guimarães rosa: meu tio o iauaretê - análise

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ESTUDOS LITERÁRIOS 1 Secretaria de Cultura do Amazonas Biblioteca Virtual do Amazonas Autor da obra: Guimarães Rosa Autor do Estudo: João Batista Gomes Meu tio, O Iauaretê (conto) NOTA BIOGRÁFICA Mineiro de Codisburbo João Guimarães Rosa nasceu em Codisburgo, Minas, em 1908, mesmo ano em que morreu Machado de Assis. O pai era um pequeno comerciante da zona pastoril. Guimarães Rosa aprendeu as primeiras letras na cidade natal, mas fez os estudos secundários em Belo Horizonte. Duas paixões: natureza e línguas Desde cedo, Guimarães Rosa mostrou-se apaixonado pelos elementos da natureza, principalmente do interior. Plantas, bichos, paisagens, "causos"... Especialmente os "causos", contados pela gente simples do sertão, prendiam totalmente a sua atenção. Uma outra paixão era a tendência natural para estudar e aprender línguas estrangeiras. Formou-se em Medicina Guimarães Rosa cursou Medicina. Depois de formado, exerceu a profissão em cidades do interior mineiro (Itaúna, Barbacena). Neste período, estudou sozinho alemão e russo. Guimarães Rosa ingressa na carreira diplomática Em 1934, fez concurso para o Ministério do Interior, ingressando na carreira diplomática. Serviu como cônsul-adjunto em Hamburgo, sendo internado em Baden-Baden quando o Brasil declarou guerra à Alemanha. Foi secretário de embaixada em Bogotá e conselheiro diplomático em Paris. Quebrando a fronteira entre prosa e poesia A obra de Guimarães Rosa explora, principalmente, a força virtual da linguagem. A chamada Geração de 45, de que faz parte, tenta resgatar a preocupação com o plano formal

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Page 1: Guimarães Rosa: Meu Tio o Iauaretê - análise

ESTUDOS LITERÁRIOS

1

Secretaria de Cultura do Amazonas Biblioteca Virtual do Amazonas

Autor da obra: Guimarães Rosa Autor do Estudo: João Batista Gomes

Meu tio, O Iauaretê

(conto)

NOTA BIOGRÁFICA

Mineiro de Codisburbo

João Guimarães Rosa nasceu em Codisburgo, Minas, em 1908, mesmo ano em que morreu Machado de Assis. O pai era um pequeno comerciante da zona pastoril. Guimarães Rosa aprendeu as primeiras letras na cidade natal, mas fez os estudos secundários em Belo Horizonte.

Duas paixões: natureza e línguas

Desde cedo, Guimarães Rosa mostrou-se apaixonado pelos elementos da natureza,

principalmente do interior. Plantas, bichos, paisagens, "causos"... Especialmente os "causos", contados pela gente simples do sertão, prendiam totalmente a sua atenção. Uma outra paixão era a tendência natural para estudar e aprender línguas estrangeiras.

Formou-se em Medicina

Guimarães Rosa cursou Medicina. Depois de formado, exerceu a profissão em

cidades do interior mineiro (Itaúna, Barbacena). Neste período, estudou sozinho alemão e russo.

Guimarães Rosa ingressa na carreira diplomática

Em 1934, fez concurso para o Ministério do Interior, ingressando na carreira

diplomática. Serviu como cônsul-adjunto em Hamburgo, sendo internado em Baden-Baden quando o Brasil declarou guerra à Alemanha. Foi secretário de embaixada em Bogotá e conselheiro diplomático em Paris.

Quebrando a fronteira entre

prosa e poesia

A obra de Guimarães Rosa explora, principalmente, a força virtual da linguagem. A chamada Geração de 45, de que faz parte, tenta resgatar a preocupação com o plano formal

Page 2: Guimarães Rosa: Meu Tio o Iauaretê - análise

ESTUDOS LITERÁRIOS

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da obra literária, herança da proposta inicial do Modernismo. Os escritores estavam abertos às experiências com a linguagem. Guimarães Rosa quebrou a tradição antiga de que prosa não suportava os recursos da poesia. Em Grande Sertão Veredas, nas novelas de Corpo de Baile e no conto Meu Tio o Iauaretê, o autor emprega aliterações (repetição de fonemas), rimas internas, onomatopéias, elipses, anáforas, neologismos.

Primeiro livro

A primeira obra foi publicada em 1946 – Sagarana (contos). Burrinho Pedrês,

Duelo, A Hora e a Vez de Augusto Matraga tornaram-se logo referência na contística brasileira, tanto era o talento do contista recém-publicado.

A fama

O reconhecimento geral veio a partir de 1956, com a publicação de Grande Sertão:

Veredas. O autor foi colocado, então, no mesmo plano literário de Machado de Assis, ou seja, aclamado como escritor ímpar, gênio.

Andando pelo sertão

Guimarães Rosa, montado a cavalo, embrenhava-se pelo interior de Minas para ouvir

estórias contadas por violeiros, caçadores, pescadores, jagunços, contadores de "causos". Anotava tudo: nome das pessoas, apelidos, palavreado. Depois, na cidade, submetia tudo à sua própria alquimia, reinventando a linguagem e produzindo textos literários de qualidade incontestável.

Um escritor universal

Com o seu poder de criar, por meio da linguagem, um mundo poético, fantástico,

cheio de magia, o autor ultrapassou a realidade regional (interior de Minas Gerais) e tornou-se um escritor universal. Seu sertão é imaginário. A fala do sertanejo não é copiada, mas recriada. Os dramas humanos que ele retrata vêm sem limitações de tempo e de lugar.

Obras Completas

Sagarana – (1946, contos) Corpo de Baile – (1956, contos) Grande Sertão: Veredas – (1956, romance) Primeiras Estórias – (1962, contos) Tutaméia (Terceiras Estórias) – (1967, contos) Estas Estórias (póstuma) – (1969, contos) Ave, Palavra (póstuma) – (1970, contos)

ESTUDOS LITERÁRIOS

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da obra literária, herança da proposta inicial do Modernismo. Os escritores estavam abertos às experiências com a linguagem. Guimarães Rosa quebrou a tradição antiga de que prosa não suportava os recursos da poesia. Em Grande Sertão Veredas, nas novelas de Corpo de Baile e no conto Meu Tio o Iauaretê, o autor emprega aliterações (repetição de fonemas), rimas internas, onomatopéias, elipses, anáforas, neologismos.

Primeiro livro

A primeira obra foi publicada em 1946 – Sagarana (contos). Burrinho Pedrês,

Duelo, A Hora e a Vez de Augusto Matraga tornaram-se logo referência na contística brasileira, tanto era o talento do contista recém-publicado.

A fama

O reconhecimento geral veio a partir de 1956, com a publicação de Grande Sertão:

Veredas. O autor foi colocado, então, no mesmo plano literário de Machado de Assis, ou seja, aclamado como escritor ímpar, gênio.

Andando pelo sertão

Guimarães Rosa, montado a cavalo, embrenhava-se pelo interior de Minas para ouvir

estórias contadas por violeiros, caçadores, pescadores, jagunços, contadores de "causos". Anotava tudo: nome das pessoas, apelidos, palavreado. Depois, na cidade, submetia tudo à sua própria alquimia, reinventando a linguagem e produzindo textos literários de qualidade incontestável.

Um escritor universal

Com o seu poder de criar, por meio da linguagem, um mundo poético, fantástico,

cheio de magia, o autor ultrapassou a realidade regional (interior de Minas Gerais) e tornou-se um escritor universal. Seu sertão é imaginário. A fala do sertanejo não é copiada, mas recriada. Os dramas humanos que ele retrata vêm sem limitações de tempo e de lugar.

