem diretamente do Prncipe dos Apstolos.

O seu exlio para o Quersoneso Taurino e o seu martrio no mar Negro no podem ser considerados como fatos histricos. A carta aos Corntios, de Clemente, foi redigida nos ltimos anos de Domiciano imperador (c. de 96). A razo de tal carta foram contendas naquela igreja. Membros mais jovens da comunidade haviam deposto os presbteros. Quando a notcia chegou a Roma, Clemente interveio. Nesta carta podemos detectar j a presena e o exerccio do carisma petrino. Com autoridade, o bispo da Cidade Eterna exorta os corntios a se submeterem aos seus superiores eclesisticos, exigindo que a estrutura hierrquica da Igreja de Deus seja respeitada. b) Incio de Antioquia Bispo da cidade de Antioquia, Incio foi condenado, no reinado de Trajano, a ser dilacerado pelas feras. Em seu trajeto para o martrio, da Sria at Roma, escreveu sete cartas, para as igrejas de feso, Magnsia, Trales, Roma, Filadlfia, Esmirna, e para seu irmo no episcopado, Policarpo. Para Incio, a eucaristia "a carne de nosso Salvador Jesus Cristo, que sofreu por nossos pecados e que, na sua bondade, o Pai ressuscitou". Ensina que para a unidade da Igreja fundamental a comunho com a hierarquia: bispos, presbteros e diconos. Santo Incio utiliza, pela primeira vez, o termo "Igreja catlica" para designar a verdadeira Igreja de Jesus Cristo. "Onde aparece o bispo, a esteja a multido, do mesmo modo que onde est Jesus Cristo, a est a Igreja catlica". Distingue a comunidade de Roma dentre todas as demais. ela a igreja que "preside na regio dos romanos, digna de Deus, digna de honra, digna de ser chamada feliz, digna de louvor, digna de sucesso, digna de pureza, que preside ao amor, que porta a lei de Cristo, que porta o nome do Pai..." L os apstolos Pedro e Paulo selaram seu testemunho. Em Roma se encontra o autntico magistrio da f. Seu martrio ocorreu por volta do ano 110. c) Policarpo de Esmirna Policarpo chegou a conhecer o apstolo Joo, que o constituiu bispo de Esmirna. Em meados do sculo I tentou fazer um acordo, em Roma, com o papa Aniceto, sobre o dia da celebrao litrgica da festa da Pscoa (primeira controvrsia quartodecimana). O heresiarca Marcio, ao encontr-lo, perguntou ao santo se o conhecia. Policarpo respondeu: "Sim, eu te conheo. s o primognito de Satans". De acordo com o testemunho de Santo Ireneu, Policarpo escreveu vrias epstolas a diversas comunidades e a bispos em particular. A nica que nos chegou foi a remetida para a igreja de Filipos. O Martrio de So Policarpo a mais antiga narrativa de um martrio de que se

tem notcia. No se pode duvidar de sua autenticidade. Em um de seus trechos mais belos, o santo bispo recebe a ordem de amaldioar Jesus Cristo. Policarpo responde: "H oitenta e seis anos que o sirvo; jamais ele me fez mal algum; como poderei eu blasfemar contra meu Rei e Salvador?" Quando as chamas da fogueira milagrosamente se desviavam do seu corpo, teve de ser morto com uma punhalada. E. Schwartz acredita que a morte de Policarpo se deu no dia 22 de fevereiro de 156. Seus ossos foram recolhidos por fiis, "mais valiosos que pedras preciosssimas, mais apreciados que o ouro, e os sepultaram num lugar apropriado, onde se poderiam reunir eles em cada aniversrio" - evidncia de um culto de relquias ainda em estado embrionrio. d) Ppias de Hierpolis Ppias conheceu o apstolo Joo e foi companheiro de So Policarpo. Bispo de Hierpolis, redigiu cinco livros relatando ensinamentos e atos de Jesus e dos que o seguiam (cerca de 130). Eusbio, em sua Histria Eclesistica, chama Ppias de esprito mesquinho, por causa de suas inclinaes milenaristas. Da obra de Ppias s restam alguns fragmentos, um dos quais fala da origem dos evangelhos de Mateus e Marcos. e) Barnab Na verdade a nica referncia que temos sobre este Barnab uma epstola. Clemente Alexandrino, Orgenes e a tradio em geral, atribuem esta epstola ao Barnab companheiro de So Paulo. Eusbio de Cesaria e Jernimo consideram o documento como apcrifo. A primeira parte do escrito fala sobre o Antigo Testamento e analisa as vrias prefiguraes do Cristo. A segunda, no estilo da Didaqu, expe a doutrina das duas vias, a da luz e a das trevas. Provavelmente o seu autor era um mestre gentio convertido. A composio da carta no tem data certa. Possivelmente depois do ano 130. f) Hermas Hermas era um comerciante de condio simples, cristo, com uma viso um pouco estreita, mas sincero e piedoso. Para Eusbio e Orgenes, tratava-se do mesmo Hermas referido por So Paulo em Rm 16,14. Sua nica obra conhecida chamada de o Pastor de Hermas. Seguindo o modelo dos apocalipses judaicos, uma exortao forte penitncia que utiliza muitas imagens misteriosas. Afirma a possibilidade de haver perdo dos pecados aps o batismo, embora por tempo limitado. Contradizendo muitos autores antigos, Hermas considera lcito um novo matrimnio depois da

viuvez. Os Padres da Igreja, grandes representantes do cristianismo dos primeiros sculos, exploraro as riquezas da Escritura e da Tradio para expor e aprofundar a f.

13. Perseguies do 2 sculo - a gesta dos mrtires Os Antoninos, Adriano (117-138), Antonino Pio (138-161) e Marco Aurlio (161180) no fizeram mudanas na legislao anticrist. Esporadicamente eclodiam novas perseguies e a Igreja ganhava novos mrtires. Muitas vezes era a turba que, fanatizada, levada pela inveja ou pelo patriotismo, denunciava e entregava os cristos ao poder pblico. Na Glia temos os mrtires de Lyon, em 177. Uma revolta popular arrastou para a morte cinqenta cristos, entre eles Potino, o bispo, que contava na ocasio 90 anos, o dicono Sanctus e a escrava Blandina. Esta ltima suportou com incrvel coragem inmeros tormentos antes de entrar no repouso de Cristo. Depois de queimarem os corpos dos mrtires, lanaram suas cinzas no Rdano. Os algozes comentavam, em tom de zombaria: "Vejamos se agora o seu Deus os ressuscita". Em Roma temos a pequena Ceclia. Jovem, de famlia nobre, quis consagrar-se a Cristo e fez voto de virgindade. O cutelo do carrasco precisou ser usado vrias vezes antes de conseguir tirar-lhe a vida. Tambm muitos papas morreram mrtires ao longo do sculo II. Em Scili, na frica, doze fiis foram presos. O interrogatrio ao qual foram submetidos ficou registrado para a Histria. Todos receberam a coroa do martrio. No se deve imaginar, no entanto, que os mrtires no tinham medo das torturas e da morte. Muitos cristos preferiram renegar a prpria f, caindo na apostasia, a morrer por Cristo. Porm, "o sangue dos mrtires semente de cristos" (Tertuliano). A coragem dos que preferiam o Senhor prpria vida ajudava na propagao da f.

