desafios das políticas macroeconómicas, microeconómicas e...

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1 Desafios das Políticas Macroeconómicas, Microeconómicas e Empresariais Eduardo Catroga A pandemia global, com o encerramento compulsivo da actividade económica nas principais economias mundiais, provocou uma recessão económica através de um “choque de oferta” que se transformou num “choque de procura”. As medidas de emergência dos governos e dos bancos centrais foram exigidas pela mitigação dos efeitos da paralisação das economias sobre os rendimentos, o emprego e a deterioração da liquidez das famílias e empresas. Temos consciência de que tais acções têm efeitos colaterais relevantes sobre a saúde económica e financeira das economias, o que motivou uma reflexão sucinta sobre os desafios da política monetária, política orçamental, políticas estruturais e políticas de gestão empresarial, na construção de um plano global coerente para uma sustentada recuperação económica e social, com medidas a curto, médio e longo prazo. No campo da política monetária , a pandemia implicou um aumento da incerteza com que os principais bancos centrais já se defrontavam. A normalização da política monetária expansionista, associada à crise global de 2008, tinha sido, ainda em 2019, interrompida e revertida nos EUA, por força das guerras tarifárias desencadeadas pela Administração Americana. Por seu turno, o Banco Central Europeu (BCE) não realiza um movimento de aumento de taxas de juro de referência desde 2011, que estão à volta de zero há vários anos, sendo uma das suas taxas de referência mesmo negativa desde 2014. As taxas básicas de juro, tanto nos EUA como na Zona Euro, estão a valores historicamente baixos (Gráfico 1). Tal é, também, o resultado de mudanças estruturais na economia mundial, conclusão que é reforçada pela estimativa, ao redor de 0,5% ao ano, da chamada taxa de juro neutra das principais economias (Gráfico 2).

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DesafiosdasPolíticasMacroeconómicas,MicroeconómicaseEmpresariais

EduardoCatroga

Apandemiaglobal,comoencerramentocompulsivodaactividadeeconómicanas

principaiseconomiasmundiais,provocouumarecessãoeconómicaatravésdeum

“choquedeoferta”quesetransformounum“choquedeprocura”. Asmedidasde

emergênciadosgovernosedosbancoscentraisforamexigidaspelamitigaçãodos

efeitos da paralisação das economias sobre os rendimentos, o emprego e a

deterioraçãoda liquidezdas famílias e empresas. Temos consciência de que tais

acçõestêmefeitoscolateraisrelevantessobreasaúdeeconómicaefinanceiradas

economias, o que motivou uma reflexão sucinta sobre os desafios da política

monetária, política orçamental, políticas estruturais e políticas de gestão

empresarial, na construção de um plano global coerente para uma sustentada

recuperaçãoeconómicaesocial,commedidasacurto,médioelongoprazo.

Nocampodapolíticamonetária,apandemiaimplicouumaumentodaincerteza

comqueosprincipaisbancoscentraisjásedefrontavam.Anormalizaçãodapolítica

monetária expansionista, associada à crise global de 2008, tinha sido, ainda em

2019, interrompida e revertida nos EUA, por força das guerras tarifárias

desencadeadas pela Administração Americana. Por seu turno, o Banco Central

Europeu(BCE)nãorealizaummovimentodeaumentodetaxasdejurodereferência

desde2011,queestãoàvoltadezeroháváriosanos,sendoumadassuastaxasde

referênciamesmonegativadesde2014.

As taxas básicas de juro, tanto nos EUA como na Zona Euro, estão a valores

historicamente baixos (Gráfico 1). Tal é, também, o resultado de mudanças

estruturais na economiamundial, conclusão que é reforçada pela estimativa, ao

redorde0,5%aoano,dachamada taxade juroneutradasprincipaiseconomias

(Gráfico2).

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Gráfico1:Taxabásicadejuros

(Em%aoano)

Fonte:ResearchdoBradesco

Gráfico2:Taxaneutradejurosnasprincipaiseconomias

(Em%aoano)

Fonte:ResearchdoBradesco

Adesignadataxadejuroestruturaléfunçãodaprocura(investimentos)edaoferta(poupança)doscapitaissusceptíveisdeaplicação.Osseusfactoresdeterminantesevoluemlentamente,emhorizontetemporallongo,comoocrescimentopotencialdas economias muito determinado pela capacidade produtiva, produtividade edemografia.

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Em2020-2021, os principais bancos centrais estarão, na prática, amonetizar os

déficespúblicos.Estima-se,naOCDE,umaexpansãodosrespectivosbalanços(base

monetária)daordemdos70%.NaZonaEuro,oBCEcomeçouachamadapolíticade

compra de dívida (“Quantative Easing” – QE) em larga escala a partir de 2015,

contribuindodecisivamentepara a solvabilidade financeiradospaíses altamente

endividados (como Portugal, Itália ou Grécia) e para a baixa da taxa de risco

associada.Ototaldosseusactivosem%doPIBultrapassourapidamenteodoFED

ouodoBancodeInglaterra,atingindo40%doPIBnofinalde2019(Gráfico3).

Gráfico3:Activosdosbancoscentraisem%doPIB

Fonte:FinancialTimes

Entende-se que a política monetária expansionista do BCE dos últimos anos foi

essencialparaadefesadoeuroeparaanão-excessivafragmentaçãodosmercados

financeiros. Mas é claro que se acentuará a discussão sobre se uma política

monetáriaultraexpansionistaécompatívelcomomandatodoBCEecomaproibição

de financiamento monetário. Na prática, a política monetária do BCE está a

monetizarosdéficespúblicoseaimpactarnabaixadataxadejuro(Gráficos4,5e

6).

