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Grupo Espírita Aprendizes do Evangelho de Limeira Escola de Aprendizes do Evangelho — 8ª turma 103ª aula: Regras para educação, conduta e aperfeiçoamento dos seres Textos complementares GEAEL Aula 103 — Entre muitas, a lição que fica: A vontade é utilizada como alavanca poderosa que nos impulsiona ao progresso espiritual. É onda eletromagnética sutil nos campos de ação da mente, a desencadear energias transformadoras de intensidades tanto maiores quanto melhores forem os esforços e a persistência que mantemos em nós mesmos. Quando dirigimos a nossa vontade no sentido da auto-educação, dentro do Evangelho, começamos a nos identificar e a entrar em sintonia com as forças transformadoras que mais intensamente vibram no sentido evolutivo e regenerador da Criação. Nada é mais objetivo e valoroso na obra da criação, dentro desse aspecto evolutivo, do que a harmonização e identificação da criatura com o Criador”. Iniciação Espírita — Autores diversos 1. Introdução Ao ser iniciado o terceiro ano da Escola de Apren- dizes do Evangelho, já atingido o grau de servidor, o aluno é finalmente preparado para o terceiro e último estágio dessa Escola, quando, então, ingressará na Fraternidade dos Discípulos de Jesus, alcançando o grau de discípulo. Nas aulas seguintes, dentro do programa oficial apresentado pela Aliança Espírita Evangélica, de- pois do amplo conhecimento já adquirido nas aulas anteriores e das experiências vividas no trabalho de reforma íntima, procura-se agora dar ao aluno um conjunto de regras que venham mais objetivamente auxiliá-lo na caminhada ascendente que já iniciou no momento em que inscreveu-se nessa escola, até o es- tágio presente. Essas regras constituem um repositório obtido de experiências realizadas, com resultados positivos, que são colocadas à disposição do aluno, para maior aproveitamento e economia de tempo, na conduta das práticas que a Escola de Aprendizes do Evangelho procura transmitir. Quaisquer que sejam as experiências individuais, palmilhadas no campo da vida interior, os caminhos a serem percorridos são sempre os mesmos, embora em diferentes circunstâncias, peculiares a cada criatura. Os obstáculos encontrados são igualmente co- muns aos seres humanos na espiral ascendente da nossa evolução, apesar de revestirem-se diferente- mente em suas intensidades e formas. O mundo interior que se movimenta nos continentes e oceanos de nosso espírito, pode variar nos seus aspectos dife- renciais, porém os sentimentos que emergem são igualmente comuns a todas as criaturas oriundas de uma mesma Fonte. Ilusório é imaginar que não encontramos entre os que nos cercam, aqueles a nós identificados pelas mesmas dores e mesmas angústias. Em determinadas épocas da nossa ca- minhada incomensurável, vivemos sempre os sofrimentos re- novadores, comuns às almas alentadas pelo mesmo Hausto Divino. O aperfeiçoamento dos seres que na sua origem, como

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Page 1: Grupo Espírita Aprendizes do Evangelho de Limeirano cumprimento do imperativo evangélico: “Sede perfeitos como perfeito é o vosso pai Celestial”. É o que busca realizar a Escola

Grupo Espírita Aprendizes do Evangelho de LimeiraEscola de Aprendizes do Evangelho — 8ª turma

103ª aula: Regras para educação, conduta e aperfeiçoamento dos seresTextos complementares

GEAEL

Aula 103 — Entre muitas, a lição que fica:“A vontade é utilizada como alavanca poderosa que nos impulsiona ao progresso espiritual. É onda eletromagnética sutil nos campos de ação da mente, a desencadear energias transformadoras de intensidades tanto maiores quanto melhores forem os esforços e a persistência que mantemos em nós mesmos.Quando dirigimos a nossa vontade no sentido da auto-educação, dentro do Evangelho, começamos a nos identificar e a entrar em sintonia com as forças transformadoras que mais intensamente vibram no sentido evolutivo e regenerador da Criação. Nada é mais objetivo e valoroso na obra da criação, dentro desse aspecto evolutivo, do que a harmonização e identificação da criatura com o Criador”.

Iniciação Espírita — Autores diversos

1. IntroduçãoAo ser iniciado o terceiro ano da Escola de Apren-

dizes do Evangelho, já atingido o grau de servidor, o aluno é finalmente preparado para o terceiro e último estágio dessa Escola, quando, então, ingressará na Fraternidade dos Discípulos de Jesus, alcançando o grau de discípulo.

