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    H A R O L D O D E C A M P O S

    Arte

    construtivano BrasilO Construtivismo brasileiro tem suas

    razes na dcada de 1950. De fato, em 1949se situam as primeiras atividades de artistascomo Waldemar Cordeiro (pesquisas comlinhas horizontais e verticais: criao doArt Club de So Paulo, dedicado ao expe-rimentalismo) bem como os experimentosiniciais de Abraham Palatnick com a luz e acor; de Mary Vieira com volumes; de Geraldode Barros com fotoformas. Como precur-

    soras dessa tendncia se poderiam citar, nosanos 20, as estruturas neocubistas de Tarsilado Amaral (1886-1973), animadas por umcolorismo voluntariamente ingnuo, caipi-ra. Tarsila fora discpula, em Paris, de Lhote,Gleizes e Lger e, de volta ao Brasil, lanara apintura pau-brasil, da qual, posteriormente,se desenvolveu a pintura antropofgica.Casada com o poeta e romancista experimen-tal Oswald de Andrade (1890-1954), a mais

    dinmica figura do Modernismo de 22, comele se empenhou nos homnimos movimentosde vanguarda anunciados por memorveismanifestos oswaldianos. Outro pioneiro foiVicente do Rego Monteiro (1899-1970), ativoem Paris e no Brasil, influenciado, em suas

    Depoimento por ocasio

    dos 40 anos da Exposio

    Nacional de Arte Concreta

    Waldemar Cordeiro,

    O Beijo, 1967

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    figuraes geomtricas, tanto pela tendnciaart dcoquanto por um cubismo estilizado etropicalizado (primitivista).

    Em 1950, Max Bill apresenta uma expo-

    sio individual no Museu de Arte Modernade So Paulo (fundado em 1947) e, em 1951,recebe o Prmio Internacional de Esculturacom a Unidade Tripartita, na I Bienal deSo Paulo. Nesse mesmo ano, Mary Vieira eAlmir Mavignier deixam o Brasil: a primeirapara estudar com Max Bill e radicar-se naSua (Basilia); o segundo, para matricu-lar-se na Escola Superior da Forma (Hochs-chule fr Gestaltung), Ulm, e radicar-se na

    Alemanha. Em 1952, forma-se o grupo depintores concretos de So Paulo, liderados porWaldemar Cordeiro (jovem artista talo-bra-sileiro, educado em Roma, ideologicamenteinfluenciado pelo marxismo gramsciano). Ogrupo, inicialmente constitudo por Charroux,

    Geraldo de Barros, Fejer, Leopold Haar, Saci-lotto e Anatol Wladislaw, alm de Cordeiro,lana um polmico manifesto, sob o ttuloRuptura. Aos construtivistas de Ruptura

    logo se aliam os poetas do grupo Noigandres(revista-livro fundada em 1952, em So Paulo,por Augusto e Haroldo de Campos e DcioPignatari). Das atividades e experimentos dogrupo Noigandres emergiria, entre 1953 e1956, o movimento de poesia concreta, cujolanamento pblico iria ocorrer na ExposioNacional de Arte Concreta (So Paulo, de-zembro de 1956; Rio de Janeiro, fevereiro de1957), na qual tomaram parte poetas e artistas

    plsticos de So Paulo e do Rio de Janeiro.Os construtivistas do Rio pertenciam ao grupoFrente, fundado em 1954, sob a liderana deIvan Serpa; quanto poesia, participavam damostra o poeta e crtico de arte Ferreira Gullar(maranhense de nascimento), expressamenteconvidado por Augusto de Campos, e o ma-togrossense Wladimir Dias Pino.

    No plano internacional, o movimento, nasua dimenso potica, foi co-lanado pelopoeta suo-boliviano Eugen Gomringer (se-

    cretrio de Max Bill na Escola Superior daForma), a quem Dcio Pignatari encontraranuma visita a Ulm, em 1955 (Gomringerchamava Konstellationen suas composiesde estrutura ortogonal e linguagem redu-zida, escritas em alemo, francs, ingls eespanhol, mas aceitou a denominao geralpoesia concreta/konkrete dichtung, propostapelo grupo Noigandres, que, por sua vez,costumava designar por ideogramas seus

    poemas, em geral de semntica mais com-plexa, plurilnges e de mltiplas direesde leitura). A cooperao entre os poetasconcretos brasileiros e Gomringer resultounuma kleine anthologie konkreter poesie, dembito plurinacional, editada pelo poeta dasconstelaes no nmero 8 da revista Spirale(Berna, 1968). Em 1959, os artistas concretosdo Rio, sob a liderana de Ferreira Gullar,lanam a dissidncia denominada Neocon-

    cretismo, anunciada por um manifesto publi-cado no Jornal do Brasil,cujo SuplementoDominical se convertera na tribuna dos poetase pintores da vanguarda brasileira. No planoesttico, o dissdio explicava-se pela diferenade formao do grupo carioca, em especial

