história da arte como história da cidade

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Modalidade: Comunicação oral, apresentação slides GT: Artes Visuais Eixo Temático: Histórias: documentações, acervos e narrativas. HISTÓRIA DA ARTE COMO HISTÓRIA DA CIDADE: LEITURA DE IMAGEM NA OBRA DE ADRIANA VAREJÃO Ane Beatriz dos Santos Reis (UFPE/PE/BR) Luciana Tavares (UFPE/PE/BR) Maria das Vitórias Negreiros do Amaral (UFPE/PE/BR) RESUMO: O planejamento pedagógico da escola é uma proposta documental que sinaliza o que o professor de Artes precisa pesquisar e discutir com seus estudantes. Quando a opção for trabalhar a História da Arte, este planejamento pode ser formatado como um mapa cronológico da História da Arte e seus estilos ou baseado em projetos interdisciplinares ou ainda organizado sobre temas discutidos com os estudantes. Tal planejamento, diante de tantas possibilidades que a História da Arte apresenta para problematização, não cabe ser fechado em nomes de artistas ou títulos de obras. Sendo assim, recai sobre o professor/pesquisador escolher que artistas pesquisar a cada conteúdo abordado e que obras discutir. Como escolher? Como definir obras e artistas que serão pesquisados? Considerar apenas a bibliografia disponível? Livros, revistas, sites? Esse é o ponto principal desse artigo. Iremos abordar, portanto a possibilidade de pesquisa e problematização da narrativa da história da Arte a partir das relações “Arte e cidade”. Teremos como referência principal os escritos de Giulio Carlo Argan, a partir dos anos 60 do século XX, (ARGAN, 2010), que trazem em diversos aspectos as relações entre Arte e cidade e suas implicações. A artista escolhida nesse artigo é Adriana Varejão e sua obra “Linda do Rosário, 2004”, da série Ruína de Charque. Acrescentaremos aos textos de Argan a bibliografia disponível (livros, sites, entrevistas, revistas, etc) sobre a artista e sua trajetória e questionaremos se essa obra de Adriana conta a história da cidade e que relações podemos tecer a respeito disso? Palavras-chave: História da Arte; leitura de imagem; cidade HISTORY OF ART AS A CITY HISTORY: IMAGE READING IN THE WORK OF ADRIANA VAREJÃO ABSTRACT ou RESUMEN ou SOMMAIRE: The pedagogical plan of a school is a proposal document that signals what the Arts teacher needs to research and discuss with your students. It can be formatted as a chronological map of art history and its styles or based on interdisciplinary projects or even organized on topics discussed with students. Such planning, with so many possibilities that art history presents for questioning, could not be closed in artist names or titles of works. Therefore, depends on the teacher/researcher choosing which artists should be researched for each covered topic as well as which works should be discussed. How to choose? How to set works and artists that will be researched? Consider only the available literature? Books,

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História Da Arte Como História Da Cidade

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Page 1: História Da Arte Como História Da Cidade

Modalidade: Comunicação oral, apresentação slides GT: Artes Visuais Eixo Temático: Histórias: documentações, acervos e narrativas.

HISTÓRIA DA ARTE COMO HISTÓRIA DA CIDADE: LEITURA DE IMAGEM NA

OBRA DE ADRIANA VAREJÃO

Ane Beatriz dos Santos Reis (UFPE/PE/BR) Luciana Tavares (UFPE/PE/BR)

Maria das Vitórias Negreiros do Amaral (UFPE/PE/BR) RESUMO: O planejamento pedagógico da escola é uma proposta documental que sinaliza o que o professor de Artes precisa pesquisar e discutir com seus estudantes. Quando a opção for trabalhar a História da Arte, este planejamento pode ser formatado como um mapa cronológico da História da Arte e seus estilos ou baseado em projetos interdisciplinares ou ainda organizado sobre temas discutidos com os estudantes. Tal planejamento, diante de tantas possibilidades que a História da Arte apresenta para problematização, não cabe ser fechado em nomes de artistas ou títulos de obras. Sendo assim, recai sobre o professor/pesquisador escolher que artistas pesquisar a cada conteúdo abordado e que obras discutir. Como escolher? Como definir obras e artistas que serão pesquisados? Considerar apenas a bibliografia disponível? Livros, revistas, sites? Esse é o ponto principal desse artigo. Iremos abordar, portanto a possibilidade de pesquisa e problematização da narrativa da história da Arte a partir das relações “Arte e cidade”. Teremos como referência principal os escritos de Giulio Carlo Argan, a partir dos anos 60 do século XX, (ARGAN, 2010), que trazem em diversos aspectos as relações entre Arte e cidade e suas implicações. A artista escolhida nesse artigo é Adriana Varejão e sua obra “Linda do Rosário, 2004”, da série Ruína de Charque. Acrescentaremos aos textos de Argan a bibliografia disponível (livros, sites, entrevistas, revistas, etc) sobre a artista e sua trajetória e questionaremos se essa obra de Adriana conta a história da cidade e que relações podemos tecer a respeito disso? Palavras-chave: História da Arte; leitura de imagem; cidade

HISTORY OF ART AS A CITY HISTORY: IMAGE READING IN THE WORK OF ADRIANA VAREJÃO

ABSTRACT ou RESUMEN ou SOMMAIRE: The pedagogical plan of a school is a proposal document that signals what the Arts teacher needs to research and discuss with your students. It can be formatted as a chronological map of art history and its styles or based on interdisciplinary projects or even organized on topics discussed with students. Such planning, with so many possibilities that art history presents for questioning, could not be closed in artist names or titles of works. Therefore, depends on the teacher/researcher choosing which artists should be researched for each covered topic as well as which works should be discussed. How to choose? How to set works and artists that will be researched? Consider only the available literature? Books,

