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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSO PSICANÁLISE E LINGUAGEM: UMA OUTRA PSICOPATOLOGIA Histeria em Homens: Algumas Peculiaridades Angélica Aparecida Polônio Filippi Orientadora: Maria Lúcia Baltazar Monografia apresentada como parte dos requisitos para o certificado de Especialização São Paulo 2006

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Page 1: Histeria em Homens: Algumas Peculiaridades · outro aspecto: “Ao propor que a histeria apresenta fenômenos psicológicos ... Abre-se o caminho para a hipótese freudiana de fenômenos

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSO

PSICANÁLISE E LINGUAGEM: UMA OUTRA PSICOPATOLOGIA

Histeria em Homens: Algumas Peculiaridades

Angélica Aparecida Polônio Filippi

Orientadora: Maria Lúcia Baltazar

Monografia apresentada como parte dos requisitos

para o certificado de Especialização

S ã o P a u l o 2 0 0 6

Page 2: Histeria em Homens: Algumas Peculiaridades · outro aspecto: “Ao propor que a histeria apresenta fenômenos psicológicos ... Abre-se o caminho para a hipótese freudiana de fenômenos

A G R A D E C I M E N T O S A Deus, por estar sempre guiando meus caminhos.

A professora Maria Lúcia Baltazar, pela orientação carinhosa em ajudar na elaboração deste trabalho. Ao Rômulo Ferreira da Silva, pela atenção e pelo acolhimento em prestar seu parecer. Ao meu marido Sergio e minha filha Camila pela paciência e compreensão.

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Angélica Filippi . “Histeria em Homens – Algumas Peculiaridades”, 2006. Orientadora: Maria Lúcia Baltazar. Palavras–chave: histeria, homem, mulher, indistinção, questão de gênero.

R E S U M O

O objetivo deste estudo foi pensar a questão da histeria em homens e o percurso dado nos estudos de Charcot e Freud, para poder localizar com Lacan e outros psicanalistas a leitura da neurose histérica em homens. Verificou-se no início da história da histeria uma resistência em poder atribuir a neurose histérica em homens, foi com Charcot a possibilidade de abranger e colocar a histeria como uma neurose sem distinção de sexo. Com os estudos sobre o conceito de histeria, Freud também incluía os homens como parte dos casos estudados. Pudemos verificar e concluir, com o apoio de Lacan, a razão de encontrarmos mais histéricos mulheres do que histéricos homens, uma vez que a questão da histeria circula na incerteza de sua identidade sexual e seu sofrimento decorrente de não saber se é homem ou mulher.

Para os homens, uma questão permeia em sua posição fálica, assim como para as mulheres: ambos concernem à posição feminina.

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S U M Á R I O

P g .

Introdução.......................................................................................................01 Metodologia....................................................................................................02 Capítulo 1- 1.1.- De Charcot à Freud – um estudo sobre a histeria..................................04 1.2.- Freud......................................................................................................06 Capítulo 2-......................................................................................................10 A histeria na constituição edipiana e de identidade Capítulo 3- A fantasia histérica 3.1 - Conceito Freudiano sobre a fantasia histérica.......................................13 3.2 - A fantasia na etiologia da histeria na lógica fálica..................................17 3.3 – O corpo do Histérico – O Mecanismo de conversão histérica...............20 Capítulo 4- Estrutura Histérica..........................................................................................21 4.1 - Um breve esboço sobre a posição feminina e a histeria na mulher ......24 Capítulo 5-. Histeria em Homens.......................................................................................29 5.1 - O olhar de Charcot captura na linguagem do corpo a expressão histérica no homem.......................................................................................................32 5.2 - Histeria e Neurastenia no Homem..........................................................33

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5.3 - Breve histórico do reconhecimento de Freud da histeria nos homens 37 5.3.1 - Apresentação do caso conforme o texto de 1886 apresentado por Freud ..............................................................................................................39 6 - A Histeria no conceito Charcotiano e a análise de Freud .........................47 6.1 - Análise do caso conforme conceitos freudianos na teoria do trauma e conversão histérica.........................................................................................49 6.2 - Uma possível semelhança com outro caso de Freud ............................54 6.3 – Carta 97.................................................................................................55 Capítulo 7- Um breve esboço sobre a problemática da histeria em homens....................57 Conclusões ....................................................................................................65 Referências Bibliográficas..............................................................................66

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Introdução

Falar em histeria apresenta certa dificuldade perante as muitas

maneiras de concebê-la.

O estudo sobre histeria sempre teve um olhar direcionado às

mulheres, ou seja, sua teatralidade e sedução encantavam os psicanalistas

levando-os a estudá-las, diante disto, Freud faz sua questão “O que quer a

mulher?” sendo uma pergunta que faz pensar: será uma questão de um

desejo masculino ou uma questão concernente ao desejo feminino?

Por essa via, meu direcionamento de estudo sobre a histeria, ressalta

o homem na psicanálise, e qual o lugar dado á sintomatologia histérica

masculina.

Na literatura iremos encontrar citações dos estudos de Charcot, alguns

casos referente às observações em homens, mas em sua maior parte os

estudos são para as manifestações conversivas histéricas em mulheres.

Poderia tratar-se de alguma resistência dos homens e também hoje

das mulheres, que remeteriam a questões culturais do modo como são

percebidos homens e mulheres na cultura ocidental?

Com estas questões no decorrer do meu estudo encontrei conceitos

que tentarei explanar e que foram de enorme valia para me situar quanto á

neurose histérica em homens. A conceituação aqui apresentada decorre de

um percurso na já apontada literatura da histeria nos homens.

Dentre os achados, o que mais me chamou a atenção é que

justamente no primeiro livro, volume I ano 1886-1889 da coleção de Freud,

encontraremos o primeiro caso descrito sobre histeria, sendo de um homem,

com o texto “Observação de um caso grave de Hemianestesia em um

homem histérico” – (Freud -1886-1889, pg.61), relatarei o caso nesta

monografia.

Anterior à descrição do caso ainda neste volume em: “Relatório Sobre

Meus Estudos em Paris e Berlim”, Freud expôs sua experiência com Charcot

referindo-se em uma nota que não pude deixar passar despercebida, na qual

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menciona as observações sobre a histeria masculina com a seguinte

observação:

“A enorme importância prática da histeria masculina (que geralmente

não é reconhecida) e, em particular, a histeria que se segue a um trauma foi

ilustrada por ele com o caso de um paciente que, durante cerca de três

meses, constituiu o ponto central dos estudos de Charcot.” (Freud, 1886-

1889 pág. 45).

Outra coisa que chama a atenção é uma observação de Quinet (2003)

que cita Charcot no livro Grande Histeria, que lindamente coloca uma

questão do mestre:

“Os senhores verão que chegará o dia em que formularemos após

tudo examinar, e em razão da extensão singular que a histeria viril parece ter

nas classes inferiores da sociedade à medida que se aprende a conhecê-la

melhor, a seguinte pergunta: será a neurose histérica, tal como se pretendeu

até hoje, mais frequentemente na mulher que no homem? Seja qual for à

solução a que chegue, somos, desde agora, levados para bem longe da idéia

que nossos predecessores tinham a respeito da histeria, enxergando nela tão

somente uma “sufocação uterina” (pág.58).

Não quero postular que seria diferente a histeria no homem do que na

mulher uma vez que em ambos correspondem a uma posição fálica em sua

estrutura, mas quero com isto poder articular o conceito sobre a histeria sem

enxergar nela tão somente uma sufocação uterina, ressaltar o lugar dos

homens na história da histeria. E, talvez, levantar algumas questões sobre as

possíveis peculiaridades que porventura se apresentem na histeria em

homens.

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Metodologia

Este trabalho teórico abrangeu a metodologia na pesquisa

literária, sendo em sua maior parte pesquisadas nas obras de Freud, e

complementadas com outras obras da literatura psicanalítica, sobretudo as

de linha lacaniana.

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Capítulo 1

1.1 De Charcot a Freud - um estudo sobre a histeria

O início do estudo sobre histeria desde Hipócrates, permite notar que

descrevia migrações uterinas, ou seja, em que o útero (origem do termo

histeria), frustrado, deslocava-se no corpo chegando ao cérebro, criando

febre, vapores, crises e gritos.

Saltando o trajeto da histeria passando pelas bruxas que eram

queimadas por seus comportamentos bizarros, vamos chegar à Salpêtrière

de Paris, lá onde Freud assistia às aulas nas terças - feiras observando,

portanto as primeiras experiências com as “histéricas e histéricas”,

lembremos que Charcot já mencionava a histeria em homens. Os estudos de

Charcot são de enorme importância, como veremos, para a história da

histeria e da psicanálise. Sua investigação da histeria faz um rompimento da

dicotomia dos fenômenos neurológicos inconscientes com os fenômenos

psicológicos conscientes e simulados. Do fator até então uterino parte para

outro aspecto: “Ao propor que a histeria apresenta fenômenos psicológicos

sem a consciência do doente, ele consegue demonstrar o aspecto da

‘insinceridade” dos doentes, isolar a histeria traumática, classificar os

sintomas positivos das manifestações histéricas e desfazer a

correspondência entre a histeria e o órgão genital feminino” (Quinet – 2003 –

pág. 12).

Abre-se o caminho para a hipótese freudiana de fenômenos e

mecanismos totalmente clivados da consciência.

Como foi colocado na introdução, de uma nota em que Freud faz um

comentário sobre Charcot que estuda a clínica da histeria masculina, Quinet

(2003) escreve: “A descrição de inúmeros casos de histeria masculina

estabelece definitivamente a histeria para ambos os sexos e põe a nu, o

preconceito sexista atrelado a ela até então” (Quinet – 2003 pág. 12).

De forma geral, os estudos de Charcot, abordavam a histeria com o

mesmo enfoque das afecções neuropatológicas, em que descreve e

classifica os fenômenos para mostrar que seguia uma lei subjacente à sua

ocorrência, ele tratava os doentes de uma forma diferente dos outros

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médicos, levando seus pacientes até seu gabinete ou os apresentava nas

audiências das terças-feiras.

“O mestre Charcot não era um teórico, e sim um visual como ele

próprio se designava e fazia com que as patologias parecerem brotar dos

corpos e iluminar seu olho clínico” (Quinet - 2003).

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1.2 Freud

A histeria, portanto, ganha o campo da fala, em que o inconsciente é

articulado pela linguagem. A clínica freudiana abre caminho para um estudo

direcionado à escuta.

Freud traz a teoria do trauma como causador dos sintomas nas

histerias, em que postula que o trauma psíquico carrega lembranças fortes e

preserva a totalidade de seu afeto - “os pacientes histéricos sofrem de

traumas psíquicos incompletamente ab-reagidos”.

Em “Sobre o Mecanismo Psíquico dos Fenômenos Histéricos:

Comunicação Preliminar (1893)”, texto de Breuer e Freud, referem-se às

observações feitas durante anos sobre a variedade de diferentes formas e

sintomas de histeria.

Os autores mencionam a histeria traumática percebendo que o que

provoca os sintomas é o acidente, e observando uma ligação causal que

igualmente evidenciam-se nos ataques histéricos, eles descrevem:

“Nossas experiências, porém, tem demonstrado que os mais variados

sintomas, que são ostensivamente espontâneos e, como se poderia dizer

produtos idiopáticos da histeria, estão estritamente relacionados com o

trauma desencadeador quanto os fenômenos a que acabamos de aludir e

que exibem a conexão causal de maneira bem clara” (Freud, 1893 - pág.40).

Continuando:

“A desproporção entre os muitos anos de duração do sintoma histérico

e a ocorrência isolada que o provocou é o que estamos invariavelmente

habituados a encontrar nas neuroses traumáticas. Com grande freqüência, é

algum fato da infância que estabelece um sintoma mais ou menos grave, que

persiste durante os anos subseqüentes” (Freud, 1893 - pág.40).

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Na neurose traumática, conforme é mencionada no texto, a causa

atuante da doença não se refere ao dano físico, mas o afeto do susto, ou seja,

o trauma psíquico.

A decorrência deste trauma, Freud observa que o trauma só produz

sintoma se este estiver relacionado com um afeto:

“... cada sintoma histérico individual desaparecia, de forma imediata e

permanente, quando conseguimos trazer a luz com clareza a lembrança do

fato que o havia provocado e despertar o afeto que o acompanhara, e

quando o paciente havia descrito esse fato com o maior número de detalhes

possível e trazido o afeto em palavras” (Freud, 1893 - pág.42).

Em suas observações as lembranças tornaram-se os determinantes de

fenômenos histéricos e que persistem por longo tempo de investimento

afetivo, mesmo que essas lembranças não estejam á disposição de serem

lembradas pela pessoa:

“Pelo contrário, essas experiências estão inteiramente ausentes da

lembrança dos pacientes quando em estado psíquico normal, ou só se fazem

presentes de forma bastante sumária” (Freud, 1893 - pág.45).

Freud verificou que certas lembranças depois de vários anos,

continuavam intactas e possuíam uma intensidade afetiva como se fossem

novas, concluindo que: “... essas lembranças correspondem a traumas que

não foram suficientemente ab-reagidos”, encontrando dois grupos em que o

trauma ocorre.” (Freud, 1893 - pág.45).

O primeiro grupo correspondia a lembranças que foram recalcadas e

no segundo: “as representações persistiram com tal nitidez e intensidade

afetiva porque lhes foram negados os processos normais de desgaste por

meio da ab-reação e da reprodução em estados de associação não inibida”

(Freud, 1893 - pág.47).

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Aqui ele irá referir-se na divisão da consciência, presente em toda

histeria com uma tendência de tal dissociação, surgindo os estados anormais

da consciência que constituí o fenômeno básico da neurose.

Em “Neuropsicose de Defesa” (1894), Freud irá citar a teoria de Janet:

“impossível considerar a divisão da consciência como primária”, e a de

Breuer: “a base da condição da histeria é a ocorrência de estados de

consciência peculiares semelhantes ao sonho, com uma capacidade de

associação restrita com o nome de estados hipnoídes, “sendo neste caso a

divisão da consciência secundária”.