    Max Bill, Unidade

    Tripartida, 1948/49

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    de seu porta-voz e terico, Ferreira Gullar,cuja concepo artstica procedia da matrizsurrealista francesa, aguada pelo sonorismoglossollico e fraturado de Antonin Artaud,e decantada pelo cubismo e pela abstrao

    geomtrica, uma concepo de forte marcasubjetivista; os paulistas, acusados pelos cario-cas de racionalistas, defendiam, na verdade,um racionalismo sensvel, uma dialticarazo/sensibilidade, que no discrepava damxima de Fernando Pessoa Tudo que emmim sente est pensando e que no encontra-ria maiores objees da parte do Mallarm dageometria do esprito, do Lautramont doelogio s matemticas, do Pound da equao

    poesia igual a matemtica inspirada e,entre ns, do Joo Cabral do lecorbuserianoe valeryano O Engenheiro(1945), mas queirritava o expressivismo subjetivista do grupodo Rio, sobretudo de seu mentor no nvelcrtico-terico. Os pintores de So Paulo es-tavam influenciados pelo neoplasticismo deMondrian, pelo construtivismo derivado doDe Stijl holands, pelos futuristas italianos epela vanguarda russa (Gabo, Pevsner, Ttlin,

    Lissstzki Malivitch tambm, no seu extre-mado despojamento suprematista, apogeude certa leitura do cubismo), bem como pelaexperincia participativa doBauhausde Gro-pius, retomada no ps-guerra pela Escola deUlm, dirigida por Max Bill, onde lecionava o

    filsofo de esttica e semioticista Max Bense.O principal alvo dos neo artistas do Rio,que juntaram (para distinguir-se) um prefixoneoao concretismo, era Waldemar Cordeiro,terico de idias combativas e formao mar-

    xista no-jdanovista; lembre-se, a propsito,o ataque de Theon Spanudis, colecionadorde arte, psicanalista e poeta amador, alista-do ao neoconcretismo desde o primeiromomento, aos poetas de Noigandres, que lhepareciam barroquizantes em confronto como despojado Gomringer, e que estariam soba deletria influncia do marxista Cor-deiro (cf. Gomringer e os Poetas Concretosde So Paulo in Suplemento Dominical do

    Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 15/9/57).Forte componente da discrdia entre ambasas faces construtivistas (a concreta e aneo) estava situada, portanto, no plano dapoltica artstica, com matizes reivindicativosde prestgio regional, quando no eram me-ramente idiossincrticos, de desafinidadeseletivas: caso de Willys de Castro e de Barsotti,que, apesar de uma efmera participao naGaleria NT (1963), incompatibilizaram-se

    com o agressivo Cordeiro e, conseqente-mente, buscaram abrigo junto dissidnciacarioca, onde foram bem aceitos. Hoje essasdivergncias, em boa parte, dados os mritosrespectivos dos artistas plsticos envolvidos,pertencem sobretudo pequena histria e

    Luis Sacilotto,

    Concretion 5732,

    1957

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    no relevam; que divergncia maior havia,por exemplo, salvo o timbre intransfervel dapersonalidade de cada um, entre o construti-vista j op Sacilotto e os escultores Franz

    Weissman ou Amilcar de Castro, ou aindaentre o mesmo Sacilotto e a Lygia Clark dafase anterior a suas inventivas intervenesplstico-teraputicas e comportamentais (dasborrachas contorsionistas s tramas de fios ebaba salivar)? Razo tinha Hlio Oiticica, omais jovem e um dos mais ousados e criativosentre os artistas do Rio, quando, em 1967,deu o exemplo de largueza de compreensoe superao de ressentimentos, ao organizar

    a exposio Nova Objetividade Brasileira,sob o signo da relativizao dos ismos e davocao construtiva como ideal comum,convidando para dela participar o inimigonmero 1 do neoconcretismo carioca, Wal-demar Cordeiro, que ento desenvolvia, emcooperao com o poeta Augusto de Campos, afase pop-creta de seu trabalho (exposio nagaleria Atrium de So Paulo, 1964), bem comoartistas mais novos (Antonio Dias, Gerschman,o grupo ligado a Wesley Duke Lee).

    Quanto ao neoconcretismo em poesia,foi tendncia de curta durao, que deixoumagro saldo. Gullar, convertendo-se a umalinha populista de impostao neojdanovista,partiu j em 1962 para o malogro equivocadodo Violo de Rua, tornando-se porta-voz dasteses dogmticas do CPC (Centro Popularde Cultura). Na ocasio, os poetas concretosde So Paulo, alinhados ideologicamente esquerda, porm anti-stalinistas, anti-rea-

    lismo socialista, reclamavam-se, por sua vez,de Maiakvski (sem forma revolucionria,no h arte revolucionria; a novidade,novidade do material e do procedimento, indispensvel a toda obra potica; ver oPS-1961, acrescentado ao Plano-Pilotopara Poesia Concreta de 1958 in Teoria daPoesia Concreta,Textos Crticos e Manifestos,Edies Inveno, 1965; 3aedio, So Paulo,Brasiliense, 1987). Hoje, passados 40 anos da

    Exposio Nacional de Arte Concreta (quandoeu prprio, j h mais de duas dcadas, nofao poesia concreta no senso estrito doconceito, embora continue perseguindo a con-cretude na linguagem e prossiga nutrindo-medo ostinato rigoreda fase concretista dos anos

    50 e 60), parece-me que ambas as orientaesartsticas daquele perodo fecundo e polmico,com as naturais diferenas de temperamentoe realizao, podem ser vistas como varian-

    tes at complementares de um ProjetoConstrutivo Brasileiro, ttulo, alis, da grandeexposio retrospectiva apresentada, em 1977,no MAM do Rio e na Pinacoteca do Estadode So Paulo, sob a curadoria da crtica ehistoriadora de arte Aracy Amaral.