Nas aulas seguintes, dentro do programa oficial apresentado pela Aliança Espírita Evangélica, de-pois do amplo conhecimento já adquirido nas aulas anteriores e das experiências vividas no trabalho de reforma íntima, procura-se agora dar ao aluno um conjunto de regras que venham mais objetivamente auxiliá-lo na caminhada ascendente que já iniciou no momento em que inscreveu-se nessa escola, até o es-tágio presente.

Essas regras constituem um repositório obtido de experiências realizadas, com resultados positivos, que são colocadas à disposição do aluno, para maior aproveitamento e economia de tempo, na conduta das práticas que a Escola de Aprendizes do Evangelho procura transmitir.

Quaisquer que sejam as experiências individuais, palmilhadas no campo da vida interior, os caminhos a serem percorridos são sempre os mesmos, embora em diferentes circunstâncias, peculiares a cada criatura.

Os obstáculos encontrados são igualmente co-muns aos seres humanos na espiral ascendente da nossa evolução, apesar de revestirem-se diferente-mente em suas intensidades e formas.

O mundo interior que se movimenta nos continentes e oceanos de nosso espírito, pode variar nos seus aspectos dife-renciais, porém os sentimentos que emergem são igualmente comuns a todas as criaturas oriundas de uma mesma Fonte.

Ilusório é imaginar que não encontramos entre os que

nos cercam, aqueles a nós identificados pelas mesmas dores e mesmas angústias. Em determinadas épocas da nossa ca-minhada incomensurável, vivemos sempre os sofrimentos re-novadores, comuns às almas alentadas pelo mesmo Hausto Divino.

O aperfeiçoamento dos seres que na sua origem, como

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2 103ª aula: Regras para educação, conduta e aperfeiçoamento dos seres

expressões de luz, habitando os princípios elementares do es-pírito, à semelhança de uma nuvem luminosa pigmentada, progressivamente jungidos ao mundo das formas, vem cami-nhando nos diferentes reinos da natureza. As conquistas de inteligência e sentimento, em individualidades co-criadoras, se perdem na noite dos tempos em que fomos cintilados pela Criação. Incomensurável é a estrada que até agora já per-corremos e, dependendo do ramal seguro que escolhemos: — aquele iluminado pelas verdades do Meigo Rabi, com a determinação dos nossos próprios passos, uma outra exten-são evolutiva começamos a percorrer, agora no sentido de retornarmos ao Criador, porém, infinitamente enriquecidos e divinamente dotados quando lá chegarmos.

2. EducaçãoÉ, fora de dúvida, o maior problema da atualidade no

mundo conturbado em que vivemos, o da educação, quer da infância, da juventude ou dos adultos de todas as idades.

As atenções se voltam para o estudo dos comportamen-tos dos seres humanos nos ambientes do lar, da escola, do trabalho, na sociedade de um modo geral.

Estudam-se os sintomas externos dos males verificados, descuidando-se das origens internas desencadeadoras; atin-gem-se os efeitos mas não as causas.

Essencialmente podemos considerar a educação como dividida, para efeito didático, em dois tipos: leiga e religiosa.

A educação leiga, ou cívica, ministrada nos estabeleci-mentos públicos (escolas, instituições civis e militares), aonde procuram-se transmitir os conhecimentos necessários e bási-cos que venham proporcionar a formação cívica e profissional do educando, dentro de uma sociedade regida por leis e cos-tumes peculiares ao país. A educação leiga ou cívica é assim um processo de instrução que visa o mundo dos objetos que circundam o educando e nada se relaciona com o mundo in-terior dele.

A educação religiosa, essa reinan-te nos institutos educacionais, orienta-da pelas religiões tradicionais e dog-máticas, baseia-se nos conceitos de céu e inferno, sem resultados concretos e deficiente na sua influência, na con-duta moral dos homens, face os dados observados nas estatísticas de crimi-nalidade, mesmo entre os países que as adotam oficialmente.

A educação tem um objetivo mais profundo, como seja o de plasmar o caráter da criatura, tornando-a melhor como ser humano, criando valores es-pirituais, eternos, dentro dele mesmo.

A instrução é científica e desen-volve a inteligência do homem. A educação é sábia e molda a alma do homem.

Iniciação EspiritaA educação do futuro terá que visar o interior do próprio

homem como objetivo primeiro.E aqui repetimos as palavras de Huberto Rohden no seu

livro Novos Rumos para a Educação, cap. 5 “Bases para uma nova educação”:

É a dignidade, o valor intrínseco do próprio homem; o homem deve, livre e espontaneamente, evitar o mal e praticar o bem, não por causa de um punidor fora dele — humano ou divino, mas para não ofender a sua própria pureza e santidade, para não profanar a sua nobreza e sacralidade, para não desvalorizar o seu grande e imenso valor humano.

