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31 Kalagatos Kalagatos Kalagatos Kalagatos Kalagatos - REVISTA DE FILOSOFIA. FORTALEZA, CE, V. 11 N. 22, VERÃO 2014 LBERTO DIAS GADANHA Recebido em nov. 2014 Aprovado em dez. 2014 ERBERT MARCUSE: PROCEDIMENTO DIALÉTICO DA NEGATIVIDADE, EFETIVIDADE HISTÓRICA DA RAZÃO EM NOTE ON DIALECTICRESUMO Marcuse expõe a negatividade como um processo, como um processo de compreensão, de apreensão de um ‘com- junto’, como uma síntese discursiva. A negatividade é exposta como exigência de um pensar, de uma razão que dialoga (dia-logos), como síntese da palavra em que emissor e receptor se complementam, se enriquecem mutuamente. O procedimento dialético da negatividade, superação sintética se concretiza historicamente na negação determinada do estabelecido. A negatividade compreendida sinteticamente recupera a coerência histórica da razão, compreende a história como palco de realização libertadora, responde às necessidades de efetividade histórica. Discurso negativo exposto, primeiro como evidência das contradições a serem superadas, segundo como identidade propositiva, como uma primeira harmonia de coerência e em etapa conclusiva do processo, a negatividade enquanto discurso é exposta como superação sintética, como uma segunda harmonia recuperadora da coerência da razão, já em sua efetividade histórica. PALAVRAS-CHAVE Negatividade. Negação determinada. Identidade propositiva. Síntese dialética. Razão instrumental. * Doutor em Filosofia e professor Adjunto do Departamento de Filosofia da UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE.

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LBERTO DIAS GADANHA �

Recebido em nov. 2014Aprovado em dez. 2014

HERBERT MARCUSE:PROCEDIMENTO DIALÉTICO DA NEGATIVIDADE, EFETIVIDADE

HISTÓRICA DA RAZÃO EM “A NOTE ON DIALECTIC”

RESUMO

Marcuse expõe a negatividade como um processo, comoum processo de compreensão, de apreensão de um ‘com-junto’, como uma síntese discursiva. A negatividade éexposta como exigência de um pensar, de uma razão quedialoga (dia-logos), como síntese da palavra em que emissore receptor se complementam, se enriquecem mutuamente.O procedimento dialético da negatividade, superaçãosintética se concretiza historicamente na negaçãodeterminada do estabelecido. A negatividade compreendidasinteticamente recupera a coerência histórica da razão,compreende a história como palco de realização libertadora,responde às necessidades de efetividade histórica. Discursonegativo exposto, primeiro como evidência das contradiçõesa serem superadas, segundo como identidade propositiva,como uma primeira harmonia de coerência e em etapaconclusiva do processo, a negatividade enquanto discursoé exposta como superação sintética, como uma segundaharmonia recuperadora da coerência da razão, já em suaefetividade histórica.PALAVRAS-CHAVE

Negatividade. Negação determinada. Identidadepropositiva. Síntese dialética. Razão instrumental.

* Doutor em Filosofia e professor Adjunto do Departamento deFilosofia da UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ - UECE.

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ABSTRACT

Herbert Marcuse, after quoting the hegelian definitionthat “thinking is, indeed, essentially the negation ofthat which is immediately before us”, asks himself:“What does he mean by negation the central categoryof dialectic?” This article aims to expose the Marcuse’sresults about what is thinking, about what is thenegativity. Negativity as a “process of comprehension”,a process of a discursive dialogue, as it is answered inthe preface “A note on dialectic”. The negativity isunderstood as a result of dialectical process by whichwe could restore the actuality of a first harmony of thereason, its theoretical accomplishment, by a secondharmony of the reason, the reason as the determinatenegation of the established state affairs. The negativitydeveloped as the historical actuality of the reason.

KEYWORDS

Negativity. Determinate negation. Propositionalidentity. Dialectical synthesis. Historical reason.Instrumental reason.

