hÄberle, peter (2006) - novos horizontes e novos desafios do constitucionalismo

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    DOUTRINAESTRANGEIRA

    Novos Horizontes e Novos Desafiosdo Constitucionalismo*

    Peter HberleUniversidade de Bayreuth

    SUMRIO: Introduo; Primeira parte: Constitucionalismo;I Observao prvia; II Formas caractersticas/elementos doconstitucionalismo; III As condies culturais do nascimentoe desenvolvimento do constitucionalismo; Segunda parte: No-vos horizontes do constitucionalismo; I Observao prvia;II Exemplos de novos horizontes de constitucionalismo;Excurso I: O perfil prprio do constitucionalismo portugus(1976/1982/1989/1997); Excurso II: Palavras-chave para os ele-mentos constitucionais no direito internacional; Terceira parte:Novos desafios do constitucionalismo; I Observao prvia; II Novos desafios do constitucionalismo; Excurso III: O servioda comunidade do direito internacional, especialmente da ONU,ao Estado constitucional; III Caminhos de reforma e processos de

    reforma do constitucionalismo; Excurso IV: Os publicistas maisqualificados das vrias naes e seus ensinamentos ao serviodo Estado constitucional como projecto universal A correspon-dncia ao artigo 38, n 2, alnea d, do Estatuto do TIJ (1945) Asua constitucionalizao; Perspectiva geral e concluso.

    INTRODUO

    Os grandes jubileus de Constituies relativamente jovens, como ode hoje, do 30 aniversrio da Constituio portuguesa, deviam ser come-morados por todos os cidados. Todos eles so participantes da sociedade

    aberta dos intrpretes da Constituio. De modo especial, tem a comunidadecientfica nacional portuguesa todas as razes para comemorar em uniocom representantes de outras naes da Europa. Agradeo, pois, a grandehonra de poder usar, hoje e aqui, da palavra. O vosso Dia da Constituio, no fundo, tambm nosso: o Portugal europeu pode celebrar com orgulhoo seu Dia da Constituio.

    A Constituio portuguesa de 1976 foi logo modelar enquanto texto,avanando para novos nveis textuais como, por exemplo, em matria dedemocracia cultural (art. 2), no catlogo das tarefas estaduais (art. 9),

    * Conferncia Internacional sobre a Constituio Portuguesa.

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    DOI: 10.11117/22361766.13.01.05

    Direito Pblico, Vol. 1, No 13 (2006)

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    em matria de estrangeiros e aptridas (art. 15, n 1), na maior ateno dedi-cada comunicao social (art. 39, n 2), no pluralismo da ordem poltica

    (art. 288, alnea i); e nos ltimos 30 anos transp-los plenamente (ela e assuas ulteriores revises), ao longo do tempo, para a realidade constitucional.Para alm disso, forneceu contributos criativos para o tipo de Estado consti-

    tucional num mbito universal no s no espao europeu (nomeadamenteEspanha), e desde o annus mirabilisde 1989 leste-europeu, mas tambm noalm-mar, passando por frica at ao Brasil, relativamente ao qual, desde o seudescobrimento (1500), Portugal desempenha um papel intermedirio nico.

    Os textos, as teorias e a praxisconstituem a triasdos caminhos dacriao da recepo do Estado constitucional, o qual vai se desenvolvendo

    em crculos de crescimento. cincia cabe a, no apenas desbravando ocaminho para a comparao constitucional enquanto comparao cultural,um papel criativo e de intermedirio (ainda que limitado).

    A comunidade cientfica nacional do vosso pas tem grandes nomes da gerao mais velha, nomeadamente G. Canotilho, J. de Sousa Brito, M.de Lucena, F. L. Pires, Vieira de Andrade, Vital Moreira, M. Rebelo de Sousa,J. Miranda e F. de Quadros, para nomear apenas alguns e grandes juzes,como Cardoso da Costa; e a variedade da literatura, desde os tratados, pas-sando pelos artigos de revista, at s anotaes de jurisprudncia, impres-siona (e tambm o panorama universitrio, no s em Coimbra, 1290, e emLisboa). Tambm as revistas especializadas, como O Direitoe JurisprudnciaConstitucional devem ser mencionadas. O vosso Tribunal Constitucional,com as suas competncias, evidencia-se no quadro europeu comparado,

    tanto quanto as suas grandes decises na famlia das dos outros tribunaisconstitucionais europeus, como, por exemplo, de Roma, de Karlsruhe ouMadrid ou de Varsvia ou Zagreb.

    A europeizao de todos os direitos constitucionais e de todos ostribunais constitucionais nacionais (1991), assim como a dos tribunais cons-titucionais especificamente europeus, como o Tribunal Europeu dos Direitos

    do Homem ou o Tribunal de Justia da Unio Europia, de to intensa quetodos ns na Europa podemos hoje festejar reconhecidamente o vosso jubileu!A mim, como alemo, ajudam-me a entend-lo os dirios portugueses, deC. Meyer-Clason (1997): a quase incruenta Revoluo dos Cravos, em espe-cial, a magistralmente descrita. Quanto ao tempo da ditadura, ao redor de1938, esboa-o A. Trabucchi, de forma viva, no livro Afirma Pereira(1994).Das Leiden von Cames(Os Padecimentos de Cames), de R. Schneider, li-oem Freiburg, no meu tempo de estudante.

    O que se segue desenvolve-se em trs passos: primeira parte, sobre

    o constitucionalismo, segue-se a segunda, sobre os novos horizontesdo constitucionalismo, e a terceira, sobre os seus novos desafios com aincorporao de alguns excursos de aprofundamento.

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    So de enumerar como elementos concretos do constitucionalismo,sem a pretenso de ser completo, pois o tipo Estado constitucional conhece

    numerosas variantes nacionais:(1)A dignidade do homem, enquanto premissa antropolgico-cultural

    do Estado constitucional, concebida por I. Kant e concretizada na prticapelo Tribunal Constitucional alemo-federal;

    (2) A democracia pluralista, enquanto sua conseqncia organiza-tria: com as variantes da puramente representativa, da Lei Fundamentalalem, e da semidirecta, da Sua, onde se incluem tambm direitos funda-mentais especificamente democrticos, como a nova liberdade de manifes-

    tao, desde os fins dos anos 68 (p. ex., em 1977, no canto suo do Jura);

    (3) Os direitos fundamentais, enquanto conjunto multifacetado, emcontnuo processo de diferenciao, com uma multiplicidade de status desde a doutrina dosstatusde G. Jellinek (status negativus) at aostatusactivus processualisproposto em 1971 e tambm com uma pluralidade dedimenses: a do direito individual subjectivo, a objectivo-institucional, acorporativa e a orientada pelas tarefas estaduais;

    (4) A diviso dos poderes (balance), no estrito sentido estadual,com a possibilidade de receber inovaes, como a dos tribunais de contase dos ombudsman, e no sentido social (p. ex., entre patro e trabalhador ou

    com referncia ao pluralismo dosmedia) Mostesquieupermanece aqui notexto clssico;

    (5) A independncia dos tribunais e, graas a eles, uma protecojurdica efectiva, no sentido definido pelo Tribunal Constitucional Federal(p. ex., nas decises 49, 220 ou 110, 85), e nomeadamente a justia consti-tucional,concebida por G. Jellineke H. Kelsen, e instituda na prtica nosEstados Unidos, em 1803;

    (6) Arule of law Estado-de-direito este, todavia, no se afasta(tambm na Europa de leste) do bem sucedido conceito alemo de Estado-

    de-direito, isto da referncia ao Estado, enquanto arule of lawrege para oconjunto de todas as relaes jurdicas, na horizontal e na vertical;

    (7) O direito organizatrio das ordenaes constitucionais, com a orde-nao das competncias, a legislao, o processo administrativo aberto aoscidados (freedom of information) a chamada transparncia da Administra-o (agora com expresso entre ns, na Alemanha, na lei sobre a liberdadede informao) e a jurisdio.

