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História Medieval Economia e Sociedade
1. De uma civilização urbana para uma civilização rural
1.2. O papel das cidades na Alta Idade Média
Na altura em que se dá a implementação dos primeiros povos bárbaros (411-450) a
situação no Império Romano já dava mostras de grandes fragilidades. À data da morte
do imperador Teodósio em 395, o Império Romano é definitivamente repartido em dois:
o Oriente sob a direcção de Arcádio, o Ocidente sob a direcção do seu irmão Honório.
O Imperador é nesta altura um monarca absoluto, cercado de funcionários regularmente
pagos e servido por uma burocracia minuciosa. As ordens eram transmitidas pelos três
prefeitos do pretório até aos condes que dirigiam as cidades, por intermédio dos vigários
nas dioceses e dos juízes nas províncias.
Porém, a nível da fiscalidade, muito pesada e complicada, surgiam já as dificuldades.
As entradas dos impostos faziam-se a custo, o volume dos atrasados nos pagamentos ao
Estado era considerável. A sociedade estava hierarquizada ao ponto de as classes
aparecerem estereotipadas em castas. No topo encontravam-se os Senadores, grandes
proprietários fundiários, com cargos de magistrados oficiais mas cujos títulos são
apenas honoríficos. O seu poder político era nulo mas a sua influência económica era tal
que, pouco a pouco, vão-se arrogando dos direitos de patronato sobre aldeias inteiras e
obtêm a fixação à terra dos colonos, cultivadores juridicamente livres. Quanto aos
artesãos e ao povo das cidades, estavam agrupados em corporações, das quais ninguém
de podia desvincular. Dadas as necessidades fiscais e militares do Estado, a sociedade
estava presa ao interesse geral, e para sua própria salvaguarda.
Desde 392, o Cristianismo passa a ser a religião de Estado. A Igreja, um corpo novo
dentro do Império, assume uma importância crescente. O paganismo encontrava-se
oficialmente desenraizado, embora subsistindo nos campos. Os quadros hierárquicos da
Igreja decalcavam os do Império. Os Concílios provinciais permitiam ao clero
coordenar a sua acção evangelizadora e de combate às heresias. A partir de então os
termos “romano” e “cristão” passaram a confundir-se.
Se a Igreja podia fortalecer o Império, o Exército podia, pelo contrário, arruiná-lo.
Teoricamente havia cerca de 200 mil soldados nas fronteiras e 50 mil homens a
constituir um exército de manobra; porém na prática só este último estava operacional.
1
O “limes”1 é ao fim e ao cabo uma fronteira aberta, ao passo que as cidades podiam
encerrar-se em estreitas muralhas. O soldado romano era em muitos casos, nesta altura,
um bárbaro germânico romanizado. O exército estava portanto nas mãos dos
“invasores”.
Face a este enorme corpo, pesado e inepto, os Bárbaros cercam o Ocidente em três
frentes:
Os Anglos e os Saxões ao longo das costas do mar do Norte até às ilhas;
Os Frísios e os Jutas na península dinamarquesa;
Os Caledónios e os Escotos na Grã-Bretanha e na Irlanda.
Por norma, os Bárbaros tinham à cabeça um rei. Os Burgúndios, os Vândalos e os
Lombardos estavam já convertidos ao Cristianismo Ariano. Os Ostrogodos e os
Visigodos cruzam-se entretanto com os Alanos e tornam-se cavaleiros. São os mais
evoluídos povos bárbaros.
A entrada destes povos no Império faz-se em duas etapas. Os Hunos, vindos da Ásia
Central, transpõem o rio Don em 375. Os Visigodos procuram então refugiar-se em
território romano a título de auxiliares do Exército Romano. Mas a boa convivência não
dura muito. Em 378 a cavalaria goda esmaga em Andrinopla o exército romano.
Os Visigodos erram também por solos imperiais em busca de terras onde se fixar: o seu
rei Alarico lidera-os em pilhagens à Ilíria e depois à Itália. Finalmente Alarico apodera-
se de Roma em 410. O choque moral foi imenso, mas não se regista qualquer reacção.
Em 418 o imperador Honório aceita fixar os Visigodos na Aquitânia, sob a ficção
jurídica de “federados” ou seja, aliados dos romanos. Nascia o primeiro reino bárbaro
do ocidente.
Os Suevos acabam por receber o estatuto de federados com um território situado entre o
Douro e a Galiza, em redor de Braga. Os Vândalos seguem para o Norte de África,
obtendo o estatuto de federados em 435 mas fazendo com que Roma tivesse perdido o
seu “celeiro” de trigo e a sua supremacia sobre o Mediterrâneo.
