há anos que não ouço falar de uma política de crescimento em...

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acho que é a mais importante, é que qualquer dia um terço, ou metade, da população activa portuguesa pensa que quem lhe fixa o ordenado é o Go- verno e não a evolução da conjuntura. E isso é péssimo. As pessoas acham que o primeiro-ministro é que lhes vai dar, ou não, um aumento. Digo que me pa- rece útil que as empresas acima de uma certa dimensão negociem direc- tamente com os trabalhadores, por exi- gente que esse desafio seja, mas reco- nheço que há muitas empresas onde não há dimensão para isso. Percebo que aí haja quem defenda a fixação de um salário mínimo. Neste momento, acho a preocupação completamente 36 250 Maiores Empresas do Distrito de Leiria Novembro de 2018 Há anos que não ouço falar de uma política de crescimento em Portugal Pedro Ferraz da Costa O presidente do Fórum para a Competitividade afirma que o país precisa de incentivar mais o investimento empresarial e a poupança das famílias. E defende que temos condições para que a economia cresça, pelo menos, 4% anualmente Raquel de Sousa Silva [email protected] z Tem estado em discussão o aumento do salário mínimo nacional. Já admitiu que é contra a fixação de um ordenado mínimo há muitos anos. Porquê? Por duas razões. Acho que as empresas ganham em que haja uma discussão sobre a parte social, pelo menos as em- presas acima de uma certa dimensão. É muito importante que as pessoas per- cebam que aquilo que podem ganhar está limitado pela produtividade que se consegue atingir. Essa discussão é mui- to exigente para o lado patronal, mas não tenho dúvidas que depois dos trauma- tismos de 1974/75 há muitos patrões que fogem dessa conversa como o dia- bo da cruz. E que acham que é óptimo que as associações tratem desse assun- to. Mas há muitas coisas que podem ser discutidas ao nível das empresas, até como forma de motivar as pessoas e para que percebam melhor para onde a em- presa se dirige, quais os objectivos, quais as competências necessárias no fu- turo. Acho que quando o salário mínimo é discutido muito longe da empresa também está muito longe da realidade. E tomam-se decisões relativamente in- justificadas economicamente. Falou em duas razões… A segunda razão pela qual sou contra, e

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acho que é a mais importante, é quequalquer dia um terço, ou metade, dapopulação activa portuguesa pensaque quem lhe fixa o ordenado é o Go-verno e não a evolução da conjuntura.E isso é péssimo. As pessoas acham queo primeiro-ministro é que lhes vai dar,ou não, um aumento. Digo que me pa-rece útil que as empresas acima deuma certa dimensão negociem direc-tamente com os trabalhadores, por exi-gente que esse desafio seja, mas reco-nheço que há muitas empresas ondenão há dimensão para isso. Perceboque aí haja quem defenda a fixação deum salário mínimo. Neste momento,acho a preocupação completamente

36 250 Maiores Empresas do Distrito de Leiria Novembro de 2018

Há anos que nãoouço falar de uma política de crescimento em Portugal

Pedro Ferraz da Costa O presidente do Fórum para aCompetitividade afirma que o país precisa de incentivarmais o investimento empresarial e a poupança dasfamílias. E defende que temos condições para que aeconomia cresça, pelo menos, 4% anualmente

Raquel de Sousa [email protected]

z Tem estado em discussão o aumentodo salário mínimo nacional. Já admitiuque é contra a fixação de um ordenadomínimo há muitos anos. Porquê?Por duas razões. Acho que as empresasganham em que haja uma discussãosobre a parte social, pelo menos as em-presas acima de uma certa dimensão. Émuito importante que as pessoas per-cebam que aquilo que podem ganharestá limitado pela produtividade que seconsegue atingir. Essa discussão é mui-to exigente para o lado patronal, mas nãotenho dúvidas que depois dos trauma-

tismos de 1974/75 há muitos patrõesque fogem dessa conversa como o dia-bo da cruz. E que acham que é óptimoque as associações tratem desse assun-to. Mas há muitas coisas que podem serdiscutidas ao nível das empresas, atécomo forma de motivar as pessoas e paraque percebam melhor para onde a em-presa se dirige, quais os objectivos,quais as competências necessárias no fu-turo. Acho que quando o salário mínimoé discutido muito longe da empresatambém está muito longe da realidade.E tomam-se decisões relativamente in-justificadas economicamente.Falou em duas razões…A segunda razão pela qual sou contra, e