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Razão e Revolução, Herbert Marcuse procuracompreender a proposição marxiana de uma dialéticamaterialista como superação dialética de proposiçãohegeliana e expondo, a partir da análise do conceitode negatividade, os elementos de diferença e elementosde identidade destas experiências dialéticas. Pergunta-se Marcuse: “O que quer ele dizer por negação,categoria central da dialética?” (MARCUSE, 1960, viii)De que modo os elementos do conceito de negatividadeaparecem na construção da superação dialética, nacompreensão da alteração institucional tão exigida porestas perspectivas de superação. Retomamos aexposição da negatividade a partir do prefáciodenominado “A note on dialectic”1. Andrew Feenbergdestaca a importância do prefácio de 1960 da obraRazão e Revolução: “Este pequeno ensaio é umaexposição clara e completa do básico em destaque dométodo filosófico de Hegel. [...] auxiliará o leitor acompreender uma das ideias-chave que acompanhoutoda a sua vida: a junção de Marx-Hegel em suareferência a liberdade humana.” (MARCUSE, 2007, 63)

A exposição do método filosófico não separa acompreensão da negatividade enquantoprocessualidade da reflexão sobre a efetivação daliberdade humana. “A liberdade é para Hegel, umacategoria ontológica, isto significa ser, não um meroobjeto, mas sujeito de sua própria existência, não

1 “A note on dialectic” é o prefácio de Herbert Marcuse, publicadona 2ª edição de seu livro Reason and Revolution – Boston -Beacon Press, 1960.

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sucumbir a condições externas, mas transformarfatalidade em realização” (MARCUSE, 1960, viii)

A negatividade exposta por Marcuse, sob afundamentação e a superação hegeliana, desenvolve-se como um procedimento dialético. Negatividadeenquanto processo porque tem como perspectivaescapar das incoerências de negações imediatas,críticas abstratas em relação ao estabelecido, enfimnegações insuficientes para a compreensão doprocesso efetivo de revolução do estabelecido. Ascríticas abstratas tornam-se exacerbações negativase exacerbações positivas e por restringirem-se napositividade ou na negatividade não atingem oobjetivo de domínio do conteúdo criticado. Tanto acrítica que restringe sua atividade à negação pornegação, aqui denominada de exacerbação donegativo, quanto a crítica de uma proposição positivade valores transcendentes, pré-estabelecidos àsituação empírica, aqui denominada de exacerbaçãodo positivo, as duas são inconsequentes com as suasmanifestações de insatisfação com o existente.

VER GRÁFICO PARA APRESENTAÇÃO DIGITALIZADA DO

ARTIGO NA PÁGINA SEGUINTE

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1. PROCEDIMENTO DIALÉTICO DA NEGATIVIDADE

O processo dialético da negatividade2 paratornar efetivo o seu objetivo de compreensão doestabelecimento da revolução do status quo necessitaincluir em seu processo lógico, no processo deconstrução conceitual, o empírico, o determinado, oestabelecido. A inclusão do universo estabelecido daação e do discurso aparece tanto no processo deevidência das contradições a serem superadas,elemento a cancelar, quanto no processo desubstituição qualitativa do inadequado, de proposiçãoassertiva, coerências a manter. A força motriz dopensamento dialético, como discurso alternativo, estána inclusão em seu processo, primeiro da necessidadeda negação destruidora do estabelecido, e segundo danecessidade da alternativa propositiva de alteraçãoqualitativa. A alteração discursiva é construída pelanegação, mas por uma negação compreendidadialeticamente, isto é, a negação pensada enquantosíntese entre um primeiro elemento de negaçãodeterminada, evidenciadora das contradições do statusquo, de um determinado estabelecido e um segundoelemento o da compreensão identificadora de umaqualidade substituinte, possibilitadora da alteração doque fora imediatamente negado. A negação síntese nãodeixa de incluir em seu procedimento além da primeiranegatividade de um determinado estabelecido, aevidência da contradição a ser superada; o segundoelemento da negatividade, a identidade propositiva,2 Faz parte deste artigo, Gráfico para a apresentação de

elementos utilizados no texto.