Com o imperador Valentiniano III e o seu general Aécio fazem-se os últimos esforços
para fazer recuar os bárbaros. Os Burgúndios tornam-se federados em 436.
Após a morte de Valentiniano III, sucederam-se os imperadores fantoches enquanto os
povos bárbaros federados estendem os seus domínios. Minado na sua periferia,
perdendo a Bretanha e sendo pilhado no seu coração (Roma) em 455 por Genserico (rei
1 Fronteiras do Império Romano.
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dos Vândalos), o Império passa para as mãos de um patrício de raça sueva, Ricimer, o
qual faz e desfaz os imperadores. Os reinos bárbaros alastram e rejeitam os tratados de
aliança com Roma. Os Visigodos ocupam a Gália e depois a Península Ibérica.
Na Itália, o imperador Rómulo é despojado das insígnias imperiais em 476. O Império
Romano do Ocidente chegava ao fim. Restava o imperador do Oriente (Constantinopla).
Os Ostrogodos, liderados por Teodorico seguem para Itália, onde após vários combates
eliminam Odoacro (o rebelde Huno que despojara Rómulo) e fundam um reino,
tentando estender a sua hegemonia sobre os restantes reinos bárbaros: o visigótico, o
burgúndio e o vândalo, que também eram arianos. O novo equilíbrio surgia com base
numa dominação germânica e ariana.
É neste contexto que vamos ver desaparecer a vida urbana. As grandes cidades romanas
sobrevivem às primeiras invasões mas em débil estado. Os mais ricos trocaram as suas
casas citadinas pelos seus domínios rurais. O facto de os reis bárbaros terem feitos de
algumas cidades as suas capitais verificou-se simplesmente porque viam nelas,
sobretudo, fortalezas que lhes davam força e prestígio junto dos seus guerreiros e das
populações locais. Porém na verdade a cidade perde a sua importância enquanto
instituição política, como o era na Antiguidade. O Império Romano sempre foi um
império de cidades. A cidade ou urbe era o centro da civitas2, que era uma unidade
política e territorial. A situação de preponderância das cidades romanas altera-se com as
Invasões. Algumas cidades são abandonadas e outras são deslocadas para locais de
maior dificuldade de acesso (locais elevados). Outras acabam por ficar limitadas dentro
das suas muralhas recentes. Isto acontece porque sendo a cidade a célula embrionária do
Império Romano entretanto extinto, são as cidades as primeiras a sofrer os saques e as
violências das incursões inimigas, pelo que se torna imprescindível para as suas
populações ter um bom sistema de defesa. Quando isso não acontece a população acaba
por se fixar nos campos, onde a segurança acaba por ser maior.
As características regulares da cidade romana, como a planta em quadrícula vão perder-
se, e impõem-se uma desorganização urbanística, muitas vezes intensificada pelo
próprio relevo.
As cidades de traçado mais regular eram aquelas que tinham a sua origem num
acampamento militar, configurando um perímetro rectangular, geralmente rodeado de
2 Portanto a civitas era constituída pela urbe (centro), as vici (aldeias), os ager (campos agrícolas) e os pagus (campos não cultivados).
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muralhas. O recinto era cortado por dois grandes eixos ou ruas principais (por vezes
com pórticos) que se denominavam cardos (eixo norte-sul) e decumanos (eixo este-
oeste). No seu ponto de encontro costumava situar-se (um pouco desviado) o Fórum
(praça), e à sua volta os templos, a Cúria e a Basílica. O resto dos blocos costumava ser
perfeitamente regular. Imperava o sentido prático e organizador.
Assim, as cidades da Alta Idade Média, pelo menos aquelas que são herdeiras do
Império Romano, são pequenas aglomerações porque ao necessitarem de estar
protegidas por cercas e muralhas, não podem ser muito vastas. Localizam-se sobretudo
junto a rios ou em colinas e os seus instrumentos urbanos eram já muito poucos. Os
equipamentos de lazer desaparecem mas existia um espaço aberto junto às portas da
cidade que estava reservado a festas, mercados ou torneios.
Com a lenta queda do Império Romano e de tudo o que este implicava quanto ao nível
da organização política e instituições, o mundo ocidental foi mudando de aspecto e as
cidades, as antigas civitas romanas, decrescem de tal modo que muitas desaparecem.