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desfasada da realidade, porque há tan-ta falta de gente para trabalhar que é omercado que está a puxar pelos salários.O Estado não é um entre três parceiros.Está interessado em que aumente [o sa-lário mínimo] porque melhora as recei-tas da Segurança Social.Tem crescido a percentagem da popu-lação activa a receber o salário mínimo?Tem. Neste momento já temos umagrande parte dela abrangida pelo saláriomínimo. O que é um mau indicador. Osalário mínimo poderia funcionar comouma espécie de carro vassoura paraaqueles que ficassem para trás. Abran-ger um terço da população activa não meparece que faça sentido. Por outro lado,

Não haveria sindicatos senão fossem os descontosda Função Pública. Porqueno sector privado asindicalização tem baixadocontinuamente ao longodos anos

RICARDO GRAÇA

esta preocupação com o salário mínimo,em que as centrais sindicais também ali-nham porque lhes dá umas horas de te-levisão, está a desvirtuar completa-mente a negociação sectorial. Se as pes-soas são apanhadas pelo contrato co-lectivo, qual o interesse do contrato doseu sector? Ao fixar pela via do saláriomínimo a remuneração de uma parte tãoimportante dos trabalhadores, estão adesinteressá-los todos da sindicalização.Aliás, não haveria sindicatos se não fos-sem os descontos da Função Pública.Porque no sector privado a sindicaliza-ção tem baixado continuamente ao lon-go dos anos.Já que fala em sindicalização... A visão

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Quem queira construiruma sociedade socialistaestá desfasado darealidade, porque isso nãofunciona satisfatoriamenteem sítio nenhum domundo

dos sindicatos está desfasada da reali-dade?Sempre esteve. Quem queira construiruma sociedade socialista está desfasa-do da realidade, porque isso não fun-ciona satisfatoriamente em sítio ne-nhum do mundo. Veja-se a Venezuela,Cuba, a Coreia do Norte... Ninguémfoge para esses sítios.Voltando ao salário mínimo… O que foiacordado entre PS e Bloco de Esquerdaaquando da formação do Governo fo-ram 600 euros em 2019, as centraissindicais, naturalmente, pedem mais.É possível viver dignamente com um sa-lário de 600 euros?Então não é? Com certeza que é. Muitomelhor do que quando [o SMN] eram400, 450 ou 500 euros. É sempre pos-sível dizer que sim ou que não! Eu gos-tava era de inverter a pergunta. Se acha-mos que não é possível viver com 600euros, que esforço colectivo estamosdispostos a fazer, em termos de organi-zação do País, para crescermos mais epara serem possíveis melhores ordena-dos? Por que é que a Espanha crescemais do que nós? Somos assim tão in-capazes? Não crescemos e as remune-rações não crescem.Para a pessoa levar para casa um salá-rio de 600 euros as empresas gastamquase o dobro…Exactamente. Não há nenhum país naUnião Europeia onde a partir de um ní-vel relativamente baixo de ordenado aparte [desse ordenado] que vai para a Se-gurança Social e para impostos seja tãoelevada. Entre o que as empresas pa-gam, e onde tem de se acrescentar o quevai para estes dois fins, e o que as pes-soas levam para casa há uma diferençaenorme. E a partir de dois mil e tal eu-ros [de ordenado], o Estado leva a par-te maior, leva mais do que o trabalhador.À medida que os salários sobem isto émais acentuado.Mas por vezes também percebemosque mesmo empresas com lucros afir-mam não poder pagar mais…Tenho sempre imensa dificuldade emfalar de modo geral. Quando vemos acentral de balanços do Banco de Portu-gal, vemos que em termos de rentabili-dade e situação financeira as nossas