Obras Completas

Sagarana – (1946, contos) Corpo de Baile – (1956, contos) Grande Sertão: Veredas – (1956, romance) Primeiras Estórias – (1962, contos) Tutaméia (Terceiras Estórias) – (1967, contos) Estas Estórias (póstuma) – (1969, contos) Ave, Palavra (póstuma) – (1970, contos)

Page 3: Guimarães Rosa: Meu Tio o Iauaretê - análise

ESTUDOS LITERÁRIOS

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CONTOS FAMOSOS

A Hora e a Vez de Augusto Matraga Duelo Burrinho Pedrês Meu Tio o Iauaretê

PERSONAGENS FAMOSAS Augusto Matraga (de A Hora e a Vez de Augusto Matraga) Joãozinho Bem-Bem (de A Hora e a Vez de Augusto Matraga) Riobaldo (de Grande Sertão: Veredas) Diadorim (de Grande Sertão: Veredas) Joca Ramiro (de Grande Sertão: Veredas) Tonho Tigreiro (de Meu Tio o Iauaretê) Maria-Maria (de Meu Tio o Iauaretê)

MEU TIO O IAUARETÊ

LIVRO A QUE PERTENCE

O conto Meu Tio o Iauaretê pertence à obra Estas Estórias, publicada postumamente em 1969. O livro contém nove estórias. Cinco foram publicadas em vida, pelo autor. Foi o que aconteceu ao conto Meu Tio o Iauaretê: apareceu, pela primeira vez, em 1961, na revista Senhor.

PLANO NARRATIVO

O conto é narrado em primeira pessoa; o narrador é o próprio herói, Tonho Tigreiro.

No plano narrativo, o conto Meu Tio o Iauaretê iguala-se ao romance Grande Sertão: Veredas. Nos dois, através de um monólogo-diálogo, o protagonista conta as suas aventuras a um interlocutor que está presente na narrativa, mas que nunca é nomeado. Sabemos da sua existência através da fala do narrador, e até deduzimos o que ele pergunta, o que contesta, se acredita ou não no que lhe está sendo contado. Então, o diálogo é apenas pressuposto.

Essa técnica de narrar, ou seja, do narrador-protagonista, faz sumir a onisciência que existe nas obras narradas em terceira pessoa. A visão do narrador é, portanto, limitada às suas próprias percepções, sem o poder de penetrar no íntimo das demais personagens.

LINGUAGEM

Até certo ponto, o vocabulário usado pelo autor em Meu Tio o Iauaretê é fiel à fala do

sertanejo mineiro. A grafia dos vocábulos é a prova disto: despois, aruvalho, evém, tou, tá, 'xa pra lá, dei'stá, hum-hum, apreceio, etc.

ESTUDOS LITERÁRIOS

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CONTOS FAMOSOS

A Hora e a Vez de Augusto Matraga Duelo Burrinho Pedrês Meu Tio o Iauaretê

PERSONAGENS FAMOSAS Augusto Matraga (de A Hora e a Vez de Augusto Matraga) Joãozinho Bem-Bem (de A Hora e a Vez de Augusto Matraga) Riobaldo (de Grande Sertão: Veredas) Diadorim (de Grande Sertão: Veredas) Joca Ramiro (de Grande Sertão: Veredas) Tonho Tigreiro (de Meu Tio o Iauaretê) Maria-Maria (de Meu Tio o Iauaretê)

MEU TIO O IAUARETÊ

LIVRO A QUE PERTENCE

O conto Meu Tio o Iauaretê pertence à obra Estas Estórias, publicada postumamente em 1969. O livro contém nove estórias. Cinco foram publicadas em vida, pelo autor. Foi o que aconteceu ao conto Meu Tio o Iauaretê: apareceu, pela primeira vez, em 1961, na revista Senhor.

PLANO NARRATIVO

O conto é narrado em primeira pessoa; o narrador é o próprio herói, Tonho Tigreiro.

No plano narrativo, o conto Meu Tio o Iauaretê iguala-se ao romance Grande Sertão: Veredas. Nos dois, através de um monólogo-diálogo, o protagonista conta as suas aventuras a um interlocutor que está presente na narrativa, mas que nunca é nomeado. Sabemos da sua existência através da fala do narrador, e até deduzimos o que ele pergunta, o que contesta, se acredita ou não no que lhe está sendo contado. Então, o diálogo é apenas pressuposto.

Essa técnica de narrar, ou seja, do narrador-protagonista, faz sumir a onisciência que existe nas obras narradas em terceira pessoa. A visão do narrador é, portanto, limitada às suas próprias percepções, sem o poder de penetrar no íntimo das demais personagens.

LINGUAGEM

Até certo ponto, o vocabulário usado pelo autor em Meu Tio o Iauaretê é fiel à fala do

sertanejo mineiro. A grafia dos vocábulos é a prova disto: despois, aruvalho, evém, tou, tá, 'xa pra lá, dei'stá, hum-hum, apreceio, etc.

Page 4: Guimarães Rosa: Meu Tio o Iauaretê - análise

ESTUDOS LITERÁRIOS

4

A construção da frase é feita de maneira simples, com predomínio da coordenação. Os períodos são curtos, imitando a fala oral. O que não é simples em Guimarães Rosa são as associações inesperadas, o emprego de recursos poéticos em plena prosa e os neologismos às vezes sem significação lógica para o leitor.

TEMPO

A narração se passa no tempo limitado de uma única noite. A narrativa inicia-se com a

chegada de um visitante ao rancho de Tonho Tigreiro e termina com a morte do caçador, já ao amanhecer.

CENÁRIO

O cenário do conto não é preciso; é a região do sertão, do mato virgem, dos gerais,

fazendo supor as imediações do norte de Minas e do sul da Bahia. Tonho vive longe da civilização, em um lugar habitado mais por onças do que por seres humanos. Deduz-se que, na região, há umas quinze pessoas.

PERSONAGENS

Tonho Tigreiro, o onceiro

É o protagonista-narrador. Deduz-se que, sendo peão de fazenda, morando no interior, não se adaptou às funções comuns que o cercavam. Não era vaqueiro, era ruim no trato com animais domésticos, ruim para trabalhar com a terra. Aprendeu, então, a matar onças. Tornou-se onceiro.

Antes de ser conhecido como Tonho Tigreiro, teve outros nomes: primeiro foi batizado pelo pai de Antonho de Eiesus. Depois, virou Tonico. A mãe pôs-lhe os apelidos de Bacuriquirepa e Beró. Recebeu, mais tarde, o nome do sítio onde trabalhava: Macuncozo. Nhô Nhuão Guede, o homem que o contratou para matar onças, chama-lhe de Tonho Tigreiro.

Depois de se conscientizar de que era parente das onças, parou de matá-las. Para redimir-se das mortes anteriores, passou a matar gente.

Nhô Nhuão Guede

Aparece logo no início do conto. Foi o homem que contratou Tonho para matar onças. Contratou-o para desonçar uma região infestada por onças. Tonho diz que Nhuão Guede é homem ruim porque o abandonou naqueles ermos, deixou-o sozinho:

"Nhô Nhuão Guede me trouxe pra cá. Me pagava. Eu ganhava o couro, ganhava

dinheiro por onça que eu matava. Dinheiro bom: glim-glim... Só eu é que sabia caçar onça. Por isso Nhô Nhuão Guede me mandou ficar aqui, mor de desonçar este mundo todo".

ESTUDOS LITERÁRIOS

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A construção da frase é feita de maneira simples, com predomínio da coordenação. Os períodos são curtos, imitando a fala oral. O que não é simples em Guimarães Rosa são as associações inesperadas, o emprego de recursos poéticos em plena prosa e os neologismos às vezes sem significação lógica para o leitor.

