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  • Hesodo, junto a Homero, o mais antigo poeta grego cujas obras

    chegaram a ns. Este livro se compe da traduo integral da Teogonia de Hesodo, e do

    ensaio em que este poema estudado como um documento do pensamento religioso grego, sob quatro aspectos interligados, a saber:

    1)A noo mtica da linguagem como manifestao divina. As Deusas Musas, filhas de Zeus e de Mnemosne ("Memria"), manifestam-se no canto e na dana e em forma de canto e de dana. Elas constituem o fundamento transcendente dos cantos e, ao mesmo tempo, a garantia divina da verdade que nesses cantos se revela.

    2)A noo mtica da verdade como "revelaes" (aletha). A epifania das Musas a Hesodo coloca em termos mticos o problema lgico e ontolgico da verdade. Entre "muitas mentiras smeis aos fatos", as Musas, quando querem, sabem dizer a verdade, ou melhor: "revelaes" (aletha). Quem poderia distinguir entre tais "mentiras" e "revelaes"? - Para a piedade hesidica, a Verdade um dom dos Deuses, e assim depende da vontade deles se ela se apresenta ou no aos homens -, mas, apresentando-se, ela traz consigo o sinal inequvoco de sua autenticidade: o esplendor divino. Quem poderia jamais deixar de perceb-lo, se assim querem as Deusas?

    3)A noo mtica do tempo como temporalidade da Presena divina. Os gregos hesidicos vivem na proximidade dos Deuses, num tempo cujos dias no se deixam medir por quaisquer nmeros, pois cada dia ento se mostra com as caractersticas e qualidades mesmas do Deus que nesse dia se manifesta e se comemora. 4)A noo mtica do mundo como um conjunto nico, uno e mltiplo de teofanias. O mundo, para os gregos hesidicos, um conjunto nico de inesgotveis aparies divinas (teofanias); no entanto, um mundo lgico, em termos mticos e na lgica prpria do pensamento mtico - um mundo real e perigoso, que se deixa conhecer atravs das genealogias divinas, das linhagens e famlias de Deuses ciosos de suas prerrogativas e vigilantes de que elas sejam observadas.

    A presente traduo, em versos livres, busca reproduzir no s a riqueza potica, mas ainda as noes e o movimento prprios do pensamento grego arcaico.

  • Jaa Torrano professor de Lngua e Literatura Grega na Universidade de

    So Paulo, e autor de outro grande estudo do pensamento mtico grego: O Sentido de Zeus: O Mito do Mundo e o Modo Mtico de Ser no Mundo, que ser em breve reeditado pela Iluminuras.

    BIBLIOTECA PLEN

    Para quem no quer confundir rigor com rigidez, frtil considerar que a filosofia no somente uma exclusividade desse competente e titulado tcnico chamado filsofo. Nem sempre ela se apresentou em pblico revestida de trajes acadmicos, cultivada em viveiros protetores contra o perigo da reflexo: apropria crtica da razo, de Kant, com todo o seu aparato tecnolgico, visava, declaradamente, libertar os objetos da metafsica do "monoplio das Escolas".

    O filosofar, desde a antigidade, tem acontecido na forma de fragmentos, poemas, dilogos, cartas, ensaios, confisses, meditaes, pardias, peripatticos passeios, acompanhados de infindvel comentrio, sempre recomeando, e at os modelos mais clssicos de sistema (Espinosa com sua tica, Hegel com sua lgica, Fichte com sua doutrina-da-cincia) so atingidos nesse prprio estatuto sistemtico pelo paradoxo constitutivo que os faz viver. Essa vitalidade da filosofia, em suas mltiplas formas, denominador comum dos livros desta coleo, que no se pretende disciplinarmente filosfica, mas, justamente, portadora desses gros de antidogmatismo que impedem o pensamento de enclausurar-se: um convite liberdade e alegria da reflexo.

    Rubens Rodrigues Torres Filho

  • Hesodo

    TEOGONIA A ORIGEM DOS DEUSES Estudo e traduo Jaa Torrano 3a edio Biblioteca Plen Dirigida por Rubens Rodrigues Torres Filho Copyright da traduo: Jaa Torrano Ttulo original do poema: Theogona Reviso desta edio: Ana Paula Cardoso Composio: Iluminuras ISBN: 85-85219-22-X 1995 EDITORA ILUMINURAS LTDA. Rua Oscar Freire, 1233 01426-001 - So Paulo - SP Tel.: (011) 852-8284 Fax:(011)282-5317

  • NDICE O Mundo como Funo de Musas I. Discurso sobre uma Cano Numinosa........................................8 II. Ouvir Ver Viver a Cano.........................................................10 III. Musas e Ser...............................................................................16 IV. Musas e Poder...........................................................................31 V. A Qudrupla Origem da Totalidade...........................................31 VI. Trs fases e trs linhagens.........................................................40 VII. Memria e Moira.....................................................................57 VIII. A temporalidade da Presena Absoluta..................................69 IX. A presena do nume-nome........................................................79 Eplogo............................................................................................84 Teogonia, a origem dos Deuses......................................................87 Bibliografia....................................................................................120 Somente h chave que d o sentido do smbolo para quem compreende a simblica mtica. Somente h via que conduza ao sentido sagrado do smbolo para quem vive a simblica inicitica. BERTEAUX, Raoul La Voie symbolique. Paris, Lauzeray International, 1978, p. 61.