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magazines, websites? This is the main point of this article. We will address, therefore, the possibility of research and questioning of the narrative of art history using the relations "art and the city". We will have as main reference the writings of Giulio Carlo Argan, from the decade of sixties of the twentieth century (Argan, 2010), which bring in many respects the relationship between art and the city along its implications. The selected artist within this article is Adriana Varejão and her work known as "Linda do Rosário, 2004," from the Ruin of Jerky series. Will add to the texts of the Argan available literature (books, websites, interviews, magazines, etc) about the artist and his career and shall question whether the work of Adriana tells the story of the city and which relationships can we weave about it? Key words: History of Art; image reading; city 1 Introdução

Problematizar a História da Arte na escola, tanto no Ensino Fundamental (EF) quanto no Ensino Médio (EM), é uma tarefa desafiadora e motivadora. Especificamente, a docência no EM, nos últimos anos acompanhou transformações não só didáticas e metodológicas, mas também nas avaliações, em face às mudanças ocorridas nos processos de ingresso nas universidades brasileiras. Como exemplo podemos citar, no estado de Pernambuco, a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) que até 2013 realizava o processo seletivo com provas vestibulares em duas etapas, a partir de 2014 aderiu ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu) do Ministério da Educação (MEC) que utiliza as notas do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Segundo levantamento da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), realizado em 2013, das 63 universidades federais brasileiras, 54 adotaram o Sisu, parcial ou totalmente.

Não é nosso objetivo principal analisar neste artigo as questões de Artes ou também as interdisciplinares que caíram nas provas anteriores do ENEM, mas é relevante sinalizar que o formato da prova do exame nacional traz uma abertura a novas discussões e problematizações em Artes. Tal formato aproxima os conteúdos elencados nos projetos pedagógicos das instituições de ensino aos conteúdos de outros componentes curriculares, aos contextos históricos/sociais de cada época e também a uma leitura de imagem crítica das obras de arte. Nesse sentido quando Argan (2010, p. 19) afirma que

(...) Uma História da Arte só é possível e legítima se explicar o fenômeno artístico em sua globalidade; não se pode fazer uma História da Arte se não se admite a existência de uma relação entre todos os fenômenos artísticos, qualquer que seja a dimensão espaço-temporal em que foram produzidos.

O autor nos provoca a repensar as narrativas e as histórias da Arte que pesquisamos em livros e reproduzimos em sala de aula sem discutirmos tais relações? Isolamos a discussão na obra, ou no estilo, ou apenas no contexto histórico? Também, como podemos instigar os nossos estudantes a fazerem essas relações? E que relações nossos estudantes podem fazer com tais obras, mesmo àquelas de tempos remotos ou às da contemporaneidade e que estão bem próximas do seu cotidiano? Ou ainda nos processos artísticos da Arte contemporânea, que por vezes são difíceis de serem entendidos até mesmo pelo professor, como aproximar e explicar tal fenômeno artístico em sua globalidade? O tema presente nos escritos de Argan a partir dos anos 60 do século XX, “arte e cidade” e reunidos no livro “História da Arte como história da cidade” (ARGAN, 2010), será o fio condutor dessa pesquisa.

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Propomos discutir sobre Arte contemporânea, com foco nos adolescentes do Ensino Médio (EM), e escolher um artista e uma de suas obras ou uma série de obras, que tenham ou sinalizem, de alguma forma, essa relação arte-cidade. Essa proposta contempla pesquisar sobre História da Arte sim, mas não somente realizar um recorte sobre a obra e seu autor ou sua estética, mas tecer relações sobre a mesma e seu processo criativo com o contexto em que ela foi produzida; com as pessoas e histórias que fazem parte de sua narrativa; com a cidade ou cidades em que essa narrativa se desenvolveu. Nesse texto, a artista escolhida é Adriana Varejão e sua obra “Linda do Rosário, 2004”, da série Ruína de Charque. Para esmiuçar e constatar ou não que “Linda do Rosário” tem uma relação obra-cidade-história da arte-história da cidade, (considerando aqui “cidade”, local onde ela foi produzida ou qualquer outra cidade que a artista tenha pesquisado), se faz necessário a leitura de imagem e discutir suas complexidades. Para tanto buscaremos em Terezinha Losada (LOSADA, 2011) em oficina do olhar sincrônico, as orientações para a interpretação da imagem, a partir das abordagens linguísticas de Roman Jakobson.

A metodologia, direcionada para o ensino de Arte no EM, é baseada sob as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais/Artes do MEC (PCN/Artes). Para as Artes Visuais no EM os PCN/Artes requerem do estudante “adquirir competência para perceber homens e mulheres enquanto seres simbólicos e sociais que pensam e se expressam através de signos também visuais e audiovisuais” ”(PCN/EM, 2000, p. 55). Acreditamos que nessa percepção pessoal e/ou coletiva do ser simbólico não se passa por uma História da Arte não vivenciada e experimentada.

Conhecer histórias sem conexões com sua realidade ou sem tecer relações com suas vivências, mesmo àquelas dos tempos mais remotos, se torna uma experiência sem trocas, sem conhecimento da dimensão espaço-temporal que Argan defende. Ou ainda, como nos aponta Paulo Freire1, repetição de um formato de “educação bancária” da História da Arte, com descrições, informações sobre o artista e seu estilo ou também sobre a obra em si. Um pacote de informações que muitas vezes parece um pacote vazio, sem sentido para os estudantes, sem relação com o seu contexto, seu entendimento, seus anseios.