Isto é também fruto de um apagamento, a nível do Ocidente, no contexto comercial.
Primeiro há que ter em conta que o Império Romano era um grande consumidor de
matérias e objectos de luxo, chegando aos portos cargas valiosas e caras. Assim que se
deixa de ter poder monetário, este comércio decresce e as invasões tornam-no
extremamente difícil e dispendioso. As cidades costeiras são aquelas que vão ser mais
afectadas por esta situação. No Império Romano do Oriente, porém, esta actividade
cosmopolita continua, sendo centrada em Constantinopla.
A elite que costumava dotar as cidades de infra-estruturas, como meio de ganhar
prestigio para ascender a cargos e magistraturas importantes, acaba por preferir ir para o
campo. A população dissemina-se pela área rural, deixando de estar agrupada em
grandes concentrações.
A Idade Média vai portanto começar a nível de uma sociedade agrária rudimentar que
será a base da sua economia e do seu desenvolvimento. Aliás, o regime senhorial que se
estabelece em toda a Europa, com particularismos dependendo da região, tem
fundamentalmente essa base agrária. O rei conta com senhores feudais que o apoiam e o
defendem em caso de guerra e a quem ele cede territórios. O senhor governa nessas
terras com poderes quase absolutos, tirando do campo tudo o que deseja e submetendo a
população camponesa a uma servidão quase completa. O carácter agrário da sociedade e
economia medievais modifica sensivelmente a face da Europa. O facto da população
estar disseminada faz com que, pouco a pouco, toda a terra seja cultivada, mudando e
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humanizando-se a paisagem; estabelecendo-se um continuum, um forte e vivo tecido
geográfico humano.
2. O predomínio do Senhorialismo
2.1. A sociedade feudal
A sociedade medieval era formada por três estados: os defensores (NOBREZA), os
oradores (CLERO) e os mantenedores ou trabalhadores (POVO). Era uma sociedade
mais ou menos imóvel, pois na sua grande maioria a ascensão social era limitada.
A escolha da profissão e o desenvolvimento da sua prática era algo que só se aplicava
realmente ao homem do povo. Regra geral mas não total, os filhos seguiam as
profissões e os ofícios dos pais.
A agricultura monopolizava as atenções da maior parte da população, pois a economia
medieval é essencialmente agrícola. O lavrador era portanto encarado como o
trabalhador por excelência apesar de não existir uma classe de lavradores propriamente
dita. Entre aqueles que trabalhavam a terra e viviam da exploração agrária, as divisões
eram muitas, mesmo a nível social.
Eram muito poucos aqueles que tinham a plena propriedade da terra que cultivavam, se
exceptuarmos os nobres e os clérigos (que em boa medida delegavam os trabalhos
manuais à população camponesa). A maioria dos camponeses e habitantes do meio rural
cultivava terra que não lhe pertencia, pagando foro ou renda ao seu senhor
(Senhorialismo), quer ele fosse o rei, um nobre ou a Igreja. Aliás, o próprio alodiário
(que detinha o direito sobre as suas terras) tinha de pagar um imposto ao rei, embora
inferior ao das outras terras.
Estes tributos eram, em geral, elevados. Nas terras exploradas a prazo ou a foro
(contratos enfitêuticos), o lavrador tinha de pagar uma prestação-base que variava entre
um terço e um décimo da produção total. Além deste foro, era ainda obrigado a muitas
outras prestações variáveis de terra para terra.
Assim, a propriedade dividia-se em:
1. Alodiários – proprietários de pequenas propriedades chamadas alódios, que
geralmente permitiam apenas o auto-sustento da família. Pertenciam às gentes
remediadas das cidades que investiam no campo.
2. Colonos Voluntários ou Mansi Libri – eram aqueles proprietários que perdiam
as suas terras por dificuldades financeiras ou que não tinham poder monetário
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suficiente para adquirirem a sua própria propriedade. Assim estas pessoas
colocavam-se voluntariamente à disposição de um senhor ou dominus. Este
senhor alterava então a estrutura da sua propriedade para acolher os colonos.
Uma parte dela continuava a ser trabalhada por escravos enquanto que a outra
era dividida em parcelas e entregue a famílias de colonos. Estas parcelas
denominavam-se mansus (podiam ser parcelas não contínuas, ou seja, dispersas,
ou que implicava geralmente um predomínio da policultura). Esta unidade
agrária obteve depois o nome de casal, porque no seu centro ficava a casa da
família que a explorava. Além da tributação à qual eram obrigados, os colonos
tinham ainda de dispensar o seu serviço braçal para trabalhar nas terras do
senhor: eram as chamadas corveias, que consistiam ou em trabalho braçal ou
carretagem.