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Gráfico4:ZonaEuro:Déficespúblicos(%PIB)

Fonte:ResearchNatixis

Gráfico5:ZonaEuro:Basemonetária(milmilhõesdeeuros)

Fonte:ResearchNatixis

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Gráfico6:ZonaEuro:Taxasdejurodasobrigaçõesa10anos(%)

Fonte:ResearchNatixis

Nãonosparece,nestafasedeemergência,queoBCEcorrariscosjurídicos(apesar

dasreservasdealgunsEstados-membros),dadoqueataxadeinflaçãonaZonaEuro

semantémàvoltadezero,abaixodovalordereferênciaprosseguido(aoredorde

2%).OBCEpoderáaindautilizaroutrosargumentoscomo,porexemplo,odeque

as políticas não-convencionais são essenciais para assegurar uma adequada

transmissão dos efeitos de política monetária à Zona Euro, nomeadamente aos

paísesperiféricos.

Noentanto,nãohádúvidadeque,seapolíticamonetáriaexpansionistadoBCEse

prolongarpordemasiadotempo,eàmedidaquefordeixadoparatrásoperíodode

emergência da pandemia global, surgirá uma reação crescente dos críticos,

apontandoosseusefeitoscolateraisnegativospotenciais,quesãoconhecidos:(i)

ausência de estímulo para reformas estruturais dos governos, uma vez que os

défices públicos são facilmente financiáveis no curto prazo, mas impactando

negativamente a taxa de crescimento potencial e a qualidade de alocação de

recursos;(ii)incentivoàtomadaderiscosespeculativosdealavancagemfinanceira,

provocando, a prazo, “bolhas” no preço dos activos (ex.: acções, imobiliário) e

exacerbandoadesigualdadenadistribuiçãodariqueza;(iii)aumentodapoupança

(pressionandoparabaixoataxadejuro),aoinvésdoconsumo,emvirtudedomenor

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valor esperado para os rendimentos futuros dos patrimónios acumulados; (iv)

acréscimo da volatilidade dosmercados emergentes, em particular nas taxas de

câmbio; (v) aprazo, perdade confiançanamoeda, se a “criação” for excessiva e

sobretudosenãoforsimétricaentreosprincipaisespaçoseconómicos;(vi)mesmo

sendosimétrica,riscodefuga,nãoparaoutrasmoedas,masparaoutrosactivosde

refúgioouespeculativos,comooouro,ascriptomoedas,etc.

Poroutro lado,nãopodemosesquecerqueoeuro foi criadoporumcontratode

confiança entre os países aderentes ao projecto da moeda única (Zona Euro),

pressupondoregrasdedisciplinafinanceira.Sãoconhecidasasfragilidadesdasua

arquitectura,queentãofoiapossível,semalgunsdosrequisitosdaschamadaszonas

monetáriasóptimas,lacunasquesósepoderiamcolmatarplenamentenumquadro

de união política e orçamental, com um Tesouro comum, ao lado de um Banco

Central comum. Estamos longe desse modelo, por falta de consenso político

europeu.Háque reconhecer,noentanto,queaarquitectura inicial imperfeitado

euro tem vindo a ser aperfeiçoada em cada crise. São exemplos: a criação do

Mecanismo de Estabilidade Europeu (MEE); a aceitação recente do princípio de

emissão da dívida conjunta por parte da UE, para responder a efeitos da crise

pandémica (que atingiu simetricamente todos os Estados-membros); reforço do

papeldoBCEnasupervisãodosistemabancário;a flexibilização,desde2015,da

políticamonetáriadoBCE,osesforçosdecoordenaçãodaspolíticaseconómicase

financeirasdosEstados-membros.Estasmedidascruciaisparaadefesadoeuroedo

processodeintegraçãoeuropeia.Masosprogressosnosmecanismosexistentesnão

sãoaindasuficientesparaanulartodososriscosqueincidemsobreofuturodoeuro,

nomeadamente o risco da dívida excessiva de Itália, pelo peso relativo da sua

economia(aterceiradaZonaEuro).

No futuro, apolíticamonetáriadoBCEserá condicionadapela Itália,poisnão se

vislumbraumasoluçãofácil:(i)arestruturaçãodadívidaitalianaimplicariacomo

nívelderiquezadas famíliasdetentorasdamaior fatiadessadívida; (ii)aviado

aumentodaprodutividadetemesbarradocombloqueiospolíticosinultrapassáveis

nos últimos 20 anos; (iii) a continuação prolongada de políticas orçamentais

restritivas é inaceitável politicamente e gera o fortalecimento dos movimentos

populistasantieuropeus.Aúnicasoluçãoseriaumapoioespecíficoparaaexecução

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deumconjuntodereformasestruturaisindutorasdemelhoriadoPIBpotenciala

prazo,oqueexigiriaumconsensopolíticointernoeexternodedifícilobtenção,no

quadrodeumconjuntodereformasparaospaísesdaZonaEuromaisafectados

pelascrisesbancárias,commaioresníveisdeendividamentoecomnecessidades

acrescidasderenovaçãodasuaestruturaprodutiva.Onovoplanoderecuperação

europeia, proposto pela ComissãoEuropeia (CE), comuma componente forte de

subvenções,poderáconstituirumprimeiropassoparaumamudançaestruturalna

Itália,seassociadaaprogramaseuropeus,porexemplo:financiamentoconjuntode

investimento empresarial; modernização das empresas; desenvolvimento de

projectosnosdomíniosdaeducação,saúde,transiçãoenergética,inovação,etc.,que

seriam impulsionadores de reformas estruturais de que a Itália carece para

melhoraraprodutividade,ocrescimentoeoemprego.Então,gradualmente,poderia

irdiminuindooseuníveldeendividamento.

