hamlet

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” CAMPUS ARARAQUARA LETRAS KARYN MEYER RA 121121143 DISCIPLINA: TEORIAS DO TEATRO ATIVIDADE AVALIATIVA Introdução O presente trabalho visa comparar o herói trágico em Hamlet de Shakespeare e na tragédia grega clássica, à partir de suas características descritas e analisadas em “A poética” de Aristóteles. Para tanto, será apresentada inicialmente as características essenciais da tragédia grega clássica, de acordo com Aristóteles, de forma a fornecer um pano de fundo a esta análise. A tragédia é, segundo o autor, uma imitação de uma ação, com determinada duração, completa e de caráter elevado, executada por meio de atores e não apenas da narrativa, sendo capaz de suscitar piedade e terror, com a purificação destas emoções. (2003, pág.110) É fundamental perceber que, para ele, é a ação representada o centro da tragédia, e não as personagens representadas, em seu caráter e pensamentos. Na tragédia clássica, o caráter da personagem é dado e, neste gênero, o herói a ser representado é o homem superior, tendo em vista que dos homens inferiores se ocuparia a comédia. A composição da tragédia é dividida em seis partes, sendo elas mito, caráter, elocução, pensamento, espetáculo e melopeia. Dentre estas, Aristóteles afirma ser a mais importante o mito, que consiste na composição dos atos, uma vez que “(...) a tragédia não é a imitação de homens, mas de ações e de vida, de felicidade (e infelicidade; mas, felicidade) ou infelicidade reside na ação, não uma qualidade.” (2003, pág. 111) O caráter não determina a sorte do herói, visto que isto somente pode ser determinado pelas ações. Por isso, as personagens tem por finalidade não imitar o caráter mas sim para realizar ações. Afirma ainda o autor que “Sem ação não poderia haver tragédia, mas poderia havê-la sem caracteres.” (2003, p. 111)

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA FILHO

    CAMPUS ARARAQUARA

    LETRAS

    KARYN MEYER

    RA 121121143

    DISCIPLINA: TEORIAS DO TEATRO

    ATIVIDADE AVALIATIVA

    Introduo

    O presente trabalho visa comparar o heri trgico em Hamlet de Shakespeare e

    na tragdia grega clssica, partir de suas caractersticas descritas e analisadas em A

    potica de Aristteles.

    Para tanto, ser apresentada inicialmente as caractersticas essenciais da tragdia grega

    clssica, de acordo com Aristteles, de forma a fornecer um pano de fundo a esta

    anlise.

    A tragdia , segundo o autor, uma imitao de uma ao, com determinada

    durao, completa e de carter elevado, executada por meio de atores e no apenas da

    narrativa, sendo capaz de suscitar piedade e terror, com a purificao destas emoes.

    (2003, pg.110) fundamental perceber que, para ele, a ao representada o centro da

    tragdia, e no as personagens representadas, em seu carter e pensamentos. Na tragdia

    clssica, o carter da personagem dado e, neste gnero, o heri a ser representado o

    homem superior, tendo em vista que dos homens inferiores se ocuparia a comdia.

    A composio da tragdia dividida em seis partes, sendo elas mito, carter,

    elocuo, pensamento, espetculo e melopeia. Dentre estas, Aristteles afirma ser a

    mais importante o mito, que consiste na composio dos atos, uma vez que (...) a

    tragdia no a imitao de homens, mas de aes e de vida, de felicidade (e

    infelicidade; mas, felicidade) ou infelicidade reside na ao, no uma qualidade. (2003,

    pg. 111)

    O carter no determina a sorte do heri, visto que isto somente pode ser

    determinado pelas aes. Por isso, as personagens tem por finalidade no imitar o

    carter mas sim para realizar aes. Afirma ainda o autor que Sem ao no poderia

    haver tragdia, mas poderia hav-la sem caracteres. (2003, p. 111)

  • O mito pode ser classificado em mito simples (em que a mudana de sorte se d

    sem reconhecimento ou peripcia) e mito complexo (em que h a presena de um ou

    ambos os elementos).

