hÁ morte nas catacumbas? um estudo sobre turismo negro.pdf
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Na sociedade contemporânea, em que a morte é simultaneamente presente e ausente do quotidiano dos indivíduos, é importante identificar as principais instituições que permitem o contacto entre o indivíduo e a morte e as relações que podem ser estabelecidas entre eles. O Turismo Negro, ou seja, a actividade turística em locais de ou associados a morte e sofrimento, é uma das mais importantes instituições mediadoras da morte. O Turismo Negro é um objecto de interesse recente entre a comunidade académica. Não obstante, tem vindo a ser abordado por alguns autores, e é um tipo de turismo com variadas manifestações por todo o mundo.A presente dissertação consiste num estudo exploratório, de carácter qualitativo, sobre o modo como os visitantes de uma atracção de Turismo Negro a representam enquanto local ligado à morte. Pretendemos por este meio perceber se a morte é retirada da experiência turística dos sujeitos, tanto de uma atracção específica como de outras que possam ter visitado. Ao mesmo tempo, procurámos conhecer a atitude dos sujeitos em relação ao Turismo Negro e ao seu papel como mediador da morte na sociedade contemporânea.TRANSCRIPT
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Universidade de Aveiro
Ano 2012
Departamento de Economia, Gesto e Engenharia Industrial
BELMIRA MARIA DOS SANTOS GOMES COUTINHO
H MORTE NAS CATACUMBAS ? UM ESTUDO SOBRE TURISMO NEGRO
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Universidade de Aveiro
Ano 2012
Departamento de Economia, Gesto e Engenharia Industrial
BELMIRA MARIA DOS SANTOS GOMES COUTINHO
H MORTE NAS CATACUMBAS ? UM ESTUDO SOBRE TURISMO NEGRO
Dissertao apresentada Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessrios obteno do grau de Mestre em Gesto e Planeamento em Turismo, realizada sob a orientao cientfica da Doutora Maria Manuel Rocha Teixeira Baptista, Professora Auxiliar do Departamento de Lnguas e Culturas da Universidade de Aveiro
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Dra. Teresa, sem a qual muito pouco teria sido possvel.
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o jri
Presidente Professora Doutora Elizabeth Kastenholz Professora Auxiliar da Universidade de Aveiro
Vogal Arguente Principal Professor Doutor Joo Jos Saraiva da Fonseca Professor Com Vinculo: Celetista Formal, Faculdades Inta - Brasil
Vogal Orientador Professora Doutora Maria Manuel Rocha Teixeira Baptista Professora Auxiliar da Universidade de Aveiro
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agradecimentos
Prof. Dra. Maria Manuel Baptista, que acreditou em mim mais do que eu, me manteve no trilho certo, e nunca deixou que eu me sabotasse. Aos meus pais, fonte de motivao constante. Um agradecimento muito especial Uiara e Denise, que em to pouco tempo se tornaram to importantes na minha vida. No h palavras que cheguem para vos agradecer. Aos professores e colegas do mestrado de Gesto e Planeamento em Turismo, por me terem ajudado a alargar os horizontes. Eng. Arnaldina Riesenberger que, sem querer, deu o rumo a esta investigao, e ao Prof. Dr. Francisco Queiroz, pela sugesto da atraco. A todos os que tornaram possvel esta dissertao: Dra. Clementina Quaresma, Sr. Domingos e Dra. Ana da Ordem Terceira de So Francisco, e todos os entrevistados. Aos meus amigos, por todo o apoio apesar da minha ausncia a todos os nveis. Ao Gonalo, pelas ddivas sem preo.
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palavras -chave
Morte, Turismo Negro, representaes e percepes dos visitantes.
resumo
Na sociedade contempornea, em que a morte simultaneamente presente e ausente do quotidiano dos indivduos, importante identificar as principais instituies que permitem o contacto entre o indivduo e a morte e as relaes que podem ser estabelecidas entre eles. O Turismo Negro, ou seja, a actividade turstica em locais de ou associados a morte e sofrimento, uma das mais importantes instituies mediadoras da morte. O Turismo Negro um objecto de interesse recente entre a comunidade acadmica. No obstante, tem vindo a ser abordado por alguns autores, e um tipo de turismo com variadas manifestaes por todo o mundo. A presente dissertao consiste num estudo exploratrio, de carcter qualitativo, sobre o modo como os visitantes de uma atraco de Turismo Negro a representam enquanto local ligado morte. Pretendemos por este meio perceber se a morte retirada da experincia turstica dos sujeitos, tanto de uma atraco especfica como de outras que possam ter visitado. Ao mesmo tempo, procurmos conhecer a atitude dos sujeitos em relao ao Turismo Negro e ao seu papel como mediador da morte na sociedade contempornea.
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keywords
and representations.
abstract
In contemporary society, where death is simultaneously absent and present from our daily lives, it is important to identify both the main institutions that allow for the contact between individuals and death to take place, and the relationships that can be established between them. Dark Tourism, in other words, tourist activity in places of or associated with death and suffering, is one of the most important institutions that mediate death. Dark Tourism has only recently become an object of interest amongst academics. Nevertheless, there is some work produced on this matter, and Dark Tourism has many manifestations throughout the world. This dissertation consists of a qualitative exploratory study about the way visitors of a Dark Tourism attraction represent it as a place connected to death. Our aim was to understand experience, both of a specific attraction and of others they may have visited. At the same time, we Tourism and its role as a mediator of death in contemporary society.
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NDICE GERAL
INTRODUO .............................................................................................................................. 12
1. A MORTE, OS TURISTAS, E O TURISMO ............................................................................... 16
1.1. EVOLUO DAS ATITUDES PERANTE A MORTE: DA MORTE DOMESTICADA MORTE SEQUESTRADA . 16
1.1.1. A MORTE NA CONTEMPORANEIDADE E O PARADOXO DA MORTE AUSENTE/PRESENTE .......... 21
1.2. OS VIVOS E OS MORTOS: MEDIADORES E RELAES ................................................................ 23
2.1. ANLISE CONCEPTUAL: EVOLUO E PROBLEMTICA DA DEFINIO DO TURISMO NEGRO ............ 32
2.2. PROPOSTAS DE CATEGORIZAO ......................................................................................... 35
2.2.1. SEGUNDO A OFERTA ................................................................................................. 36
2.2.2. SEGUNDO A PROCURA .............................................................................................. 42
2.2.3. PROPOSTA INTEGRADA.............................................................................................. 45
2.3. MANIFESTAES DE TURISMO NEGRO NO MUNDO ................................................................ 47
2.3.1. CAMPOS DE GENOCDIO NEGROS ............................................................................... 47
2.3.2. LOCAIS DE CONFLITO NEGROS .................................................................................... 51
2.3.3. SANTURIOS NEGROS ............................................................................................... 53
2.3.4. LOCAIS DE DESCANSO NEGROS ................................................................................... 55
2.3.5. MASMORRAS NEGRAS .............................................................................................. 56
2.3.6. EXPOSIES NEGRAS ................................................................................................ 59
2.3.7. FBRICAS DE DIVERSO NEGRAS ................................................................................ 62
3.1. HIPTESES DE INVESTIGAO ............................................................................................. 65
3.2. RECOLHA DE DADOS ......................................................................................................... 67
3.2.1. INSTRUMENTO ........................................................................................................ 68
3.2.2. SUJEITOS ................................................................................................................ 70
3.3. TCNICA DE ANLISE DOS DADOS ........................................................................................ 73
4. APRESENTAO E DISCUSSO DOS RESULTADOS DO ESTUDO EMPRICO ......................... 76
4.1. APRESENTAO DOS DADOS .............................................................................................. 77
4.1.1. GNERO ................................................................................................................. 77
4.1.2. CONVICES RELIGIOSAS ........................................................................................... 84
4.1.3. NACIONALIDADE ...................................................................................................... 90
4.1.4. IDADE .................................................................................................................. 103
4.2. ANLISE COMPARATIVA .................................................................................................. 114
4.2.1. GNERO ............................................................................................................... 114
4.2.2. CONVICES RELIGIOSAS ......................................................................................... 119
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ix
4.2.3. NACIONALIDADE ............................................................................................... 124
4.2.4. IDADE .................................................................................................................. 131
4.3. DISCUSSO DOS DADOS .................................................................................................. 136
5. CONCLUSES, RECOMENDAES E LIMITAES DO PRESENTE ESTUDO ........................ 144
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................................................. 150
APNDICES ................................................................................................................................ 158
ANEXOS ..................................................................................................................................... 214
NDICE DE TABELAS
Tabela 1 - Divises do Negro de Dann (adaptado de Sharpley, 2009) ........................................ 36
Tabela 2 - Hipteses explicativas da investigao ...................................................................... 66
Tabela 3 - Caracterizao geral dos sujeitos do pr-teste .......................................................... 68
Tabela 4 - Guio da entrevista com indicao das temticas e informao pretendida ............ 69
Tabela 5 - Descrio geral dos sujeitos entrevistados ................................................................. 71
Tabela 6 - Caracterizao dos sujeitos segundo a escolaridade ................................................. 72
Tabela 7 - Caracterizao dos sujeitos segundo a idade ............................................................. 72
Tabela 8 - Caracterizao dos sujeitos segundo o gnero .......................................................... 72
Tabela 9 - Caracterizao dos sujeitos segundo a nacionalidade ............................................... 73
Tabela 10 - Caracterizao dos sujeitos segundo as convices religiosas................................. 73
Tabela 11 - Sinopse das entrevistas aos sujeitos do gnero masculino ...................................... 77
Tabela 12 - Sinopse das entrevistas aos sujeitos do gnero feminino. ....................................... 80
Tabela 13 - Sinopse das entrevistas aos sujeitos que se consideram cristos ............................ 84
Tabela 14 - Sinopse das entrevistas aos sujeitos agnsticos/ ateus/ no cristos ..................... 87
Tabela 15 - Sinopse das entrevistas aos sujeitos de nacionalidade portuguesa ......................... 91
Tabela 16 - Sinopse das entrevistas aos sujeitos de nacionalidade espanhola ........................... 93
Tabela 17 - Sinopse das entrevistas aos sujeitos de outros pases europeus .............................. 96
Tabela 18 - Sinopse das entrevistas aos sujeitos de pases anglfonos ...................................... 98
Tabela 19 - Sinopse das entrevistas aos sujeitos latino-americanos ........................................ 101
Tabela 20 - sinopse das entrevistas aos sujeitos com idades entre os 23 e os 48 anos ............ 104
Tabela 21 - Sinopse das entrevistas aos sujeitos com idades entre os 49 e os 73 anos ............ 107
Tabela 22 - Sinopse geral das entrevistas ................................................................................. 110
Tabela 23 - Sinopse comparativa da varivel gnero ............................................................... 115
Tabela 24 - Sinopse comparativa da varivel convices religiosas ......................................... 119
Tabela 25 - Sinopse comparativa da varivel nacionalidade .................................................... 124
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x
Tabela 26 - Sinopse comparativa da varivel idade .................................................................. 131
NDICE DE FIGURAS
Figura 1 - Consumo do Turismo Negro numa perspectiva tanatolgica (adaptado de Stone,
2009). .......................................................................................................................................... 28
Figura 2 - Contnuo de Intensidade de Thanaturismo de Seaton (adaptado de Seaton, 1996). . 33
Figura 3 - Espectro de tonalidades da Oferta de Turismo Negro de Stone (adaptado de Stone,
2006) ........................................................................................................................................... 39
Figura 4 - Matriz da procura e da oferta do Turismo Negro de Sharpley (adaptado de: Sharpley,
2009) ........................................................................................................................................... 45
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INTRODUO
Desde que o turismo comeou a ser alvo de interesse por parte da comunidade acadmica que
se vm tentando encontrar padres comuns aos turistas, no sentido de identificar tendncias
e comportamentos que permitam um melhor planeamento e uma maior compreenso da
actividade turstica e dos que a praticam.