Freud elabora uma terceira forma de histeria em que “a divisão da

consciência desempenha um papel insignificante ou nulo. Trata-se de casos

em que acontece apenas uma falta de reação aos estímulos traumáticos, que

podem ser resolvidos e curados por ab-reação (histeria de retenção), puros.”

(Freud, 1893 –pág. 54).

Faz uma conexão com as fobias e obsessões, para ele as chamadas

“histeria de defesa” para distingui-las das histerias hipnoídes e da histeria de

retenção.

Foi através da etiologia da histeria, determinante da histeria de defesa,

que Freud deu o salto para o que chamou de recalcamento, ou seja, aquilo

que o paciente “desejava esquecer” (a representação) – Recalcar significa

isolar.

“O impulso essencial da histeria consiste no conflito entre uma

representação portadora de um excesso de afeto por um lado, e por outro,

uma defesa infeliz – o recalcamento” (Násio, 1991 – pág.28).

“A histeria é provocada por uma defesa imprópria do eu – o

recalcamento” (Násio, 1991 - pág.28).

Em “A Etiologia da Histeria” Freud (1896) afirma que” nenhum sintoma

histérico pode emergir de uma única experiência real, em todos os casos, a

lembrança de experiências mais antigas despertadas em associação com ela

atua na causação do sintoma” (pág. 194).

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Através de descobertas chega à análise de que qualquer sintoma que

seja, no fim chega-se ao campo da experiência sexual, sendo uma pré-

condição da etiologia dos sintomas histéricos.

Retomando a questão do trauma como uma parte de considerável

soma de excitação em sintomas puramente somáticos.

Como por exemplo, o caso Emmy Von N. (Emma) e seus diversos

sintomas ocasionados sob “traumas” observa-se que “muitas vezes, uma

única causa precipitante não basta para fixar um sintoma, mas, quando esse

mesmo sintoma aparece por um afeto específico, torna-se fixado e crônico”

(Freud -1896).

“Essas experiências que liberam o afeto original e sua excitação

convertida num fenômeno somático, já mencionado como traumas psíquicos”

(Freud, 1896 - pág. 243).

Nos casos de Emmy Von N, e Elisabeth Von R, Freud observa que a

consciência não agüenta a carga afetiva, deslocando-se para partes do corpo

imprimidas destas cargas afetivas, portanto os sintomas apresentados como

os estalidos de Emmy, e o não caminhar de Elizabeth, se referem a esses

traumas psíquicos convertidos para o corpo, ou seja, o afeto deslocado da

representação.

Portanto a conversão é um fracasso do recalcamento, que incapaz de

se livrar da sobrecarga de representação irreconciliável, ele a desloca, isto é,

a converte, produzindo um sintoma somático.

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Capítulo 2

A histeria na constituição edipiana e de identidade O mito de Édipo fará alusão ao complexo que Freud desenvolve para

explicar o período de angústia que a criança passa no complexo de castração.

“Quando realizou o destino que lhe foi reservado pelos deuses, Édipo

fura os olhos, como se esse ato, privando-o do olhar, devesse contrabalançar

o incesto. Sua visão perdida é o preço pago por seu crime? Édipo não

repetirá, nesse ato de punição?”

(Gérard Pommier, 1985 – pág.16)

Depois de um breve esboço sobre a teoria do trauma que Freud

articula para explicar os sintomas histéricos, outro fator na constituição do

sujeito é sua passagem edípica no posicionamento quanto sua função fálica.

Freud com o estudo sobre o Complexo de Édipo coloca a questão da

universalidade do pênis, tanto o menino quanto a menina. A diferença

anatômica não é reconhecida, é a partir da falta de algo em que Freud afirma

ser do pênis, é que a questão da angústia diante de poder perder ou não o

ter, evocará para o sujeito um lugar marcado em sua estrutura neurótica.

Em 1908, Freud irá conceituar as teorias sexuais infantis: no menino a

diferença da ausência do pênis que em sua fantasia todos possuíam um,

mais tarde a sensação de erotização do pênis é ameaçada verbalmente

pelos pais que o ameaçam cortar-lhe o membro.

Perante as ameaças verbais, o menino é tomado pelo horror diante da

confirmação em ver que no outro (a menina), o órgão esta faltando.

Portanto o complexo de castração levará o menino a um conflito entre

o amor narcísico pelo pênis e o amor incestuoso pela mãe, o menino escolhe

seu pênis, renunciando a posse da mãe (Freud, 1923).

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Freud aqui se refere a um órgão genital – o masculino, sendo que a

primazia não é órgão genital, mas uma primazia do falo.

Lacan postulará que é nesta primazia do masculino que se encontra

um significante com o qual o masculino pode se identificar, e que para mulher

não há significante que represente o feminino.

E é com a renuncia à mãe, no reconhecimento da Lei paterna, que se

torna possível a afirmação da identidade masculina.

Ao contrário do menino, a menina entra pelo complexo quando acaba

para o menino. Com referência à mãe, personagem principal de quem o

menino se separa, com angústia, e a menina com ódio.

A menina vista por Freud, tem inveja do pênis, hostiliza a mãe e volta-

se para o pai, aquele que o tem, na possibilidade também de tê-lo, mais tarde

o pai é substituído por outro homem que é o portador em sua fantasia capaz

de dar aquilo que lhe falta, como substituto do falo.

A condição de castrada na menina afirmará sua identidade feminina.

Pommier lembra a leitura do conceito de Freud referente ao Complexo

de Castração como: “o resultado de uma interdição que incide sobre o gozo

da mãe” - (Pommier-1985), sendo estritamente articulado ao Complexo de

Édipo.

A castração propõe um mecanismo para explicar a privação do gozo

que um pai impõe a seu filho, portanto a descoberta da castração da mãe e o

desejo desta por um pai (Pommier, 1985- pág.18):-

“O que Freud chama de deslocamento para o objeto paterno dos laços

afetivos, com o objeto materno “tem como condição que a própria mãe

desloque para esse objeto paterno tais laços afetivos: apenas essa

descoberta do desejo permite perceber a falta do pênis feminino”. A

castração, longe de se reduzir ao temor de uma mutilação anatômica, é

efetiva no momento em que o sujeito constata que o desejo materno se

orienta alhures, em direção a alguma coisa, ou, com mais freqüência, a

alguém, a um Nome do Pai, que permite situar o mistério do falo. Este último

é pura diferença, já que sua posição é apenas correlativa do desejo, e só

pode situar graças ao significante paterno”.

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A função do Nome do Pai supera para a pessoa que o sustenta, e

constituí um ponto de fixação onde o desejo se liga.

A paternidade encontra seu lugar de uma falta em conjunto com o

símbolo fálico, “estabelecendo uma diferença entre falo simbólico, como

significante da falta, da castração da mãe, e o falo imaginário como inteiro da

criança, instrumento da renegação dessa mesma castração” (Pommier -

1985 – pág. -23,24).

Pommier (1985) - assinala:

“O desejo da mãe está assim orientado para outra coisa que não o

corpo de seu filho, ele está a partir de agora, na dependência do significante.

O primeiro se destaca da imagem do segundo, distingui-se de tudo aquilo

que pode sustentar e atinge o corpo com a castração.

Quando o amor tende em direção à mãe, o corpo se submete a essa

marca. Pelo pênis ou pelo clitóris, a falta perfura o corpo, suspende-o e lhe

confere sua erogeneidade.” (pág. 24).

Portanto a castração coloca o problema para os dois sexos de forma

idêntica, já que o pênis e o clitóris terão o mesmo valor, proporcional a essa

castração, e “uma diferença entre os sexos é instaurada quando o

significante faz valer seus efeitos” (Pommier - 1985).

Sendo assim, “do lado masculino, um menino pode assumir um traço

de identificação com aquele que supõe deter o falo, ou seja, o pai: e do lado

feminino, uma menina pode, assim como um homem, fazer a mesma

operação, mas como mulher ela não pode se apoiar sobre nenhum traço de

identificação, uma vez que a imagem que sua mãe lhe oferece é apenas de

uma mulher fálica” (Pommier, 1985 –pág.24).

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Capítulo 3 – A Fantasia histérica

3.1 Conceito Freudiano sobre a fantasia histérica Freud (1897) em seu Rascunho L (A Arquitetura da Histeria), dará a

seguinte referência:-

“O objetivo parece ser o de chegar (retroativamente) às cenas

primevas”.

“Em alguns casos, isso é conseguido diretamente, mas, em outros,

somente por um caminho indireto, através da fantasia. Pois as fantasias são

fachadas psíquicas construídas com a finalidade de obstruir o caminho para

lembranças. As fantasias servem, ao mesmo tempo, à tendência de

aprimorar as lembranças, de sublimá-las. São feitas de coisas que são

ouvidas e posteriormente utilizadas: assim, combinam coisas que foram

experimentadas e coisas que foram ouvidas, acontecimentos passados (da

história dos pais e dos ancestrais) e coisas que a própria pessoa viu.

Relacionam-se com coisas ouvidas, assim como os sonhos se relacionam

com coisas vistas. Nos sonhos realmente, não ouvimos nada, nós vemos”

(pág. 297).

Em outro ponto veremos em “Fantasias Histéricas e sua relação com a

Bissexualidade” (Freud, 1908), faz uma observação que as fantasias teriam

sua fonte nos devaneios da juventude, ocorrendo em ambos os sexos; e de

natureza erótica em jovens e mulheres, aqui ele parece fazer uma distinção

das fantasias em homens, sendo neles uma fantasia de posição ambiciosa,

mais do que erótica, ele afirma:

“Não se deve, entretanto, atribuir uma importância secundária no fator

erótico nos homens, se investigarmos mais de perto os devaneios de um

homem, veremos que seus feitos heróicos e seus triunfos só têm por

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finalidade agradar a uma mulher para que ela o prefira aos outros homens”

(pág. 149).

Podemos através disso já observar um ponto da característica

histérica num homem.

Faço essas observações, pois veremos mais adiante, distinções na

etiologia da fantasia, sendo que no homem a fantasia o posicionará mediante

a uma convicção quanto sua posição fálica, e para a mulher a fantasia estaria

em torno desta posição fálica que o homem sustenta, para nela fazer sua

demanda.

Mas as fantasias tanto para um homem como para uma mulher,

possuem seus elementos numa mesma compreensão que condiz com a

natureza da neurose histérica.

Continuando com o raciocínio freudiano sobre as fantasias histéricas,

ele concluiu que as fantasias são satisfações de desejos originários e de

privações e anelos, ou seja, esses “devaneios” encontrarão também uma

explicação nos sonhos noturnos, que tem o núcleo da formação onírica nas

fantasias diurnas (podemos pensar nos restos diurnos que aparecem nos

sonhos noturnos), e que distorcidos são mal compreendidos pela instância

psíquica consciente.

Os devaneios são catexizados com um vivo interesse, e são em geral

ocultos pelo sujeito.

Freud dá um exemplo de uma pessoa que em devaneio, andando pela

rua fala sozinha e sorri, e que subitamente apressa o passo em que a

situação imaginada atinge o clímax.

Ele observa que todo ataque histérico revela uma irrupção involuntária

de tais devaneios, não deixando dúvidas que tais fantasias podem ser

inconscientes como também conscientes.

Freud narra uma situação em que ele chama a atenção de uma

paciente sobre sua fantasia, e que depois, ela faz uma relação com o motivo

triste no qual seguia em prantos e lágrimas.

Podemos aqui lembrar do caso de Elisabeth Von R, que estava em

devaneio sobre sua vida, sentada em um banco e também do paciente

histérico com hemianestesia, em que ele, em devaneio, via-se obrigado a

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refletir muito a cerca de si mesmo e suas ambições... Depois disso, caía num

estado de fuga de idéias, assim como Elisabeth em sua dificuldade em andar.

Podemos perceber com Freud que tanto para um homem como para

uma mulher, a fantasia tem seu efeito, sem distinção de sexo para o sujeito

histérico.

Freud faz ainda outra menção sobre as fantasias inconscientes, ou

seja, formadas no inconsciente, em que foram inicialmente fantasias

conscientes, devaneios, e que esquecidas, tornam-se inconscientes através

da repressão.

“Dessa forma as fantasias inconscientes são os precursores psíquicos

imediatos de toda uma série de sintomas histéricos. Estes nada mais são do

que fantasias inconscientes exteriorizadas por meio da “conversão”, quando

os sintomas são somáticos, com freqüência são retirados do círculo das

mesmas sensações sexuais e inervações motoras que originalmente

acompanham as fantasias quando estas ainda eram inconscientes” – Freud

(1908 – pág. 151).

Freud assinala: “para quem estudar a histeria, irá perceber que é a

fantasia que dá origem aos sintomas”.

Freud (1908) neste texto, Fantasias Histéricas e sua Relação com a

Bissexualidade, irá interpolar “uma série de fórmulas que tentam oferecer

uma visão progressiva da natureza dos sintomas histéricos” (pág.152).

Que são:

(1) Os sintomas histéricos são símbolos mnêmicos de certas

impressões e experiências (traumáticas) operativas.

(2) Os sintomas histéricos são substitutos, produzidos por

“conversão”, para o retorno associativo dessas experiências

traumáticas.

(3) Os sintomas histéricos são – como outras estruturas

psíquicas – uma expressão de realização de um desejo.

(4) Os sintomas histéricos são a realização de uma fantasia

inconsciente que serve à realização de um desejo.

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16

(5) Os sintomas histéricos estão a serviço da satisfação sexual

e representam uma parcela de vida sexual do sujeito (uma parcela

que corresponde a um dos constituintes do seu instinto sexual).

(6) Os sintomas histéricos correspondem a um retorno e a um

modo de satisfação sexual que era real na vida infantil e que desde

então tem sido reprimido..

(7) Os sintomas histéricos surgem como uma conciliação entre

dois impulsos afetivos e instintuais opostos, um dos quais tenta

expressar um instinto componente ou um inconsciente da constituição

sexual, enquanto o outro tenta suprimi-lo.

(8) Os sintomas histéricos podem assumir a representação de

vários impulsos inconscientes que não são sexuais, mas que possuem

sempre uma significação sexual.

(9) Os sintomas histéricos são a expressão, por um lado, de

uma fantasia sexual inconsciente masculina e, por outro lado, de uma

feminina.

(10) Os sintomas histéricos são a expressão, por um lado, de

uma fantasia sexual inconsciente masculina e, por outro lado, feminina.