    O grande mestre, alis, respeitado porambas as tendncias e respaldado pela crticade So Paulo (Mrio Schenberg frente) edo Rio (Mrio Pedrosa), foi Alfredo Volpi

    (1896-1988), cujo centenrio de nascimentose comemora este ano. Nascido em Lucca,na Itlia, e jamais naturalizado formalmente,Volpi teve um longo convvio com os pintorese poetas concretos paulistas (Dcio Pignatario definia como um Mondrian trecentista).Equivocadamente tido por alguns como umpintor primitivo, o lacnico mas jucundoVolpi era na verdade um sbio, um refinadomestre do olhar e do gesto pictrico, soberanono trato das estruturas elementares (por as-sim dizer) da visualidade e da cor (obtida porum sutilssimo domnio da tmpera).

    A arte concreta no Brasil que entretmremotas afinidades com o geometrismo dacermica e dos motivos de pintura corporalindgena, assim como com o pr-cubismo dasesculturas e objetos religiosos africanos; queemergiu coincidentemente no tempo com acriao de Braslia, a nova Capital, por obrado arquiteto Oscar Niemeyer e do urbanista

    Lcio Costa teve grande influncia nodesign(sobretudo por obra de Alexandre Wolner eGeraldo de Barros e, no plano terico, pelasintervenes de Dcio Pignatari); na propa-ganda (Fiaminghi, Pignatari, Mavignier); nareformulao visual da imprensa (Amilcar deCastro, em 1957, programou o novo lay-outdoJornal do Brasil, dirio de alcance nacional,que abrigava as manifestaes da vanguardaconstrutivista); junto msica de vanguarda,

    cujos compositores publicaram seu manifestono nmero 3 da revista Inveno, junho de1963, dirigida pelos concretos de So Paulo,como tambm junto nova musica popular (osofisticado movimento tropicalista de CaetanoVeloso e Gilberto Gil, influenciado por idias

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    de Hlio Oiticica, pela prtica inovadora dapoesia brasileira de Oswald e Joo Cabral poesia concreta e apoiado, pioneiramente,no plano crtico e musicolgico, por Augusto

    de Campos; cf. Augusto de Campos, O Ba-lano da Bossa e Outras Bossas, So Paulo,Perspectiva, 1974; 1aed., 1968). J em 1960,mesmo aps a manifestao pblica da dissi-dncia neo, artistas de ambas as vertentesconstrutivistas concorriam simultaneamente grande exposio konkrete kunst,organiza-da por Max Bill em Zurique, regida por umcritrio abrangente, gesto de amplitude queseria repetido em 1967 por Hlio Oiticica

    (em contato e correspondncia com os poetasconcretos de So Paulo Haroldo de Campose Dcio Pignatari sobretudo a partir daqueladcada e at o seu falecimento em 1980).

    Da tica dessa nova objetividade ounovo objetivismo (veja-se o texto de HlioOiticica Esquema Geral da Nova Objetivida-de), a arte construtivista brasileira constituium magnfico exemplo da antropofagiacultural, preconizada por Oswald de Andrade:devorao crtica do legado universal sob aperspectiva da diferena brasileira. Somosconcretistas, escreveu, com efeito, Oswaldem seu fundamental Manifesto Antropfagode 1928, referindo o exemplo sonorista(zam, diriam os futuristas russos) extradode uma cano indgena brasileira (em lnguatupi-guarani): catiti catiti/imara noti/notiimara/ipeju. E se, de fato, como j ficou dito,o construtivismo brasileiro pode reivindicarrazes pr-cabralinas na arte aborgine da

    cermica pintura corporal e a essa verdadeirajoalheria de cores em acorde luminoso que a arte plumria , por um lado; por outro,encontra manifestas afinidades com o jogo deformas combinatrias, vertiginosas, de nossoBarroco miscigenado, de tradio ibrica mascaldeado no trpico, cuja extroverso pblicase d, por exemplo, na festa comunitriados triunfos eclesistico-dramticos, tobem estudada por Affonso vila (nosso maior

    especialista nesse campo inter-semitico,onde coexistem aspectos ldicos verbais eno-verbais); revela tambm, por mais de umafaceta, traos de congenialidade com relaos manifestaes populares, barroquizantes emseu esplendor multicolorido e em suas evolu-

    es rtmico-alegricas, tais como o carnavaldo Rio (mais pago e urbano) e o da Bahia(onde o elemento afro tinge de sacralidade ovistoso dos trajes e o cerimonioso dos passos

    nos desfiles); no -toa Hlio Oiticica, msicoda plstica e passista da Mangueira, soubesintetizar essas harmonias simpoticas nainveno do parangol (asa-delta para oxtase, como j o defini).

    POST-SCRIPTUM 1996

    Este trabalho, ora reproduzido com algunsretoques e acrscimos, foi publicado apenas

    em verso alem, sob o ttulo Die Konkretenund die Neo-Konkreten, no volumeBrasilien Entdeckung und Selbstentdeckun (Brasil,Descobrimento e Autodescobrimento), catlo-go da exposio levada a efeito no KunsthausZrich, em 22/5-16/8 de 1992 (Bern, BenteliVerlagen, 1992).

    Passados cerca de quatro anos desseevento, e ocorrendo neste ano de 1996, emdezembro, o quadragsimo aniversrio daExposio Nacional de Arte Concreta, pa-

    receu-me necessrio atualizar e completar otexto acima com algumas reflexes, maneirade depoimento pessoal.

