hist - mouzinho e moçambique (08-09 tia almeida) - versão após apres

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  • ACADEMIA MILITAR

    DIRECO DE ENSINO

    Curso de Cavalaria

    Tirocnio para Oficial

    2008/2009

    TRABALHO DE INVESTIGAO APLICADA

    A Pacificao de Moambique no Final do Sculo XIX, Luz

    da Velha Aliana.

    Autor: Aspirante Tirocinante de Cavalaria Miguel Pelgio Santos de Almeida

    Orientador: Tenente-Coronel de Infantaria Antnio Jos Marracho

    Lisboa, 23 de Setembro de 2009

  • ii

    Agradecimentos

    Escrever uma dissertao implica deixar cair o dogma e estar aberto a novas

    ideias. Implica recluso mas tambm a descoberta de novos lugares e o contacto com

    as pessoas. Sem elas, no conseguiramos encontrar alternativa aos becos sem sada

    a que o trabalho inevitavelmente leva. sempre um esforo colectivo.

    Queria publicamente expressar a minha gratido e reconhecimento aos

    seguintes:

    Biblioteca da Academia Militar e em particular Dona Paula, por todo o apoio

    e ateno que demonstraram;

    Ao Arquivo Histrico Diplomtico, pela sua permanente disponibilidade;

    Biblioteca Nacional, onde um funcionrio me fez repensar o que significa

    estar no Exrcito;

    Ao meu orientador, o Tenente-coronel Antnio Jos Marracho, por mesmo no

    meio de problemas familiares ter arranjado tempo para me auxiliar;

    Ao meu curso, com quem pude desabafar, e que por passar pelas mesmas

    dificuldades me compreendeu melhor do que ningum.

    minha irm Paula e Adriana por me terem ajudado nas revises.

    A todos aqueles que por esquecimento no estejam aqui mas que auxiliaram

    na realizao deste trabalho.

    A todos vs os meus melhores votos.

  • iii

    Resumo

    Portugal tem com a Inglaterra a mais velha aliana do mundo.

    Assinada em 1386 por D. Joo I, para garantir proteco contra Castela e para

    assegurar a independncia nacional, foi evoluindo atravs das sucessivas ratificaes.

    No sculo XIX d-se a corrida a frica e em 1884-5, a Conferncia de Berlim

    obriga a que as potncias europeias tomem medidas activas de ocupao do territrio.

    O projecto portugus do Mapa Cor-de-Rosa e o Ingls de ligar o Cabo ao Cairo

    so incompatveis e o choque de interesses leva ao azedar das relaes.

    A 11 de Janeiro de 1890 d-se o Ultimatum Britnico e com ele surgir mais de

    uma dcada de anglofobismo que marcar a poltica portuguesa.

    No final do mesmo ano, a British South Africa Company invade o distrito de

    Manica em Moambique, destabilizando a administrao portuguesa e agravando o

    sentimento contra a Inglaterra. Tambm o Acordo de 1891, de delimitao de

    fronteiras, se mostra prejudicial e enterra de vez o sonho do Mapa Cor-de-Rosa.

    Loureno Marques entretanto tornara-se o mais importante porto regional. A

    construo de uma linha frrea entre este e Pretria vem agravar a severa crise

    econmica que Portugal enfrenta.

    Multiplicam-se os boatos de que para solucionar o problema, ser necessrio

    proceder alienao das colnias.

    Em 1898, Inglaterra e Alemanha assinam um acordo secreto, em que partilham

    entre si o territrio portugus, caso no se consiga pagar um eventual emprstimo.

    Resta saber qual o estado da Aliana no meio de todos estes acontecimentos.

    PALAVRAS-CHAVE: Velha Aliana, Conferncia de Berlim, Ultimatum,

    Tratado de 1891, Convenes Anglo-Alems de 1898

  • iv

    Abstract

    Portugal and England have the worlds oldest alliance.

    Signed in 1386 by D. Joo I, to ensure protection against the Kingdom of

    Castela and to ensure national independence, it evolved throughout a different number

    of ratifications.

    In the nineteenth century, the race for Africa and in particular the Berlin

    Conference, forced European countries to take active measure for Africas occupation.

    The Portuguese project of the Mapa Cor-de-Rosa and the English one to

    connect the city of Cabo to the Cairo could not co-exist and led to demise between

    their relations.

    January 11th 1890, was the day of the British Ultimatum. With it would rise more

    than a decade of resentment that would leave a mark on Portuguese policies.

    In that same year the British South Africa Company invaded Manica in

    Mozambique thus destabilizing the Portuguese regional administration and making the

    anti-British sentiment even worse. The Agreement of 1891 that regulated the boarders

    was also bad for Portugal and buried the dream of the Mapa Cor-de-Rosa.

    In the meanwhile Delagoa had become the most important regional port. The

    construction of a railway line between it and Pretoria made Portugals severe economic

    crisis even worse.

    Rumors spread that to solve the crisis it would be necessary to alienate the

    colonies.

    In 1898, England and Germany signed a secret agreement in which they shared

    the Portuguese colonies amongst themselves if Portugal was not able to pay out an

    eventual loan.

    One question can then be asked. What was the state of the Alliance in the

    middle of all these events?

    KEY WORDS: Old Alliance, Berlin Conference, British Ultimatum, Treaty of 1891,

    Anglo-German Alliance

  • v

    ndice

    Introduo ......................................................................................................................... 1

    1. A Velha Aliana....................................................................................................... 4

    1.1. Origens ............................................................................................................... 4

    1.2. Uma Aliana em Evoluo................................................................................. 5

    1.3. Vantagens para Inglaterra ................................................................................. 6

    1.4. Vantagens para Portugal ................................................................................... 6

    1.5. Breves Concluses ............................................................................................ 7

    2. Provncia de Moambique no Sculo. XIX ............................................................... 7

    2.1. Generalidades .................................................................................................... 7

    2.2. Moambique....................................................................................................... 8

    2.3. Os Prazos da Coroa .......................................................................................... 9

    2.4. Os Super-Prazos ............................................................................................. 10

    2.5. Companhias Majestticas/Charter .................................................................. 11

    2.5.1. Cecil Rhodes e a British South Africa Company (BSAC) ........................ 11

    2.5.2. Companhia de Moambique .................................................................... 12

    2.6. Breves Concluses .......................................................................................... 14

    3. Conferncia de Berlim ............................................................................................. 14

    3.1. Loureno Marques e o Direito Internacional at 1885 .................................... 14

    3.2. A Conferncia .................................................................................................. 15

    3.3. Breves Concluses .......................................................................................... 18

    4. Ultimatum Britnico ................................................................................................. 19

    4.1. De Berlim ao Ultimatum ................................................................................... 19

    4.2. Consequncias ................................................................................................ 22

    4.3. Breves Concluses.......................................................................................... 23

    5. Tratado Anglo-Portugus de 1891 .......................................................................... 24

    5.1. Tratado de 20 de Agosto de 1890 ................................................................... 24

    5.2. Modus Vivendi de 14 Novembro de 1890 ....................................................... 25

  • vi

    5.3. Manica .............................................................................................................. 25

    5.3.1. Misso a Gungunhana ............................................................................. 28

    5.4. Tratado de 1891 ............................................................................................... 29

    5.5. Breves Concluses .......................................................................................... 30

    6. As Convenes Anglo-Alems de 1898 ................................................................. 31

    6.1. O Caminho-de-Ferro de Loureno Marques ................................................... 31

    6.2. A envolvente Poltica ....................................................................................... 33

    6.3. O Emprstimo .................................................................................................. 33

    6.4. Convenes Anglo-Alems de 1898 .............................................................. 37

    6.5. Tratado de Windsor de 1899 ........................................................................... 39

    6.6. Breves concluses ........................................................................................... 41

    7. Concluses Finais ................................................................................................... 42

    Bibliografia ...................................................................................................................... 47

    ANEXOS ......................................................................................................................... 50

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana

    1

    Introduo

    Cada momento tem o seu referencial prprio (Santos, 1979)

    Estudar a Histria mais do que saber que este indivduo ou aquela nao

    agiram de certa forma ou tomaram determinado rumo em detrimento doutro.

    tambm a tomada de conscincia de um dado contexto social e geogrfico, onde

    existem influncias que muitas vezes nos so alheias e das quais nem sequer nos

    apercebemos, tornando o seu estudo no apenas til, mas tambm apaixonante. As

    presses e condicionantes a que os nossos antepassados estiveram sujeitos so

    semelhantes s nossas e sabendo-o podemos ser capazes de dar mais um passo no

    caminho do equilbrio com o nosso referencial. (Santos, 1979)

    Foi a fama que Mouzinho adquiriu ao terminar a Campanha de Gaza, com a

    captura de Gungunhana, que primeiro chamou a ateno para a problemtica da

    Pacificao de Moambique.

    Uma pesquisa inicial, veio no entanto a revelar, o quo secundria foi na

    realidade a ameaa que os poderes africanos representaram para o futuro da colnia

    portuguesa, face verdadeira ameaa, resultante de jogadas polticas entre as

    grandes potncias europeias com interesse em Moambique. O envolvimento ingls

    em todo o processo, contribuiu decisivamente para desviar o foco da nossa pesquisa

    do campo militar e levou-nos a analisar a evoluo poltica da situao perante a

    aliana militar que existe h sculos entre Portugal e Inglaterra.

    Em torno de Portugal, e atacando os seus interesses vitais actuam sempre as

    mesmas foras estrangeiras e internacionais; estas aparecem sob coberturas

    ideolgicas diversas consoante as pocas. (Nogueira, 2000)

    Este trabalho refere um perodo durante o qual Portugal foi obrigado a mostrar

    aos seus pares europeus que ainda tinha a fora e a habilidade para manter o seu

    imprio ultramarino. Mas teria?

    De 1890 a 1900 decidiu-se a pacificao da provncia de Moambique.

    Depois da Conferncia de Berlim (1884-85), que obriga a uma ocupao

    efectiva do territrio e do Ultimatum Britnico (1890) que deixa o pas moralmente de

    rastos, o futuro da nossa colnia ultramarina v-se seriamente ameaado pelas

    pretenses Britnicas e Alems.

    Salvou-a a habilidade poltica de alguns dos nossos diplomatas apoiada no

    terreno pela presena de bravos soldados comandados por uma nova gerao de

    oficiais Africanistas como Mousinho, Aires de Ornelas, Caldas Xavier, Paiva

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana

    2 Trabalho de Investigao Aplicada

    Couceiro, Freire de Andrade e Eduardo Galhardo. As vitrias polticas e militares

    adiaram o colapso do imprio ultramarino e levantaram o nimo da nao.