Fiz a questão de transcrever essas fórmulas que Freud apresenta, pois

poderei complementar com o raciocínio lacaniano na lógica a seguir, sendo

que a partir disso, poderemos ter um esboço melhor sobre como o corpo do

histérico se apresenta e seus sintomas.

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17

3.2 A fantasia na etiologia da histeria na lógica fálica

Não podemos deixar de mencionar o quanto a fantasia remete a um

papel importante na etiologia da histeria.

A fantasia na histeria surgindo no inconsciente, traz em si, uma leitura

infantil, vindo a se presentificar no sujeito adulto uma linguagem corporal,

sendo os sintomas uma defesa contra a angústia, nos quais a somatização é

uma erotização fantasística do afeto deslocado para o corpo.

Freud (1897) na Carta 59 já fazia uma menção sobre isso:

“... O aspecto que me escapou na solução da histeria está na

descoberta de uma nova fonte a partir da qual surge um novo elemento da

produção inconsciente. O que tenho em mente são as fantasias histéricas,

que habitualmente, segundo me parece, remontam a coisas ouvidas pelas

crianças em tenra idade e compreendidas somente mais tarde. A idade em

elas captam informações dessa ordem é realmente surpreendente – dois ou

sete meses em diante!...” (pág. 293).

Assim tomamos a somatização como um ponto sintomático

característico da histeria, o corpo do histérico é em si, uma linguagem

corporal investida e erogeneizada.

Retomemos desde o início quando se apresenta a neurose através da

angústia pelo processo da castração e no que isto vem a se constituir para o

sujeito.

Mencionarei aqui o caso de um menino e depois de uma menina

apresentados por J.Násio em seu livro A Histeria (1991), em que afirma:

“A fantasia inconsciente na origem da histeria é uma fantasia visual: a

ameaça de castração entra pelos olhos” (pág.49).

A clivagem da sexualidade histérica está ligada a uma fantasia

inconsciente, portanto a fantasia originária da histeria e a angústia que

atravessa o sujeito, passa por uma cena, como nos casos a seguir:

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“Um menino é tomado de horror ante a visão da imagem do corpo

desnudo de uma mulher – mais exatamente do corpo nu, “castrada”, da mãe.

Da mãe ou de qualquer outra mulher com quem exista um vínculo amoroso.

A visão do corpo feminino, percebido como um corpo privado do pênis

provoca angústia, porque a criança pensa que ela própria possa ser vítima de

semelhante castração.

Basta que o menino veja sua mãe nua e a perceba castrada para que,

imediatamente, tema sofrer o mesmo destino” (Násio,1991 - pág.49).

No caso da menina a fantasia de castração passa muito

diferentemente do que no menino, sendo, portanto a castração não vista

como ameaça, mas sim como um fato já consumado.

A cena fantasística toma a seguinte forma:-

“A menina também descobre visualmente o corpo nu da mãe, e diz a si

mesma: ”mas como... sou castrada como ela? ”Não nos esqueçamos de que

antes desse momento de descoberta, a menina, tendo avistado o pênis de

um menino, vivia na crença de que todos os seres humanos possuíam aquela

coisa poderosa chamada falo. Atônita diante do corpo castrado da mãe, e

diante da constatação de sua própria castração, a menina é tomada de uma

imensa vontade de ter o falo que lhe falta, ou de um dia ver crescer seu

falozinho clitoriano. Tomada dessa cobiça, ela é imediatamente invadida pela

irrupção de um surto de ódio reivindicatório em relação à mãe, e essa mãe

que ela julga responsável por tê-la feito menina e por não ter sabido protege-

la, garantindo-lhe a permanência de uma força fálica” (Násio, 1991 - 53).

Esta fantasia do outro castrado, principalmente o menino, vem se

reafirmar mediante as ameaças verbais de um adulto.

Outro evento concomitante a este momento é á entrada da proibição

do incesto proferida pela voz do pai que é complementar a essa outra

proibição, silenciosa e visual, imposta pela nudez do corpo materno, sendo

as duas ameaças – uma que entra pelos olhos, a do corpo materno, e outro

que entra pelos ouvidos, a voz da voz paterna, desencadeante da angústia (J.

Násio, 1991).

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“O único personagem realmente castrado no cenário da fantasia da

histeria é a figura da mãe; a castração é sempre a castração do Outro” (Násio,

1991- pág.50).

O que se pode então afirmar quanto à fantasia de castração, seja na

versão feminina ou masculina, o histérico tomado pela angústia de perder

seu falo, ele se perde na dúvida de não saber se é homem ou mulher.

O universo fálico para o histérico é angustiante devido sua

indeterminada identidade sexual, e quanto mais ele se apega a este falo,

mais se angustia, angústia esta que se transforma em sintomas e sofrimento.

A conversão histérica é um fenômeno de falicização de um corpo não-

genital e de uma retirada de interesse do corpo genital.

Isso acontece porque a libido fálica que é a fantasia inconsciente de

castração é representada pelo corpo real e sofredor do histérico.

A pulsão libidinal acumulada no falo fantasístico, deixa sua fonte

central, indo falicizar o corpo real, este corpo não-genital sofre um

desinteresse pelo corpo genital, o corpo do histérico sofre sua desproporção

fálica, fazendo um furo na região genital.

No esquema do mecanismo de conversão histérica, é possível

perceber a angústia e sofrimento corporal conforme o exemplo apontado por

Násio (1991 – pág. 59), no corpo do histérico, como veremos a seguir.

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3.3 O Corpo do Histérico:- O Mecanismo de conversão histérica (Transformação da angústia de castração em sofrimento corporal).

Fantasia inconsciente Sofrimento corporal do histérico do histérico

Corpo não genital-------

erotizado

===============================================

Conversão da angústia

-O ponto em escuro no centro - O ponto em branco no centro

corresponde a angústia de corresponde ao corpo genital

castração destinada a se anestesiado.

converter.

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Capítulo 4

Estrutura Histérica

Podemos agora, a partir deste esboço, pensar na lógica fálica e

colocar alguns pontos da organização histérica.

Estes pontos da organização histérica cristalizados na lógica fálica,

fixando-se na problemática do ter e seu ser correlato não ter, constitui

também a dialética edipiana.

Com isso a problemática da estrutura histérica gira em torno da

questão representativa do ter.

A passagem do ser ao ter é determinada pela intrusão paterna, esta

intrusão está na dimensão do pai imaginário, intervindo como pai privador.

Esta intervenção paterna aparece para a criança porque é reconhecido

pela mãe como aquele que lhe dita a lei (Lacan). Assim o desejo da mãe se

revela para a criança como um desejo inscrito na dimensão do ter, a entrada

do pai (Lei), tira a criança da dimensão do desejo ser (ser o falo da mãe),

produzindo com isso o registro da castração pela intervenção paterna.

Aqui, abre-se um parêntese, pois nos termos freudianos, a questão

pênis-falo, gira em torno do ter ou não ter; Lacan irá introduzir a partir deste

esboço apresentado uma nova distinção de tese pela via do ser, concernente

a uma posição do sujeito na relação da criança com a mãe, no desejo de ser

o falo, algo que era desconhecido no pensamento freudiano. (Colette Soler,

2005).

O registro da castração oferece a entrada da condição paterna, pois a

mãe abre esta condição, em que será inscrito para a criança uma metáfora -

o Nome do Pai, um significante, que faz o barramento no registro do desejo

de ser, constituindo o sujeito barrado.

Mas para a mãe, o olhar desviado para o pai, concerne porque ela o

atribui como aquele que o tem, por isso que ele tem o consentimento de sua

intervenção pela lógica fálica.

Portanto:-

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“E´ no que ele (o pai intervém como aquele que tem o falo e não como

quem ele é que se pode reproduzir isto que reinstaura a instância do falo

como objeto desejado pela mãe e não só apenas como o objeto de que o pai

pode privá-la”. (Dor, 1993 – pág. 66).

Com isso podemos então entender que a criança se depara com a

questão de não ser, não só o falo, mas também não o ter, em que na mãe a

criança é desejada ali mesmo, onde é suposta estar.

Portanto o pai na função simbólica faz seu reconhecimento na posição

de mobilizar o desejo da mãe.

Para que isto aconteça, o pai mostra a intervenção, porque produz na

mãe “a instância do falo como desejado pela mãe e não só apenas como

objeto de que o pai pode privá-la” – (Soler, 2005).

Joel Dor (1993) - explicará da seguinte forma esta questão na histeria:-

“De fato o histérico interroga e contesta infatigavelmente a atribuição

fálica numa oscilação em torno desta “alguma coisa” que vai se desenvolver

sob o fundo de uma indeterminação entre duas opções psíquicas: de um lado,

o pai tem, de direito, o falo e é por esta razão que a mãe o deseja junto a ela;

por outro lado, o pai só o tem por dele privar a mãe. E´ sobretudo esta última

opção que alimentará a colocação à prova constante, mantida pelo histérico

com relação à atribuição fálica” (págs. 66,67).

Volto com Joel Dor, na importante questão da dialética do ter em que

ele afirma:-

“Nesta reivindicação do ter, identificamos, evidentemente, alguns dos

traços mais notáveis da histeria”. Uma Observação, todavia, deve ser feita:

A diferença dos sexos não se dá sem algumas incidências segundo o

sexo do histérico, a reivindicação ganhará contornos fenomenologicamente

diferentes. Isto não impede que fundamentalmente, esta busca, ou mesmo

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conquista (conquête), inscreva-se numa mesma dinâmica: apropriar-se do

atributo fálico de que o sujeito se estima injustamente desprovido.

Que se trate para a mulher histérica “de bancar o homem”, como dizia

Lacan, ou pelo contrário, para o histérico masculino, atormentando-se na

busca de dar provas de sua “virilidade”, a coisa em nada muda. De um lado

como de outro, está em questão á adesão a um fantasma mobilizado pela

posse suposta do falo: donde, em ambos os casos, a confissão implícita de

que o sujeito não o poderia ter” (Joel Dor, 1993 – pág.67).

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4.1 Um breve esboço sobre a posição feminina e a histeria na mulher

Encontraremos nos conceitos freudianos, principalmente no texto

sobre “Feminilidade”, que o caminho da feminilidade parte da condição de

castrada da mulher, isto é, a menina renunciando o clitóris como órgão que

imaginariamente investiu sua fantasia do poder ter, e que, abrindo mão disso,

pelo processo da entrada do Édipo, reconhece a vagina como elemento de

sua identidade feminina.

Isso colocará a mulher como aquela que para ser mulher e obter aquilo

que espera ser compensada nesta falta, ela acredita que é do homem que

poderá obter – o falo.

Neste caso, para Freud, a mulher só é falo no nível de sua relação

com o homem - (Colette Soler, 2005).

Numa outra vertente, ainda com Colette Soler, poderemos ter um

breve esboço sobre a leitura lacaniana em que ele remaneja os termos

freudianos, sendo o pênis reconhecido no seu valor de significante da falta, e

representa “além da diferença sexual, a falta-a-ser gerada pela linguagem

para todo e qualquer sujeito”.

Gerard Pommier (1985), fórmula que o falo aparece na mulher porque

esse desejo é portado pela falta que o demanda, e que só existe graças as

palavras das quais ele marca o limite.

Portanto, uma mulher, porque fala, entra do mesmo modo no gozo

fálico, em que é implicado de um investimento erótico homólogo do pênis ou

do clitóris e dá a medida de um valor que é igual para os dois sexos.

Ele acrescenta:-

“A fantasia feminina de um crescimento clitoriano conveniente não é,

pois, primordial, já que a menina está inicialmente relacionada ao falo, assim

como o menino. A entrada no gozo fálico tem como condição o acesso à

palavra, porque o falo é esse símbolo vazio que limita retroativamente todas

as demandas da mãe. Dessa maneira, a feminilidade será determinada por

uma certa relação ao falo. Como ao homem, esse símbolo a interessa, ainda

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que ela não mantenha a mesma relação com o pênis” (Pommier, 1985- pág.

20).

Freud formula a demanda do amor como propriamente feminina.

Lacan irá ressaltar que na relação dos desejos sexuados, devido à falta fálica,

a mulher vê-se convertida no beneficio de ser o falo, isto é, aquilo que falta

ao Outro.

”Esse “ser o falo” designa a mulher como aquela que na relação

sexuada é convocada ao lugar do objeto. No amor, graças ao desejo do

parceiro, a falta se converte num efeito por ser quase compensatória: a

mulher se transforma no que não tem” (Soler, 2005 - pág. 28).

Portanto o lugar da mulher pode ser especificado como:

“Todas fazem de si o parceiro do sujeito masculino: ser o falo, isto é, o

representante do que falta no homem, depois ser o objeto causa de seu

desejo; e por fim, ser o sintoma em que seu gozo se fixa” (pág. 29).

(Colette Soler, 2005)

O que se vê, portanto, é que toda a definição põe a “mulher como

relativa ao homem, e nada dizem sobre seu possível ser em si, mas apenas

sobre seu ser para o Outro* (idem).

Soler afirma que a divergência dos sexos, no tocante ao semblante

fálico, repercute numa dissimetria na maneira masculina e feminina de fazer

esboço para agradar, sendo que o homem desfila como desejante, e a

mulher como desejável – (Soler, 2005).

Portanto o “fazer desejar” que é próprio do feminino, não escapa às

interferências do inconsciente, e o recurso frente ao seu mistério é a

mascarada, que joga com o imaginário para se ajustar ao Outro e cativar

esse desconhecido que é o desejo. O próprio homem só é induzido a isso, na

medida em que não a deseja apenas sexualmente, mas quer, além disso, o

consentimento, e até mais que o consentimento, a resposta do desejo outro.

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No conceito de histeria em uma mulher, Lacan afirmará que a histeria

não especifica a mulher, pois o que está implicado vale para todos os sujeitos. Outro aspecto que gostaria de acrescentar é referente a certas

características da histeria na mulher como seja o cuidado, às vezes

excessivo, com a aparência. A meu ver este aspecto estaria engajado naquilo

que mobiliza a mulher dentro de estereotipos culturais e ideológicos.

