história da arte no brasil 3_trabalho final
DESCRIPTION
Texto crítico sobre alguns trabalhos da artista Ana Maria Tavares_Porto Pampulha - Ambiente de passagem para o “não-lugar”TRANSCRIPT
Sumário
Artigos que compõe a pesquisa sobre Ana Maria Tavares e Leda Catunda:
1. Porto Pampulha - Ambiente de passagem para o “não-lugar” ..........
pág. 2
2. Outras possibilidades de pintura nos anos 80: Ana Maria Tavares e Leda Catunda E diálogos sobre o texto “Testemunha Ocular” (Peter Burke) .......... pág. 7
1
Porto Pampulha
Ambiente de passagem para o “não-lugar”
I.
O presente trabalho tem por objetivo discutir de que maneira o grupo de obras
“Porto Pampulha1” - da artista visual Ana Maria Tavares, dialoga com o espaço
do Museu de Arte da Pampulha (BH), como o espaço e público são ativados
através da obra?
O Museu da Pampulha, projeto do arquiteto Oscar Niemeyer e parte integrante
do conjunto arquitetônico da Pampulha, tem sua primeira inauguração no ano
de 1943 – como um cassino. Em 1946 é fechado devido à proibição de jogos
no país e volta a reabrir em 1957 como um museu.
Como um espaço que foi pensado e arquitetado para ser uma casa de jogos
poderia abrigar um museu e suas necessidades? Seria isso um problema? Em
um comentário de Oscar Niemeyer, o arquiteto faz uma primeira consideração
acerca do espaço: “Fiz este projeto em uma noite, não tive outra alternativa.
Mas quando funcionava como cassino, cumpria bem suas finalidades, com
seus mármores, suas colunas de aço inoxidável, e a burguesia a se exibir,
elegante, pelas suas rampas.”. Com a transformação de cassino em museu, a
arquitetura planejada por Niemeyer muda sua função e encontra desafios, em
última instância identitários. Em complemento ao comentário do arquiteto,
temos o de Ana Maria Tavares que fala sobre a vocação desse espaço:
1 Site-specific, 1997
2
“O Museu da Pampulha tornou-se museu por força do destino ou por
obra do acaso. Sua vocação sempre foi aquela para a qual foi
concebido, um cassino; talvez até pudesse ser um clube privado ou
casa de shows. Mas certamente sua vocação não é a de ser um
museu na concepção do museu moderno, certamente que não. Se
um dia foi transformado em museu, não há como forçá-lo a ter
características neutras, ele nunca vai ser o espaço ideal da arte, do
tipo ‘cubo branco’”2.
A exposição “Porto Pampulha” propõe uma revisão desse espaço arquitetônico.
Com espelhos convexos, corrimãos, colunas de aço, sofás e outros elementos,
o site-specific de Ana Maria Tavares induz o olhar para o espaço. O trabalho se
insere no ambiente, se camufla, compõe com a paisagem, e mais, faz com que
o próprio espaço seja capaz de se ver; e ao público traz indagações como as
citadas pela artista: “onde estou? Ou, isso é um museu?”3.
II.
Os “não-lugares” de Ana Maria Tavares são espaços, onde o mobiliário se
assemelha muito ao de lugares públicos com grande trânsito, como metrôs,
shoppings e etc. E por muitas vezes passamos distraídos e indiferentes por
esses lugares, como aponta Ana Maria. São espaços concebidos para trazer
um falso conforto a quem transita.
2 TAVARES, Ana Maria. Porto Pampulha, in Ana Maria Tavares – Depoimento. Minas Gerais, 2003, p. 42-
43.3 Citação do texto da artista Ana Maria Tavares “A instituição como interface”, 2007.
3
A artista então recria esses mobiliários dentro de museus - como no caso do
MAP- e propõe “experiências radicais com o objetivo de reconectar o sujeito a
um estado de consciência crítica” 4. Porto Pampulha desempenha a função de
ampliar a visão do público para com o espaço e por consequência amplia
também a consciência do espectador no museu. Posteriormente a se perguntar
que espaço é esse, assim opera a experiência do reflexo. Através dos muitos
espelhos que ampliam e com isso tiram a estabilidade prévia do museu e do
público. O movimento de análise crítica é sempre de ida e volta; olhar para o
espaço e o espaço olhar em retorno. Desse modo o mobiliário torna-se o
dispositivo mediador dessa troca (espaço arquitetônico – institucional/ público-
agente5). Assim o estranhamento para com o que deveria ser -
tradicionalmente conhecido como um cubo com paredes totalmente brancas e
quadros pendurados é acionado, permitindo que a obra ative e forneça meios
para que a crítica do observador aflore.