    Mas nisto tudo, onde estava a Velha Aliana? Ter sido evocada?

    Se no o foi, qual a razo? Se o foi, para que resultados?

    Face ao tema temos ento como objectivos especficos os seguintes:

    Compreender as bases em que assenta a Aliana Luso-Inglesa;

    Compreender luz da poca em estudo a importncia da Provncia de

    Moambique;

    Analisar o impacto resultante da Conferncia de Berlim e do Ultimatum

    Britnico;

    Analisar os tratados que regiam a poltica internacional ultramarina na

    altura.

    A execuo deste trabalho est assente exclusivamente no Mtodo de

    Investigao Documental.

    Como questo central da tese definimos a seguinte:

    Face s ambies das potncias europeias sobre a provncia de

    Moambique, ter-se- a Inglaterra mantido fiel Velha Aliana no perodo de

    1890 a 1900?

    De igual forma, como questes derivadas levantmos as seguintes:

    Como se adaptou Portugal Conferncia de Berlim?

    De que forma se manifestaram as ambies anglo-alems?

    Como justificaram os ingleses as suas pretenses?

    Que influncia teve a opinio pblica portuguesa de ento?

    Tero sbditos ingleses actuado revelia do governo?

    A quem deve Portugal a conservao da provncia de Moambique?

    Ter-se- Portugal afastado da Aliana?

    Como linhas orientadoras temos as seguintes hipteses bsicas:

    A Aliana Inglesa tem servido de igual modo ambas as potncias;

    Portugal estava a conseguir adaptar-se s determinaes da Conferncia

    de Berlim;

    Moambique era vital na poltica da frica Austral;

    Os poderes africanos foram jogados contra Portugal;

    O Conflito Anglo-Boer permitiu a Portugal salvar a sua provncia.

    O trabalho est estruturado na introduo e sete captulos, no qual se incluem

    as concluses. No final, encontram-se os vrios anexos que auxiliam compreenso

    da monografia.

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana

    3 Trabalho de Investigao Aplicada

    O primeiro captulo versa sobre as origens da histrica aliana, levando em

    conta as suas sucessivas ratificaes. Analisa tambm as vantagens que esta traz a

    cada um dos pases e as obrigaes que acarreta.

    No segundo captulo, discutem-se algumas generalidades importantes sobre

    Moambique, dando relevo questo das etnologias africanas, dos problemas

    econmicos e dos sistemas administrativos. abordada a origem das companhias

    majestticas que, como se ver, tero vital papel durante o perodo em estudo.

    No terceiro captulo, trata-se a questo da conferncia de Berlim, a sua

    gnese, as alteraes que provocou na poltica internacional e mais importante ainda,

    as adaptaes a que obrigou Portugal. Refere-se a um perodo anterior quele que

    nos propomos estudar, no entanto fundamental para a compreenso do referencial

    africano da altura.

    O quarto captulo, sobre o Ultimatum Britnico, o primeiro relativo poca em

    anlise. Consequncia directa da Conferncia de Berlim e das subsequentes aces

    portuguesas, a prova mais viva e marcante que os interesses de ambas as naes

    divergiam.

    O quinto captulo refere alguns acontecimentos que simbolizaram a expanso

    britnica no interior africano. Aborda-se a questo da invaso de Manica por foras da

    British South Africa Company de Cecil Rhodes.

    Analisa-se tambm o tratado de 1891 em que se delimitaram as esferas de

    influncia entre os dois pases, levando em conta a perda de poder quando

    comparado com o Tratado de Agosto de 1890, rejeitado devido a quezlias polticas

    internas do ps-ultimato.

    O sexto captulo uma reflexo sobre as pretenses das vrias potncias

    europeias e africanas na frica portuguesa, sobre o que torna Loureno Marques no

    mais importante porto moambicano e sobre o papel das repblicas Boer na poltica

    regional. Faz referncia ao tratado Anglo-alemo de 1898, as suas causas e

    consequncias, bem como a maneira como Portugal evitou a penhora do seu territrio.

    Analisam-se algumas notas secretas relativas ao acordo, onde Inglaterra e

    Alemanha dividem entre si o territrio portugus.

    Terminamos, no stimo captulo, com algumas das concluses mais essenciais

    a que a elaborao da dissertao nos fez chegar.

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 2 Provncia de Moambique no Sculo XIX

    4

    1. A Velha Aliana

    1.1. Origens

    A amizade tradicional que une Portugal a Inglaterra bastante anterior prpria

    Aliana

    Em termos geogrficos natural que assim o seja. Se a Inglaterra, isolada na sua

    ilha, tem natural tendncia para se expandir pelo mar, afirmando-se como potncia

    martima, Portugal, com uma posio extrema na Pennsula Ibrica um natural porto

    de passagem e de apoio aos navios vindos do Norte.

    Assim, iniciaram-se cedo as relaes entre os dois pases. Logo em 1147 foram

    cruzados ingleses que auxiliaram D. Afonso Henriques na tomada de Lisboa (tambm

    eles de passagem a caminho de Jerusalm), mais tarde em 1303, fruto do comrcio

    intenso, Eduardo I redige a Carta Mercatoria onde estabelece alguns privilgios

    comerciais concedidos aos mercadores portugueses e em 1352 Eduardo III concede

    salvo-conduto e toma sob a sua proteco, defesa e salvaguarda os mercadores,

    capites e equipagens de Portugal, para que possam ir, entrar e residir em todos os

    estados submetidos sua coroa1. (Guedes, 1938)

    D. Fernando promulga em 1373, um antecessor da Aliana, o Acordo de Tgilde -

    um tratado de paz, amizade e ajuda militar, ofensiva e defensiva que, em plena Guerra

    dos Cem Anos, colocaria Portugal no lado de Inglaterra contra Henrique II de Castela

    e os seus aliados franceses2.

    D. Fernando morre em 1383, sucedendo-lhe D. Joo I. Joo I de Castela, por sua

    vez, acha-se com direito ao trono portugus e avana sobre Portugal sendo derrotado

    em Aljubarrota.

    Garantida a independncia nacional o monarca portugus sente necessidade de

    encontrar um equilbrio externo que garanta a defesa do Reino numa emergncia.

    Assim assinado com o Duque de Lencastre o Tratado de Windsor, em 9 de Maio

    de 1386, do qual resulta a integrao portuguesa na guerra dos Cem anos (Mattoso,

    s.d) e a mais antiga aliana entre naes que o Ocidente conhece - a de Portugal com

    a Inglaterra .

    1 Um ano mais tarde esse mesmo soberano celebraria com Portugal um tratado de comrcio

    com a durao de 50 anos. 2 D Fernando acabaria por entrar em guerra com Castela. Ao ver que esta no corre de feio,

    assina a paz e compromete-se a abandonar o acordo e a voltar a colocar-se do lado de Castela

    e Frana.

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 1 A Velha Aliana

    5 Trabalho de Investigao Aplicada

    1.2. Uma Aliana em Evoluo

    Ao longo dos anos as condies e circunstncias que tinham dado origem ao

    tratado original3 alteraram-se, levando a sucessivas revalidaes.

    Assim, at 1890, tivemos as seguintes ratificaes da aliana4 (Pereira, s.d):

    I. Londres, 16 de Junho 1373 [tratado antecessor da Aliana];

    II. Windsor, 9 de Maio de 1386;

    III. Londres, 29 de Janeiro de 1642;

    IV. Westminster, 20 de Julho 1654;

    V. Whitehall, 26 de Abril de 1660;

    VI. Whitehall, 23 de Junho de 16615;

    VII. Lisboa, 7 de Maio de 1703;

    VIII. Viena, 22 de Janeiro de 1815

    Particularizamos aqui e porque ser importante para o resto do trabalho, o artigo

    secreto que acompanhava a ratificao de 1661, pois nele se fala pela primeira vez

    em colnias.

    Nele se diz:

    () fica, por este artigo secreto, estipulado e combinado que Sua Majestade

    Britnica, em vista das grandes vantagens e acrscimos de domnios conseguidos

    pelo mencionado tratado de Casamento, comprometer e obrigar, como o presente

    artigo impe a defender e proteger todas as conquistas ou colnias pertencentes

    Coroa de Portugal contra todos os seus inimigos, tanto presentes como futuros;

    (Artigo Secreto, Tratado de Whitehall, 23 de Junho de 1661)

    Assim, resumem-se os aspectos essenciais da aliana nos seguintes pontos

    (Viriato, 1914):

    I. Um tratado de amizade constante e perptua entre Portugal e Gr-Bretanha;

    II. Em que nenhuma tratado com outras naes se pode sobrepor;

    III. Em que nenhuma das partes se juntar ou auxiliar, de qualquer maneira, os

    inimigos da outra;

    3 Ver frmula do Tratado no Anexo B

    4 Mais tarde, seriam assinadas pelo menos outras duas ratificaes. Uma em Londres a 14 de

    Outubro de 1899, e outra j fora do perodo em estudo, a 16 de Novembro de 1904. 5 Ver frmula do Tratado no Anexo B

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 1 A Velha Aliana

    6 Trabalho de Investigao Aplicada

    IV. Cada uma das partes impedir danos e descrditos e avisar a outra de futuros

    ataques;

    V. Nenhuma parte receber inimigos ou fugitivos rebeldes, excepto fugitivos

    exilados;

    VI. Nenhuma consentir que inimigos da outra parte se armem nas suas terras;

    VII. Quando uma das partes for atacada ou invadida, a outra parte quando

    requerido, dever mandar auxlio de homens, armas, etc., para a defesa dos

    territrios na Europa, excepto quando faam falta no seu prprio pas6;

    VIII. De igual modo, em quaisquer conquistas ou colnias que uma das partes

    aliadas veja ofendida, dever a outra, quando solicitado, enviar auxlio para a

    sua defesa ou recuperao quando perdida;

    IX. Quando Portugal se vir ameaado por Espanha ou Frana, a Inglaterra

    compromete-se a fazer os possveis para manter a paz e quando tal no for

    possvel a lutar ao lado de Portugal.

    1.3. Vantagens para Inglaterra

    Face aos acordos de aliana, a Inglaterra consegue, alm de um elevado peso

    poltico em Portugal, evitar que os dois poderes da Pennsula Ibrica se aliem de

    modo a fazer perigar os seus interesses sobre as rotas de acesso martimo na regio7.

    Garante tambm o livre acesso aos portos portugueses e a garantia de que em

    caso de necessidade, estes no sero usados por outra grande potncia.

    Concede Inglaterra um acesso privilegiado ao continente europeu no caso de

    nova guerra como a que houve contra Napoleo.