Dentro da estrutura histérica a exigência do perfeito, outro ponto no

qual faz parte da neurose, numa busca sem fim para alcançar essa perfeição,

traz em si, o seu negativo, “a convicção permanente da imperfeição” (Joel

Dor, 1991).

Por isso, na mulher histérica a preocupação com a aparência, ou a

vaidade feminina, faz com que ela se esforce para encobrir as imperfeições,

ou seja, mascarar as imperfeições, para isto, tudo serve, roupas, sapatos,

cabelo, perfume, jóias, cirurgias plásticas, etc.

A saber, a mulher histérica sempre fica atenta para o que uma outra

mulher usa, colocando sempre o que a outra usa como melhor.

Podemos encontrar isso também quanto ao parceiro da histérica, em

que o homem da outra tem algo a mais, ou melhor, do que o homem com

quem ela está. “A histérica vive um gozo insatisfeito, pois se recusa a qualquer

gozo” – (Soler, 2005).

Sejam quais forem os atributos que uma mulher histérica use para

encontrar numa outra mulher uma condição, mediante ao que ela identifica

também como sua, ou tenta ser como sendo também sua, mostra que a

mulher sempre tenta fazer um semblante, através das máscaras que usa,

para se defender de seu buraco. A ausência de um significante que lhe falta,

e que faz com que lhe aconteça imaginar ser menos desejável que o sexo

masculino no que ele tem de provocante em sua simetria fálica.

Portanto a feminilidade pode ser conceituada conforme expõe Joel

Birman (1999) em Cartografias do Feminino:

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“A feminilidade e o desamparo são as duas faces da mesma moeda,

pois enquanto a primeira se enuncia na linguagem do erotismo, o segundo se

formula na linguagem da ética”.

“A feminilidade é a revelação do que existe de erógeno no desamparo,

a sua face positiva e criativa, isto é, o que este possibilita ao sujeito nos

termos de sua possibilidade de se reinventar permanentemente” (pág.52).

Quanto á histeria na mulher podemos então resgatar Dora com sua

questão: O QUE QUER UMA MULHER?

Lacan (1955) colocará esta questão no Seminário quatro:-

“E´ na medida em que a Sra. K, encarna a função feminina como tal

que ela é para Dora, a representação daquilo em que esta se projeta como

sendo a questão. Dora está no caminho da relação dual com a Sra. K., ou

melhor, a Sra. K. é aquilo que é amado para além de Dora, e é por isso que

Dora se sente ela própria, interessada nessa posição. A Sra. K. realiza aquilo

que ela, Dora, não pode nem saber nem conhecer por essa situação em que

não encontra onde se alojar”.

“O que é amado num ser está para além daquilo que ele é, a saber,

afinal de contas, o que lhe falta”. (pág.145)

Lacan (1955) também abordará no Seminário III à pág.193, a questão

que a histérica se faz quanto ao que é ser uma mulher, revendo o caso Dora

e formulando através dele, o caráter problemático da identificação simbólica

no feminino.

Portanto o que ele coloca ao re-ler o caso Dora, é que a problemática

gira em torno do seu sexo e “não sobre o sexo que ela tem, mas – O que é

ser uma mulher? E especificamente, O que é um órgão feminino?”.

Portanto, “a mulher se interroga o que é ser uma mulher, da mesma

forma que o sujeito macho se interroga sobre o que é ser uma mulher.”.

Lacan irá reafirmar e valorizar as dissimetrias que Freud sempre

sublinhou no Complexo de Édipo, confirmando a distinção simbólica e do

imaginário.

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“Para a mulher, a realização de seu sexo não se faz no Complexo de

Édipo de uma forma simétrica à do homem, não pela identificação com a mãe,

mas ao contrário pela identificação com o objeto paterno, o que lhe destina

um desvio suplementar. Freud jamais largou essa concepção, o que quer que

se tenha feito, desde então, especialmente das mulheres, para restabelecer a

simetria. Mas a desvantagem em que acha a mulher quanto ao acesso à

identidade de seu próprio sexo quanto à sexualização como tal, na histeria

transforma-se numa vantagem, graças à sua identificação imaginária com o

pai, que lhe é perfeitamente acessível, em virtude especialmente de sua

posição na composição do Édipo” (Lacan, 1956 - pág. 197).

Colette Soler (2005) faz uma menção em seu livro: “O que Lacan dizia

das mulheres”, bastante utilizado por mim neste trabalho, pois me ajudou a

elaborar a questão da histeria, no que diz respeito a esta pergunta tão

concernente no discurso da histeria na mulher – O que quer uma mulher?

Ela coloca a resposta de Lacan (1958), respondendo a pergunta de

Freud, em que resumidamente é – “ela quer gozar”.

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Capítulo 5

Histeria Masculina

Vamos a partir daqui fazer um esboço breve sobre histeria masculina a

que se propõe esse trabalho.

Até agora o trabalho teve como direção as estruturas da histeria e do

sujeito na dimensão da lógica fálica, sem fazer distinção, salvo alguns

comentários, das especificações da histeria masculina.

Na primeira parte comecei com uma introdução falando da histeria em

homem, assinalando os trabalhos de Charcot que relatou existir homens

histéricos, derrubando a idéia presente na cultura até então de que a histeria

estaria relacionada ao útero, portanto só afetando as mulheres.

A partir daí, mesmo não sendo muito apreciado pela Sociedade

Médica, Freud também introduz a observação da histeria em homens, pois o

reconhece através dos estudos de Charcot e através de seus próprios

estudos. Percebe-se que é devido à resistência das sociedades e dos

aspectos culturais que Freud faz no decorrer de seu trabalho, apenas

menções da histeria em homens, mas mesmo assim, não deixa de sustentar

essa idéia, e sempre que possível, ao formular seus conceitos, apresenta

fragmentos de casos de homens com sintomas histéricos.

O caso de “Hemianestesia em um homem histérico”, August P., como

é apresentado por Freud, faz abertura sobre o conceito de histeria e como

mencionei na introdução, através dele, recolocarei os homens nessa história.

Uma outra questão concernente à proposta deste trabalho é a da

freqüência maior da incidência da histeria em mulheres uma vez que o

próprio Charcot já indagava sobre este aspecto, buscando responder sobre

sua veracidade.

Freud (1888) já mencionava em A Histeria, o seguinte:

“Em primeiro lugar, a histeria é encontrada em meninas e meninos

sexualmente maduros, do mesmo modo como a neurose também ocorre com

todas as suas características do sexo masculino, embora muito mais

raramente”. (pág. 87).

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Em outro ponto no Esboço para a Comunicação Preliminar, Freud

(1893) afirma:-

“A passividade sexual natural das mulheres explica o fato de elas

serem mais propensas à histeria. Nos casos em que encontrei histeria em

homens, pude comprovar em suas anamneses a presença da acentuada

passividade sexual.

Uma outra condição da histeria é que a experiência primária de

desprazer seja ainda muito reduzida e na qual, naturalmente, os eventos

causadores de prazer ainda possam ter um prosseguimento independente.

De outro modo, o resultado será apenas a formação de obsessões. Por essa

razão, muitas vezes encontramos nos homens uma combinação das duas

neuroses, ou a substituição de uma histeria inicial por uma neurose

obsessiva subseqüente. A histeria começa com uma subjugação do ego, que

é o ponto a que leva a paranóia” (pág. 275).

Complementando, Freud (1893) menciona também em “A Etiologia

Específica da Histeria”:-

“Descobri um determinante específico da histeria – a passividade

durante o período pré-sexual - em todos os casos de histeria (inclusive dois

casos masculinos) que analisei. Não é necessário fazer mais do que uma

predisposição hereditária em face desse estabelecimento de fatores

etiológicos acidentais como sendo determinadores. Além disso, fica aberto

um caminho para se compreender porque a histeria é tão mais freqüente nos

membros do sexo feminino, pois já na infância, estes são mais suscetíveis de

provocar ataques sexuais” (pág. 164).

Em Lacan (1955) diferentemente de Freud, afirma no Seminário III (A

Questão da Histérica II), “O que é uma Mulher”:

“Se há muito mais histéricos-mulheres que histéricos-homens – é um

fato de experiência clínica -, é porque o caminho da realização simbólica da

mulher é mais complicado. Tornar-se uma mulher e interrogar-se sobre o que

é uma mulher são duas coisas essencialmente diferentes ( pág. 203).

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Em outro lugar iremos encontrar outra fala de Lacan (1955):-

“A mulher é uma invenção da cultura “histórica”, que muda de feição

conforme a época”.

Então mediante a estas afirmações, podemos concluir que

quantitativamente as mulheres histéricas se apresentam em maior número e

uma vez que é uma invenção da cultura, neste sentido, podemos pensar na

sua posição fálica e na identificação, a mulher acompanha as mudanças da

época, em sua posição de mascarada.

Mas então o que acontece com o homem? Se a mulher muda

conforme a época devido sua complexidade, aonde o homem histérico

mudaria, se é que muda, pois diferentemente da mulher ele já possui um

significante?

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32

5.1 O olhar de Charcot captura na linguagem do corpo a expressão histérica no homem.

Foi graças ao mestre Charcot que ao perceber a histeria também em

homens, pode dar ao conceito de histeria uma compreensão quanto à

estrutura, não sendo, portanto uma neurose destinada às mulheres.

Acompanhando Freud no vol. I (1886 – 1899), em seus comentários

sobre o trabalho que Charcot desenvolvia na Salpêtrière:

“Em seu estudo da histeria, Charcot partiu dos casos mais

completamente desenvolvidos, que ele considerava como tipos perfeitos da

doença – começou por reproduzir a conexão entre a neurose e o sistema

genital a suas proporções corretas, demonstrando a insuspeitada freqüência

dos casos de histeria masculina, e especialmente, de histeria traumática.

Nesses casos típicos, ele encontrou a seguir numerosos sinais somáticos

(tais como a natureza do ataque, a anestesia, os distúrbios da visão, os

pontos histerógenos, etc.), que lhe possibilitaram estabelecer com segurança

o diagnóstico da histeria com base em indicações positivas” (pág. 45).

Charcot com sua visão aberta para aquilo que outros olhos relutavam

em reconhecer, pode perceber o corpo erogenizado do histérico.

Naquilo que ele chamava a atenção para a época dizendo “Olhem”, e

sempre afirmando “ele é um histérico”, sem saber, portanto, que o que ele

mostrava era uma linguagem de um gozo inscrito no corpo, no qual a histeria

se articula.

É importante apresentar neste trabalho, uma aula apresentada por

Charcot, que nos proporciona, mediante os conceitos que entendemos hoje,

a oportunidade de uma possível reflexão para os casos que aparecem na

nossa clínica, retornando portanto às apresentações de Charcot.

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5.2 Aula de Jean-Martin Charcot -“Grande Histeria”, apresentada em 13 de dezembro de 1887.

5.2.1 Histeria e Neurastenia no Homem

Este homem é um ferroviário. Tem 38 anos e, como os senhores

podem observar, é um homem vigoroso. Ocupa uma função quase

sedentária, é um guarda-freios. Os senhores podem ver o que ele faz: vigia,

frequentemente à noite. Deve estar sempre atento para evitar colisões. É

muito grave quando alguém, com uma responsabilidade dessas, se engana.

É preciso não se enganar. E se sentimos uma certa predisposição nervosa,

melhor seria não ser guarda-freios e não ter antecedentes como os dele.

Em patologia nervosa, deve-se considerar primeiro, as formas

especiais que se poderia chamar espécies. Houve um mestre, Piorry, que

considerava a palavra espécie detestável porque, para ele, empregá-la em

casos semelhantes significava fazer ontologia. Havia, segundo ele, apenas

estados organopatológicos.

Quando vejo um processo mórbido se produzir no corpo humano sob a

ação de um vírus variólico, a doença sempre se comporta da mesma maneira.

Há, definitivamente, uma originalidade particular, uma unidade, que torna a

doença passível de ser chamada espécie, sem que, por isso, se faça um

paralogismo. Pois bem, todas as doenças estão basicamente sob essas

condições, o que é bom, pois se não houvesse espécies mórbidas, não

faríamos muitos diagnósticos. Graças a isso, não patinamos

demasiadamente na clínica.

Há espécies simples e espécies compostas ou sobretudo,

combinações de espécies. À primeira vista, isso parece muito simples, mas

decididamente sempre pensamos assim, e podemos crer que se trata de uma

doença nova, quando é apenas uma combinação de duas afecções distintas.

Eis um doente que é a um só tempo neurastênico e histérico.

Considero muito importante que os senhores o conheçam, pois escutarão

certos autores dizerem que os neurastênicos têm estreitamento do campo

visual e anestesia. Não acredito nisso. Doentes como este, apresentam

estreitamento do campo visual porque são ao mesmo tempo histéricos e

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neurastênicos. Em geral, contudo, essas duas doenças são completamente

independentes, ainda que se combinem.

Da neurastenia deste doente resulta a perda das funções sexuais,

iniciadas por um priapismo sem idéias de volúpia que já duram muitos meses.

O segundo fenômeno neurastênico é de ordem particular e composto por um

capacete envolvendo toda a sua cabeça, acompanhado de uma sensação de

pesadume. Quando a doença alcança o ápice de sua intensidade, a cabeça

aparenta estar absolutamente vazia, a memória desaparece, e todo o

trabalho intelectual torna-se impossível.

A famosa dispepsia é outro fenômeno frequentemente apresentado

pelos neurastênicos, levando os clínicos a acreditar que todas as desordens

neurastênicas têm como ponto de partida as afecções gástricas. Na verdade

ocorre o oposto: a neurastenia se manifesta e a afecção do estômago

completa o quadro.

Ao caminhar, este doente manifesta mais um fenômeno característico

da neurastenia: é permanentemente arrastado para a esquerda (vertigem de

translação). Por fim, sua afecção reúne um elemento psíquico frequentemente

ligado aos fenômenos neurastênicos: tem medo de tudo, em especial de ficar

sozinho.

Afirmo que ele é histérico. Em primeiro lugar, apresenta um

enfraquecimento da força dinamométrica extremamente pronunciado. No

dinamômetro, sua mão esquerda alcança apenas cinqüenta e a direita,

sessenta. Convenhamos que para um homem de seu porte, isso é muito

pouco. Do lado esquerdo, aliás, há uma hemianalgesia inteiramente

comparável à das histéricas. O testículo esquerdo é mais sensível que o

direito. Ele é um testicular, por oposição à histérica ovariana.