A Itália, tal como os países altamente endividados, precisa da actual política

expansionistadoBCEparaevitarpressãosobreastaxasdejuroeoalargamentodos

“spreads”entreospaísesperiféricoseospaíses“core”daZonaEuro(Gráficos7,8e

9).

Gráfico7:TaxasdejurodasObrigaçõesdoTesouroa10anos(em%)

Fonte:ResearchdoNatixis

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Gráfico8:BCE:EvoluçãodaCarteiradeObrigaçõesdoTesouro

(emmilmilhõesdeeuros)

Fonte:ResearchdoNatixis

Gráfico9:“Spreads”faceàAlemanha(em%)

Fonte:ResearchdoNatixis

Atéàcrisede2020,obalançodoFEDeraligeiramentemaispequenoqueodoBCE,

cercade4triliõesdedólaresfacea4,5triliõesdoBCE,tendoesteúltimomaisdo

que duplicado desde 2013. Portanto, o BCE já tinha, antes de 2020, um balanço

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maiordoqueoFED,sendoaeconomiadaZonaEuromaispequenaqueadosEUA

(14triliõesfacea20triliõesdedólares).

Em 2020, o total dos activos do FED está a disparar com os novos estímulos

monetáriosde3triliões(cercade15%doPIB)edeveultrapassaroBCE.

Gráfico10:FEDAssets(embiliõesdedólares)

FedAssets($bn)

Fonte:FED

Porseuturno,oJapãoéumcasodeestudoparadigmático,emqueobalançodoseu

bancocentralrepresentava,jáem2019,àvoltados120%doPIB.

Recordemos que a economia japonesa experimentou uma crise severa em1990,

com“bolhas”nopreçodosactivos,seguidadeumacrisebancáriaem1997-1998.

Nasduasúltimasdécadas,apolíticaorçamental–procurandocompensaraquebra

do consumo das famílias e o fraco investimento empresarial – tornou-se

permanentemente expansionista, levando a défices públicos persistentes e a um

crescimento exponencial da dívida pública (subiu de 90%do PIB em1995 para

240%em2019),financiadaessencialmenteporumafortepoupançainterna.

ApolíticamonetáriadoJapãotambémsetornoucrescentementeexpansionista,ao

pontodeoobjectivoactualdobancocentralsermanterataxadejuroa10anosa

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0%, o que permite um tão elevado nível de dívida pública, levando a sua

monetizaçãoaumaexpansãodabasemonetária;esta,deumvalordaordemdos

20%doPIBnominalnosanos1990,atingiuos120%em2019.

Aeconomiajaponesatemestadoanémicanosúltimos25anos,aomesmotempoque

se verifica uma alocação de recursos pouco eficiente, uma fraca apetência ao

investimento nas empresas e uma distribuição do rendimento nacional em

detrimentodossalários,tudoconduzindoaumafracaevoluçãodaprodutividade,o

que, conjugado com o envelhecimento da população activa, tem impactado

negativamenteocrescimentopotencial.

Na minha perspectiva, o caso japonês ilustra uma situação de uma política

monetária e orçamental simultaneamente expansionistas durante demasiado

tempo, com as implicações negativas referidas. Daí alguns falarem do risco de

“japonização”daseconomiasocidentaisavançadas,oqueterádeserevitadocoma

normalizaçãodaspolíticas,ultrapassadooperíododeemergênciadaactualcrise.

Nos últimos 30 anos, nos países da OCDE, não se tem verificado a correlação

históricaentreovolumedacriaçãodemoedaeainflação.Esta,noentanto,poderá

ressurgir através do aumento de custos unitários em alguns sectores, em

consequência de quebras potenciais da produtividade e dos efeitos da

desglobalizaçãosobreoscustosemcertascadeiasdeprodução.

A chamadaModernaTeoriaMonetária (“ModernMonetaryTheory” –MMT) tem

vindoaganharapoios(ocandidatopresidencialamericanoBidentemumassessor

queéseuacérrimodefensor),preconizandoqueacriaçãodemoedadevefinanciar

os défices públicos até à obtenção de pleno emprego, minimizando os riscos

inerentes sobre os preços dos activos, a distribuição de riqueza, e ignorando a

distinçãoentredéficesconjunturaiseestruturais.

APolíticaOrçamental,porseuturno,deveseguirateoriakeynesianaquedefende,

comosesabe,medidasanticíclicas,gerandoexcedentesorçamentaisnosperíodos

deexpansãoeconómicaedéficespúblicosnas fasesbaixasdocicloeconómico.O

problemaéque,emgeral,temsido,emmuitospaíses,quasesempreexpansionista

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ouultraexpansionista, pondo em causa a sustentabilidadedas dívidas públicas e

afectandonegativamenteascontasexternas.