    Importa ainda enumerar outros elementos nomeadamente ofedera-lismo, enquanto diviso vertical do poder, e oregionalismo, seu irmo menor

    (as comunidades territoriais autnomas, em Espanha), e tambm a adminis-trao local autnoma, enquanto democracia de baixo para cima (Consti-

    tuio da Baviera, de 1946), e a ideia fundamental, comum a todos eles, da

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    subsidiariedade (artigo 7, n 6, da Constituio portuguesa). Vrias aquisi-es e inovaes havero, entretanto, de ser mencionadas ulteriormente.

    III AS CONDIES CULTURAIS DO NASCIMENTO E DODESENVOLVIMENTO DO CONSTITUCIONALISMO

    Tm de ser explanadas com o auxlio de um adequado quadro terico.Esbo-lo-emos apenas aqui, pois que j desenvolvido sob as palavras-chavede Teoria da Constituio como cincia cultural (1982/1998) e Constituiocomo processo pblico (1969).

    O constitucionalismo uma criao cultural por excelncia. Resultoude textos dos clssicos sobretudo de Aristteles,passando por J. Locke,MontesquieuIe Rousseau at H. Jonas e J. Rawls mas tambm de grandes

    textos, nomeadamente osFederalist Papers, da criao dos Estados Unidos(1787), [os textos] de 1789 ou a Constituio da Sua (1848), e igualmentede simples projectos de Constituio (na Alemanha, o da Paulskirche, de1849); e o seu processo de amadurecimento vem at grandes Constituiessurgidas a partir de 1989, como designadamente, as da frica do Sul ou daPolnia, a nova Constituio federal da Sua, de 1999, ou os textos da UnioEuropeia. O constitucionalismo , do meu ponto de vista, uma criao daHumanidade como um todo (ainda que o vosso poeta F. Pessoa tenha olhadocriticamente a Humanidade como um substituto da religio). Muitos pasese naes contriburam para o seu crescimento (p. ex., a Gr-Bretanha, com oparlamentarismo, a Escandinvia, com o Ombudsman), alguns, porventura,mesmo de uma forma negativa, nomeadamente, Estados totalitrios, comoo da USSR, ou autoritrios, como o de Salazar, que se iniciou em Portugalem 1932.

    Enquanto realizao cultural, o constitucionalismo, como toda aobra humana, est sempre ameaado, no estando excludos retrocessos erecadas (um optimismo ingnuo do progresso to pouco adequado como oapreciado pensamento da decadncia). Pense-se nos Balcs ou em Guan-

    tnamo, como, manifestamente, um espao livre de direito e de justia.So tambm de referir aqui a realidade e os textos da Sociedade das

    Naes e da ONU, assim como de comunidades constitucionais regionais,como a Unio Europeia e a Organizao da Unidade Africana (cf. agora o seuConstitutive Actde 2000).

    Esta abordagem inicial, de natureza cientfico-cultural, parte da ideiade que a Constituio , ela prpria, cultura, no se limitando a reger nor-mativamente alguns domnios do tradicional direito constitucional da cul-

    tura, como os objectivos da educao ou os direitos fundamentais culturais

    ou como a liberdade religiosa ou a liberdade cientfica e artstica entre osquais Goethe estabelece uma ligao profunda, na frase Quem tem cinciae arte, tem religio; quem no tem nenhuma das duas, tenha religio.

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    Logo o confronto dos textos revela muitos elementos culturais deidentificao do Estado constitucional. Encontramos clusulas expressas

    de identificao cultural (p. ex., o artigo 6, n 1, da Constituio polaca),encontramos os artigos-smbolo, em matrias como a lngua, a bandeira, ohino, a capital, at os dias feriados (p. ex., o artigo 14 da Constituio daAlbnia de 1988), encontramos a proteco de minorias culturais, especial-mente no Leste da Europa (p. ex., o artigo 17 da Constituio da Macednia,de 1991), encontramos clusulas sobre a herana cultural (p. ex., o artigo17 da Constituio da Guin-Bissau, de 1993). Esta compreenso cientfico-cultural da Constituiovive de multiplicidade e de unidade, de diferenae de identidade, o que especialmente propcio nos Estados federais, efuturamente na Europa.

    O conceito de uma cultura pluralista e aberta, entendida tanto comoa alta cultura, do verdadeiro, do bom e do belo, como a cultura populare quotidiana, como a cultura alternativa e a sub-cultura, postula a ideiade que a Constituio um processo pblico. Desse modo restaura-se aantiga conexo de sentido entre res publica, salus publica, plublicidadee liberdade pblica. O voto individual na jurisdio constitucional umveculo desta perspectiva, pois, no decurso do processo pblico, pode trans-formar-se mais tarde num voto maioritrio [assim aconteceu com o voto dasenhora Rupp-von-Brunneck, na sentena 32, 129 (142), em BVerfE 40, 65(83 s.); 69, 272 (303)].

    Com isto no se rejeitam compreenses mais ou menos clssicas daConstituio. Elas continuam relevantes, como verdades parciais: assim,nomeadamente, a Constituio como estmulo e limite (R. Smend), comonorma e tarefa (U. Scheuner), como limitao do poder e organizao dumprocesso vital em liberdade (H. Ehmke). A fora normativa da Constitui-o de K. Hesse tem o valor de directiva: uma expresso teortica do quequase todas as Constituies formulam textualmente como precednciada Constituio. Rejeitado, sim, o decisionismo de um C. Schmitt (onormativo nascido do nada) j desmentido pelo processo pluralista doqual saram com sucesso, nas batalhas de 1976 e 1978, as Constituiesdos dois pases ibricos, Portugal e Espanha. Ou dito de maneira mais crua:com o decisionismo nem se pode explicar a Sua, nem construir a Europa!Pensar em termos de amigo/inimigo fractura a Constituio do pluralismoe tambm qualquer comunidade de cientistas.

    SEGUNDA PARTE: NOVOS HORIZONTES DOCONSTITUCIONALISMO

    I OBSERVAO PRVIA

    Concretizarei o tema que me foi dado com uma reflexo pessoal. Apalavra horizonte entendo-a positivamente: tratar-se- de processos bem

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    sucedidos de crescimento do Estado constitucional ou comprovadas realiza-es do constitucionalismo. A palavra desafio aponta ao contrrio, a meu

    ver, para uma ambivalncia: o Estado constitucional tem ainda, em determi-nados campos, de afirmar-se no futuro est perante um desafio. Se vai sercapaz de levar a cabo as suas tarefas, incerto. A possibilidade de falhar noest excluda (porventura em domnios como o da proteco do ambiente, daintegrao de imigrantes, da eliminao de todas as formas de discrimina-o), como sucedeu na Alemanha, no domnio da reforma ortogrfica uma

    tragdia. O mesmo se aplica ao processo de Bolonha, que, sob o signo deum pensamento economicista de eficincia, ameaa a pluralidade da cincia

    jurdica europeia (a europeizaco a partir de cima no pode ter sucesso);um ltimo exemplo: com razo protestam em Frana os historiadores contra

    leis sobre o significado de acontecimentos histricos (p. ex., em matria decolonialismo): o parlamentarismo do Estado tem outras misses.