Devo responder a um médico de Nova Iorque que me acusa de ser a

causa das mais espantosas desordens por ter dito que as histéricas sofriam

dos ovários.

Segundo ele, vários cirurgiões se puseram a retirar ovários para curar

a histeria.

Seria um horror da desolação. Jamais disse semelhante parvoíce.

Esse colega se engana sobre meu estado mental. Disse que havia histéricas

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ovarianas porque tenho certeza desse fato. Jamais afirmei que os ovários eram a causa da histeria.

Mostrei que, quando as histéricas são ovarianas, interrompemos os

acessos exercendo pressão sobre o ovário, mas não sou ingênuo a ponto de

acreditar que os ovários são a sede da histeria. Pode-se ter uma placa

histerógena nas costas sem que elas sejam a causa da histeria. Jamais

aconselhei que os ovários fossem extirpados. Não sou tão simplista assim, e

penso que trata-se de algo muito mais complexo. Em vez de sair dizendo

que eu deveria ter ficado calado, o colega de Nova Iorque teria ficado melhor

se me tivesse lido. Ele certamente não encontraria esse tipo de conselho em

meu ensino. Ao contrário, teria visto que protesto contra a tendência

demasiado radical de alguns cirurgiões de retirar os ovários nos casos de

histeria geral. Essa posição não tem pé nem cabeça. Se fosse assim, seria

preciso retirar um pedaço das costas para suprimir as placas histerógenas ou

mesmo cortar os testículos dos testiculares. Vejo senhoras retornarem da

Alemanha ou da Suíça sem seus ovários. Tem cicatrizes no ventre e são tão

doentes quanto eram. Um ponto histérico a menos certamente não é a cura

da histeria.

Nosso doente apresenta um estreitamento do campo visual. Isso não é

uma questão neurastênica, mas sim histérica.

Nossos oponentes habituais nos dizem que há epiléticos que

apresentam estreitamento do campo visual e que, consequentemente, essa

afecção não é uma prova da histeria.

É certo que vimos epilépticos com anestesias, mas não porque são

epiléticos, e sim histeroepilépticos, ou seja, são definitivamente histéricos.

Tudo isso poderia ser facilmente esclarecido se quiséssemos nos entender,

mas há de se fazer oposição.

Prossigo. Este homem que apresenta estreitamento do campo visual é

um histérico. Ele apresenta inclusive a aura com pequenos ataques histéricos

que não são epilépticos, e que não se referem à neurastenia. Este caso é

interessante. Os senhores vêem um homem que tem uma profissão manual,

em que de fato há um pouco de trabalho intelectual, o qual demanda apenas

atenção. Sendo assim, ele se estafa ao trocar o dia pela noite.

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Não são raros os neurastênicos entre ferroviários. Nossa vizinha, a

Compagnie de Chemin de Fer d’Orléans, encaminha até nós numerosos

clientes, entre os quais muitos são neurastênicos. Este é a um só tempo

histérico e neurastênico. Tem o porte de um homem vigoroso que, se nos

fiássemos na antiga maneira de pensar, estaria muito distante da histeria. Em

seu caso, porém, essa opinião não tem valor, e eu o chamei precisamente

para lhes mostrar essa complicação.

Dirigindo-se ao doente.

Como são esses pequenos ataques que o senhor sente? O senhor

sente zumbido nos ouvidos, sua têmpora latejar? O senhor sente o pescoço

comprimindo?

Doente: Sim.

Charcot: Qual tratamento o senhor segue?

Doente: O tratamento por eletrização.

Charcot; O senhor está de licença para se tratar?

Doente: Por um mês.

Charcot: Há quanto tempo?

Doente: Há dez dias.

Charcot: O senhor melhorou?

Doente: Estou começando a sair, isso me faz bem.

Charcot: O senhor trabalha à noite?

Doente: A metade do tempo.

Charcot; O senhor pode ir.

(Charcot1 Apud Quinet (2003))

1 - Antonio Quinet. A Grande Histeria – Rio de Janeiro, Contra Capa Livraria Ltda, 2003 (págs.19 -22).

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5.3 Breve histórico do reconhecimento de Freud da histeria nos homens

O reconhecimento que Freud dará para as descobertas de Charcot, e

desenvolvidas no decorrer de seu trabalho com seus próprios pacientes,

indicará observações importantes que Charcot sublinhava para que

devessem ser reconhecidas.

Dentre os trabalhos de Freud, é mencionado um caso de histeria em

homem apresentado no primeiro volume de sua coleção no ano de 1886.

Tomarei aqui a oportunidade de narrar o caso apresentado por Freud

em que ele, assim como Charcot, chamava a atenção para a indistinção

quanto ao sexo da neurose histérica como estrutura.

Nesta apresentação serão abordados alguns pontos do caso e iremos

relacioná-los com o conceito elaborado por Freud.

Como já mencionei anteriormente, o primeiro caso da obra sobre

histeria apresentado por Freud foi de um homem, observando que antes

deste caso ele já tinha analisado Anna O. junto com Josef Breuer, no entanto,

seu trabalho foi divulgado dez anos depois em 1892 por insistência de Freud,

para que Breuer permitisse essa divulgação (Colette Soler, 2005); também

iremos encontrar várias citações no decorrer da obra sobre a histeria em

homens, que reafirmam as observações de Charcot.

Este caso de histeria em um homem, o único na obra, é apresentado

por Freud em um modelo de descrição, sob influência médica e as voltas com

as teorias de Charcot, mas que ele afirma de extrema importância para o

estudo da neurose, porém a época não contribuiu e colocou dificuldades em

explanar a tese.

As traduções das teorias de Charcot para o alemão, incentivaram

Freud a apresentar perante a Sociedade de Medicina suas observações no

campo da histeria.

Em 15 de outubro de 1886, depois de seu retorno de Paris, Freud

apresenta um artigo intitulado “Über mannliche Hysterie “ (Sobre a Histeria

Masculina), texto que não sobreviveu, sobrando apenas algumas resenhas.

O artigo foi mal recebido e “Mynert desafiou Freud a apresentar

perante a sociedade Médica um caso de histeria masculina”- Freud, 1886.

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As dificuldades encontradas por Freud para achar um caso, fez com

que ele tivesse a ajuda de um laringologista que tinha um paciente em que

apresentava os fenômenos físicos da histeria, como veremos depois.

A apresentação feita em 26 de dezembro de 1886 junto com seu

amigo Dr. Konigstein – cirurgião oftalmologista mostrou uma recepção melhor

que a anterior, porém não suscitou interesse na Sociedade Médica.

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5.3.1 Apresentação do Caso conforme o texto de 1886 apresentado por Freud.

OBSERVAÇÃO DE UM CASO GRAVE DE HEMIANESTESIA EM UM HOMEM HISTÉRICO – 1886.

“O paciente com nome August P, gravador de 29 anos, inteligente,

com esperança de rápida recuperação.

A historia familiar e de sua história pessoal conta que o pai aos 48

anos de idade morreu da doença de Bright, trabalhava numa adega, bebia

muito e tinha temperamento violento.

Sua mãe morreu aos 46 anos de tuberculose, sabe-se que ela sofria

muito de dores de cabeça, quando jovem. O paciente nada tem a dizer sobre

ataques convulsivos ou algo semelhante. O casal teve seis filhos, dos quais o

primeiro levou uma vida irregular e faleceu de uma afecção sifilítica cerebral.

O segundo filho tem interesse especial para nós: ele desempenha um papel

na etiologia da doença de seu irmão e parece que ele próprio era histérico.

O paciente teve ataques convulsivos mais tarde.

O terceiro filho desapareceu desde que deserdou do exército: o quarto

e o quinto morreram na tenra idade, e o último é o paciente.

Sua infância foi normal, nunca sofreu convulsões infantis e teve

doenças comuns de crianças. Aos oito anos, foi atropelado na rua, sofrendo

uma ruptura do tímpano direito, com permanente déficit de audição do ouvido

direito, e foi acometido de uma doença que durou diversos meses, sofrendo

de desmaios, durando dois anos. Desse acidente adveio um certo

embotamento intelectual, que o paciente afirma ter sido notado em seu

rendimento escolar, e uma tendência a sensações vertiginosas sempre que

por alguma razão se sentia indisposto, mais tarde completou os estudo

depois da morte dos pais, passou a aprendiz de gravador. Um dado que fala

muito a favor de seu caráter é o fato de ter permanecido como artífice e

empregado do mesmo mestre de ofício durante dez anos. Considera-se uma

pessoa cujos pensamentos estavam total e unicamente voltados para a

perfeição de seu habilidoso ofício e que, com esse fim em vista, leu muito e

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exercitou-se no desenho, não se permitindo relacionamentos sociais nem

divertimentos. Via-se obrigado a refletir muito acerca de si mesmo e de suas

ambições e, por fazê-lo com tanta freqüência, caía num estado de excitada

fuga de idéias, no qual ficava alarmado a respeito de sua saúde mental; seu

sono muitas vezes era agitado e sua digestão fazia-se lenta por causa de seu

modo de vida sedentário. Sofreu de palpitações durante os últimos nove anos;

mas, afora isto, era sadio e jamais precisou interromper seu trabalho.

Sua doença atual começou há três anos. Nessa época, teve um

desentendimento com o irmão que levava uma vida desregrada, porque este

se recusou a lhe pagar uma soma em dinheiro que o paciente lhe emprestara.

O irmão ameaçou apunhalá-lo e avançou contra ele com uma faca. Isto

causou ao paciente um medo indescritível; sentiu zumbido na cabeça, como

se ela fosse estourar; correu para casa, sem poder contar como foi que

chegou lá, e caiu no chão, inconsciente, em frente à porta de casa. Depois,

ouviu dizer que, durante duas horas, tinha tido violentos espasmos, durante

os quais falara da cena com seu irmão. Quando voltou a si, sentia-se muito

fraco; durante os seis semanas seguintes, sofreu de violentas dores no lado

esquerdo da cabeça e pressão intracraniana. Parecia-lhe alterada a

sensibilidade na metade esquerda do corpo, e seus olhos se cansavam

facilmente no trabalho, que ele retomou em seguida. Com algumas

oscilações, seu estado ficou sendo este durante três anos, até que, há sete

semanas, uma nova agitação causou uma mudança para pior. O paciente foi

acusado de roubo por uma mulher, teve palpitações violentas e, por uns

quinze dias, esteve tão deprimido que pensou em suicídio; ao mesmo tempo,

um tremor muito intenso tomou conta de seus membros esquerdos. A metade

esquerda de seu corpo ficou como se tivesse sido afetada por um pequeno

acidente cerebral; seus olhos se enfraqueceram muito e frequentemente

faziam-no ver tudo cinza; seu sono era interrompido por aparições

terrificantes e sonhos nos quais pensava estar caindo de uma grande altura;

começaram a surgir dores do lado esquerdo da garganta, na virilha esquerda,

na região sacra e em outras áreas; seu estômago, com freqüência, estava

“como se tivesse estourado”, e ele se viu obrigado a parar de trabalhar. Outra

piora em todos esses sintomas data da última semana. Além disso, o

paciente está sujeito a dores violentas no joelho esquerdo e na planta do pé

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esquerdo, quando caminha durante algum tempo; tem uma sensação

peculiar na garganta, como se a língua estivesse presa, ouve freqüentes

zumbidos no ouvido, e outras coisas dessa natureza. Sua memória está

prejudicada quanto aos acontecimentos ocorridos durante sua doença;

quanto aos eventos anteriores à doença, porém, não apresenta problemas.

Os ataques sob forma de convulsões repetiram-se de seis a nove vezes

durante três anos; contudo, a maior parte deles foi muito benigna; somente

um ataque á noite, no último mês de agosto, acompanhou-se de “agitação”

com bastante gravidade.

Agora examinemos o paciente: um homem bastante pálido, de

compleição média. O exame de seus órgãos internos nada revela de

patológico, exceto bulhas cardíacas abafadas. Quando comprimo o ponto de

saída dos nervos supra-orbital, infra-orbital ou do mento, do lado esquerdo, o

paciente volta a cabeça com uma expressão de dor intensa. Podemos,

portanto, supor que há uma alteração nevrálgica no trigêmeo esquerdo.

Também a abóbada craniana é muito sensível à percussão na sua metade

esquerda. A pele da metade esquerda da cabeça comporta-se, no entanto,

de modo muito diferente do que esperávamos: está completamente

insensível a estímulos de qualquer espécie.

Posso aplicar-lhe alfinetadas, beliscá-la, torcer o lobo da orelha entre

meus dedos, sem que o paciente chegue sequer a perceber o contato. Aqui,

pois, existe um grau muito elevado de anestesia; esta, contudo, atinge não só

a pele como também as membranas mucosas, conforme lhes mostrarei no

caso dos lábios e da língua do paciente. Se introduzo um rolinho de papel em

seu canal auditivo externo esquerdo e depois em sua narina esquerda, não

se produz nenhuma reação. Repito agora a experiência no lado direito e

mostro que aqui a sensibilidade do paciente é normal. Em consonância com

a anestesia, os reflexos sensoriais também estão abolidos ou diminuídos.

Assim, posso introduzir meu dedo e tocar todos os tecidos faríngeos do lado

esquerdo, sem que resultem ânsias de vômito; os reflexos faríngeos do lado

direito, contudo, também se encontram diminuídos: apenas quando toco a

epiglote no lado direito é que se dá uma reação. O toque da conjuntiva

palpebral e ocular mal produz o fechamento das pálpebras; por outro lado, o

reflexo corneano está presente, embora muito reduzido. Aliás, os reflexos

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conjuntival e corneano do lado direito também estão diminuídos, embora em

grau menor; e esse comportamento dos reflexos é suficiente para me

possibilitar a conclusão de que os distúrbios da visão não se limitam

necessariamente a um olho (o esquerdo). E, realmente, quando pela primeira

vez examinei o paciente, ele mostrava em ambos os olhos a peculiar poliopia

monocular dos pacientes histéricos e distúrbios da sensibilidade às cores.