medida que o estudo do Turismo se intensificou e novas perspectivas de anlise foram sendo
nele includas, vrias tipologias de Turismo foram identificadas ou pelo menos propostas. Fala-
se hoje em Turismo de Negcios, Turismo Rural e de Natureza, Turismo Comunitrio, Turismo
Extremo, Turismo Pro-poor. Como lgico, estas categorizaes surgem do agrupamento de
comportamentos e motivaes comuns a grupos de turistas, os quais, como seres humanos, s
se podero comportar no reflexo da sociedade em que vivem.
H tipos de Turismo que s recentemente comearam a ganhar popularidade entre os
estudiosos da rea a nvel mundial. Nesta dissertao pretendemos analisar especificamente
uma delas: o Turismo Negro.
Esta uma rea de estudos ainda muito nova dentro do estudo acadmico do Turismo, e que
atravessa actualmente um crescendo de popularidade junto dos acadmicos e dos turistas
(Sharpley, 2009).
O que , ento, o Turismo Negro? partida e apenas pela adjectivao podemos adivinhar:
negro tem a ver com coisas fnebres, ttricas, escatolgicas e obscuras (Priberam Informtica,
S.A., 2012). O Turismo Negro ter ento algo a ver com um interesse ou oferta de produtos
de viajar para locais associados coisa
aparentemente marginal e retida apenas por meia-dzia de atraces e grupos especficos da
sociedade.
E se dissssemos que, segundo a definio apresentada acima, vrias das atraces tursticas
mais visitadas em todo o mundo podem constituir locais de Turismo Negro? Pensemos
rapidamente em trs ou quatro destinos: Paris, Nova Iorque, Egipto, ndia. Algumas das
atraces tursticas mais famosas de cada um desses destinos esto inegavelmente associadas
a morte e sofrimento.
Em Paris, a Torre Eiffel era em 2009 um dos locais mais populares para suicdios da Europa
(Paris365Days.com, 2009), e tambm em Paris que se situa um dos cemitrios mais visitados
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do mundo o Cemitrio do Pre Lachaise (ver pgina 55 desta dissertao). No Egipto,
atraces to populares como as pirmides ou o Vale dos Reis so, na realidade, tmulos ou
compostas por eles; mesmo a arte exposta no Museu do Cairo em grande parte funerria,
para no mencionar as mmias (Hawkins, s.d.). O Taj Mahal, na cidade indiana de Agra,
vulgarmente considerado um local romntico e muito adequado para pedidos de casamento
(Squidoo, LLC, 2012) no entanto trata-se do local de descanso final da muito amada esposa
do X Jahan (Taj Mahal, 2012). E em Nova Iorque, um dos locais mais visitados pelos turistas
o Ground Zero (NYCTourist.com, 2012), palco de um dos atentados mais mediatizados dos
ltimos tempos, onde milhares de pessoas viram outras morrer em directo.
No foi preciso recorrer a exemplos obscuros e pouco populares de atraces com uma ligao
morte os exemplos dados so de destinos e atraces largamente visitados e conhecidos.
E, tal como estes, podamos ter dado outros: a Grande Muralha da China, considerada o maior
cemitrio do mundo (Rodriguez, 2011), o Coliseu de Roma, que acolhia espectculos de morte
para entretenimento das massas, o campo de concentrao de Auschwitz-Birkenau.
Tendo isto em conta, ficar mais fcil compreender que o Turismo Neg
, sim, uma nova perspectiva que incide sobre a relao com a morte de
variadas atraces e uma grande quantidade de visitantes.
O objectivo inicial desta dissertao era o de fazer um estudo sobre o Turismo Negro numa
cidade portuguesa, identificando o interesse dos turistas potenciais e o seu perfil.
Seleccionmos ento a cidade do Porto pela sua imagem cosmopolita e, principalmente, pela
relativa popularidade na cidade das visitas aos cemitrios Romnticos. Foi nesse contexto que
procurmos entrevistar uma das responsveis e principais impulsionadores das visitas aos
cemitrios Romnticos portuenses: a Eng. Arnaldina Riesenberger, Tcnica Superior do
Departamento Municipal de Parques Urbanos e Higiene Pblica da Cmara Municipal do Porto.
Esta entrevista teve um carcter exploratrio e foi composta de perguntas abertas. Segundo
Quivy e Campenhoudt (1992:67), a utilidade das entrevistas exploratrias reside no facto de
meno estudado, nos quais o investigador no
De facto, a entrevista exploratria que fizemos Dra. Arnaldina Riesenberger veio ditar um
novo rumo para a nossa investigao. Como se pode ler na transcrio da entrevista em anexo
(Anexo 1), houve da parte da Dra. Arnaldina uma total disponibilidade em colaborar com a
nossa investigao, fornecendo-nos toda a informao de que dispunha sobre o Turismo
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Cemiterial no Porto. Mas, ao mesmo tempo, verificmos que havia, no seu discurso, uma
ausncia de referncias morte (a palavra foi mencionada apenas duas vezes em cerca de 40
minutos de entrevista) que nos pareceu curiosa, uma vez que se estava a falar sobre
cemitrios, e uma
mesmos.
Foi esta entrevista que causou uma mudana de rumo na investigao, que to bem se resume
eu
poder de motivao, recoberto por outros problemas mais essenciais que me levavam ao
Centrmos a nossa investigao em torno de uma nova pergunta de partida: De que modo os
visitantes de uma atraco de Turismo Negro a representam enquanto local ligado morte?
Procurmos responder a essa pergunta atravs de uma reviso de literatura e de um estudo
emprico.
A reviso de literatura aborda, no primeiro captulo, a evoluo das atitudes perante a morte
na ocidentalidade. Este captulo inicial aprofunda a atitude contempornea perante a morte,
que paradoxal: temos a morte ausente, por um lado, pois ela remetida para locais e
situaes marginais ao quotidiano, e por outro lado a morte presente, que nos chega atravs
dos meios de comunicao e da cultura popular (Stone, 2009b). Ao mesmo tempo, fazemos
uma abordagem aos principais mediadores e relaes entre os indivduos e a morte, com
particular destaque para o papel do Turismo Negro enquanto um desses mediadores.
O segundo captulo dedicado ao Turismo Negro. Este um conceito novo para a comunidade
acadmica, o que faz com que haja ainda opinies e perspectivas de anlise muito dispersas,
pelo que, neste captulo, fizemos uma recolha dessas diferentes opinies e perspectivas com o
objectivo de oferecer um panorama da evoluo do conceito de Turismo Negro. Inclumos
tambm neste captulo as principais propostas de categorizao do Turismo Negro, quer pelo
lado da oferta como pelo da procura, alm da nica proposta de classificao encontrada que
integra essas duas dimenses. tambm neste segundo captulo que, baseados na proposta
de classificao do Turismo Negro de Stone (2006), apresentamos vrios exemplos de
manifestaes de Turismo Negro no mundo e, sempre que possvel, tambm em Portugal.
O terceiro captulo desta dissertao contm a explicao sobre a metodologia por ns
utilizada. Em primeiro lugar clarificada a natureza do estudo exploratria, destinada a
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trazer mais luz sobre um fenmeno ainda pouco estudado. De seguida so explicitadas as
hipteses da investigao, tanto as que surgiram da reviso de literatura e serviram como guia
de toda a investigao emprica, como as hipteses explicativas que surgiram apenas no
decorrer do estudo emprico. So depois apresentados os sujeitos que forneceram os dados
para a nossa investigao, no sem antes se explicar o processo de seleco dos mesmos. O
mtodo de recolha de dados usado para esta investigao foi a entrevista e abordado a
seguir: so considerados os aspectos relevantes realizao de entrevistas e mencionado o
local e o perodo de anlise. Seguidamente referimos a elaborao do instrumento usado para
as entrevistas o guio e explicamos as fases por que passmos at chegarmos ao guio
definitivo. A parte final do captulo sobre a metodologia dedicada tcnica de anlise de
dados utilizada nesta dissertao: a anlise de contedo.
O quarto captulo o que contm o estudo emprico propriamente dito. Na primeira parte
deste captulo fazemos uma apresentao dos dados obtidos na investigao. Primeiramente
so apresentados os dados especficos das diferentes variveis independentes em anlise:
gnero, nacionalidade, idade, e convices religiosas e feita uma caracterizao geral, para
depois passarmos a uma anlise comparativa dos dados, por varivel. Posteriormente a esta
apresentao fazemos uma discusso dos resultados obtidos, procurando relacionar os dados
do estudo emprico com a reviso de literatura que efectumos, reflectindo sobre a
plausibilidade das nossas hipteses.
O captulo final da dissertao contm as concluses da investigao, bem como as
recomendaes que delas nos so permitidas retirar. Inclumos tambm neste captulo a
meno s limitaes do presente estudo, e s recomendaes e sugestes que fazemos para
estudos futuros.