    A apreenso metdica dos horizontes, bem como dos desafios, spode lograr-se, a meu ver, atravs do mtodo do direito comparado: a com-parao constitucional como comparao cultural (considerando tambm oin-comparvel)! O paradigma dos nveis de texto, proposto em 1989, significaque em novos textos constitucionais, do Estado constitucional vizinho oudo prprio, vem a coagular ou entrar o que a ou noutros lados vivido naprtica, realidade constitucional. A partir do conjunto que a trade dos

    textos, dos julgados (enquantopraxis) e das teorias, e tambm dos referidostextos clssicos, desenvolvem-se os nveis, que se evidenciam comparati-vamente, mas tambm pem a descoberto diferenas. S esta trade faz oEstado constitucional. Na mo do juiz, o direito comparado torna-se o quintomtodo de interpretao (por mim concebido em 1989 e agora expressamentepraticado pelo Tribunal Constitucional do Liechtenstein). A conjugao dosquatro mtodos clssicos de interpretao canonizados desde Savigny (1840),com o quinto fica (consoante o caso) em aberto (palavra-chave: pluralis-mo dos mtodos de interpretao). Muitas vezes os juzes constitucionaispartem, antes ou depois, para um controlo segundo a justia intensamente

    inspirado na experincia, que guia a escolha dos mtodos no caso concreto.Mas os cinco mtodos permanecem como imprescindveis instrumentos detrabalho, ao mesmo modo que tambm no so estranhos a outros domniosculturais, por exemplo, no exerccio profissional da crtica artstica.

    A este propsito, deve lembra-se que o alto grau de legitimao dasConstituies deriva certamente de um ponto de vista histrico-cultural,das trsreligies do livro a Tora, a Bblia e o Coro. A f no livro, no textoescrito, encontra uma correspondncia na f na Constituio, p. ex., nosEstados Unidos, ou no patriotismo constitucional (Sternberger).

    Em conformidade com o que fica dito, tambm o postulado da inter-pretao referida ao contexto ganha relevncia. Contexto significa inter-pretar acrescentando o pensado (2001). Somos interpelados pelo dito de R.

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    Smend: quando duas leis fundamentais dizem o mesmo, no se trata damesma coisa.

    Observamos e promovemos hoje processos de criao e de recepo, dedimenso universal, em matria de constitucionalismo (exemplo: o artigo39 da Constituio portuguesa e as sentenas sobre a televiso do TribunalConstitucional alemo-federal, desde E 12, 205 at E 91, 125). Quando se tratade elaborar uma nova Constituio na Sua, em 1999, de umaNachfhrung, da modificao da Constituio ou da interpretao constitucional, fazem-se a comparaes, escreve-se, parafraseia-se, desenvolve-se o j escrito, escala universal. Tambm a Internet ajuda ao nascimento de um espaopblico universal. Lembremo-nos todavia da palavra de Hegel, segundo aqual a opinio pblica ao mesmo tempo verdadeiro e falso.

    II EXEMPLOS DE NOVOS HORIZONTES DOCONSTITUCIONALISMO

    Vejamos em forma de simples tpicos indicativos, como se tornanecessrio, em razo do limitado tempo previsto, de cerca de 50 minutos alguns exemplos:

    abertura Europa e amizade ao direito internacional, a pri-meira, normativamente formulada nos artigos europeus (p. ex.,

    artigo 7, ns 5 e 6 da Constituio portuguesa), esta, a amizadeao direito internacional, ora em artigos, ora desenvolvida pelajurisprudncia [assim, graas do Tribunal Constitucional alemo-federal, p. ex., em E 111, 307 (324) e 31,58 (77)];

    clusulas sobre a interpretao dos direitos fundamentais na-cionais em conformidade com os direitos do homem (p. ex.,artigo 16, n 1, da Constituio portuguesa; artigo 21, n 2, daConstituio de Angola, de 1992);

    enquadramento constitucional de minorias, exemplarmente bem

    sucedido, do ponto de vista textual, na nova Constituio daHungria ( 68, n 1): as minorias como elementos constitutivosdo Estado (v., tambm, o artigo 64 da Constituio da Eslovnia,de 1991);

    afirmao da justia constitucional (1803/1920/1945 e anos se-guintes, 1989 e anos seguintes);

    nascimento da Constituio europeia, com o desenvolvimentodo direito constitucional comum europeu, que talvez possa en-contrar um contraponto, noutros continentes, num direito cons-

    titucional comum americano ou asitico. O cnon das fontesde direito , a meu ver, aberto (no h nenhumnumerus claususdas fontes de direito no Estado constitucional!);

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    processos de constitucionalizao no direito internacional, que soperfeitamente reconhecveis (sobre este ponto, mais adiante, o Ex-

    curso II: o direito internacional como direito da humanidade); nascimento de uma Constituio civil global (G. Teubner): de

    uma Constituio mundial sem Estado alexmercatoriasignificacriao do direito pelos actores privados.

    Esta lista, para alguns, pode extravasar j para a terceira parte, dosdesafios.

    De facto, nem todos os elementos esto na posse segura e so vectorestruturante firme do Estado constitucional; todavia, em muitos domnios

    temticos, ele j chegou relativamente longe e com verdadeiro xito.

    EXCURSO I: O PERFIL PRPRIO DO CONSTITUCIONALISMOPORTUGUS (1976/1982/1989/1992/1997)

    O tipo Estado constitucional, um tipo ideal, no sentido de M. Weber,tem e vive mesmo das suas variantes nacionais. Quando, no decurso dotempo, estas se generalizam, ento acrescem ao tipo, desenvolvem-no epodem, a partir da, enriquecer outros Estados constitucionais (um modelodisso o da comisso da verdade, inventado na frica do Sul, e praticado,por ltimo, em Marrocos ou tambm o da mesa redonda, na Polnia).

    Esboaremos em seguida, ao menos recorrendo a palavras-chave, oque na Constituio portuguesa atrai a admirao do observador compro-metido doAuslandeuropeu (um conceito questionvel, pelo menos a partirde Schengen: Portugal, que integrou a EU em 1986, e que Cavaco Silva qua-lifica com razo como uma democracia de sucesso, Inland), o que atraia admirao, em suma, numa anlise comparativa de nveis textuais: elalogrou realizar em 1976 (como em 1982/89/92/97) a combinao quase idealde inovao e tradio. Isso se mostrar atravs de alguns exemplos, que,depois de 1976 como depois das revises, fizeram escola noutros lugares

    e promoveram o desenvolvimento dos nveis de texto.Recordem-se, neste contexto, a primeira Constituio, de 1822, que

    conferia s Cortes largos poderes, e, bem assim, a Carta Constitucional, de1826, que reconhecia os direitos fundamentais, assim como a Constituio de1911, que representou o coroamento do liberalismo democrtico; e recorde-se do mesmo modo a Repblica, proclamada em 5 de outubro de 1910 (hoje,feriado nacional: artigo 11, n 1). (O 10 de junho dia da morte de Cames um dia de comemorao nacional).