14. Os apologistas "De diversas formas, pois, os Padres do Oriente e do Ocidente entraram em relao com as escolas filosficas. Isto no significa que tenham identificado o contedo da sua mensagem com os sistemas a que faziam referncia. A pergunta de Tertuliano: Que tm em comum Atenas e Jerusalm? Ou, a

Academia e a Igreja?, um sintoma claro da conscincia crtica com que os pensadores cristos encararam, desde as origens, o problema da relao entre a f e a filosofia, vendo-o globalmente, tanto nos seus aspectos positivos como nas suas limitaes" (Fides et Ratio, n. 41). Durante o sculo II um considervel nmero de gentios com slida formao intelectual ingressou na Igreja. O fato de terem aderido ao Evangelho os obrigava ao confronto com a filosofia gentlica. Para defenderem a f dos ataques dos perseguidores, e tambm dos detratores, muitos escreveram obras inteiras de apologtica, ficando por isto conhecidos como Apologistas. Entre os ataques ao cristianismo promovidos por intelectuais, podemos citar o discurso do retor Fronto de Cirta, preceptor de Marco Aurlio, Luciano de Samsata e Celso (com sua obra polmica: Aleths lgos, c. de 178). Entre as acusaes contra os cristos, as mais comuns so a de atesmo, assassinato ritual de crianas e traio ao imperador. O grafitto do Palatino nos mostra um asno crucificado com algumas inscries. Um certo Alexamenos, jovem cristo, ridicularizado pelo companheiro de estudo: "Alexamenos adora o seu Deus". Em resposta escreve ao lado do insulto a frase: "Alexamenos fiel". Diante da cultura pag a Igreja assumiria duas posies: uma de oposio e rejeio (com Taciano, Tefilo ou Tertuliano, por exemplo), e outra de aproveitamento, assimilao dos seus aspectos positivos (Justino e outros pensadores cristos, principalmente do mundo grego). A influncia de filsofos gregos, principalmente Plato, sobre os Padres da Igreja marcante. Entre os apologistas, citamos Quadrato, Aristo, Milcades, Apolinrio, Melito, Aristides de Atenas e Justino. Tambm merecem destaque Taciano, Atengoras de Atenas, Tefilo de Antioquia, Hrmias e a epstola a Diogneto. Quadrato foi discpulo dos apstolos. Apresentou uma apologia ao imperador Adriano, em 123/124 (ou em 129?). Aristo de Pela defendeu o cristianismo contra os ataques dos judeus redigindo o Dilogo entre Jaso e Papisco sobre Cristo. Milcades, retor originrio da sia Menor, escreveu vrias apologias contra os gregos e os judeus. Apolinrio, bispo de Hierpolis, comps quatro apologias. Melito, bispo de Sardes, enviou uma defesa da f crist ao imperador Marco Aurlio. Aristides de Atenas, um filsofo, redigiu sua Splica em favor da religio crist para o imperador Adriano. De todos os apologistas aquele que merece mais destaque, com certeza, Justino. Martirizado pelo ano 165, era filho de uma famlia greco-pag de Flavia Neapolis, antiga Siqum, na Palestina. Familiarizado com muitas correntes filosficas, no encontrou nenhuma que lhe desse todas as respostas que procurava. Sua mente e seu corao s encontraram a resposta na f crist. Conservamos de suas obras duas Apologias contra os gentios e o Dilogo

com o judeu Trifo. A teoria das sementes do Verbo que ele formulou estabeleceu uma ponte entre a filosofia antiga e o cristianismo. Em seus escritos encontram-se valiosas informaes sobre o batismo e a celebrao litrgica. Justino chega a esboar uma formulao do dogma da transubstanciao. "De fato, no tomamos essas coisas como po comum ou bebida ordinria, mas da maneira como Jesus Cristo, nosso Salvador, feito carne por fora do Verbo de Deus, teve carne e sangue por nossa salvao, assim nos ensinou que, por virtude da orao ao Verbo que procede de Deus, o alimento sobre o qual foi dita a ao de graas - alimento com o qual, por transformao, se nutrem nosso sangue e nossa carne - a carne e o sangue daquele mesmo Jesus encarnado". Tambm relevante o paralelo que ele faz entre Maria e Eva, semelhante ao paralelo paulino entre Cristo e Ado. Taciano foi discpulo de Justino. Depois do martrio do seu mestre, deixou Roma e voltou para o Oriente, sua regio de origem. Acabou aderindo seita dos encratitas, pregando a abstinncia do matrimnio, do vinho e da carne. Seguindo Epifnio, substituiu o vinho pela gua na eucaristia. Escreveu vrias apologias. Atengoras de Atenas supera Justino em sua linguagem, estilo e ritmo. mais tolerante do que Taciano no que se refere filosofia e cultura gregas. Fez uma "Splica em favor dos cristos", dirigida, cerca de 177, a Marco Aurlio e Cmodo. Testemunha a f da Igreja na Trindade antes do conclio de Nicia: os cristos adoram o Pai, o Filho e o Esprito Santo e veneram os anjos. Tefilo de Antioquia, bispo desta cidade, escreveu trs livros A Autlico, depois de 180. o primeiro a empregar o termo tris para falar de Deus. A carta a Diogneto foi redigida na segunda metade do sculo II, de acordo com a maioria dos estudiosos. Um certo Diogneto teria feito a um cristo trs perguntas: 1) Qual a religio dos cristos e por que eles rejeitam o judasmo e o paganismo? 2) O que a caridade para com o prximo? 3) Por que a religio crist apareceu to tarde na histria do mundo?

15. Difuso do Cristianismo no 2 sculo No final do sculo II, existem cristos espalhados em todos os lugares do mundo romano. No Oriente (sia Menor, Sria, Palestina), a concentrao de fiis maior, inclusive fora das cidades. No Ocidente, o progresso da evangelizao desigual. O Evangelho penetrou profundamente na Itlia Central, no sul da Espanha, no norte da frica. Na Ilria, na Itlia do Norte e na Glia a presena menor. Fora do Imprio existiam cristos no reino de Edessa e no Imprio Persa.

16. Vida de f e sacramentos Quem vai a Roma atrs de atraes tursticas quase certamente vai querer conhecer as catacumbas, cemitrios subterrneos na periferia da cidade antiga. L os cristos enterravam seus mortos. Nessas galerias subterrneas geraes de fiis oraram pelos seus entes queridos. Nas suas paredes existem vrias pinturas relembrando cenas bblicas: Moiss batendo no rochedo, Daniel na cova dos lees, Jonas saindo das entranhas do peixe ou o Bom Pastor... O rito de iniciao crist, como j vimos, era o batismo, geralmente ministrado para adultos (s quando o cristianismo se tornar religio majoritria a prtica do batismo de crianas ser a praxe comum). Os conversos tinham um perodo de preparao, o catecumenato, durante o qual se preparavam para receber este sacramento. Os que eram aprovados, recebiam o batismo nas correntezas de algum rio. Quando no houvesse rio, era utilizada uma piscina. E, na falta de uma piscina, batizava-se derramando a gua sobre a fronte, como se faz hoje em dia em nossas igrejas. Ao receber o batismo o fiel j pode se aproximar da eucaristia, a carne e o sangue de Jesus Cristo. Eucaristia uma palavra grega que quer dizer "ao de graas". Todos os domingos os cristos se reuniam na casa de algum podia ser a casa de um rico convertido - para celebrar a Santa Missa (o termo missa parece ser oriundo do latim - "ite missa est", "ide, o fim", dizia o dicono, despedindo os fiis - e usado a partir do sculo IV). Em tempos de perseguio ou no aniversrio de morte de um mrtir, os fiis se dirigiam s catacumbas, onde era mais seguro. Faziam-se leituras do Antigo Testamento ou das cartas dos apstolos. Em seguida o presidente exortava a assemblia, com base na Palavra proclamada. Aps esta "homilia", os fiis faziam suas preces e ofertavam no altar o po, o vinho e a gua. O presidente ento dizia preces e aes de graas, repetia as palavras de Jesus na ltima ceia (consagrando o po e o vinho), e iniciava a distribuio da Eucaristia. Os diconos levavam parte do alimento consagrado para os ausentes. Os fiis mais generosos entregavam suas doaes ao presidente, que as dividia entre os orfos, as vivas, os doentes, os estrangeiros e encarcerados. Pouco a pouco comea a se organizar um ciclo litrgico. No segundo sculo a festa da Pscoa era comemorada anualmente. Jesus era o centro da f. Orava-se vrias vezes ao dia, erguendo-se as mos e voltando-se para o Oriente, ajoelhando-se, prostrando-se. Orava-se antes das refeies, ao levantar, na hora de dormir, quando se fazia alguma ao especial, enquanto se trabalhava ou antes de sair para visitar algum. Havia tambm o costume, herdado dos judeus, de rezar na hora terceira, na hora sexta e na nona. Rezava-se o Pai Nosso, salmos extrados das Escrituras, hinos, como o Magnificat e o Benedictus, alm de oraes espontneas. medida que o cristianismo crescia em nmero, aumentavam os casos de