Nocontextoactual,o funcionamentodosestabilizadoresautomáticoseosapoios

orçamentaisexcepcionaisparadefesadaeconomiaedoempregovãogerarnova

subidadosdéficespúblicosedadívidapública.

O Estado, naminha perspectiva, é o “ressegurador do último recurso dos riscos

sistémicossobreaeconomiaeasociedade”,peloquenãopoderádeixardefinanciar

asconsequênciasfinanceirasnegativasdapresenterecessão,provocadapordecreto

dosgovernos,parasuavizarosefeitossobreasempresas,oempregoeasfamílias.É

evidente,nestasituação,afaltaquefazemcertospaíses(comoPortugal,Gréciaou

Itália) uma boa margem orçamental acumulada, o que é fruto de más políticas

orçamentaisduranteanosedeadequadaspolíticasestruturaisorientadasparaa

produtividadeeacompetitividade.Note-seque,emPortugal,adívidapúblicasubiu

deumvalorde62%doPIB,em1995,para100%doPIBem2010e118%em2019,

apesardasreceitasdasprivatizaçõesdaordemdos30pontospercentuaisdoPIB

nosúltimos25anos.

Eadívidaexternalíquida(PII)estápróximade100%doPIB(6%em1996),apesar

dossaldospositivosdascontasexternasnosúltimosseisanos.Precisamos,talcomo

outros países endividados, da solidariedade europeia para o financiamento da

recuperação.

OplanoderecuperaçãopropostopelaCE,lançadopeloeixofranco-alemão,vaino

bomsentido,prevendoumamutualizaçãoparcialdeemissõesdedívidaeuropeia

justificada pela emergência da crise pandémica que atingiu todos os Estados-

membros.

ACEemitiuumconjuntoderecomendações,porpaís,comorientaçõesemmatéria

depolíticaeconómicapararesponderaosdesafiosdecorrentesdapandemiaeao

relançamento do crescimento sustentável e inclusivo que facilite a transição

ecológicaeatransformaçãodigital.

OprogramaderecuperaçãopropostopelaCEédegrandemagnitudeepermitirá

dinamizaroinvestimentopúblicoeprivadoeestimulararecuperaçãoeconómicae

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oPIBpotencial.Dadaainterdependênciadaseconomias,orelançamentoeconómico

europeu exige um retorno sincronizado da actividade económica dos Estados-

membrosedasprincipaiseconomiasmundiais.

A UE não terá dificuldade no financiamento do programa pois a poupança

excedentária na Zona Euro está hoje a ser aplicada de forma ineficiente em

investimentosoudéficesorçamentaisno“restodomundo”comfracoretorno(como

asaplicaçõesemobrigaçõesamericanas).

Oprogramaconstituiumaacçãoestratégica-chaveparaaconsolidaçãodoprojecto

europeu,existindoaindaodesacordodealgunspaíses,queestãorelutantesquanto

àcomponentesubsídiosa fundoperdido.Anegociaçãoentreosgovernosvaiser

difícileosnovosfundosnãocomeçarãoachegaràeconomiarealantesdosegundo

semestrede2021.Porisso,nospróximosmeses,oapoiodoBCEnaZonaEuroéo

mecanismocrucialparaofinanciamentodospaísesperiféricoscomelevadosníveis

deendividamentoeparaasuavizaçãodosnovosprogramasdeajustamento(oude

austeridade, como lhe queiram chamar), pois, após o período de emergência

financeira,ter-se-áderetomarocaminhodaconsolidaçãoorçamentaledascontas

externas.

O balanço do BCE (base monetária) experimentará, em 2020-2021, um novo

acréscimosignificativo.Devenotar-se, contudo,queumaboaparceladasdívidas

soberanasnapossedoBCEtornar-se-á,naprática,dívidaperpétua.Entendoque

existembonsargumentostécnicosparaqueessaparcelanãosejacontabilizadanos

cálculosdaanálisefinanceiradasustentabilidadedadívidapública.Edeve-seter

presentequeos“lucros”dacriaçãodemoedasãodistribuídosaosEstados-membros

como dividendos que compensarão parcialmente os juros do serviço da dívida

pública.

Nocampodaspolíticasestruturaisemicroeconómicas, saliente-seque, seas

políticas monetária e orçamental são importantes no curto prazo, actuando na

procura agregada (“demand side”), as políticas estruturais serão decisivas na

evoluçãoamédioelongoprazosdaprodutividade,competitividadeeemprego,ou

seja, do crescimento potencial, actuando do lado da oferta de bens e serviços

(“supplyside”).

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Portugal(talcomooutrospaíses),temumaoportunidadeparaarealizaçãode

reformasestruturais, a começarpela reformadaqualidadedadespesapública,

exigindo, nomeadamente, a eliminação de desperdícios, a redução drástica da

burocraciadoaparelhodasAdministraçõesPúblicas,aoptimizaçãodosprocessos

administrativos e uma transformação digital activa. No âmbito da reforma do

Estado, impõe-secorrigirosvíciosestruturaisacumulados:aumentocontínuode

despesa pública primária em termos reais; preferência pela despesa corrente

primáriaemdetrimentodasdespesasdeinvestimento;subidaconstantedacarga

fiscalparaumnívelasfixiantedocrescimentoeconómico;máselecçãonasescolhas

dedespesapública,sematenderàeficiênciaeaoseuimpactonataxapotencialde

crescimento.