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1. A MORTE, OS TURISTAS, E O TURISMO
Neste captulo procuramos em primeiro lugar resumir a evoluo das atitudes perante a morte
na sociedade ocidental, desde a Idade Mdia at ao Romantismo, a partir da obra Sobre a
Histria da Morte no Ocidente desde a Idade Mdia, de Philippe Aris (1988). Este resumo
servir de enquadramento atitude contempornea perante a morte, que iremos abordar a
seguir. Em seguida analisamos os constructos sociais e cientficos usados para evocar o
conceito de morte actual, concretamente o Turismo Negro, e quais so as relaes que se
estabelecem aquando da utilizao dos diferentes mediadores sociais e cientficos.
1.1. EVOLUO DAS ATITUDES PERANTE A MORTE: DA MORTE DOMESTICADA MORTE SEQUESTRADA
At segunda Idade Mdia, ou seja, sensivelmente at ao sculo XII, a morte no era, falta
de melhor expresso, nada de especial. Aris (1988) chama-lhe a morte domesticada.
Nesta altura a morte era uma cerimnia pblica, organizada pelo moribundo que chefiava o
protocolo, ajudado pelo padre e pelos familiares. O mesmo moribundo aguardava a morte
jazendo doente no leito, tendo plena conscincia de que a sua morte se aproximava. A
cerimnia a que o moribundo presidia era assistida por quem quisesse, fossem parentes,
amigos, vizinhos, ou pessoas que simplesmente fossem a passar e se apercebessem de que
algum estava a morrer em determinada casa (Aris, 1988). As crianas no eram, de modo
algum, afastadas destes rituais, mas antes assistiam a eles como todos os outros.
De facto, os ritos da morte eram aceites e cumpridos num cerimonial sem dramatismo, j que
Na poca romana e pr-crist, os mortos eram afastados dos vivos, ou seja, os locais de
enterramento situavam-se longe das cidades. Contudo, havia lugar homenagem, s
sepulturas e aos rituais, para que os mortos no voltassem para junto dos vivos e seguissem o
seu caminho.
Na idade mdia, e at aos scs. XVI e XVII, o corpo era confiado igreja, que o conservaria em
recinto sagrado (sepultura ad sanctos). O importante era que os ossos ficassem perto de um
altar, o que seria garantia de que as almas dos defuntos seriam salvas. Depois, quando a rea
de enterramento se expande e surgem os cemitrios, estes tornam-se locais pblicos. A se
construam casas que desfrutavam de certos privilgios fiscais ou dominiais, e o cemitrio
tornou-se local de encontro ou de reunio, com habitaes, lojas e mercadores, em que a vida
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e morte coabitavam lado a lado. Esta coabitao chegou a tal ponto que, em 1405, um conclio
papal proibiu que no cemitrio se danasse, jogasse fosse o que fosse, e que actores,
malabaristas, msicos e charlates exercessem a sua actividade suspeita. que, antes desta
ravam superfcie dos cemitrios como o crnio
de Hamlet, no impressionava mais os vivos do que a ideia da sua prpria morte. Estavam to
A partir do sculo XII, comea a formar-se uma nova atitude perante a morte. Ela deixa de ser
domesticada e passa a ser a morte de si prprio. Mas a mudana do paradigma da morte
domesticada no aconteceu de repente. Tratou-se de um processo, com subtis alteraes
introduzidas progressivamente que levaram a uma nova atitude perante a morte. No
estamos, portanto, perante uma ruptura, mas sim perante uma evoluo:
No se trata convm esclarecer desde o incio duma atitude nova que substituir a
precedente que acabmos de analisar, mas de modificaes subtis que, pouco a pouco, vo
conferir um sentido dramtico e pessoal familiaridade tradicional do homem e da morte.
(Aris, 1988: 31)
Esta familiaridade tradicional estava ligada ideia de um destino colectivo: a morte era apenas
que acontece a partir dos scs. XI-XII o surgimento gradual de uma preocupao com a
individualidade.
A primeira das alteraes acima mencionadas tem a ver com a representao do Juzo Final.
Nos primeiros sculos do cristianismo acreditava-se que o Juzo Final aconteceria no final dos
tempos e s os membros da Igreja, que lhe tinham confiado o seu corpo, seriam salvos. Os
membros da Igreja, colectivamente, repousariam em paz at
nesta concepo, para uma responsabilidade individual, para uma contagem das boas e ms
As coisas mudam a partir do sc. XII, comeando a dar-se mais importncia ao julgamento das
aces do indivduo pesagem das almas, ao balano que feito entre as boas e as ms
aces da vida dele. Este balano seria registado e carregado por cada alma at ao ltimo dia
do mundo ou o final dos tempos, o que, segundo Aris (1988:33), significa uma recusa de ver a
morte fsica como o fim do ser.
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Tambm muda a altura em que o Juzo Final aconteceria: j no no final dos tempos, mas no
final da vida de cada um, o que constitui mais uma manifestao da passagem para uma viso
mais individualista da morte. Segundo esta nova concepo, o Juzo Final teria lugar no quarto
do moribundo, que como vimos anteriormente, aguarda a morte no leito. Este juzo assume
um carcter de provao final, que o moribundo deve superar para alcanar a vida eterna. O
moribundo continua a ter um papel central na cerimnia da sua prpria morte, mas este ritual
tornou-se dramtico e revestiu-se de um carcter emocional.
Outra alterao que levou mudana para a morte de si mesmo foi o aparecimento do
cadver na arte e na literatura. A representao do cadver no era comum na arte e
vulgarizao dos objectos macabros s acontece no sculo XVII, quando a morte passa a ser
representada no como cadver em decomposio mas sim como um esqueleto, a morte
secca.
O horror da morte fsica e da decomposio torna-se um tema comum na poesia, que assume
um novo sentido macabro, como sinal da runa do homem. Esta runa, por sua vez, assume
sentia a permanente pre
(Aris, 1988:38), e por isso tinha uma enorme paixo pela vida.
Por estes motivos podemos, antes de analisar a terceira alterao, afirmar que as
representaes da morte, do conhecimento autobiogrfico, e do amor pela vida se
aproximaram, graas a uma noo de autoconscincia causada pela presena/ideia da morte.
Esta terceira alterao diz respeito s sepulturas, mais concretamente sua individualizao.
Na Roma antiga, toda a gente tinha uma sepultura, normalmente assinalada. Isso comea a
desaparecer a partir do sculo V, e as sepulturas tornam-se annimas, para o que tambm
contribui o advento da sepultura ad sanctos. Por volta do sculo XII, as inscries funerrias e
as efgies reaparecem, inicialmente nas sepulturas de santos e pessoas ilustres. A
personalizao crescente, espalhando-se dos tmulos dos poderosos para os das pessoas
mais simples.
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Salienta-se tambm o papel dos testamentos, que nesta altura transmitiam as indicaes do
defunto no s sobre o modo do seu enterro mas tambm sobre os servios religiosos a serem
efectuados pela salvao da sua alma.
anteriormente desconhecida entre a morte de cada um e a conscincia que possua da sua
A partir do sculo XVIII, d-se uma nova mudana na atitude perante a morte, que passa a ser
exaltada, dramatizada, lamentada e objecto de culto nos cemitrios. Mas esta nova morte j
no a do prprio, e sim a morte do outro. Mais uma vez, esta mudana no foi repentina, e
sim o resultado das alteraes que iam acontecendo na sociedade e na cultura.
Uma dessas alteraes foi a associao entre Thanatos e Eros na arte e na literatura: a morte
ganhou um sentido ertico. Esta associao assemelha a morte ao acto sexual no sentido em
que ambos representariam uma ruptura com a racionalidade do quotidiano - ideia que
inteiramente nova, j que at ento a morte (mesmo individualizada), era algo corriqueiro,
familiar. No entanto, o erotismo no se manteve como elemento cru nesta atitude perante a
morte: ele foi sublimado e transformado em Beleza. Surge a morte Romntica, tantas vezes
referida na literatura do mesmo perodo.1
Para alm disso, tambm a relao ente o moribundo e a famlia se altera. Por exemplo, os
testamentos, que at ento constituam o meio onde o moribundo expressava os seus
sentimentos e vontades, tornam-se, ou reduzem-
fortu -se em parte laicizao da
sociedade, e sobretudo evoluo das relaes familiares. O moribundo podia agora depositar
na famlia parte do poder que reunia na conduo das suas cerimnias fnebres.
Continua a esperar-se a morte no leito, na cerimnia ritualizada j referida, mas o
comportamento dos assistentes altera-se. A ideia de separao do ente querido torna-se
intolervel, mas ao mesmo tempo encarada com alguma complacncia. Nas palavras de Aris
rezas e outras manifestaes de dor exagerada.
1 Alguns exemplos: Fausto (Goethe, 1808), Escurido, O Enterro (Lord Byron, 1816 e 1819), Monte dos Vendavais (Emily Bront, 1847), Viagens na Minha Terra (Almeida Garrett, 1846), Amor de Perdio (Camilo Castelo Branco, 1862).
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O espectculo do luto assume nesta altura o seu expoente mximo. Tratava-se de um luto
exagerado e nem sempre muito sentido, mas que ento era levado a cabo da forma mais
ostentosa possvel: chorava-se, desmaiava-se, definhava-se e morria-se de tristeza com a
morte do ente querido. A morte temida no era, por conseguinte, a prpria, e sim a do outro.
Uma vez que a atitude vigente era a morte do outro, o enterramento ad sanctos j no podia
ser tolerado, tampouco os cemitrios sobrelotados nos adros das igrejas, dos quais emanariam
perigosos miasmas e que violariam a dignidade dos mortos. Estes deveriam ser venerados, a
exem
traduziu-se em prticas que hoje podem ser consideradas peculiares, tais como conservar os
cadveres de entes queridos em lcool para serem vistos ou enterr-los em propriedade
privada. Tudo isto feito com o intuito de permitir o acesso ao morto, que deve agora ser
visitado regularmente. A prpria sepultura torna-se em propriedade perptua da famlia. Esta
tudo faz para imortalizar o ente querido, que morreu, mas no foi esquecido e estar sempre
presente na sua memria e nos seus coraes.
O culto dos cemitrios e dos tmulos talvez uma das mais conhecidas e evidentes
manifestaes desta nova atitude perante a morte. Se at segunda metade do sculo XVIII,
mesmo co
altura a situao muda radicalmente.