fiis que cediam s tentaes da cobia, da luxria, da apostasia... A penitncia era algo levado muito a srio. Quem pecasse gravemente depois do batismo podia no mais voltar para a comunho da Igreja. No sculo II duas correntes se enfrentam: uma mais rigorista e outra mais tolerante. A primeira recusava o perdo em todos os casos, deixando os fiis em pecado grave entregues prpria sorte. O poder de perdoar, concedido a Pedro e aos demais apstolos, era usado com muito critrio naqueles tempos. No fim do sculo II, o cristo em pecado grave era obrigado a oferecer algum tipo de reparao para a Igreja. Durante algum tempo era excludo da liturgia eucarstica e precisava fazer jejuns, dar esmolas, submeter-se a severas mortificaes at o dia em que o bispo lhe concederia a absolvio. O casamento era vivido pelos cristos com um sentido inteiramente novo. Para eles a relao entre marido e mulher devia refletir a relao entre Cristo e a Igreja. O casamento era um sacramento no qual o mistrio do amor humano era assumido e elevado pela graa. Apesar deste carter sobrenatural, no entanto, no havia nenhuma cerimnia litrgica especial para o casamento. "Os cristos se casam como todo mundo", diz a epstola a Diogneto. O aborto e o abandono de crianas, prticas comuns entre os pagos, eram totalmente condenados. O matrimnio, para os seguidores de Jesus, era indissolvel. Da maior parte dos papas deste sculo no restou seno o nome (Evaristo, Alexandre, Sixto, Telsforo, Higino, Pio, Aniceto, Ster, Eleutrio...). Mesmo assim, o primado da Igreja de Roma e do seu bispo, o Sucessor de Pedro, era amplamente reconhecido e aos poucos ia ganhando maior destaque. Embora houvesse vrias igrejas espalhadas pelo orbe, todos os fiis tinham conscincia de pertencerem grande Igreja, a Igreja de Jesus Cristo. 17. As heresias O apstolo Paulo j tinha preocupaes com a integridade da f das comunidades crists. Deixou advertncias contra o risco das prticas judaizantes, gnsticas e contra alguns que negavam a ressurreio dos mortos. O Apocalipse de Joo denuncia duas seitas gnsticas: a dos discpulos de Balao e a dos nicolatas. Estes ltimos amaldioavam o Deus do Antigo Testamento e levavam uma vida libertina. O que gnose? A gnose uma espcie de conhecimento superior, adquirido de modo direto, intuitivo, das respostas de todos os problemas que angustiam a alma humana. Todos os grupelhos gnsticos tinham alguns princpios em comum: a maldade da matria e da carne, a infelicidade do homem, prisioneiro do seu prprio corpo, a existncia de uma alma inferior e manchada pelo pecado, e de uma alma superior, celestial, em suma: um dualismo da pior espcie.

Os gnosticismo cristo (sim, porque havia tambm um gnosticismo judeu Simo o Mago frente - e pago) possua uma doutrina bastante complexa. Acreditava na existncia de ees que emanavam de Deus e que faziam o papel de mediadores entre o mundo e o Criador. Estes ees eram organizados em classes, variando dos menos puros aos mais puros. Todas as classes de ees constituam o pleroma. No meio da seqncia de ees, um deles tentou se igualar a Deus e caiu em desgraa. Colocado para fora do mundo espiritual, teve de viver com seus descendentes em um universo intermedirio. Revoltado, criou o mundo fsico, essencialmente mal e contaminado pelo pecado. O on prevaricador era conhecido como Demiurgo e identificado com o Deus do Antigo Testamento. O homem, emanao do on decado, contm em si uma centelha da divindade que aspira ser libertada da materialidade. Mal estar vivo. Os que querem viver esto condenados. So chamados de "hlicos" ou "materiais". Os que buscam a gnose, os "psquicos", tm a possibilidade de alcanar a paz interior. Finalmente, os que renunciam vida, os "espirituais", so os nicos capazes de obter a salvao. Jesus era um on escondido em um invlucro de carne humana. A razo de sua vinda era ensinar aos homens o verdadeiro conhecimento capaz de libertar, a gnose. Existiu um gnosticismo srio-cristo, encabeado por Saturnilo, e depois por Crdon. Tambm houve o gnosticismo de Baslides, hostil ao deus dos judeus. Principalmente, em Alexandria e em seguida em Roma, existiu o gnosticismo de Valentino, que tentava harmonizar o Evangelho com especulaes estranhas. Havia ainda os cainitas, que louvavam Caim, os ofitas, que adoravam a serpente do Gnesis, e os seguidores de Judas Iscariotes, que inventaram um novo evangelho. O nmero de seitas era enorme. Temos Marcio, gnstico "hbrido". Entrou em conflito com as autoridades da Igreja de Roma. Saiu e foi excomungado em 144. Tornou-se o fundador de uma contra-igreja, na qual era dogma de f a existncia de dois deuses, um bom e um mal. O primeiro, o Demiurgo, era o Deus do Antigo Testamento: justiceiro, vingativo, impiedoso. O segundo, o Deus verdadeiro, era o Deus pregado por Jesus Cristo: amor, perdo, bondade. Doutrinas to "amalucadas", s vezes ridculas e s vezes terrveis, atraam muitas almas inquietas. Marcio organizou sua igreja e estabeleceu seu prprio cnone de livros inspirados, rejeitando tudo o que poderia contradiz-lo nas Escrituras. Os marcionitas cresceram tanto que pareciam ter invadido todo o mundo cristo. Mesmo com sua morte, em 160, suas comunidades continuaram a existir. Seus sucessores sero irrelevantes, excetuando Apeles, que diminuir um pouco o rigor das teses do fundador. Parte dos marcionitas passar para o