Neste período de emergência, importa fazer a distinção entre despesa pública

recorrente e despesa pública extraordinária. Esta subirá temporariamente em

consequência dos apoios excepcionais e do impacto dos estabilizadores

automáticos.Apressãopara aumentosdedespesapúblicanospróximos tempos

seráenormeporpartedosgruposcorporativoseporpartedospopulistas.Agestão

doEstadoemperíododeemergênciadeveráser,maisdoquenuncaeficiente,no

controlodasdespesasfixasquesãorecorrentesenaescolhadasprioridades.

Quantoàfunçãopública,nospróximosanos,entendoqueseriaumaboamedidaa

introduçãodeprémiosdeprodutividade(custovariável)nascarreirasprofissionais,

emvezdesubidasautomáticasdesalários(custosfixos),claroquesemprejuízoda

análise da justiça relativa da grelha de remunerações. Defendo esta medida em

articulaçãocomumprogramadeoptimizaçãodemacroemicroestruturas,demeios

humanosedosprocessosadministrativosatravésdeumautilizaçãointensivadas

novas tecnologias de informação. A transformação digital constitui uma

oportunidade única de desconcentração administrativa, com decisões mais

próximasdoscidadãosedasempresas.

Nãopodemosvoltaracometererrosdopassado.Recorde-seque,emPortugal,no

períodode1995-2010,adespesatotalprimáriasubiude37,5%doPIBpara49%do

PIB,eadespesacorrenteprimáriade31,9%doPIBpara41,8%.Naprimeiradécada

doséculo,adespesatotalprimáriaaumentoude39,7%doPIBpara49%doPIB.E,

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apesardoaumentosubstancialdadespesapública,aeconomiapoucoEcresceu,o

PIB “per capita” não convergiu desde 1995 em paridades de poder de compra,

enquantoaceleravama carga fiscal sobreas famílias e as empresas, osníveisde

endividamento internoe externo, e afrouxavao ritmodo investimentopúblico e

privado.

Em2020,énaturalqueadespesapúblicaprimáriadêumsaltoconjunturaldealguns

pontospercentuaissignificativos.Oqueéessencialéqueesteacréscimoconjuntural

nãosetransformeemdespesaestrutural,devendoaconsolidaçãoorçamentalser

retomadaàmedidadarecuperaçãodaeconomiaedocicloeconómico.

AsreformasdoEstado, inseridasnoquedesignopor“pilarpolítico-institucional”

(umdostrêspilaresestratégicosdeterminantesdodesenvolvimentoeconómicoe

social,apardo“pilareconómico-financeiro”edo“pilarsocial”),deveriamincidir

prioritariamenteemacçõesestruturaiscruciaisparaamelhoriadaqualidadedas

instituiçõesedaspolíticaspúblicas.Nomeadamente,semserexaustivo:(i)reforma

dosistemaeleitoralparamelhoriadaqualidadedademocracia;(ii)funcionamento

dosistemadejustiça,dostribunaiscivisefiscaisedaqualidadedademocracia;(iii)

desenvolvimentodosistemaeducativoetécnico,sobretudonavertentedasescolas

profissionaisedaformaçãodigital;(iv)melhoriadosistemadeconcorrênciaede

regulação dos mercados (corrigindo “falhas de mercado”, mas sem cair nas

chamadas“falhasdeEstado”);(v)melhoriasnofuncionamentoflexíveleequilibrado

dos mercados em geral, como o mercado de arrendamento ou o mercado de

trabalho;(vi)melhoriadosistemadeciênciaetecnologiaorientadoparaomercado,

desenvolvimentode“startups”inovadorasedoscentrostecnológicosviradospara

asempresas.

Tudoistosóserápossívelcomumavontadereformadoraconsistenteecoerente,no

quadrodasopçõesdeumaeconomiademercado,inseridanaUEenaZonaEuro,e

que queira ser vencedora, apontando como objectivo permanente amelhoria de

produtividadeecompetitividade,aviaparaamelhoriasustentadadosíndicesde

bem-estareconómicoesocial.

PortugalpoderábeneficiardomaiorpacotefinanceirojamaispreparadopelaUnião

Europeia.SesomarmosassubvençõesdoQuadroFinanceiroPlurianualde2021a

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2030(€29a€30milmilhões)àsdoFundodeRecuperaçãopropostopelaCE(€15,5

milmilhõesnototal),Portugalpoderáirbuscarmaisde€45milmilhõesafundo

perdido,aquesejuntaaindaumtotalde€10,8milmilhõesemempréstimos.Para

alémdo reforço do papel doBanco Europeu de Investimentos (e do seu veículo

Fundo Europeu de Investimentos no domínio do apoio do capital de risco) em

projectoselegíveisnosváriossectoresdaeconomia.

DesdequePortugaladeriu,em1986,àentãoComunidadeEconómicaEuropeia,o

Paísrecebeuafundoperdidoaté2018(transferênciasdirectas)umaestimativade

130milmilhõesdeeuros(apreçosde2011).Agora,poderáreceber,emseteanos,

um montante relativamente muito mais elevado. Estamos conscientes das

dificuldadesdaaprovaçãonoseiodaUEdapropostadaCEnasuaversãoactual.É

natural que os montantes preliminares venham a ser revistos, mas não temos

dúvidasdequeasolidariedadeeuropeiaseráreforçadaePortugal(talcomooutros

países,comoaItáliaouaGrécia)teráumanovaoportunidadeparaarealizaçãode

reformaseparaadinamizaçãodoinvestimentopúblicoeprivado.