O mobiliário intimamente conectado ao design é denominado pela artista como
“próteses de arquitetura”, “suporte para o corpo” e “aparelhos para a
experiência de suspensão”. São dispositivos que tem a intenção de mostrar a
arquitetura do museu – tanto espaço externo, como interno. No texto de
apresentação da exposição Porto Pampulha o curador Martin Grossmann faz
uma sucinta abordagem sobre os trabalhos que compõem o conjunto:
[...] ”as obras, nesse espaço, nos atraem, nos fascinam, mas ao mesmo tempo nos repelem. Porto Pampulha conota essa polarização, esse jogo entre o estar abrigado sob a fiança da sensualidade do belo das obras expostas no ambiente-museu e o ser em trânsito em um não-lugar, no caso o museu em sua atemporalidade turística. Essa condição transitória é alimentada pela ação crítica da instalação da artista, que vai buscar cumplicidade com aquele que por ali passa. Ana possui uma visão com anteparos, com reticências, que nos coloca em posição de alerta frente a possibilidade de nos submetermos, assim sem mais nem menos, ao belo.”6
4 Artigo “Anotações sobre o trabalho como espelho”, Ana Maria Tavares, 2008.5 No sentido de que quando assimilamos o espaço nos tornamos possíveis agentes de mudanças em qualquer instância.6 Texto curatorial “Visões de Pampulha”, Martin Grossmann, 1997.
4
Museums’ Piece (Coluna Niemeyer com sofá), 1997Madeira, couro branco, aço carbono, aço inox e espelho retrovisor / 191 x 400 cm
O termo “sujeito em trânsito” também utilizado pela artista nos aponta o homem
contemporâneo, que vive em grandes centros urbanos “como corpo em
movimento aprisionado na cidade contemporânea, seduzido pela beleza e pelo
poder, mas ao mesmo tempo em busca de escape”7. Ao nos depararmos com
a frase de Ana Maria Tavares podemos perceber certa similaridade com a
citação de Niemeyer; o homem burguês que vai ao belo cassino com grandes
salões, altas colunas e pomposas rampas. O homem atraído por lugares
sofisticados agora é colocado de frente a essa reflexão; o mobiliário de Ana
Maria mostra exatamente um lugar onde na história foi lugar de dinheiro, poder
e beleza. Criticando mais além, Porto Pampulha coloca em cheque até que
ponto o museu não seria também esse lugar da beleza e até extravagância.
Vale ressaltar que todo o espaço de trânsito criado por Ana Maria para essa
exposição é utilizado como um meio de pensar a arquitetura, o lugar em que o
homem contemporâneo se encontra8 em uma experiência solitária. E como
espaços tradicionalmente conhecidos pela grande movimentação de pessoas
nos auxiliam a pensar o mundo contemporâneo e as relações sociais.
7 Artigo “Anotações sobre o trabalho como espelho”, Ana Maria Tavares, 2008.8 O termo “se encontra” é utilizado com base na ideia de trânsito. Neste momento o homem está em um lugar, consciente disso ou não, e em outro estará transitando para outro espaço. A ideia de movimento constante também se aplica.
5
Coluna com Espelho RetrovisorColuna em aço inox com Ø 3,5' e espelho retrovisor de Ø 80cm e altura variável
Bibliografia
TAVARES, Ana Maria. Porto Pampulha, in Ana Maria Tavares – Depoimento.