maniquesmo no sculo III. H ainda o montanismo. No final do sculo II, Montano, da Frgia, acreditava ser o nico depositrio do dom da profecia. Ajudado por duas visionrias, Maximila e Priscila, que tinham deixado os maridos para o seguirem, comeou um movimento de evangelizao frentico pelas provncias do Oriente Prximo. O fim do mundo estava prximo, o Esprito Santo iria aparecer gloriosamente! Montano era o arauto da Era do Esprito. Tal loucura se espalhou rpido pelo Oriente, tradicionalmente mstico. A austeridade moral exigida por Montano no espantava em um lugar que j tinha visto gauleses se castrarem na iniciao dos mistrios frgios. O martrio era obrigatrio no montanismo. A partir de 170, mais ou menos, este movimento explosivo se espalhou vigorosamente pela sia e depois pelo Ocidente. Comunidades montanistas floresciam em muitos lugares. A controvrsia quartodecimana, sobre a data da celebrao da Pscoa, gerou vrios atritos dentro da Igreja. O papa Vtor (aprox. 189-198) anunciou a ruptura da Igreja romana com as comunidades que celebravam a Pscoa no dia 14 de Nis. Muitos bispos no aceitaram o procedimento de Vtor, e at Santo Ireneu pediu mais tolerncia ao papa. Com o tempo, porm, a posio de Roma prevaleceu. (para historiadores protestantes racionalistas como Neander, Langen e Harnack, a atitude de Vtor na questo quartodecimana indica que o bispo de Roma j possua, no sculo II, jurisdio sobre todas as igrejas). O monarquianismo, inventado por Tedoto, ensinava um s Deus e uma s pessoa divina. Noeto, da cidade de Esmirna, ensinava que o Pai padeceu na cruz (patripassianismo). Por fim, o milenarismo, que acreditava em um reinado de mil anos dos fiis com Cristo sobre a terra, no qual se usufruiriam de todas as delcias imaginveis. Ppias era um pouco milenarista. Como veremos a seguir, levou algum tempo para esta doutrina ser condenada.

18. Contra as heresias O apstolo Paulo j tinha preocupaes com a integridade da f das comunidades crists. Deixou advertncias contra o risco das prticas judaizantes, gnsticas e contra alguns que negavam a ressurreio dos mortos. O Apocalipse de Joo denuncia duas seitas gnsticas: a dos discpulos de Balao e a dos nicolatas. Estes ltimos amaldioavam o Deus do Antigo

Testamento e levavam uma vida libertina. O que gnose? A gnose uma espcie de conhecimento superior, adquirido de modo direto, intuitivo, das respostas de todos os problemas que angustiam a alma humana. Todos os grupelhos gnsticos tinham alguns princpios em comum: a maldade da matria e da carne, a infelicidade do homem, prisioneiro do seu prprio corpo, a existncia de uma alma inferior e manchada pelo pecado, e de uma alma superior, celestial, em suma: um dualismo da pior espcie. Os gnosticismo cristo (sim, porque havia tambm um gnosticismo judeu Simo o Mago frente - e pago) possua uma doutrina bastante complexa. Acreditava na existncia de ees que emanavam de Deus e que faziam o papel de mediadores entre o mundo e o Criador. Estes ees eram organizados em classes, variando dos menos puros aos mais puros. Todas as classes de ees constituam o pleroma. No meio da seqncia de ees, um deles tentou se igualar a Deus e caiu em desgraa. Colocado para fora do mundo espiritual, teve de viver com seus descendentes em um universo intermedirio. Revoltado, criou o mundo fsico, essencialmente mal e contaminado pelo pecado. O on prevaricador era conhecido como Demiurgo e identificado com o Deus do Antigo Testamento. O homem, emanao do on decado, contm em si uma centelha da divindade que aspira ser libertada da materialidade. Mal estar vivo. Os que querem viver esto condenados. So chamados de "hlicos" ou "materiais". Os que buscam a gnose, os "psquicos", tm a possibilidade de alcanar a paz interior. Finalmente, os que renunciam vida, os "espirituais", so os nicos capazes de obter a salvao. Jesus era um on escondido em um invlucro de carne humana. A razo de sua vinda era ensinar aos homens o verdadeiro conhecimento capaz de libertar, a gnose. Existiu um gnosticismo srio-cristo, encabeado por Saturnilo, e depois por Crdon. Tambm houve o gnosticismo de Baslides, hostil ao deus dos judeus. Principalmente, em Alexandria e em seguida em Roma, existiu o gnosticismo de Valentino, que tentava harmonizar o Evangelho com especulaes estranhas. Havia ainda os cainitas, que louvavam Caim, os ofitas, que adoravam a serpente do Gnesis, e os seguidores de Judas Iscariotes, que inventaram um novo evangelho. O nmero de seitas era enorme. Temos Marcio, gnstico "hbrido". Entrou em conflito com as autoridades da Igreja de Roma. Saiu e foi excomungado em 144. Tornou-se o fundador de uma contra-igreja, na qual era dogma de f a existncia de dois deuses, um bom e um mal. O primeiro, o Demiurgo, era o Deus do Antigo Testamento: justiceiro, vingativo, impiedoso. O segundo, o Deus verdadeiro, era o Deus pregado por Jesus Cristo: amor, perdo, bondade.

Doutrinas to "amalucadas", s vezes ridculas e s vezes terrveis, atraam muitas almas inquietas. Marcio organizou sua igreja e estabeleceu seu prprio cnone de livros inspirados, rejeitando tudo o que poderia contradiz-lo nas Escrituras. Os marcionitas cresceram tanto que pareciam ter invadido todo o mundo cristo. Mesmo com sua morte, em 160, suas comunidades continuaram a existir. Seus sucessores sero irrelevantes, excetuando Apeles, que diminuir um pouco o rigor das teses do fundador. Parte dos marcionitas passar para o maniquesmo no sculo III. H ainda o montanismo. No final do sculo II, Montano, da Frgia, acreditava ser o nico depositrio do dom da profecia. Ajudado por duas visionrias, Maximila e Priscila, que tinham deixado os maridos para o seguirem, comeou um movimento de evangelizao frentico pelas provncias do Oriente Prximo. O fim do mundo estava prximo, o Esprito Santo iria aparecer gloriosamente! Montano era o arauto da Era do Esprito. Tal loucura se espalhou rpido pelo Oriente, tradicionalmente mstico. A austeridade moral exigida por Montano no espantava em um lugar que j tinha visto gauleses se castrarem na iniciao dos mistrios frgios. O martrio era obrigatrio no montanismo. A partir de 170, mais ou menos, este movimento explosivo se espalhou vigorosamente pela sia e depois pelo Ocidente. Comunidades montanistas floresciam em muitos lugares. A controvrsia quartodecimana, sobre a data da celebrao da Pscoa, gerou vrios atritos dentro da Igreja. O papa Vtor (aprox. 189-198) anunciou a ruptura da Igreja romana com as comunidades que celebravam a Pscoa no dia 14 de Nis. Muitos bispos no aceitaram o procedimento de Vtor, e at Santo Ireneu pediu mais tolerncia ao papa. Com o tempo, porm, a posio de Roma prevaleceu. (para historiadores protestantes racionalistas como Neander, Langen e Harnack, a atitude de Vtor na questo quartodecimana indica que o bispo de Roma j possua, no sculo II, jurisdio sobre todas as igrejas). O monarquianismo, inventado por Tedoto, ensinava um s Deus e uma s pessoa divina. Noeto, da cidade de Esmirna, ensinava que o Pai padeceu na cruz (patripassianismo). Por fim, o milenarismo, que acreditava em um reinado de mil anos dos fiis com Cristo sobre a terra, no qual se usufruiriam de todas as delcias imaginveis. Ppias era um pouco milenarista. Como veremos a seguir, levou algum tempo para esta doutrina ser condenada.