Um aspecto curioso da visita aos cemitrios o seu carcter laico. Mesmo quem no
frequentava a igreja ia ao cemitrio; mitigar a saudade do defunto no era necessariamente
uma obrigao religiosa. O culto dos mortos , ento, fortemente enraizado na sociedade, e
tanto privado como pblico. De facto, o culto pblico em particular extremamente
importante. Os cemitrios assumem-se como um espelho da cidade e uma parte dela de pleno
direito.
O culto dos mortos foi rapidamente adoptado pelo catolicismo, embora seja de origem
positivista (Aris, 1988). No obstante, mais forte nos pases do Sul da Europa mais
influenciados pela religio catlica, como Espanha, Itlia, e Portugal. Em pases com maior
influncia do protestantismo, como a Inglaterra e os EUA, este culto no foi to significativo.
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1.1.1. A MORTE NA CONTEMPORANEIDADE E O PARADOXO DA MORTE AUSENTE/ PRESENTE
Vimos desde j desenvolverem-se tendncias que daro origem atitude contempornea
perante a morte: a progressiva retirada de poder ao moribundo, a individualizao da morte, e
uma certa secularizao, nomeadamente no culto aos mortos. Mas, e mais importante, a
morte comea a tornar-se algo que perturba o normal decorrer da vida das pessoas.
Aris (1988) chama-lhe a morte interdita. Para este autor, a atitude contempornea perante a
morte pautada principalmente pela recusa em abord-la: a morte passou a ser um tabu na
sociedade. Giddens (1991) chama-lhe a morte sequestrada: ela retirada da normal vivncia
do ser humano e remetida para locais e circunstncias excepcionais. Stone (2009b) diz que se
trata de um sequestro institucional, j que desses locais e circunstncias excepcionais fazem
parte instituies especializadas como hospitais, morgues, funerrias, etc.
Actualmente procura-se que a morte seja discreta, bem como os rituais subsequentes. O
funeral quer-
que o luto era uma instituio social obrigatria, ele mascarava muitas vezes uma resignao
rpida: era comum que os vivos voltassem a casar rapidamente. Contudo, para os que
sofriam verdadeiramente, este perodo de luto institudo era uma preciosa ajuda para que
pudessem lidar com o seu desgosto com a ajuda de familiares e amigos. Nos nossos dias isto
no acontece: o sofrimento deve ser mantido em privado, as suas manifestaes controladas,
e talvez por isso o trauma seja muito mais profundo (Aris, 1988).
luto masturbao, e cunha a ideia de que, se antes o sexo era o principal tabu na sociedade
ocidental, a morte assume agora esse papel. Por exemplo, at ao sc. XX, as crianas
participavam normalmente nos rituais da morte, mas agora quando morre um familiar ou
mesmo um animal, elas so afastadas e -
(Aris, 1988). No obstante, desde pequenos tm acesso a educao sobre a
sexualidade.
Aris (1988) acha curioso que um interdito estabelecido durante sculos, como era o do sexo
obviamente ligado religiosidade seja to subitamente substitudo por este outro, o da
morte, a qual tantas vezes at ento fora um espectculo pblico. A explicao avanada por
este autor que a substituio brusca de um interdito para outro tem a ver com o imperativo
da felicidade: a sociedade ocidental actual diz-nos que a vida tem que ser feliz, nada mais l
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cabe seno a felicidade, e s devemos contribuir para a felicidade dos outros. Ora, a morte,
obviamente, vem perturbar esta felicidade.
Como j referimos, a morte sequestrada , tambm, secularizada ou des-sacralizada (Aris,
1988, Giddens, 1991). O processo de des-sacralizao da morte, segundo Giddens (1991),
privou a morte de significado, ao mesmo tempo que privou o indivduo dos tradicionais
mecanismos para lidar com ela. Obviamente que, como refere Aris (1988), isso no acontece
com a mesma intensidade em todos os pases, nomeadamente nos pases sob forte influncia
do catolicismo como o caso de Portugal.
O que sucedeu na sociedade contempornea foi que no foram criadas novas verdades
cientficas para substituir as religiosas. Segundo Giddens (1991), a cincia no conseguiu criar
novos valores ou sequer significados para a morte, deixando o indivduo sozinho em confronto
com ela a morte passou ento do domnio pblico para a esfera pessoal de cada um, e cada
um tem agora que encontrar maneira de fazer sentido da sua vida. Embora a diversidade
cultural que existe actualmente possa contribuir com maior nmero de recursos para que os
indivduos criem os seus prprios mecanismos para lidar com a morte, isso significa mais uma
vez que o indivduo forado a criar sozinho os seus prprios mecanismos para lidar com a
morte e responder sua necessidade intrnseca de estabilidade e segurana, ou segurana
ontolgica (Giddens, 1991).
Para esse efeito, a sociedade vai recorrer a um processo de excluso de tudo aquilo que pode
ameaar a continuidade do enquadramento social em que decorre a vida humana. Por outras
palavras, o indivduo vai procurar afastar da sua vida quotidiana todos os elementos que lhe
causem uma ansiedade primordial, ou, apoiando-nos em Kierkegaard (1944, citado por
Giddens, 1991), angstia. Ora, a morte ser certamente um deles (Stone, 2009b).
Contudo, esse processo de excluso nem sempre bem-sucedido, porque muito difcil
excluir algo to poderoso como a morte o que ir dar origem ao contacto com a angstia,
que por sua vez vai causar o que Giddens (1991) intitula
tornando-se um verdadeiro problema. Este problema resolvido pela sociedade atravs de
um compromisso, que consiste em negar a morte at certo ponto, focando-se ao invs na
celebrao da vida, e da beleza (Stone, 2009b).
No podemos deixar ainda de falar da medicalizao da morte. Esta agora um fenmeno
mdico e no algo natural, que acontece a todos. De facto, a morte por vezes uma deciso
mdica, agora que um corpo pode ser mantido em funcionamento muito tempo depois de as
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funes cerebrais terem parado a morte decomposta em vrios momentos, desde a perda
de conscincia at ao desligar das mquinas (Aris, 1988). De qualquer modo, a morte vista
como uma falha da medicina.
No entanto, no se poder afirmar que a morte est completamente ausente da cultura
popular (Durkin, 2003). De facto, a morte entra-nos em casa todos os dias atravs da televiso,
imprensa, cinema, msica, literatura, etc. (vide ponto 1.2 desta dissertao). Basta, por
exemplo, vermos a explorao feita pelos media (TV e imprensa) na cobertura de guerras,
desastres, morte e funerais dos famosos para percebermos que a morte no est assim to
ausente da nossa vida. Walter (1991:295, citado por Stone, 2009b:31) explica que esta morte
que nos transmit
verdadeira morte. Mas, em todo o caso, continua a ser morte.
Estamos ento perante um paradoxo, que Stone (2009b) chama o paradoxo da morte
ausente/presente. Morte ausente porque sequestrada, privada de significado pblico,
medicalizada. Morte presente porque diariamente veiculada nos meios de comunicao e na
cultura popular.
1.2. OS VIVOS E OS MORTOS: MEDIADORES E RELAES
nd moral terror are your friends. If
(Coronel Walter E. Kurtz, Apocalypse Now)
Como vimos anteriormente, a atitude contempornea perante a morte consiste em retir-la
da vida quotidiana, escond-la e torn-la tabu. Contudo, mesmo numa tal sociedade h
mecanismos e instituies que permitem um certo contacto entre vivos e mortos (Walter,
2009): so os chamados mediadores da morte. Estes mediadores so na verdade nada mais
que um filtro, que permite s pessoas no lidarem com a morte directamente.
A famlia, por exemplo, constitui um destes filtros. na famlia que tradicionalmente se
contam histrias e se partilham memrias dos antepassados que j morreram, fazendo assim
uma ligao entre eles e o mundo dos vivos (Walter, 2009).
Interessa aqui salientar que a morte no toda igual. Mais propriamente, a memria da morte
no toda igual, e isso ter influncia no modo como nos relacionamos com ela. Walter (2009)
faz um resumo dos vrios tipos de memria: ela pode ser de primeira gerao, ou seja, de
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acontecimentos e pessoas que presencimos e conhecemos; pode tambm ser de segunda
gerao, a qual, como o nome indica, diz respeito s memrias dos nossos pais e educadores,
que so a fonte primria de socializao. A memria de terceira gerao e mais distante j
requer determinados instrumentos para entrar na nossa conscincia, como a genealogia e a
Histria (Walter, 2009).
Na sociedade actual, frequentemente constituda por disporas (Walter, 2009), a genealogia
um importante mediador ente a vida e a morte. Muitas vezes os indivduos no se sentem
perfeitamente enquadrados ou at sentem-se desenraizados no local para onde se deslocaram
(ou foram deslocados), o que pode dar origem a um interesse crescente pela genealogia para
o qual contribui a qualidade dos registos que existem actualmente. Walter (2009) faz uma
distino entre a genealogia e a ascendncia: para este autor, a genealogia permite
reconstituir a nossa linhagem familiar, mas permeada por um certo distanciamento. J a
ascendncia significa o conhecimento dos antepassados que deram origem quilo que somos
hoje enquanto pessoas.
A Histria e a arqueologia so dois outros mediadores entre a vida e a morte, sendo que a
morte nestes casos uma morte mais antiga, que no faz parte da memria da nossa gerao.
O registo do passado amplamente acessvel que a Histria permite que o cidado annimo
reveja o passado com desprendimento e sem estabelecer relaes de familiaridade; esse
desprendimento acontece tambm na arqueologia, que analisa e reconstri o passado atravs
dos vestgios que dele permanecem vestgios esses que pertencem Humanidade e no a
nenhum grupo em particular, ainda que comprovadamente descenda dos que deixaram esses
vestgios2.
A religio outra das instituies que tradicionalmente proporcionava algum tipo de
mediao entre os vivos e os mortos, j que cada religio tem os seus rituais e crenas
especficos que permitem ao indivduo lidar com a morte. Contudo, como j vimos
anteriormente, a secularizao da sociedade levou a que o papel da religio como mediadora
fosse absorvido em grande parte pela medicina (Aris, 1988, e Walter, 2008), e pelos mass
formao e
2009:43). Os prprios cemitrios e sepulturas constituem um outro mediador, ao serem locais
2 Talvez o caso mais conhecido seja a luta do estado Egpcio, encabeada pelo arquelogo Zahi Hawass, pela devoluo dos artefactos e restos mortais da antiga civilizao egpcia que esto espalhados pelo mundo.