    1) Logo o Prembulo (nunca tocado) satisfaz todos os requisitos deste

    gnero literrio artsticos e constitucional, comparvel, em termos de cin-cias da cultura, aos Prlogos, Aberturas ou Preldios. Ele obedece dimen-so temporal, narra a histria, projecta-se no futuro (vontade do povo

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    portugus) e estabelece um concentrado normativo constitucional em lin-guagem prxima dos cidados (p. ex., direitos fundamentais, democracia,

    prevalncia do Estado-de-direito). Algo de semelhante vir a encontrar-se mais tarde em algumas constituies dos novos Lnder alemes, comreferncia superao do regime do Partido Unitrio Socialista (p. ex.,Prembulo da Constituio da Saxnia, de 1992, Prembulo da Constituioda Turngia, de 1993).

    Nos Princpios fundamentais, o artigo 1 ousa algo de novo [Rep-blica baseada na dignidade da pessoa humana e (!) na vontade popular; v.

    tambm o artigo 13 n 1: igual dignidade social(!)]. O artigo 2 institui,tanto quanto visvel, o valor do pluralismo de expresso e da organizaopoltica democrtica: isto fez escola em Espanha e alm-mar (cf. o artigo 1

    da Constituio da Guin Equatorial, de 1991, assim como o Prembulo daConstituio de Moambique, de 1990), mas tambm na Europa de leste.Merece ateno, alm disso, a criao da frmula democracia cultural que costuma fazer sorrir, na Alemanha, muitos constitucionalistas. O vossogrande poeta F. Pessoa (O livro do Desassossego) acode ao esprito, quandose l o destaque atribudo aos pases de lngua portuguesa (artigo 7, n 4;v. tambm o artigo 9, alneaf, e o artigo 15, n 3), pois a ele devemos a ex-presso a minha Ptria a lngua portuguesa. A fundao da ComunidadeLusfona (1996) uma pura consequncia. O artigo 7 (Relaes internacio-nais) influenciou decisivamente, porventura, o artigo 4 da Constituio do

    Brasil, de 1988. Finalmente, o artigo 9, concentrando as tarefas do Estado, uma inovao criativa (v. tambm o artigo 10 da Constituio de S. Tome Prncipe, de 1990). A defesa do patrimnio cultural do novo portuguse a proteco dos recursos naturais no eram ainda, em 1976, um temaconstitucional geralmente reconhecido na Europa.

    2) No captulo dos Direitos Fundamentais, muitos artigos conferem vossa Constituio um rosto especfico. Isso se mostra logo na bem con-seguida sistematizao (direitos, liberdades e garantias e direitos edeveres econmicos sociais e culturais) mas sobretudo saltam aos olhosos elementos do direito constitucional da cultura, que sempre devem pr-seem evidncia (p. ex., artigo 9, alneaseef, artigo 42, n 2, artigo 70, n 1,artigos 73 a 79).

    Enquanto o artigo 18, ns 2 e 3, recebe manifestamente o texto cons-titucional e a jurisprudncia alems (outros bens jurdico-constitucionais,proteco do contedo essencial), o artigo 23 cria algo de novo, o Pro-vedor de Justia: trata-se de uma expresso dostatus activus processualisdo cidado, da sua proteco jurdica em sentido amplo, que encontrou

    justificadamente seguimento noutros Estados (v. artigos 142 a 147 da Cons-tituio de Angola). O artigo 26, n 1, (direito de cada uma identidade

    pessoal) e o artigo 35 (proteco de dados) correspondem, ao invs, aosstandartsj atingidos na Europa, sendo que o Tribunal Constitucional ale-mo-federal laborou em muito na base dessa afinidade (cf. sentena 65,1). O

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    mesmo vale para o artigo 39, sobre osmedia, e para a regulamentao dostempos de antena dos partidos polticos (artigo 40; cf. as sentenas 12,205

    ou 33,106 do Tribunal Constitucional alemo-federal).De maneira nova e muito extensa dispe o artigo 43, n 2: O Estado

    no pode programar a educao e a cultura segundo quaisquer directrizesfilosficas, estticas, polticas, ideolgicas ou religiosas. Este , na minhaopinio, em Portugal como em qualquer outra parte, um comando irrealiz-vel, pois j nos objectivos pedaggicos da escola (cf. o artigo 73, n 1, daConstituio portuguesa e o artigo 56 da Constituio do Hessen, assimcomo o artigo 101 da Constituio da Saxnia), j nos objectivos priorit-rios da poltica de juventude (artigo 70, n 2), como tambm em sede delimites dos direitos fundamentais e do cumprimento de tarefas culturais (p.

    ex., promoo da arte e do cinema), entram em jogo, na realidade, determi-nados critrios. No h uma neutralidade pura. O Estado Constitucional um Estado cultural, a sua identidade cultural no subsiste sem valores. Osanturio nacional portugus, o Mosteiro dos Jernimos, recebeu, 50 anosdepois da morte de F. Pessoa, os seus restos mortais. O que a identidadeportuguesa, no sentido do artigo 6, n 3, da Constituio para a Europa?Certamente a lngua, a Constituio de 1976 e algumas das suas revises,a saudade, a idade de ouro a partir de 1415, Henrique, o Navegador, e oolhar para o Atlntico, Vasco da Gama, o regresso das colnias de muitoscidados depois de 1975, no por ltimo, Lisboa como capital europeia da

    cultura (1994) e cidade cosmopolita.Os ns 1 e 2 do artigo 48 so modelares: participao dos cidados

    (artigo 2: democracia representativa) e transparncia das entidadesestaduais e demais entidades pblicas. Aquela, tomaram-na comomodelo osLnder alemes do leste, depois de 1989; esta, a transparn-cia, reconhece-se nos esforos que hoje se fazem na Alemanha para oreconhecimento de direitos de acesso Administrao pblica (no ape-nas no tocante aos dados ambientais). O artigo 17, enquanto artigo dodesenvolvimento dos direitos fundamentais, est ainda por descobrir(direitos anlogos) posteriormente, o 10 da Constituio da Estniavem a tornar-se aqui um modelo.

    O direito constitucional social, do artigo 63, e o direito de todos proteco da sade (artigo 64), com um catlogo quase superabundanteno n 2, eram ousados em 1976 e permanecem como um modelo. O mesmovale para expresses inovatrias no domnio do direito constitucional do am-biente, como capacidade de renovao dos recursos naturais e estabili-dade ecolgica, (artigo 66, n 2, alnead) conceitos de que s nos tardiosanos oitenta muitas novas constituies se ocuparam (sobretudo na Sua).um novo nvel textual atingido tambm no artigo 67, n 1 (efectivao

    de todas as condies que permitam a realizao pessoal dos membros dafamlia) e, logo a seguir, no artigo 71, n 2 (pedagogia da formao daconscincia da sociedade); tambm a frmula poltica da terceira idade en-

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    contra a expresso normativa pela primeira vez, escala universal, segundocreio, no artigo 72, n 2, portugus. Os postulados do artigo 74 (rejeio

    da conservao de desigualdades na formao escolar) deviam constituirexemplo para a Alemanha a matria foi, na verdade, objecto de (demasiada)violenta crtica por parte de um encarregado especial de misso da ONU (V.Muoz), em fevereiro de 2006, em representao da Comisso dos Direitosdo Homem, justamente com referncia ao federalismo educativo alemo(palavras-chave: colocao em perigo do direito do homem educao, emrazo da origem social, no tocante aos filhos de imigrantes, em consequnciade debilidades sociais).