19. Santo Ireneu - o adversrio da Gnose Ireneu considerado o maior telogo do sculo II. Nascido na sia Menor

(entre 140 e 160), chegou a conhecer So Policarpo de Esmirna, discpulo do apstolo So Joo. Era presbtero na cidade de Lyon durante a perseguio de Marco Aurlio. Aps o martrio de Potino, foi eleito bispo daquela cidade. No temos nada de exato sobre sua morte. Segundo uma tradio antiga, ele teria sido martirizado por hereges depois do ano 200, com aproximadamente 70 anos de idade. Outros, porm, afirmam que ele morreu em um massacre de cristos em Lyon, no reinado de Stimo Severo (202?). A Igreja o venera como mrtir, no dia 28 de junho. A sua maior obra, "Adversus haereses", "Contra as heresias", foi escrita entre os anos 180 e 185. Trata-se de um ataque demolidor ao sistema gnstico. Depois de expor e refutar detalhadamente as doutrinas da gnose (que conhecia muito bem), Ireneu revela a verdadeira doutrina: o cristianismo. Testemunha de grande autoridade, Ireneu fala, entre outras coisas:

Do valor da Tradio como regra de f. Do primado da Igreja de Roma: "Com esta Igreja, por causa de sua autoridade principal, faz-se mister concordarem as demais Igrejas, a saber, os fiis do universo, na qual se manteve inclume sempre, esses fiis de toda a parte, a tradio apostlica" "...onde est a Igreja est o Esprito de Deus, e onde est o Esprito de Deus est a Igreja e toda graa". Da estada e do martrio de So Pedro e de So Paulo em Roma. Que Cristo a encarnao de Deus. Nele Deus se faz homem para divinizar a humanidade. Que A Virgem Maria, por sua obedincia, consertou a desobedincia de Eva. Maria a "advogada de Eva" e "causa de salvao" para o gnero humano. Da doutrina do pecado original. Do costume de se batizar tambm as crianas; Que a eucaristia a carne e o sangue de Jesus. "Compe-se de dois elementos, um terreno e outro celeste". o sacrifcio novo, anunciado por Malaquias (Ml 1,10s), celebrado pela Igreja no mundo inteiro.

Acompanhando muitos de sua poca, Ireneu era milenarista. Como, porm, o milenarismo no tinha sido condenado pelo Magistrio, no faz o menor sentido dizer que Ireneu culpado de heresia. No se pode falar de culpa sem conhecimento de causa.

20. Smbolos, atas de martrio, epitfios, literatura... No Novo Testamento existem numerosas profisses de f (cfr. At 8,37; 1Cor 12,13; Rm 10,9; Fl 2,11; 1Cor 15,3s; 1Cor 8,6; 2Cor 13,14; 1Cor 12,4) resumindo pontos essenciais do cristianismo. Os primeiros smbolos datados da metade do sculo II se inspiram no mandamento de Jesus acerca do batismo em nome

da Santssima Trindade (Mt 28,19). Antes do batismo os catecmenos eram interrogados pelo ministro, fazendo sua profisso de f no Pai, no Filho e no Esprito Santo. Inmeras homilias e atas de martrios so conhecidas deste perodo. Destaques: a Homilia de Melito sobre a Pscoa, o Martrio de Policarpo, a Carta das Igrejas de Viena e Lyon s igrejas da sia e da Frgia, as Atas dos mrtires de Scili. O epitfio de Abrcio de Hierpolis, do final do sculo II, o monumento de pedra mais antigo que se refere eucaristia. Abrcio tinha sido bispo de Hierpolis, na Frgia. Aos 72 anos de idade mandou fazer a inscrio, na qual fala, entre outras coisas, do seu envio a Roma pelo Pastor, encontrando por toda parte irmos na f, dos quais recebeu o "peixe" (ICHTHYS, em grego, abreviao de "Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador" - a iconografia crist aproveitar esta simbologia), vinho misturado e po. Atesta o costume cristo de se orar pelos mortos. O epitfio de Pectrio, para alguns do incio do sc. II, para outros do sc. III ou IV, fala do batismo, "fonte imortal das guas divinas", da eucaristia, "alimento melfluo do Redentor dos santos", "peixe que sustentas nas mos". Pectrio pede a seus pais falecidos que se recordem dele "na paz do peixe". A quantidade de evangelhos e epstolas gnsticas que circulavam no segundo sculo enorme: o Evangelho de Tom, o Apocryphon de Joo, a carta de Tiago, o Evangelho de Maria, a Sabedoria de Jesus Cristo, os dois livros de Je, o Evangelho de Matias... Tambm o nmero de apcrifos no-gnsticos (livros no-cannicos) elevado: O Testamento dos doze patriarcas, o Martrio e a ascenso de Isaas, os Orculos sibilinos, o Evangelho dos Nazoreus, dos ebionitas, dos hebreus, dos egpcios, de Pedro, a epstola dos Apstolos, o Proto-evangelho de Tiago, a Narrao da infncia de Jesus, por Tom, o Kerygma de Pedro, os Atos de Pedro, os Atos de So Paulo, os Atos de Andr, o Apocalipse de Pedro... No meio de tantos livros, cada igreja possua um esboo do que seria o cnone definitivo do Novo Testamento.

21. Do grego para o latim - Mincio Felix e o gnio de Tertuliano Nos primeiros tempos, o grego havia sido a lngua oficial da Igreja. Tanto o Novo Testamento como os escritos dos Padres Apostlicos e da maior parte dos Apologistas foram feitos em grego. Levaria pouco tempo, no entanto, para que o latim comeasse a se firmar no Ocidente. Mincio Flix, advogado em Roma, redigiu um dilogo apologtico em latim, o Otvio (por volta de 197). A nica apologia escrita nesta lngua no tempo das perseguies.

Quintus Septimius Florens Tertullianus, nascido em Cartago, por volta do ano 160, filho de um centurio, pago com excelente formao intelectual, possuidor de grandes conhecimentos jurdicos e de retrica. Conhecia bem o grego. Depois de exercer a jurisprudncia em Roma, retornou para sua cidade de origem pelo ano 195, como cristo. Por volta do ano 207 rompe com a Igreja e adere ao montanismo. Sua morte ocorreu, provavelmente, depois do ano 220. Exmio no uso do latim, Tertuliano foi o primeiro a usar o termo Trinitas para designar a Trindade. Exps tambm a tese de que o Pai e o Filho eram da mesma substncia. Antecipou-se em um sculo ao Smbolo de Nicia. Suas principais obras foram: Ad nationes, o Apologeticum (aos governadores das provncias do Imprio - uma apologia que considera as acusaes polticas contra os cristos, como o crime de lesa-majestade e a negao dos deuses imperiais; passa a apologtica do plano filosfico para o jurdico), Adversus Iudaeos, De praescriptione haereticorum, Adversus Marcionem (contra a gnose de Marcio), Adversus Valentinianos (contra a gnose de Valentino), Scorpiace, De carne Christi (contra o docetismo dos gnsticos), Adversus Praxean (exposio mais clara antes de Nicia sobre a doutrina da Trindade, contra o patripassiano Prxeas), De baptismo, De anima (obra antignstica), Ad martyres, De paenitentia, Ad uxorum... Do perodo montanista temos alguns escritos de carter asctico, como o De exhortatione castitatis, em que exorta um amigo vivo a no contrair novas npcias (para ele uma forma de devassido), De corona (onde condena o exerccio das funes militares por cristos e refere de passagem o costume de se fazer o sinal da cruz), De pudicitia (onde, contrariando o que dizia enquanto catlico, nega Igreja o poder de perdoar pecados). Tertuliano fala das duas naturezas na nica pessoa de Jesus Cristo. Ensina que o primado e o poder das chaves foram dados Pedro (fala da morte de Pedro e Paulo em Roma). Enquanto era catlico, ensinava que a Igreja tinha poder de perdoar os pecados, embora apenas uma nica vez. Descreveu com detalhes a confisso pblica. Como na Didaqu, para ele a Missa o cumprimento da profecia de Malaquias (Ml 1,10s), sacrifcio verdadeiro oferecido a Deus. O Corpo e o Sangue de Cristo so distribudos na comunho. Tambm admite um estado de purificao pstumo, no qual todos, menos os mrtires, permanecem at o dia do Juzo. As oraes dos vivos, porm, podem confortar os que se encontram no Hades. Afirmava o milenarismo. Contra os hereges, Tertuliano ensina: apenas a Igreja quem pode possuir legitimamente a f. A ela cabe a reta interpretao das Escrituras, luz da Tradio. A doutrina conservada nas Igrejas apostlicas determina as verdades que devem ser cridas por todos os fiis. No adianta discutir com os hereges usando as Escrituras porque eles distorcem e mutilam a Palavra de Deus. Sua atitude diante da filosofia pag essencialmente negativa. A especulao filosfica s til enquanto concorda com o Evangelho. Acredita na