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inadequado e da classificação do inadequado, elementocritério, é compreendido a partir do próprioestabelecido e mantido para continuidade do processo.A negação enquanto compreensão sintetiza tanto aevidência das contradições, a negação enquantoantítese em relação ao estabelecido; quanto àcontraposição propositiva, o juízo de valor contrapostoao inadequado, ao mundo mutilado; este cancelar eeste manter têm seu desenvolvimento sintetizado, istoé iniciado e terminado pela negação, enquantosuperação do estabelecido, denominada por Marcusede princípio mestre do pensamento dialético, a negaçãodeterminada. Devido a tal princípio, dilui-se aabstratividade tanto da negatividade abstrata(evidência das contradições) quanto da positividadetranscendente (contraposição propositiva). “Ovocabulário e a gramática da linguagem da contradiçãoainda são aqueles do jogo, mas os conceitos codificadosna linguagem do jogo são redefinidos pela relação delescom sua negação determinada”. (MARCUSE, 1960, xi).

1.1 NEGAÇÃO IMEDIATA DO ESTABELECIDO

O primeiro elemento do procedimento dialéticoda negatividade é a negação imediata de umdeterminado estabelecido. O pensar tem aí comofunção evidenciar as contradições de um empíricodeterminado, não se fala em geral, fala-se decontradições concretas. A evidência das contradições3

= Refere-se ao item 1.1. no Gráfico de Apresentação.

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é um pensar que se opõe aos fatos como estãoestabelecidos, isto é, a crítica ou a negação, acontraposição que se faz à situação concreta: “Opensamento dialético, portanto torna-se negativo em simesmo. Sua função é quebrar a auto-segurança e ocontentamento consigo do senso comum, para destruira sinistra confiança no poder e na linguagem dos fatos,[...]” (MARCUSE, 1960, ix). Marcuse destaca que amaneira como se chega a essa contraposição empírica,mostra a característica materialista de uma dialética apartir de Marx. A posição de criticidade materialista secaracteriza pelo reconhecimento nos fatos de umelemento que é um outro destes fatos. “Reconhecimentoque as formas estabelecidas de vida estariam atingindoo estágio de sua negação histórica” (MARCUSE, 1960,xiii). A negação histórica de tudo o que possa destruircontinuamente o que se valoriza como liberdade podeter como alternativa ou a aceitação recalcada pelosperdedores do jogo estabelecido de cartas marcadas,ou a aceitação do sofrimento causado pela repressãocomandada pelos que planejam e se beneficiam doestabelecido, caracterizando-se como violênciageneralizada por fatos ou por ameaças que podemtransformar a aparência de racionalidade em barbárie.

O progresso da cognição do senso comum aoconhecimento chega até um mundo que é o negativoem sua própria estrutura porque o que é real se opõee nega as potencialidades que lhe são inerentes –potencialidades que por si mesmo lutam porrealizarem-se. Razão é a negação do negativo.(MARCUSE, 1960, X).

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no reconhecimento dos aspectos contráriosresponsáveis por sua própria destruição enquantocivilização, nas próprias formas históricas empíricasda vida, aparentemente civilizadas. Sua negação estáem sua própria historicidade, em sua empiria.

1.2 NEGAÇÃO, IDENTIDADE PROPOSITIVA

O segundo elemento do procedimento dialéticodo pensar negativo é a capacidade de opor-se aoempírico, apresentando uma proposição alternativa.A identidade propositiva, as coerências a manter 4

contrapõem-se ao universo estabelecido da ação e dodiscurso, correspondem ao princípio de identidaderevelado pelo próprio empírico, pela situação históricavigente e é capaz da compreensão do outro aspecto dofato, do outro elemento do contingente histórico. Acapacidade de alteração conceitual é a capacidade deperceber uma outra alternativa ao histórico, a partirdo próprio histórico: “[...] para demonstrar que a não-liberdade está tão no interior das coisas que odesenvolvimento de suas contradições internas levanecessariamente à mudança qualitativa: a explosão ea catástrofe do estado estabelecido de coisas”(MARCUSE, 1960, ix). A crítica, a negação de umdeterminado estabelecido é um pressuposto para acontinuidade do processo que não para na constataçãoda diferença. O constatar da diferença não é consistentepor si, depende do objeto negado, o outro só apareceuporque havia antes o objeto ao qual se contrapôs.