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em que o mundo dos vivos e o dos mortos se confundem (Walter, 2009) - ainda que estejam
despojados de muita da importncia que j lhes foi atribuda (Aris, 1988).
Tambm j falmos anteriormente sobre a importncia dos testamentos, os quais constituem
um meio de comunicao entre os mortos e os vivos, talvez o ltimo momento em que os
desejos dos mortos so ouvidos (Aris, 1988).
Se estes mediadores so de certa forma bvios, h outros em que no se pensa num primeiro
momento. Mas, para Walter (2009), as fotografias, a msica, e a literatura so tambm
instituies que medeiam o contacto entre vivos e mortos. Permitimo-nos acrescentar a esta
lista a televiso, a imprensa e o cinema, que, para Durkin (2003), constituem tambm meios
atravs dos quais nos possvel contactar com a morte.
As fotografias so um meio que permite registar momentos e pessoas do passado, permitindo-
nos rev-los, mas ao mesmo tempo lembrando-nos que ns, tambm, morreremos um dia -
memento mori3 (Walter, 2009).
Segundo Walter (2009), a msica um mediador privilegiado e amplamente difundido, j que
a morte um tema recorrente e at tradicional em vrios estilos musicais, como a pera e a
msica clssica. Tambm os modernos hip-hop e rock contm uma abundncia de referncias
morte, quer seja atravs de letras violentas como as de Snoop Dogg, Eminem, Rammstein
(entre muitos outros), ou mesmo do nome das bandas: Pagan Death, Et Moriemur, Anthrax,
Megadeath... (Durkin, 2003). Mesmo o pop no imune temtica tanatolgica. Damos o
exemplo da artista Lana del Rey, que recentemente alcanou sucesso internacional com um
esta ltima fala da dificuldade em superar a morte de um ser amado.
A morte e o sofrimento tm tambm sido temas amplamente tratados na Literatura (Durkin,
2003 e Walter, 2009), por exemplo por autores clssicos como Shakespeare (exs.: Hamlet,
Romeu e Julieta) e Victor Hugo (exs.: Os Miserveis), e tambm por autores contemporneos
premiados como Jos Saramago (As Intermitncias da Morte). Mas a temtica tanatolgica
3 a-- -
fotografias tiradas post-mortem, hbito comum no sculo XIX em alguns pases. O corpo era muitas vezes posicionado de forma a simular que estava vivo, com auxlio de suportes e arames. Crianas de vrias idades, com ou sem os pais, so tambm viso comum nestas fotografias, que muitas vezes eram as nicas que a pessoa tirava em toda a sua vida (ou morte). Para mais informaes sobre este
http://mourningphotography.com/, onde para alm de informao mais detalhada se podem
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est presente tambm na literatura menos elitista. De facto, a lista de best-sellers em vrias
cadeias de lojas inclui livros cuja temtica assenta em grande parte na morte e no sofrimento
como Os homens que odeiam as mulheres, de Stieg Larsson (2008), O ltimo Segredo, de Jos
Rodrigues dos Santos (2011), e Raposas Inocentes de Torey Hayden (2012) (Fnac, 2012, e
Grupo Porto Editora, 2012).
A televiso outro dos mediadores da morte. Se pensarmos em algumas das sries de TV com
mais sucesso internacional nos ltimos anos, verificamos que muitas delas tm um tema
tanatolgico (Durkin, 2003): CSI, Servio de Urgncia (E.R.), Mentes Criminosas, Dr. House,
Spartacus, The Walking Dead...
Para alm disso, as estaes de televiso esforam-se por transmitir com o mximo de
pormenor informao sobre a morte dos famosos e dos annimos que morreram em situaes
peculiares, quer tenham sido crimes, acidentes ou desastres naturais. Veja-se por exemplo os
casos recentes das mortes de Whitney Houston. Amy Winehouse, Anglico Vieira, mas
tambm de Khaddaffi, Saddam Hussein, Osama bin Laden, que foram alvo de ampla cobertura
noticiosa tanto por parte da televiso como da imprensa, a qual tambm um mediador da
morte (Durkin, 2003).
H, contudo, uma diferena entre as notcias sobre morte produzidas pela televiso e pela
imprensa. Segundo Durkin (2003), a representao da morte na imprensa tende a ser menos
explcita e at a no conter referncias explcitas morte, recorrendo-se ao invs ao uso de
eufemismos. A excepo a esta regra sero os tablides e publicaes sensacionalistas (Durkin,
2003).
Outro dos mediadores da morte apontados por Durkin (2003) o cinema, que com as mais
recentes e avanadas tcnicas e efeitos especiais mostra a morte com maior realismo. Mais
que isso, Durkin (2003) afirma que os temas tanatolgicos ou mrbidos fazem parte da
tradio do cinema, no s em filmes de guerra e de terror como mesmo em comdias.
Em resumo, e aproveitando uma frase de Walter (2009:43), as instituies mediadoras entre
mesmo autor afirma que sero os trs ltimos que do origem s duas principais instituies
mediadoras na nossa sociedade: os mass media e o Turismo. Para Walter (2009) estes esto
consultar vrias galerias destas imagens.
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intimamente relacionados: ambos constituem um meio de divulgao e interpretao de
morte e sofrimento para milhares de pessoas. Em sculos passados saa-se em famlia para
assistir a execues pblicas, agora elas so transmitidas na TV ou Internet para todo o
mundo4; agora podemos com relativa facilidade visitar os locais da morte e sofrimento de que
tommos conhecimento pelos media.
Segundo Giddens (1991), a maneira de se adquirir segurana ontolgica consiste no recurso a
instituies e experincias que vo intermediar o contacto com o que poder ameaar essa
segurana, como por exemplo a morte e o sofrimento. Mas nem todos os destinos, atraces e
outras manifestaes tursticas podem cumprir este papel. Ao conjunto dos locais, atraces e
exposies relacionados com morte e sofrimento e prtica de os visitar chama-se Turismo
Negro (Sharpley, 2009, Stone, 2009b, Lennon & Foley, 2000).
O Turismo Negro permite aos indivduos darem azo sua curiosidade e fascnio por objectos
tanatolgicos, num ambiente socialmente aceite e por vezes mesmo sancionado, constituindo
uma oportunidade para a elaborao das prprias construes de mortalidade, e tambm para
a contemplao da condio humana (Stone, 2009b).
O modelo adaptado de Stone (2009b) figura 1 na pgina seguinte- procura esquematizar o
modo como o Turismo Negro pode ajudar o indivduo a lidar com a mortalidade.
Partindo da atitude contempornea perante a morte e do paradoxo da morte ausente/
presente, o modelo evidencia a formao da insegurana ontolgica e o surgimento da
necessidade de contactar com a morte de alguma forma. O Turismo Negro surge ento como
um
(Stone &
Sharpley, 2008:585), promovendo desta forma a criao de alguma segurana ontolgica.
Stone (2011:28) identificou quatro motivos que explicam o papel do Turismo Negro enquanto
mediador da morte na sociedade contempornea. O primeiro o facto de o Turismo Negro
representar e comunicar a morte. O segundo motivo apontado pelo autor o facto de o
depois usar quando precisar de reflectir sobre ela. O facto de os locais de turismo negro
constiturem locais onde a mortalidade contempornea reconfigurada e revitalizada,
4 Salientamos a execuo de Saddam Hussein, que foi filmada clandestinamente por guardas. O vdeo foi depois amplamente divulgado, tanto na Internet - onde chegou a ser um dos vdeos mais vistos (Celso, 2007) - como por estaes de televiso em vrios pases, facto que Portugal e a Unio
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mediando assim a complexidade da morte o terceiro dos motivos apontados pelo autor para
explicar porque que o Turismo Negro um mediador entre o indivduo e a morte. O ltimo
motivo mencionado por Stone (2011) o facto de o Turismo Negro mediar o que
aparentemente macabro ao exibir simbolicamente a morte.
Figura 1 - Consumo do Turismo Negro numa perspectiva tanatolgica (adaptado de Stone, 2009b).
O que o Turismo Negro e todas as outras instituies mediadoras da morte tm em comum o
facto de permitirem ou at potenciarem que os vivos estabeleam algum tipo de relao com
os mortos. Walter (2009) procurou identificar e definir essas relaes, que, segundo ele, sero
as seguintes: informao, intercesso, orientao, cuidado, recordao, educao,
entretenimento, memento mori e assombrao.
Os estudos que actualmente se podem fazer aos restos mortais e outros vestgios que os
rodeiam permitem obter informao detalhada sobre o modo como aquelas pessoas viveram
Europeia criticaram (Lusa Agncia de Notcias de Portugal, S.A., 2007)
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e morreram. Essa informao depois facultada ao pblico e pode tambm ser alvo de
estudos posteriores, nos campos da medicina, sociologia, cincia, etc. Walter (2009) refere
ainda a possibilidade de existirem conflitos entre investigadores (mdicos-legistas/
patologistas nos casos de morte recente, arquelogos e antroplogos nos casos de morte mais
antiga) e os parentes em luto ou descendentes do povo a que pertencem aqueles restos
mortais.
A intercesso a relao tradicionalmente estabelecida nos templos religiosos, especialmente
os que esto ligados ao catolicismo. A intercesso consiste no pedido feito aos mortos,
normalmente santos ou familiares, para que levem as oraes e pedidos dos vivos e
intercedam por eles junto da divindade. Outra relao que muitas vezes estabelecida nos
templos e outros santurios a orientao, mais propriamente o pedido que os vivos fazem
aos mortos para que os ajudem e guiem na sua vida, nas suas escolhas. Segundo Walter
omunicao entre os mortos e os vivos
exemplo, em sesses espritas, leituras de testamentos, entre outros locais.
A relao de cuidado com os mortos mais fortemente estabelecida nos pases orientais como
por exemplo o Japo, onde os familiares conversam com os seus antepassados em santurios
domsticos, embora tambm exista na sociedade ocidental (Walter, 2009). Apesar da
secularizao da sociedade que j temos vindo a assinalar, o cuidar dos mortos na sociedade
ocidental feito por exemplo atravs da manuteno e limpeza das campas nos cemitrios
(Walter, 2009).
A recordao outra relao que os vivos podem estabelecer com os mortos. Esta relao
normalmente estabelecida em memoriais, por exemplo s vtimas de desastres, ao soldado
desconhecido, etc. Importa estabelecer que recordao diferente de memria (King, 1998,
ou
(Walter, 2009:47).