possibilidade de uma demonstrao racional da existncia de Deus e da imortalidade da alma. Ao contrrio da grande corrente da Tradio crist (como a encontramos, por exemplo, no Proto-evangelho de Tiago), Tertuliano negava a virgindade perptua de Maria. Comodiano, Vitorino de Petau, Arnbio de Sica e Lactncio so outros grandes representantes da literatura crist em latim no sculo III e no incio do sculo IV.

22. Crise do Imprio Ao longo do sculo III, o Imprio ser na maior parte do tempo uma ditadura militar. A instabilidade poltica grande. Os exrcitos, formados no mais por romanos mas principalmente por gente vinda de provncias conquistadas h pouco tempo, pem e depem os imperadores pelos mais variados motivos: dinheiro, inveja, medo, averso pela disciplina... Uma crise econmica devasta o Imprio, guerras civis explodem aqui e ali (onde est a Pax Romana?), as fronteiras so reas de combate contnuo (primeiras invases brbaras), as estradas so quase abandonadas, h escassez de comida, os salteadores formam quadrilhas, o mar fica cheio de piratas, a inflao devora a moeda (medidas desesperadas, como o tabelamento de preos, so tomadas pelo governo), a corrupo generalizada, a luxria e a devassido corroem a famlia, at mesmo a arte e a literatura perdem o brilho (temos alguns nomes, desconhecidos para a maioria dos nossos contemporneos: Terncio Escauro, Suplcio Apolinrio, cron, Censorino, Mrio Mximo, Plcio Sacerdote; juristas como Papiniano, Ulpiano e Paulo se destacam; em grego: Don Cssio, Digenes Larcio e o maior de todos, Plotino, chefe do neoplatonismo; seu discpulo, Porfrio, escreveu um tratado Contra os cristos). Decadncia: esta a palavra que descreve melhor o Imperium nesses tempos. A astrologia caldia e o mitrasmo se estabelecem. "Se, no seu nascimento, o cristianismo tivesse sido detido no seu progresso por alguma doena mortal, o mundo teria se convertido aos mistrios de Mitra", disse Renan. E at certo ponto verdade. O neoplatonismo um misto de filosofia e religio que vai se opor frontalmente f crist. Juntamente com o restante do paganismo e todos os sincretismos que possam ser imaginados, estas doutrinas infectavam o Imperium, e s encontravam um obstculo consistente e slido: a Igreja. 23. Expanso do Cristianismo no sculo III - "a terceira raa" Enquanto o Imprio comeava sua lenta agonia a Igreja crescia cada vez mais. Havia cristos na Britnia e na Espanha, no Egito e no Danbio, na sia Menor,

nas costas gregas, na Trcia, na Macednia. H tambm alguns em Aelia Capitolina, construda sobre as runas de Jerusalm. As cidades costeiras da Sria possuem grande quantidade de cristos. Em torno do ano 200, Abgar IX, rei de Osreone, converte-se ao cristianismo. Na Glia, Santo Ireneu havia dado incio a uma grande obra de evangelizao. Fora das fronteiras do Imprio, na Mesopotmia, na Prsia, na Etipia e at na ndia chegam pregadores do Evangelho. Povos brbaros, como germanos e godos, receberam a semente da Boa-Nova. O desabrochar destas sementes, no entanto, s acontecer a longo prazo. A maioria dos cristos continua a ser de classe baixa, o que motivo de zombaria para os detratores da nova f. Mas cada vez mais gente de nvel econmico e social "respeitvel" comea a entrar em suas fileiras. Em Alexandria, fundada por Panteno, filsofo estico convertido ao cristianismo, ainda no segundo sculo, uma escola teolgica e catequtica comeava a se desenvolver. Clemente, Orgenes, Atansio e Cirilo sero seus representantes mais significativos. Opondo-se s tendncias alegricas e especulativo-filosficas da escola de Alexandria, surgir, no sc. III, a escola de Antioquia, intensamente dedicada exegese bblica. Seu fundador, acredita-se, o presbtero Luciano de Samsata (+ c. de 312). A hinologia dos primeiros sculos no deixou muitos vestgios. Temos o canto vespertino Phos hilarn e o matutino Dcsa en upsstois theo, nosso Gloria in excelsis Deo. Alguns papiros que foram descobertos traziam cnticos cristos, um deles com notas musicais. As Odes de Salomo so uma coleo de cantos gnsticos do sculo II. Com o crescimento numrico, comeou a haver um certo relaxamento entre os cristos. medida que recrudescia a perseguio, surgiam mais e mais casos de apostasia. Tertuliano afirma no Apologeticum que existem cristos exercendo funes militares. Mais tarde, porm, quando se tornar montanista, ensinar que um seguidor de Jesus no pode servir no exrcito. Hiplito, em sua Tradio Apostlica, apresenta uma lista de profisses proibidas para os cristos: soldado, sacerdote de dolos e magistrado. O militar que deseja se converter no pode mais matar nem fazer juramentos. No momento em que o cristianismo se tornar a religio oficial do Imprio, essas restries vo desaparecer. Haver, no entanto, um rito de purificao para o soldado que tiver derramado sangue. Comeam a ser construdas as primeiras igrejas a partir da metade do sculo III. A casa-igreja de Dura Europos, s margens do Eufrates, o mais antigo edifcio de culto cristo que se conhece (c. de 250). Em suas paredes existem vrios afrescos com temas bblicos. Nas catacumbas de Priscila, em Roma,

temos um afresco com a Virgem e o menino Jesus nos braos (comeo do sc. III). A iconografia crist se desenvolve rapidamente. Os snodos, ou conclios locais, que j se realizavam no sculo anterior, se consolidam e se tornam um meio eficaz para garantir a unidade da Igreja. Diante dos pagos e dos judeus, os cristos formavam o que Santo Agostinho chamava de "tertium genus", a "terceira raa".