    3) Da parte organizatria, evocaremos apenas algumas feiesmarcantes do constitucionalismo portugus: por exemplo, os artigos 10,n 2, e 51, bem como o artigo 288, alneai(direito oposio democrti-ca), parcialmente novos, sobre os partidos; a seguir, os artigos 103 e 104,com os seus princpios materiais fundamentais do direito fiscal; tambm oartigo 202, que se refere abertamente tarefa que cabe aos tribunais dedirimir conflitos de interesses pblicos e privados (na minha terminologia,justia do bem comum); depois, a regulamentao, que pode valer comomodelo, do estatuto especial dos soldados (artigo 270); do mesmo modo,o modelo de cooptao aplicvel aos juzes constitucionais (artigo 222, n1: trs no total); e, finalmente, o artigo 288, que impressiona, com a sua

    enumerao dos limites (interpretados flexivelmente) da reviso constitu-cional (cf. tambm o artigo 159 da Constituio de Angola, de 1992) queno foram impeditivos das ulteriores revises da Constituio dos anos1982/89/92/97). Este catlogo circunscreve quase literalmente nada menosdo que a identidade da Constituio portuguesa de 1976 tema que naAlemanha conhecido desde Weimar,que foi trazido ordem do dia pelaprimeira vez graas Noruega, com a sua Constituio de 1814 ( 12: es-prito desta Constituio), e de que na Sua se no carece, porque estase sabe segura da sua identidade.

    4) Permita-se-me uma s observao crtica: como vai o regionalismo

    em Portugal (18 distritos, 2 regies autnomas), o qual, na verdade, vinganoutros lados, cada vez mais intensivamente, como um elemento estruturalque se integra no tipo do Estado constitucional da Gr Bretanha Itlia e se torna tambm um elemento vital e um princpio de arquitectura daEuropa das regies?Regionalistic paperspodiam fazer aqui a sua obra (p.ex., na elaborao de uma teoria de regionalismo diferenciado ou assim-

    trico). Para uma doutrina comparada do regionalismo, vlida dos Aores Siclia e da Irlanda do Norte Andaluzia, encontram-se vrios nveis textuaisno Ttulo VII (sobretudo no artigo 227, ns 1 e 2).

    Em sntese: a vossa Constituio maturou no contexto do tipo do Es-tado constitucional de 1976 (e dos seus ulteriores desenvolvimentos, no qua-dro das revises), criando simultaneamente muitos elementos textuais.

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    EXCURSO II: PALAVRAS-CHAVE PARA OS ELEMENTOSCONSTITUCIONAIS NO DIREITO INTERNACIONAL

    O constitucionalismo, evoluido para o Estado constitucional na formade desenvolvimento que hoje em dia apresenta, no pode ser descrito semum olhar para o direito internacional. Da o Excurso II seguinte, o qual tam-bm em razo da frequentemente referida constitucionalizao do direitointernacional se afigura imprescindvel.

    1 Direito internacional no Estado constitucional e vice-versaEstado (constitucional) no Direito Internacional

    Uma listagem conduz-nos a estas palavras-chave: interpretao emconformidade com os direitos do homem, amizade das Constituies na-cionais, sob mltiplas formas, ao direito internacional (p. ex., artigo 8, n1, da Constituio portuguesa), possibilidade da transferncia de poderessoberanos, normas sobre a transformao ou recepo do direito interna-cional no ou em direito nacional, princpios gerais de direito (cf. 3da Constituio da Estnia, de 1992), p. ex., o princpio do estoppel(venirecontra factum proprium) ou da boa f (pacta sunt servanda). O epteto geralremete para uma generalidade ou publicidade material escala do nosso

    planeta azul, a Terra.

    2 Elementos do Direito Internacional constitucional

    A comunidade do direito internacional em processo constituinte logra-se identificar e descrever nas seguintes palavras-chave: direitos humanosuniversais (Pactos da ONU); a proibio da fora como norma fundamentaldo direito internacional (inteiramente no sentido de H. Kelsen); o TribunalInternacional de Justia e o Tribunal Internacional Penal (Estatuto de

    Roma) e tambm o Tribunal da ONU para criminosos de guerra, na Haia,enquanto tribunais constitucionais inperfeitos; a Organizao Mundial doComrcio, enquanto expresso do direito constitucional econmico, numaperspectiva global; a igualdade soberana dos Estados, como direito cons-

    titucional organizatrio; ojus cogens, como elemento constitucional tpicoda hierarquizao no mbito do direito constitucional (aojus cogens perten-cem, p. ex., a proibio da fora e da tortura ou a proibio da pirataria); aproibio do comrcio de seres humanos, a criminalizao do genocdio edos crimes contra a humanidade; a idia darule of law jurdico-internacio-nal; elementos rudimentares de estadualidade social, p. ex., o direito a

    receber alimento, o direito sade, o princpio do desenvolvimento susten-tado; os global commons, enquanto valores comunitrios (herana cultu-ral mundial etc.). H pouco (2005), o Tribunal de Justia das Comunidades,

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    no Luxemburgo, respondeu e em termos afirmativos questo de saber seo Conselho de Segurana das Naes Unidas est vinculado aos standar-

    dsdos direitos do homem, enquantojus congens(FAZ de 15 de janeiro de2006, p. 39.

    Neste domnio muito est ainda a fazer-se, sendo mais os desafiosdo que direito comunitrio consolidado. O direito internacional foi desde hmuito qualificado como tipicamente um direito em evoluo (D. Schindler);a constitucionalizao tambm um elemento do princpio da esperana(E. Bloch) em conjugao com o princpio da responsabilidade (H. Jonas).Como nem todos os Estados (nem sequer uma maioria) so Estados consti-

    tucionais, muito est em aberto e precrio, questionado, mesmo objeto de

    hostilizao. Todavia, assim como o Estado constitucional necessita, agoracomo antes, de um quantum de utopia (a reunificao da Alemanha foiisso at 1989), tambm o direito internacional vive de um quantum de utopiaconstitucional. O constitucionalismo no quadro estadual e os processosde integrao regional, nomeadamente na Europa, no sentido estrito daUnio Europeia e no sentido mais amplo do Conselho da Europa, com osseus 46 membros, do azo esperana (refiram-se tambm projectos com odo Mercosul ou do Pacto Andino).

    TERCEIRA PARTE: NOVOS DESAFIOS DOCONSTITUCIONALISMO

    I OBSERVAO PRVIA

    Como certamente tambm em Lisboa se espera de um constitucio-nalista alemo, adiantemos previamente uma reflexo metdica. A cincia,como procura perptua da verdade (W. von Humboldt), e a cincia jurdica,como procura da justia, exigem, de modo idntico, uma permanente auto-verificao do prprio trabalho e o pr em aberto da Pr-compreenso eescolha do mtodo (J. Esser). S assim possvel um discurso, uma troca

    de argumentos que transponha as fronteiras a qual raras vezes poderser to gratificante como a nossa de hoje, aqui em Lisboa, no vosso dia daConstituio.