Compartilhamos com as palavras do inesquecível Pedro de Camargo (Vinícius) Vol XVIII da Iniciação Espírita, edi-tada pela FEESP, 2ª parte, Cap. IV, “Educação”, p. 117, que nos diz:

Em suma, a educação é uma força ativa inerente à vida e dela inseparável. No curso de seu desenvolvi-mento se individualiza, tornando-se auto-educação, no cumprimento do imperativo evangélico: “Sede perfeitos como perfeito é o vosso pai Celestial”.

É o que busca realizar a Escola de Aprendizes do Evan-gelho: dar aos alunos a formação moral, dentro do Evangelho, preparando-os para os dias do porvir, solidamente equipados com as virtudes exemplificadas no serviço cristão, na sua ex-pressão mais genuína.

3. Auto-EducaçãoO processo para a formação moral, com bases no Evan-

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Escola de Aprendizes do Evangelho - Aliança Espírita Evangélica (8ª turma/GEAEL) 3

gelho, de caráter mais objetivo, é certamente aquele que atin-ge o íntimo da criatura, estimulando toda a sua dinâmica na direção da transformação do seu ser. É todo um conjunto de esforços que nos conduz ao progressivo trabalho da auto-edu-cação de nós mesmos.

A vontade é utilizada como alavanca poderosa que nos impulsiona ao progresso espiritual. É onda eletromagnética sutil nos campos de ação da mente, a desencadear energias transformadoras de intensidades tanto maiores quanto me-lhores forem os esforços e a persistência que mantemos em nós mesmos.

Quando dirigimos a nossa vontade no sentido da auto--educação, dentro do Evangelho, começamos a nos identificar e a entrar em sintonia com as forças transformadoras que mais intensamente vibram no sentido evolutivo e regenerador da Criação. Nada é mais objetivo e valoroso na obra da cria-ção, dentro desse aspecto evolutivo, do que a harmonização e identificação da criatura com o Criador.

“Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida, ninguém vai ao Pai senão por Mim”, disse-nos Jesus.

Esse é o trabalho a ser realizado por todos nós e nada em nossa existência é realmente mais importante do que isso. Todo e qualquer sacrifício que venhamos a fazer nesse sentido é alta-mente construtivo na transformação lenta e progressiva que o nosso espírito ainda vacilante vem realizando, de forma desorde-nada, desde o despertar da nossa consciência no reino hominal.

A auto-educação, abraçada conscientemente, compreen-dida como necessidade prioritária em nossa existência, alicer-çada na Boa-Nova do Dirigente Espiritual do nosso planeta é, indubitavelmente, o primeiro e o mais importante programa a ser seguido, com todas as forças do nosso espírito, no decurso de toda a existência.

4. Requisitos para a auto-educaçãoO trabalho de auto-educação é realizado no nosso mundo

interior, atingindo desde a esfera periférica do nosso conscien-te, às profundezas do nosso inconsciente.

A realização desse objetivo não é tarefa fácil e de resulta-dos imediatos; é antes de tudo um empreendimento alimenta-do com constante e profundo amor: — amor à causa do nosso Divino Mestre.

Pensar em auto-educação como um trabalho de prepa-ração lenta e progressiva para o serviço do Cristo, a quem desejamos cada vez melhor servir, é o nosso ideal primeiro; é a motivação central do nosso esforço renovador.

Todo o trabalho que se procura realizar com o coração, dando de nós mesmos, em razão de um ideal sublime, é des-tituído de interesses particulares e, portanto, com total de-sapego e desprendimento, ausência dos desejos de conquista imediatistas de poderes psíquicos, de destaque próprio nas virtudes adquiridas; é um trabalho desinteressado, realizado com humildade e abnegação.

Nessa atmosfera em que, a essa altura do curso da Es-cola de Aprendizes do Evangelho, todos já tivemos as nossas experiências, sabemos da necessidade e do valor da paciência

nesse trabalho de remodelação que estamos empenha-dos em realizar no nosso ser. E a paci-ência se reflete sere-namente, com a sua atuação tranqüili-zante nos momen-tos de exaltação que muitas vezes nos levam ao desâ-nimo na luta com as nossas dificuldades.