Na prática pedagógica, pensar em uma História da Arte como troca de conhecimentos e experiências é o princípio para a elaboração de um projeto pedagógico da escola. A Resolução nº 2/20122, do Conselho Nacional de Educação (CNE/MEC) insere o componente curricular Arte na área de conhecimento “Linguagens” e no Artigo 15 traz orientações para a elaboração do projeto político-pedagógico das instituições de ensino.

Art. 15. Com fundamento no princípio do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, no exercício de sua autonomia e na gestão democrática, o projeto político-pedagógico das unidades escolares, deve traduzir a proposta educativa construída coletivamente, garantida a participação efetiva da comunidade escolar e local, bem como a permanente construção da identidade entre a escola e o território no qual está inserida (Resolução CNE/CEB 2/2012, p. 6)

1. Paulo Freire (1921-1997) foi o mais célebre educador brasileiro, com atuação e reconhecimento internacionais. Conhecido principalmente pelo método de alfabetização de adultos que leva seu nome, ele desenvolveu um pensamento pedagógico assumidamente político. O principal livro de Freire se intitula Pedagogia do Oprimido e os conceitos nele contidos baseiam boa parte do conjunto de sua obra (http://revistaescola.abril.com.br/formacao/mentor-educacao-consciencia-423220.shtml). 2. Resolução CNE/CEB 2/2012. Diário Oficial da União, Brasília, 31/01/2012, Seção 1, p. 20.

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Nessa pesquisa discutiremos a disciplina Arte apenas na linguagem Artes Visuais. Propomos, para o projeto pedagógico do componente Artes Visuais, uma proposta educativa construída coletivamente, em que suas práticas metodológicas não somente configurem um mapa cronológico da História da Arte ou reduza seus conhecimentos a descrições formais sobre os movimentos artísticos. Tal planejamento, diante de tantas possibilidades que a História da Arte apresenta para seus pesquisadores e problematizadores na escola, não cabe ser fechado apenas em nomes de artistas ou títulos de obras, devendo nesse contexto aguçar o senso crítico dos estudantes e tecer relações entre essas histórias e suas implicações em épocas passadas e na atualidade.

Destacamos ainda nos PCN/Ensino Médio/Linguagens Códigos e suas Tecnologias – Artes, as orientações quanto a competências e habilidades para “ler e interpretar produções artísticas e culturais”

(…) compreender as linguagens artísticas como manifestações sensíveis, cognitivas e integradoras da identidade. Em outras palavras, saber ler produções artísticas significa fazer apreciações críticas de trabalhos de arte, com atribuição de significados e estabelecimento de relações com variados conhecimentos. (PCN+ Ensino Médio/Linguagens Códigos e suas Tecnologias – 2001, p. 1863.)

Compreender as linguagens artísticas como manifestações sensíveis,

cognitivas e integradoras da identidade requer entre outras ações, muita pesquisa sobre tais linguagens e suas produções, acompanhado de senso crítico aguçado. E pesquisa não somente nos livros de artes, revistas ou sites de instituições culturais, mas também pesquisas sobre a cidade, sobre a sociedade e sua complexidade.

Sugerimos para o planejamento pedagógico para Artes Visuais no EM discutir, entre outros conteúdos, as vanguardas artísticas e a arte contemporânea, por abrirem espaço para leituras mais subjetivas do que se quer mostrar através da imagem em questão. O objetivo neste período da Arte não era reproduzir somente de forma fiel a natureza e sim suscitar outras possibilidades de leitura do que se mostrava. Portanto, as vanguardas e arte contemporânea proporcionam ao estudante uma atitude mais crítica e reflexiva de leitura de imagem, como sugerem os PCN’s. Nesse sentido, discutiremos como estabelecer relações com variados conhecimentos e buscar elementos integradores de identidade, a partir da produção artística contemporânea na obra da artista Adriana Varejão. E na escolha de um recorte da produção de Adriana, propomos problematizar o processo criativo, a narrativa e a leitura de imagem da obra Linda do Rosário, 2009, da série Ruínas de Charque. A essa proposta acrescentamos outros questionamentos: essa Arte conta a história da cidade? O que conta e como conta? A referência principal são os textos sobre crítica e História da Arte, a partir dos anos 60 do século XX, que problematizam Arte e cidade de Giulio Carlo Argan, (ARGAN, 2010). Tais escritos trazem sob diversos aspectos as relações entre Arte e cidade e suas implicações.

2 Um pouco da artista Adriana Varejão

Pesquisar sobre a artista Adriana Varejão através da internet não é uma tarefa difícil. Numa pesquisa aleatória com seu nome no site de busca www.google.com encontramos, aproximadamente, 239.000 resultados relacionados 3. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/linguagens.pdf  

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com o nome Adriana Varejão na rede mundial. Entre estas, informações sobre sua trajetória, há entrevistas, artigos publicados por graduandos e pós-graduandos em Arte e centenas de fotos da artista, imagens de suas produções e exposições temporárias e permanentes de suas obras. Outra fonte de pesquisa é o site da própria Adriana4, muito bem estruturado e com informações biográficas, exposições, textos e publicações, imagens e vídeos sobre sua trajetória artística.