OPaísprecisadeaumentarovolumeeaqualidadedeinvestimento.Note-se

queaformaçãobrutadecapitalfixo(FBCF)nototaldaeconomiaatingiu,noperíodo

de1991-2000,umamédiaanualde25,8%doPIBapreçoscorrentesecaiupara

16,5%namédiadosúltimosnoveanos.Apreçosde2015,ataxadevariaçãoanual

médiadaFBCFnoperíodode1991-2000foipositivade4,8%,enquantofoinegativa

nadécadade2001-2010(-1,6%)enadécadade2011-2019(-1,2%).Porseuturno,

oinvestimentopúblicofoide4,4%doPIBem1995;de5,3%em2010;caiupara

1,5%em2016;eapenasde1,9%doPIBem2019.Oinvestimentopúblicofoiuma

variávelsacrificadanosúltimosanosnoprocessodeconsolidaçãoorçamental,com

o favorecimento político da despesa pública corrente primária. Isto apesar do

aumentodacargafiscalsobreasfamíliaseasempresasparaovalorhistoricamente

maisaltoem2019(35,4%doPIB,umasubidacrescentede4,2pontospercentuais

desde1995);doaumentoexponencialdoencaixedosdividendoseIRCpagospelo

BancodePortugal(umpicodemilmilhõesem2019);edaquedadopesodosjuros

dadívidapúblicanoPIB(5,5%em1995;2,3%em2015;1,4%em2019),apesardo

aumentoexponencialdoseupesonoPIBde62%em1995para131%em2015e

118%em2019.

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Precisamos de investir mais e com mais qualidade. A estimativa do coeficiente

capital/produtoapontatambémparaumatendênciadecrescente,oqueevidenciaa

necessidade de definição de melhores critérios de selecção dos investimentos

públicos e privados, em função do seu impacto no PIB potencial e na

competitividade.Osagentespolíticos,económicosesociaisterãodeestaràaltura

dassuasresponsabilidadesnaselecçãodoscritériosdeaplicaçãodosfundos.

Nocampodosinvestimentospúblicos,impõe-seareanálisedasprioridadesedos

projectosquetêmvindoaserreferidosnoâmbitodoprogramaPortugal2030.Sem

serexaustivo,entendoqueexisteumconsensosobreanecessidadedemelhoriade

infra-estruturas de apoio ao desenvolvimento; infra-estruturas de conectividade

(transporteferroviário,marítimo,aéreo,mobilidadeurbana,etc.);infra-estruturas

tecnológicasedeinvestigação;telecomunicaçõeseinternet;transformaçãodigital;

infra-estruturasdosistemaeducativoedeformaçãoprofissional;infra-estruturas

desaúdeetc.

Emmuitosdomínios,seriainteligenteoEstadoseguiraviadasparceriaspúblico-

privadas (um instrumento importante de maior eficiência com contratos

equilibrados) ou a da concessão de exploração a empresas privadas escolhidas

atravésdeconcursospúblicosinternacionaistransparentes.

Amelhoriadaqualidadedaspolíticaspúblicastemdeserumobjectivopermanente,

pois são importantes na criação de um enquadramento favorável à actividade

económica,àiniciativa,aoequilíbrioterritorialeàcoesãosocial.

As políticas empresariais são as determinantes na criação da riqueza e do

emprego.Asestratégiascompetitivasempresariaisvisamamelhoriacontínuado

posicionamentoestratégicoemmercadoscadavezmaiscomplexoseacriaçãode

vantagens competitivas de custo e/ou de diferenciação face aos concorrentes. A

inovaçãodeprodutos,processoseserviçoséamãedadiferenciação.Osestímulos

daspolíticaspúblicasdevemserorientadosparaesteobjectivofundamental,dentro

doprincípioquenãocompeteaoEstadofazeraselecçãodasempresasvencedoras,

que podem prosperar em qualquer sector da economia, mas apenas definir os

critériosestratégicosnaselecçãodosprojectosmerecedoresdeapoio.

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OPlanodeRecuperaçãoEconómicadeveinteriorizarqueasempresassãoacélula-

basedaactividadeeconómica,afontedecriaçãoderiquezaedeemprego,aorigem

dos rendimentos das famílias e do Estado, pelo que, deve ser prioritário o

aprofundamento do processo de renovação do tecido produtivo e da sua

internacionalização.

Comoreferi,emqualquersectordeactividadeépossívelterempresascomsucesso

competitivo.Aqualidadedasuagestãoestratégicaeoperacionaltemcrescido,tendo

sidoasempresasosgrandesmotoresdarecuperaçãodascontasexternasexigida

pelo nosso elevado nível de endividamento (na última década, o valor das

exportaçõesnoPIBsubiuàvoltade15pontospercentuais).Nospróximosanos,as

empresas vão enfrentar novos desafios num meio envolvente cada vez mais

complexopelasmutaçõestecnológicas,económicasesociais.