empresas, na comparação com o restoda União Europeia, estão mal. Não vejoassim tanta folga para isso [pagar mais].Aliás, nas micro-empresas, que empre-gam metade das pessoas em Portugal,o Valor Acrescentado Bruto por cadaposto de trabalho pouco excede o cus-to do salário mínimo mais encargossociais. Vai tudo para ordenados. Isto ex-plica porque temos uma taxa de inves-timento tão baixa. E os bancos, em al-guns destes casos, têm grande dificul-dade em emprestar mais dinheiro por-que acham pouco seguro.O busilis do problema está na estrutu-ra do nosso tecido empresarial…

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RICARDO GRAÇA

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Está. E na baixa produtividade.Um tecido empresarial composto pormicro e pequenas empresas, tambémcom empresários pouco qualificados…Toda a gente é pouco qualificada emPortugal. Empresários, trabalhadores,políticos. É também por causa distoque a produtividade não cresce. Umexemplo: nestes últimos dois ou trêsanos criámos emprego fundamental-mente em áreas que têm fatalmenteprodutividades baixas. Cafés, restau-rantes... nada disto é muito automati-zável. É mão-de-obra intensiva compouca produtividade. Como não têmdinheiro para investir, nem compe-tências, as pessoas vão fazer o que é fá-cil de fazer. Houve anos em que abriramcerca de dez mil cafés e restaurantes emPortugal.Falta investimento industrial com ino-vação associada?Também o há. Temos muito boas em-presas, são é poucas. Não tenho dúvidas

que parte das 250 maiores empresas deLeiria têm classe mundial. Também ashá em Aveiro, no Minho, nalguns sec-tores tradicionais e noutros modernos.Faltam-nos mais destas empresas.O que é preciso para que tal aconteça?Políticas públicas e menos impostos.Que tipo de políticas?Vou dar um exemplo de uma reivindi-cação do Fórum para a Competitividadepara o Orçamento do Estado. Por que éque todas as operações financeiras re-lacionadas com a exportação pagam4% de Imposto de Selo? Agora, para sepenalizar o consumo, vai-se pôr o créditoao consumo a pagar 1,8% de Imposto deSelo. Isto é para desincentivar o consu-mo. Então e 4% é para incentivar as ex-portações? Há anos e anos que não ouçofalar de uma política de crescimento emPortugal. Não é uma coisa para que aspessoas estejam viradas. Só vemos in-convenientes nas coisas. Se houver pe-tróleo não se pode perfurar [o solo], se

houver gás natural não vamos aprovei-tar... Estamos sempre a encontrar um pro-blema para cada solução. E somos fan-tásticos nisso. Para isso organizamo-nos, há imensa militância.Não há políticas sustentadas a longoprazo?Nem a longo nem a curto. Uma das coi-sas de que ouvimos falar há dezenas deanos, todos os governos falam na sua im-portância, é o mar. É uma mistificação.Se formos ver o que está no Orçamentodo Estado para 2019 para o mar, é prati-camente nada. E uma parte do que láestá deve ser a dragagem do porto de Se-túbal mais meia dúzia de coisas.Do que se conhece do Orçamento do Es-tado, diria que este é o orçamento deque o País precisa?É igual aos outros. É muito para satisfa-zer os grandes grupos eleitorais quepodem apoiar a geringonça. O que nãoé surpreendente. Já se esperava e temsido assim nos últimos anos. O ministro