    Acrescentam-se s vantagens polticas e militares, privilgios econmicos aos

    sbditos ingleses.

    1.4. Vantagens para Portugal

    Para Portugal, a Aliana tem a gritante vantagem de se tornar um garante de

    soberania e independncia face Espanha e outras potncias.

    6 Faz-se aqui o reparo que o tratado abrange apenas casos em que haja uma agresso, no

    contempla uma guerra ofensiva. Assim, se uma das partes desencadear um conflito, a outra

    no ter a obrigao de a socorrer. 7 Veja-se a como so importantes as rotas que circundam a Pennsula Ibrica olhando para a

    questo de Gibraltar, ainda hoje actual.

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 1 A Velha Aliana

    7 Trabalho de Investigao Aplicada

    Como vimos, pelo acordo de 1661, tambm as nossas colnias se encontram ao

    abrigo da proteco inglesa.

    Por acrscimo, Portugal tem conseguido contar com o apoio diplomtico ingls em

    tudo aquilo que no prejudique os interesses ou orientaes britnicos.

    1.5. Breves Concluses

    Os Tratados da Aliana tm sido ratificados sucessivamente medida que a

    envolvente internacional se altera.

    No tratado original em 1386, Portugal tem uma populao e potencial militar

    semelhantes da Inglaterra, logo, as obrigaes so semelhantes. Ao longo das

    restantes ratificaes, vemos que cada vez mais cabe aos ingleses a obrigao de

    assegurar a defesa do nosso territrio. A sua preocupao no que Portugal tenha

    que defender a Gr-Bretanha mas sim que Portugal conceda livre passagem pelo seu

    territrio, quaisquer que sejam as circunstncias.

    Como Viriato (1914) menciona, a soberania de Portugal no tem sido

    assegurada pelos Tratados da Aliana, mas sim pela posio geogrfica. Inglaterra

    no consentiria ver surgir na Pennsula Ibrica uma potncia que pudesse perigar os

    seus interesses e que lhe negasse acesso aos pontos de apoio naval. Inglaterra

    proteger-nos-ia at de ns mesmos se necessrio.

    .

    2. Provncia de Moambique no Sec. XIX

    2.1. Generalidades

    Antes de iniciar o estudo sobre as influncias estrangeiras envolvidas na

    pacificao de Moambique, achmos por bem enquadrar luz da poca a provncia

    que aqui do nosso interesse. No sendo nosso objectivo um conhecimento

    morfolgico, econmico ou etnolgico aprofundado, existem no entanto alguns

    conceitos gerais que auxiliaro compreenso de tudo o resto.8

    Muitos dos dados aqui apresentados reportam-se a um perodo anterior ao que

    vamos estudar, mas contextualizam os moldes em se efectivava a ocupao

    portuguesa.

    8 Para ajudar compreenso veja-se tambm o mapa em anexo. Anexo C

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 2 Provncia de Moambique no Sculo XIX

    8 Trabalho de Investigao Aplicada

    Segundo Antnio Rita-Ferreira, autor do livro Agrupamento e Caracterizao

    tnica dos Indgenas de Moambique (Lisboa, 1975), os muitos anos de estudos de

    vrios autores sobre as etnologias moambicanas, levaram a que se criasse uma

    enorme confuso, onde facilmente o leitor se perde ficando sem saber de quem e de

    onde se est a falar. De facto, durante a realizao deste trabalho, esta foi uma

    realidade quase omnipresente.

    Assim, de entre muitas possveis, Plissier9 d-nos a seguinte diviso:

    1. Tsongas (Thongas, Tongas) - correspondente grande etnia heterognea que

    ocupa o sul do Save;

    2. Bitongas pequena etnia que ocupa o interior de Inhambane;

    3. Tongas- subgrupo da etnia Chona, na margem direita do Zambeze

    4. Angunes (Vangunes, Vtuas, Angonis, Ngoni, Nguni, etc) - diferentes estratos

    deixados em Moambique pelas invases resultantes da exploso dos Zulus

    no incio do sc. XIX. Desta etnia faziam parte os Vtuas de Gungunhana que

    segundo se calcula, no seu apogeu podero ter chegado a atingir cerca de um

    milho de indivduos.

    2.2. Moambique

    Moambique a colnia esquecida at s viagens de Livingstone.

    Era, desde o sculo XVI, uma rea sem limites certos nem fronteiras definidas,

    e verdadeiramente um campo de aco de colonos livres, agrupados ou dispersos a

    seu capricho e por seu interesse (Plissier, 2000).

    Um ensaio estatstico de 1859, de Francisco Maria Bordalo, avalia em 70 000

    habitantes 10 (incluindo rabes, mestios e indianos) a populao de Moambique, no

    entanto, outros autores afirmam que deveria rondar os 300 000 habitantes.

    Por volta de 1860, os estabelecimentos e feitorias moambicanos apresentam

    um dfice de 50 211$00, enquanto que Cabo Verde com uma populao semelhante

    apresentaria um lucro de 21 000$00 enviado para a metrpole.

    Dos lucros moambicanos, 80% ficar-se-ia a dever a impostos alfandegrios,

    uma vez que o controlo dos impostos dos contribuintes se tornava impossvel por falta

    de autoridade suficiente para os fazer cobrar.

    Entre 1851 e 1890, quase todos os Governadores-Gerais da provncia foram

    militares oriundos da Marinha ou do Exrcito, sendo esta uma poltica comum em

    Portugal. Em 1857, o nmero total de soldados rondaria os 1100 espalhados pelo

    9 (Plissier, 2000)

    10 Entenda-se como habitante a populao que obedece metrpole.

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 2 Provncia de Moambique no Sculo XIX

    9 Trabalho de Investigao Aplicada

    territrio sendo que, pela sua escassez, em caso de necessidade, o governador

    apelava geralmente a todos os homens vlidos disponveis para auxiliar.

    2.3. Os Prazos da Coroa

    Os Prazos da Coroa, ou simplesmente Prazos como eram chamados, eram um

    mtodo colonial administrativo que se iniciou no Sec XVII. Apesar de vigorarem um

    pouco por todo o Moambique, era na Zambzia11 que tinham maior expressividade.

    O Mtodo consistia em arrendar os terrenos a senhores que ficavam assim com

    poderes quase ilimitados sobre estes. O arrendamento tinha a durao normal de trs

    geraes e a sucesso era feita atravs do ramo feminino da famlia, sendo que as

    mulheres, provenientes da metrpole, tinham a obrigao de casarem com

    portugueses de origem semelhante e de habitarem no Prazo (a ideia era que estes

    pertencessem a portugueses puros12).

    Os Senhores dos Prazos, semelhana dos feudais, tinham a obrigao de

    manter homens armados para a proteco do mesmo, bem como de defender a

    colnia e manter os fortes da administrao central. Tinham tambm de manter as

    estradas abertas e cobrar imposto, o mussoco - devido a todos os homens vlidos

    maiores de 16 anos - impondo as suas leis aos chefes indgenas.

    Os Prazos eram uma excelente forma de penetrar no interior do territrio e

    estabelecer uma forma de soberania portuguesa a pouco ou nenhum custo

    (Geographical Section of the Naval Intelligence Division, 1920) porm, devido

    distncia da metrpole e falta de superviso, o controlo foi-se perdendo a pouco e

    pouco. Os senhores arrendavam os prazos e aumentavam-nos por herana e

    conquista, transformando-os em micro-estados (Plissier, 2000), alguns dos quais com

    uma rea superior de Portugal Continental. Aos poucos, transformaram-se em algo

    que, muitas vezes, ao invs de defender os interesses metropolitanos, se insurgia

    contra esses mesmos interesses, usando os seus prprios recursos. Alguns dos

    maiores inimigos de Portugal em Moambique foram senhores dos Prazos revoltados.

    11

    Territrio compreendido entre a foz do rio Zambeze at confluncia com o Arungua e,

    entre o Rio Save at ao Ligonha. 12

    Isto no foi conseguido e aos poucos os Prazos comearam a ser entregues a mestios e

    outros.

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 2 Provncia de Moambique no Sculo XIX

    10 Trabalho de Investigao Aplicada

    2.4. Os Super-Prazos

    A partir de 1826 iniciaram-se as migraes Angunes.

    Os pequenos senhores dos prazos, sem condies para resistir deixaram a

    Zambzia ou uniram-se, juntamente com os seus achicundas13, a senhores mais fortes

    dispostos a resistirem nas suas aringas14.

    Em meados do sculo XIX, a Zambzia controlada por quatro poderosas famlias

    de senhores dos prazos: a famlia de Joaquim da Cruz em Massangano, Vaz dos

    Santos de Massangire, Gonalo Caetano Pereira em Maranga e de Manuel Antnio de

    Sousa na Gorongosa.

    De todos estes senhores, seria Manuel de Sousa (ou Gouveia15 como era

    conhecido pelos indgenas e Ingleses) que, do alto da sua aringa na montanha do

    Gorongosa, melhor iria servir a coroa portuguesa.

    A sua autoridade seria uma lana da soberania portuguesa em Moambique e

    acabaria por morrer em defesa da mesma.

    Natural de Goa, Manuel de Sousa chegou a Moambique por volta de 1853 onde

    obteve a sucesso de seu tio. As suas vitrias contras os Angunes atraram grande

    nmero de achicundas e de outros aventureiros que conseguiu moldar numa fora de

    combate usada muitas vezes ao servio de Lisboa e atravs do qual conseguiu o

    controlo de um territrio com mais de 80 000km2. Consegue pacificar Manica,

    abandonada desde o inicio das migraes angunes, sendo nomeado Capito-mor da

    mesma em 1863.

    Como veremos mais adiante no trabalho seria um dos portugueses que seria feito

    prisioneiro pelos homens da British South Africa Company no Kraal de Umtasa em

    1890. Este episdio, onde pela primeira vez um chefe local v Manuel de Sousa

    derrotado e indefeso, acabaria por ditar a sua morte poltica. Pouco depois do

    incidente, alguns dos seus capites e os chefes tribais, comeariam a revoltar-se e a

    querer dividir os seus territrios. Acabaria por morrer em combate no Baru em 189216

    13

    Soldados escravos que mais tarde acabaram por se constituir numa etnia prpria, entretanto

    j extinta. H que ver que alguns destes homens eram escravos por opo devido s regalias

    que usufruam. 14

    O castelo dos senhores de prazos seria a aringa, isto , um formidvel acampamento

    entrincheirado, constitudo por um recinto cercado de estacas enterradas no cho que

    pegavam e voltavam a crescer oferecendo uma barreira vegetal que resistia bastante bem

    artilharia da poca. As grandes aringas, comparveis aos kraals do centro e sul de Angola,

    podiam chegar a ter dois quilmetros de permetro e albergar at 6 000 homens - e, num caso,

    15 000 pessoas. (Plissier, 2000) 15

    Valente na linguagem local. 16

    Ver ANEXO S.