Arenovaçãoestratégicadaestruturaprodutivadeumpaíséumprocesso longo,

com acções de investimento, de desinvestimento e de desenvolvimento de

competências,duranteumhorizontetemporalalargado.Ésalutarque“asempresas-

zombie”sejamliquidadasouabsorvidasporoutras,paraumamelhorqualidadede

alocação de recursos na economia e equidade concorrencial. Portugal tem uma

estrutura económica comumpeso relativo elevadodemicro epequenas-médias

empresas, as quais precisam de aumentar a sua dimensão para melhoria da

produtividade,peloqueosincentivosaocrescimentoorgânico(investimentos)ou

aocrescimentoexterno(fusõeseaquisições)devemmerecerprioridade.

ACEvaiprocurardireccionarosinvestimentosparaachamadaeconomiaverdee

circulareparaaeconomiadigital.Semdeixardereconhecerquesãorecomendações

importantes, há que integrá-las na realidade da estrutura produtiva actual da

economiaportuguesaenasuaevoluçãodesejável,apartirdabasedeempresasde

sucessoemtodosossectoresdaeconomiaqueprecisamdeumanovaadaptação

estratégicaderespostaaosnovosdesafios.

Osapoiosterãodevisarquero“upgrading”doschamados“sectorestradicionais”

(agricultura,agroalimentar, indústriatransformadora,turismoeserviços),quera

introdução de novas actividades de valor acrescentado e com potencial de

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crescimentonoespaçoeuropeuenosmercadosglobais,nos sectoresdosbense

serviçostransaccionáveisdeterminantesdanossacompetitividadeexterna.

Nacomposiçãodaestruturaeconómicaaníveleuropeu,astendênciasapontampara

oreforçodomovimento,jásentidodesdeháalgunsanos,paraaregionalizaçãode

algumascadeiasdeproduçãoglobais,ouseja,paraadeslocalizaçãodesegmentos

daproduçãoindustrialdepaísesemergentes(incluindoaChinaeaÍndia)paraos

paísesmais avançados. Entendo, porém, que, em segmentos industriais de fraco

valoracrescentado,oscustosdeproduçãocomparativossejamumacondicionante

daamplitudedomovimentoapelidadode “reindustrialização”.Nãohádúvidade

que,paraeconomiascomoaportuguesa,existiráumanovaoportunidadedeatrair

investimentos que venham a visar, nomínimo, o espaço europeu, por razões de

escalacompetitiva.

É evidente que, face às mutações tecnológicas e de mercado, as estruturas

produtivasdospaísesvãoevoluiremtodosossectoresdaeconomiaequesurgirão

novas oportunidades de projectos de investimento industrial justificáveis para o

mercadoeuropeu.

Portugal poderá conseguir atrair alguns desses projectos se oferecer factores de

atractividade favoráveis em concorrência com os outros países, impondo-se

incentivos adequados e uma postura activa de todos os agentes de captação de

investimento (nacional e estrangeiro) indutor de um maior crescimento,

modernização empresarial e retenção e desenvolvimento de talentos e

competências.Trêsouquatroprojectosdedimensãoteriamefeitosmultiplicadores

importantesnaeconomiaportuguesa.

Naeconomiadofuturo,existirãosectoresganhadoresesectoresperdedores.E,em

cadasector,teremosempresascomsucessoesemsucessocompetitivo.Nosúltimos

tempos, alguns analistas têm apontado cenários sobre os sectores do futuro:

agroalimentar; a fileira da floresta; actividades ligadas ao mar; indústrias

farmacêuticas e de saúde; energias renováveis; mobilidade eléctrica; comércio

electrónico; internet e tecnologias de comunicação e informação; comércio “on-

line”; serviços logísticos; turismo “premium” (de natureza e cultural); meios de

pagamento,etc.

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Emtodoseles,asempresasportuguesaspoderãodesenvolverprojectoscoerentese

com massa crítica. Em muitos, poderão atrair investimento estrangeiro de

qualidade,oquecorrespondeaumanecessidadeobjectivadaeconomiaportuguesa

derivada da insuficiência crónica de “equity” português (devida a uma fraca

acumulaçãodecapitalesuadestruiçãopormáspolíticas emalgunsperíodosda

nossahistória).

Asempresasvãochegara2021emgeralmaisdescapitalizadas,peloqueacriação

decondiçõesdereforçodoscapitaisprópriosedemelhoriadarentabilidadedeverá

constituir um objectivo prioritário, através de políticas fiscais e financeiras

adequadas, com incentivos apropriados em domínios tais como: lucros retidos;

transacção de créditos fiscais; dedução de prejuízos acumulados sem restrições;

aumentos de capital; capital de risco; formação do capital fixo; retenção e

desenvolvimentodocapitalhumano;fusõeseaquisições(críticasparaoaumento

da“massacrítica”demuitasunidadesempresariais);internacionalização;inovação;

formaçãoprofissional,etc.

Os diagnósticos estão feitos (existem análises de qualidade elaboradas, por

exemplo,pelasconfederaçõesempresariaisepor“think-tanks”comoo“Forumpara

aCompetitividade”oua“MissãoCrescimento”).Oqueimportaéavontadepolítica

parasepassaràacção,vencendoo“vírus”ideológicoimpeditivodeumambiente

reformadormaisfavorávelaoinvestimento,àiniciativaempresarialeaorisco.

Aretomadaconfiançaseráumfactordeterminante,oque,noactualcontexto,só

acontecerá quando houver vacina e/ou tratamento médico adequados para o

coronavírus e quando as famílias retomarem os seus níveis de consumo, e as

empresasoseuníveldeinvestimento.Ahistóriaprovaque,apósasrecessõesque

ficamnamemória, se verificauma tendênciaparao aumentodapoupança, o tal

“paradoxodapoupança”explicadoporKeynesapropósitodascausasdacrisede

1929-1933.