    Aos meus ensaios subjaz sempre um otimismo cientfico (em opo-sio ao pessimismo cientfico de um H. Schelsky, nos anos 70). Tambm noplano pedaggico ele imprescindvel, e quase se pode dizer que o trabalhoem torno do e no Estado constitucional necessita de uma certa medida deeros pedaggico. H de acrescer a isso a compreenso do quantumdeutopia que necessariamente sempre acompanha a evoluo e o crescimento

    de um Estado constitucional. Tambm J. Locke, pai do Estado constitucio-nal, foi outrora uma utopia, tambm a Europa era, no tempo dos paisfundadores, uma utopia, tambm a inveno do federalismo nos Estados

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    Unidos da Amrica comeou por ser uma utopia. Tambm a Paz perptuade Kant (1795) era e em parte ainda uma utopia (em Portugal, foram uma

    utopia o Sebastianismo e a Revoluo dos Cravos).A utopia concreta o princpio da esperana, que proporciona ao

    homem o caminho recto e faz dele um homem de cultura. Regresso cultura a divisa (A. Ghelen). A natureza , tal como o estado de natureza,uma fico (todavia imprescindvel). certo que se insiste na tese de que oshomens teriam, por fora da natureza, determinados direitos, mas estes,na realidade, antes s gradualmente, ao longo dos sculos, lhes foram sendoreconhecidos. S h direitos culturais, no direitos naturais!

    II NOVOS DESAFIOS DO CONSTITUCIONALISMOEles so hoje em profuso, cruzam frequentemente o plano do Estado

    constitucional nacional com o do direito internacional e tm de ser tomadosa srio, no s pela poltica, como tambm pela teoria do direito do estado,enquanto disciplina cientfica. Frequentemente trata-se de um desafio paravrias geraes, de modo que bem podemos falar de um contrato culturalde geraes, nos domnios da cincia do Estado constitucional. Cada umde ns est aos ombros de gigantes. Mas embora anes podemosat, em cima dos ombros, ver, de quando em vez, um pouco mais alm doque os gigantes. Esta metfora liga, assim, o optimismo com a modstia,

    que certamente o que nos ir bem aqui.

    Impes-se referir ofundamentalismo, que h de combater-se no esp-rito do princpio constitucional da tolerncia. O ideal continua a ser aqui aparbola dos anis, de Lessing/Boccacio (sobre a igual valia das trs religiesmundiais). Todavia, as consequncias concretas so difceis (o caso do len-o na cabea; o caso dos crucifixos nas escolas situao esta que acaboude ser declarada admissvel na Itlia pelo Conselho de Estado, e continuacontroversa, agora como antes, na Alemanha). Temos honestamente de noslembrar que a cristandade chegou Amrica, a partir de 1492, a ferro e

    fogo, quase exterminando a populao aborgene local. A cristandade foioutrora fundamentalista! horribile dictu.

    Com isto somos conduzidos ao terrorismo e proporo equilibrada,que o Estado constitucional exige, entre a salvaguarda da liberdade e agarantia da segurana.

    A economicizaode quase todos os domnios da vida, propagando-se largamente, (mercado mundial) igualmente um desafio. H de servirde ajuda, aqui, a noo de que os mercados tm um significado apenasinstrumental. O homem a medida de todas as coisas, no o mercado, que

    no possui um fim em si prprio; o capitalismo tem de ser domado (GrfinDnhoff), por muito criativo que possa ser o mercado, como procedimentode descoberta (F. A. von Hayek).

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    A preveno dos riscos conduz ao perigo de uma teoria da insuficinciado sistema, leva ao renascimento de um pensamento radicado na ideia do

    estado de excepo, como foi tpico e fatdico no perodo final de Weimar.A conservao do Estado social, positivado em tantas constituies

    mais recentes, num tempo economicamente difcil, mais um desafio, queest para ficar (limites da privatizao?).

    Tambm a sociedade civil, a sociedade dos cidados (Prembulo daConstituio checa, de 1992), reclama que no nasam sociedades paralelas(sociedades heterogneas), com em muitos bairros turcos de Berlim.

    O princpio do desenvolvimento sustentado, estabelecido em muitosnveis textuais novos de constituies nacionais, tem tambm de voltar oolhar para os pases em desenvolvimento e de poder e querer abrang-los.

    Em geral e fundamentalmente pe-se a questo de saber como podemser conduzidos os fenmenos da globalizao. No plano do direito interna-cional, no devia existir qualquer preveno sem limites. Como impedir oesboroamento da proibio do uso da fora? Como dominar a problemticadofailed state?

    Finalmente, deve, com toda a conscincia, referir-se a pendente refor-ma da ONU, especialmente do Conselho de Segurana, como um desafio aoEstado constitucional. O projecto de reforma foi apresentado, por ltimo, no

    relatrio do Secretrio Geral das Naes Unidas (21 de maro de 2005) sob ottulo: Em maior liberdade: a caminho do desenvolvimento, da segurana edos direitos do homem para todos. O ponto mais importante a reforma doConselho de Segurana. Trata-se de cuidar aqui de uma maior representaode todas as regies do mundo. A este respeito h diferentes propostas dereforma: seja a de umHigh Level Panels on Threats, Challenges and Change,seja, outra, dos Estado do G-7. O G-7 prope sobretudo um lugar de mem-bro permanente para a ndia, a Alemanha, o Japo e o Brasil. Em virtude dadecidida oposio vinda do lado dos EUA, e tambm de Estados do mundolatino-americano e asitico, estas propostas de reforma no tm, porm,grandes possibilidades de concretizao. Tambm se pensa noutras refor-mas: substituio da Comisso dos Direitos Humanos por um mais pequenoConselho Permanente de Direitos Humanos, com rgo principal da ONU (47membros); reforma da administrao e do oramento, sobretudo atravs demaior transparncia e eficincia; actualizao da Carta da ONU; eliminaodas chamadas clusulas-do-inimigo, nos artigos 53 e 107; eliminao doCaptulo XIII (Conselho de Tutela); eliminao do artigo 47 (Comisso doEstado-Maior); coordenao da cooperao com organizaes regionais; re-foro dos poderes do Conselho Econmico e Social, no domnio da cooperaoeconmica; e o tornar efectivo o trabalho da Assembleia Geral.

    A questo que mais vivamente se coloca , em termos gerais, esta:quem desenvolve o direito internacional, quem so os seus actores? No

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    meu modo de ver, tambm as ONGs! O paradigma da sociedade aberta dosconstituintes e dos intrpretes da Constituio pode tendencialmente servir

    tambm aqui.Esto talvez desapontados por esta lista de falhas, este variegado

    catlogo, conter demasiadas coisas. Todavia, trata-se absolutamente, no meumodo de ver, de questes que se pem ao constitucionalismo ou ao direitointernacional constituindo-se em direito da humanidade. Precisamos deuma nova Escola de Salamanca.

    EXCURSO III: O SERVIO DA COMUNIDADE DO DIREITOINTERNACIONAL, ESPECIALMENTE DA ONU, AO ESTADO

    CONSTITUCIONALApesar de todos os dfices do direito internacional com direito

    imperfeito, apesar de toda a justificada crtica fraqueza da ONU e sua persistente incapacidade de reforma, esboa-se um encorajante desen-volvimento, que junta de modo intensivo o direito internacional e o Estadoconstitucional sob o signo do constitucionalismo: a contribuio para onascimento de uma nova estadualidade constitucional nacional, escalamundial. O crculo dos participantes aqui varivel e aberto: vai do Conse-lho de Segurana, passando pelo Secretrio Geral e pela Assembleia Geral

    da ONU, pelo TIJ assim como pelo Tribunal da ONU, na Haia, e tambmpelo TPI, igualmente a sediado, e mesmo pelos Jessup-Moot-Court Foren,em todo o mundo, at comunidades regionais, como a EU (p. ex., comoobservadora eleitora; cf. tambm a discutvel presena militar no Congo,em 2006), ou at medianeiros especficos, inclusive personalidades de altorelevo, por vezes professores de direito, assim como at opinio pblicamundial, enquantomedium.