] Refere-se ao item 1.2 no Gráfico de Apresentação.

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Diante destes dois elementos, primeiro o criticado,a situação existencial e segundo o outro do existente, oresultado da crítica, o que resta como continuidadediscursiva? Se aceitarmos o objetal, o estabelecido comotal, desprezando-se o seu outro de si, revelado pela crítica,estaremos desprezando o nosso opor-se diante doexistente, com isso descartamos a possibilidade deelaborarmos qualquer crítica. Concluiríamos que não sefaz crítica ao justapor-se, ao simples concordar, ao aceitaro que está, o status quo, como o que é. Se não temoscapacidade de, ao opor-se ao estabelecido, de noscolocarmos diante dele como seu diverso, não teríamos acapacidade de a ele opor-se. No entanto, a negação comoprocedimento compreensivo da evidência dascontradições e de contraposição positiva, de umdeterminado estabelecido confirma a capacidade dopensar, de revelar alternativa, a diferença diante doobjetal, é a expressão da inconformidade do sujeito quenão aceita o seu estranhamento. A subjetividade exige asua marca no objeto. A subjetividade motiva a negaçãohistórica de tudo o que possa destruir o que se valorizacomo liberdade.

Não dá para aceitar o objetal como definitivo,seria aceitar o status quo como imutável. Nem mesmodá para se compreender a capacidade crítica isoladado objeto criticado. A crítica torna-se abstrata, não seriauma crítica efetiva sem a interdependência crítico ecriticado. A crítica abstrata estaria reduzida a umacapacidade transcendente em si, seria transcendenteao criticado, seria transcendente à possibilidade dadiferença ao criticado. Esse caminho vai dar na parede

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se cair. Evita-se refugiar num desenvolvimento mentalde uma transcendência já a priori pressuposta, comocrítica fechada em si mesma. Sendo o objetivo, antesdominar o objeto ao qual estamos opostos e não porele ser dominado não se pode compreender nem oobjeto como isolado em si mesmo, nem compreendera negatividade por si transcendente. Negatividade éprocesso: primeiro se contrapõe a algo, segundo comalgo a se contrapor e por fim, o outro do primeiro estar-aí ou o outro positivo, a identidade resultante, negadorado estar-aí inadequado, do que lhe foi contraposto.

1.3 NEGAÇÃO DETERMINADA DO ESTABELECIDO5

A negatividade se revelou num primeiro passocomo contraposição, como evidenciadora dascontradições do status quo. “O poder do pensarnegativo é a força motriz do pensamento dialético,utilizado como instrumento para analisar o mundo dosfatos em termos de sua inadequação interna. [...]Inadequação implica um juízo de valor” (MARCUSE,1960, viii), na conclusão se revela como negatividadeidentificadora de uma contraposição qualitativa aostatus quo. Este segundo passo da negação mostra quea negação é um ato positivo, que por isso coloca algoque se opõe ao inadequado anterior. Esse algo é umsegundo positivo que se contrapõe ao primeiro, oestabelecido criticado, o objeto ainda imediato dacontingência estabelecida, do ser-aí. Esse segundopositivo é o outro de si do que está sendo criticado. “A

z Refere-se ao item 1.3 no Gráfico de Apresentação.

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identidade é apenas a negação contínua de existênciainadequada, o sujeito mantendo-se sendo o outro de simesmo. Qualquer realidade é, portanto, uma realização– um desenvolvimento de ‘subjetividade’.” (MARCUSE,1960, viii).