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 2 Provncia de Moambique no Sculo XIX

    11 Trabalho de Investigao Aplicada

    2.5. Companhias Majestticas/Charter

    A expresso inglesa charter significa carta rgia ou foral e est intimamente ligada

    ao conceito de companhia majesttica.

    Este tipo de corporaes surgiu na Europa e atravs de um foral dado pela

    autoridade do estado recebiam determinados direitos, privilgios e obrigaes a ser

    aplicados nos territrios a que se destinavam. O charter conferia normalmente um

    monoplio comercial companhia a que era dado, numa rea geogrfica especfica ou

    sobre um determinado produto.

    As Companhias Majestticas foram utilizadas como forma de garantir a presena e

    soberania do estado e como forma de expanso territorial quando o governo central

    no tinha meios ou no estava preparado para o fazer por si.

    Os ingleses tiveram uma grande tradio no uso destas companhias17 e em frica

    utilizaram-nas por razes econmicas tal como fez Portugal. A grande diferena

    persiste no facto de que a Inglaterra no tinha problemas em deixar a administrao

    dos seus territrios a uma companhia Charter, enquanto que Portugal pelo contrrio,

    receava entregar os direitos de soberania na mo de interesses comerciais, chamando

    a si sempre que possvel os encargos da administrao do territrio. (Warhurst, 1962)

    2.5.1. Cecil Rhodes e a British South Africa Company (BSAC)

    Cecil John Rhodes18, nascido em Inglaterra, viria a tornar-se num empresrio

    magnata do ouro e dos diamantes na frica do Sul, tendo sido nomeado o sexto

    primeiro-ministro da colnia do Cabo.

    Imperialista convicto usou da sua riqueza e influncia poltica para, atravs da

    Bristish South Africa Company19 (BSAC), que fundou em 1888, pr em curso uma

    agressiva poltica colonial em nome do desenvolvimento do imprio ingls no interior

    africano.

    Em 1889, a BSAC recebe o Charter Real oferecendo ao Foreign Office20 uma

    sada exposio diplomtica constante - e nem sempre apoiada pelo Direito

    Internacional - que mantinha com outras potncias coloniais relativamente ocupao

    de frica.

    17

    Formaram ao longo da sua histria mais de vinte enquanto que Portugal apenas teve trs. 18

    Ver fotografia e caricatura em Anexo K 19

    Ver Anexo L 20

    Ministrio dos Negcios Estrangeiros ingls.

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 2 Provncia de Moambique no Sculo XIX

    12 Trabalho de Investigao Aplicada

    A esta companhia, foram concedidos os direitos de negociar com os lderes

    africanos, de explorar os recursos minerais dos territrios que administrava e de

    garantir a sua segurana atravs da manuteno de uma fora policial.

    Atravs da Chartered21, e por vezes revelia do governo ingls, seria levada a

    cabo uma poltica armada de expanso colonial que no respeitaria fronteiras e que

    colidiria vezes sem conta com os interesses portugueses, sendo Cecil Rhodes

    considerado o maior inimigo de Portugal em frica.

    Rhodes fundou a Rodsia tanto do norte como do sul em territrios disputados

    com Portugal. A ele se deve o projecto ingls de unir o Cabo ao Cairo atravs de uma

    via-frrea e devem-se tambm, como adiante se ver, alguns episdios que colocaram

    em risco as relaes entre os velhos aliados.

    2.5.2. Companhia de Moambique

    Face crise econmica que o pas enfrenta a partir de 1890, Antnio Enes22 vai

    proceder a uma necessria remodelao financeira e administrativa em Moambique,

    no hesitando em entregar amplas faixas do territrio a capital estrangeiro. A

    alternativa era perder a colnia a curto prazo. (Telo, 1992)

    Ser a Companhia de Moambique23, fundada em 1888 pelo Coronel Paiva de

    Andrada, o modelo desta nova poltica, tornando-se na mais importante das duas

    charter portuguesas na frica oriental24.

    Recebendo de Enes poderes majestticos em 11 de Fevereiro de 1891, -lhe

    atribuda a soberania sobre as provncias de Manica e Sofala e o seu territrio

    limitado ao norte pelo curso do Zambeze, a noroeste pelo rio Ruenya, a oeste pela

    fronteira da provncia, e a sul pela interseco do meridiano 33 com o paralelo 22.

    21

    Outro nome pelo qual era conhecida na poca a British South Africa Company. 22

    Poltico, jornalista e administrador colonial, foi um dos heris da Pacificao de Moambique.

    Era ento Comissrio Rgio de Moambique (1891-1892). 23

    Ver ANEXO M.Tinha como propsito adquirir concesses dos direitos minerais na rea das

    bacias hidrogrficas do Punge e do Buzi, contando para isso com forte participao de capitais

    franceses e ingleses. 24

    Foram em Moambique criadas trs grandes companhias. A Companhia de Moambique, a

    Companhia do Nyassa e a Companhia da Zambzia, sendo que apenas a ltima no recebeu o

    charter real. companhia do Nyassa coube administrar os territrios do norte de Moambique

    previstos pelo tratado de Junho de 1891 num territrio imenso que constitui cerca de 25% da

    extenso da provncia. companhia da Zambzia coube o territrio que corresponde actual

    provncia de Tete. Ambas as companhias eram constitudas por capitais maioritariamente

    alemes e franceses.

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 2 Provncia de Moambique no Sculo XIX

    13 Trabalho de Investigao Aplicada

    Esta extenso que correspondia a 25% de Moambique obrigou a que a

    Companhia fizesse subconcesses (at proibio do governo) a 15 companhias

    subordinadas, a maioria das quais de capital estrangeiro.

    A durao da concesso de direitos companhia foi limitada a um perodo de 50

    anos, podendo ser rescindida caso no se cumprissem os acordos estipulados.

    Os estatutos da companhia, aprovados pelo governo, diziam que esta devia ser

    considerada portuguesa para todos os efeitos, tendo o seu escritrio principal em

    Lisboa. A direco estaria a cargo de um concelho de administrao composto por 11

    a 17 directores, com uma maioria constituda por portugueses.

    Entre outros, a companhia exercia na provncia os seguintes direitos:

    Administrao e explorao dos territrios;

    Exclusividade dos direitos de construo e explorao de caminhos-de-ferro,

    estradas, canais e distribuio de gua;

    Liberdade para explorar qualquer comrcio ou indstria permitidos por lei;

    A regulao do lcool e de armas que devia ser feita em harmonia com as

    medidas adoptadas nos territrios administrados directamente pelo governo;

    Domnio sobre todas as terras pertencentes ao estado e autoridade para adquirir

    novas terras dentro e fora do territrio da companhia, sem prejuzo para o regime

    especial dos Prazos - a companhia ficava no entanto proibida de vender ou

    transferir qualquer terra com dimenso superior a 5000 hectares contguos, a

    qualquer pessoa ou companhia. Deve ceder ao governo qualquer terra que este

    necessite para efeitos militares ou construo de edifcios oficiais;

    Colecta de quaisquer contribuies ou taxas j em vigor e implementao de

    novas sob aprovao do governo;

    Todas as determinaes da companhia tinham fora de lei excepto se o governo

    reclamasse num prazo de 120 dias.

    Como deveres a Companhia tinha de:

    Jurar fidelidade a Portugal, usando a bandeira portuguesa. Devia tambm garantir

    a segurana dos interesses portugueses dentro do seu territrio;

    Actuar de acordo com as clusulas e acordos estabelecidos pelo governo com as

    potncias estrangeiras;

    Entregar ao governo central 10% das aces da companhia e 7,5% dos lucros

    totais da companhia, sendo que em troca este se abstinha de cobrar taxas directas

    ou indirectas;

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 2 Provncia de Moambique no Sculo XIX

    14 Trabalho de Investigao Aplicada

    Manter foras policiais terrestres e navais, sendo que o governo se reservava na

    autoridade de guarnecer militarmente as fronteiras do territrio;

    Em tempo de guerra proporcionar para o transporte de material (foras militares)

    uma reduo de 75% dos custos habituais, bem como auxiliar com todos os meios

    ao seu dispor o esforo de guerra;

    Respeitar todos os credos religiosos na provncia.

    2.6. Breves Concluses

    Face extenso do territrio irrisrio o nmero de habitantes portugueses que

    em meados do sculo XIX vive em Moambique. um facto que se ir tornar mais

    importante quando, como nos prximos captulos se ver, surgir a preocupao da

    ocupao efectiva. Seria interessante ter os dados relativos s colnias inglesas

    limtrofes, de modo a haver um termo de comparao, para quando se falar da

    questo da ocupao efectiva.

    O sistema dos prazos, como mtodo barato que Portugal desenvolveu para

    administrar o territrio, teria tido sucesso caso houvesse uma fiscalizao suficiente e

    eficiente na provncia. No houve. A fora estava concentrada nos Senhores.

    As companhias majestticas surgem no fim do sculo em Moambique como

    forma de recuperar o controlo, efectivar a presena portuguesa e desenvolver a

    provncia. Com fortes capitais estrangeiros, arranjam-se garantias que as mantenham

    debaixo da alada portuguesa. So eficazes e mantiveram-se activas durante grande

    parte do sculo XX, no entanto o governo portugus nunca foi capaz de as utilizar com

    eficincia dos ingleses sentiu sempre a necessidade do controlo directo.

    3. Conferncia de Berlim

    3.1. Loureno Marques e o Direito Internacional at 1885

    Em 1795, quando a Inglaterra ocupa o Cabo da Boa Esperana, o explorador

    portugus Lacerda e Almeida fez ouvir a sua voz preconizando a expanso inglesa em

    frica e a futura coliso com interesses portugueses.

    A partir de 1834, a Inglaterra decreta a abolio do trfico de escravos e a pretexto

    de luta contra este, procura aumentar a sua presena em vrios territrios de frica.

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 3 Conferncia de Berlim

    15 Trabalho de Investigao Aplicada

    Destacam-se ento trs litgios com Portugal relativos s suas possesses. O primeiro

    diz respeito a Molembo, Cabinda e Ambriz, o segundo ilha Bolama e o terceiro

    relativo Baa de Loureno Marques a que faremos referncia.