3. Encomendados – eram sobretudo proprietários de alódios que não conseguiam
fazer face às constantes dificuldades económicas e que acabavam por se colocar
livremente sob a tutela do senhor da região. Isto acontecia porque normalmente
as famílias que tinham alódios, apesar de conseguirem produzir alimentos não
tinham capacidade para os transformar, sendo obrigados a pagar ao senhor as
chamadas banalidades, ou seja a utilização de moinhos, fornos, etc. Assim, os
encomendados trabalhavam as suas próprias terras mas integravam o domínio
senhorial local. A propriedade ou seja o alódio passaria para a posse desse
senhor após a morte do seu proprietário. Além do tributo, os encomendados
também teriam de integrar o exército do senhor em tempos de guerra.
4. Colonos (ex-escravos) ou Mansi Servile – quando a escravatura passou a ser
demasiado dispendiosa para os senhores (tinham sustentar os seus escravos para
que eles pudessem trabalhar), estes optaram por libertar os escravos, que devido
à falta ou inexistência de meios de sobrevivência permaneciam vinculados ao
senhor e à sua propriedade (domínio). Os vínculos que detinham eram diferentes
dos colonos voluntários porque a sua situação assim o requeria.
Com a grande variedade de graus de dependência que surge há então a necessidade
de se regularem as relações entre os senhores e os seus dependentes. Por esta razão
surgem os contratos enfitêuticos. Estes contratos consignam sobretudo os deveres
daqueles que trabalham o mansus para com o grande senhor que, é o seu pleno
proprietário. Portanto o proprietário usufrutuário é o foreiro ou emprazador, que tem
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como obrigação tratar, explorar e potencializar a propriedade (maior produção e
maior produtividade), tendo de pagar uma renda ao senhor que consiste em:
Canon/terrádigo – sobre os produtos mais importantes (cereais, vinho,
azeite);
Miúnças – sobre produtos complementares.
Existiam diversas valências nestes contratos:
◘ aforamento perpétuo: o foreiro tem a posse da terra até à morte do senhor. Isto era
raro e quando acontecia incidia geralmente em terras com poucas qualidades produtivas;
◘ aforamento por uma vida: o foreiro explora a terra até à sua morte, altura em que a
propriedade retorna à posse do senhor;
◘ aforamento por duas vidas: a terra regressa à posse do senhor após a morte dos dois
cabeça de casal.
◘ aforamento por três vidas: ao casal junta-se outra pessoa, geralmente um filho.
Quando o casal morre e no caso do filho casar, este pode actualizar o contrato que passa
a valer por mais três vidas. (Este era o tipo de contrato mais comum.)
A nível da modalidade de renda, os rendeiros podiam ocupar as terras por períodos de
sete, catorze ou vinte e um anos. A terra nunca chegava a pertencer-lhes totalmente
sendo que o senhor detinha sobre ela maiores poderes do que no caso do foro. As rendas
eram também, regra geral, mais elevadas.
Nos meios rurais viviam então uma grande diversidade de produtores: moleiros,
adegueiros, lagareiros, carpinteiros, oleiros, tanoeiros, ferreiros, fiadeiras, tecedeiras,
alfaiates, etc. Todas estas actividades estavam presentes na maior parte dos senhorios
porque o objectivo era o auto-consumo dentro o domínio senhorial (o que fazia com que
o comércio externo fosse pouco significativo).
Assim, contrariamente ao que tinha sucedido nos mundos Antigo e no Islão, onde a
função orientadora da sociedade tinha pertencido inteiramente às cidades, tendo-se a
população concentrado em várias aglomerações desenvolvidas, populosas e bem
situadas, a Idade Média inicia-se com uma ruralização inegável da população do
Ocidente. Não haviam condições para as pessoas deixarem os campos (os trabalhadores
estavam dependentes dos seus senhores e dos trabalhos que exerciam nas suas
propriedades, sendo difícil a sua desvinculação), e não existiam necessidades de
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restabelecer rotas comerciais porque o auto-consumo senhorial era suficiente. A maioria
das cidades eram cidades-camponesas, directamente sustentadas pelas áreas rurais mais
próximas e com poucos traços distintivos da sua condição citadina.