Adriana Varejão nasceu no Rio de Janeiro em 1964, cidade onde atualmente mora e trabalha, no mínimo, oito horas por dia, em um grande ateliê. Seu mergulho no universo da arte acontece no centro nervoso da Arte contemporânea no Rio de Janeiro dos anos 1980, o Parque Laje5. Em 1985, com colegas dessa época, monta um ateliê e inicia sua carreira como artista plástica. Sua primeira exposição individual acontece em 1986, e as primeiras coletivas, da trajetória meteórica, em 1989 no Stedelijk Museum, Amsterdam, Holanda e Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Portugal.

No período de agosto à outubro de 2014, a artista mostra sua primeira vídeo instalação, “Transbarroco” no Instituto Oi Futuro/RJ. Em entrevista divulgada no site do Instituto, em julho de 2014, a artista falou sobre seu processo de criação comparando-se a uma criança curiosa, com se resgatasse a percepção infantil não moldada pela educação escolar, livre de preconceitos. E ainda preconizou sobre a importância da pesquisa como fonte inspiradora para suas criações, “(...) Quando estou entre uma série e outra costumo folhear livros, ver imagens, absorver o máximo possível de informação. Isso estimula a minha criatividade” (entrevista para o site oifuturo.org, divulgada em 24/07/20146).

As inúmeras referências da História da Arte, especialmente o Barroco e as imagens e informações que a artista absorve em suas pesquisas são degustadas e transformadas no seu processo criativo, resultando em séries de trabalhos e obras cada vez mais instigantes e elaboradas. Desafio para os amantes da Arte contemporânea, para os professores de Arte nas escolas e espaços não formais e também para todos que vislumbram a Arte de Adriana Varejão e sua pesquisa artística sobre o Barroco.

O interesse pelo Barroco, por temas da colonização do Brasil e por azulejaria vieram logo depois, e a acompanham até hoje. A eles se somou a representação da carne como elemento estético, a visceralidade e a investigação do corpo humano (PESSANHA, Luciana. Adriana Varejão e o gosto pelo eterno, publicado no site www.adriana.net. Acessado em 15/08/2014).

3 Linda do Rosário, 2004, Adriana Varejão As ruínas servem de metáfora para um tempo inacabado. Indicam a fragilidade da tradição, a precariedade da noção de projeto e a instabilidade dos valores em países como o Brasil, onde o descontínuo é a regra. Representam o tempo iminente da decomposição da carne. (Adriana Varejão).

Na pluralidade das obras de Adriana Varejão não é fácil escolher apenas uma

ou até mesmo uma série de um determinado período da trajetória da artista. O 4. adrianavarejão.net 5 Escola de Artes Visuais do Parque Lage, vinculada à Secretaria de Estado de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, espaço aberto às mais diversificadas experiências artísticas. 6. Disponível em: http://www.oifuturo.org.br/noticias/adriana-varejao-e-as-multiplas-influencias-de-sua-obra/

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primeiro critério a ser definido é a questão relacionada à estética. Entre tantas obras qual escolher? As que remetem ao belo, mas que também intrigam? Pois nos figurativos de Adriana Varejão nenhuma imagem é simplista. Ou optar pelo grotesco que inibi, afasta o olhar e por vezes causa desconforto? Pressupondo que a segunda opção é mais desafiadora. Esta será a escolha e entre tantas obras que a artista já produziu nesse aspecto, a selecionada é Linda do Rosário, 2004, da série Ruínas de Charque.

Imagem 1 – Linda do Rosário, 2004

(alumínio, poliuretano e tinta a óleo, 195 x 800 x 25 cm, Instituo Inhotim/Galeria Adriana Varejão)

Fonte: http://www.adrianavarejao.net/pt-br/category/categoria/pinturas-series

Imagem 2 – Linda do Rosário, 2004, vista superior (alumínio, poliuretano e tinta a óleo, 195 x 800 x 25 cm, Instituo Inhotim/Galeria Adriana Varejão)

Fonte: http://www.inhotim.org.br/blog/tag/inhotim-escola-2/

Uma parede em escombros, revestida de pintura que remete a azulejos brancos, recheada de vísceras que estão à mostra. Essa é Linda do Rosário, 2004 (alumínio, poliuretano e tinta a óleo, 195 x 800 x 25 cm), exposta no Instituto Inhotim, Galeria Adriana Varejão, Brumadinho/MG. Em diversos textos em blogs especialmente sobre viagens, há relatos de visitantes que não aguentam ficar muito tempo na sala, onde está essa obra, por sentir o cheiro forte de carne fresca. A

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parede não só enche os olhos, mas também embrulha o estômago das pessoas mais sensíveis.

Charque é uma série produzida entre os anos 2000-2004, composta das obras Linda da Lapa, 2004, Linda do Rosário, 2004, Ruína de charque Penha, 2002, Ruína de charque Santa Cruz (quina), 2002, Ruína de charque Cordovil, 2002, Ruína de charque São Paulo, 2000, Ruína de charque Chacahua, 2000, Ruína de charque Caruaru, 2000. Nos processos criativos de cada obra, uma história, pesquisas, referências e imagens que a artista transforma e corporifica a seu modo peculiar.

Conheceremos então o que há por trás das carnes de Linda do Rosário. A imagem não é agradável aos olhos, nem aos outros órgãos do sentido. Em

Linda do Rosário, Adriana inspira-se em Goya (Nature morte à la tête de mouton, 1808-1812 e Saturno devorando um filho, 1819-1823) e Rembrandt (Lição de Anatomia do Dr. Tulp, 1632). Como referência na Arte contemporânea buscamos também Artur Barrio (Livro de carne, 1979), esse não citado pela artista, mas trazido para o contexto pela sua força imagética.