    Pioneirismo construtivista

    Uma curiosa e pouco assinalada con-tribuio, precursora da orientao estticaque culminou na arte concreta dos anos50, encontra-se, entre ns, no artigo Cons-

    trutivismo, de Jacob M. Ruchti (1917-74),publicado no nmero 4 (setembro de 1941)da revista Clima (rgo dos jovens crticosuniversitrios que Oswald de Andrade ba-tizou chato boys, numa tirada jocosa quefez fortuna). O artigo vem ilustrado por umtrabalho de Ruchti intitulado Espaos.Nesse texto, o construtivismo , de incio,assimilado pura e simplesmente arte abs-trata, embora no remate de sua exposio o

    autor especifique:A palavra abstrata no tem sentido,desde que uma forma materializada sempre concreta. Qualquer obra de arte em si um ato de abstrao, porque nenhumaforma material, ou acontecimento natural,

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    pode ser re-realizada. Do mesmo modo,qualquer obra de arte, na sua existnciareal sendo uma sensao percebida pornossos sentidos, concreta.

    Como exemplo de arte construtivista,Ruchti menciona os mbiles de AlexanderCalder, aclarando:

    As suas esculturas mveis, algumas depropores gigantescas, so impulsionadasem parte pela fora do vento, em parte pormotores. Uma pequena plstica mvel deCalder esteve exposta aqui em So Paulo

    no 3o

    Salo de Maio de 1939, onde alis omovimento construtivista em arte estevenotavelmente representado.

    No encontrei mais elementos a respeitodesse artista no manuseio da coleo de Clima,uma revista conduzida, sobretudo, por jovenscrticos literrios procedentes da Faculdadede Filosofia, Cincias e Letras, da recentecriao, revista de novos que, no obstante,no plano da escolha esttica, revelava umacentuado pendor tradicionalista; na poesia,por exemplo, destacavam-se nas prefern-cias de Climaum poetastro proletarizante,merecidamente esquecido, Rossini CamargoGuarnieri (o mesmo contra quem Oswaldlanou o slogande combate: A massa aindacomer do biscoito fino que fabrico), bemcomo representantes da coetnea e, do ngulopotico, em larga medida congenial Gerao45; grande apreo manifestavam, alis, os

    jovens climatistas pela lrica retrico-en-xundiosa do, hoje ilegvel, Augusto FredericoSchmidt, negligenciando, no mesmo passo, apoesia-minuto de Oswald (que disso se queixajustificadamente em Antes doMarco Zero in Ponta de Lana, 1944).

    Sobre Ruchti e os Sales de Maio, a fonteobrigatria de consulta o precioso livro-depoimento de Paulo Mendes de Almeida,De Anita ao Museu (So Paulo, Comisso

    de Literatura, Conselho Estadual de Cultura,1961). Trs captulos dessa obra so dedicadosaos Sales, o primeiro dos quais, realizadoem 1937, nasceu da idia do crtico Quirinoda Silva, ajudado na execuo do projeto porGeraldo Ferraz (ex-secretrio-aougueiro da

    oswaldianaRevista de Antropofagia, na faseda chamada Segunda Dentio ) e por PauloRibeiro de Magalhes, Flvio de Carvalho eMadeleine Roux. O segundo Salo inaugurou-

    se em 27 de junho de 1938, no Grill Roomdo Esplanada Hotel, com Flvio de Carvalho,como no primeiro, atuando nos bastidores, depreferncia funo ostensiva de membro dacomisso executiva. Segundo Paulo Mendes,deveu-se a Flvio a participao, na mostra,dos surrealistas e abstracionistas ingleses, dogrupo de Herbert Read (entre os ingleses,estava Ben Nicholson, com uma xilogravura,um linleo e trs cortias, dentro da linha

    de construo que o celebrizou). Quanto aoterceiro Salo, de 1939, Flvio de Carvalhoassumiu por ele inteira responsabilidade, tendoinstitudo uma Comisso de Aceitao deObras, constituda por Lasar Segall, VictorBrecheret, Antonio Gomide, Jacob M. Ruchtie o prprio Flvio. Desse Salo, instalado nagaleria It, que participaram Ruchti (comEspaos) e nomes como Calder, Albers eMagnelli, ao lado de brasileiros como AnitaMalfatti, Di Cavalcanti, Flvio de Carvalho,Rebolo, Lasar Segall, Tarsila, Brecheret eLvio Abramo. Tenho em mos (presentedo saudoso Paulo Mendes) o catlogo desseSalo, com sua inusitada capa de alumnio,ampla documentao fotogrfica (entreas reprodues, o mbile de Calder e aescultura em alumnio de Ruchti, suo denascimento Zurique, 1917 , porm forma-do em arquitetura na Escola de EngenhariaMackenzie, de So Paulo, e aqui radicado).

    Da publicao constam, entre outros, textosde Flvio de Carvalho, Guilherme de Al-meida, Cassiano Ricardo, Tarsila (PinturaPau-Brasil e Antropofagia), Oswald (DaDoutrina Antropofgica 1928, resumodo Manifesto respectivo), Paulo Mendes deAlmeida e outros.