    As pretenses inglesas de ento eram baseadas nas exploraes que o capito

    William F. Owen levou a cabo em 1822. Este executou tratados com rgulos africanos,

    hasteou a bandeira inglesa em diversos pontos a sul da Baa de Loureno Marques e

    chegou mesmo a sitiar uma fortaleza portuguesa. Assim, em 1860, a Inglaterra afirma

    que o territrio ao sul de Loureno Marques lhe pertence, esquecendo documentos de

    1721 e de 1817 em que reconhecia a autoridade portuguesa de Loureno Marques at

    Cabo Delgado.

    Quando, em 1869, Portugal assina com o Transvaal um acordo em que este

    reconhecia a sua soberania sobre os territrios em disputa, a Inglaterra reclama

    diplomaticamente e prope-se uma arbitragem internacional em que o Presidente

    francs, o Marechal Mac Mahon, escolhido como rbitro. Este d razo a Portugal.

    Para fazer valer a sua soberania, Portugal apoiou-se ento nos seguintes

    fundamentos: o fundamento da prioridade de descobrimento, o da conservao do

    territrio durante sculos, o da introduo da civilizao atravs do cristianismo, o da

    conquista pelas armas, e o do reconhecimento do seu domnio pelos chefes indgenas.

    Diz Luciano Cordeiro, num memorando de 1883 que os princpios do direito

    internacional relativo aos direitos coloniais em vigor eram:

    A Descoberta prioridade e nacionalidade dos descobridores;

    A Posse iniciada e ou prolongada;

    Reconhecimento implcito ou explcito.

    3.2. A Conferncia

    Finda a guerra Franco-Prussiana e unificada a Alemanha (1870), assiste-se

    passagem de um sistema unipolar em que a Inglaterra a potncia incontestada, para

    um sistema multipolar, em que a Alemanha e EUA assumem cada vez maior

    preponderncia (Telo, 2004). A revoluo industrial e a necessidade de novas

    matrias-primas, bem como a saturao dos mercados, faz desviar os olhares para

    frica onde esto novos prestgios polticos e novos mercados para o comrcio.

    Inicia-se um ciclo de exploraes pelo continente africano cujas histrias

    fantsticas ocupam as primeiras pginas dos jornais mundiais e vo aumentar o

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 3 Conferncia de Berlim

    16 Trabalho de Investigao Aplicada

    fascnio pelo continente. Livingstone25, Stanley26, Savorgnan de Brazza27 so os novos

    heris daquele tempo. No esquecer que anteriormente os portugueses tinham

    efectuado 12 surtidas no vasto serto entre Angola e Moambique (Caetano, 1971),

    sem nunca, no entanto, saber partilhar as suas descobertas com o mundo atravs dos

    novos meios de divulgao da informao.

    Este furor africano leva a que Portugal comece lentamente a repensar a sua

    posio com as colnias africanas, criando em 1875 a Sociedade de Geografia de

    Lisboa.

    Tambm na Blgica, Leopoldo II mostra a sua determinao em adquirir um

    mercado colonial organizando em Bruxelas, em 1876, um congresso Geogrfico onde

    se estuda forma de penetrar o interior de frica com fins cientficos e humanitrios.

    Funda-se ento a Associao Internacional Africana que deveria estabelecer estaes

    hospitaleiras e cientficas de apoio aos viajantes e deveria cooperar na luta ao trfico

    negreiro. Portugal apenas foi aceite como participante no Congresso aps um protesto

    diplomtico. Os representantes Bocage, Teixeira de Vasconcelos e Luciano Cordeiro

    no compareceram porque ltima hora, o governo no abriu crditos para a

    viagem. (Caetano, 1971)

    Em 1880, Brazza funda um entreposto comercial28 na margem do rio Zaire e em

    1881, Stanley funda outro entreposto29 frente ao francs, na margem oposta. Portugal,

    que sempre firmara os seus direitos histricos no Congo, assistiu sereno a estas

    expedies cientficas que iam resvalando em expedies de ocupao colonial

    (Caetano, 1971). Anos mais tarde, num discurso Cmara dos Deputados em 14

    Junho de 1885, Luciano Cordeiro diria:

    tempo de perguntarmos o que sucedia em Portugal durante esta sucesso

    rpida, impetuosa, de tantos factos que de to perto e fatalmente se relacionaram com

    os nossos interesses, com os nossos direitos, com as nossas tradies coloniais. Que

    fazamos ns?

    Bismark, que at 1883 afirmara no ter interesses em frica comea a

    entusiasmar-se. As primeiras expedies alems tm iniciativas privadas mas depois

    comeam a ser protegidas pelo governo. Em 1884 hasteiam-se bandeiras alems nos

    25

    David Livingstone, missionrio escocs e explorador de frica entre 1840 e 1873. Fotografia

    no ANEXO E. 26

    Henry Morton Stanley jornalista Anglo-Americano e explorador entre 1870 e 1874. Fotografia

    no ANEXO E. 27

    Italiano que naturalizou francs. Foi explorador ao servio da sociedade de Geografia de

    Paris. Fotografia no ANEXO E. 28

    Actual Brazzaville. 29

    Leopoldville, actual Kinshasa.

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 3 Conferncia de Berlim

    17 Trabalho de Investigao Aplicada

    Camares e no Togo. Mais tarde, partindo de Zanzibar lanam-se as bases para a

    frica Oriental Alem.

    A aco francesa e belga no Congo levam a que Portugal e Inglaterra tentem

    resolver os seus diferendos antigos relativos a esse territrio, redigindo o Tratado do

    Zaire (para definir as fronteiras em frica) em 1884, no entanto, as contestaes das

    diferentes potncias europeias levam a que a Inglaterra se recuse a levar o documento

    a discusso parlamentar a menos que sejam resolvidas as divergncias com Frana,

    Alemanha, Holanda e EUA.

    Acusa-se o Tratado do Zaire de:

    Servir os ingleses colocando Portugal como tampo do Congo, fechando a

    costa e rio e obrigando os zairenses a uma situao de dependncia;

    De deixar a regulamentao do rio Rio Zaire unicamente na mo de

    portugueses e ingleses;

    De excessivas vantagens comerciais dadas a ingleses;

    De uma poltica fiscal incomportvel da parte dos portugueses

    Estas acusaes correm a imprensa europeia e fica patente que no interessa

    uma negociao mas sim a anulao do tratado. A opinio pblica inglesa tambm

    ela no favorvel e obriga o seu governo a retirar-se definitivamente do tratado.

    Barbosa do Bocage30 envia a 12 de Maio de 1884 uma carta ao embaixador

    portugus em Londres31, afirmando que era sua ideia reunir mesma mesa todas as

    potncias, de forma a no as deixar fazer acordos paralelos entre si. No entanto,

    Bismark que havia promovido campanha activa contra o Tratado que vai pegar na

    ideia de Bocage e, juntamente com o governo francs convocar uma conferncia a ter

    lugar em Berlim.

    O convite (de Berlim e Paris) entregue em Lisboa a 12 de Outubro de 1884. So

    de igual modo convidados a Blgica, a Espanha, a Holanda, a Inglaterra, os Estados

    Unidos e posteriormente outros pases como Sucia, Rssia, Itlia e ustria-Hungria.

    A ordem de trabalhos a seguinte: 1- A liberdade de Comrcio na Baa do Congo; 2-

    A liberdade de Navegao no Rio Congo e Nger; 3- A efectivao das novas

    ocupaes na costa de frica. Os direitos alegados por Portugal ficaram fora de

    discusso.

    30

    Jos Vicente Barbosa du Bocage, primo em segundo grau do poeta Manuel Maria Barbosa

    do Bocage. Foi zologo e poltico ocupando em 1884 o cargo de Ministro dos Negcios

    Estrangeiros. 31

    Lus Augusto Pinto de Soveral, conhecido como Marqus de Soveral. Foi Ministro de

    Portugal em Londres durante todo o final do sculo XIX, com a excepo de um pequeno

    interregno em que ocupou o cargo de Ministro dos Negcios Estrangeiros (de 1894 a 1897).

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 3 Conferncia de Berlim

    18 Trabalho de Investigao Aplicada

    De forma a acabar com o problema da questo do Congo, durante a conferncia

    os EUA e os diversos pases europeus, acharam por bem reconhecer a independncia

    do Congo. Portugal conseguiu apenas ficar como nao mais favorecida na

    delimitao das fronteiras.

    A conveno acabou em 26 Fevereiro de 1885 e dela saram os seguintes pontos:

    Declarao sobre liberdade de comrcio na embocadura do Zaire;

    Declarao sobre trfico de escravos;

    Acto de navegao no Zaire;

    Acto de Navegao no Nger;

    Regras uniformes relativas ocupao do litoral do continente africano.

    De acordo com este ltimo ponto uma potncia ficava obrigada a anunciar

    publicamente a sua inteno, dando hiptese de reclamao s outras. Firmou-se a

    necessidade de uma ocupao efectiva das costas (parcialmente motivada pela

    necessidade de controlo do trfico negreiro), devendo o pas reclamante ser capaz de

    fazer valer o respeito pelas leis internacionais.

    Portugal, que como vimos j tinha acedido exigncia de uma ocupao efectiva

    durante os litgios das Ilhas Bolama, Ambriz e Loureno Marques, no se achava em

    condies de reclamar deste ponto.

    O interior de frica no foi abrangido no acordo, pois tal teria obrigado diviso

    imediata do continente e nenhum pas se encontrava preparado para isso.

    3.3. Breves Concluses

    excepo de Portugal, o interesse ingls em frica adiantou-se ao do resto da

    Europa.

    Dos primeiros litgios coloniais (do sculo XIX), vm-se as bases em que

    assentava ento o Direito Internacional: a descoberta, a posse e o reconhecimento.

    Frei Joo dos Santos, Gaspar Bocarro, Jos Monteiro, Jos da Rosa, Lacerda e

    Almeida so apenas alguns dos portugueses que antes (sculos por vezes) de

    Livingstone haviam empreendido a rdua tarefa de explorar o interior Africano. Doze

    surtidas haviam j sido feitas quando os relatos nem sempre fidedignos do ingls

    despertam a corrida a frica. Nunca souberam estes divulgar as suas descobertas

    numa atitude que, vezes e vezes sem conta, nos tem tornado menores que os demais.

    A falta de unidade poltica em momentos vitais leva Portugal inaco quando os

    interesses nacionais comeam a ver-se afectados.