Com o olho direito, reconhecia apenas o vermelho-claro e o amarelo-claro, ao

passo que considerava apenas todas as outras cores como cinzento, quando

era claras, e como preto, quando escuras. O Dr. Konigstein teve a gentileza

de submeter o paciente a um minucioso exame oftalmológico e

posteriormente relatará suas conclusões. Passando aos outros órgãos dos

sentidos, o olfato e o paladar estão inteiramente anulados no lado esquerdo.

Somente a audição foi poupada da hemianestesia cerebral. Convém lembrar

que a acuidade do ouvido direito ficou seriamente prejudicada desde que o

paciente sofreu um acidente aos oito anos de idade; seu ouvido esquerdo é o

melhor; a redução da audição nele presente é (segundo professor Gruber)

suficientemente explicada por uma visível e substancial afecção da

membrana timpânica.

Se procedermos agora a um exame do tronco e dos membros,

verificaremos também uma anestesia absoluta, sobretudo no braço esquerdo.

Como vêem, consigo espetar a ponta de uma agulha numa dobra da pele

sem que o paciente reaja. As estruturas profundas – músculos, ligamentos e

articulações – também devem estar insensíveis em um grau igualmente

elevado, pois posso mover a articulação do punho e estirar os ligamentos

sem provocar qualquer sensação no paciente. É consoante com essa

anestesia das estruturas profundas o fato de que o paciente, quando seus

olhos são vendados, também não tem noção da posição de seu braço

esquerdo no espaço, nem de qualquer movimento que executo com ele.

Passo uma venda em seus olhos e depois lhe pergunto o que fiz com sua

mão esquerda. Ele não consegue dizer. Peço-lhe que, com a mão direita,

segure o polegar, o cotovelo ou o ombro esquerdo. Ele tateia às cegas,

confunde sua própria mão com a minha que lhe estendo, e então admite que

não sabe a quem pertence à mão que segurou.

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Deve ser particularmente interessante descobrir se o paciente é capaz

de encontrar as partes da metade esquerda de sua face. Seria de supor que

isso não lhe oferecesse quaisquer dificuldades, pois, afinal, a metade

esquerda do rosto está, digamos, firmemente cimentada à metade direita,

intacta. Mas a experiência mostra o contrário. O paciente erra o alvo no olho

esquerdo, no lobo da orelha esquerda, assim por diante; na verdade, parece

sair-se pior ao tatear com a mão direita as partes anestesiadas do rosto do

que se estivesse tocando uma parte do corpo de alguma outra pessoa. A

causa disso não é uma perturbação na mão direita, que ele está usando para

apalpar, pois os senhores podem ver com que certeza e rapidez ele encontra

os pontos em que lhe digo para tocar a metade direita do rosto.

A mesma anestesia está presente no tronco e na perna esquerda.

Observamos aí que a perda das sensações tem seu limite na linha média, ou

se estende um pouco além desta.

Para mim, parece haver um interesse especial na análise dos

distúrbios do movimento que o paciente mostra em seus membros

anestesiados. Acredito que esses distúrbios do movimento devam ser

atribuídos, inteira e unicamente, à anestesia. Um braço paralisado ou cai

flacidamente, ou se mantém rígido, devido às contraturas em posições

forçadas. Aqui a coisa se passa de modo diverso. Se eu vendar os olhos do

paciente, seu braço esquerdo permanecerá na posição que tinha assumido

anteriormente. Os distúrbios da mobilidade são mutáveis e dependem de

diversas condições. Em primeiro lugar, aqueles dentre os senhores que

tiverem notado como fechou sua narina esquerda com os dedos da mão

esquerda, não terão tido a impressão de qualquer distúrbio grave do

movimento. A um exame mais acurado, verificar-se-á que o braço esquerdo,

em especial os dedos, são movimentados mais lentamente e com menos

habilidade, como se estivessem entorpecidos, e com um leve tremor. Todos

os movimentos até os mais complicados, são, todavia, executados, e isso

acontece sempre que a atenção do paciente é desviada dos órgãos do

movimento e dirigida unicamente para o objetivo do movimento. As coisas se

passam diversamente quando lhe peço que efetue movimentos isolados com

o braço esquerdo, sem que qualquer objetivo mais remoto - como, por

exemplo, dobrar o braço na articulação do cotovelo enquanto segue o

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movimento com os olhos. Nesse caso, seu braço esquerdo parece muito

mais inibido do que antes, o movimento é feito com muita lentidão,

incompletamente, em estágios diferentes como se houvesse uma grande

resistência a ser vencida, e é acompanhado de um nítido tremor. Os

movimentos dos dedos são extraordinariamente débeis nessas

circunstâncias. Uma terceira espécie da perturbação do movimento, a mais

grave, surge, finalmente, quando o paciente é solicitado a efetuar

movimentos isolados com os olhos fechados. Por certo, algo se passa no

membro que está absolutamente anestesiado, pois, como vêem a inervação

motora é independente de qualquer informação sensitiva do tipo que

normalmente procede de um membro que vai ser movimentado; esses

movimentos, no entanto, são mínimos, de modo algum dirigido a um

determinado segmento, e não determinável quanto à sua direção por parte do

paciente. Não suponham, porém, que esse último tipo de perturbação do

movimento seja uma conseqüência necessária da anestesia; é precisamente

com relação a esse aspecto que se encontram marcantes diferenças

individuais. Observamos, no Salpêtrière, pacientes com anestesias que, de

olhos fechados, conservam um controle muito mais acentuado de membros

que tivessem sido eliminados da consciência.

A mesma influência da atenção desviada e do olhar aplica-se à perna

esquerda. Hoje, durante pelo menos uma hora, o paciente caminhou a meu

lado pelas ruas, a passos rápidos, sem olhar para seus pés enquanto andava.

E tudo o que pude notar foi que pisava com o pé esquerdo girando-o um

pouco para fora e que, muitas vezes, arrastava-o pelo chão. Mas quando lhe

ordeno que ande, ele tem que acompanhar com os olhos cada movimento da

perna anestesiada e o movimento faz-se lento e hesitante, cansando-o com

muita facilidade. Por fim, com os olhos fechados, ele caminha completamente

inseguro e se desloca mantendo ambos os pés em contato com o chão,

como faria qualquer um de nós se caminhasse no escuro em local

desconhecido. Ele também tem grande dificuldade em permanecer de pé

apenas sobre a perna esquerda, quando fecha os olhos nessa posição, cai

imediatamente ao chão.

Prosseguirei com a descrição do comportamento de seus reflexos.

Estes são, em geral, mais vivos do que o normal e, além disso, mostram

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pequena coerência entre si. Os reflexos do tríceps e do extensor são

efetivamente mais vivos na extremidade direita, não anestesiada. O reflexo

patelar parece mais vivo na esquerda; o reflexo do tendão de Aquiles é igual

em ambos os lados. Também é possível obter uma discreta reação patelar,

mais nitidamente observável à direita. Os reflexos do cremaster estão

ausentes; por outro lado, os reflexos abdominais são rápidos, sendo que o

esquerdo está intensamente aumentado, de modo que o mais leve toque

numa área da pele do abdômen provoca uma contração máxima do músculo

reto-abdominal esquerdo.

Em conjunção com uma hemianestesia histérica, nosso paciente

mostra, tanto espontaneamente como sob pressão, áreas dolorosas nesse

lado do corpo que é, em outros aspectos, o lado insensível – o que se

conhece como “zonas histerógenas”, embora nesse caso sua conexão com a

provocação dos ataques não seja acentuada. Assim o nervo trigêmeo, cujos

ramos terminais, como lhes mostrei anteriormente, são sensíveis à pressão,

é a sede de uma zona histerógena desse tipo; também o são uma estreita

área na fossa cervical média esquerda, uma faixa mais larga na parede

esquerda do tórax (em que a pele também é sempre sensível), a parte

lombar da coluna e a parte mediana do osso sacro. Finalmente, o cordão

espermático esquerdo está muito sensível à dor, e essa zona se prolonga no

trajeto do cordão espermático, pela cavidade abdominal, até a área que, nas

mulheres, frequentemente é sede da “ovaralgia”.

Devo acrescentar dois comentários referentes aos desvios que nosso

caso apresenta em relação ao quadro típico da hemianestesia histérica. O

primeiro diz respeito ao fato de que o lado direito do corpo do paciente

também não está livre da anestesia, ainda que não seja em grau intenso e

pareça afetar apenas a pele. Há, portanto, uma zona de diminuição da

sensitividade à dor (e a temperatura) sobre a saliência do ombro direito; uma

outra estende-se em forma de faixa ao redor da extremidade distal do

antebraço; a perna direita apresenta hipoestesia no lado externo da coxa e

na panturrilha.

Um segundo comentário refere-se ao fato de que a hemianestesia de

nosso paciente mostra muito nitidamente a característica da instabilidade.

Assim, num teste para sensitividade elétrica, contrariando minha expectativa,

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tornei sensível uma área de pele de cotovelo esquerdo; e testes repetidos

mostraram que a extensão das zonas dolorosas do tronco e as perturbações

do sentido da visão oscilavam de intensidade. “É nessa instabilidade do

distúrbio da sensitividade que baseio minha esperança de ser capaz de

restaurar a sensitividade normal do paciente, dentro de pouco tempo”.

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6. A Histeria no conceito charcotiano e a análise de Freud. Em 1888 a histeria era analisada com base nos seguintes conceitos da

época, podemos observar possíveis caminhos que Freud se embasava no

início de seu trabalho:-

“Podemos dizer que a histeria é uma anomalia do sistema nervoso que

se fundamenta na distribuição diferente das excitações, provavelmente

acompanhada de excesso de estímulo no órgão da mente. Sua

sintomatologia mostra que esse excesso é distribuído por meio de idéias

conscientes ou inconscientes. Tudo o que modifica a distribuição das

excitações no sistema nervoso pode curar os distúrbios histéricos: esses são,

em parte, de natureza física e, em parte, de natureza diretamente psíquica”

(Freud, 1888 - pág. 94).

Percebe-se os meios incipientes, mediante a estas observações, que

nos levam a compreender a histeria e o seu percurso, e do que eles

dispunham na época para diagnosticar e tratar a histeria mediante uma

leitura voltada no campo da totalidade dos sintomas, conforme o próprio

Freud reconhece:-

“.. por enquanto, devemo-nos contentar em definir a neurose de um

modo puramente nosográfico, pela totalidade dos sintomas que ela apresenta,

da mesma forma como a doença de Graves se caracteriza por um grupo de

sintomas..., sem qualquer consideração relativa a alguma conexão mais

intima entre esse sintoma” (Freud, 1888 - pág. 77).

Conforme o texto Histeria (1888), outras características eram

seguidas na sintomatologia da histeria, em que podemos identificar alguns

pontos na apresentação de Freud sobre os sintomas do caso de August P., e

relacioná-los com o conceito abaixo, que corresponde com o quadro clínico

do paciente:-

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Hemianestesia histérica:- Diagnóstico do paciente – “apresenta as

características de maior variabilidade na forma como se distribui; pode

acontecer que um dos órgãos dos sentidos ou um órgão localizado no lado

anestesiado escape inteiramente à anestesia, e qualquer área sensível no

quadro da hemianestesia pode ser substituída pela área simétrica do outro

lado (transfert espontâneo)”.

Zonas Histerógenas:- “áreas supersensíveis do corpo, nos quais um

leve estímulo desencadeia um ataque de aura que começa por sensações

provenientes dessa área”.

“São encontradas com maior freqüência no tronco do que nos

membros e em determinados locais – nas mulheres “e mesmo nos homens”,

numa área da parede abdominal corresponde aos ovários na região coronária

do crânio e inframamária e nos homens, nos testículos e no cordão

espermático”.

Distúrbios da Sensibilidade:- consiste em anestesia e hiperestesia.

“A anestesia pode afetar a pele, as membranas mucosas, os ossos, os

músculos e nervos, os órgãos dos sentidos e os intestinos, o mais comum é a

anestesia da pele”.

“Frequentemente existe uma relação recíproca entre a anestesia e as

zonas histerógenas, como se toda a sensibilidade de uma parte relativamente

grande do corpo estivesse comprimida numa única zona”.

Distúrbios da atividade da Pele:- “Pode afetar todos os órgãos dos

sentidos e podem aparecer simultaneamente com ou independentemente de

modificação na sensibilidade da pele”.

Distúrbio Histérico da Visão:- “São apresentados os seguintes

sintomas:- fundo do olho normal ao exame, ausência do reflexo conjuntival,

estreitamento concêntrico do campo visual, redução da percepção luminosa e

acromotopsia, a sensibilidade ao roxo é a primeira a ser perdida, e a

sensibilidade ao vermelho ou azul é a que persiste”.

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6.1 Análise do caso conforme conceitos freudianos na teoria do trauma e conversão histérica.

Observemos alguns pontos do caso que me chamaram a atenção:

- pai bebia muito e tinha temperamento violento.

- primeiro irmão – vida irregular – falece de afecção sifílica cerebral.

- segundo irmão – interesse especial, desempenha um papel na

etiologia da doença do irmão – parece ser histérico.

- terceiro irmão desapareceu, desertou do exército.

- quarto e quinto irmãos morreram na tenra idade.

- sexto – paciente – com oito anos é atropelado – sofre ruptura do

tímpano direito, déficit de audição do ouvido direito, doença que sofria com

desmaios por vários meses mais ou menos dois anos.

- Falava muito a favor de seu caráter o fato de que permaneceu como

empregado do mesmo mestre durante dez anos.

- Pensamentos de uma pessoa unicamente voltados para a perfeição

de seu ofício, privando-se de relacionamentos e divertimentos.

- Quando se via obrigado a refletir sobre si mesmo e de suas ambições,

caia num estado de excitada fuga de idéias.

- Foi acusado de roubo por uma mulher, apresentando depois disso,

sintomas de depressão e pensamentos de suicídio, havendo um tremor

intenso tomando conta de seus membros esquerdos.

A doença começou num desentendimento com um irmão que levava

uma vida desregrada – como Freud narra “Este teve papel importante na

etiologia da doença do paciente”

. Sintomas –

- Medo, zumbido na cabeça como se fosse estourar, corre para casa e

cai no chão, tem espasmos, e por duas horas, falara da cena com o irmão.