TEMPO

A narração se passa no tempo limitado de uma única noite. A narrativa inicia-se com a

chegada de um visitante ao rancho de Tonho Tigreiro e termina com a morte do caçador, já ao amanhecer.

CENÁRIO

O cenário do conto não é preciso; é a região do sertão, do mato virgem, dos gerais,

fazendo supor as imediações do norte de Minas e do sul da Bahia. Tonho vive longe da civilização, em um lugar habitado mais por onças do que por seres humanos. Deduz-se que, na região, há umas quinze pessoas.

PERSONAGENS

Tonho Tigreiro, o onceiro

É o protagonista-narrador. Deduz-se que, sendo peão de fazenda, morando no interior, não se adaptou às funções comuns que o cercavam. Não era vaqueiro, era ruim no trato com animais domésticos, ruim para trabalhar com a terra. Aprendeu, então, a matar onças. Tornou-se onceiro.

Antes de ser conhecido como Tonho Tigreiro, teve outros nomes: primeiro foi batizado pelo pai de Antonho de Eiesus. Depois, virou Tonico. A mãe pôs-lhe os apelidos de Bacuriquirepa e Beró. Recebeu, mais tarde, o nome do sítio onde trabalhava: Macuncozo. Nhô Nhuão Guede, o homem que o contratou para matar onças, chama-lhe de Tonho Tigreiro.

Depois de se conscientizar de que era parente das onças, parou de matá-las. Para redimir-se das mortes anteriores, passou a matar gente.

Nhô Nhuão Guede

Aparece logo no início do conto. Foi o homem que contratou Tonho para matar onças. Contratou-o para desonçar uma região infestada por onças. Tonho diz que Nhuão Guede é homem ruim porque o abandonou naqueles ermos, deixou-o sozinho:

"Nhô Nhuão Guede me trouxe pra cá. Me pagava. Eu ganhava o couro, ganhava

dinheiro por onça que eu matava. Dinheiro bom: glim-glim... Só eu é que sabia caçar onça. Por isso Nhô Nhuão Guede me mandou ficar aqui, mor de desonçar este mundo todo".

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ESTUDOS LITERÁRIOS

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Maria-Maria

Onça por quem Tonho se apaixona. Veja a descrição que tonho faz da namorada:

"Maria-Maria é bonita, mecê devia de ver! Bonita mais do que alguma mulher. Ela cheira à flor de pau d'alho na chuva. Ela não é grande demais não. É canguçu, cabeçudinha, afora as pintas ela é amarela, clara, clara".

Mar'Iara Maria

Mãe do protagonista. "Minha mãe chamava Mar'Iara Maria, bugra". Era

índia. "Minha mãe era índia, ela muito boa. Péua, minha mãe, gentio Tucanapéua, muito longe daqui. Mãe boa, bonita, me dava comida, me dava de comer muito bom, muito, montão..."

Seo Rioporo

Vivia irado. "Seo Rioporo, homem ruim feito ele só, tava toda hora

furiado".

Preto Tiodoro

Tinha o mal da luxúria. "Preto Tiodoro queria só deitar na esteira com mulher do homem doido, mulher muito boa: Maria Quirinéia".

Seo Rauremiro

Era soberbo, orgulhoso, considerava-se superior aos outros.

Gugué

Tinha o mal da preguiça. "Aquele jababora Gugué só ficava deitado em

rede, no campim, dia inteiro, dia inteiro. Pedia até pra eu trazer água na cabaça, mor de ele beber. Fazia nada. Dormia, pitava, espichava deitado, proseava".

Antunias

Era avarento. "Ô homem amarelo de ridico! Não dava nada, não, guardava

tudo pra ele, emprestava um bago de chumbo só se a gente depois pagava dois".

Preto Bijibo

Tinha o mal da gula. "Mas preto Bijibo não esbarrava de comer, não. Comia, falava em comida, eu então ficava vendo ele comer... Olhei preto Bijibo comendo,

ESTUDOS LITERÁRIOS

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Maria-Maria

Onça por quem Tonho se apaixona. Veja a descrição que tonho faz da namorada:

"Maria-Maria é bonita, mecê devia de ver! Bonita mais do que alguma mulher. Ela cheira à flor de pau d'alho na chuva. Ela não é grande demais não. É canguçu, cabeçudinha, afora as pintas ela é amarela, clara, clara".

Mar'Iara Maria

Mãe do protagonista. "Minha mãe chamava Mar'Iara Maria, bugra". Era

índia. "Minha mãe era índia, ela muito boa. Péua, minha mãe, gentio Tucanapéua, muito longe daqui. Mãe boa, bonita, me dava comida, me dava de comer muito bom, muito, montão..."

Seo Rioporo

Vivia irado. "Seo Rioporo, homem ruim feito ele só, tava toda hora

furiado".

Preto Tiodoro

Tinha o mal da luxúria. "Preto Tiodoro queria só deitar na esteira com mulher do homem doido, mulher muito boa: Maria Quirinéia".

Seo Rauremiro

Era soberbo, orgulhoso, considerava-se superior aos outros.

Gugué

Tinha o mal da preguiça. "Aquele jababora Gugué só ficava deitado em

rede, no campim, dia inteiro, dia inteiro. Pedia até pra eu trazer água na cabaça, mor de ele beber. Fazia nada. Dormia, pitava, espichava deitado, proseava".

Antunias

Era avarento. "Ô homem amarelo de ridico! Não dava nada, não, guardava

tudo pra ele, emprestava um bago de chumbo só se a gente depois pagava dois".

Preto Bijibo

Tinha o mal da gula. "Mas preto Bijibo não esbarrava de comer, não. Comia, falava em comida, eu então ficava vendo ele comer... Olhei preto Bijibo comendo,

Page 6: Guimarães Rosa: Meu Tio o Iauaretê - análise

ESTUDOS LITERÁRIOS

6

ele lá com aquela alegria doida de comer, todo dia, todo dia, enchendo boca, enchendo barriga. Fiquei com raiva daquilo, raiva, raiva danada... Axe, axi! Preto Bijibo gostando tanto de comer, comendo de tudo bom, arado, e pobre da onça vinha vindo com fome, querendo comer preto Bijibo. Fui ficando mais com raiva..."

Maria Quirinéia

Era prostituta. Tinha um marido doido, Seo Suruvéio, que vivia amarrado.

Onças do conto Meu Tio o Iauaretê:

nomes e caraterísticas:

Mopoca – canguçu fêmeo. Pariu tarde, tá com filhote novo. Maria-Maria – onça bonita. Bonita mais do que alguma mulher. Cheira à flor de pau d'alho na chuva. Namorada de Tonho Tigreiro. Comeu o preto Tiodoro e Seo Antunias. Maramonhangara – onça pior de todas. Ela manda, briga com as outras. Porreteira – malha larga, enorme, mão grande, unhas grandes, perna comprida, muito braba. Comeu o Seo Rioporo. Tatacica – onça preta, preta, muito braba, pega muito peixe. Uinhua – mora no buraco de cova do barranco, debaixo da raiz da gameleira. Rapa-Rapa – pinima velha, malha larga, ladina; vai caçar muito longe, está em toda parte. Mpu e Nhã-ã – foram tangidas para longe daqui porque a comida era pouca. Tibitaba – canguçu braba, onça com sombrancelhas. Coema-Piranga – vermelhona, morreu engasgada com osso. Putuca – velha, velha, com costela alta, vivia passando fome. Papa-Gente – onção, macharrão malha-larga, muito grande. Comeu Gugué. Puxuêra – onça macho, tá velho, dentão de detrás já tá gastado. Suu-Suu – jaguaretê-pixuna, preto demais; ele gosta da onça Mopoca. Apiponga – não é pixuna. É o macho pintado mais bonito. Sempre gordo, sabe caçar melhor que todos. Um dia ele comeu um homem. Petecaçara – macho canguçu, meio maluco, ruim do miolo, anda só de dia. Uitauêra – irmão de Uatauêra Uatauêra – irmão de Uitauêra. São irmãos; só eu sei, eles nem não sabem.