    Seguindo D. Threr (2005), podem distinguir-se determinados tiposde processo constitucional: processos constitucionais jurdico-internacio-nalmente induzidos (o caso da frica do Sul, em 1994-96, em que tambm

    constitucionalistas alemes e juzes do Tribunal Constitucional Federalparticiparam consultivamente), processos constitucionais jurdico-interna-cionalmente acompanhados (os casos do Afeganisto, 2001-2004, e do SriLanka), processos constitucionais jurdico-internacionalmente dirigidos(os casos do Cambodja, 1991-1993, e de Timor, 1999-2002) e constituiesinstaladas jurdico-internacionalmente (o caso do Kosovo, com a inter-veno humanitria da NATO, em 1999, o protetorado da ONU, em 2001, eas negociaes de Viena, de 2006). A amizade da Constituio portuguesapelo direito internacional (artigos 7 e 16) poderia servir aqui como preceitode referncia.

    No o direito internacional que opera abstractamente, so antesdeterminados participantes concretos que actuam aqui, sob o signo do di-

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    reito internacional, que lentamente se vai desenvolvendo o bastante, e doj desenvolvido, mas sempre ameaado, tipo do Estado constitucional. (A

    nova questo, relativa s pessoas, esta: quem, que actores protagonizamo desenvolvimento, com o direito internacional?) Com todos os dfices, cabeaqui uma avaliao possivelmente positiva. O estudo dos casos [referidos],comparados entre si tambm no arco do tempo, mostra o prstimo que oconstitucionalismo j pode hoje ter. Ele ganhou terreno escala universal.A globalizao desempenha aqui, por uma vez, o seu papel positivo, pormais elevados que possam ser, quanto ao resto, os seus custos e perigos(p. ex., a nivelao da multiplicidade cultural por fora dos mercados mun-diais). Ela transporta os direitos fundamentais, arule of law, a democraciae a separao dos poderes, e tambm os standardssociais. A viso do

    mundo do Estado constitucional, por que se perguntava em 1997, torna-seconstitucional!

    III CAMINHOS DE REFORMA E PROCESSOS DE REFORMA DOCONSTITUCIONALISMO

    Graas a eles, o constitucionalismo, at agora, afirmou-se, e noapenas se conservou. A paleta vai do grande ao pequeno: da actua-o constituinte (a reviso total na Sua, tanto no plano federal como nocantonal), passando pela reviso parcial (modificao da Constituio

    dentro dos limites das chamadas clusulas de perpetuidade, como as doartigo 79, n 3, da Lei Fundamental alem e do artigo 288 da Constituioportuguesa onde as revises graduais desde 1982 foram bem sucedidas),at simples legislao ordinria (p. ex., clususlas de experimentao e experincia) e ao voto individual dos juzes constitucionais (p. ex., segundoo artigo 164, n 1, 1 perodo, da Constituio espanhola). Esta escala a expresso da grande conexo entre tempo e Constituio (1974). Na

    jurisdio constitucional necessrio um mais extenso acabamento dodireito processual constitucional no sentido de um direito do pluralismoe da participao (palavras-chave: direitos de audio, em parte a acopopular, como na Baviera, na Hungria e na Colmbia, intervenes amicuscuriae, como no Supremo Tribunal brasileiro). A Constituio do pluralismo aqui o fio de prumo.

    O constitucionalismo permanece como um projecto susceptvel e ne-cessitado, em permanncia, de reforma, que simultaneamente tem as suasrazes no passado. Ele tem um futuro. A questo crucial a de saber seh constitucionalismo sem Estado (p. ex., na Unio Europeia). O constitucio-nalismo a diferentes nveis , a meu ver, como imagem e conceito, ques-

    tionvel, pois sugere uma concepo hierrquica. O racionalismo crticode um Popper, com a ideia de reforma da obra imperfeita, fornece um

    prestimoso enquadramento filosfico. A trias, por mim proposta em 1978, dopensamento do possvel, do real e do necessrio, revela-se com prstimo naconformao do futuro do Estado constitucional. O pensamento do possvel

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    tributrio, como categoria, de R. Musil j que bem podemos, ns os ju-ristas, socorrermo-nos do emprstimo dos poetas.

    EXCURSO IV: OS PUBLICISTAS MAIS QUALIFICADOS DASVRIAS NAES E OS SEUS ENSINAMENTOS AO SERVIODO ESTADO CONSTITUCIONAL COMO PROJECTO UNIVERSAL A CORRESPONDNCIA AO ARTIGO 38, N 2, ALNEA D, DOESTATUTO DO TIJ (1945) A SUA CONSTITUCIONALIZAO

    Os cruzamentos descritos entre a comunidade dos cidados consti-tudas em Estado constitucional e a constitucionalizao do direito interna-cional universal como direito da humanidade escala universal permitem

    talvez dar ao constitucionalismo, no plano terico assente na realidade, umnovo e poderoso impulso: os publicistas mais qualificados das vrias naesdevem ser aberta e declaradamente encorajados, e eles prprios sentir-seencorajados, a trabalhar em prol do projecto de Estado constitucional escala universal. O que o artigo 38, n 2, alnea d, do Estatuto do TIJ ousano plano do direito internacional (meio auxiliar para a determinao de nor-mas jurdicas) pode ser generalizado ao constitucionalismo, no seu actualgrau de desenvolvimento. Eis, de seguida, alguns tpicos de referncia, emordem fundamentao, terica e prtica:

    1) A teoria da Constituio e a teoria do direito internacional convergemjustamente hoje de modo intensivo: ocupam-se frequentemente dos mesmostemas (p. ex., os direitos do homem) e defrontam-se com as mesmas tarefas(p. ex., na proteco do ambiente e dos bens culturais). Conhecem institui-es afins (tribunais constitucionais e tribunais semelhantes de carcterimperfeito, como o TPI, nos termos do Estatuto de Roma) e legitimam-se,em ltimo termo, a partir do cidado ou do homem. Os modos de trabalhodos juristas em ambos os domnios assemelham-se (p. ex., na metodologia),pesem todas as diferenas que subsistem.

    A palavra e a substncia constitucionalismo ligam um arco mais

    vasto. O Estado constitucional nacional continua a ser a forma imprescin-dvel e a realidade conformadora e garante do constitucionalismo, sendoque no plano do direito internacional s atravs dos Estados constitucionais(nacionais) se chega a formas de constitucionalizao poltica e juridica-mente, na historia como na actualidade. Eis por que devia ousar-se agora,com coragem, tornar frutfera em termos gerais, e para alm do seu teorliteral, a velha norma criativa do artigo 38 do Estatuto do TIJ. Isso poderlograr-se, se o princpios gerais de direito da alnea ce a ideia, tribut-ria das cincias da cultura, que a pode ver-se rudimentarmente expressa(naes civilizadas), forem utilizados produtivamente com inspirao. No

    mbito do processo da formao jurdico-constitucional e do conhecimentodo direito constitucional, pode hoje se destacar um pluralidade de constitu-cionalistas os mais qualificados das vrias naes, que podem ser intrpre-

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    tes (e responsveis) da realizao do projecto do Estado constitucional escala universal. A este respeito, bastar deixar expostas, neste lugar,

    as ideias fundamentais, enquanto tais: questes controversas especficas,como, por exemplo, a relativa ao epteto os mais qualificados, ficaroaqui em aberto. Anote-se, em todo o caso, que a expresso meio auxiliarpara a determinao de normas jurdicas tributria de um entendimentoultrapassado, ainda muito positivista, do direito e da interpretao. Trata-sedalaw in public action, e no da descoberta de algo pr-existente j pron-

    to. A imagem de fonte de direito questionvel. Tambm os tribunaisconstitucionais no fornecem qualquer interpretao autntica, qualquerinterpretao definitiva (diversamente, o artigo 124, n 1, da Constituioda Albnia, de 1998).