Minas Gerais, 2003
TAVARES, Ana Maria. A Instituição como Interface, 2003
TAVARES, Ana Maria. Anotações sobre o trabalho como espelho, 2008
GROSSMANN, Martin. Visões de Pampulha. São Paulo, 1997
Fonte eletrônica:
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?
fuseaction=instituicoes_texto&cd_verbete=4992
https://www.facebook.com/media/set/?
set=a.281344271966715.49558.267865103314632&type=3
http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?
evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&app=fundacaocultura&tax=23386&lang=pt
_BR&pg=5520&taxp=0
6
Outras possibilidades de pintura nos anos 80: Ana Maria Tavares e Leda Catunda
E diálogos sobre o texto “Testemunha Ocular” (Peter Burke)
I.
O presente texto tem por objetivo criar diálogos entre a pesquisa de monografia
“Outras possibilidades de pintura nos anos 80: Ana Maria Tavares e Leda
Catunda” e o artigo de Peter Burke “Testemunha Ocular”. A discussão girará
em torno da relevância das imagens para o momento histórico da arte
contemporânea no Brasil nos anos 80 e para as artistas acima citadas.
Abordaremos os paradigmas da prática artística brasileira da época, com
enfoque na produção paulista – capital onde Ana Maria e Leda produziram
neste período. Analisaremos também as quebras de pensamento e prática
realizadas pela chamada Geração 80 em contraponto às práticas das duas
artistas, conhecidas por subverterem as tendências da geração. E o conceito
de testemunho ocular em relação à produção dessas artistas.
De que maneira a imagem se relaciona intrinsecamente nos trabalhos de Ana
Maria e Leda? Como essas artistas de apropriam de outras imagens para criar
suas releituras e por consequência ressignificá-las?
Palavras-chave: Imagem, relevância histórica, Geração 80, Ana Maria Tavares,
Leda Catunda
7
II.
A chamada Geração 80 teve início no período mais ou menos próximo ao fim
da censura no Brasil. Suas raízes críticas estavam localizadas no Rio de
Janeiro, mais precisamente na Escola de Artes Visuais Parque Lage. Muitos
críticos, curadores e jornalistas apontavam este como o momento de retorno à
pintura.
Com a influência do Neo-expressionismo alemão e da Transvanguarda italiana,
a maioria dos trabalhos produzidos no Brasil dos anos 80 são pinturas. Traços
relativos à emoção e alegria eram transmitidos através do uso de muitas cores,
do gesto livre como extensão do corpo e das múltiplas camadas de tinta
encontradas sobre as telas. Sem grandes estudos de composição ou técnicas
científicas, a ordem era pintar. O artista “saiu das ruas”9 e voltou para seu ateliê
a fim de colocar na tela seus sentimentos e mais profundos pensamentos. A
época de saída da ditadura teve sua parcela de influência na produção
artística.
A exposição tida como maior referência da década “Como vai você Geração
80” aconteceu em 1984 no Parque Lage. Com vários artistas cariocas e alguns
paulistas, esta exposição/ festa estabeleceu os paradigmas para a produção
daquele momento.
Contudo, sairemos do polo principal e nos direcionaremos para São Paulo –
que não aderiu totalmente às práticas que aconteciam no Rio de Janeiro. A
Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) foi o grande centro de produção
dos jovens artistas em SP.
A produção em São Paulo (por consequência na FAAP) ainda estava muito
ligada ao conceitualismo, grande parte por causa dos professores e artistas
Regina Silveira, Nelson Leirner e Júlio Plaza. Ana Maria e Leda graduaram
pela FAAP, tendo passado por aulas de diversas técnicas artísticas e aulas
teóricas – pensando sempre sobre arte contemporânea e a possibilidade de
utilização de suas múltiplas linguagens. Muito diferente do que acontecia no
9 Em relação à produção dos anos 70; conceitual, política e engajada com os problemas do Brasil.
8
Rio de Janeiro que possuía a EAV e a EBA; uma com filosofia de ateliê livre e a
outra uma academia de belas artes.
III.
A utilização da imagem no Brasil da década de 80 possui duas vertentes; uma
que utiliza o “testemunho ocular” do cotidiano, da mídia; e outra mais
conectada a questões conceituais10 e o uso de outros suportes. Na primeira
vertente o uso de imagens era mais recorrente, como por exemplo, imagens
que circulavam muito na mídia: personagem de desenhos, elementos de
propagandas publicitárias e etc. No trabalho de Leda Catunda “Vedação
laranja” de 1983 (imagem abaixo) notamos figuras animadas, literalmente
vedadas por tinta laranja, deixando apenas transparecer determinados
elementos, numa tentativa de separar a imagem de seu significado original,
torná-la mais pura enquanto imagem. O uso da manufatura voltou muito forte e
uma preferência pela artesania da arte.