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sionante. Tivemos Espanha, nosso prin-cipal parceiro comercial, a crescer maisdo que nós; petróleo a custo baixíssi-mo… As circunstâncias são do melhorque há, não vai voltar a ser assim. Temosde pensar o que fazer quando outrosdestinos de sol e mar tiverem recupe-rado e quando a Europa crescer menos,o que começa a acontecer.As estimativas variam ligeiramenteconsoante a instituição que as faz, masapontam para um crescimento da eco-nomia portuguesa na ordem dos 2%este ano. Temos condições para crescermais?Ninguém nos leva a sítio nenhum, temosde ir nós. Temos condições, qualidadedas pessoas e um certo atraso relativo,que permite aquilo a que se chama cat-ching up, para subir 4% ao ano. Se fica-mos todos satisfeitos com 2%… Só comesse crescimento haveria condiçõespara as empresas pagarem melhoressalários e para as pessoas poderem cres-

Somos um povo que adoradar pancada nos quepensam grande. Nãogostamos que as pessoas se destaquem

das Finanças nunca fez a política que di-zia que ia fazer. Aquele documento dos12 economistas do PS nunca foi con-cretizado. A recuperação de uma gran-de descida é sempre rápida, já aconte-ceu várias vezes. Por outro lado, a re-cuperação do turismo foi muito devidoàs dificuldades que houve no Mediter-râneo Oriental, que trouxe gente quenunca mais acaba.O que poderá estar em risco quando au-mentar a segurança desses destinos…Tudo está em risco porque o Mundo éuma coisa arriscada. Temos de nos pre-caver. Temos um conjunto de circuns-tâncias externas extraordinariamente fa-voráveis, que dificilmente se voltam arepetir. Somos um País falido com aces-so a liquidez que nunca mais acaba porcausa do quantitative easing do BancoCentral Europeu (BCE); e com taxas dejuro baixíssimas. O que o Governo pou-pou em juros nos últimos anos devidoà política do BCE é uma coisa impres-

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cer dentro delas. Uma empresa que nãocresça 5% ao ano não está a proporcio-nar novos lugares. Muitos dos jovensque vão embora vão ganhar mais para sí-tios onde a vida é muito mais cara.Quando lhes pergunto por que vão, res-pondem que é por causa das possibili-dades de carreira. Não acho mal. Sóacho é que o País devia reflectir mais ma-duramente sobre o que tem a oferecerem termos de ensino universitário.Os jovens não deviam ter de sair por fal-ta de alternativas cá...Conheço imensos que estavam a traba-lhar e saíram. Não foram obrigados. Foipor opção. O que é mais difícil de con-trariar.Estava a falar na questão da importân-cia daquilo que fazem as universida-des...Temos estado a criar cursos sem qual-quer preocupação sobre a sua empre-gabilidade. Isso é criminoso, estamos aenganar as pessoas. Qualquer pessoaque não esteja muito preparada para sa-ber o que é o emprego de amanhã - eninguém sabe o que é - parte do princí-pio de que se há uma universidade doEstado que tem uma formação nisto ou

naquilo é porque isso vai ser bom. Não!É para arranjar emprego para os pro-fessores dessa cadeira.Ninguém sabe quais vão ser os empre-gos do futuro...Mas já se sabe o tipo de competênciasque seria bom as pessoas terem para seadaptarem. E têm muito a ver com aqualidade da primária e do secundário.Que cá é má! E não é preocupaçãopara ninguém. No Ministério da Edu-cação discutem-se as relações com ossindicatos e com os professores em95% do tempo. Dos alunos pratica-mente não se fala.Quais são as competências básicas queas pessoas devem ter?Domínio da língua inglesa. Portugalnão se situa mal nesta área, mas deviareforçar-se esta matéria. O conheci-mento da matemática e o contacto comas novas tecnologias são fundamen-tais. E neste aspecto o ensino é muito,muito deficiente. Como é que é possívelencontrarmos miúdos até aos 17 anosque nunca tiveram uma cadeira de in-formática? Isto para mim não faz senti-do. Na minha opinião, tudo isto é por-que não há ninguém no Governo preo-