Enquanto um aspecto do estabelecido écompreendido pela evidência de suas contradições,como negável, o outro aspecto do estabelecido écompreendido como contraposição qualitativa, um atopositivo. Enquanto a crítica ao estabelecido deimediato, era correspondente ao princípio lógico dadiferença, à antítese, ao ser-aí imediato, estabelecido,agora ao considerar a negação como ato positivo, esteaspecto da negação corresponde ao princípio lógicoda identidade, isto é, há algo idêntico a si que se opõeao objeto imediato negado. Esse idêntico a si,positividade, é o outro de si, é igualmente um aspectodo ser-aí imediato. Confirmando que “Realidade é oresultado constantemente renovado do processo deexistência – o processo, consciente ou inconsciente emque ‘o que é’ torna-se ‘o outro de si’.” (MARCUSE, 1960,viii). O que é, esse outro de si? O que o determina? Eisa questão que se coloca agora para podermos continuara expor o processo da negatividade que iniciou com asimples crítica ao estabelecido. “A função libertadorada negação no pensamento filosófico depende doreconhecimento que a negação é um ato positivo: o-que-é repele o-que-não-é e, sendo assim, repele suaspróprias possibilidades reais.” (MARCUSE, 1960, x)Já compreendemos que a negação é um ato positivo,o-que-é, o verdadeiro, enquanto objetivo, enquanto

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que-não-é, a situação estabelecida a ser alterada, e jápercebemos que todo esse caminho está sendopercorrido porque compreendemos que a filosofia ébusca de libertação, causa final. A tentativa delibertação estabelece como uma primeira harmonia,como uma primeira coerência, a harmonia enquantoum todo compreensivo de conteúdos que possamsignificar uma libertação, mesmo que ainda precária,ainda que só positividade proposta.

A pressuposição positiva de toda crítica, respondeà necessidade de se encontrar uma primeira harmonia,de se assumir uma coerência entre a ação e a teoria. Aracionalização possível entre elementos contrários devecorresponder à pretensão de alteração. Se há possibilidadede alteração deve haver algo a se alterar. A partir doalterável, se caminha para uma síntese-resultado daalteração que teve como objetivo algo determinado. Oobjetivo a ser alcançado pela alteração é o aquidenominado de primeira harmonia ou coerência a seassumir. “Desde que o estabelecido universo do discursoé o de um mundo não-livre, o pensamento dialético énecessariamente destrutivo, e qualquer que seja aliberação que tal discurso possa trazer é uma liberaçãoem pensamento, em teoria.” (MARCUSE, 1960, xii).

A liberação teórica, proposição de alteraçãoqualitativa objetivada, correspondente à superação darealidade mutilada do mundo não-livre. “Entretanto,o divórcio entre pensamento e ação, entre teoria eprática, faz parte mesmo do mundo não livre”(MARCUSE, 1960, xii), a liberação teórica procura

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compreender os fatos da realidade mutilada como umprocesso único, enquanto parte de uma totalidademaleável à alteração. No entanto compreender aproposição alternativa, a identidade positiva, aliberação teórica, como algo exclusivo, isola o processo,congela-se a negatividade numa etapa do processo naprimeira harmonia. A exacerbação de positividadedesta etapa do processo de negatividade seria suporque a identidade aqui pressuposta, fosse umaidentidade definitiva e irreversível, como umaconcepção de razão denominada por Marcuse de umsistema ordenado completo, averso à processualidade.“Em que consiste então, o poder do pensamentonegativo? O pensamento dialético de Hegel não oimpediu de desenvolver sua filosofia num sistemaordenado e completo que, enfim acentua enfaticamenteo positivo.” (MARCUSE, 1960, xii) A proposiçãoalternativa, enquanto liberação teórica, enquantoprimeira harmonia, pressupõe a continuidade doprocedimento dialético da negatividade, jácompreendido a partir do problema, o status quo, ouniverso estabelecido da ação e do discurso.