ESTUDOS LITERÁRIOS

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ele lá com aquela alegria doida de comer, todo dia, todo dia, enchendo boca, enchendo barriga. Fiquei com raiva daquilo, raiva, raiva danada... Axe, axi! Preto Bijibo gostando tanto de comer, comendo de tudo bom, arado, e pobre da onça vinha vindo com fome, querendo comer preto Bijibo. Fui ficando mais com raiva..."

Maria Quirinéia

Era prostituta. Tinha um marido doido, Seo Suruvéio, que vivia amarrado.

Onças do conto Meu Tio o Iauaretê:

nomes e caraterísticas:

Mopoca – canguçu fêmeo. Pariu tarde, tá com filhote novo. Maria-Maria – onça bonita. Bonita mais do que alguma mulher. Cheira à flor de pau d'alho na chuva. Namorada de Tonho Tigreiro. Comeu o preto Tiodoro e Seo Antunias. Maramonhangara – onça pior de todas. Ela manda, briga com as outras. Porreteira – malha larga, enorme, mão grande, unhas grandes, perna comprida, muito braba. Comeu o Seo Rioporo. Tatacica – onça preta, preta, muito braba, pega muito peixe. Uinhua – mora no buraco de cova do barranco, debaixo da raiz da gameleira. Rapa-Rapa – pinima velha, malha larga, ladina; vai caçar muito longe, está em toda parte. Mpu e Nhã-ã – foram tangidas para longe daqui porque a comida era pouca. Tibitaba – canguçu braba, onça com sombrancelhas. Coema-Piranga – vermelhona, morreu engasgada com osso. Putuca – velha, velha, com costela alta, vivia passando fome. Papa-Gente – onção, macharrão malha-larga, muito grande. Comeu Gugué. Puxuêra – onça macho, tá velho, dentão de detrás já tá gastado. Suu-Suu – jaguaretê-pixuna, preto demais; ele gosta da onça Mopoca. Apiponga – não é pixuna. É o macho pintado mais bonito. Sempre gordo, sabe caçar melhor que todos. Um dia ele comeu um homem. Petecaçara – macho canguçu, meio maluco, ruim do miolo, anda só de dia. Uitauêra – irmão de Uatauêra Uatauêra – irmão de Uitauêra. São irmãos; só eu sei, eles nem não sabem.

Page 7: Guimarães Rosa: Meu Tio o Iauaretê - análise

ESTUDOS LITERÁRIOS

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RESUMO / ESTUDOS

Tonho recebe uma visita

Tonho recebe, no pequeno rancho onde mora, a visita de um homem desconhecido. Ele chega a cavalo. Tonho ajuda o visitante a colocar a bagagem para dentro. Ajuda a desarrear o cavalo. O viajante oferta-lhe cachaça e fumo. Tonho aceita.

Sem comida, sem luz

Tonho tenta ser gentil e oferece comida ao visitante: carne de Tamanduá. Ele não quer.

Tonho oferece farinha e rapadura. Conta como consegue carne: não precisa caçar, as onças caçam para ele. O visitante pede café, mas tonho não tem. Também não tem candeeiro. Luz, só do fogo e da lua.

Tonho Tigreiro: parente de onças

Tonho conta ao visitante que é caçador de onças. Veio para a região para matar os

felinos, a mando de Nhô Nhuão Guede. Matou muitas. Mas agora não mata mais não: descobriu que as onças são suas parentas por parte de mãe. Ele julga-se sobrinho das onças. Daí o título do conto.

Couros de onças

Tonho exibe ao visitante vários couros de onças que ele próprio matou. Vai mostrando

as peles e contando como matou cada uma.

Contando histórias e bebendo cachaça

Enquanto conta histórias de onças, Tonho vai bebendo a cachaça ofertada pelo

visitante. Quando questionado sobre pormenores, exige mais cachaça. Sem beber, não sabe prosear.

Três onças em um dia

Tonho conta como matou três onças em só dia. Diz que mata onças há muitos anos e

que já desonçou três lugares.

Em toda a região, uma única casa

ESTUDOS LITERÁRIOS

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RESUMO / ESTUDOS

Tonho recebe uma visita

Tonho recebe, no pequeno rancho onde mora, a visita de um homem desconhecido. Ele chega a cavalo. Tonho ajuda o visitante a colocar a bagagem para dentro. Ajuda a desarrear o cavalo. O viajante oferta-lhe cachaça e fumo. Tonho aceita.

Sem comida, sem luz

Tonho tenta ser gentil e oferece comida ao visitante: carne de Tamanduá. Ele não quer.

Tonho oferece farinha e rapadura. Conta como consegue carne: não precisa caçar, as onças caçam para ele. O visitante pede café, mas tonho não tem. Também não tem candeeiro. Luz, só do fogo e da lua.

Tonho Tigreiro: parente de onças

Tonho conta ao visitante que é caçador de onças. Veio para a região para matar os

felinos, a mando de Nhô Nhuão Guede. Matou muitas. Mas agora não mata mais não: descobriu que as onças são suas parentas por parte de mãe. Ele julga-se sobrinho das onças. Daí o título do conto.

Couros de onças

Tonho exibe ao visitante vários couros de onças que ele próprio matou. Vai mostrando

as peles e contando como matou cada uma.

Contando histórias e bebendo cachaça

Enquanto conta histórias de onças, Tonho vai bebendo a cachaça ofertada pelo

visitante. Quando questionado sobre pormenores, exige mais cachaça. Sem beber, não sabe prosear.

Três onças em um dia

Tonho conta como matou três onças em só dia. Diz que mata onças há muitos anos e

que já desonçou três lugares.

Em toda a região, uma única casa

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ESTUDOS LITERÁRIOS

8

Quando questionado sobre o povo da região, Tonho avisa que todos já estão mortos. Onça comeu. Não há nenhuma casa por perto. Havia uma, a de Seo Rauremiro, mas toda a família está morta. Culpa das onças.

A cachaça torna Tonho alegre

Sob o efeito da cachaça, Tonho vai soltando a língua, contando pormenores de sua

vida e das onças. Fala de Maria Quirinéia e do marido dela, Seo Suruvéio, homem doido, amarrado com corrente pesada. Esses não morreram, foram embora da região.

Maria-Maria: onça nova e bonita

Tonho fala da beleza das onças. A mais bonita é Maria-Maria, sua namorada. Se ele

chamar, ela atende. "Mecê quer ver?" O visitante treme de medo.

O visitante quer saber das pessoas

Questionado sobre as pessoas que desapareceram da região, Tonho desconversa.

Atribui o sumiço de todas elas às onças. Nega tê-las matado. Insiste em dizer que é a verdade.

Tonho conta como aprendeu

a matar onças

Tonho conta como e com quem aprendeu a matar onças. "Donde foi que aprendi? Aprendi longe destas terras, por lá tem outros homens sem medo, quage feito eu. Me ensinaram, com zagaia. Uarentim Maria e Gugué Maria – dois irmãos. Tinha Nhô Inácio também, velho Nhuão Inácio: preto esse, mas preto homem muito bom".

Primeiro encontro com Maria-Maria

Tonho conta como se encontrou pela primeira vez com Maria-Maria. Estava dormindo

no mato, quando ela chegou. Ele se fez de morto, e ela começou a apalpá-lo, a se esfregar nele. Aí descobriu que ela gostava dele. Deu-lhe conselhos, conversou com ela. Dormiram juntos. Nasceu o namoro. Aí veio a decisão de nunca mais matar onças.