O feudalismo marcou sem dúvida o sistema político e social da Idade Média, porém
como sistema terá sofrido particularismos consoante as regiões. Por alturas da coroação
de Carlos Magno no ano 800, este administrava e governava com eficácia o seu extenso
território. O seu instrumento humano era constituído pelos missi dominici, grandes
figuras laicas e eclesiásticas, enviadas em missão geralmente por um ano, para fiscalizar
os delegados do soberano: os condes, os marqueses e os duques. Também eram
chamados, várias vezes, a reorganizar a administração.
Os laços do imperador com os seus delegados os súbditos seguiam os moldes feudais
em que um senhor requeria a vassalagem de outrem por meio de uma homenagem. Isto
criava para ambas as partes um conjunto de direitos e deveres onde figurava a concessão
ao vassalo de um benefício (na maioria das vezes este consistia em terras e nos direitos
a ela ligados). Assim, há uma base rural eminente no feudalismo pois acaba por ser um
sistema de possessão e exploração da terra em proveito das classes dominantes da
sociedade.
Desde o século XI os vassalos podiam ter, ao mesmo tempo, vários senhores ou
suseranos. A homenagem lígia era a homenagem preferência feita ao senhor principal.
Os principais deveres do vassalo para com o seu senhor eram:
Militar: hoste, cavalaria, escolta e guarda;
Auxílio financeiro (em 4 casos principais): quando o senhor armava cavaleiro o
seu filho mais velho; quando o senhor casava a sua filha mais velha; em caso
de resgate; e em caso do senhor decidir participar nas Cruzadas);
Auxílio de aconselhar o seu senhor sempre que fosse requisitado.
O senhor suserano baseava o seu poder na posse da terra (bem fundiário), na qual
exercia em totalidade ou parcialmente o poder público (justiça, imposto e convocação
de homens de armas). Um senhor podia ser leigo, eclesiástico ou uma instituição
(abadia, cabido, comuna urbana). Através desta relação entre senhor suserano e vassalo,
Carlos Magno conseguiu exercer uma autoridade quase total no seu Império, porém
com os seus sucessores cresceu a influência dos vários vassalos, que por sua vez
também eram senhores suseranos de outros vassalos e tinham grandes poderes. O
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problema surgiu com a passagem dos cargos à hereditariedade, o que fez com que o
poder se concentrasse nas mãos das mesmas famílias, e o surgimento de cada vez
maiores exércitos pessoais que anulavam o exército real (só os senhores tinham o direito
de ban – recrutamento de hostes militares).
3. Revolução Agrícola e Revolução Urbana
3.1. A expansão do Ocidente
A partir do ano 1000 vários factores se interligaram para permitir o desenvolvimento do
Ocidente medieval:
Melhorias climáticas: tempo mais seco e menos húmido
Aumento da produção agrícola e aumento dos campos por cultivar
Aumento demográfico, especialmente devido à diminuição da mortalidade
Desenvolvimento de técnicas (uso do ferro generalizado, afolheamento trienal,
uso da aiveca e charrua de rodas)
Preços mais baixos (aumento das aquisições de vários materiais)
Desenvolvimento comercial (mais transacções, mais capital, mais produtos).
Portanto, neste contexto a população rural aumenta. Uma vez que se encontra
dependente de um senhor, esta população sente a necessidade de possuir mais terras
para que não se passe fome. Os senhores acabam por ter apenas duas opções ou
libertavam as pessoas ou aumentavam os campos de cultivo através de tecnologias mais
avançadas. Esta segunda opção vai permitir um aumento da produtividade mas também
uma menor necessidade de mão-de-obra. Assim, as pessoas que se libertam do regime
senhorial e a mão-de-obra excessiva irão dirigir-se para as cidades, ocupando ofícios
sobretudo na área artesanal.
A cidade da época medieval propriamente dita só surge em começos do século XI e
desenvolve-se principalmente nos séculos XII e XIII. Até esse momento a organização
feudal e agrária da sociedade domina. Frente a esta, a crescimento das cidades é
originado sobretudo pelo desenvolvimento de grupos específicos do tipo mercantil e
artesão. O facto que verdadeiramente dá lugar ao renascimento das cidades medievais e
que, de certo modo, é o fundamento da sociedade citadina em geral, é o comércio e a
indústria que começam a despontar passado o ano 1000, cada vez com maior
intensidade. Com o desenvolvimento do comércio, nos séculos XI e XII vai-se
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constituindo uma sociedade burguesa que é composta não só por mercadores viajantes,
mas também por outra gente que se fixa permanentemente nos centros onde o tráfico
comercial se desenvolve: portos, cidades de passagem, mercados importantes, vilas de
artesãos.