    2) Esta considerao terica pode ser alicerada em exemplos, pelolado dapraxis(fora normativa daPraxis), sobretudo se considerada navasta perspectiva histrica.

    Desde h geraes, desde mesmo h sculos, que muitos dos maisqualificados se ocuparam do Estado constitucional, sejam filsofos, juris-

    tas, ou mesmo poetas e msicos, com F. Schiller, nos temas da dignidadehumana e da liberdade de pensamento, e L. van Beethoven, quando riscouda sua Eroica a dedicatria a Napoleo, por este se ter feito coroar Impera-dor dos franceses, em 1804. Sob a palavra-chave Textos Clssicos na Vida

    Constitucional (1981) foi elaborado h alguns anos um quadro de teorias,[que vale] para o que hoje se expes pela primeira vez como algo de novo.To cedo como desde Aristteles, Montesquieu, Rousseau, antes J. Locke,a seguir I. Kant, torna-se o Estado constitucional uma realizao cultural.Os clssicos alemes da poca de Weimar continuam a irradiar o seu nomeat hoje, muito para alm da Alemanha: H. Heller exerce seguramente a suainfluncia, como um dos mais qualificados constitucionalistas, at Am-rica Latina (atravs da Espanha); H. Kelsen tambm a, at hoje, um autormuito citado. C. Schmitt exerceu uma influncia em parte positiva (Teoria daConstituio, de 1928), em parte negativa (p. ex. no Portugal de Salazar). Do

    Brasil, com (retro)influncia sobre o constitucionalismo portugus, podecertamente citar-se P. Bonavides. J. Rawls alcana uma projeco universal,que chega ao prprio interior do Tribunal Constitucional alemo-federal(sentena 101, 158 (218)). De entre os meus prprios professores, e na ac-

    tualidade, deve ser evocado K. Hesse. A partir do Mxico, H. Fix-Zamudioadquire grande influncia na compreenso do Estado constitucional e dosseus princpios especficos. Esta lista, certamente ainda muito fragment-ria (os presentes no os nomeio), haveria de ser completada com grandesinternacionalistas, com influncia no seio do Estado constitucional, p. ex.H. Grotius, com as suas sugestes, de 1625, para Problemas da Verdade no

    Estado Constitucional (1994). Encorajador pode ser aqui o facto de o direitocivil ter desde h muito os seus clssicos com expresso universal: depois dosgrandes juristas romanos da antiguidade (Papiniano, Ulpiano, Paulus), ser

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    esse o caso nomeadamente de F. C. Savigny e tambm de R. von Jhering.Nodireito penal pode F. von Liszt entrar nessa categoria.

    3) Em tudo isto, ser de considerar a diferenciao das regies (melhor,dos espaos jurdicos e culturais). S muito poucos constitucionalistassaltam as fronteiras de um continente, na sua influncia sobre comunidadescientficas nacionais alheias (uma palavra-chave ser a de jurista euro-peu). Mas, na verdade, tambm os reconhecidos como grandes unicamente escala regional (continental) corroboram a tese atrs avanada (p. ex.,o italiano C. Mortati). Importante o reconhecimento de que a obra ou avida de constitucionalistas (e no apenas porventura comparatistas) indivi-dualmente considerados pode hoje, na realidade, ser sujeito, factor e objectodo desenvolvimento de mais Estados constitucionais e das respectivascomunidades cientficas (nacionais). Os vrias vezes referidos processosuniversais de produo e recepo no domnio do Estado constitucional, oparadigma dos nveis de texto e a doutrina da triasdos textos, teorias e pr-

    ticas deveriam aproveitar, de todo o modo, a tese hoje e aqui avanada pelaprimeira vez. O constitucionalismo, to largamente citado, vive tambmde uma pluralidade dos mais qualificados constitucionalistas, para alm de

    todas as controvrsias de escola e de eventuais invejas.

    O que fica dito simultaneamente um horizonte e um desafio,no sentido do tema desta conferncia. H uma comunidade dos constitucio-

    nalistas que pode ser mais largamente explorada. Ela , por exemplo,perceptvel por um dia, aqui em Lisboa.

    PERSPECTIVA GERAL E CONCLUSO

    O panorama que tem de bastar na sua fragmentaridade tem deser interrompido aqui. Os novos horizontes e os novos desafios doconstitucionalismo deixam literalmente uma imagem mista. Muita coisase realizou e se conseguiu no Estado constitucional, enquanto tipo, nasnaes que se podem dar como exemplo, com diferentes velocidades e

    de diferentes maneiras. Assim, a descentralizao, em Frana, faz talvezprogressos concretos demasiado reduzidos e demasiado lentos; a Itlialuta dolorosamente por um federalismo italiano; esperam muitos textos,na Europa de leste, por uma realidade constitucional conforme; h aindamuito a fazer, na Amrica latina, no domnio da proteco dos ndios e dasua cultura; fracassou, na ustria, a Conveno austraca, de 2005, aocontrrio da Alemanha, onde a grande reforma do federalismo, num segundoarranque, parece agora ter sucesso; fracassou, pelo menos provisoriamente,a Constituio da Unio Europeia, continuando em vigor o monstro de Nice;a luta contra a corrupo continua a ser um tema constitucional no Brasil,

    assim como a luta contra a pobreza em quase toda a frica. A paz na Europaest, graas comunidade de paz da Unio Europeia, assegurada devendotambm ser exportada para os Balcs, e constituindo o grande tema de como

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    tornar os Estados islmicos, passo a passo, capazes de democracia (face Sharia, como suprema fonte do direito e parte das Constituies, desde o

    Afeganisto at ao Iraque o que quase insolvel), talvez o maior desafiodo nosso mundo em processo constituinte. Seja como for, h que guardaro princpio da esperana numa sociedade aberta dos intrpretes daConstituio estendida a toda a parte, devendo abrir-se o crculo dosactores do direito internacional (no plano interno, a lei contra as ONGs, econsequentemente tambm contra as organizaes de direitos do homem,na Rssia de Putin, em 2006, um perigosos passo atrs). Tambm o modocomo o constitucionalismo h de tratar a questo das caricaturas, de 2006,s conduziu, at agora, perplexidade.

    Entoe-se, por ltimo, o elogio da amizade entre os homens de cin-

    cia. A amizade um grande tema desde Aristleles existe tambm entreconstitucionalistas. As comunidades cientficas nacionais devem e podemhoje, como mal puderam antes, fazer causa comum: ao servio do Estadoconstitucional. Na Europa h muitos belos exemplos de intercmbio entre oNorte e o Sul, o Leste e o Ocidente, e mesmo, como hoje, dentro do Ocidente.Que um francs, um italiano e um alemo possam usar da palavra no diacomemorativo da Constituio portuguesa, diz muito. S posso nesta mol-dura da Fundao Gulbenkian, fundada em 1956 agradecer e citar Goethe,olhando tambm para os pases portugueses da frica e da Amrica doSul: Deus o Oriente, Deus o Ocidente, a terra do Norte e do Sul descansa

    na paz das suas mos.