Imagem 3 – Nature morte à la tête de mouton, Francisco de Goya, 1808-1812

(óleo sobre tela, 45x62cm, Museu do Louvre, Paris, França)

Fonte: http://cartelfr.louvre.fr/cartelfr/visite?srv=car_not_frame&idNotice=2122

Imagem 4 - Lição de Anatomia do Dr. Tulp, Rembrand, 1632 (óleo sobre tela, 169,5x216cm, Museu Mauritshuis, Haia, Holanda)

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Li%C3%A7%C3%A3o_de_Anatomia_do_Dr._Tulp

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Imagem 5 – Saturno devorando um filho, Francisco de Goya, 1820-1823 (pintura mural transferida para tela, 143,5x81,4cm, Museu do Prado, Prado, Espanha)

Fonte: https://www.museodelprado.es/goya-en-el-prado/obras/

Imagem 6 – Livro de carne, Artur Barrio, 1978-1979 (carne bovina fatiada e exposta em formato de livro)

Fonte: http://arturbarrio-trabalhos.blogspot.com.br/ Nas obras que foram referências para a artista temos somente “carne”. Em

Linda do Rosário, por que carne e parede se unem para contar uma história ou suscitar tantas outras? E o que essa obra pode ser relacionada com a história da cidade do Rio de Janeiro?

“Folhear livros, ver imagens, absorver o máximo possível de informação”. Essa máxima de Adriana é também o processo para quem quer entender, degustar, ler por completo suas obras. Encontramos, então, uma música:

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Conversa de botas batidas, Los Hermanos, 2003

- Veja você onde é que o barco foi desaguar - a gente só queria o amor… - Deus parece às vezes se esquecer - ai, não fala isso, por favor Esse é só o começo do fim da nossa vida Deixa chegar o sonho, prepara uma avenida que a gente vai passar… - Veja você, quando é que tudo foi desabar a gente corre pra se esconder… - E se amar, se amar até o fim, sem saber que o fim já vai chegar Deixa o moço bater que eu cansei da nossa fuga Já não vejo motivos pra um amor de tantas rugas não ter o seu lugar Abre a janela agora, deixa que o sol te veja É só lembrar que o amor é tão maior que estamos sós no céu Abre as cortinas pra mim que eu não me escondo de ninguém O amor já desvendou nosso lugar e agora esta de bem Deixa o moço bater que eu cansei da nossa fuga Já não vejo motivos pra um amor de tantas rugas não ter o seu lugar Diz quem é maior que o amor? Me abraça forte agora, que é chegada a nossa hora Vem, vamos além. Vão dizer que a vida é passageira Sem notar que a nossa estrela vai cair.

Uma história de amor ou ficção? Onde aconteceu? O que será que aconteceu? O que essa música fala sobre Linda do Rosário? “Folhear livros, ver imagens, absorver o máximo possível de informação”, acrescentaremos a frase de Adriana: vasculhar sites, blogs, jornais impressos. E descobrir quem é Linda do Rosário.

Tesouros, informações encontradas durante a pesquisa começam a desvendar as minúcias do processo criativo da artista e aquela parede de carne que não agrada a muitos, se transforma em outros significados.

A letra da “música” a mesma história que a obra das Artes Visuais condensa em uma parede recheada de vísceras. Fotografias tiradas de um canteiro de demolição foram o estopim para a criação de Linda do Rosário. Das ruínas de um prédio, na Rua do Rosário, centro da cidade do Rio de Janeiro, nasceu a obra exposta no Instituto Inhotim.

No dia 25 de setembro de 2002, no interior do Hotel Linda do Rosário, um prédio de cinco andares no centro da cidade do Rio de Janeiro na hora do almoço, ouve-se estalos. O porteiro alerta aos funcionários e hóspedes para saírem do prédio imediatamente. Antes de deixar o local, lembra de duas pessoas que ocupavam um quarto. Bate na porta, interfona, mas não recebe retorno. Dois dias depois, os bombeiros que trabalhavam na retirada dos escombros, localizaram duas vítimas do desabamento. Dois corpos nus e abraçados, foram encontrados sobre os restos de uma cama. Era um professor, 71 anos, e uma bancária, 47 anos. Amantes secretos que não acreditaram nos argumentos do porteiro e preferiram aguardar, quem sabe, se amando como se fosse a última vez.

Ler a parede com vísceras de Linda do Rosário, como apenas uma representação dos corpos esmagados pelas toneladas de concreto e outros materiais andares abaixo, nos escombros do prédio ruído, é uma conclusão simplista e não cabe na complexidade que envolve o tema cidade, o tema amantes ou ruínas é contado tanto na música quanto nas Artes Visuais.

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O fato ocorrido no centro da cidade carioca, um hotel que desabou e suas ruínas, é apenas o começo da pesquisa da artista para sua materialização e conclusão do processo criativo que é a parede. Nesse sentido vamos inverter a lógica; história contada e imagem produzida para contar uma história a partir da imagem, como nos indaga e logo depois nos afirma Argan (2010, p. 51), citando o grande mérito de Erwim Panofsky7, “é possível proceder a uma história das imagens? (...) é possível fazer uma História da Arte como história das imagens. E o que pretendemos nessa pesquisa não é desvendar a história por trás da parede exposta no Instituto Inhotim, mas como essa parede conta essa história e ainda, se há essa relação, como que essa parede se relaciona com o tema Arte e cidade?