Estabelecem-se nestas cidades pessoas que exercem todos os ofícios requeridos pelo
desenvolvimento dos negócios: armadores de barcos, fabricantes de aparelhos de
velejar, barris, embalagens, etc.
A cidade atrai por conseguinte um número cada vez maior de pessoas do meio rural que
encontravam ali um ofício e uma ocupação que em muitos casos os libertava da
servidão do campo. Esta sociedade burguesa, que paulatinamente se vai desenvolvendo
é o estímulo da cidade medieval. Esta burguesia está, por definição, em contradição com
a ordem feudal e senhorial estabelecida, o que vai levantar problemas ao seu
desenvolvimento e por consequência, ao desenvolvimento das próprias cidades.
Portanto, tendo encontrado a sua vocação comercial e artesanal, a burguesia das cidades
necessitava de liberdade de acção para o desenvolvimento normal dos seus negócios. A
princípio não se tratava de derrubar a ordem estabelecida e não se discutiam nem os
direitos nem a autoridade dos príncipes ou dos grandes senhores (nobres ou clérigos). A
burguesia tinha apenas a necessidade de obter facilidades para desenvolver as suas
operações comerciais. De início os privilegiados do sistema feudal tentaram opor-se às
pretensões burguesas, mas concordaram com elas pouco tempo após analisarem os
benefícios que isso lhes poderia trazer. Era portanto preferível sacrificar o orgulho
senhorial em troca de vantagens materiais provenientes do desenvolvimento desta
actividade comercial.
A cidade medieval implanta-se assim como uma área de liberdade no meio do mundo
rural que a circunda, submetido a uma vassalagem quase absoluta. Os antigos direitos
senhoriais que impedem o desenvolvimento próspero das cidades vão, pouco a pouco,
desaparecendo: os fornos e os moinhos em que o senhor obrigava a população a moer e
a cozer os cereais e o pão; os monopólios por meio dos quais o senhor tinha o privilegio
de vender os seus produtos em determinados períodos sem concorrência (direito de
relego exemplo: vinho); o direito de requisitar casas de habitação da cidade para seu
uso e dos seus cavaleiros nas épocas em que se deslocavam; a proibição, por razões
estratégicas, de construir pontes com prejuízo importante para o tráfego, etc. Todos
estes privilégios, que podiam representar rendas e benefícios para o senhor, não
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compensavam o prejuízo que deles advinham nem as vantagens que o mesmo obteria de
uma cidade com o comércio a florescer.
Não se pode separar o estudo das cidades medievais do seu desenvolvimento jurídico
paralelo, por meio de franquias, foros, forais e outros instrumentos legais que
favoreciam o seu desenvolvimento.
Em Espanha isto deu como resultado a constituição de municípios ou concelhos. Era
importante, tanto em Espanha como em Portugal, favorecer a criação de centros urbanos
capazes de conseguirem colonizar as terras conquistadas aos muçulmanos. Para
estimular a implantação dos colonos em novas cidades era também importante atraí-los
com benefícios e foros especiais. Assim se fizeram novas fundações de cidades
completas e de bairros em cidades já existentes. O desenvolvimento das cidades
também trouxe modificações da legislação tendo sido criadas leis excepcionais,
diferentes das que vigoravam nos meios rurais. Nas cidades as leis de carácter criminal,
por exemplo, costumavam ser mais severas porque havia uma maior necessidade de
manter a disciplina para o seu bom funcionamento. Simplificaram-se também os antigos
procedimentos judiciais: torna-se mais flexível a legislação contratual (maior facilidade
a nível de contratos profissionais) e suprimem-se costumes arcaicos como as
compurgações, as ordálias, os duelos.
Foi também sentida uma necessidade, por parte dos burgueses, de um sistema de
contribuições voluntárias para fazer face às despesas das obras comunais mais
prementes tal como a construção de muralhas, esgotos, vias.
A necessidade da construção de uma muralha, característica medieval por excelência,
esteve na origem da criação do primeiro sistema de finanças municipais. A contribuição
dos residentes para a sua construção adquiriu rapidamente o carácter obrigatório e
tornou-se extensiva além da fortificação a outras obras comuns. Quem não pagava tal
contribuição podia mesmo ser expulso da cidade ou perder os seus direitos de cidadão.
A cidade acabou por adquirir uma personalidade legal que estava acima dos seus
membros. Era uma comuna com personalidade jurídica própria e independente.