O terceiro elemento do procedimento dialéticoda negatividade consiste em compreendê-la comosuperação sintética da razão 6. Expondo em primeirolugar, a negatividade, a partir do princípio lógico dadiferença como necessariamente destrutiva, e emsegundo lugar, a partir do princípio lógico daidentidade como solução, mesmo que provisória, àscontradições que devem ser evitadas, chegamos ao

� Refere-se ao item 1.3 no Gráfico de Apresentação.

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inter-relação entre esses dois aspectos de negatividade,momento de ultrapassagem dos dois passos anteriores,o da evidência das contradições e o da proposiçãoteórica alternativa. O objetivo dialético é ultrapassar oestágio teórico para atingir o prático, isto é, tem comoobjetivo, desde o início do processo de negatividade,alterar o universo estabelecido da ação e do discurso,conseguir um outro universo compreendido e expressopelo discurso alternativo ao estabelecido, pelapossibilidade efetiva da alteração.

Nenhum pensamento e nenhuma teoria podemdesfazer isto; mas a teoria pode ajudar a preparar afundação para sua possível reunião, e a habilidadede pensamento para desenvolver uma lógica e umalinguagem de contradição é um pré-requisito paraesta tarefa. (MARCUSE, 1960, xii).

A teoria exige uma superação dialética dos doismomentos da negatividade, não só a negatividade comoevidência das contradições, nem só a “primeira”harmonia, como identidade propositiva. A verdadeiranegatividade só estará completa se prosseguir aoprocesso de síntese dialética entre esses dois primeirospassos, esses dois aspectos da negatividade. O processocontinuará pela constituição de uma segunda harmonia,compreendida como superação, correspondente aoterceiro princípio lógico, o princípio da coerência. Pelacoerência, pelo conhecimento, como diz Marcuse é quese pode ir além. “O conhecimento pode ter causado aferida na existência do homem, o crime e o culpado;mas a segunda inocência, a ‘segunda harmonia’ só pode

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ser obtida pelo conhecimento.” (MARCUSE, 1960, xiii).É pela razão que se compreende o que éprocessualmente a negatividade. A negatividade écompreendida enquanto resultado do procedimentodialético. Pelo procedimento de superação dialética éque se pode verificar a força e o poder do pensamentonegativo enquanto alternativa ao universo estabelecidoda ação e do discurso.

A Razão, enquanto desenvolvimento e aplicação doconhecimento do homem – enquanto “pensamento-livre” – foi o instrumental na criação do mundo emque vivemos. Ela também foi instrumental desustentação de injustiça, do trabalho forçado e dosofrimento. Mas a Razão, e só a Razão, contém seupróprio corretivo. (MARCUSE, 1960, xiv).

A negatividade é compreendida como superação,como síntese, como resultante do procedimentodialético, identificável como a efetividade da razão. Estasegunda harmonia da razão, esta segunda harmoniada negatividade, corresponde à recuperação históricada razão, corrigida pela própria razão. A razão é efetivacomo um todo, não é um todo insuperável, não é umtodo definitivo, volta aqui, a última frase do prefácio:“O todo é a verdade, e o todo é falso” (MARCUSE,1960, xiv). A negatividade é processual, é umaconquista contínua a cada passo à infinitude queconfigura-se historicamente em etapas que continuam.

A efetividade da razão está em contínuarecuperação, pela correção da própria razão, isto é, arazão compreendida pelo conceito de negatividadeprocessual, enquanto superação contínua. A verdade

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Identidade e alteridade estarão sempre empossibilidade de contraposição, desempenham-se emultrapassarem-se. “Essa possibilidade de alteração fazcom que Marcuse acrescente a segunda proposição: otodo é falso. O todo verdadeiro está em xeque e podetornar-se falso, desde o instante que se percebe, ou seconstrói uma outra posição.” (GADANHA, 2007, 13).