Então vamos primeiro responder a questão proposta para pesquisar a História da Arte: Linda do Rosário conta a história da cidade do Rio de Janeiro?

Não somente conta, mas ressignifica essa história, não é apenas uma casal que escondia seu amor proibido e foi descoberto por um fato trágico. Linda do Rosário une o casal às quatro paredes, refúgio dos amantes, desfruta da estética do grotesco para contar uma história de amor e também discute a cidade e suas ruínas.

Richard Sennett, em Carne e pedra (SENNET, 2014), traça uma narrativa rica em imagens e conceitos sobre a relação corpo-cidade, as implicações do corpo humano e o espaço urbano, da Grécia antiga à moderna Nova York. No capítulo oito, intitulado “Corpos em movimento”, explica a relação das descobertas do homem moderno sobre o corpo humano de William Harvey8 e as transformações das cidades baseadas nos novos entendimentos sobre a circulação sanguínea.

Carne e pedra poderia ser o título da obra Linda do Rosário. É o que vemos, é o que representa: carne e pedra. Essa simbiose entre corpos e espaços urbanos é uma ligação muito mais antiga do que percebemos e Sennet conta em várias épocas como ela se procedeu ao longo da história ocidental.

Por mais de dois mil anos a ciência médica aceitou os princípios relativos ao calor do corpo que governaram a Atenas de Péricles. (...) Com o surgimento da obra de William Harvey, De motu cordis, em 1628, essa certeza foi abalada. Por meio de suas descobertas sobre a circulação do sangue, Harvey deu início a uma revolução científica que mudou toda a compreensão do corpo. (...) A revolução de Harvey favoreceu mudanças de expectativas e planos urbanísticos em todo mundo. (...) No Iluminismo do século XVIII, elas começaram a ser aplicadas aos centros urbanos. Construtores e reformadores passaram a dar maior ênfase a tudo que facilitasse a liberdade do trânsito das pessoas e seu consumo de oxigênio, imaginando uma cidade de artérias e veias continuas, por meio das quais os habitantes pudessem se transportar tais quais hemácias e leucócitos no plasma saudável. (SENNETT, 2010, p. 261-262)

7. Erwim Panofsky (1892-1968), historiador de arte alemão, professor de História da Arte na Universidade de Hamburgo, entre 1921 e 1933. Com a ascensão dos nazistas ao poder, ele se mudou para os Estados Unidos, onde lecionou no Instituto de Estudos Avançados em Princeton e na Universidade de Harvard. Para Panofsky a História da Arte é uma ciência em que se definem três momentos inseparáveis do ato interpretativo das obras em sua globalidade: a leitura no sentido fenomênico da imagem; a interpretação de seu significado iconográfico; e a penetração de seu conteúdo essencial como expressão de valores. 8. William Harvey (1578-1657), médico inglês pesquisou sobre o funcionamento do coração e a circulação do sangue pelas artérias e veias, tais descobertas revolucionaram a medicina.

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Vermelho sangue, vísceras expostas, parede de azulejos, compõem um mesmo corpo ou dois corpos unidos pela eternidade, pelo abrigo de um segredo, pela força de um amor proibido e que ninguém mais poderá separar.

(...) Valorizada tanto pela medicina como pela economia, a circulação criou uma ética da indiferença. O corpo errante cristão, exilado do Paraíso, tinha pelo menos a promessa feita por Deus de que se tornaria mais unificado com o ambiente e com outro seres humanos sem lugar. É assim que John Milton, contemporâneo de Harvey, relata a Queda, em Paraíso perdido. O corpo leigo em infindável locomoção corre o riso de ignorar essa história, ao perder suas conexões com outras pessoas e com os lugares através dos quais se move. (SENNETT, 2010, p.263)

Locais, aqui, entendidos como espaços urbanos. E espaços urbanos não somente os traçados que compõem uma cidade mas também como nos apresenta Argan (2010) os ambientes das casas particulares, a decoração do quarto de dormir ou da sala de jantar, até o tipo de roupa e de adornos com que as pessoas andam, representam seu papel na dimensão cênica da cidade (ARGAN, 2010, p. 43).

Um casal que nutre um amor proibido, conforme as convenções sociais, circula pela cidade e seus espaços secretos. Os amantes são recebidos na recepção de um hotel por funcionários atenciosos que desconhecem suas histórias. O espaço urbano contemporâneo, o hotel, seus ambientes, seus personagens priorizam a individualidade e a privacidade de seus frequentadores. Em Linda do Rosário, os amantes são expostos em uma sala, com toda liberdade que a arte lhes oferece, unidos pela morte trágica, pela imagem poética agora são vistos sem preconceitos, sem rodeios, sem segredos.

4 Leitura de imagem, Linda do Rosário, 2004

Descobrimos a história que envolveu o processo criativo de Linda do Rosário, e comprovamos sua relação com a história da cidade. Partiremos agora para visualizar somente a obra em si, mas não distanciando do que ela representa e suas relações com a história dos personagens e da cidade. Discutiremos sobre a leitura da obra, exposta no Instituto Inhotim, apropriando-nos dos estudos de Terezinha Losada e seus caminhos, pontos de parada e reflexão na leitura de imagem (LOSADA, 2011). Um conjunto de oficinas didáticas – olhar sincrônico e olhar diacrônico9, em que a autora lança mão de teóricos como Ernest Gombrich, Roman Jakobson, Samira Chalhub e Hannah Arendt para esmiuçar imagens, sejam elas obras de Arte, propagandas, fotografias, ou qualquer imagem produzida com as mais diversas intenções.