A cidade do século XII era então uma comuna comercial e industrial que se localizava
dentro de um recinto fortificado (geralmente com um castelo mais elevado alcáçova),
gozando de uma lei, de uma administração e de uma jurisprudência excepcionais, que
faziam dela uma “pessoa colectiva” privilegiada.
Não é já a cidade aristocrática, diferenciando-se portanto da cidade antiga. Agora a
cidade é sobretudo sede do terceiro estado, do povo. Passa a ser anti-aristocrática.
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No que diz respeito ao seu aspecto físico, por necessidades de defesa, ficava geralmente
situada em locais elevados: colinas, ilhas, imediações de rios (procurando utilizar os
leitos fluviais como obstáculos para os inimigos). O facto de ter muitas vezes de se
adaptar a uma topografia irregular condicionou a fisionomia especial e o pitoresco da
cidade medieval. O traçado das ruas tinha de resolver as dificuldades da localização, o
que fazia com que elas fossem irregulares e tortuosas. As ruas importantes partiam
geralmente do centro e dirigiam-se radialmente para as portas do recinto fortificado.
Outras ruas secundárias, frequentemente em círculo à volta do centro, ligavam as ruas
principais entre si. Em linhas gerais, este padrão chamado rádio-concêntrico, repete-se
na cidade da Idade Média. O perímetro das cidades costumava ser, nestes casos,
sensivelmente circular ou elíptico; era o mais económico e de mais fácil defesa. O
centro da cidade era quase sempre ocupado pela catedral ou templo, pelo que a cidade
adquiriu uma importância espiritual de primeira ordem. A mesma praça onde se
encontrava a catedral servia também para as necessidades de mercado, e era nela que se
erigiam os edifícios mais característicos da organização urbana. Era o verdadeiro centro
cívico.
A Península Ibérica teve ainda de se adaptar ao estilo de cidade muçulmana na medida
em que por volta do século VIII, os muçulmanos entram no espaço ibérico. A irradiação
do seu Império inicia-se ainda no século VII, com o Império Romano do Oriente a
sofrer as suas sucessivas investidas. O facto de envolver áreas distintas faz com que os
árabes se adaptem a particularidades consoante as regiões, não criando elementos novos
mas sim sincréticos. A cidade islâmica é sobretudo funcional. Existe a porta, que é o
elemento primordial da cidade muçulmana pois além de um valor simbólico tem
também um valor funcional. Esta porta costumava ser dupla. Era aqui que se recebiam
os visitantes e era nas suas imediações que se estabeleciam os mercadores, que
constituíam as chamadas praças do arrabalde. O mundo islâmico recebeu parte da
herança do mundo primitivo oriental (egípcio e mesopotâmico). A evolução da cidade
islâmica opõe-se ao ambiente camponês que as circunda, sendo a sua vida
especificamente urbana. Há também uma falta de continuidade no aspecto
arquitectónico. A cidade islâmica, com o seu casario compacto, os seus terraços, os seus
pátios (únicos espaços abertos), as suas ruelas tortuosas, era intimista, privada, tendo um
carácter religioso, que a partir da própria casa transcende tudo. É uma cidade secreta
que não se exibe. Tudo se constrói de dentro para fora, perdendo a rua todo o valor
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estrutural (por vezes nem eram planeadas e iam dar a becos sem saída). Mas, haviam
também as artérias de trânsito, que no entanto devem ser entendidas de modo diferente
das ruas da cidade medieval ocidental. É que estas implicavam continuidade mesmo que
fossem tortuosas e as islâmicas não. As ruas islâmicas perdem a continuidade com
esquinas ou quebras. Não há um alinhamento recto nem percurso contínuo. As casas
estavam sempre bem tapadas, com gradeamentos nas janelas, para que não se visse o
seu interior. Todas as cidades islâmicas eram cercadas por muralhas. O núcleo principal,
chamado medina, era onde se encontrava a mesquita maior, a madrasa, a alcaçaria e as
principais ruas comerciais. Vinham a seguir os bairros residenciais e depois os
arrabaldes, que às vezes eram rodeados por muralhas próprias, apoiadas na principal. A
população agrupava-se em função dos ofícios. A cidade islâmica segrega a população
por religião e actividade socioeconómica. A judiaria ficava dentro da muralha principal
mas era entaipada, como se fosse um mundo separado.