    Uma pesquisadora atual, Maria CecliaFrana Loureno, professora de Histria daArte da FAU-USP, em estudo publicado na

    Revista USP, nmero 27 (set.-out.-nov./95),Pioneiros da Abstrao: um ManifestoHumanista, refere a precurso de Ruchti,assinalando a sua participao no Salo de39. Sua escultura em alumnio Espaos,um objeto construtivista, teria sido, por

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    equvoco, denominada arquitetura, o queparece explicar-se no s pelo ineditismoda obra, como tambm pela formao profis-sional do artista suo-brasileiro. A estudiosa

    opina: Em verdade o Salo de Maio atuacomo difusor dessa tendncia, explicando-aem textos. Entre as obras expostas, enfatiza,constavam cinco com o ttulo Abstracionis-mo, de Ben Nicholson, no Salo de 38; node 39, obras semelhantemente orientadas deCalder, Magnelli, Ceri Richards, Jean Hlicone Josef Albers. Fao votos no sentido de quea pesquisadora nos d, num futuro prximo,um levantamento to completo quanto possvel

    da vida e da obra do pioneiro Ruchti, falecidono incio da dcada de 70.Quanto ao perodo anterior aos Sales,

    dele do notcia cinco captulos do livro dePaulo Mendes (o primeiro significativamenteintitulado Depois da Semana), bem comoo texto retrospectivo de Oswald de Andrade,recolhido na coletnea Ponta de Lana(1944),Aspectos da Pintura atravs deMarco Zero.Nesse texto, que se reporta ao volume II Cho de seu romance em progresso, Oswaldrecapitula o embate entre duas tendnciasda poca: o muralismo social dos mexicanos(Siqueiros passara por So Paulo em 34), porum lado, que rumava para um novo classicis-mo contrrio ao modernismo esttico; poroutro, esse mesmo modernismo esttico,experimental, libertrio, polmico e nega-tivista. O autor deMarco Zero, escrevendoquando os aliados desembarcam na Europa naofensiva vitoriosa contra o Eixo nazi-fascista,

    reconhece a tcnica avanada dos muraismexicanos e, ao mesmo tempo, elogia ocubismo monumental de Lger, a ilustrar ecolorir a geometria da urbe futura. Insurge-se, ainda, contra o tratamento unilateral queErenburg dispensara ao surrealismo ao v-locomo documento faisand, denunciador doapodrecimento burgus; ao invs, Oswaldproclama a importncia do esplndidodocumentrio lrico aportado pelos surrea-

    listas, capazes de realizar plasticamente oscontinentes freudianos. Recusa a pecha deinumanos, que teria sido lanada pelo crticoSrgio Milliet contra os modernistas, e exaltao douanierRousseau, a magia de Picasso, osmbolo de Giorgio de Chirico e a inveno de

    Dali. Numa tentativa de harmonizao dasdiferenas, o Oswald polmico de Ponta deLanaprognostica: Nesse caos ou seja,no caos resultante do terrorismo delibera-

    damente praticado pela revoluo estticamodernista, prenunciadora da revoluosocial, um movimento subversivo que, nasartes, voltava-se contra o passado, estivesseeste sob o signo de Deus ou da gramtica, daordem ou do absolutismo tanto Lger comoos mexicanos, como os pintores da URSS,estavam procurando lanar os fundamentosda arte construtiva do futuro.

    Vanguarda e arte popularrevolucionria

    Nos anos 60, desenha-se um novo con-fronto, semelhante em muitos pontos queledescrito por Oswald de Andrade, relativa-mente ao perodo posterior Semana de 22 econtemporneo da Segunda Guerra Mundial.Recorde-se o que ocorreu na URSS, depois dofrtil perodo de cooperao entre a vanguardarussa e a revoluo sovitica, entre o regime

    comunista e os cubofuturistas (Maiakvski frente), os construtivistas, os raionistas,os suprematistas, bem como os crticosditos formalistas do Crculo Lingsticode Moscou e da Sociedade para o Estudo daLinguagem Potica, de Petersburgo (Opoiaz),a culminar na extrema tentativa de sntesedialtico-metodolgica do produtivismoformalista-sociolgico de Boris Arvtov, ativona revistaFrente Esquerda (LEF), fundada em

    1923 pelos futuristas do grupo maiakovskiano,explicitamente empenhados na construo dosocialismo. Pois bem, cerca de quatro anos

    Jacob M. Ruchti,

    Espaos

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    depois do suicdio do angustiado e combatidopoeta da Revoluo; cerca de dez anos depoisda morte de Lnin, avesso ao futurismo emarte, mas razoavelmente tolerante, por se julgar

    incompetente na matria; cinco anos depoisdo Comissariado pluralista de Lunatchrski(1917-29), que, embora pessoalmente contrao modernismo e os crticos formalistas,tendncias que considerava decadentes,burguesas e mesmo reacionrias, respeita-va Maiakvski, cubofuturista, adepto decla-rado do mtodo formal como chave para oentendimento da arte e, enquanto Comissrioda Cultura, proclamava sua imparcialidade