2. NEGATIVIDADE, EFETIVIDADE HISTÓRICA DA RAZÃO

A negatividade desenvolvida como processo,chega à resultante de concretude histórica, faz comque se possa reconhecer o histórico como racionalidade,como liberdade histórica, institucionalizada. Marcusereconhece a forma histórica determinada da razãocomo a efetividade da própria razão

Hegel via no poder da negatividade o elemento vitaldo Espírito, e, por aí, da Razão. Este poder danegatividade era, em última análise, o poder decompreender e alterar, segundo as potencialidadesamadurecidas, os fatos dados, pela rejeição dopositivo assim que este se tornasse uma barreira parao progresso da liberdade. (MARCUSE, 2004, 370)7.

A reciprocidade entre história e pensamento,esta proximidade, esta integração com o mundo sãoconseguidas pelo procedimento dialético pelo qual aprópria negatividade foi desenvolvida. “Hegel vê atarefa do conhecimento como a de reconhecer o mundo

À Este trecho faz parte do Epílogo, publicado por Marcuse paraa edição de 1954, que está incluído na tradução brasileira“Razão e Revolução”.

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como Razão, compreendendo todos os objetos depensamento como elementos e aspectos de umatotalidade que se torna um mundo consciente nahistória da humanidade.” (MARCUSE, 1960, ix).

Como consequência da compreensão dadialética a partir de Herbert Marcuse verificamos quese compreende o poder do pensamento negativo comoum reconhecimento do mundo como razão,constatamos a advertência de Andrew Feenberg emrelação ao prefácio de 1960, de que podemos“[...]compreender uma das ideias-chave queacompanhou toda a sua vida: a junção de Marx-Hegelem sua referência a liberdade humana” (MARCUSE,2007, 63). A crítica, a contraposição negativa daevidência das contradições do mundo dos fatos, tem osuporte antitético da primeira harmonia, hipótese deidentidade da contraposição qualitativa que possibilitaà própria negatividade a têmpera que lhe fortaleceráno próximo nível de seu desenvolvimento. “Já que ele(Hegel). aceita a forma histórica específica de Razão,conseguida em seu tempo, como a realidade da Razão,o avanço além desta forma de Razão precisa ser umavanço na própria Razão;” (MARCUSE, 1960, xiii). Asegunda harmonia, a síntese recuperadora da coerênciada razão, sua superação sintética, dá à negatividade acapacidade e a força do discurso alternativo em relaçãoa empiria histórica à qual o discurso estabelecidoreproduz. Por ter incluído tanto a desconstruçãoempírica das evidências das contradições, quanto aprimeira harmonia da contraposição qualitativa, torna-se efetiva a reciprocidade entre a empiria e a razão,

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se que a forma histórica de razão é a própria razãoefetivada historicamente.

A reciprocidade história-razão poderia serconsiderada como tautologia se fosse uma identificaçãopura e simples, seria uma tautologia se a identidadeda razão fosse uma identidade definitiva entre razão eum preciso momento histórico. Essa identidade éprocessual, não é definitiva. O histórico como parte daequação tautológica, seria compreendido como ocontingente, seria compreendido univocamente, semconsiderar o outro-de-si como possibilidade e relativoao em-si, sem compreender todos os fatos como etapasde um único processo, sem a perspectiva negativa quepode fazer parte da compreensão do histórico, não ésimples contingente empírico, tem desdobramentoslógico-ontológicos duais. O histórico pela perspectivado pensar negativo deve ser compreendido enquantoprocesso do empírico, como elemento primeiro,enquanto tese, em reciprocidade dialética com o outrodo aparecido empiricamente, elemento da antítese. Atautologia estaria caracterizada se o histórico fossecompreendido unilateralmente, restrito à situaçãoexistencial. O histórico além de ser compreendido como contingente, pode ser compreendido comoreciprocidade, como um tornar-se pela relação entre oexistencial e o racional, entre o fato e o valor.

O pensamento dialético invalida a oposição a priorientre valor e fato, compreendendo todos os fatoscomo etapas de um único processo – processo emque sujeito e objeto estão tão unidos que a verdade

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só pode ser determinada no âmbito da totalidadesujeito-objeto. (MARCUSE, 1960, IV).