Em consequência do desejo de liberdade de produção o uso de imagens de
outras épocas e estilos, como referência para estudos, tornou-se menos
10 Não tendo a pintura como técnica primária em sua produção.
9
recorrente, dando lugar muitas vezes a cenas capturadas pelo próprio artista
em seu cotidiano.
IV.
A produção artística de Ana Maria Tavares e Leda Catunda era um tanto
quanto peculiar em meio às grandes telas. Estabeleciam seu trabalho pela
negação; não queriam o suporte tradicional (tela), não prezavam
exclusivamente por trabalhos de grandes dimensões; não pintavam pelo puro
prazer de pintar – em verdade tinham grandes questionamentos e produziam
no intento de enfrentá-los, não adotavam o rótulo Geração 8011.
Ana Maria Tavares
Sempre trabalhando com objetos-instalação Ana nunca deixou de trazer a tona
questionamentos condizentes a pintura em suas obras. Sempre pensando
sobre o espaço e o lugar do espectador nesse espaço, seus ambientes
refletiam sobre o posicionamento do público em relação ao lugar da pintura. Na
obra “Bico de Diamante” de 1990, a artista delimita o espaço tradicional de
quem olha um quadro com um grande painel de metal e um corrimão
posicionado bem em frente a esse painel. O corrimão nos remete as linhas que
vemos muitas vezes em frente aos quadros, linhas que delimitam nossa
aproximação.
Já em “Objeto- instalação” de 1983 Ana Maria cria um ambiente onde a pintura
sai do plano bidimensional e percorre o espaço, unindo-se também a
arquitetura do museu. A intenção de tirar a pintura da moldura e da tela – seus
lugares originais por tradição, tornam-se a grande experiência de pintura para a
artista.
Os dispositivos criados por Ana Maria suscitam críticas como: qual o lugar da
pintura? Qual o meu lugar em relação à pintura? Como essa pintura se
relaciona com o espaço em que se encontra?12
11 Tanto não aceitavam esse rótulo que em 1990 fizeram a exposição “Arte Híbrida” a fim de estabelecer que suas obras não se enquadravam no que a Geração 80 produzia. Tinham questões e objetivos a parte.12 Sem a moldura a pintura se movimenta para o espaço ao redor, não está mais presa, não cria mais um espaço virtual. Está integrada ao ambiente.
10
Bico de Diamante, 1990
Leda Catunda
A artista define seus trabalhos como pinturas-objeto. Leda trabalha com
cortinas, toalhas, panos de mesa e qualquer outro material comumente
utilizado por todos. Os elementos como desenhos e estampas, encontrados
nesses artigos populares, são o que interessam. O processo de vedação é
muito comum em seus trabalhos na década de 80. Só somos permitidos olhar
muitas vezes alguns fragmentos do que está por trás. E é exatamente essa a
intenção.
Mais próxima do que Ana Maria Tavares, das questões que borbulhavam nos
anos 80, Leda ainda tem a tinta como um dos principais elemento em suas
obras. Porém, mesmo assim não deixam de ter uma carga de cinismo. São
objetos e pinturas ao mesmo tempo, ainda possuem a carga de serem toalhas
e cortinas. E suas fontes primárias estão nas camisas de futebol, no Mickey,
peixinhos das cortinas de banheiro, entre tantas outras partes da mass media.
Bibliografia
CANOGIA, Ligia. Anos 80 – Embates de uma Geração. Editora Francisco
Alves, Rio de Janeiro, 2010.
11
O museu de Arte de Niterói: as coleções. Fundação de Arte de Niterói/ FAN/
MAC Niterói, 2010.
BURKE, Peter. O testemunho das imagens. In: Testemunho Ocular: história e
imagem. Editora EDUSC.
TAVARES, Ana Maria. Ana Maria Tavares – Depoimento. Minas Gerais, 2003
12