    em relao s correntes artsticas; A. Jdanov,preposto de Stlin (que, com a morte de Lnin,em janeiro de 1924, foi-se impondo progres-sivamente direo do Partido, at domin-locompletamente em 1929) e seu porta-voz nocampo das artes, no ano de 1934, durante oI Congresso dos Escritores Soviticos, emMoscou, implantou o dogma do realismosocialista (realismo na forma e socialismo nocontedo), com o endosso de Grki, avesso atodo experimento estilstico (um volume comos textos doutrinrios de ambos, sob o ttuloLi-teratura, Filosofa y Marxismo, foi publicadoem traduo espanhola em 1968, no Mxico,pela Editora Grijalbo). Todos sabemos o queessa calamitosa preceptstica do realismosocialista provocou de danoso no campo dasartes, propalada que foi internacionalmentecomo doutrina oficial do PC. No Brasil, narea das artes plsticas, nas dcadas de 50e seguintes, tivemos a sorte de ter um lder

    comunista como o grande fsico terico MrioSchenberg (a quem j qualifiquei de marxistazen), que se posicionou decididamente afavor da pluralidade das tendncias artsticas,batendo-se pelo reconhecimento da grandezade Volpi (em todas as suas fases, inclusive namais radical e j construtivista), bem comoapoiando os concretos e os neoconcretos deSo Paulo e do Rio. Mas no foi assim emtodos os campos. No da literatura, sabido

    que Graciliano Ramos (cujo Vidas Secas, de1938, traz a marca da rarefao estilstica eda conciso, caractersticas hauridas, semdvida, na ltima fase de Machado de Assis,mas compartilhadas com a prosa de inveno,cubista, metonmica na sintaxe e telegrfico-

    metafrica no nvel semntico, do pioneiroOswald), perguntado sobre Jdanov, definiu-ocom uma frase terminativa: uma besta!.No campo da msica, porm, a repercusso

    do dogmatismo censrio de Jdanov causouestragos em nosso meio. O gendarme culturalstalinista, com efeito, em janeiro de 1948,falando em nome do Comit Central do Par-tido, denunciara em congresso o esteticismoformalista e malso da pera Macbethde Shostakvich, que resultava, para o obtu-so criticastro sovitico, em caos musical,substituindo o claro esquema meldico pormsica vulgar, primitiva e crua. Segundo

    depoimento de Gilberto Mendes, o nome maisimportante entre os compositores brasileirosde vanguarda (da gerao que iniciou suasatividades na dcada de 50):

    Logo aps o trmino da Segunda GuerraMundial houve a primeira tentativa deuma nova msica brasileira, partindo deum grupo de compositores dentre os quaisse destacavam Cludio Santoro, GuerraPeixe e Eunice Catunda, reunidos emtorno do prof. Koellreuter. Era a hora exatade a msica brasileira recuperar o tempoperdido e no mais perder a posio navanguarda mundial, a exemplo do que feza Argentina, que, hoje, conta com nomescomo os de Mauricio Kagel, Juan CarlosPaz, Alcides Lanza e outros. Mas deu azar,novamente, e essa tentativa foi dramatica-mente sufocada pela repercusso em nossopas do manifesto de Jdanov, coincidindo

    com o lanamento de uma carta-aberta deCamargo Guarnieri contra o dodecafonis-mo, na mais pura linguagem jdanovista: preciso que se diga a esses jovenscompositores que o dodecafonismo, emMsica, corresponde ao Abstracionismo,em Pintura, ao Hermetismo, em Literatura,ao Existencialismo, em Filosofia, ao char-latanismo, em Cincia... uma expressocaracterstica de uma poltica de degene-

    rescncia cultural, um ramo adventcioda figueira-brava do Cosmopolitismo. Aefervescncia poltico-social do momento,somada a esses dois manifestos, mais aoutra coincidncia entre os pontos de vistade Jdanov e de Mrio de Andrade, em seu

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    Ensaio sobre Msica Brasileira, deramextraordinria fora corrente naciona-lista. At hoje essa nefasta identidade depensamentos ainda a fora oculta que

    procura barrar todas as novas tentativasde pesquisa, experimentao, de avanomusical. Villa-Lobos, vanguarda de outrostempos, incompreendido, tornou-se abandeira nacionalista contra a vanguardade nossos tempos.

    E Gilberto Mendes cita a passagemrelevante do ensaio de Mrio, publicadoem 1928, seis anos mais ou menos antes da

    proclamao do dogma jdanovista: [...] aobra no brasileira como antinacional. Esocialmente o autor dela deixa de nos interes-sar. Digo mais: por valiosa que a obra seja,devemos repudi-la, que nem faz a Rssiacom Stravinsky e Kandinsky. Refira-se quePagu, a nossa Passionria, musa dos anoscomunistas de Oswald, levantou-se, com suaautoridade de militante sofrida no crcere daditadura Vargas, contra a Carta-aberta docompositor nacionalista, no artigo CamargoGuarnieri: um Manifesto Antidodecafnico,(15/10/1950), escrevendo:

    Qualquer imbecil a servio da propagandastalinista conhece bem o emprego dessaterminologia com que Camargo Guarnierise pe a defender a msica brasileira fol-clrica principalmente terminologia quese estadeia em coisas como cosmopolitis-mo, cerebralista, antipopular e anti-

    nacional e tambm arte degenerada, deemprstimo da linguagem hitlerista(ver:O Modernismo, obra coletiva organizadapor Affonso vila, Perspectiva, 1975;Augusto de Campos, Pagu: Vida-Obra,Brasiliense, 1982).