Tonho conta detalhes da beleza de Maria-Maria

"Ã-hã. Maria-Maria é bonita, mecê devia de ver! Bonita mais do que alguma mulher.

Ela cheira à flor de pau d'alho na chuva. Ela não é grande demais não. É canguçu, cabeçudinha, afora as pintas ela é amarela, clara, clara. Pele que brilha, macia, macia. Pintas, que nenhuma não é preta mesmo preta, não: vermelho escuronas, assim ruivo

ESTUDOS LITERÁRIOS

8

Quando questionado sobre o povo da região, Tonho avisa que todos já estão mortos. Onça comeu. Não há nenhuma casa por perto. Havia uma, a de Seo Rauremiro, mas toda a família está morta. Culpa das onças.

A cachaça torna Tonho alegre

Sob o efeito da cachaça, Tonho vai soltando a língua, contando pormenores de sua

vida e das onças. Fala de Maria Quirinéia e do marido dela, Seo Suruvéio, homem doido, amarrado com corrente pesada. Esses não morreram, foram embora da região.

Maria-Maria: onça nova e bonita

Tonho fala da beleza das onças. A mais bonita é Maria-Maria, sua namorada. Se ele

chamar, ela atende. "Mecê quer ver?" O visitante treme de medo.

O visitante quer saber das pessoas

Questionado sobre as pessoas que desapareceram da região, Tonho desconversa.

Atribui o sumiço de todas elas às onças. Nega tê-las matado. Insiste em dizer que é a verdade.

Tonho conta como aprendeu

a matar onças

Tonho conta como e com quem aprendeu a matar onças. "Donde foi que aprendi? Aprendi longe destas terras, por lá tem outros homens sem medo, quage feito eu. Me ensinaram, com zagaia. Uarentim Maria e Gugué Maria – dois irmãos. Tinha Nhô Inácio também, velho Nhuão Inácio: preto esse, mas preto homem muito bom".

Primeiro encontro com Maria-Maria

Tonho conta como se encontrou pela primeira vez com Maria-Maria. Estava dormindo

no mato, quando ela chegou. Ele se fez de morto, e ela começou a apalpá-lo, a se esfregar nele. Aí descobriu que ela gostava dele. Deu-lhe conselhos, conversou com ela. Dormiram juntos. Nasceu o namoro. Aí veio a decisão de nunca mais matar onças.

Tonho conta detalhes da beleza de Maria-Maria

"Ã-hã. Maria-Maria é bonita, mecê devia de ver! Bonita mais do que alguma mulher.

Ela cheira à flor de pau d'alho na chuva. Ela não é grande demais não. É canguçu, cabeçudinha, afora as pintas ela é amarela, clara, clara. Pele que brilha, macia, macia. Pintas, que nenhuma não é preta mesmo preta, não: vermelho escuronas, assim ruivo

Page 9: Guimarães Rosa: Meu Tio o Iauaretê - análise

ESTUDOS LITERÁRIOS

9

roxeado. Maria-Maria tem montão de pinta miúda. Cara mascarada, pequitita, bonita, toda sarapintada, assim, assim. Uma pintinha em cada canto de boca, outras atrás das orelhinhas... Dentro das orelhas, é branquinho, algodão espuxado. Barriga também. Barriga e por debaixo do pescoço, e no por dentro das pernas".

Intimidades entre Tonho

e Maria-Maria

"Eu posso fazer festa, tempão, ela apreceia... Ela lambe minha mão, lambe mimoso, do jeito que elas sabem para alimpar o sujo de seus filhos delas; se não ninguém não agüentava o rapo daquela língua grossa, aspra, tem lixa pior do que a de folha de sambaíba; mas senão, como é que ela lambe, lambe, e não rasga com a língua o filhotinho dela?"

Ciúmes de Maria-Maria

"Nhem? Ela ter macho, Maria-Maria? Ela tem macho não. Xô! Pa! Atimbora! Se

algum macho vier, eu mato, mato, mato, pode ser meu parente o que for. Nhem, hum, hum, Maria-Maria eu falo adonde ela mora não. Sei lá se mecê quer matar?! Sei lá de nada..."

Onças no cio

"Quando é que elas casam? Ixe, casar é isso? Porqueira... Mecê vem cá no fim do frio,

quando Ipê tá de flor, mecê ver. Elas ficam aluadas. Assanham, urram, urram, miando e roncando o tempo todo, quage nem caçam pra mor de comer, ficam magras, saem p'los matos, fora de sentido, mijam por toda a parte..."

"Ói: onça Maria-Maria eu vou trazer pra cá, deixo macho nenhum com ela não. Se eu chamar, ela vem. Mecê quer ver?"

Notícias de todas as onças

Tonho conta detalhes de todas as onças da região: nome, idade, comportamento, lugar

onde moram, macho ou fêmea, se têm filhotes ou não.

Miando que nem filhote

"Eh, sei miar que nem filhote, onça vem desesperada". Tonho conta que, certa vez, miou e atraiu uma jaguaretê-pixuna para o rancho. "Miei, miei, jaguarainhém, jaguaranhinhenhém... Ela veio maluca. Eu miei aqui dentro do rancho, pixuna mãe chegou até aqui perto, me pedindo pra voltar pra o ninho".

Tou bebendo sua cachaça

de mecê toda

ESTUDOS LITERÁRIOS

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roxeado. Maria-Maria tem montão de pinta miúda. Cara mascarada, pequitita, bonita, toda sarapintada, assim, assim. Uma pintinha em cada canto de boca, outras atrás das orelhinhas... Dentro das orelhas, é branquinho, algodão espuxado. Barriga também. Barriga e por debaixo do pescoço, e no por dentro das pernas".

Intimidades entre Tonho

e Maria-Maria

"Eu posso fazer festa, tempão, ela apreceia... Ela lambe minha mão, lambe mimoso, do jeito que elas sabem para alimpar o sujo de seus filhos delas; se não ninguém não agüentava o rapo daquela língua grossa, aspra, tem lixa pior do que a de folha de sambaíba; mas senão, como é que ela lambe, lambe, e não rasga com a língua o filhotinho dela?"

Ciúmes de Maria-Maria

"Nhem? Ela ter macho, Maria-Maria? Ela tem macho não. Xô! Pa! Atimbora! Se

algum macho vier, eu mato, mato, mato, pode ser meu parente o que for. Nhem, hum, hum, Maria-Maria eu falo adonde ela mora não. Sei lá se mecê quer matar?! Sei lá de nada..."

Onças no cio

"Quando é que elas casam? Ixe, casar é isso? Porqueira... Mecê vem cá no fim do frio,

quando Ipê tá de flor, mecê ver. Elas ficam aluadas. Assanham, urram, urram, miando e roncando o tempo todo, quage nem caçam pra mor de comer, ficam magras, saem p'los matos, fora de sentido, mijam por toda a parte..."

"Ói: onça Maria-Maria eu vou trazer pra cá, deixo macho nenhum com ela não. Se eu chamar, ela vem. Mecê quer ver?"

Notícias de todas as onças

Tonho conta detalhes de todas as onças da região: nome, idade, comportamento, lugar

onde moram, macho ou fêmea, se têm filhotes ou não.

Miando que nem filhote

"Eh, sei miar que nem filhote, onça vem desesperada". Tonho conta que, certa vez, miou e atraiu uma jaguaretê-pixuna para o rancho. "Miei, miei, jaguarainhém, jaguaranhinhenhém... Ela veio maluca. Eu miei aqui dentro do rancho, pixuna mãe chegou até aqui perto, me pedindo pra voltar pra o ninho".

Tou bebendo sua cachaça

de mecê toda

Page 10: Guimarães Rosa: Meu Tio o Iauaretê - análise

ESTUDOS LITERÁRIOS

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"Nhor sim. Tou bebendo sua cachaça de mecê toda. É, foguinho bom, ela esquenta corpo também. Tou alegre, tou alegre..." À medida que se embriaga, Tonho vai revelando detalhes sobre as onças e sobre as pessoas desaparecidas.