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 4 Ultimatum Britnico

    19 Trabalho de Investigao Aplicada

    Bocage d o mote para uma conferncia internacional mas permite que sejam

    outros a organiz-la. Como resultado: os direitos de Portugal ficam fora da discusso e

    atravs de subterfgios arranja-se forma de dar ao Congo a independncia. Talvez o

    resultado tivesse sido mais favorvel a Portugal se em vez de Conferncia de Berlim

    falssemos antes em Conferncia de Lisboa.

    De Berlim sai tambm a partio das costas africanas e a necessidade de

    ocupao efectiva dos territrios. Portugal que j se utilizara antes do argumento da

    ocupao efectiva nos seus litgios com Inglaterra, nada teve para reclamar.

    4. Ultimatum Britnico

    4.1. De Berlim ao Ultimatum

    Com a Conferncia de Berlim, decidiu-se a diviso e ocupao do litoral africano.

    No interior, imperava agora a ideia das esferas de influncia. Estas, eram

    obrigatoriamente definidas por tratado, e obedeciam a um regime jurdico especfico.

    Para a sua posse no eram necessrios actos precedentes de ocupao. Qualquer

    nao podia adquirir os direitos da outra. Assim, de modo a ser eficaz necessria a

    assinatura de todos os pases interessados. (Caetano, 1971)

    J por vrias vezes exploradores portugueses haviam realizado a travessia costa a

    costa e, como tal Portugal achava-se soberano do interior de frica desde logo pelos

    direitos histricos que tinha sobre este

    O regenerador Barbosa do Bocage relana o sonho j antigo de unir as costas de

    Angola e Moambique num projecto denominado de frica Meridional Portuguesa, sob

    o auspcio da Sociedade de Geografia de Lisboa.

    As intenes de Portugal colidiam com as esferas de influncia de trs grandes

    potncias: a Frana, a Alemanha e a Inglaterra.

    Bocage inicia em 1886 negociaes com as duas primeiras potncias.

    Frana aceita o plano portugus (na Conveno Luso-Francesa de 1886) em troca

    do reconhecimento da soberania sobre a Bacia de Casamansa.

    Cai o governo32 e o progressista Barros Gomes que vai terminar as negociaes

    com a Alemanha. Esta acede a Portugal (na Conveno Luso-Alem de 1886) em

    troca do reconhecimento de que a fronteira sul de Angola ficaria pelo rio Cunene,

    ficando a Alemanha com a outra margem.

    32 Para uma lista dos governos entre 1890 e 1900, ver ANEXO A .

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 4 Ultimatum Britnico

    20 Trabalho de Investigao Aplicada

    Em anexo aos acordos estabelecidos, seguia um mapa onde aparecia marcado a

    cor-de-rosa, a esfera de influncia entre as duas costas que Portugal reclamava para

    si.33

    Portugal decidiu deixar a Inglaterra fora das negociaes numa primeira fase,

    esperando obter primeiro o consentimento de Frana e Alemanha. No estava em

    causa uma mudana da poltica de alianas externas, antes, uma tentativa de

    compensao diplomtica e a conquista de uma maior margem negocial face ao peso

    esmagador da hegemonia britnica (Teixeira, 1990). A Inglaterra, receosa do

    crescente poder colonial alemo viu na situao uma possvel aproximao

    portuguesa Alemanha e respondeu energicamente.

    A 13 de Agosto de 1887, o governo ingls entrega um protesto onde afirma que

    excepo do litoral, Portugal tem pouca ou nenhuma presena efectiva no territrio,

    relembrando a conferncia de Berlim. Em algumas reas que deseja chamar a si

    existem estabelecimentos britnicos de importncia excepcional.

    Como agravante, o projecto da frica Meridional Portuguesa colidia com o projecto

    de Cecil Rhodes, apoiado pela Gr-Bretanha, para estabelecer a ligao frrea Cabo-

    Cairo. Para esta ser possvel era necessria uma ligao frica do Sul, atravs da

    Bechuanalandia, Matabeles, Machona e Barotze, terras abrangidas quase na

    totalidade pelo mapa portugus.

    Rhodes obtm o exclusivo da explorao mineira na Mashona e Matabeles e

    auxilia missionrios escoceses a formar a African Lakes Company que actua junto do

    Lago Niassa.

    Ainda em 1887, partem para frica um srie de exploradores portugueses com o

    objectivo de cimentar a posio do pas e efectivar a ocupao do territrio. Paiva de

    Andrada ocupa a Zambzia, Victor Cordon e Antnio Maia Cardoso o Niassa e outras

    regies do norte de Moambique. Artur Paiva e Paiva Couceiro na costa ocidental

    ocupam o Bi e Serpa Pinto depois de ocupar o Tungue empreende uma misso na

    regio dos Macololos. (Bethencourt (eds), et al., 1998)

    Durante cerca de dois anos a poltica nacional a de adiar a resoluo da situao

    mantendo as suas expedies.

    Em 1889 a Bristish South Africa Company de Rhodes inicia uma expanso sem

    limites definidos em direco ao Niassa. Portugal contrape criando o distrito tampo

    33

    Oficialmente o mapa s publicado em 1886, no entanto, concebido pela Sociedade de

    Geografia de Lisboa, o mapa aparece pela primeira vez num seu manifesto logo em 1881

    (Nowell, 1982) Era ento presidente da Sociedade de Geografia Barbosa do Bocage. Ver

    ANEXO I

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 4 Ultimatum Britnico

    21 Trabalho de Investigao Aplicada

    do Zumbo, no reconhecido pela Inglaterra. Quando Barros Gomes fala dos direitos

    seculares na regio, Salisbury responde:

    , fortes em runas, que nunca foram reconstrudos ou substitudos, s podem

    provar, se alguma coisa provam, que pelo que respeita a esse territrio a soberania de

    que eram instrumento e garantia est em runas tambm () O facto de importncia

    capital que o referido territrio no est sob o governo efectivo de Portugal ou por

    ele ocupado e que, se alguma vez o esteve, o que muito duvidoso, essa ocupao

    cessou durante um perodo de mais de dois sculos. () A ateno desse governo

    (portugus) foi realmente chamada para esses territrios pelas empresas coroadas de

    xito dos viajantes e colonizadores britnicos. (Negcios Externos, 1890 cit., n. 136,

    pag. 101, in Caetano, 1971)

    Quando Serpa Pinto empreende a sua expedio regio dos Macololos

    encontra l hasteada a bandeira inglesa e verifica que estes, at ento vassalos de

    Portugal so agora protegidos pelos ingleses34. Vai ser Joo Coutinho35, um oficial da

    marinha, que vai submeter novamente a regio ao poder portugus. Os rgulos

    maculolos aps a aco de Coutinho reconheceram o seu erro, declarando-se sbitos

    fiis e acusaram a African Lakes Company de os ter impelido ao combate

    denunciando os tratados concludos com os cnsules britnicos36 (Plissier, 2000). Os

    ingleses consideraram a aco um Casus Belli.

    So inteis as tentativas posteriores de mediao ou qualquer soluo de

    acordo. So concentradas foras navais inglesas em pontos estratgicos de frica

    Zanzibar, Gibraltar, S. Vicente de Cabo Verde.

    A 11 de Janeiro de 1890 enviado para Lisboa o seguinte memorando:

    O governo de S.M. no pode aceitar como satisfatrias ou suficientes, as

    seguranas dadas pelo governo portugus tais como ele as interpreta. O cnsul

    interino de S.M. em Moambique telegrafou, citando o prprio Major Serpa Pinto que a

    expedio estava ainda ocupando o Chire e que Katunga e outros locais mais no

    territrio dos macololos iam ser fortificados e receberiam guarnies. O que o governo

    de S.M deseja e em que insiste o seguinte:

    Que se enviem ao governador de Moambique instrues telegrficas imediatas para

    que todas e quaisquer foras militares portuguesas actualmente no Chire e nos pases

    34

    Ver a reclamao portuguesa feita por Mr. Petre, embaixador ingls em Lisboa. Anexo O. 35

    Ver foto de Joo de Azevedo Coutinho. Anexo H. 36

    A 8 de Novembro homens do rgulo macololo Mlauri, levando consigo a bandeira britnica,

    atacaram armados com espingardas modernas. J nesta altura se calculava que estas

    tivessem sido fornecidas pela African Lakes Company e pelo cnsul Buchanan.

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 4 Ultimatum Britnico

    22 Trabalho de Investigao Aplicada

    macololos e machonas se retirem. O governo de S.M entende que sem isto as

    seguranas dadas pelo Governo portugus so ilusrias.

    Mr. Petre ver-se- obrigado, vista das suas instrues, a deixar

    imediatamente Lisboa com todos os membros da sua legao, se uma resposta

    satisfatria precedente intimao no for por ele recebida esta tarde; e o navio de

    S.M. Enchantress est em Vigo esperando as suas ordens.

    (Negcios Estrangeiros, cit, pag 198) 37.

    Era o Ultimatum e o fim do Mapa Cor-de-rosa.

    4.2. Consequncias

    O governo portugus teme o corte de relaes e acede s exigncias. A

    primeira consequncia poltica a queda do governo progressista e a subida ao poder

    de um governo regenerador. Bocage volta ao ministrio dos negcios estrangeiros e

    Antnio Enes ocupa a pasta da Marinha e Ultramar.

    Em vo tenta-se mitigar os efeitos da derrota poltica apelando a uma

    resoluo internacional atravs de arbitragem, como previsto na Acta Final de Berlim,

    no entanto, esta recusada.

    Em Portugal, os nimos esto ao rubro e uma onda nacionalista e anglofbica

    varre o pas de ls a ls. Nas lojas, afixam-se cartazes em que se recusa a venda a

    ingleses e nos cafs afixam-se as caras daqueles que haviam vendido a honra

    nacional.

    Se o ultimato no mudou significativamente as relaes com Inglaterra

    mantendo-se a velha aliana entre os dois, foi no entanto um passo de gigante para a

    queda do regime anos depois. A monarquia fica desacreditada e isso aproveitado

    pelos republicanos. Constituiu o Outono da monarquia e a Primavera da repblica

    (Teixeira, 1990). neste perodo fervoroso que Alfredo Keil e Lopes de Mendona

    compem o futuro hino A Portuguesa.

    As colnias, at ento vistas por muitos como um encargo oneroso, o qual no

    justificava os inmeros problemas, passam a ser encaradas como um desgnio

    nacional. Vm-se subitamente investidas de um carcter sagrado em nome da

    vocao colonial do povo portugus. (Bethencourt (eds), et al., 1998)

    37

    In (Caetano, 1971)

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 4 Ultimatum Britnico

    23 Trabalho de Investigao Aplicada

    4.3. Breves Concluses

    Repartido o litoral africano aps a Conferncia de Berlim, inicia-se a corrida ao

    interior de frica. Portugal com interesses histricos no serto adapta-se s

    determinaes de Berlim e estar na vanguarda do esforo de ocupao.