    Nos anos 60, desenvolveu-se novo epis-dio desse embate de idias no plano poltico-cultural, embate que contrape as tendncias

    de vanguarda e formalmente inovadoras sformas mais tradicionais, de arte, literatura edrama (Dicionrio do Pensamento Marxista,organizado por Tom Bottomore, Zahar Edi-tor, 1983, verbete Esttica; l-se ainda notpico grandes temas da esttica marxista

    desse verbete: Os defensores das formas devanguarda argumentam que as formas maistradicionais estimulam uma viso passivae sem crtica, por mais radical que seja o

    contedo da obra [...] O texto modernista,por outro lado, capaz de cantar o que hde contraditrio e de permitir ao que estoculto e silencioso manifestar-se, graass tcnicas de fragmentao e interrupotextuais).

    Em 1961, foi elaborado o programa dearte popular revolucionria, contido noAnteprojeto do Manifesto do CPC (CentroPopular de Cultura), cujo redator era o ento

    idelogo de esquerda Carlos Estevam (hojeprofessor universitrio de Cincia Poltica,recentemente reposto em evidncia comosecretrio da Educao do conservador ecriticado governo Fleury). Nesse programa,redigido em termos sectrios, a experimen-tao potica no nvel da linguagem eraperemptoriamente rejeitada; recusava-seintegr-la no poema dito participante,representado, na prtica, por uma serdia (emalograda) verso brasileira do realismosocialista (embora esse lema no fosse men-cionado), sob a espcie de uma contrafaoburocrtica da literatura de cordel infiltradaagora de didatismo ideolgico de esquerda(ver exemplos nas antologias: Violo de Rua,1962-63, e nos folhetos de Ferreira Gullar,Joo Boa-Morte, Cabra Marcado pra Morrere Quem Matou Aparecida?, Rio de Janeiro,CPC-UNE, 1962). Quanto ao Manifestode Carlos Estevam, est reproduzido emArte

    em Revista (Anos 60 no1, jan.-mar./1979,So Paulo, Kairs). Gullar tambm no falaem realismo socialista, procura mesmotomar distncia dessa profisso-de-f tenden-ciosa, preferindo, eufemisticamente, aludira realismo participante (ver Vanguardae Atualidade, artigo publicado em 7/5/67no Correio da Manh, em que recapitula aemergncia do CPC). Mais recentemente,em depoimento ao jornalista William Waack

    (O Estado de S. Paulo, Caderno 2, 14/11/92),o autor de Joo Boa-Morte reconheceu, aoexpor a orientao que pretendia imprimir testa do Ibac do Ministrio da Cultura: Quemteme que sua gesto repita a experincia dosCentros Populares de Cultura, de que ele

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    participou, tem motivos para se tranqilizar:Eu larguei minha posio de autor consagradopara participar de iniciativas como o CentroPopular de Cultura, algum tempo atrs,

    conta Gullar. Vimos que no era por a. Nsreduzimos a qualidade de nossas atividadese nem conseguimos ampliar o pblico. Eraessa, alis, a orientao oficial do CPC, quepreconizava: Havendo conflito entre o quedele (NB: do artista, de origem social pequeno-burguesa) exigido pela luta objetiva e o quedele brota espontaneamente como expressode sua individualidade comprometida comoutra ideologia, que ento surge o dever

    de se imporem limites atividade criadora,cerceando-a em seu livre desenvolvimento(sic, Manifesto, cit., p. 71).

    Posio fundamentalmente semelhante,embora dissimulada sob a tintura de menoresquematismo e maior sofisticao terica, a de Roberto Schwarz, crtico sociologizante,vocacionalmente incompatibilizado com onovo na poesia e na msica (popular e erudi-ta). Manifestando-se algo tardiamente sobrea matria em 1968, no nmero 3 da revistapaulista Teoria e Prtica, o ensasta e (mau)poeta bissexto Roberto Schwarz, no artigoUm Folheto de Iniciao Poltica Didatismoe Literatura, assinado em seu prprio nomee sob o pseudnimo Bertha Dunkel (BerthaEscura, como o seu criador, Roberto, traz porsobrenome Schwarz,Negro), proclama: nou-tras palavras, neste gnero didtico, a esttica puramente poltica e chega, sem querer, ondea literatura, ou parte dela, h muito quer che-

    gar. A seguir, numa especificao veleitria,imagina um didatismo poltico que sejabem-sucedido e que, portanto, no redundeem forma degradada de cincia ou prosa. o prprio crtico, involuntariamente, quemse encarrega de pr de manifesto o resultadoperverso da esttica puramente poltica quepreconiza: Pela mesma razo, quando a buscada simplicidade no encontra na linguageme no emaranhado ideolgico o veio da luta

    espontnea, a prosa didtica enquanto lite-ratura registra apenas o impulso paternalista,manipulativo, professoral ou o que seja, queleva a classe superior a ocupar-se das infe-riores. Os exemplos de poemas didticosbem-sucedidos do efeito potico alcanado

    em escritos densos e terra a terra como osde Lnin, Mao e Brecht apenas reforam aimpresso de veleidade, de voluntarismo, queo texto robertiano destila, implicando o auto-

    enquadramento de seu signatrio (ou, maisexatamente, da dupla autoral Roberto/Bertha),ainda que revelia, na caricatura do pregadorpaternalista, manipulativo e professoral,que o nosso crtico desconfiado, e sempresupercilioso com relao aos que discordamde suas idias, se encarrega de debuxar. Assim,Maiakvski no mencionado, e em seu lugarreponta Lnin, como autor de prosa de efeitopotico, o mesmo Lnin cujo gosto literrio