Mãe índia, pai branco,

vários nomes

Tonho fala de sua origem: a mãe, Mar'Iara Maria, era índia. O pai, branco. Faz elogios à mãe. Fala dos nomes, desde o batismo até agora: Antonho de Eiesus, Tonico, Bacuriquirepa, Beró, Macuncozo, Tonho Tigreiro. "Agora, tenho nome nenhum, não careço".

Onça Pé-de-Panela

Tonho conta a história da onça Pé-de-Panela: pegou uma criança e comeu. O pai do

menino foi atrás, com arma, para matá-la. Pé-de-Panela matou o pai também. Enterraram os dois na mesma cova. Tonho foi chamado e matou a onça. Matou para ganhar dinheiro.

Virando onça

"De noite eu fiquei mexendo, sei nada não, mexendo por mexer, dormir não podia,

não; vontade doida de virar onça, eu, eu, onça grande. Sair de onça, no escurinho da madrugada... Tava urrando calado dentro de em mim... Eu tava com as unhas... Eu arrupeio. Frio que não tem outro, frio nenhum tanto assim. Que eu podia tremer de despedaçar... Aí eu tinha uma câimbra no corpo todo, sacudindo; dei acesso.

Quando melhorei, tava de pé e mão no chão, danado pra querer caminhar. Ô sossego bom! Eu tava ali, dono de tudo, sozinho alegre, bom mesmo, todo o mundo carecia de mim... Eu tinha medo de nada! Nessa hora eu sabia o que cada um tava pensando. Se mecê vinha aqui, eu sabia tudo o que mecê tava pensando...

Sabia o que onça tava pensando, também. Mecê sabe o que é que onça pensa? Sabe não? Eh, então mecê aprende: onça pensa só uma coisa - é que tá tudo bonito, bom, bonito, bom, sem esbarrar. Pensa só isso, o tempo todo, comprido, sempre a mesma coisa só, e vai pensando assim, enquanto que tá andando, tá comendo, tá dormindo, tá fazendo o que fizer...

Pois eu saí caminhando de mão no chão, fui indo. Deu em mim uma raiva grande, vontade de matar tudo, cortar na unha, no dente... Urrei. Eh, eu – esturrei! No outro dia, cavalo branco meu, que eu trouxe, me deram, cavalo tava estraçalhado meio comido, morto, eu 'manheci todo breado de sangue seco..."

Onça e preto

"Eh, onça gosta de carne de preto. Quando tem um preto numa comitiva, onça vem

acompanhando, seguindo escondida, por escondidos, atrás, atrás, atrás, ropitando, tendo olho nele. Preto rezava, ficava seguro na gente, tremia todo. Foi esse não, que morou no

ESTUDOS LITERÁRIOS

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"Nhor sim. Tou bebendo sua cachaça de mecê toda. É, foguinho bom, ela esquenta corpo também. Tou alegre, tou alegre..." À medida que se embriaga, Tonho vai revelando detalhes sobre as onças e sobre as pessoas desaparecidas.

Mãe índia, pai branco,

vários nomes

Tonho fala de sua origem: a mãe, Mar'Iara Maria, era índia. O pai, branco. Faz elogios à mãe. Fala dos nomes, desde o batismo até agora: Antonho de Eiesus, Tonico, Bacuriquirepa, Beró, Macuncozo, Tonho Tigreiro. "Agora, tenho nome nenhum, não careço".

Onça Pé-de-Panela

Tonho conta a história da onça Pé-de-Panela: pegou uma criança e comeu. O pai do

menino foi atrás, com arma, para matá-la. Pé-de-Panela matou o pai também. Enterraram os dois na mesma cova. Tonho foi chamado e matou a onça. Matou para ganhar dinheiro.

Virando onça

"De noite eu fiquei mexendo, sei nada não, mexendo por mexer, dormir não podia,

não; vontade doida de virar onça, eu, eu, onça grande. Sair de onça, no escurinho da madrugada... Tava urrando calado dentro de em mim... Eu tava com as unhas... Eu arrupeio. Frio que não tem outro, frio nenhum tanto assim. Que eu podia tremer de despedaçar... Aí eu tinha uma câimbra no corpo todo, sacudindo; dei acesso.

Quando melhorei, tava de pé e mão no chão, danado pra querer caminhar. Ô sossego bom! Eu tava ali, dono de tudo, sozinho alegre, bom mesmo, todo o mundo carecia de mim... Eu tinha medo de nada! Nessa hora eu sabia o que cada um tava pensando. Se mecê vinha aqui, eu sabia tudo o que mecê tava pensando...

Sabia o que onça tava pensando, também. Mecê sabe o que é que onça pensa? Sabe não? Eh, então mecê aprende: onça pensa só uma coisa - é que tá tudo bonito, bom, bonito, bom, sem esbarrar. Pensa só isso, o tempo todo, comprido, sempre a mesma coisa só, e vai pensando assim, enquanto que tá andando, tá comendo, tá dormindo, tá fazendo o que fizer...

Pois eu saí caminhando de mão no chão, fui indo. Deu em mim uma raiva grande, vontade de matar tudo, cortar na unha, no dente... Urrei. Eh, eu – esturrei! No outro dia, cavalo branco meu, que eu trouxe, me deram, cavalo tava estraçalhado meio comido, morto, eu 'manheci todo breado de sangue seco..."

Onça e preto

"Eh, onça gosta de carne de preto. Quando tem um preto numa comitiva, onça vem

acompanhando, seguindo escondida, por escondidos, atrás, atrás, atrás, ropitando, tendo olho nele. Preto rezava, ficava seguro na gente, tremia todo. Foi esse não, que morou no

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ESTUDOS LITERÁRIOS

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rancho, não; esse que morou aqui: preto Tiodoro. Foi outro preto, preto Bijibo. Preto Bijibo tinha coragem não: carecia de viajar sozinho, tava voltando pra algum lugar – sei lá – longe... Preto tinha medo, sabia que onça tava de tocaia".

Preto Bijibo

Tonho conta como matou preto Bijibo. "Preto Bijibo cozinhava. Me dava do de comer dele, eu comia de encher barriga. Mas preto Bijibo não esbarrava de comer, não. Comia, falava em comida, eu então ficava vendo ele comer... A gente tava arranchado debaixo de pau de árvore, acendemos fogo. Olhei preto Bijibo comendo, ele lá com aquela alegria doida de comer, todo dia, todo dia, enchendo boca, enchendo barriga. Fiquei com raiva daquilo, raiva, raiva danada... Axe, axi! Preto Bijibo gostando tanto de comer, comendo de tudo bom, arado, e pobre da onça vinha vindo com fome, querendo comer preto Bijibo. Fui ficando mais com raiva..."

"Saí calado, calado, devagar, que nem nenhum ninguém. Tirei o de-comer, todo, todo, levei, escondi em galho de árvore, muito longe. Eh, voltei, desmanchei meu rastro, eh, que eu queria rir alegre... Dei muita andada, por uma banda e por outra, e voltei pra trás, trepei em pau alto, fiquei escondido... De manhã cedo, dava gosto ver, quando preto Bijibo acordou e não me achou, não..."

"O dia todo ele chorava, percurava, percurava, não tava acreditando. Me percurou até em buraco de formigueiro... Mas ele tava com medo de gritar e espiritar a onça, então falava baixinho meu nome... Preto Bijibo tremia, que eu escutava dente estalando, que escutava. Esperei o dia inteiro, trepado no pau, eu também já tava com fome e sede, mas agora eu queria, nem sei, queria ver jaguaretê comendo o preto..."