9. Em seu livro A interpretação da imagem, subsídios para o ensino da arte (LOSADA, 2011), a professora Terezinha Losada propõe a leitura de imagem, seja essa uma obra de arte, uma fotografia publicitária, ou qualquer outra imagem produzida para variados fins, a partir de duas propostas de oficinas pedagógicas: olhar sincrônico e olhar diacrônico. A primeira, olhar sincrônico, baseia-se em conceitos oriundos das teorias da linguagem, e o eixo enfatizado é o da “recepção”. A interpretação da imagem é realizada a partir das próprias referências culturais dos estudantes. Para essa oficina a autora fundamenta suas pesquisas nos teóricos Roman Jakobson e Samira Chalhub. A segunda, olhar diacrônico, prioriza o eixo da emissão. Aqui propõe, na leitura das obras de arte, um afrontamento entre a arte contemporânea e a arte produzida no período renascentista a partir de conceitos e características da arte ocidental hegemônica classificados por teóricos como Ernest Gombrich. Nas duas oficinas, a autora não oferece leituras prontas, mas instiga, com conceitos-chaves, o estudante a refletir, junto com os teóricos, sobre as produções artísticas e os demais signos da cultura visual.

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Nesse artigo faremos a leitura sugerida por Losada, a partir dos estudos sobre o processo comunicativo do linguista Roman Jakobson. Para compreender as os elementos da comunicação Jakobson especifica seis funções de linguagem e relaciona cada uma com um dos componentes do processo comunicativo. Seus estudos utiliza certas características gerais no universo das mensagens que articulamos para estabelecer critérios objetivos para a atividade interpretativa. Nesse aspecto, Jakobson influenciou o desenvolvimento da critica literária e também da Arte.

Losada (LOSADA, 2011), propõe a leitura de imagem, baseada em Jakobson e as seis funções da linguagem, e suas relações com os componentes do processo comunicativo: referencial, emotiva, conativa, fática, metalinguística e a função poética. Na leitura da imagem, com base no processo comunicativo, o objetivo primeiro é desvendar a função poética: como os elementos foram selecionados e combinados na obra, gerando diferentes ênfases nas demais funções e para concluir a leitura, identificar em qual delas está a ênfase da imagem analisada.

O quadro abaixo, apresenta os conceitos das funções da linguagem propostas por Jakobson. Faremos, portanto, a leitura da obra Linda do Rosário sob tais conceitos, segundo as orientações da oficina do olhar sincrônico de Losada (LOSADA, 2011).

Funções da linguagem (Roman Jakobson e Samira Chalhub)

Função da Linguagem

Fator Comunicativo

Questão Relação

Referencial Referente Do que se fala? De quem se fala? Arte e realidade Emotiva Emissor Quem fala? Arte e autoria Conativa Receptor Com quem se fala? Arte e público Fática Canal Onde se fala? Arte e tecnologia Metalinguística Código Com o que se fala? Arte e estilos Poética* Mensagem Como se fala? Arte e criatividade

* A função poética já foi descrita quando abordamos sobre o processo criativo da artista, sua pesquisa, escolha de narrativa, seleção de materiais e finalização estética da obra Linda do Rosário.

Portanto temos em “Linda do Rosário”: Função Referencial: “Linda do Rosário” fala de uma parede revestida de

azulejos brancos. Mas essa parede não é nada comum, está recheada de carne fresca, bem vermelha e vísceras expostas. Quem não conhece a história trágica ocorrida no centro da cidade do Rio de Janeiro e o processo criativo da artista até chegar a parede exposta em uma das salas do Instituto Inhotim, não vai concluir que parede com carne expressa uma história de amor. A relação Arte e realidade que encontramos em Linda do Rosário, está implícita na resolução poética da obra.

Função Emotiva: quem conta e da forma que conta é a própria artista. O seu

olhar sobre o acontecimento e a combinação escolhida para contar essa história é singular nas obras da artista Adriana Varejão. Um casal eternizado nos escombros de um hotel, agora exposto como arte contemporânea, é uma nova forma de contar.

Função Conativa: a obra dirige-se diretamente ao público visitante. Choca,

causa náuseas, incomoda. Reações que poderiam ocasionar, com a descoberta do amor proibido, nas pessoas mais próximas do casal de amantes. Varejão põe em crise a sociedade e suas relações, seus princípios, suas hipocrisias, suas ruínas de carne e pedra.

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Função Fática: a artista apropria-se de materiais tradicionais da pintura como

tinta à óleo e outros menos tradicionais como espuma e alumínio para criar uma imagem inusitada.

Função Metalingüística: as pessoas olham para “Linda do Rosário” e

perguntam o que é isso? O que isso representa? Além de contar uma história de forma singular, a artista traz referencias a História da Arte em Rembrandt, Goya e também Artur Barrio, artistas que, cada um a seu tempo e em sua poética, expuseram as entranhas do corpo humano e também do animal. Nessa função a artista reúne seus conhecimentos em Arte, sua busca pelo tema, sua pesquisa de materiais e a finalização do processo criativo, portanto é aqui que está a ênfase da obra Linda do Rosário.

5 Conclusões

Provocação, vontade de conhecer, atração, curiosidade, intolerância, alívio, ignorância. Todas estas sensações estão alí contidas naquela ruína.