A partir do século XI, com o renascimento das cidades surgem várias feiras e mercados
que passam a ser feitos periodicamente. Localizavam-se especialmente junto às portas
das cidades ou em locais de bom acesso e de passagem de grupos de população. Terá
sido assim que se originou a “nova” cidade de Bruges, sendo que se começaram a juntar
perto da ponte que dava acesso à cidade, vários comerciantes. Este segundo núcleo
populacional depressa evoluiu com o comércio e deu origem ao grande entreposto
comercial de Bruges. Portanto, surgem então novas aglomerações que inicialmente são
flutuantes e depressa se tornam permanentes. Não são os excedentes dos campos que
vão alimentar este comércio mas sim os produtos raros e de luxo que chegavam
sobretudo de Itália. Agora sim estavam reunidas as condições para se restabelecerem
rotas comerciais, marítimas e terrestres, assim como se sentiram necessidades de se
fazerem grandes investimentos em frotas e organizações comerciais de apoio a esta
actividade. Passa a haver uma economia de mercado em substituição da economia de
auto-consumo. A cidade e campo vão então complementar-se. O campo fornece e
abastece a cidade de alimentos e matérias-primas, e a cidade vai dedicar-se à sua
transformação, sendo que estes produtos eram muitas vezes necessários às próprias
pessoas das zonas rurais. Assim os camponeses não eram apenas os
abastecedores/vendedores de produtos alimentares, como também os consumidores dos
produtos manufacturados na cidade.
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A revolução urbana dos séculos XII e XIII assentou na especialização das cidades nas
actividades industriais e comerciais. Surgem as zonas de exportação de matérias-primas
específicas como Castela e Inglaterra; e as zonas de transformação e reexportação
dessas matérias-primas já transformadas como a Flandres. Dá-se também o grande
desenvolvimento de determinados portos como o de Londres e Bruges; e de cidades
mercantis como Veneza e Génova, que comercializavam com o Oriente. A
especialização destas cidades italianas no comércio tem a ver com o facto de não terem
solos férteis e necessitarem de se dedicar ao comércio e aos serviços para poderem
importar géneros alimentares.
É também durante o século XII que Champagne lidera o conjunto do comércio
internacional a nível de feiras. Os condes acabam mesmo por criar condições para a
vinda de estrangeiros àquele espaço, construindo-se alojamentos e surgem comunidades
protegidas pela autoridade condal. Esta importância de Champagne declina no século
seguinte pois surgem novas vias que ligam a Itália ao Norte pelos Alpes suíços e por
mar que se afastam de Champagne.
A primeira carreira marítima atlântica liga Génova a Bruges. Acentuam-se as rotas do
Mediterrâneo. As rotas marítimas irão provocar a decadência das feiras. Acresce que o
transporte marítimo passa a ser preferido ao terrestre. As estradas estavam mal
arranjadas e as portagens tornavam-se caras, além do perigo de emboscadas. As
mercadorias menos valiosas eram transportadas por terra, mas a restantes seguiam por
via marítima ou fluvial.
No século XII é criada uma associação de mercadores do Báltico (onde sempre existiu
comércio a alimentar o mundo escandinavo), cuja sede era a ilha de Gotland e a cidade
de Visby.
Esta ilha detém um papel estratégico para motivos comerciais naquela zona. Esta
associação será o embrião da Hansa Teutónica que no século XIV reanimou o comércio
do Norte e do Báltico, dando origem a todo o tipo de instrumentos financeiros como
seguros, bolsas, investimentos, notas de crédito, câmbios. Estes instrumentos já teriam
feito a sua aparição com a associação inicial do século XII que era mais do que uma liga
pois os seus objectivos eram derrubar as barreiras alfandegárias, agrupando várias
cidades da região.
As cidades hanseáticas que conhecem grande desenvolvimento voltam a adquirir
funcionalidades da época romana. Em termos urbanos continuavam a ser cidades
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muralhadas e reaviva-se o sector terciário que é implantado firmemente com um
importante papel económico e produtivo.
Hansa Guilda
Liga de cidades associadas para os mesmos fins; Associações de artesãos do mesmo ofício;
Livre circulação de bens e pessoas; Agiam como grupo de pressão contra o patronato;
Permite evitar barreiras alfandegárias; Estavam presentes em cidades de estrutura feudal;
Tem fins comerciais; Tem carácter e fins políticos;
As cidades mantinham a autonomia; Reivindicavam melhores condições de trabalho e
mais oportunidades de indústria e comércio;
Exemplo: Hansa Teutónica (sede – Lübeck) Exemplo: aplicadas às cidades flamengas – guilda
de tecelões, guilda de tanoeiros
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