Preto Tiodoro

"Preto Tiodoro caçava onça não – ele tinha mentido pra Nhô Nhuão Guede. Preto

Tiodoro boa pessoa, tinha medo, mas medo, montão. Também preto Tiodoro ficou morando em rancho só uma lua-nova: aí ele morreu, pronto".

"Preto Tiodoro queria só deitar na esteira com mulher do homem doido, mulher muito boa: Maria Quirinéia".

Maria-Maria rosnava baixinho pra mim, queria vir comigo, pegar o preto Tiodoro. Aí me deu aquele frio, aque friiiio, a câimbra toda... Eh, eu sou magro, travesso em qualquer parte, o preto era meio gordo... Eu vim andando, mão no chão... Preto Tiodoro com os olhos doidos de medo, ih, olho enorme de ver... Ô urro!...

Seo Rioporo

"Seo Rioporo, homem ruim feito ele só, tava toda hora furiado". Xingou Tonho, gritou

com ele. Tonho empurrou-o num precipício, para servir de comida para a onça Porreteira. Veja:

ESTUDOS LITERÁRIOS

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rancho, não; esse que morou aqui: preto Tiodoro. Foi outro preto, preto Bijibo. Preto Bijibo tinha coragem não: carecia de viajar sozinho, tava voltando pra algum lugar – sei lá – longe... Preto tinha medo, sabia que onça tava de tocaia".

Preto Bijibo

Tonho conta como matou preto Bijibo. "Preto Bijibo cozinhava. Me dava do de comer dele, eu comia de encher barriga. Mas preto Bijibo não esbarrava de comer, não. Comia, falava em comida, eu então ficava vendo ele comer... A gente tava arranchado debaixo de pau de árvore, acendemos fogo. Olhei preto Bijibo comendo, ele lá com aquela alegria doida de comer, todo dia, todo dia, enchendo boca, enchendo barriga. Fiquei com raiva daquilo, raiva, raiva danada... Axe, axi! Preto Bijibo gostando tanto de comer, comendo de tudo bom, arado, e pobre da onça vinha vindo com fome, querendo comer preto Bijibo. Fui ficando mais com raiva..."

"Saí calado, calado, devagar, que nem nenhum ninguém. Tirei o de-comer, todo, todo, levei, escondi em galho de árvore, muito longe. Eh, voltei, desmanchei meu rastro, eh, que eu queria rir alegre... Dei muita andada, por uma banda e por outra, e voltei pra trás, trepei em pau alto, fiquei escondido... De manhã cedo, dava gosto ver, quando preto Bijibo acordou e não me achou, não..."

"O dia todo ele chorava, percurava, percurava, não tava acreditando. Me percurou até em buraco de formigueiro... Mas ele tava com medo de gritar e espiritar a onça, então falava baixinho meu nome... Preto Bijibo tremia, que eu escutava dente estalando, que escutava. Esperei o dia inteiro, trepado no pau, eu também já tava com fome e sede, mas agora eu queria, nem sei, queria ver jaguaretê comendo o preto..."

Preto Tiodoro

"Preto Tiodoro caçava onça não – ele tinha mentido pra Nhô Nhuão Guede. Preto

Tiodoro boa pessoa, tinha medo, mas medo, montão. Também preto Tiodoro ficou morando em rancho só uma lua-nova: aí ele morreu, pronto".

"Preto Tiodoro queria só deitar na esteira com mulher do homem doido, mulher muito boa: Maria Quirinéia".

Maria-Maria rosnava baixinho pra mim, queria vir comigo, pegar o preto Tiodoro. Aí me deu aquele frio, aque friiiio, a câimbra toda... Eh, eu sou magro, travesso em qualquer parte, o preto era meio gordo... Eu vim andando, mão no chão... Preto Tiodoro com os olhos doidos de medo, ih, olho enorme de ver... Ô urro!...

Seo Rioporo

"Seo Rioporo, homem ruim feito ele só, tava toda hora furiado". Xingou Tonho, gritou

com ele. Tonho empurrou-o num precipício, para servir de comida para a onça Porreteira. Veja:

Page 12: Guimarães Rosa: Meu Tio o Iauaretê - análise

ESTUDOS LITERÁRIOS

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"Mas ele veio, chegou na beira da pitombeira, na beiradinha, debruçou, espiando pra baixo. Empurrei, foi só um tiquinho, nem não foi com força: geralista Seo Rioporo despencou no ar... Apê! Nhem-nhem o quê? Matei, eu matei? A' pois, matei não. Ele ainda tava vivo, quando caiu lá embaixo, quando onça Porreteira começou a comer... Bom, bonito!"

Gugué

"Aquele jababora Gugué, homem bom, mas mesmo bom, nunca me xingou, não. Eu

queria passear, ele gostava de caminhar não: só ficava deitado em rede, no campim, dia inteiro, dia inteiro. Pedia até pra eu trazer água na cabaça, mor de ele beber. Fazia nada. Dormia, pitava, espichava deitado, proseava. Eh, fazia nada, caçava nada, não cavacava chão pra tirar mandioca, queria passear não. Então peguei a não querer espiar pra ele. Eh, raiva não, só um enfaro. Cê sabe? Cê já viu? Aquele homem mole, mole, perrengando por querer, panema, ixe! Até me esfriava... Eu queria ter raiva dele não, queria fazer nada não, não queria, não queria. Homem bom".

"De repente, eh, eu oncei... Iá. Eu agüentei não. Arrumei cipó, arranjei embira, boa, forte. Amarrei aquele Gugué na rede. Amarrei ligeiro, amarrei perna, amarrei braço. Quando ele queria gritar, hum, xô! Axi, aí deixei não: atochei folha, folha, lá nele, boca a dentro. Tinha ninguém lá. Carreguei aquele Gugué, com rede enrolada. Pesadão, pesado, eh. Levei pra o Papa-Gente. Papa-Gente, onça chefe, onço, comeu jababora Gugué... Papa-Gente, onção enorme, come rosnando, até parece oncinho novo..."

Seo Antunias

"Aí, era de noite, fui conversar com o outro geralista que inda tinha, chamado

Antunias, jababora, uê. Ô homem amarelo de ridico! Não dava nada, não, guardava tudo pra ele, emprestava um bago de chumbo só se a gente depois pagava dois. Ixe! Ueh... Cheguei lá, ele tava comendo, escondeu o de-comer, debaixo do cesto de cipó, assim mesmo eu vi. A' pois, eu falei: – "Acho que onça pegou Gugué..."

"Eu encostei ponta de zagaia nele... X'eu mostrar, como é que foi? Ah, quer não, não pode? Cê tem medo d'eu encostar ponta de zagaia eu seus peitos? A' bom, ele careceu de ir andando, chorando, sacêmo, no escuro, caía, levantava... – "Não pode gritar, não pode gritar..." – que eu falava, ralhava, cutucava, empurrei com a ponta da zagaia. Levei pra Maria-Maria..."

Maria Quirinéia e o marido doido

Tonho conta como Maria Quirinéia e Seo Suruvéio escaparam da morte. Ele ia matá-

los, mas a mulher fez elogios à mãe de Tonho. Aí ele perdoou. Guiou os dois até Formoso, uma região habitada.

"Aquela mulher Maria Quirinéia, muito boa. Deu café, deu de comer. Marido dela doido tava quieto, Seo Suruvéio, era lua dele não, só ria, ria, não gritava. Eh, mas Maria

ESTUDOS LITERÁRIOS

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"Mas ele veio, chegou na beira da pitombeira, na beiradinha, debruçou, espiando pra baixo. Empurrei, foi só um tiquinho, nem não foi com força: geralista Seo Rioporo despencou no ar... Apê! Nhem-nhem o quê? Matei, eu matei? A' pois, matei não. Ele ainda tava vivo, quando caiu lá embaixo, quando onça Porreteira começou a comer... Bom, bonito!"