    e artstico era sabidamente convencional(censurou Lunatchrski quando este, em suacondio de comissrio da Cultura, publicouo poema de Maiakvski 150.000.000 numatiragem de 5.000 exemplares, entendendo queera estupidez publicar mais de 1.500 cpiasde algo que s poderia interessar a leitoresexcntricos). Mao, como poeta, seguia opadro clssico da poesia mandarnica, noadotando as inovaes implantadas na lite-ratura moderna chinesa desde 1919 (quandoos escritores se empenharam em substituir alngua da antiga corte, clssica, o wen yan, pelafala popular, o bai hua). verdade que Maoatualizava seus poemas, compostos e cali-grafados nesse idioleto potico estilizado daconveno acadmica, inserindo neles temasrevolucionrios; mas tambm verdadeiroque o prprio Mao manifestou-se no sentidode que suas composies poticas no fossemtomadas como paradigma pelos escritores

    comunistas das novas geraes, reservando-secomo que a prerrogativa imperial de praticar,para sua expresso pessoal, a arte potica de LiPo, Tu Fu e Wang Wei... Finalmente, quantoa Brecht, seu ponto de vista em arte est noplo oposto desse didatismo robertiano, emque a esttica puramente poltica; ao invs,para Brecht, como para Maiakvski (semforma revolucionria no h arte revolucio-nria), novos contedos (e precisamente

    estes) demandam novas formas (cf. berLyrik, Suhrkamp, 1964). Ver ainda o dilogode W. Benjamin com Brecht, em Svenborg(25/7/1938), a propsito de Lukcs (uma dasreferncias tericas obrigatrias de Schwarz),Gabor, Kurela, em que o inovador dramatur-

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    go e poeta alemo afirma: So, com efeito,inimigos da produo. A produo nada lhesdiz de valor. No possvel confiar nela. Ela a expresso mesma do imprevisvel. No se

    sabe nunca o que dela vai sair. Eles mesmosno querem produzir. Querem fazer o papelde apparatchik NB: membros do aparelhodiretivo partidrio e estar a cargo do controledos outros (cf. Ernst Bloch et alii, Aestheticsand Politics, Londres, New Left Books, 1977;W. Benjamin,Essais sur Bertolt Brecht, Pa-ris, Maspero, 1969). A menos que o crticoRoberto Schwarz considere bem-sucedidaou no degradada a sua prtica, enquanto

    poeta, da esttica didtica que prega, como,por exemplo, naquele slogantico Passeata:PAU NO IMPERIALISMO/ABAIXO O CUDO PAPA (em Coraes Veteranos, 1974).Para um observador no persuadido por suaretrica manipulativo-professoral, tiradasdidticas como essa outra coisa no so doque pobres esquemas maniquestas, totalmentecarentes de sutileza dialtica, grossos comochalaas grafitadas no recesso dos mictriospblicos (se bem que menos bem-humoradase imaginosas do que estas...). No caso, maisainda, um canhestro poema-piada didticocomo este denuncia um serdio anticlericalis-mo voltairiano, do tipo que, repetido hoje, nosparece de um radicalismo mecanicista, apenasbilioso: crasez linfame!....

    bem verdade que, ao republicar seu textosob o ttulo abreviado Didatismo e Literaturaem O Pai de Famlia (Paz e Terra, 1978), Ro-berto faz autocrtica e se confessa abismado

    com o tamanho de seu bitolamento pocaem que o redigiu, com a utilizao escolsticada terminologia marxista e com o tratamentoabstrato, a-histrico, das questes ento en-focadas. O mesmo formalismo abstratizante,alis, sob color de anlise sociolgico-esttica,levou-o a discutir pronunciamentos irnico-cticos, mais pardicos e provocativos doque literais, de compositores brasileiros devanguarda (entre os quais Gilberto Mendes;

    Roberto, alis, no os diferencia, tratando-osblocalmente, como um todo homogneo, no ar-tigo Nota sobre Vanguarda e Conformismo,de 1968, tambm republicado em seu livro de78, artigo com relao ao qual o crtico aindano fez autocrtica). Nesse artigo, desde logo

    manifesta o seu total desconhecimento dacomplexa prxis compositria dos msicosque censura, bem como dos impasses com que, poca (1967), estes se defrontavam (em 1963,

    esses mesmos compositores haviam subscritoo manifesto Nova Msica Brasileira revistaInveno, no3 em que expem as suas idiase a plataforma a que chegaram, numa densasntese terica, que Schwarz sequer se digna deexaminar). Ao reprovar-lhes o suposto con-formismo, o defensor da literatura didtica,da esttica puramente poltica, no se dandoao trabalho de tomar conhecimento prvio daproduo desses mesmos compositores, pe

    de manifesto uma arrogncia no compatvelcom a estima em que tem o filsofo e musi-clogo Adorno, o qual, estudioso srio que ,jamais discutiria questes musicais tericassem o trato minucioso com a prtica que lhescorrespondesse no nvel compositrio. Mas,mesmo na autocrtica que faz com respeito sua pregao didatizante de 68, Schwarz nodeixa de lado a habitual filucia veleitria, aoafirmar convertendo a dialtica em camisatamanho nico apta a revestir (e neutralizar)qualquer erro, por mais berrante e danoso, emseu momento, que tenha sido: Em matriade perspectiva dialtica um descaminho pu-blicado melhor que nada.