  • DEDICATRIA

    Quando Herclito viu perfeito o seu livrinho, depositou-o no templo de rtemis Senhora das Feras, a Deusa de muitos beres. Agora que vejo concludo o meu, a Deusa no tem mais templos, nem as feras tm Senhora, nem as feras so mais ferozes, ainda que sejam piores: contagiosas, poluentes.

    Como Herclito ps em seu livrinho os aforismas de sua Sabedoria Arcaica, tentei pr neste meu as dicas das vises que vi e da Senda que tenho trilhado e pela qual penso alcanar o tlos de meu Destino.

    Outros j passaram por esta Senda; por isso a novidade de tudo o que eu digo de novo est na fora da repetio. A fora do Sbio est em saber dizer o j dito com o mesmo vigor com que foi dito pela primeira vez.

    Evocada ou no, contemplada ou sem templo, a Deusa Me est presente e nos nutre. As feras, ainda que tenham perdido a inocncia e a natural crueldade, so sempre as suas crias.

    To perverso como as ex-feras minhas contemporneas, de cujo convvio no poderei me apartar seno quando me sentir prximo do fim de meus dias, vivo nos ltimos anos desta Idade de Ferro preditos por Hesodo e confio este meu livrinho aos que tiverem prazer em falar e ouvir falar dos Deuses sempre vivos, e aos que com Eles vivem.

  • O MUNDO COMO

    FUNO DE MUSA

  • I DISCURSO SOBRE UMA CANO NUMINOSA O que se lera neste livro um discurso sobre o nefando e sobre o

    inefvel, i.e., um discurso sobre a experincia do Sagrado, um discurso sobre o que no deve e no pode ser dito, quer por ser motivo do mais desgrao horror (o Nefando), quer por ser motivo e objeto da mais sublime vivncia (o Inefvel).

    Portanto, o trabalho aqui apresentado (con)centra-se num problema metodolgico insolvel, j que este trabalho se prope a executar o inexeqvel, ou seja: se prope como um discurso sobre a experincia do Sagrado. Se essa experincia for apreendida e compreendida (talvez fosse mais adequado dizer no com-preendida, mas con-vivid) em seu mais prprio sentido e vigor, ento este discurso que se prope apresent-la deve necessariamente frustrar-se enquanto discurso.

    Um discurso que se prope dizer com rigor a essncia do que em seu vigor indizvel (nefando e/ou inefvel) no pode cumprir-se a rigor. Se ele se fizer como um discurso rigoroso, ele dever para isso falsificar a apresentao de seu objeto e, portanto, ele dever, para ser rigoroso, ser tambm falso.

    Este discurso, portanto, mais do que se resignar a seu prprio fracasso j que tem por escopo realizar a impossibilidade enquanto ela vigora como impossibilidade dever programar o seu prprio fracasso e dever, na avaliao que fizer de sua prpria eficincia e efetividade, estar atento a que s pode computar como xito e consecuo do objeto perseguido os seus momentos de fracasso, momentos nos quais no atingiu o objeto ao qual perseguia.

    Mas o Sagrado (ou melhor: o Numinoso), sobre o qual este trabalho prope-se constituir um discurso, uma qualificao especial a que podem servir de suporte determinados objetos. Se esta qualificao especial constituda pelo Numinoso que indizvel (e, por conseqncia, a especial qualidade da experincia humana desta qualificao constituda pelo Numinoso), no absolutamente indizvel o objeto que suporta a qualificao de numinoso; esse objeto pode ser dito, descrito e definido.Por conseguinte, alm de se propor a consecuo do que no se deve (porque

  • no se pode) conseguir (i.e., dizer o indizvel), este trabalho se prope apresentar, por meio de uma descrio, determinados objetos enquanto suportes desta inexprimvel qualificao que o numinoso.

    Assim, este trabalho se prope descrever a linguagem enquanto objeto de uma experincia numinosa arcaica. Esta experincia da linguagem est profunda e inextricavelmente ligada a uma certa concepo arcaica da linguagem, a uma certa concepo arcaica de tempo, a uma certa concepo arcaica de Ser e de Verdade.

    O objetivo a que se programa este trabalho , alm de seu prprio fracasso (entendido como a mais adequada medida para o seu xito), descrever como foi vivida e apresentada na Teogonia hesidica a complexo das concepes arcaicas de linguagem, de tempo, de Ser e de Verdade.

    A linguagem , neste caso, a linguagem do aedo, i.e., a cano uma cano que ao mesmo tempo veculo de uma concepo do mundo e suporte de uma experincia numinosa.

  • II OUVIR VER VIVER A CANO A poesia de Hesodo arcaica e, a meu ver, s podemos apreci-la em

    sua plenitude e