A educao outro dos modos de relacionamento com os mortos, quer seja atravs da leitura
de livros de Histria, do uso de cadveres por estudantes de medicina e ouras cincias, ou de
visitas de estudo a locais ou exposies histricos (Walter, 2009). H mesmo exposies, como
outras atraces, que potenciam no s a educao mas tambm o entretenimento na relao
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com os mortos. Walter (2009) faz um paralelismo entre estas exposies e atraces e as
execues pblicas, dizendo que ambas servem o duplo propsito de educar e entreter as
massas.
O contacto com os mortos pode tambm servir para lembrar-nos da nossa prpria mortalidade
memento mori. Contudo, so poucos os locais e exposies relacionados com a morte e o
sofrimento que aceitam este papel (Walter, 2009), preferindo assumir uma funo educativa
ou de entretenimento.
O ltimo tipo de relao com os mortos identificado por Walter (2009) a assombrao. Esta
est relacionada com a dificuldade da sociedade em integrar mortes que considera sem
sentido, como as resultantes de atentados, desastres, crimes especialmente hediondos,
genocdio. Estas mortes so depois alvo de extensa cobertura por parte dos media. No
momento em que escrevemos este captulo, a comunicao social portuguesa esfora-se
trazer luz novos detalhes do caso do homem de Beja que ter morto a famlia e os animais
domsticos e que depois se suicidou. Mas estes casos de extensa cobertura meditica de
mortes extraordinrias vm a ser tambm objecto de Turismo Negro veja-se o caso do
Ground Zero, que mesmo antes de ter um memorial s vtimas era j um dos maiores locais de
Turismo Negro a nvel mundial (Walter, 2009).
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2. TURISMO NEGRO
Neste captulo iremos enquadrar os principais discursos feitos sobre a temtica do Turismo
Negro desde que este se tornou alvo de ateno da comunidade acadmica. Sero abordadas
as principais perspectivas de anlise e identificados os factores que contribuem para a
complexidade de definio do conceito. De seguida, apresentamos propostas de categorizao
do Turismo Negro de vrios autores, tanto do ponto de vista da oferta como da procura e das
suas motivaes.
Por fim, apresentamos vrios exemplos de manifestaes de Turismo Negro pelo mundo,
numa tentativa de ilustrar a dificuldade de definio e categorizao do conceito.
2.1. ANLISE CONCEPTUAL: EVOLUO E PROBLEMTICA DA DEFINIO DO TURISMO NEGRO
O Turismo Negro uma rea de estudos bastante recente no seio da comunidade acadmica.
Ter sido s na dcada de 90 do sculo passado que o turismo relacionado com temas
mrbidos comeou a despertar o interesse dos investigadores (Sharpley, 2009). Embora a
literatura seja ainda muito dispersa, possvel encontrar um nmero considervel de autores
que, em algum ponto da sua actividade, abordaram o assunto do turismo ligado a morte e
sofrimento, ainda que com diferentes denominaes.
Um
locais onde celebridades ou grande nmero de pessoas encontraram mortes sbitas e
viglia anual pela morte de Elvis Presley em Graceland ou a comemorao do aniversrio da
morte de John F. Kennedy em Dallas como espectculos ps-modernos, cuja popularidade est
fortemente dependente da divulgao feita pelos meios de comunicao, e que so no fundo
reconstrues repetidas do que de facto ter acontecido. Em oposio esto os locais
nostlgicos, como cemitrios de relevncia local e nacional. Rojek (1997:23) faz ainda uma
Turismo Mrbido a denominao dada por Blom (2000) ao turismo relacionado com a morte.
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turi (Blom, 2000).
(contemplao da morte) o principal interesse dos turistas. Para Seaton (1996), este
interesse ter as suas razes na Idade Mdia, embora se tenha vindo a intensificar desde o
Romantismo.
A definio de Thanaturismo dada pelo autor :
encontros reais ou simblicos com a morte, particular mas no exclusivamente com a morte
violenta, que podem ser activados em grau varivel pelas caractersticas especficas das
Desta definio podemos retirar duas ideias principais. Uma delas a de que o que define o
Thanaturismo so os motivos do turista e no as caractersticas das atraces, sendo ento o
Thanaturismo um fenmeno predominantemente comportamental. A outra ideia a de que o
Thanaturismo no um conceito absoluto, mas antes contm um contnuo de intensidade
(vide figura 2). Este contnuo assenta em dois valores: a medida em que o interesse na morte
relativo pessoa ou escala da morte, e se o interesse na morte a nica motivao da visita
ou uma entre vrias (Seaton, 1996).
Figura 2 - Contnuo de Intensidade de Thanaturismo de Seaton (adaptado de Seaton, 1996).
Elemento de Thanaturismo Fraco Elemento de Thanaturismo Forte
O interesse na morte relativo pessoa e co-existe com outras motivaes.
O interesse na morte geral e constitui a principal motivao.
Os mortos so conhecidos e estimados pelo visitante.
O fascnio pela morte no est dependente da pessoa ou pessoas envolvidas.
Por exemplo, visitas a memoriais de guerra que evoquem a morte de um parente.
Por exemplo, visitas a cemitrios, catacumbas, cenrios de catstrofes.
O que todos estes conceitos e definies tm em comum o facto de, de alguma forma,
associarem a actividade e os locais tursticos com a morte e o sofrimento. Lennon e Foley
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aludir a prticas aparentemente perturbadoras bem como a produtos e experincias
mrbidos, que constituiro a base deste tipo de turismo.
Para Foley & Lennon (1996:199)
consumo (pelos visitantes) de morte e locais de c
- (Lennon &
Foley, 2000:11), e apresentam trs motivos para essa sua convico.
Um desses motivos que o interesse do pblico nas mortes ou catstrofes est dependente de
uma compresso espao-temporal, ou seja, directamente relacionado com a capacidade dos
media em as difundir.
Outro dos motivos apontados pelos autores que, tal como o conceito de ps-modernidade, a
maioria dos locais de Turismo Negro pe em causa a racionalidade, ordem e progresso
inerentes modernidade.
Finalmente, Lennon & Foley (2000) defendem o argumento de que h uma crescente perda de
definio da fronteira entre a mensagem (poltica e/ou educacional) que se quer passar e a
comercializao dos locais de Turismo Negro.
Assim sendo, para estes autores necessrio que os eventos que do origem s atraces
possam ser validados, isto , que haja algum que os tenha testemunhado e que possa atestar
a sua veracidade, e que elas induzam no visitante um sentimento de ansiedade em relao
modernidade (Lennon & Foley, 2000). Por estes motivos, Lennon e Foley (2000:23) encaram o
Turismo Negro como um fenmeno recente e principalmente ocidental, baseado em visitas
endipidade5, itinerrios de companhias tursticas, ou [d]os meramente curiosos que
Vemos que, ao contrrio do que defende Seaton (1996), que encara o Thanaturismo como
partindo da motivao dos turistas, para estes autores (Lennon & Foley, 2000) essa motivao
no importante, mas sim o local que visitam e a reaco que ele provoca nos visitantes.
A ideia defendida por Lennon & Foley (2000), e em parte tambm por Rojek (1997) que
enquadra o Turismo Negro num horizonte temporal recente bastante contestada na
literatura. Por exemplo Beech (2000, citado por Sharpley, 2009) afirma que os edifcios
5 (Priberam
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exemplos iniciais de Turismo Negro podem ser encontrados no patronato dos jogos
ao scul
por Sharpley, 2009:5) relata que as visitas a morgues faziam normalmente parte das visitas
cidade de Paris no sculo XIX.
Sharpley (2009:4) sintetiza do seguinte modo a viso dos autores que defendem a antiguidade
da prtica de Turismo Negro:
propositadamente ou no
para locais, atraces ou eventos que esto ligados de uma forma ou de outra com morte,
sofrime
Actualmente, uma das definies de Turismo Negro mais utilizadas pelos acadmicos de
com morte, sofrimento, e o aparentemente macabr
visitam, intencionalmente ou como parte de um itinerrio recreativo mais amplo, a diversa
gama de locais, atraces e exposies que oferecem uma (re/a)presentao de morte e
Nesta dissertao, optou-se pela elaborao de uma definio operacional de Turismo Negro,
a qual servir de base para o estudo emprico que compe a segunda parte do trabalho. Assim
sendo, no mbito desta dissertao, entendemos o Turismo Negro como a visita a locais cuja
ligao com a morte concreta e identificvel, e que, acidental ou intencionalmente, se
tornaram alvo de actividade turstica.
2.2. PROPOSTAS DE CATEGORIZAO
Estabelecemos j que h perspectivas discordantes no estudo acadmico do Turismo Negro.
Stone (2006:148) faz um resumo dos pontos de discrdia entre os estudiosos:
emergem de forma imediata e espontnea, e as visitas programadas a atraces e
exposies que retratam ocorrncias mais ou menos distantes na Histria.
Informtica, S.A., 2012)
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A distino entre locais de Turismo Negro intencionalmente construdos como tal e
outros locais que se tornaram alvo de ateno do Turismo Negro por acidente ou de
forma no propositada.
A medida em que o motivo dominante da visita a locais de Turismo Negro o interesse
em morte e sofrimento, e a maneira como a oferta corresponde a este interesse.
As razes que esto na origem do modo como as experincias e locais de Turismo
Negro so produzidos e fornecidos.
So estas variveis que, na opinio de Stone (2006), contribuem para a complexidade do
conceito de Turismo Negro. No ser ento difcil compreender que tambm as tentativas de
categorizao do Turismo Negro sejam variadas, j que elas reflectem divergncias tericas e
conceptuais.
Assim sendo, procurmos agrupar as propostas de categorizao do Turismo Negro consoante
a perspectiva de categorizao: oferta, procura, e uma proposta integrada.
2.2.1. SEGUNDO A OFERTA
Dann (1998) procurou elaborar um resumo das formas de Turismo Negro, enquadrando-as em
cinco categorias principais (vide tabela 1).