    Surgem dois grandes projectos: o britnico, de unir o Cabo ao Cairo, e o

    portugus, de unir Angola Contra-costa. So incompatveis.

    A frica Meridional Portuguesa une a conscincia nacional pela primeira vez

    em anos.

    O projecto corta a rea de influncia de trs potencias: Frana, Alemanha e

    Inglaterra.

    Negoceia-se com as duas primeiras e o governo ingls sente-se trado. Receia

    uma aproximao portuguesa s outras potncias. Portugal apenas queria negociar

    com Inglaterra partindo de uma posio de fora, mas no improvvel que o apoio

    alemo tivesse segundas intenes.

    Nas reclamaes, inglesas diz-se que os direitos histricos portugueses de

    nada valem depois de Berlim. uma extrapolao. Berlim nada nos diz do interior

    africano.

    Portugal reage, e lana uma srie de expedies cientficas, que procuram

    pacificar e ocupar o interior.

    H dois pesos e duas medidas. As expedies portuguesas no garantem uma

    ocupao efectiva mas as inglesas sim - esta a viso de Londres.

    Quando a expedio de Serpa Pinto leva ao Ultimatum, o pas acorda do sonho

    cor-de-rosa. Depois do choque, vem a indignao e a onda anglofbica que durar o

    resto da dcada ir prejudicar em muito os interesses nacionais.

    Na altura em que mais se precisa, o partido republicano apenas ir prejudicar a

    j inexistente unidade poltica.

    Para Inglaterra, o Ultimatum a Portugal um episdio menor e mal conhecido

    da sua histria.

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 5 Tratado Anglo-Portugus de 1891

    24 Trabalho de Investigao Aplicada

    5. Tratado Anglo-Portugus de 1891

    5.1. Tratado de 20 de Agosto de 1890

    Ainda com as tenses ao rubro por causa do Ultimatum, surge a necessidade

    de resolver questes de limites fronteirios pendentes da provncia de Moambique.

    Em atropelo, firma-se em Londres o Tratado de 20 de Agosto38.

    De acordo com este, a Inglaterra ficaria com a regio do Chire at ao Zumbo,

    ficando Portugal, em compensao, com o territrio de Manica. Para a pretenso

    portuguesa de unir Angola a Moambique, a Inglaterra dar-nos-ia permisso para

    atravessar a sua esfera de influncia construindo estradas, pontes, linhas telefnicas e

    caminhos-de-ferro entre as duas provncias, tudo isto ao longo de uma zona de vinte

    milhas na margem norte do Zambeze. Em contrapartida Inglaterra ficava com os

    mesmos privilgios numa faixa de 10 milhas na margem sul, desde Tete confluncia

    com Chob. Portugal ficava tambm obrigado a construir uma linha de caminhos-de-

    ferro entre a esfera britnica e o porto da Beira, sendo que na obra teria que haver um

    engenheiro ingls. Os territrios em questo no poderiam ser cedidos a terceiros sem

    consentimento da Inglaterra.

    Salisbury via no tratado as fundaes da paz na frica Meridional, porm, em

    Portugal, foi recebido como uma humilhao pior que a do ultimato. O parlamento

    recusou-se a ratific-lo e o governo (de Antnio de Serpa) cai novamente em 16 de

    Setembro.

    Tambm Cecil Rhodes, interessado na ricamente mineralizada rea de Manica,

    e acrrimo opositor das garantias dadas a Portugal se congratulou com a no

    ratificao.

    Aps a recusa do tratado de Agosto a Inglaterra torna-se diplomaticamente

    mais ambgua. Por um lado teme uma aproximao portuguesa Alemanha e a

    prpria rainha Vitria, sentindo que a instabilidade politica portuguesa punha em causa

    o regime monrquico, faz presso para uma atitude mais moderada do governo. Por

    outro, Salisbury v a recusa ao tratado como um golpe pessoal. Segundo ele os

    termos deste eram mais que generosos. Numa carta pessoal a Petre39 diz:

    I write a line to reinforce my telegram of yesterday; the Portuguese are in a

    fools Paradise if they imagine we are going to take anything less than the Convention

    of 20 August. () We may take more territory and less communication, or more

    38

    Frmula do Tratado no ANEXO P 39

    Embaixador Ingls em Lisboa e amigo pessoal de Lord Salisbury.

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 5 Tratado Anglo-Portugus de 1891

    25 Trabalho de Investigao Aplicada

    communication and less territory. But whatever is withdrawn from us in one respect

    must be supplied in another. () Otherwise they must expect much more injurious

    terms in the delimitation of frontier than those of August 20.

    (24 December 1890 Salisbury Pappers 81/Misc, in Warhurst, 1962)

    5.2. Modus Vivendi de 14 Novembro de 1890

    O novo governo ir propor a Salisbury um Modus Vivendi que regule as relaes

    entre Portugal e Inglaterra na provncia de Moambique, at que se chegue a novo

    acordo.

    No Modus Vivendi entra em execuo o seguinte (Almada, 1947):

    1. Um decreto estabelecendo a liberdade de navegao do Zambeze;

    2. Facilitar e permitir o trnsito no Zambeze, Chire e Punge e por terra na parte

    no navegvel destes rios;

    3. Facilitar comunicaes entre portos da costa e a esfera de influncia britnica,

    principalmente no tocante a comunicaes telegrficas e postais;

    4. A manuteno do status quo nos termos do Tratado de 20 de Agosto, por um

    perodo de 6 meses.

    O acordo de Modus Vivendi foi prorrogado a 13 de Maio de 1891 de forma a

    manter-se vlido at 14 de Junho desse mesmo ano.

    .

    5.3. Manica

    Depois da queda do governo a 16 de Setembro de 1890 segue-se um ms

    tumultuoso na poltica interna nacional, com a sucesso de vrios ministros, bem

    como das batalhas e intrigas palacianas.

    Em Londres domina a ideia de que h m vontade em Portugal e que esta, aliada

    falta de recursos, nada faz e nada deixa fazer. (Almada, 1947)

    Entre o perodo desde a rejeio do Tratado de Agosto e a assinatura do Modus

    Vivendi passam-se mais de dois meses. Nesse perodo em que sobre o territrio no

    existe regulamentao Cecil Rhodes v uma oportunidade, um perodo que

    denominar de Free hand onde a Chartered v carta aberta para resolver por si a

    questo das fronteiras e assim ocupar o interior.

    Ora o acordo de Agosto havia colocado algumas das possesses da Companhia

    de Moambique dentro da esfera de influncia inglesa e tal havia feito com que Paiva

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 5 Tratado Anglo-Portugus de 1891

    26 Trabalho de Investigao Aplicada

    de Andrada, administrador da Companhia sasse da metrpole para tentar manter

    alguns dos direitos de explorao que esta se arriscava a perder.

    Quando visitava Neves Ferreira, Andrada foi avisado de que Archibald Ross

    Coulquhoun 40- administrador da Mashonaland e oficial da BSAC, havia assinado com

    o rgulo Mutassa Rei de Manica41- um tratado em que este concedia direitos de

    explorao aos ingleses42.

    Acontece que, no s Mutassa era reconhecido pelos portugueses como sendo

    um vassalo de Gungunhana (que por sua vez era reconhecido como um vassalo

    portugus)43, como tambm em 1876 havia sido nomeado Sargento-Mor44 pelo

    governante local Manuel Antnio de Sousa , o Gouveia a quem j aludimos.

    Este ttulo, apesar de largamente honorfico parecia implicar a soberania

    portuguesa sobre quem o detinha (Warhurst, 1962). Por sua vez, Andrada em 1888

    afirma ter hasteado a bandeira portuguesa no seu Kraal. 45

    Andrada e Gouveia partem imediatamente para o local, a fim de que Mutassa

    explicasse a situao e negasse o acordo feito com os ingleses. Ainda em

    Macequece, so visitados por um mensageiro do Capito Forbes, oficial da BSAC, que

    40

    Oficial da BSAC. Foi primeiro administrador da Rodsia do Sul e mais tarde ao servio da

    coroa inglesa viajou por todo o mundo acabando a supervisar a construo do canal do

    Panam. 41

    Ver mapa em ANEXO R 42

    Houve ento entre Colquhoun e Mutassa uma pequena e tradicional troca de oferendas - a

    madontua ou antigo direito que os rgulos recebiam para deixar os negociantes brancos passar

    livremente nos seus territrios. Esta teria sido constituda por um revlver, treze espingardas

    Martini-Henri e treze cartucheiras com cinquenta cartuchos cada. 43

    Esta questo sobre se Mutassa era ou no vassalo de Gungunhana e se este por sua vez

    era ou no vassalo portugus foi um dos debates da altura. Se por um lado Portugal

    apresentava documentos em que era certificada esta relao entre Portugal e os vrios

    poderes africanos, por outro Salisbury negava que documentao apenas portuguesa pudesse

    constituir argumento suficiente. 44

    O mais baixo dos dois postos administrativos conferidos por Portugal aos chefes africanos e

    aliados. 45

    Este situava-se junto da fronteira entre a zona de influncia inglesa e portuguesa (de acordo

    com o Tratado de Agosto de 1890). A impreciso dos registos cartogrficos da altura deram a

    Salisbury a hiptese de argumentar que tal como a BSAC dizia, era bem possvel que Mutassa

    ficasse dentro dos limites ingleses. A maioria dos cartgrafos e registos da altura dizem no

    entanto que ficaria na zona portuguesa.

    Na pgina 496 do Manual of Portuguese East Africa, escrito pelo almirantado ingls em 1920

    reconhece-se que o Kraal se encontra de facto na esfera portuguesa. Isto leva a perguntar se,

    apesar do apoio que Salisbury d aos argumentos portugueses sobre a questo de Manica,

    no ter no que diz respeito a Mutassa, aceite os argumentos de Cecil Rhodes sobre a

    necessidade de controlar a regio e feito os possveis para que esta se mantivesse sob

    domnio ingls ainda que sem qualquer razo legal.

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 5 Tratado Anglo-Portugus de 1891

    27 Trabalho de Investigao Aplicada

    lhes disse que luz do tratado com Colquhoun de 14 de Setembro, a regio havia sido

    ocupada por foras da Chartered e que os portugueses se deviam abster de qualquer

    aco na regio.

    Sem fazer caso, Gouveia entra a 9 de Novembro no Kraal, acompanhado por

    70 homens juntando-se-lhe a 13 de Novembro Paiva de Andrada e Rezende. A fora

    total rondaria os 280 homens.