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RICARDO GRAÇA

Pedro Ferraz da Costa“As pessoas não estão para se chatear”Pedro Ferraz da Costa, 72 anos, élicenciado em Finanças pelo ISCEF. Éproprietário e CEO de um grupofamiliar de empresas de produtosfarmacêuticos e de produtosagrícolas que emprega 273 pessoas.Há mais de 40 anos que se dedica aorganizações empresariais. Foipresidente da CIP (ConfederaçãoEmpresarial de Portugal) de 1981 a2001. Actualmente preside ao Fórumpara a Competitividade, é presidenteda Assembleia Geral da AIP –Associação Industrial Portuguesa epresidente do Conselho deCuradores da Fundação AIP.“Sempre dediquei muito tempo aoassociativismo. Acho que toda agente o devia fazer. Um dosproblemas que temos em Portugal éque a sociedade civil não é sociedadecivil. As pessoas não estão para sechatear. E se tiverem de tomarposições públicas, menos ainda",lamenta.

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cupado com o que vamos fazer paracrescer e para as pessoas terem melho-res condições de vida.O que é que as empresas mais valorizamna hora de contratar?Depende. Há aquelas cujo objectivo écontinuar a fazer o que fazem e para es-sas qualquer pessoa serve, desde queseja simpática e não se engane na caixaregistadora. As que exportam, que sequerem projectar no exterior, têm amaior dificuldade em encontrar pessoaspara a área comercial externa. Houve al-guns programas da AICEP de colocar jo-vens no estrangeiro para ganharem essaexperiência, mas eram muito limita-dos porque tinham poucos recursos.Isso devia ser feito. Outra coisa que de-via ser feita: as universidades, que re-cebem imenso dinheiro do Estado, de-viam ser convencidas - não forçadas - adarem formação nessas áreas. Muitagente formou-se em áreas que não têmempregabilidade nenhuma, se calharpodiam, deviam, ser reconvertidas.Disse numa entrevista à TSF que mui-tos sectores não conseguem encontraros trabalhadores de que precisam por-que as pessoas não querem trabalhar…Isso está muito centrado na geraçãodos que nem estudam nem trabalham.São pouco resilientes, têm a vida faci-litada pelos pais?Então não têm? São a geração cujos paislhes deram tudo e mais alguma coisa. Es-tamos a falar de jovens com 25 anos, queaos seis ou sete davam um pontapé no paise ele não estivesse disposto a comprar--zlhe uns ténis de marca. Acha que issonão tem consequências? Nunca ninguémlhes disse que não. Entrar numa empre-sa é uma coisa horrível para eles. Tivemosaqui [Iberfar] um estagiário que entrou às9 horas e veio pedir para ir embora aomeio-dia. Nunca tinha estado num sítioonde tivesse de seguir regras.Como é que se resolve a questão da fal-ta de pessoas?Tem de haver uma alteração de incen-tivos. Têm de se tratar melhor os que tra-balham e menos bem os que não traba-lham. Se fazemos ao contrário, aumen-tam os que não trabalham.Acha que há muitos incentivos para osque não trabalham?

Se não se conseguearranjar ninguém para aconstrução civil, por que éque o orçamento daSegurança Social suporta 20 mil ou 30 mildesempregados desta área? Muitos deles a trabalharclandestinamente?