24. O confronto Para o Imprio, o cristianismo j no era uma seita de miserveis que podiam ser jogados para as feras do circo. Era uma fora real, que no podia ser ignorada. H mais de quinze anos que a Igreja vivia um perodo de paz. O ltimo Antonino, Cmodo, tinha sido bastante indulgente com os seguidores de Jesus. Chegara a anistiar os cristos condenados a trabalhos forados. No incio do reinado de Stimo Severo tudo continuava tranqilo. Certamente que aconteciam, uma vez ou outra, exploses de dio contra a Igreja, mas no existia uma perseguio organizada, sistemtica. Severo era clemente e se sentia propenso respeitar as crenas orientais. De uma hora para a outra, porm, as coisas mudaram. Talvez o imperador tenha detectado nos cristos um perigo iminente, que punha em risco o futuro de seus domnios. Talvez tenha sido influenciado por algum do seu crculo de amigos mais prximos que detestava os cristos. O certo que a tolerncia rapidamente foi substituda pela represso. Entre os anos 200 e 202 sua deliberao foi promulgada: proibio total de converses ao judasmo e ao cristianismo, sob pena grave. Mas o cristianismo foi quem sofreu mais. Com a ordem do imperador, os funcionrios do Estado no precisavam mais esperar denncias, como determinado pelo Rescrito de Trajano. Um novo e terrvel perodo de perseguies comeava. Perseguies metdicas e direcionadas. Violncia, abuso da autoridade policial, circos lotados com cristos sendo lanados s feras. Uma nova era dos mrtires. Caracala (211-217, estendeu a cidadania romana para todos os habitantes do Imprio), Heliogbalo (218-222) e Severo Alexandre (222-235) reinaram sem incomodar muito. Alguns quiseram insinuar que Severo Alexandre era admirador de Jesus, bem como o imperador Filipe, o rabe (244-249). Estas insinuaes so provavelmente falsas. Mas certo que j existiam funcionrios imperiais cristos. Com Dcio (249-251) a perseguio retorna. No ano 250 todos os moradores do Imprio que possuem cidadania romana so obrigados a manifestar sua adeso religio imperial. Certificados seriam entregues aos que cumprissem

a determinao, enquanto os contraventores correriam o risco de perder a prpria vida. H muitos mrtires em Roma, na sia, no Egito e na frica. Valeriano (253-260), com dois editos, torna a legislao ainda mais rgida. Procurava perseguir especialmente os lderes das comunidades crists: bispos, padres, diconos. Na frica a Igreja sofre severas baixas. Com Galiano (260-268) h mais um perodo de paz. Aureliano (268-275) no dispe de tempo para implantar no Imprio o seu sincretismo solar. Aps dez anos de anarquia, Diocleciano (284-305) toma o poder. Com seu gnio consegue recuperar durante algum tempo o brilho dos tempos gloriosos do Imperium. Suas reformas administrativas e religiosas foram uma das ltimas tentativas de salvar Roma. Foi ele quem organizou e executou a mais terrvel das perseguies contra a Igreja, principalmente no Oriente. Em 286 colocou ao seu lado Maximiano, e dividiu com ele o imprio: Diocleciano com o Oriente e Maximiano com o Ocidente (diarquia). Em 293 foram institudos mais dois imperadores, de categoria inferior, governando em diferentes regies (tetrarquia). Diocleciano e Maximiano possuam o ttulo de Augustus, enquanto os outros dois (Galrio e Constncio Cloro) eram denominados de Csares. Os Csares eram os herdeiros legtimos dos Augustos. Depois da criao da tetrarquia, o Imprio passa a ter quatro capitais: Trveris, Milo, Srmio e Nicomdia.

25. Combater o bom combate A lista de mrtires que poderamos citar desde Stimo Severo at Diocleciano enorme. Vamos apenas enumerar alguns deles aqui. Vbia Perptua, crist na frica, de classe abastada, foi martirizada juntamente com Santa Felicidade no dia 7 de maro do ano 203. Humilhadas e ridicularizadas, passaram pelo fio da espada do carrasco. Outros companheiros foram mortos pelas feras na arena. Potamina, uma jovem crist, foi lanada com a me em uma caldeira cheia de betume inflamado. Sob Dcio: Policrnio, mrtir por volta de 250. Santa gueda, na Siclia, martirizada (aprox. 251). Dionsia, Pedro, Andr e Paulo, martirizados na Turquia. Nemsio, em Alexandria. Pinio, na sia Menor. Frutuoso, na Espanha. O papa Fabiano, em Roma. Sob Valeriano: So Lcio, papa, martirizado, por volta de 254. So Sisto II, papa, e alguns companheiros, cerca de 258. So Loureno (+258), dicono da Igreja romana. Quando foi interrogado sobre o tesouro da Igreja, reuniu todos

os cegos, coxos, aleijados, doentes, velhos e crianas que pde encontrar. Assaram-no vivo em uma grelha. So Marino sofreu o martrio por decapitao em torno do ano 260. Estevo I (papa) e So Tarcsio tambm foram martirizados no reinado de Valeriano. Cipriano, o grande bispo de Cartago, foi decapitado em 258. So Mrio, Santa Marta, Santo Audifax, Santo baco. Presos quando enterravam os mrtires em Roma. Condenados morte, sob Cludio II (268270). So Valentim, sacerdote em Roma, decapitado por volta do ano 270. Sob Diocleciano: So Sebastio, capito do exrcito, por volta de 284. So Vtor, decapitado (303). Vicente, Sabina e Cristeta, na Espanha, por volta do ano 303. So Srgio, martirizado em Cesaria da Capadcia. Santas gape, Quilnia e Irene, martirizadas por volta do ano 304. Marcelino e Pedro, em Roma, por volta de 304. Afra, na Baviera. Flix e Adauto, por volta do ano 304. Janurio e companheiros, por volta de 305. Cosme e Damio, martirizados. Crispim e Crispiniano, na Glia. Severo, Severiano, Carpforo e Vitorino, em Roma. Mais nomes: Afianos e Edsios, no Lbano, Crisgono, em Aquilia, So Brs, bispo da Armnia, Santa Margarida de Antioquia, Santa Catarina, So Maurcio, a legio de Tebas, Santa Ins e Santa Luzia, Santa Brbara. Ao lado dos mrtires, havia muitos cristos que caam na apostasia ou simplesmente fugiam da perseguio. 26. Cisma em Roma Hiplito nasceu antes de 170. Foi presbtero em Roma no pontificado de Vtor (c. de 189-198). Teve conflitos com o papa Zeferino e rompeu abertamente com seu sucessor, Calisto (217-222), acusando-o de sabelianismo (doutrina que ensinava serem o Filho e o Esprito Santo apenas "modalidades" do Pai, propagada por Sablio) e de ser condescendente demais com os pecadores. Fez-se bispo de uma pequena comunidade cismtica em Roma. Foi exilado juntamente com o papa Ponciano para a Sardenha em 235, onde morreu. Hiplito no aceitava a reconciliao dos hereges e apstatas (lapsi). Foi o primeiro antipapa da Histria da Igreja. Escritos importantes de Hiplito: Refutao de todas as heresias (Philosophumena), Crnica, O Anticristo, Comentrio de Daniel (onde diz que Jesus nasceu no dia 25 de dezembro do 42o. ano do reinado de Augusto e morreu no dia 25 de maro do 18o. ano do reinado de Tibrio), Ypr tou kat Ioannen evaggelou ka apokalpseos (defende que Joo o autor do quarto evangelho e do Apocalipse, contra os alogianos, que negavam a doutrina do Logos), Syntagma, A Tradio Apostlica. Hiplito testemunha a doutrina da Igreja sobre as Escrituras, fala da eucaristia como sacrifcio, seguindo a Didaqu na aplicao da profecia de Malaquias (Ml

1,10s). Como Justino, Atengoras, Tefilo e Tertuliano, subordinacionista (ou seja, cr que o Filho tornou-se uma pessoa divina subordinada ao Pai, Logos proferido "posteriormente" para ajud-lo na criao e no governo do mundo). A Tradio Apostlica uma preciosa fonte de informaes sobre a liturgia crist em Roma, no comeo do sc. II (ver a seo XXIX). Entre outras coisas, fala da existncia de um jejum pascal de dois dias, ensina que a eucaristia deve ser tratada com muito cuidado e reverncia, "pois ela o Corpo de Cristo que deve ser comido pelos fiis e no pode ser negligenciado" e exorta os fiis a fazerem o sinal da cruz quando sobrevier a tentao "pois este o sinal da Paixo reconhecidamente provado contra o demnio, desde que feito com f e no para vos exibir diante dos homens..." Hiplito queria uma igreja formada apenas por pessoas "puras" e "santas". Depois dele temos Novaciano. Por volta de 250, Novaciano era um presbtero de prestgio em Roma, com boa formao retrica. Ficou frente de um partido rigorista e se fez bispo da Cidade Eterna, opondo-se ao papa Cornlio. Pereceu durante a perseguio de Valeriano, provavelmente, enquanto o papa Cornlio foi exilado.