    No dia 15, e terminada uma reunio na cabana de Mutassa, em que este

    negara alguma vez ter negociado com os ingleses ouve-se porta desta um tumulto:

    Momentos depois de estar conversando com o rgulo, na escura palhota em

    que estavam as mulheres de sua famlia, senti grande rebulio l fora, que me

    explicavam como sendo causado por questes entre rapazes pequenos, mas pouco

    depois ouvi pronunciar a palavra ingleses; sa fora da palhota e vi alguns homens com

    o uniforme da polcia da British South Africa Company armados com espingardas ()

    Respondeu-me (o major Forbes) que estava preso; em roda sobre os rochedos

    estavam pretos de Mutaa armados e alguns com espingardas Martini-Henri;

    reconheci que tinha havido uma traio combinada (). Momentos depois vejo a meu

    lado igualmente presos o capito-mor de Manica e Joo de Rezende.

    (Relatrio do Coronel Joaquim Carlos Paiva de Andrada, Enviado ao Cnsul de Portugal no

    Cabo da Boa Esperana em 30 de Dezembro de 1890).

    A histria de captura dos portugueses, que eram cerca de 200 homens, por

    uma pequena fora de 20 homens, preencheu inmeras pginas da imprensa

    britnica, tendo este evento ficado registado como o Golpe de Forbes 46.

    Estes acontecimentos tiveram lugar um dia depois da assinatura do Modus

    Vivendi. Este curto espao serviu de desculpa a Cecil Rhodes, que afirmou ter sido

    impossvel informar os seus oficiais, num perodo to reduzido, de que deveriam

    cessar operaes. No entanto apenas uma desculpa pois ainda antes de o acordo

    de Agosto ser rejeitado se percebe na correspondncia de Rhodes que se vai

    proceder anexao de Manica. (Warhurst, 1962)

    Gouveia e Andrada so enviados para a cidade do Cabo, enquanto que a 19

    de Novembro o Capito Forbes, acompanhado pelo Baro de Rezende, que mantinha

    46 Paiva de Andrada explica no seu relatrio sobre o incidente que estes homens no eram de

    forma alguma levados para lutar apesar do que dizem os ingleses. Da a ausncia de qualquer

    resistncia.

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 5 Tratado Anglo-Portugus de 1891

    28 Trabalho de Investigao Aplicada

    preso sob palavra, ocupou pacificamente Macequece e disparou para a Beira com a

    inteno de dela se apoderar47. (Plissier, 2000)

    Em Lisboa, as notcias de Manica exaltaram novamente os nimos. O partido

    republicano aproveita a situao e tenta sem sucesso a revolta no Porto em 5 de

    Janeiro de 1891. Confirma-se perante a Europa a fragilidade da monarquia

    portuguesa.

    Centenas de voluntrios aparecem a fim de partir para frica e defender a

    colnia. O governo acaba por enviar uma expedio a maior desde o sc. XVI.

    Porm, por no ser esperada em Moambique e no ter os meios logsticos de que

    necessita, no faz mais do que guarnecer Loureno Marques, Inhambane, Beira e

    prazos de Sena, sofrendo dezenas de baixas por doena.

    Sero os esforos diplomticos de Soveral e Bocage junto de Salisbury a fazer

    com que este esteja complacente com a posio portuguesa e condene os abusos da

    BSAC ordenando o cessar do avano de Forbes para a Beira e a evacuao de

    Macequece. Sob o Kraal de Mutassa, no entanto, disse no poder afirmar com certeza

    que se encontrava na esfera portuguesa e, assim, no ordenou a sua retirada.

    A Companhia podia facilmente ter anexado a Beira. Cecil Rhodes ver os seus

    planos anexionistas frustrados, mais pelo governo britnico do que pelos prprios

    portugueses. (Plissier, 2000)

    5.3.1. Misso a Gungunhana

    Ao mesmo tempo que se d a invaso de Manica, dois oficiais da BSAC so

    enviados ao Kraal do rei de Gaza. O objectivo era conseguir que este desse a

    Mutassa o direito de realizar tratados com a Chartered. Se possvel, deveriam tentar

    que Gungunhana desse preferncia proteco inglesa e no portuguesa, ou ento

    que se conseguisse, entre ambas as partes, o reconhecimento da independncia do

    seu poder. (Geographical Section of the Naval Intelligence Division, 1920)

    Ansioso por obter o melhor proveito da situao vivida entre a BSAC e Portugal,

    Gungunhana agiu sub-repticiamente, chegando a afirmar que aceitava a proteco

    47

    O objectivo ltimo era o de consegui abrir um caminho at ao mar e ento construir um

    caminho-de-ferro desde a Beira at ao interior, que permitisse mandar bens e mantimentos

    para sustentar os colonos ingleses. importante frisar que desde o litoral at Manica os

    transportes eram feitos exclusivamente com carregadores, uma vez que o gado e os cavalos

    eram mortos pelas moscas Ts-ts que infestavam a regio.

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 5 Tratado Anglo-Portugus de 1891

    29 Trabalho de Investigao Aplicada

    inglesa, enviando a Londres dois emissrios48 e mostrando-se disposto a ceder a

    cidade da Beira, que dizia fazer parte dos seus domnios. A imprensa inglesa em

    Londres deu grande importncia ao assunto e foi esta uma das razes das

    dificuldades de Portugal, em assegurar a Salisbury que o rgulo era seu vassalo.

    Como oferta ao rgulo, seguia ainda um carregamento de 1000 espingardas e uma

    grande quantidade de munies. Estas chegaram por mar e foram ento levadas rio

    acima, para o territrio dos vtuas. Porm, o navio em que seguiam o Countess of

    Carnarvon - foi capturado pelos portugueses, no seu regresso pelo Limpopo49.

    Todos estes acontecimentos e tenses apenas serviram para exasperar ainda

    mais as opinies pblicas de ambos os pases.

    5.4. Tratado de 1891

    Rhodes tudo tinha feito para que sucessivamente se adiassem quaisquer solues

    definitivas. A sua ideia era fazer expirar o Modus Vivendi e ganhar nova oportunidade

    de expanso.

    Portugal teme que ele seja bem sucedido. Porm, em plena crise causada pela

    apreenso do Countess of Carnarvon, Salisbury mostra manter-se leal para com as

    negociaes e, em 14 de Abril, apresenta as suas propostas.

    Inicialmente exigido que a independncia de Gungunhana seja reconhecida por

    ambas partes, no entanto, tal intransigentemente recusado por Portugal. Este acede

    contudo a algumas modificaes na sua fronteira em Manica a troco das possesses

    pelos prazos da Zambzia.

    Aps as negociaes, chega-se aos termos definitivos do tratado50 em 18 de Maio

    e este assinado em Lisboa a 11 de Junho de 1891.

    A principal alterao, uma ampliao da fronteira de Manica, de forma a

    compreender o planalto e as terras de Mutassa, mas deixando a Portugal a regio de

    Macequece. Concede-se em contrapartida, uma vasta extenso ao norte do Zambeze

    para cima de Tete, e entre este e Zumbo at ao paralelo 15 S. Reservam-se os

    direitos de passagem no territrio adjacente ao Zambeze, abaixo do Zumbo.

    As clusulas relativas livre navegao so estendidas aos rios Limpopo, Buzi e

    Save.

    48

    O governo ingls recusou continuar as negociaes com Gungunhana nesse sentido para

    no ferir ainda mais as susceptibilidades portuguesas. Nota-se aqui um esprito conciliador,

    muito provavelmente contra os desgnios de Cecil Rhodes. 49

    Alm da entrega das armas, de notar que o Rio Limpopo de acordo com o Tratado de

    Agosto, no era um rio de livre circulao como o Zambeze. 50

    Ver ANEXO Q.

  • A Pacificao de Moambique no final do Sculo XIX Luz da Velha Aliana Captulo 5 Tratado Anglo-Portugus de 1891

    30 Trabalho de Investigao Aplicada

    O imposto de trnsito atravs dos territrios portugueses fica marcado nos 3%.

    As restantes clusulas do tratado de 20 de Agosto de 1890 so repetidas com

    excepo da alternativa da linha de fronteira ao norte do Zambeze. (Almada, 1947)

    A opinio generalizada era de que, se o tratado de 1890 era mau, o novo ainda

    era pior. Implicou a perda das regies aurferas do planalto de Manica em troca de

    uma zona maior, mas bem menos valiosa. Portugal ficava com os portos de Loureno

    Marques e Beira que, apesar de muito lucrativos para a colnia, deixavam no entanto

    a economia moambicana em dependncia directa da economia da frica do Sul e

    das Rodsias (Caetano, 1971). A BSAC ficou com os territrios que formariam a

    Rodsia do Sul (Matabeles, Machonas, Manica) e Rodsia do Norte (actual Zmbia).

    Tambm o corredor de comunicao para oeste deixa de ser mencionado,

    enterrando definitivamente o sonho do Mapa Cor-de-rosa.

    Ainda assim o tratado foi acolhido de uma forma surpreendentemente positiva

    relativamente ao acordo de Agosto de 1890. Isto ficou a dever-se aos duros

    acontecimentos ocorridos nos meses que intermediaram os dois tratados, assim como

    crise econmica que abalou o pas, tornando-se preeminente a necessidade de uma

    rpida resoluo.

    5.5. Breves Concluses

    quase unnime a opinio de que o Tratado de 1891 foi ainda mais oneroso que o

    de 1890. Para alm de nos espoliar as ricas regies de Manica, de fora ficou tambm

    o acesso previsto em Agosto de 1890 contra-costa angolana.

    O Ultimatum Britnico deixou o sonho do Mapa Cor-de-Rosa moribundo, mas o

    Tratado de 1891 deixou-o morto e enterrado.

    O anglofobismo cegara os polticos nacionais e foi necessrio um estalo na cara

    Manica - para que se abrissem os olhos.

    de facto verdade que os acontecimentos de Manica aconteceram em vsperas

    do Modus Vivendi51 e isto desculparia Rhodes, se no fosse o facto da sua

    correspondncia anterior ao Tratado de Agosto denunciar j uma inteno de invadir

    Manica e chegar ao mar atravs da Beira. O Free-Hand m desculpa.

    Mas e quanto a Mutassa?

    Os textos ingleses do sculo XX do quase como certo que se encontrava na

    esfera portuguesa. Deixam, no entanto, a reserva de que os conhecimentos

    51

    Apesar de Portugal, logo desde o falhado Tratado de Agosto, ter suspendido todas as

    exploraes nas zonas abrangidas pelo mesmo, sem necessidade do Modus Vivendi.