A paciência é fruto do amor que, em nós, procuramos alimentar em tudo o que pretendemos realizar por dedicação ao Meigo Rabi da Galiléia.

O amor, ao vibrar em nós, emite as forças mais sutis do nosso espírito, que vão movimentar no nosso corpo mental as energias correspondentes impulsionadoras da vontade.

A vontade comanda a nossa ação no trabalho de auto-edu-car-se nos campos dos pensamentos, das palavras e dos atos.

Esses três terrenos: pensamentos, palavras e atos são constante e simultaneamente revolvidos pela nossa ação transformadora, à semelhança de um arado que sulca a terra com as suas afiadas lâminas, na renovação das camadas do terreno em preparação ao plantio e futuras colheitas.

A força que a nossa decisão imprime à vontade no tra-balho reconstrutor de nós mesmos, é a ferramenta que aju-dará enormemente nessa monumental obra edificadora. A coragem em enfrentarmos os obstáculos que naturalmente se apresentam, será tanto maior quanto mais intensa for a nossa força impulsionadora da vontade.

Como resultante, ainda, da nossa paciência e na nossa força de vontade, é a perseverança que assegura a continui-dade e, portanto, o sucesso do nosso trabalho.

Os resultados poderão ser obtidos com maior ou menor eficiência, dependendo dos métodos e da disciplina que impri-mirmos no encaminhamento da atividade interior.

Desse modo, são estes os principais requisitos para a auto-educação:

• AMOR• DESPRENDIMENTO HUMILDADE• PACIÊNCIA• VONTADE• DECISÃO• CORAGEM• PERSEVERANÇA DISCIPLINA

Iniciação EspíritaAutores diversosEditora Aliança

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Saber e pensar: Essa é a causa da tradicional reação da ortodoxia, muito comum em todas as correntes de pensamen-to. Nesse sentido, a obra de Armond e dos modelos históricos nos quais se inspirou, soam incomodamente aos ouvidos de alguns intelectuais e dos ortodoxos como as pregações dos antigos profetas soavam agressivamente nos espíritos defen-sivos dos fariseus. Mas as técnicas didáticas propostas por ele nas Escolas de Aprendizes do Evangelho, a partir de 1950, romperam com essa indiferença. Elas transferiram para o terreno da prática individual e social as distinções morais das três classes, ou antes, os três graus de espíritas apontados por Allan Kardec na conclusão de O Livro dos Espíritos. Essa correção automática feita por Kardec do termo classes por graus, mais adequado às ideias de maturidade e graduação espiritual, é tão explícita que chega a causar pânico ideoló-gico aos adeptos ortodoxos mais exigentes. Armond aplicou, tecnicamente, essa definição do codificador na sua escola, transformando e formalizando a “iniciação espírita” num interessante processo de ensino-aprendizagem.

Para ele o Evangelho de Jesus é uma obra teórica, mas uma experiência essencialmente iniciática, ou seja, não pode ser compreendida na sua totalidade apenas com uma parte da mente, que é o intelecto. A experiência intelectual é par-cial e não representa todo o potencial cognitivo do espírito. As novas teorias sobre inteligências provam isso com muita clareza e abrem caminho para a humanidade desvendar a

enorme dimensão espiritual do assunto. O método racional e positivo que Kardec utilizou no seu tempo é hoje amplia-do por essas novas pesquisas de Howard Gardner e Daniel Golleman e com certeza seria aplaudido e utilizado pelo codi-ficador, porque só confirmam os ensinamentos dos espíritos sobre a evolução espiritual. As lições evangélicas do Reino de Deus vão muito além do raciocínio e do intelecto. Isso está muito claro nas parábolas de Jesus, sobretudo na do “Semeador”.