27. Clemente de Alexandria e Orgenes Tito Flvio Clemente possivelmente originrio de Atenas, nascido por volta de 150. Depois de se converter, viajou pela Itlia, Sria, Palestina e se estabeleceu em Alexandria, tornando-se aluno de Panteno. Sucedeu o mestre como professor depois do ano 200. Durante a perseguio de Stimo Severo saiu do Egito e foi para a sia Menor, onde morreu antes de 215. Obras: Exortao aos gentios, O Pedagogo, Selees (stromata). Clemente atribui uma espcie de carter sobrenatural filosofia grega. Procurou fazer uma sntese entre a f e a filosofia. Ensinava a eternidade da matria e do mundo, acreditava no carter sacrifical da eucaristia. Orgenes nasceu em Alexandria, em torno do ano 184. Lenidas, seu pai, morreu como mrtir em 202. Sentia um forte desejo de ir para o martrio. Foi colocado frente da Escola de Alexandria em 203, pelo bispo Demtrio. Sua fama se espalhou por toda a parte, atraindo inclusive pagos para suas palestras. Em 212 visitou Roma. Passou em seguida pela Grcia e pela Palestina, onde recebeu a ordenao. A me do imperador Alexandre Severo o chamou at Antioquia, para ouvir seus discursos. Por volta de 232 houve um desentendimento com Demtrio, que o levou a se transferir para Cesaria, na Palestina. L um de seus mais fervorosos discpulos o futuro So Gregrio Taumaturgo. Morreu em 254, por causa dos ferimentos que sofreu durante a

perseguio de Dcio. Eusbio o apelidou de Adamntios (homem de ao) por causa do rigor de seu ascetismo. Depois de morto, Orgenes foi condenado vrias vezes e teve sua obra parcialmente destruda. O nmero de trabalhos e livros que escreveu vastssimo, ultrapassando todos os Padres da antigidade. Alguns exemplos: os Hexapla, onde reunia em seis colunas diversas verses do Antigo Testamento (hebraico, transcrio do hebraico para o grego, traduo de quila, de Smaco, dos LXX e de Teodocio), Contra Celso (apologia contra as acusaes feitas pelo filsofo platnico Celso, no sc. II), Da orao, Exortao ao martrio, Disputa com Herclides. Orgenes imaginava a criao como um ato eterno. Era subordinacionista. Afirmou que a f na presena real de Cristo na eucaristia a "mais comum entre os cristos". Atesta, sem dvida alguma, o carter sacrifical e expiatrio da Santa Missa. Para ele, as almas dos pecadores, depois de algum tempo no Inferno, seriam regeneradas e salvas (apokatstasis pnton). Inspirados em Orgenes e na Escola de Alexandria, muitos escritores cristos desenvolveram suas obras: Jlio Africano, Amnio, Dionsio de Alexandria, o Grande, Gregrio, o Taumaturgo, Firmiliano, bispo de Cesaria, na Capadcia, Teognostos, Pedro de Alexandria, Pnfilo e Hesquio.

28. So Cipriano de Cartago Thascius Cecilius Cyprianus, nascido de uma famlia rica e pag, em Cartago, entre os anos 200-210. Recebeu em 246 o batismo, sendo ordenado, dois ou trs anos depois, bispo de sua cidade. Suas atividades pastorais foram interrompidas pela perseguio de Dcio (250), que o forou a se esconder. Quando muitos apstatas comearam a ser facilmente readmitidos na Igreja surgiu um cisma. Em 251, Cipriano volta para Cartago. Num snodo excomungou os chefes da dissidncia laxista e determinou que os apstatas passassem por severas penitncias antes de reingressarem na comunidade. A peste que atingiu o Imprio em 252 provocou novos sofrimentos e perseguies na frica. Nos ltimos anos de sua vida, teve de se preocupar com a questo do batismo dos hereges. Cipriano considerava invlido o batismo ministrado por hereges. Mesmo com a reprovao do papa Estevo, insistiu em manter seu ponto de vista. Foi decapitado no dia 14 de setembro de 258, em Cartago, sob Valeriano. Pelo martrio certamente foi perdoado de seu erro e foi para junto de Cristo. Escritos de So Cipriano: De ecclesia unitate (c. 251, no qual fica do lado do

papa Cornlio contra Novaciano), De lapsis, De habitu virginum, De mortalitate. No aspecto doutrinrio, o bispo de Cartago ensinava que a unidade da Igreja garantida pela unio de todos com o bispo. "Salus extra ecclesiam non est", no h salvao fora da Igreja. "Quem abandona a sede de Pedro, sobre a qual est fundada a Igreja, como pode afirmar que est na verdadeira Igreja?" "No pode ter Deus por Pai quem no tem a Igreja por me". Os recm-nascidos devem receber logo o batismo e a eucaristia. Uma tradio s vlida quando se apia na "tradio evanglica e apostlica", ou seja, aquela tradio que provm da "autoridade do Senhor e do Evangelho, das prescries e das epstolas dos apstolos". Na questo do batismo, ensina que se a verdade se desvia preciso retornar para as origens, a tradio consignada nas Escrituras. A origem da verdade crist a Tradio, o ensinamento de Jesus e a pregao dos apstolos (observemos, no entanto, que Cipriano dava muito crdito a revelaes e vises particulares). O sacrifcio do sacerdote a repetio do sacrifcio de Jesus na ceia: ambos representam o nico sacrifcio da cruz. A penitncia consiste na confisso pblica dos pecados e na expiao. Todos os justos defuntos (inclusive os no-mrtires) recebem sua recompensa imediatamente aps a morte. O estado intermedirio no Hades se aplica aos penitentes somente.

29. Os sacramentos no sculo III Sobre a liturgia deste perodo, temos vrias fontes. Hiplito, em sua Tradio Apostlica, fala sobre o batismo, a eucaristia, a ordenao... Vejamos como era: Batismo - Atestao clarssima do batismo de crianas. Logo ao amanhecer, ora-se sobre a gua que vai ser usada no batismo. O sacerdote ordena a cada um dos catecmenos que renuncie a Satans. Os que renunciam so ungidos com o leo do exorcismo, consagrado pelo bispo. Depois, na gua, aquele que batiza pergunta ao catecmeno se este cr no Pai, no Filho e no Esprito Santo (profisso de f j parecida com o smbolo apostlico atual), mergulhando-o a cada resposta afirmativa. Quando saem da gua, os nefitos so ungidos com o leo de ao de graas. Todos se vestem e se dirigem para a igreja, onde recebem a imposio de mos do bispo e so ungidos (Crisma). Depois de marcar o nefito na testa, o bispo lhe d um beijo e diz: "O Senhor esteja contigo". O que foi marcado responde: "E com o teu esprito". Todos tomam parte na assemblia depois que recebem o sacramento