- Sente-se fraco por seis semanas seguidas (não podemos deixar de

lembrar que eram seis irmãos).

- Alteração de sensibilidade em toda parte esquerda do corpo, piora

quando o paciente é acusado de roubo por uma mulher.

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- Tremor intenso no lado esquerdo.

- Violentas dores no joelho esquerdo e planta do pé esquerdo.

- Quando caminha tem sensação peculiar na garganta, como língua

presa, ouve zumbido.

- Memória prejudicada devido aos acontecimentos da doença, este

fato aconteceu também na infância quando ficou doente (embotamento

intelectual), assim como indisposição.

Notemos que entre as figuras masculinas da família, somente nosso

paciente era o que se destacava quanto a se diferenciar na conduta em

relação aos outros.

Esforçava-se em seu ofício, assumia compromissos o que depunha

favoravelmente com relação a seu caráter, bem como a permanência a

serviço de um mestre de ofício, ao contrário de seus três irmãos desregrados

e o pai bêbado e violento.

O desentendimento com o irmão, o coloca numa posição que antes

era passiva para ativa, ou seja, quando cobra do irmão o dinheiro

emprestado, brigando para rever esse dinheiro, aqui o paciente sofre um

golpe do irmão e é ameaçado com uma faca, esta cena o deixa mal e por

duas horas fica falando da cena da briga com o irmão, fez um sintoma que

podemos acompanhar numa passagem apresentada por Freud no texto de

Comunicação Preliminar (1893):

“O esmaecimento de uma lembrança ou perda de seu afeto de vários

fatores. O mais importante é se houve uma reação energética ao fato capaz

de provocar um afeto. Pelo termo “reação” compreendemos aqui toda classe

de reflexos voluntários e involuntários – das lágrimas aos atos de vingança –

nos quais, como a experiência nos mostra, os afetos são descarregados.

Quando essa reação ocorre em grau suficiente, grande parte do afeto

desaparece como resultado. O uso da linguagem comprova esse fato de

observação cotidiana em expressões como” desabafar pelo pranto” e

desabafar através de um acesso de cólera, literalmente “esvair-se em cólera”.

Quando a reação é reprimida, o afeto permanece vinculado à lembrança.

Uma ofensa revidada, mesmo que apenas com palavras, é recordada de

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modo bem diferente da outra que teve que ser aceita. A linguagem também

reconhece essa distinção, em suas conseqüências mentais e físicas; de

maneira bem característica, ela descreve uma ofensa sofrida em silêncio

como” uma mortificação”, literalmente um fazer adoecer. – A reação da

pessoa insultada em relação adequada – como por exemplo uma vingança.

Mas a linguagem serve de substituta para a ação; com a ajuda, um afeto

pode ser ab-reagido quase com a mesma eficácia” (págs. 43 -44)

Outro fato, o de ser acusado de roubo, mostra o quanto seu caráter

que até então esforçava-se em zelá-lo, foi manchado, colocando –o portanto

como mau caráter, assim como seus irmãos e o pai, podemos perceber aí

uma identificação com os homens da família.

Assim como nos casos de histeria apresentados por Freud, em que o

afeto se desloca da representação e fica convertido este afeto em zonas

erógenas imprimidas no corpo, podemos entender esta conversão. Freud

propôs em Estudos sobre a Histeria (1893-1895), um conceito seguindo o

caso Elisabeth Von R, em que articula que “um paciente que se encontra

num estado psíquico especial – A ligação desse estado com seus

sentimentos eróticos e suas dores parece possibilitar a compreensão do que

aconteceu segundo a teoria da conversão” (pág. 187).

Pensemos na questão de que o paciente anula de sua vida os

prazeres, ou seja, “de relacionamentos sociais e divertimentos”, nem de uma

companhia feminina se dá o direito, reprimindo com isso sentimentos que

passavam em sua mente conforme é narrado – “via-se obrigado a refletir

muito acerca de si mesmo e de suas ambições e, por fazê-lo com tanta

freqüência; caía num estado de excitada fuga de idéias no qual ficava

alarmado a respeito de sua saúde mental...”.

Aqui podemos fazer uma comparação com o caso Elisabeth Von R, ou

seja, dos devaneios como foi citado no início do trabalho. Em que também

ela, sentada num banco pensa na vida que poderia ter tido, acompanhada de

um marido, ser feliz, assim como sua irmã o era, e que logo após esses

pensamentos suas dores na perna e a dificuldade em andar começam a se

intensificar.

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Freud (1893) dará aqui a seguinte explicação:

“Mas como poderia ocorrer que um grupo representativo com tanta

força emocional fosse mantido tão isolado? – em geral o papel

desempenhado nas associações por uma idéia aumenta, proporcionalmente

à quantidade de afetos que há nela” (pág. 189).

O que dizer então das hemianestesias no lado esquerdo de nosso

paciente e que na gênese da histeria, o afeto e a representação, forneceriam

um caminho para pensar melhor o caso e seus sintomas, o que não é

possível, uma vez que faltam mais informações sobre o paciente.

Podemos encontrar, no entanto, algumas pistas, revendo alguns dos

traumas da vida do paciente: perdeu o pai, a mãe, dois irmãos e mais dois

irmãos desregrados, portanto era sozinho e levava uma vida reclusa, vivendo

apenas para o trabalho, poderíamos supor na etiologia dos traumas e os

sintomas de conversão o seguinte conceito de Freud (1893 – 1895):-

“Conforme o próprio conceito de “histeria de defesa”, a conversão não

se deu ligada a suas impressões enquanto novas, mas sim em conexão com

suas lembranças das mesmas” (Freud, 1893-1895 - pág. 191).

Mais adiante ele acrescenta: –

“Ao considerarmos a questão mais detidamente, devemos reconhecer

que um processo dessa natureza é mais a regra de que a exceção na gênese

dos sintomas histéricos... o que tenho encontrado não é uma única causa

traumática, mas um grupo de causas semelhantes... foi possível comprovar

que o sintoma em causa já aparecera por um breve período após o primeiro

trauma e depois passara, até ser novamente provocado e estabilizado por um

trauma subseqüente. Não existe, contudo, nenhuma diferença entre o fato de

o sintoma surgir dessa forma temporária após sua primeira causa

provocadora e o fato de estar latente desde o começo. Com efeito, na grande

maioria dos exemplos, verificamos que um primeiro trauma não deixa

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nenhum sintoma, ao passo que um trauma posterior da mesma espécie

produz um sintoma, só que este último não pode ter esclarecido sem se

levarem em conta todas as causas provocadoras.

Enunciados em termos da teoria da conversão, esse fato indiscutível

da soma dos traumas e da latência preliminar dos sintomas nos ensina que a

conversão pode resultar tanto de sintomas novos quanto dos que são

relembrados. Essa hipótese explica inteiramente a aparente contradição que

observamos entre os fatos da doença da Srta. Elisabeth Von R, e sua

análise” (Freud, 1893 – 1895 - pág. 195).

Podemos pensar o mesmo para o caso de August P. devido à

complexidade de seus sintomas conversivos, conforme Freud conceitua.

O que aqui gostaria de mencionar da análise freudiana é o fato de que

numa base orgânica, ou seja, um trauma físico, como no caso do nosso

paciente, uma lesão no ouvido direito, decorrente de um acidente de carro na

infância e mais uma doença não diagnosticada na mesma época, traz em si

um conteúdo, em que a histeria desempenha um papel particular, pois a dor

com mais alguns fatores emocionais formam uma conexão associativa,

tornando-se então um símbolo mnêmico.

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6.2 Uma possível semelhança com outro caso de Freud

Ao ler este caso, fez-me lembrar de algumas semelhanças com o caso

Elizabeth Von R, em que Freud já tem fundada a teoria do trauma e o desejo

(afeto) convertido no corpo, ponto no qual toda histeria se articula.

O caso mencionado segue um modelo charcotiano de apresentação,

pouca coisa, como se percebe é falado da história do paciente. A ética

psicanalítica segue uma metodologia em que o sujeito é fundado na sua

história, porém, sabendo-se tratar-se de uma neurose histérica, podemos

supor seus elementos e propor uma hipótese teórica do caso em questão, no

qual não foi possível, seja qual for o motivo, dar ênfase no caso de um

homem histérico, como foi dada para os casos clássicos de histeria

apresentados por Freud sendo seus personagens mulheres.

Em outro lugar no mesmo volume na carta 97 (pág. 326), Freud (1898)

menciona sobre um caso novo de um homem, e algumas particularidades

que por ventura, venham conferir com a neurose histérica pelos sintomas

apresentados.

O que quero colocar aqui são as referências da histeria em homens, já

apresentadas por Freud, e ressaltá-las para verificar como a neurose era

apresentada nesta época.

Portanto os casos mostram alguns elementos clínicos que se

assemelham com o caso Elizabeth Von R, ressalvando que cada caso

apresenta suas particularidades de defesas e sintomas.

Esta carta apresentada a seguir, verifica nos “Extratos dos

Documentos dirigidos a Fliess (1950[1892 – 1899])”, em que Freud

apresentava suas observações para o seu amigo, já mostram uma mudança

na forma da análise, diferentemente do anterior, conforme veremos:-

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Carta 97

“... Comecei um caso novo, de modo que estou abordando sem

qualquer conclusão antecipada. De início, como é natural, tudo se ajusta

maravilhosamente. Trata-se de um homem jovem, de vinte e cinco anos, que

mal consegue caminhar por causa da rigidez das pernas, espasmos,

tremores etc. Uma salvaguarda contra qualquer diagnóstico incorreto é

proporcionada pela angústia concomitante, que o faz manter-se agarrado às

saias da mãe como o bebê que se esconde atrás desse homem. A morte de

seu irmão e a morte do pai, portador de uma psicose, precipitaram o início de

seu estado, que esteve presente desde a idade de quatorze anos. Sente-se

envergonhado diante de qualquer pessoa que o veja caminhando dessa

maneira e considera isso natural. Seu modelo é um tio tabético, como qual já

se identificava quando tinha treze nos, por causa da etiologia aceita (levar

uma vida dissoluta). Aliás, ele tem compleição de um verdadeiro urso.

Por favor, observe que a vergonha está simplesmente apenas aos

sintomas e deve relacionar-se com outros fatores desencadeantes.

Espontaneamente, ele disse que o tio não se sentia nem um pouco

envergonhado de seu modo de andar. A relação entre a vergonha e seu

modo de caminhar foi uma relação racional há muitos anos, quando ele teve

gonorréia, o que naturalmente era perceptível em seu andar, e também até

mesmo alguns anos antes, quando ereções constantes (sem objetivo)

interferiam no seu andar. Além disso, a causa de sua vergonha era mais

profunda. Contou-me ele que, no ano passado, quando estavam morando

junto ao [rio] Wien no campo, que de repente começou a subir, ele foi tomado

de terrível medo de que a água pudesse chegar até dentro do seu quarto –

ou seja, de que seu quarto fosse inundado durante a noite. Observe, por

favor, a ambigüidade da expressão: eu sabia que ele sofrera de enurese

quando criança. Cinco minutos depois, contou-me espontaneamente que, na

época em que freqüentava o curso primário, ele ainda urinava na cama

regularmente, que sua mãe o ameaçava de contar isso aos professores e aos

outros meninos. Ele sentira uma angústia enorme. De modo que, é ali que se

situa sua vergonha. Toda a história de sua adolescência, por um lado, tem

seu clímax nos sintomas da perna e, por outro, libera o afeto pertencente a

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essa fase: ambos, afeto e sintoma, vinculam-se somente pela sua percepção

interna. No espaço entre os dois insere-se toda a história perdida de sua

infância.

Ora, uma criança que urinou regularmente na cama até os sete anos

de idade (sem ser epiléptica ou algo parecido) deve ter tido experiências

sexuais no início da infância. Espontâneos, ou por sedução? Esta é a

situação que deve encerrar também os fatores causais mais precisos –

relativos á suas pernas.

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Capítulo 7. Um breve esboço sobre a problemática da histeria em homens.

Após a apresentação destes dois casos, podemos observar a

problemática na estrutura histérica, mas especificamente falando no homem,

e sua posição fálica com o Outro.

Joel Dor (1993) em seu livro – Estruturas e Clínica Psicanalítica faz um

breve comentário sobre as dificuldades que encontramos em identificar a

histeria em homens, através das dissimulações médicas, resistindo em

identificar no homem esta afecção neurótica, beneficiando-se de camuflagens.

Uma das dissimulações encontradas é o traumatismo, que é pouco

associado ao traumatismo psíquico, tornando a histeria masculina mais ainda

mascarada.

Ele cita como exemplo os acidentes do trabalho e fatos de guerra que

dispõe de categorias clínicas codificadas, que se encarrega do travestimento

da causalidade que governa a expressão dos sintomas, portanto as neuroses

pós-traumáticas e as neuroses de guerra permitem apreender a duplicidade

desta mascarada.

Continuando com Dor, de outro ponto de vista da sintomatologia

clínica, a histeria masculina não consegue se distinguir da histeria feminina.

Porém, uma expressão sintomática que metaforicamente evoca na

histeria masculina é o acesso de cólera, em que esta crise demonstra uma

confirmação de impotência que traveste uma descarga libidinal.

Outra característica é a preocupação com o “dar a ver”, com o “dar a

ouvir” que é bem presente nesta histeria.

Presente também na mulher este “dar a ver”, que é sempre no dar a

ver alguma coisa do corpo, no homem, o dar a “ver”, concerne ao corpo

inteiro.

Portanto:

“Através deste “dar a ver”, o que é fundamentalmente trazido a baila é

o desejo de aparecer, o desejo de agradar, no final das contas, uma

demanda de amor, e de reconhecimento. Isto explica, na histeria masculina,

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esta tendência essencial à sedução. O homem “se” mostra como tal mais do

que mostra alguma coisa”.

“Daí os inevitáveis comportamentos de ostentação, que são sempre os

meios no homem e na mulher: os artifícios são prioritários” (pág. 87).

Colette Soller (2005) – mostra certas características do gozo fálico no

homem, que tem a mesma estrutura descontínua dos fenômenos do sujeito,

porém tendo o valor identificatório.