Mas, estão também saltando dela para o interior de cada um que a observa, desconfiado, desafiado. Saltam também para fora dos espaços pré-definidos, pela escola, pelo professor, pelos expectadores. As ruínas não estão somente em Inhotim, estão nas ruas, dentro de cada um de nós, pelas ruas do Recife, de Amsterdã, dentro de Rembrandt, de uma Varejão, Goya, Zé de Mandacaru artista popular. Estão lá e aqui. É uma parede? E para que servem paredes? São invólucros? O que querem esconder? Podemos transpô-la, mas queremos isto mesmo? Pertence a que época? É feita de que material? Por quem? isso realmente importa? É uma imagem? É uma imagem! Sabemos que não é somente isso e que imagens são muito mais que algo representado de forma bidimensional, policromada, exposta. Estudantes do Ensino Médio quando oportunizados, diante dessas paredes param! Param para refletir, para perguntar e se interessam não só pelo artista, mas pela obra, pelo material utilizado, pela cidade, pelo gênero, pela contemporaneidade, pelo professor, pela aula, pela Arte. Esta é só uma obra de uma leitura imediata? Certamente não! Ficará retida neste espaço temporal? Na limitação física da escola onde foi apresentada aos estudantes pelo professor? Relações construídas em salas de aula, em espaços expositivos, ultrapassam muros.

A cada dia a quantidade de questões que tratam de Arte nos exames seletivos de vestibulares têm aumentado. No último Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) em 2013, somente no segundo dia de prova, na prova de Códigos, linguagens e suas tecnologias, tivemos uma questão de leitura de imagem que versava sobre o trabalho infantil e utilizava para isto uma imagem do artista gráfico polonês Kuczyuskiego de 2008, cobrando do estudante uma interpretação da imagem ali representada, outra que tratava de música no período da ditadura militar brasileira e relacionava trechos de música a movimentos artísticos e culturais como o Tropicalismo relacionando Arte e história do Brasil

Enfim, leituras de imagens, Arte contemporânea, música, Arte na ditadura militar, performances, formas de se produzir e trabalhar Arte como conhecimento. Pode parecer pouco de uma prova de quarenta e quatro questões, mas, torna-se significativo se pensarmos que nos vestibulares da década de noventa, não havia nenhuma questão sobre Arte. E por que isto tem mudado? Porque as relações de conhecimento construídas entre estudantes e escola, obra de arte e fruidor, artistas

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e pessoas comuns, o mundo lá fora e nosso mundo mudaram. As distâncias diminuíram, todas! Não somente as físicas.

Arte e vestibular, estudante e professor, público e artista, óbvio e intrínseco. Histórias são contadas, histórias da cidade, das pessoas, da história da Arte. As pessoas querem ouvir. Adrianas e ruínas, gente e azulejos, construção de processos artísticos, de aulas, de conhecimento, de apropriações e principalmente reflexões. Ainda há um longo caminho a percorrer tanto em pesquisas, metodologias em sala de aula, legislações de ensino. Contudo acreditamos que se conhecer, conhecer a cidade, ouvir histórias, deixar envolver-se por elas é um formato interessante para experimentar, vivenciar Arte no contexto escolar, na produção de pesquisas em História da Arte e também na produção da Arte. Assim, livros, aulas, revistas, sites, pessoas, paredes, acabam por nos contar muitas histórias, de gente, de coisas, de amores, de vida.

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Referências: ARGAN, Giolio Carlo, História da Artecomo história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

FREIRE, Paulo, Padagogia da autonomia, saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

LOSADA, Terezinha, A interpretação da imagem, subsídios para o ensino da arte. Rio de Janeiro: Mauad X, 2011

SENNETT, Richard, Carne e pedra, o corpo e a cidade na civilização ocidental. Rio de Janeiro: BestBolso, 214.

Adriana Varejão: metáforas da memória/Instituto Arte na Escola; autoria de Luciano Buchmann ; coordenação de Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque. – São Paulo: Instituto Arte na Escola, 2005.

http://www.andifes.org.br/

http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/linguagens.pdf

http://www.adrianavarejao.net/pt-br/

http://www.oifuturo.org.br/

Ane Beatriz dos Santos Reis Graduanda de Artes Visuais Licenciatura/UFPE, 8o período; professora de Artes Colégio Santa Emília, Olinda/PE, Ensino Médio/3o ano; bolsista do PIBID/UFPE Artes Visuais, 2012-2013; voluntária no grupo de pesquisa PIBIC/UFPE coord. pela Professora Doutora Maria Betânia e Silva; mediadora em oficina no “Arte na Escola”, nov/2011; arte/educadora na exposição “Pernambuco em mini-quadros” Centro Cultural Correios/Recife, jun-ago/2011. http://lattes.cnpq.br/3107392190306783 Luciana Tavares Mestranda em Artes Visuais na Universidade Federal de Pernambuco na linha de pesquisa do Ensino das Artes Visuais. Atualmente é professora de Ensino da Arte no Ensino Médio nas redes privadas e pública na Região Metropolitana do Recife. http://lattes.cnpq.br/7282555558301402 Maria das Vitórias Negreiros do Amaral Pós-Doutora em Arte/educação e Feminismo pelo Inst. de Investigaciones Feministas de la Universidad Complutense de Madrid, 2012. Doutora em Artes, Universidade de São Paulo, 2005. Mestre em Antropologia, Universidade Federal de Pernambuco, 2000. Graduada em Educação Artística, Universidade Federal de Pernambuco, 1987. Atualmente é professora adjunto e coord. do Curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Pernambuco. http://lattes.cnpq.br/3317479462307817