Tabela 1 - Divises do Negro de Dann (adaptado de Sharpley, 2009)
Divises do Negro
reas Arriscadas Destinos perigosos, presentemente ou no passado
Cidades de Horror
Destinos de Desgraa
Habitaes de Horror Edifcios associados com morte e horror, tanto reais como representados
Masmorras da Morte
Hotis Horrendos
Campos de Fatalidade reas/terrenos que comemoram
6 morte, medo,
fama ou infmia
Campos de batalha Cruis
Holocausto Horrvel
Cemitrios de Celebridades
Tours de Tormento Visitas a ou circuitos de atraces associadas a morte, assassnio e caos
Caos e Assassnio
os Famosos pela Fatalidade
Thanatos Temtico Coleces e museus cujo tema morte e sofrimento
Museus Mrbidos
Monumentos Moralidade
A primeira categoria apontada por Dann (1998) a das reas Arriscadas, ou seja, os locais com
uma associao ao perigo actual ou passado. Estas reas subdividem-se em Cidades de Horror,
6
homenagear a memria de uma pessoa ou acontecimento. No entanto, ao ser muitas vezes usada neste
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que so as localidades onde ocorreram morte e sofrimento em circunstncias notveis, e
Destinos de desgraa, que so aqueles onde o turista corre perigo.
A segunda categoria identificada pelo autor a das Habitaes de Horror, que podem por sua
vez ser Masmorras da Morte ou Hotis Horrendos. O que estes edifcios tm em comum o
facto de estarem associados com a morte, real ou representada (Dann, 1998).
A terceira das cinco Divises do Negro de Dann (1998) chama-se Campos de Fatalidade, e
engloba as subcategorias Campos de batalha Cruis, Holocausto Horrvel e Cemitrios de
Celebridades. Em resumo, esta categoria diz respeito aos campos de batalha e outros locais
que comemoram a morte (famosa ou infame) e o medo (Dann, 1998).
A quarta categoria identificada pelo autor intitula-se Tours de Tormento, ou seja, a visita a
atraces associadas a Caos e Assassnio, por um lado, e aos Famosos pela Fatalidade, que so
aqueles que se tornaram famosos devido s circunstncias da sua morte (Dann, 1998).
Por fim, Dann (1998) identifica o Thanatos Temtico como a quinta diviso do Negro. Esta
categoria diz respeito aos museus ou exposies cujo tema principal seja morte e sofrimento e
subdivide-se em Museus Mrbidos e Monumentos Moralidade.
No obstante a mestria de Dann (1998) no uso das palavras7, somos da opinio que estas
Divises do Negro deixam de fora um importante local alvo de visitas tursticas e onde
possvel contactar com a morte e mortalidade em geral: os cemitrios. Apenas so
mencionados os cemitrios dos famosos.
O Turismo Cemiterial apontado como uma das formas de Turismo Negro por alguns autores,
como Scott (2010), e tal como esta, tm vindo a ser identificadas outras formas de Turismo
Negro ligadas tipologia de atraco visitada, maioritariamente em estudos de caso. Aps
uma reviso de literatura conseguimos identificar, para alm do Turismo Cemiterial, vrias
formas de Turismo cujas atraces esto relacionadas com a morte de alguma forma e que,
por isso, consideramos poderem ser includas no Turismo Negro: Turismo de Guerra (Fraga,
2002), Turismo de Campos de Batalha (Lloyd, 1998), Turismo de Escravatura (Dann & Seaton,
2001, citados por Stone, 2006), Turismo Prisional (Strange & Kempa, 2003), Turismo de
Holocausto (Ashworth, 1996, citado por Stone, 2006), Turismo de Mgoa (Trotta, 2006). Stone
contexto, pelo que chamamos a ateno para o seu verdadeiro significado. 7 Tentmos que fosse notrio na traduo para portugus o jogo de palavras que o autor utilizou para
nomear as categorias, quase todas aliteradas. Para a verso original do quadro, consulte-se o Anexo 1 desta dissertao.
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(2006) refere ainda que o Turismo Negro tambm se faz em locais de desastres (como o
Ground Zero em Nova Iorque e como Nova Orlees depois do furaco Katrina), opinio
partilhada por Trotta (2006), que sugere o termo Turismo de Desastres para qualificar este tipo
de Turismo.
Stone (2006) desenvolveu um espectro de intensidades da oferta de Turismo Negro, com base
no qual dividiu a oferta em sete categorias de produtos.
A ideia de diferentes intensidades da oferta de produtos de Turismo Negro no foi criada por
Stone j aqui mencionmos o contnuo de intensidades de Seaton (cf. pgina 33 desta
dissertao). Miles (2002, citado por Stone, 2006) entende que h diferenas temporais e
espaciais entre os locais de Turismo Negro que so reflectidas na distino entre Turismo
Negro mais claro e Turismo Negro mais escuro. O autor (ibidem) ilustra esta distino com os
exemplos do Museu do Memorial do Holocausto em Washington e do campo de concentrao
de Auschwitz-Birkenau: para Miles, o Turismo Negro feito em Auschwitz-Birkenau mais
escuro que o que se faz no Museu, j que no primeiro a morte real e o segundo apenas est
associado a ela. O mesmo autor (Miles, 2002, citado por Stone, 2006:152) afirma ainda que as
situaes de morte e sofrimento que fazem parte da memria de primeira gerao ou que
podem ser validados por testemunhas vivas criam maior empatia e podem ser considerados
produtos de Turismo Negro mais escuro.
Foi ento a partir desta ideia de intensidades que Stone (2006) elaborou o seu Espectro de
Tonalidades da Oferta de Turismo Negro (vide figura 3 na pgina seguinte).
Nos extremos deste espectro temos o Turismo Negro mais escuro e o Turismo Negro mais
claro. O primeiro diz respeito a locais onde a morte e o sofrimento aconteceram mesmo, cuja
principal vocao a educao e que tm como objectivo o rigor histrico. Estes locais no
foram criados intencionalmente para serem atraces tursticas, pelo que a infra-estrutura
turstica no o aspecto mais trabalhado. O Turismo Negro mais claro feito em locais que
apenas esto associados morte e ao sofrimento, os quais foram criados com a inteno de
constiturem atraces tursticas, e que por isso possuem melhores infra-estruturas tursticas.
A vocao destes locais entreter, pelo que se focam em transmitir uma morte pensada para
instigar sentimentos de hereditariedade e de pertena a uma herana romantizada e
mercantilizada.
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Figura 3 - Espectro de tonalidades da Oferta de Turismo Negro de Stone (adaptado de Stone,
2006)
tambm a partir deste espectro que Stone (2006) identifica sete categorias de produtos de
Turismo Negro. Partindo da categoria mais escura at mais clara, temos: Campos de
Genocdio Negros, Locais de Conflito Negros, Santurios Negros, Locais de Descanso Negros,
Masmorras Negras, Exposies Negras e Fbricas de Diverso Negras.
poucos os locais com estas caractersticas que so alvo de actividade turstica; ainda assim
alguns existem com o objectivo de educarem o pblico e evocarem a memria do
acontecimento.
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Por serem, de facto, locais de morte e sofrimento em circunstncias horrveis, os Campos de
Genocdio Negros constituem os locais de Turismo Negro mais facilmente reconhecveis como
tal para o pblico em geral (Stone, 2006).
explorao turstica destes locais est em crescimento; no obstante, continuam a constituir
produtos cuja oferta no foi propositada e sim um aproveitamento posterior de algo pr-
existente mas sem vocao para o Turismo. Stone (2006) refere tambm que os Locais de
Conflito Negro continuam a ter como principal objectivo a educao e evocao com nfase no
rigor histrico.
muitas vezes uma orientao mais romantizada e divertida, e que por este motivo podem
2006:156).
006:155), sendo normalmente construes formais ou
informais perto de locais onde a morte e o sofrimento esto a decorrer ou decorreram
recentemente. nestes locais que as pessoas vo depositar flores e lamentar a morte de
pessoas com as quais no tinham ligao directa (Stone, 2006).
Os Santurios Negros despertam muitas vezes o interesse poltico e tm normalmente uma
grande cobertura meditica, mas a sua popularidade junto do pblico termina ou decresce
fortemente quando a ateno dos media desviada para outro local (Stone, 2006). O autor
(ibidem) salienta o facto de estes locais servirem muitas vezes a curiosidade mrbida dos
turistas, que apenas pretendem visitar o local sem darem grandes mostras de respeito pelo
que l sucedeu.
A categoria de Locais de Descanso Negro diz respeito a cemitrios e sepulturas. Segundo Stone
(2006:155), os cemitrios esto a ser alvo de explorao turstica crescente, servindo esta por
vezes de alavanca para o desenvolvimento ou reabilitao de determinada rea urbana.
Apesar da crescente melhoria das infra-estruturas tursticas, os Locais de Descanso Negros
continuam a estar focados no rigor histrico, comemorao e conservao, ocupando por isso
uma posio central no espectro (Stone, 2006). O autor adverte, contudo, para a tendncia de
deslocao de alguns produtos desta categoria para o lado mais claro do espectro, j que
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enfatizam as componentes de entretenimento e comercializao, com pouca relevncia dada
componente de evocao e ao respeito pelos falecidos.
As mas
funcionamento (Stone, 2006:154).
Esta categoria apresenta caractersticas do lado mais claro e do lado mais escuro do espectro:
os locais tm alto nvel de infra-estruturas tursticas, foco na comercializao, o seu objectivo
o entretenimento (embora misturado com a educao), e ocupam lugares que no foram
originalmente destinados para a actividade turstica (Stone, 2006).
Stone (2006) refere que poder haver diferenas no intuito da mensagem que passada em
diferentes Masmorras Negras, consoante elas representem locais de cdigos penais mais
antigos ou mais recentes, sendo que neste ltimo caso haver uma carga poltica e ideolgica
associada mais forte, e as componentes de educao e evocao assumem maior relevncia.
iva, educacional e reflexiva (Stone, 2006:153). Estas
exposies e locais tm uma forte nfase comercial e de entretenimento, misturada com um
isso percebido pelo pblico como relativamente srios e localizados mais perto do lado escuro do espectro
do que esto realmente (Stone, 2006:153). Na realidade, localizam-se no lado mais claro do espectro de
tonalidades da oferta turstica elaborado por Stone (2006).
Este autor evidencia o facto de as Exposies Negras possurem boas infra-estruturas tursticas, j que
pelo menos em parte foram pensadas para constiturem atraces tursticas. Na maior parte
dos casos, esto localizadas longe dos stios em que a morte e o sofrimento ocorreram (Stone,
2006). O autor argumenta que, na realidade, muitos destes locais procuram provocar reaces
aos visitantes e no relatar um acontecimento com rigor histrico (Stone, 2006).