Ela afirma que os homens se vangloriam de seus desempenhos,

sempre fálicos e se reconhecem como sendo mais homens quanto mais

acumulam gozo fálico, isto começa na tenra idade, na escola primária,

quando os meninos mostram seu órgão uns aos outros, comparando-o e o

exercitam, para ver quem urina mais longe. O órgão ainda não tem

funcionamento sexual, mas o discurso já informou ao menino que é nisso e

com isso que ele se medirá.

Depois as conquistas contabilizadas quando se é homem, outro ponto

é quanto ao homem mostrar sua mulher, ou seja, o homem se mostra.

Todavia, retornando com Joel Dor (1993), a sedução na histeria

masculina, constituí suporte privilegiado de uma negociação de amor,

certificando-se de ser amado por todos, oferecendo seu próprio amor, sem se

preocupar.

Este amor, que é uma fachada, é na medida em que ele, o histérico, é

incapaz de se enganar além da sedução, não podendo renunciar a ninguém,

importa-lhe antes de tudo receber o amor de todos, é, sobretudo não querer

perder nenhum objeto de amor.

Por conta disso, encontramos aí um componente preponderante da

histeria: a insatisfação.

O interesse de um objeto, que o outro demonstra, torna-se o objeto de

desejo do homem histérico, com isso, ele desenvolve uma maneira

permanente de lamentação, não podendo aproveitar do que possuí: “a

carreira do outro teria sido mais conveniente, a mulher do outro teria sido

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mais satisfatória, mais desejável, a roupa que não comprou teria sido mais

adequada”.

Esta divisa é também encontrada na mulher histérica, faz parte da

estrutura. No homem histérico, sua incapacidade de gozar, todavia, mesmo

conseguindo o que não tem, isto o levará de qualquer modo a um fracasso, já

que sua estratégia é destinada a manter a insatisfação.

Isto irá resultar no estabelecimento de estados ansiosos, depressivos,

e até neurastênicos (Charcot), idênticos ao da histeria feminina.

É certo que os traços estruturais da histeria estão na “reivindicação do

ter”.

Daí a existência de um traço inaugural na economia psíquica da

estrutura do histérico: “sua alienação subjetiva ao desejo do Outro”.

Joel Dor (1997) esclarece:-

“É justamente porque o histérico se sente injustamente privado do

objeto do desejo edipiano – o falo – que a dinâmica do desejo vai

essencialmente ressoar ao nível do ter. De fato, o histérico não tem outra

saída senão delegar a questão de seu próprio desejo junto ao Outro que é

suposto tê-lo, o qual, em conseqüência, é sempre pressentido, então, como

detentor da resposta para o enigma do desejo” (pág. 69).

Portanto “... a economia desejante do histérico é atingida por uma

ambivalência fundamental, podendo especificar por duas vertentes

antagonistas”: existir por si ou aparecer aos olhos do outro, de outra maneira,

poderia dizer que desejar por si mesmo ou desejar à própria revelia, em vista

daquilo que o outro é suposto esperar em seu desejo” (Dor – 1997- pág. 77).

Por conta disso, os vestígios dessa ambivalência, é encontrada no

centro da problemática sexual do homem histérico.

No entanto, para além dessa ambivalência, a relação com o outro

feminino é, por antecipação, alienada perante um certo tipo de representação

da mulher, como sendo mulher idealizada inacessível, não deixando de

recordar o investimento do ideal feminino.

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Como seria visto nos perversos; em que a mulher estaria em sua

fantasia como sendo a mulher virgem e intocável e pura de todo desejo.

No homem histérico, a mulher só é inacessível, em sua maior parte, na

medida em que ele mantém um certo tipo de conduta, evitando um confronto

direto e pessoal no terreno da sexualidade com ela, desse modo, a evitação

é pré-determinada no histérico pela relação ambivalente que é a sua diante

da função fálica.

“Se a mulher é por excelência, aquilo que lhe permite se situar

relativamente à posse do objeto fálico, o histérico nem por isso está menos

cativo de um modo de atribuição fálica negativizado pela fantasia crucificante

do “não tê-lo”. .”

(Joel Dor – 1997 – pág.78).

De fato ao se desinvestir imaginariamente do atributo fálico, permite

compreender a confusão sintomatológica pênis/falo que compromete sua

relação desejante com a mulher, no sentido de uma impotência ou ejaculação

precoce, podendo com isso, dar a impressão, de casos de perversão.

A relação desejante com a mulher o coloca, numa elaboração

inconsciente de completa confusão entre o desejo e a virilidade, tendo sua

origem numa interpretação em que o histérico mobiliza no lugar da demanda

de toda mulher, não sendo percebida como uma solicitação desejante que se

dirigiria a um outro desejo.

“Em contrapartida, ela é sempre ouvida pelo histérico como uma

injunção de ter que dar provas de sua virilidade” (Dor, 1997).

Neste sentido, o homem histérico, só poderia ser desejado por uma

mulher, na “medida apenas em que ela é suposta esperar dele a

demonstração de que é viril”, ou seja, “como se a relação desejante se

fundasse na histeria sobre a necessidade de um dever justificar que tem

realmente, aquilo que a mulher lhe demanda – o falo” (Dor, 1997- pág. 79).

Na ejaculação precoce, esse sintoma se inscreve um pouco diferente

da impotência, mas também sobre o fundo de uma mesma confusão.

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Nesse processo o homem histérico se “identifica inconscientemente

com o parceiro feminino, deste modo, a ejaculação precoce, torna-se o

“testemunho imediato de sua capitulação”“.

“Ele goza, então, tal como imagina que uma mulher goze ao sucumbir

ela mesma ao poder fálico” (Joel Dor, 1997 – pág. 80).

Outra problemática que aparece no fracasso sexual com uma mulher,

seria a escolha objetal do mesmo sexo, ou seja, a homossexualidade.

Na histeria masculina, a homossexualidade estaria mais no sentido de

uma máscara homossexual, do que uma homossexualidade verdadeira.

Joel Dor - (1997) ressalta:-

“De fato, essas paródias homossexuais são capazes de induzir

compensações secundárias tranqüilizadoras, já que o outro igual a si, protege

contra a diferença do feminino” (Joel Dor, 1997 - pág.81).

A histeria em homens, por vezes, é confundida, face a seu

comportamento, como sendo uma perversão.

O homem histérico pode apresentar alguns traços perversos, o que

não quer dizer que seria uma estrutura perversa, e isto pode ser percebido

através do discurso.

Continuando com Dor (1997– pág. 81), ele irá expor este processo da

seguinte maneira:-

“... o exibicionismo e sua forma eletiva de inversão em seu contrário, o

voyeurismo, podem encontrar pontos de ancoramento favoráveis na histeria

masculina. Como na homossexualidade, trata-se mais de dar livre curso à

dimensão do fingir, do fazer de conta, que de outorgar as liberdades do gozo

de uma verdadeira perversão. De fato, o fazer de conta, por ser sempre

sustentado pelo olhar do outro, torna-se o instrumento apropriado pelo qual o

histérico pode gozar fantasisticamente com seu julgamento suposto

desaprovador ou hostil. Para conseguir isso, o sujeito histérico mantém

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notavelmente seu papel, iludindo-se a si mesmo numa inflação de

transbordamentos perversos de caráter compulsivo que exigem,

inevitavelmente, uma intervenção do outro”.

Depois deste breve esboço sobre os problemas que o homem histérico

apresenta, fazendo parte de uma possível compreensão referente á histeria

masculina e sua complexidade concernente à estrutura histérica,

apresentando sintomas distintos, porém, referente à mesma questão que

culmina a problemática da neurose histérica e sua posição fálica.

Mas Lacan afirma que a histeria não tem distinção nos gêneros, em

ambos os sexos a problemática os colocará na mesma posição.

Em Lacan (1955), podemos entender esta posição na qual o sujeito se

articula, da seguinte maneira:

“Ora, a realização da posição sexual no ser humano esta ligada, nos

diz Freud – e nos diz a experiência – a prova da travessia de uma relação

fundamentalmente simbolizada, a do Édipo, que comporta uma posição que

aliena o sujeito, isto é, o faz desejar o objeto de um outro, e possuí-lo por

procuração de um outro” (pág.203).

“... E´ pela simbolização a que é submetida, como uma exigência

essencial, a realização genital – que o homem se viriliza, que a mulher aceita

verdadeiramente sua posição feminina” (pág. 203).

Lacan (1955) postula que a simbolização para a mulher é mais

complicada, no entanto:-

“Uma vez que a mulher é inserida na histeria, sendo uma posição

estável particular em virtude de sua simplicidade estrutural – quanto mais

simples é uma estrutura, menos ela revela pontos de ruptura. Quando sua

questão adquire aspectos de histeria é fácil para a mulher colocá-la pela via

mais curta, a saber: a da identificação com o pai” (pág. 204).

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Para o homem ele propõe:

“Na histeria masculina, a situação é seguramente muito mais complexa

na medida em que no homem a realização edípica é melhor estruturada, a

questão histérica tem menos chances de ser posta. Mas se ela se coloca,

qual será ela? Há aqui a mesma dissimetria que no Édipo – o histérico

homem e mulher se põem a mesma questão. A questão do histérico macho

concerne também à posição feminina” (Autor, data - pág. 204).

Complementando com Charles Melman (1985) veremos que:-

“É como mulher que ele quer seduzir uma mulher, sem mandamento

nem violência”.

“ é de fato a imagem masculina de si que num modo essencialmente

narcísico, aparece como causa do fantasma e sustenta o desejo, mas é a

imago feminina que, conformemente a esse mito, permanece sendo o

semblante amável apesar de deserdado e seu olhar maravilhado pode servir

de espelho para essa imagem masculina de si quando, graças ao dom de

amor que lhe foi feito, ela a defeituosa, por sua vez se ilumina e beneficia por

um instante de reciprocidade, por esse retorno esperado, é pois a imago

masculina que agora se mostra criadora e doadora da feminilidade” (pág.

145).

Na contrapartida poderemos perguntar – “O que um homem quer

saber?” – Maria Rita Kebl (1995), articula mediante a questão: O que quer a

mulher? Ela propõe:-

“Se a mulher para o homem está no lugar do sintoma, a pergunta

sobre o que ela quer não é para ser respondida – é para ser formulada

repetidamente, com a insistência do recalcado” (pág. 107).

Continuando:

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“Um homem nunca pode saber o que quer uma mulher, já que o que

ela quer é ser objeto de seu desejo. Seria preciso que ele soubesse,

quisesse, suportasse saber de seu próprio desejo para ter a resposta.

Assim, esta é uma pergunta para ser perguntada, e não respondida.

O “melhor” homem (para si, não para o outro) é mesmo aquele que

“não quer nem saber” – mas detém alguma arte no fazer. Fazer que a mulher

responda ao seu desejo. Fazer que ela acredite que ele, ao nada perguntar,

sabe perfeitamente o que ela quer”.

“A arte erótica do homem consiste em saber fazer” (pág.108).

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Conclusões A histeria em homens e sua história, não têm o mesmo tempo que a

histeria em mulheres, como mostra a literatura, porém a mulher histérica tem

seu nome na história da cultura, na sociedade e nas observações daqueles

que detiveram um olhar diferenciado para esta neurose.

Para os homens o caminho não teve o mesmo percurso, decorrente de

certas resistências sociais, médicas e culturais como observamos em

Charcot e com Freud sobre seus conceitos de histeria.

Após os insistentes estudos de Charcot e depois com Freud, a histeria

pode valer um conceito de neurose não distinguindo o sexo, e sim uma

estrutura que reconhece o sujeito mediante sua posição fálica, sendo

masculino ou feminino, de acordo com a escolha fálica precedida pela

condição da falta em que o sujeito se articula.

Na posição histérica, portanto, não há distinção entre histeria feminina

e histeria masculina, devido ao sofrimento indeterminado sobre sua

identidade sexual, e esse sofrimento corresponde naquilo em que o histérico

não sabe se é homem ou mulher.

O histérico não pode se afirmar em ser homem ou em ser mulher,

devido à sua dúvida e porque permanece no limiar da prova da angústia da

castração, fixando-se em sua fantasia, num mundo em que não se divide

homem ou mulher sexuado, mas clivado entre aqueles possuidores do falo e

os que são desprovidos dele.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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de Janeiro, Contra Capa Livraria Ltda.

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Taurus Editora.

- (1997) O Pai e sua função em Psicanálise, Rio de Janeiro,

Jorge Zahar Editor.

FREUD, S –

a) (1996) Relatório sobre meus estudos em Paris e Berlin (1886-

1889), Vol. I, Esp, Rio de Janeiro, Imago.

b) Observações de um caso grave de hemianestesia em um

homem histérico (1886-1889), Vol. I, idem.

c) Histeria (1888), Vol. I, idem.

d) Carta 59 (1897), Vol. I, idem.

e) Extratos dos documentos dirigidos a Fliess (1950{1892-1899}),

Vol. I, idem.

f) Carta 97 (1898), Vol. I, idem.

g) Rascunho L (A Arquitetura da Histeria), (1897), Vol. I, idem.

h) Estudos sobre a Histeria (1893 – 1895), Vol. II, idem.

i) Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos:

Comunicação Preliminar (1893), Vol. II, idem.

j) A Etiologia Específica da Histeria (1893), Vol. II, idem.

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k) Neuropsicose de Defesa (1894), Vol. III, idem.

l) A Etiologia da Histeria (1896), Vol. III, idem.

m) Fantasias Histéricas e sua Relação com a Bissexualidade (1908),

Vol. IX, idem.

n) Teorias Sexuais Infantis (1908), Vol. IX, idem.

o) Feminilidade (1933), Vol. XXII, idem.

LACAN, A.M – (2002), A questão da histérica II, livro III, Rio de

Janeiro, Jorge Zahar Editor.

- (1995), As psicoses, livro IV, Rio de Janeiro, Jorge

Zahar Editor.

MELMAN, CHARLES – (1985), Novos estudos sobre a histeria, Porto

Alegre, Artes Médicas.

NÁSIO, J.D – (1991), A Histeria, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor.

POMMIER, Gerard - (1987), A Exceção Feminina, os impasses do

gozo, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor.

SOLER, Colette – (2005), O que Lacan dizia das Mulheres, Rio de

Janeiro, Jorge Zahar Editor.