A têmpera da negatividade, sua força deconceituação, está em sua rigorosa coerência dareflexão na reciprocidade, construída peloprocedimento dialético, como superação da razão. Arazão sintetizada ou a negatividade é compreendidaem sua especificidade histórica, como processo queacontece empiricamente. Obtém-se deste processo umacrítica, a negatividade determinada do empírico. Oprocedimento dialético considera como efetiva, comocrítica verdadeira, a crítica com a qualidade de negaçãodeterminada do estabelecido. Ao se determinar anegação, chega-se a sua forma histórica, à razão emsua especificidade. A crítica tem seu conteúdo e suaforma porque se efetiva como síntese, em suadeterminação histórica. “Nada é real (a não ser). quese sustente na existência, na luta de vida e morte comsituações e condições de sua existência.” (MARCUSE,1960, viii).

O poder do pensamento negativo correspondeà reciprocidade entre a coerência da reflexão e suaespecificidade histórica. A força que pode turvar acompreensão do estabelecido é a compreensão da razãocomo simples aqui e agora. A razão em sua formahistórica específica é a própria superação da razão nograu conseguido neste instante. Resolve-se a integraçãoentre a angústia pela verdade efetiva e a exigência decontinuidade do processo de sua conquista.Compreende-se a pretensão da razão de integrar arealidade com o que possa dela ser dito.

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concluir que a forma histórica conseguida pelos mortaisneste instante histórico é uma efetivação da razão, nãose pode simplesmente afirmá-la como falsa, éverdadeira neste todo histórico específico; será falsa,tornar-se-á inadequada à medida que surgem, a cadainstante, variáveis diversas. “Isto não significa que arazão renuncie sua pretensão de confrontar a realidadecom a verdade sobre a realidade.” (MARCUSE, 1960,xii) A certeza de verdade da razão, ou da capacidadede negação acaba com a justificativa relativista de poderaceitar as contradições como situações inevitáveis epor isso justificáveis pelo discurso daqueles que tiramdelas vantagens. “Diante do poder dos fatos dados, opoder do pensamento negativo continua condenado.”(MARCUSE, 1960, xiv).

A certeza da razão na compreensão do empíricoenquanto contrário fará com que o próprioestabelecido procure eliminar possíveis focos dealteração prática ou teórica. A força e a motivaçãopelo pensar negativo é a condenação do estabelecidocomo inadequado provisório. O poder do pensamentonegativo está no cerne de cada síntese, historicamenterealizada. A violência é consequência do discurso dascontradições que não mais é aceito pelos prejudicados.A violência institucional estabelecida utiliza-se daforça e de qualquer tipo de ardil para que “aquelesgrupos sociais que a teoria dialética identificou comoas forças da negação ou são derrotados oureconciliados com o sistema estabelecido.”(MARCUSE, 1960, xiv).

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O volume de recursos utilizados na perpetuaçãodo estabelecido e de seu adequado discurso dá umaideia de quanto é ameaçador o pensamento negativo,enquanto efetividade histórica da razão, exposição dalibertação como o verdadeiro. “O poder do pensarnegativo é a força motriz do pensamento dialético,utilizado como instrumento para analisar o mundo dosfatos em termos de sua inadequação interna.”(MARCUSE, 1960, viii).

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014ùEFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GADANHA, A. D. Dialética de Marcuse, o todo é a verdade

e o todo é falso em Kalagatos - Revista de Filosofia.Fortaleza, CE, v.4 nº 8, 2007.

MARCUSE H. A note on dialectic em FEENBERG, A. &LEISS W. The essential Marcuse. Selected writingsof philosopher and social critic Herbert Marcuse.Boston: Beacon Press, 2007.

MARCUSE, H. Razão e Revolução – Hegel e o

advento da teoria social. São Paulo: Paz e Terra, 2004.

MARCUSE, H. A note on Dialectic – In: Reason andRevolution – Hegel and the rise of social theory.Boston: Beacon Press, 1960.