    A peripcia consiste na mutao dos sucessos no contrrio(...) (2003, p.118) e

    o reconhecimento (...) a passagem do ignorar ao conhecer, que se faz para a amizade

    ou inimizade das personagens que esto destinadas para a dita ou para a desdita. (2003,

    p.118)

    H ainda o elemento qualitativo catstrofe, que consiste em (...) uma ao

    perniciosa e dolorosa, como o so as mortes em cena, as dores veementes, os ferimentos

    e mais casos semelhantes. (2003, p. 119)

    O heri trgico das tragdias clssicas e de Hamlet

    A Antiguidade via os acontecimentos

    dramticos da vida humana

    preponderantemente na forma das

    mudanas de fortuna que irrompiam de fora

    e de cima por sobre o homem; ao passo que

    na tragdia elisabetana, a primeira forma

    peculiarmente moderna da tragdia, muito

    maior o papel desempenhado pelo carter

    singular do heri como fonte do seu

    destino. (AUERBACH, 1976, pg. 283)

    De acordo com Aristteles

    Como a composio das tragdias mais belas no simples, mas

    complexa, e alm disso deve imitar casos que suscitam o terror e a

    piedade (porque tal o prprio fim desta imitao), evidentemente se

    segue que no devem ser representados nem homens muito bons que

    passem da boa para a m fortuna caso que no suscita terror nem

    piedade, mas repugnncia - , nem homens muito maus que passem da m

    para a boa fortuna, pois no h coisa menos trgica, faltando-lhe todos os

    requisitos para tal efeito; no conforme aos sentimentos humanos, nem

    desperta terror ou piedade. O mito tambm no deve representar um

    malvado que que se precipite da felicidade para a infelicidade. Se certo

  • que semelhante situao satisfaz os sentimentos de humanidade, tambm

    certo que no provoca terror nem piedade; porque a piedade tem lugar a

    respeito do que infeliz sem o merecer, e o terror, a respeito do nosso

    semelhante desditoso, pelo que, neste caso, o que acontece no parecer

    terrvel nem digno de compaixo.

    Resta, portanto, a situao intermediria. a do homem que no se

    distingue muito pela virtude e pela justia; se cai no infortnio, tal

    acontece, no porque seja vil e malvado, mas por fora de algum erro; e

    esse homem h-de ser algum daqueles que gozam de grande reputao e

    fortuna, como dipo e Tiestes ou outros insignes representantes de

    famlias ilustres. ( 2003, P. 120)

    Neste quesito, podemos afirmar que o heri trgico em Hamlet, assemelha-se ao

    heri trgico, pois o mesmo princpe, e portanto de origem nobre, e goza de grande

    reputao, o que fica evidente nas preocupaes do rei acerca da afinidade do povo para

    com Hamlet.

    REI: (...) grande o amor que a gente comum tem pelo prncipe.

    O povo, mergulhando em afeio todas as faltas dele,

    Como a fonte que transforma o lenho em pedra,

    Converteria suas cadeias em relquias; e minhas flechas

    De hastes muito leves pra vento to forte,

    No atingiriam o alvo onde eu mirasse

    E voltariam todas sobre mim. (SHAKESPEARE, s/d, p.90)

    Entretanto, h que se ressaltar que, embora seu heri seja nobre, h uma mistura

    entre o trgico e o cmico na composio da personagem. No h uma separao rgida

    entre tragdia e comdia, de sorte que na tragdia h elementos cmicos que se alternam

    ou at mesmo se imbricam em cenas trgicas.

    De acordo com Auerbach (1976, p.280-281)

    O trgico e o cmico, o sublime e o baixo esto entrelaados

    estreitamente na maioria das peas que, pelo seu carter de conjunto, so

    trgicas, sendo que para tanto trabalham em conjunto diversos mtodos.

    Enredos trgicos, nos quais ocorrem aes capitais ou pblicas ou outros

    acontecimentos trgicos, alternam com cenas cmicas populares ou

    gaiatas que esto ligadas, por vezes estreitamente, por vezes mais

    frouxamente; ou, nas prprias cenas trgicas aparecem, ao lado dos

  • heris, bufes ou outros tipos cmicos, que acompanham, interrompem e

    comentam sua maneira as aes, os sofrimentos e as falas das

    personagens principais; ou, finalmente, muitas personagens trgicas tm

    em si prprias a tendncia para a quebra de estilo cmica, realista ou

    amargamente grotesca.