Gugué

"Aquele jababora Gugué, homem bom, mas mesmo bom, nunca me xingou, não. Eu

queria passear, ele gostava de caminhar não: só ficava deitado em rede, no campim, dia inteiro, dia inteiro. Pedia até pra eu trazer água na cabaça, mor de ele beber. Fazia nada. Dormia, pitava, espichava deitado, proseava. Eh, fazia nada, caçava nada, não cavacava chão pra tirar mandioca, queria passear não. Então peguei a não querer espiar pra ele. Eh, raiva não, só um enfaro. Cê sabe? Cê já viu? Aquele homem mole, mole, perrengando por querer, panema, ixe! Até me esfriava... Eu queria ter raiva dele não, queria fazer nada não, não queria, não queria. Homem bom".

"De repente, eh, eu oncei... Iá. Eu agüentei não. Arrumei cipó, arranjei embira, boa, forte. Amarrei aquele Gugué na rede. Amarrei ligeiro, amarrei perna, amarrei braço. Quando ele queria gritar, hum, xô! Axi, aí deixei não: atochei folha, folha, lá nele, boca a dentro. Tinha ninguém lá. Carreguei aquele Gugué, com rede enrolada. Pesadão, pesado, eh. Levei pra o Papa-Gente. Papa-Gente, onça chefe, onço, comeu jababora Gugué... Papa-Gente, onção enorme, come rosnando, até parece oncinho novo..."

Seo Antunias

"Aí, era de noite, fui conversar com o outro geralista que inda tinha, chamado

Antunias, jababora, uê. Ô homem amarelo de ridico! Não dava nada, não, guardava tudo pra ele, emprestava um bago de chumbo só se a gente depois pagava dois. Ixe! Ueh... Cheguei lá, ele tava comendo, escondeu o de-comer, debaixo do cesto de cipó, assim mesmo eu vi. A' pois, eu falei: – "Acho que onça pegou Gugué..."

"Eu encostei ponta de zagaia nele... X'eu mostrar, como é que foi? Ah, quer não, não pode? Cê tem medo d'eu encostar ponta de zagaia eu seus peitos? A' bom, ele careceu de ir andando, chorando, sacêmo, no escuro, caía, levantava... – "Não pode gritar, não pode gritar..." – que eu falava, ralhava, cutucava, empurrei com a ponta da zagaia. Levei pra Maria-Maria..."

Maria Quirinéia e o marido doido

Tonho conta como Maria Quirinéia e Seo Suruvéio escaparam da morte. Ele ia matá-

los, mas a mulher fez elogios à mãe de Tonho. Aí ele perdoou. Guiou os dois até Formoso, uma região habitada.

"Aquela mulher Maria Quirinéia, muito boa. Deu café, deu de comer. Marido dela doido tava quieto, Seo Suruvéio, era lua dele não, só ria, ria, não gritava. Eh, mas Maria

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ESTUDOS LITERÁRIOS

13

Quirinéia principiou a olhar pra mim de jeito estúrdio, diferente, mesmo: cada olho se brilhando, ela ria, abria as ventas, pegou em minha mão, alisou meu cabelo. Falou que eu era bonito. Eu – gostei. Mas aí ela queria me puxar pra a esteira, com ela, eh, uê, uê... Me deu uma raiva grande, eu queria matar Maria Quirinéia, dava pra a onça Tatacica".

Rauremiro e família

"Veredeiro Seo Rauremiro, bom homem, mas chamava a gente por assovio, feito

cachorro. Sou cachorro, sou? Seu Rauremiro falava: – "Entra em quarto da gente não, fica pra lá, tu é bugre..." Seu Rauremiro conversava com preto Tiodoro, proseava. Me dava comida, mas não conversava comigo não. Saí de lá com uma raiva, mas raiva, de todos: de Seo Rauremiro, mulher dele, as filhas, menino pequeno".

"Eh, despois, não sei, não: acordei – eu tava na casa do veredeiro, era de manhã cedinho. Eu tava em barro de sangue, unhas todas vermelhas de sangue. Veredeiro tava mordido, morto, mulher de veredeiro, as filhas, menino pequeno..."

O visitante mata Tonho Tigreiro

"Ei, ei, que é que mecê tá fazendo?

Desvira esse revólver! Mecê brinca não, vira o revólver pra outra banda... Mexo não, tou quieto, quieto... Ói: cê quer me matar, ui? Tira, tira revólver pra lá! Mecê tá doente, mecê tá variando... Veio me prender? Ói: tou pondo mão no chão é por nada, não, é à toa... Ói o frio... Mecê tá doido? Mecê me mata, onça vem, Maria-Maria, come mecê... Onça meu parente... Ei, por causa do preto? Matei preto não, tava contando bobagem...

O visitante mata Tonho Tigreiro

"Ei, ei, que é que mecê tá fazendo? Desvira esse revólver! Mecê brinca não, vira o revólver pra outra banda... Mexo não, tou quieto, quieto... Ói: cê quer me matar, ui? Tira, tira revólver pra lá! Mecê tá doente, mecê tá variando... Veio me prender? Ói: tou pondo mão no chão é por nada, não, é à toa... Ói o frio... Mecê tá doido? Mecê me mata, onça vem, Maria-Maria, come mecê... Onça meu parente... Ei, por causa do preto? Matei preto não, tava contando bobagem...

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Quirinéia principiou a olhar pra mim de jeito estúrdio, diferente, mesmo: cada olho se brilhando, ela ria, abria as ventas, pegou em minha mão, alisou meu cabelo. Falou que eu era bonito. Eu – gostei. Mas aí ela queria me puxar pra a esteira, com ela, eh, uê, uê... Me deu uma raiva grande, eu queria matar Maria Quirinéia, dava pra a onça Tatacica".

Rauremiro e família

"Veredeiro Seo Rauremiro, bom homem, mas chamava a gente por assovio, feito

cachorro. Sou cachorro, sou? Seu Rauremiro falava: – "Entra em quarto da gente não, fica pra lá, tu é bugre..." Seu Rauremiro conversava com preto Tiodoro, proseava. Me dava comida, mas não conversava comigo não. Saí de lá com uma raiva, mas raiva, de todos: de Seo Rauremiro, mulher dele, as filhas, menino pequeno".

"Eh, despois, não sei, não: acordei – eu tava na casa do veredeiro, era de manhã cedinho. Eu tava em barro de sangue, unhas todas vermelhas de sangue. Veredeiro tava mordido, morto, mulher de veredeiro, as filhas, menino pequeno..."

O visitante mata Tonho Tigreiro

"Ei, ei, que é que mecê tá fazendo?

Desvira esse revólver! Mecê brinca não, vira o revólver pra outra banda... Mexo não, tou quieto, quieto... Ói: cê quer me matar, ui? Tira, tira revólver pra lá! Mecê tá doente, mecê tá variando... Veio me prender? Ói: tou pondo mão no chão é por nada, não, é à toa... Ói o frio... Mecê tá doido? Mecê me mata, onça vem, Maria-Maria, come mecê... Onça meu parente... Ei, por causa do preto? Matei preto não, tava contando bobagem...

O visitante mata Tonho Tigreiro

"Ei, ei, que é que mecê tá fazendo? Desvira esse revólver! Mecê brinca não, vira o revólver pra outra banda... Mexo não, tou quieto, quieto... Ói: cê quer me matar, ui? Tira, tira revólver pra lá! Mecê tá doente, mecê tá variando... Veio me prender? Ói: tou pondo mão no chão é por nada, não, é à toa... Ói o frio... Mecê tá doido? Mecê me mata, onça vem, Maria-Maria, come mecê... Onça meu parente... Ei, por causa do preto? Matei preto não, tava contando bobagem...