A pessoa que trabalha de acordo com as regras é a mais 'lixada', passe a expressão. Isto não está certo

taxa de desemprego começa a baixar nãohá razão nenhuma para mantermos asfacilidades brutais de acesso ao subsídiode desemprego em classes profissio-nais onde as empresas têm falta de gen-te. Se não se consegue arranjar nin-guém para a construção civil, por que éque o orçamento da Segurança Social su-porta 20 mil ou 30 mil desempregadosdesta área? Muitos deles a trabalharclandestinamente?Esse é outro problema na economiaportuguesa...Tudo aponta no mesmo sentido. A pes-soa que trabalha de acordo com as regrasé a mais 'lixada', passe a expressão. Istonão está certo. Tenho uma exploraçãoagrícola no Alentejo e não consigo en-contrar ninguém que vá apanhar azei-tona e passe papéis [recibos]. Há muitassituações destas. Dezenas de milhar decasos. A economia portuguesa estimu-la pouco o emprego que cumpre regrase é muito permissiva em relação a estassituações marginais. Assim que au-menta um pouco o rendimento de quemtrabalha com o devido enquadramentolegal, essa diferença vai para os impos-tos e as pessoas não querem pagar im-postos. Acham mesmo que é uma coisaque não se deve pagar.Por que é que em Portugal há esta aver-são ao pagamento de impostos? Só nãofoge quem não pode…Em todos os países se foge. Ninguémgosta de pagar. Há é países onde o riscode ser apanhado é maior e a pressão dosvizinhos também. Mas as pessoas tam-bém recebem muito em troca daquiloque pagam. As pessoas percebem que osseus impostos são bem aplicados. Cáninguém acha isso. Até pode ser que aopinião seja mais negativa do que éjusto, mas estes escândalos todos, os di-nheiros que desapareceram, fazem comque as pessoas tenham a sensação deque anda tudo a roubar. Isto dá-lhes jus-tificação fácil [para não pagar].Tem dito que as taxas de IRC em Por-tugal são dissuasoras do investimento,nomeadamente do externo…Sim. Porque quase todos os países astêm estado a baixar progressivamente.Agora, a baixa nos Estados Unidos temum efeito brutal. Baixou de trinta e tal

Então não há! Veja-se o RendimentoSocial de Inserção. Por outro lado, tí-nhamos um sistema de subsídio de de-semprego que em termos de duração erados mais generosos na União Europeia.Durante o período da crise foi ainda me-lhorado. Depois Passos Coelho reduziuo período, mas aumentou o subsídio so-cial. Se arranjarem emprego mais cedo[antes do fim do subsídio], as pessoassentem-se prejudicadas. Tudo isto po-deria ter alguma justificação durante operíodo da troika e do ajustamento,para evitar custos sociais descontrola-dos, mas a partir do momento em que a

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para vinte e tal. Caiu muito mal entre osinvestidores que aquele acordo que foifeito entre o Governo PSD-CDS e o PS deAntónio Seguro para uma baixa pro-gressiva tenha sido parado pelo [Antó-nio] Costa quando chegou.Os investidores não olham para Portu-gal como um destino interessante paraos seus projectos?Posso colocar a questão de outra ma-neira. Se estiverem a estudar localiza-ção em Portugal ou em Espanha, vãopara o país vizinho. Têm impostos maisbaixos e taxas de juro mais baixas, por-que Espanha tem tido uma situação fi-nanceira menos desequilibrada do quenós. E tem um mercado interno maior,ainda por cima. Se bem que me pareceque em Espanha vão entretanto entrarnuma época de grande barafunda, porcausa da questão política, que está aorubro.“É infernal viver com esta legislação emPortugal”, disse numa entrevista em

2005. Não houve melhorias de entãopara cá?Não mudou grande coisa. Os últimos go-vernos têm feito umas alterações e dito:'está tudo feito, não voltamos a falar noassunto'. Mas a primeira coisa com quese preocupa o que vem a seguir é em des-fazer o que fez o anterior. Dá a ideia deque nada é estável.Mas há outros problemas que as em-presas enfrentam...O pior são os prazos de pagamento, queestão cada vez mais dilatados. Ir para tri-bunal quando os clientes não pagam écaro e não resulta. Há sentenças, mas de-pois os tribunais não emitem os títulosexecutivos.Por que é que se paga cada vez mais tar-de em Portugal?É muito cultural. Já diz o ditado: 'pagar emorrer o mais tarde que puder ser'. Na Ale-manha e nos países escandinavos a médiados prazos de pagamento são 13 dias. Porcá, se vender a um mau cliente duas vezes