    Em Hamlet, por exemplo, h a alternncia, em certos momentos, entre gracejos

    indecentes e o lrico, conforme apontado por Auerbach e perceptvel em cenas como a

    que Hamlet e Oflia assistem a pea dos atores encomendada por Hamlet

    HAMLET: Senhora, posso me enfiar no seu colo? (Deita-se aos ps de

    Oflia)

    OFLIA: No, meu senhor.

    HAMLET: Quero dizer, pr minha cabea no seu colo?

    OFLIA: Sim, meu senhor.

    HAMLET: Achou que eu estava dizendo coisa que no se reputa?

    OFLIA: No penso nada, meu senhor.

    HAMLET: Boa coisa pra se meter entre as pernas de uma virgem.

    (SHAKESPEARE, s/d, pg. 57)

    Se na tragdia clssica o carter da personagem dado de antemo e no o

    foco da imitao, em Hamlet podemos perceber algumas cenas que concorrem no

    diretamente para a ao ou para o mito, mas sim delineiam de forma mais clara o carter

    da personagem principal, do heri trgico. A presena de enredos secundrios auxilia na

    formao deste quadro, o que diferencia o heri trgico clssico do heri trgico em

    Hamlet. Afirma Auerbach que

    (...) o carter do heri muito mais exata e multiplamente formulado na

    tragdia elisabetana, sobretudo em Shakespeare, do que nas tragdias

    antigas, e tem uma parte mais ativa na formao do destino. A diferena

    pode, porm, ser entendida de outra forma, dizendo que a concepo do

    destino na tragdia elisabetana , ao mesmo tempo, concebida com maior

    amplido e mais estreitamente ligada ao carter da personagem do que na

    tragdia antiga. Nesta ltima, o destino no significa nada alm do

    contexto trgico do enredo atual, a trama presente, dentro da qual a

    personagem se encontra em cada caso. (...) Graas a multiplicidade dos

    temas e notvel liberdade de movimentos do teatro elisabetano, so

    mostrados nitidamente, em cada caso, a atmosfera toda especial, as

  • condies de vida, a pr-histria das personagens; o curso dos

    acontecimentos no palco no mais se limita rigorosamente ao desenrolar

    do conflito trgico, mas h conversaes, cenas e personagens que a ao

    propriamente dita no requer necessariamente; averiguamos, assim,

    muita coisa a mais acerca das personagens principais; forma-se um

    conceito de sua vida normal e do seu carter peculiar, independentemente

    da trama na qual se encontram presos no momento. (AUERBACH, 1976,

    pg. 284)

    Em Hamlet, embora exista o projeto de vingana, incitado pela apario do

    fantasma do Rei Hamlet a seu filho Hamlet, este hesita por diversos momentos na

    realizao do ato, seja inicialmente em virtude de sua dvida acerca da veracidade das

    revelaes feitas pelo fantasma do pai (que ele resolve com a pea de teatro e a reao

    do rei), seja no momento em que, ao encontrar o rei ajoelhado, rezando, decide-se por

    no cumprir seu destino naquele momento por julgar que a vingana no se cumpriria

    pelas condies de morte impostas a seu pai e a que seria imposta ao atual rei.

    O destino de Hamlet (a vingana do assassinato de seu pai) se cumpre apenas

    devido a outras circunstncias, que envolvem a vingana de Laertes contra ele pela

    morte de Polnio, e em decorrncia da articulao entre Laertes e o rei para a morte de

    Hamlet. justamente a falha do planejado nesta articulao (a me de Hamlet bebe o

    veneno e as armas se trocam de forma que Hamlet usa uma envenenada contra Laertes e

    por fim contra o rei) que possibilita a realizao de sua vingana e tambm de seu fim

    trgico. Desta forma, embora o destino de Hamlet se cumpra, a as aes se encaminhem

    para tal, seu carter, sua disposio real para o cumprimento de seu destino aparece

    apenas ao fim da pea, modificado por fora das circunstncias, diferindo do heri

    trgico clssico em que seu destino , de certa forma, estabelecido de antemo, no

    cabendo espao ao carter do heri na consecuo de seu destino.

    Referncias Bibliogrficas

    ARISTTELES. Potica. Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 2003.

    AUERBACH, Erich. O prncipe cansado. In: Mimesis: a representao da realidade na

    literatura ocidental. So Paulo: Perspectiva, 1976. p. 277-297

    SHAKESPEARE, W. Hamlet. Traduo de Millr Fernandes. s/d. Disponvel em

    http://www2.uol.com.br/millor/