Asempresas,nocurtoprazo,terãoderecuperarosseusmercados(oqueexigea

dinamizaçãodaprocura)enãodescuraramelhoria continuadadasuaeficiência

estratégicaeoperacional.Entreaspolíticasdegestãoadequadasparaaaceleração

daprodutividade,vejooaumentodesejáveldopesodossaláriosnadistribuiçãodo

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rendimentonacional,comefeitospositivosnopoderdecompradasfamílias;para

tanto,asempresasdeveriamexpandiromodelodosincentivosdeprodutividadee

departicipaçãodoslucrosdosseuscolaboradores.

Para cada sector relevante da economia (em função do seu potencial e do peso

relativonoPIBenoemprego),justifica-seumprogramaespecíficoderecuperação

e desenvolvimento. Defendo que os programas sectoriais sejam integrados num

Plano Global de Recuperação e Desenvolvimento, com acções a curto e amédio

prazo,aserelaboradoporumaliderançacoordenadoraeficazaníveldeGoverno:

tomando em consideração as propostas dos partidos políticos, associações

empresariais,“think-tanks”,eespecialistasquesetêmdebruçadosobreofuturoda

economiaportuguesa;massabendodefinirprioridadesnaafectaçãodosrecursos.

Osistemabancárioécrucialnoprocessoderetoma.Umaeconomiasaudávelexige

bancossaudáveisquecumpramasuafunçãodeintermediaçãofinanceiranoquadro

deumaregulamentaçãointeligenteenãoburocrática.Osectorbancárioportuguês

tem vindo a responder às sequelas da crise económica após o tsunami da crise

financeira despoletada em 2008, mas com raízes em anos anteriores e

consequênciasgravosasnosanosseguintes.Masevidencia,apesardosprogressos

nosúltimosanos,etomandocomoreferênciaasanálisesdaEBA(EuropeanBank

Association), a necessidade imperiosa de continuar as acções de reestruturação

para responder a desafios importantes. Entre eles: (i) baixa rentabilidade dos

capitaispróprios; (ii) melhoriadosráciosdocapital; (iii)deduçãodosprejuízos

fiscais acumulados sem restrições; (iv) montante ainda elevado do crédito

malparado(osráciosdeNPLsãodosmaiselevados,aseguiràGréciaeaChipre);(v)

dependênciadocréditoamicroepequenasempresas,emgeralmenosresilientes

queasgrandesempresas;(vi)sobrecustosnasuacontaderesultadosligadoscom

impostosexcessivosetaxasparaoFundodeResolução(quedeveriamereceruma

nova solução de financiamento); (vii) dificuldades demonetização de activos de

malparadopormorosidadedosistemajurídiconosprocessosdefalênciaeacordo

de credores; (vii) animosidade de certos segmentos do discurso político com

reflexosnaopiniãopública.Pensoqueoplanoderecuperaçãotambémdeverácriar

um ambiente mais favorável de incentivos ao desempenho do sector bancário,

permitindo a ultrapassagem dos bloqueios existentes e o processo da sua

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consolidação após anos difíceis, para o que será também relevante a criação de

condiçõesparaum“rating”adequadodoriscodaRepública.

Ainda no domínio do financiamento da economia, é chegado omomento de um

impulso ao desenvolvimento do instituto público embrião de um “banco de

fomento”edarestruturaçãodaacçãodepromoçãopúblicadocapitalderisconuma

lógicadedinamizaçãodeprojetosatravésdefundosdeinvestimentoprivadosem

parceriacomentidadesespecializadascomooFundoEuropeudeInvestimentosdo

BEI(“FundofFunds”).

Oplanoderecuperaçãoeconómicatambémdeverá incluirmedidasnocampodo

“pilar social”, um dos três pilares estratégicos estruturais determinantes do

desenvolvimento económico e social (a par dos pilares “político-institucional” e

“económico-financeiro”)quetenhodesenvolvidonoutrasocasiões.Omaiorriscoda

nova crise gerada em 2020 é o risco social, pois as crises acabam sempre por

prejudicar os segmentos mais desfavorecidos da sociedade, os que ficam sem

emprego,osjovensàprocuradoprimeiroemprego,apopulaçãoactivaacaminho

da reforma ou os idosos sem vida profissional activa que vêem diminuída a

remuneraçãodassuaspoupanças.Assim,impõem-sepolíticasactivasinovadorasno

campo da inclusão social (inclui a luta contra o abandono escolar precoce) e do

desenvolvimento do “capital humano”, optimizando permanentemente os meios

dossectorespúblicos,privadose instituiçõessem fins lucrativos, susceptíveisde

seremmobilizados.

Portugal tem condições para vencer os desafios. Com adequada combinação de

políticas macroeconómicas, microeconómicas, empresariais e sociais, integradas

num plano coerente a curto emédio prazos, ultrapassando o “vírus” da inacção

estrutural e transformando a crise numa oportunidade de reformas políticas,

económicasesociais.Pensoqueestavisãoestratégica,adequadamentetransmitida

aos portugueses, contribuiria para a retoma da confiança, essencial para a

recuperaçãoeodesenvolvimentodoPaís.

31deMaiode2020

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