por mês, quando percebo que ele não vaipagar já lhe fiz quatro fornecimentos.De acordo com os últimos dados doINE, de Janeiro a Setembro as importa-ções cresceram 7,8% e as exportações6,7%. Como comenta?É resultado da política de crescimento doPIB [Produto Interno Bruto] através doconsumo. Não percebo como é que umeconomista consegue propor uma coisadessas com um ar sério, que foi o que oministro das Finanças fez. Quase tudo oque são bens de consumo duradouro sãoimportados. Se as pessoas tiverem maisdinheiro disponível vão comprar umcomputador melhor, um telemóvel me-lhor, vão trocar de carro. A economiamexe, mas com recurso ao exterior.Mesmo na Alemanha, um aumento doconsumo dirige-se em grande parte parabens importados. Cá, então, é a quase to-talidade. O que se compra de bens deconsumo duradouro de valor acrescen-tado que seja português?

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Se têm mais rendimento disponível, asfamílias canalizam-no para consumo enão para poupança…Vão pôr o dinheiro no banco e recebem0,5% de juros! As pessoas perguntam--se por que não hão-de gozar já o quelhes apetece em vez de ficarem à espe-ra. As taxas de juro muito baixas só sãoboas para os devedores. Para quem pou-pa é do pior que há. Não há grandes es-tímulos à poupança. E devia haver.Que tipo de estímulos?Bastava não tributar tanto. Aumentou-se a tributação da poupança. Além de aspessoas receberem poucos juros, dosque recebem ainda lhes levam 28%. As-sim ninguém poupa. O Estado mata ascoisas à nascença. Devia esperar mais. Seas pessoas poupassem e tivessem ren-dimentos, algum dia o dinheiro iria pa-rar ao Estado.Voltando às exportações...Tem-se apon-tado para um objectivo de que o seupeso no PIB seja de 50%. Devemos am-bicionar mais?Sim. A maior parte dos países de di-mensão média na União Europeia tempercentagens de exportação perto dos100%, mesmo os países de Leste. O úni-co sítio onde as empresas podem cres-cer é no mercado externo. Em Portugalé tudo muito pequenino, lá fora não hálimites.Somos um povo que pensa pequenino?Não. Somos é um povo que adora darpancada nos que pensam grande. Nãogostamos que as pessoas se destaquem.Com uma excepção: o futebol.Por que é que não gostamos? Resquíciosde muitos anos de ditadura?Não. Coitado do doutor Salazar, não te-ria tempo de tratar de tanta coisa ao mes-mo tempo! Há uma certa influência daIgreja Católica nesse sentido. Todos ospaíses do Sul da Europa sofrem um bo-cadinho disso. Nos países protestan-tes, o sucesso na Terra é sinal de queDeus está connosco.Gostamos de ficar quietos no nossocanto, não dar nas vistas para não seralvo de inveja...Exactamente. Talvez nas cidades mo-dernas isso seja menos marcado. Tenhoideia que em Leiria há muita riquezaque se vê. Tal como noutras cidades.

Acho que uma pessoa que teve sucesso navida em Famalicão, Felgueiras, São Joãoda Madeira, Aveiro ou numa dessas zonasmais industriais entende que ter um Fer-rari é um sinal legítimo do seu sucesso. EmLisboa as pessoas não se metem muitonesse tipo de coisas. Sentem--se mais con-dicionadas politicamente. E já era assimantes do 25 de Abril. Em termos de men-talidade, de resistência ao esforço, o Nor-te é muito diferente do Sul. Vou ser in-sultado em vários sítios por dizer isto, masacho que se trabalha mais no Norte.

Temos estado a criar cursossem qualquer preocupaçãosobre a suaempregabilidade. Isso écriminoso, estamos aenganar as pessoas

RICARDO GRAÇA