As Fbricas de Diverso Negras so, nas palavras de Sto
atraces e circuitos de visitas que tm predominantemente o entretenimento como foco e
Fbricas de Diverso Negras so locais construdos de raiz com o objectivo de serem atraces
tursticas, pelo que so dotadas de uma forte infra-estrutura turstica e retratam a morte e o
sofrimento de forma divertida, sendo por isso percebidos como pouco autnticos (Stone,
2006).
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O autor sugere ainda que, apesar desta forte componente de entretenimento, alguns destes
locais oferecem um ambiente adequado para toda a famlia, que propicia a contemplao e
reflexo sobre a morte e o sofrimento, mesmo que simulados.
2.2.2. SEGUNDO A PROCURA
At aqui reproduzimos propostas de categorizao do Turismo Negro sobre a perspectiva da
oferta. Mas h tambm autores que procuraram categorizar a procura do Turismo Negro,
baseando-se sobretudo no que supem ser as motivaes dos turistas para o consumo deste
tipo de Turismo e o tipo de atraces que preferem.
Kotler (1994, citado por Wight, 2006), por exemplo, sugere uma anlise do produto de Turismo
Negro em termos de segmentos de Mercado e tipologias de visitantes, baseando-se no estudo
dos campos de concentrao enquanto atraces tursticas.
Para este autor, o produto divide-se em trs nveis:
O produto tangvel, ou seja, uma entidade que os consumidores adquirem para
satisfazer as suas necessidades;
O produto aumentado, que constitudo por todos os componentes tangveis e
intangveis do produto, por outras palavras, o pacote completo, incluindo os servios
adicionais e eventuais benefcios que o consumidor recebe.
Kotler (1994, citado por Wight, 2006) fez tambm uma distino entre os sobreviventes e os
demais visitantes dos campos de holocausto, que, segundo o autor, estaro a consumir
produtos distintos com ciclos de vida distintos. Para os sobreviventes, o ciclo de vida do
produto acabar naturalmente nas primeiras dcadas do sculo XXI, porque a memria e
emoo ligadas ao acontecimento desvanecer-se-o (1994, citado por Wight, 2006). Os demais
visitantes, aqueles que visitam o local por motivos de lazer, sero mais sensveis aos esforos
de marketing, sendo ento o ciclo de vida do produto mais difcil de prever.
J Seaton (1996) agrupa os turistas negros em cinco categorias, consoante os locais de visita:
Turistas que viajam para ver espectculos pblicos de morte (como execues
pblicas).
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Turistas que viajam para ver locais de morte individual ou em massa (depois de terem
ocorrido). Aqui se incluem vrios tipos de atraces, desde campos de batalha, at s
casas de homicidas e locais onde ocorreram homicdios mediticos.
Turistas que viajam para visitar locais de inumao ou memoriais. Esta categoria inclui
visitas a cemitrios e outros locais de inumao, mas tambm memoriais de guerra e
cenotfios.
Turistas que viajam para ver vestgios ou representaes simblicas da morte em
locais sem ligao directa a ela. Esto aqui enquadrados os turistas que visitam
museus e exposies que contm armas e instrumentos de morte e/ou que recriam
certos eventos e actividades ligados morte e ao sofrimento.
Turistas que viajam para ver recriaes ou simulaes de morte, como por exemplo
peas de teatro e festivais subordinados a temas tanatolgicos e recriaes de
batalhas famosas por grupos de entusiastas (comuns nos E.U.A.).
Vrias tm sido as sugestes de motivaes dos que praticam Turismo Negro dadas por
diferentes autores. Rojek (1997:61) aponta para um sentimento colectivo de identidade ou
um sentimento de prazer face ao sofrimento dos outros, como a principal motivao dos que
consomem produtos tursticos ligados a morte e sofrimento.
Sharpley (2009), contudo, faz uma anlise diferente. O autor parte do princpio que as
diferentes motivaes dos turistas que visitam um mesmo local de Turismo Negro se traduzem
outras palavras, diferentes turistas que visitem o mesmo local turstico relacionado com morte
e sofrimento podero faz-lo com diferentes motivaes, podendo o interesse na morte no
ser a principal motivao de visita. Na origem desta ideia est tambm o contnuo de
intensidades de Seaton (1996), que j mencionmos anteriormente nesta dissertao (vide
pgina 33), e no qual Sharpley enquadra as suas categorias.
Sharpley (2009) divide o comportamento de consumo dos turistas negros em quatro
categorias principais: Turismo Negro como experincia, Turismo Negro como participao,
Turismo Negro como integrao, e Turismo Negro como classificao.
Os turistas que consomem o Turismo Negro como experincia procuram obter algum
significado para a sua prpria existncia (Sharpley, 2009). O que fundamental na experincia
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destes turistas so as implicaes da morte (individual ou em massa) com que esto a
contactar em determinado local o principal interesse no significado da morte e no na
maneira como ocorreu. Por tal motivo, Sharpley (2009) considera que a posio deste tipo de
consumo de Turismo Negro no contnuo tende a localizar-se entre o central e o mais escuro.
O consumo de Turismo Negro como participao assume uma posio mais clara no contnuo
(Sharpley, 2009). Para os turistas com este comportamento, o principal interesse em consumir
um produto de Turismo Negro a possibilidade de participarem na evocao e mgoa
colectivas em relao morte de um indivduo ou grupo, ainda que essa morte tenha sido o
factor que despoletou a atraco inicial (Sharpley, 2009). O autor (ibidem) vai mais longe ao
afirmar que neste tipo de consumo o Turismo Negro equiparado a uma peregrinao, em
que o sentimento de comunidade intensificado pelo sentimento de que se est a
experienciar algo que outros tambm j puderam e podero experienciar.
O consumo de Turismo Negro como integrao divide-se em dois nveis de intensidade: um,
mais claro, que a integrao no objecto de consumo, e outro, mais escuro, que a
integrao na morte.
Os turistas que consomem Turismo Negro com o objectivo de se integrarem no objecto de
consumo esto interessados no apenas na morte em si, mas tambm no contexto em que ela
ocorre ou ocorreu (Sharpley, 2009). O autor afirma haver ento uma certa componente de
fantasia, j que o turista procura experienciar as circunstncias em que ocorreu a morte de
determinada pessoa ou em determinado local, tanto quanto possvel sem que tenha de morrer
tambm.
Para Sharpley (2009), o comportamento de consumo de Turismo Negro mais escuro ou intenso
o consumo de Turismo Negro como integrao com a morte. Neste tipo de consumo, os
turistas procuram experienciar morte verdadeira. Isto pode ser atingido atravs da visita a
cenrios de guerra, catstrofes e homicdios, casos em que a morte com que se contacta ser a
de outras pessoas, ou ento atravs da viagem para um destino onde nos espera (ou
provvel que espere) a nossa prpria morte (Sharpley, 2009).
Bunyan (2003, citado por Sharpley, 2009) d como exemplo desta ltima forma de consumo de
Turismo Negro a viagem de doentes terminais para instituies que lhes permitam praticar a
eutansia em circunstncias legais.
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Por fim, Sharpley (2009) identifica uma outra forma de consumo de Turismo Negro, em que os
turistas o fazem com o objectivo de obterem determinado estatuto ou classificao social. Este
comportamento de consumo de Turismo Negro assume ento uma posio mais clara no
contnuo de intensidade, pois o principal interesse dos turistas poderem dizer que fizeram
determinada viagem perigosa ou visitaram determinado local perigoso e sobreviveram para
contar a histria (Sharpley, 2009).
2.2.3. PROPOSTA INTEGRADA
Numa tentativa de relacionar as dimenses da oferta e da procura, Sharpley (2009)
desenvolveu o que intitula de Matriz da Procura e da Oferta de Turismo Negro (figura 4).
Figura 4 - Matriz da procura e da oferta do Turismo Negro de Sharpley (adaptado de: Sharpley, 2009)
Procura
(mais clara)
Turismo claro Oferta de turismo
cinzento
Oferta Oferta
(intencional)
Procura de turismo Turismo escuro
cinzento
Procura
(mais escura)
Esta matriz integra a ideia do contnuo de intensidades de Seaton (1996) e a sua sugesto de
diferenas entre atraces de Turismo Negro que assim se tornaram acidentalmente, e
aquelas cujo intuito foi, desde o princpio, explorar o interesse dos turistas na morte e no
sofrimento. Para alm disso, a matriz integra tambm o conceito de que o interesse dos
turistas na morte pode no ser o principal motivo pelo qual consomem determinado produto
de Turismo Negro.
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Assim sendo, podemos identificar quatro extremos opostos nesta matriz: a procura turstica
cinzenta, que se ope oferta turstica cinzenta, e o turismo claro, que se ope ao turismo
escuro.
A procura turstica cinzenta diz respeito aos turistas que tm o interesse pela morte como
principal motivao de visita, mas que visitam locais que se tornaram atraces tursticas
acidentalmente (Sharpley, 2009). A oferta turstica cinzenta ser ento um espelho da procura
turstica cinzenta: a principal motivao dos turistas no o interesse pela morte, mas os
locais visitados foram concebidos para serem atraces de Turismo Negro (ibidem).
Segundo Sharpley (2009), o turismo claro aquele em que turistas, cujo interesse na morte
mnimo, visitam locais que no se tornaram atraces de Turismo Negro intencionalmente. Do
mesmo modo, o turismo escuro aquele em que os locais visitados foram concebidos com o
objectivo de proporcionarem ao turista o contacto com a morte, e esse contacto a principal
motivao do turista (Sharpley, 2009).
No obstante esta matriz ser a primeira tentativa de categorizao do Turismo Negro que
integra as componentes da oferta e da procura, e por tal motivo ser muito importante para o
estudo do Turismo Negro, ela apresenta dificuldades de aplicao. Parece-nos que a nica
maneira de utilizar esta matriz com rigor caso a caso, ou seja, estudando cada atraco e
medindo o interesse na morte por parte dos turistas que a visitam.
No entanto, como sabemos, o estudo das motivaes dos turistas complexo e exige estudos
tanto de natureza intensiva como extensiva, e apesar disso muitas vezes as motivaes
identificadas pelos investigadores dizem respeito apenas a um caso especfico de atraces,
dificultando desse modo a comparao com outros. Para alm disso, como foi referido por
Sharpley (2009), diferentes turistas visitam a mesma atraco com diferentes motivaes, pelo
que ser bastante limitativo dizer que determinada atraco de Turismo Negro visitada por
turistas com pouco ou muito interesse na morte. Estaremos, quando muito, a falar de
tendncias.
Por outro lado, muitas