Armond entende também que a iniciação espírita não é necessariamente uma experiência exclusivista, de conteúdos supersticiosos e exóticos, como imaginam alguns intelectuais da filosofia racionalista do Ocidente, nem tampouco uma salada de informações confusas e sem rumo teórico definido, como querem alguns adeptos do esoterismo de consumo. Iniciação, no sentido espiritual, significa metodologia de entendimento gradual e amadurecimento pela experiência. Foi dessa forma que Jesus revelou o Evangelho para seus dis-cípulos e cada um deles pôde realizar sua trajetória iniciática de acordo com a sua capacidade individual. Isso é um dado visível nos Atos dos Apóstolos, mostrando que todos eles tor-naram-se discípulos completos somente no decorrer de suas vivências. Ainda assim o discipulado é uma condição ou esta-do de espírito permanente, dinâmico e evolutivo, como ensina a doutrina espírita. Portanto, a aprendizagem não acontece no momento de uma conversão místico-religiosa impactante, como a de Paulo na estrada de Damasco ou então no “batis-mo”, que era apenas um cerimonial simbólico e marco de uma longa caminhada iniciática. Iniciação não é outra coisa senão um processo didático de ensino e aprendizagem. Como todo processo educativo de tendência construtivista, onde o aluno traça o seu próprio caminho, com um mínimo possível de interferência dos instrutores ou “facilitadores”, a “iniciação espírita” ao Evangelho, que na visão de Armond é a síntese da codificação, é também gradual. Ela é, portanto, essencialmen-te dialética, produto das rupturas íntimas da mudança de valores, concentrando-se na transformação moral do aluno, que é realizada em três “graus” ou etapas: aprendiz, servidor e discípulo. A cada aula ou encontro, o aluno experimenta e constrói o seu próprio conhecimento. É puro método; não é magia ou ritual, no sentido sectário e vulgar desses termos. Armond e seus mentores calcularam até mesmo o tempo da tarefa pública de Jesus e da convivência que teve com os discí-pulos, que foi de três anos, para aplicar um tempo semelhante na iniciação. Os dirigentes de turmas e os expositores devem apenas servir como agentes facilitadores. Como catalisadores da aprendizagem da moral evangélica do espiritismo, foram criados mecanismos de avaliação, instrumentos práticos que são constantes, diversificados e sempre auto-didáticos:

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as famosas “Cadernetas Pessoais”, os “Cadernos de Temas”, os “Testes de Auto-avaliação”1 e os “Exames Espirituais”. Alunos reacionários e alguns críticos que desconhecem o método associaram equivocadamente essas cadernetas aos “confessionários” católicos. Do ponto de vista educativo esse método de ensino armondiano é essencialmente conflituoso, no plano psicológico e subjetivo, porém de forte poder resolu-tivo no plano objetivo e social do aluno. De outra forma não seria educativo, ficando apenas no aspecto superficial, que é o ensino intelectual. Na iniciação o aluno salta do ensino para a educação. Em educação isto é chamado de ruptura do processo de ensino-aprendizagem. É assim que iniciamos nas coisas fundamentais e que serão aprofundadas no decorrer da experiência. Na iniciação espírita o aluno é convidado a empreender, de forma prática, uma profunda revisão de valo-res e atitudes pessoais.

Sem dúvida, esta foi uma grande ousadia que vem revo-lucionando as estruturas e os rumos do movimento espírita, no Brasil e no exterior. É uma tendência educacional de vanguarda ainda muito mal compreendida que, apesar de existir há mais de meio século, é, com certeza, uma ideia que realmente veio para ajudar a colocar algumas coisas nos seus devidos lugares, no setor do ensino, da educação e da pro-paganda espírita. Sempre se falou numa educação espírita, mas nada de significativo tinha sido feito na prática, nem nas chamadas escolas regulares ou faculdades mantidas por entidades kardecistas. O que se fazia eram cópias adaptadas2 dos modelos tradicionais de ensino católico e protestante ou então a publicação de manifestos intelectuais e infrutíferos. Na verdade a escola de Armond não está estruturada no modelo pedagógico convencional, mas num modelo oposto, o andragógico. Enquanto a pedagogia é voltada para a infân-cia, a andragogia é voltada para o universo adulto; uma é existencial, vertical e experimental; a outra é diametralmente oposta: é consciencial, horizontal e vivencial. Conhecendo a amplitude da lei da reencarnação fica muito mais fácil enten-der porque existem crianças que são adultas e adultos que ainda são crianças, daí o caráter diferenciado da andragogia na educação espírita. Este é o modelo clássico grego de ensi-nar filosofia e que nas escolas da linha pitagórica adquiriu um sentido iniciático de despertamento consciencial. A ideia é complementar a maturidade existencial biológica com uma ênfase na maturação consciencial psicológica.3 Nada aqui causa estranheza se lembrarmos que Edgard Armond apenas pôs em prática, nos centros espíritas, as técnicas de ensino e educação, essencialmente humanistas e cristãs, praticadas pelos educadores clássicos. Estamos nos referindo também aos princípios pedagógicos e andragógicos contidos nas parábolas de Jesus, o principal recurso didático para a compreensão da filosofia cristã. Elas são sempre compactas e

1 Isso é explicado detalhadamente na obra Manual Prático do Espírita, de Ney Prieto Peres. Ed. Pensamento. São Paulo.2 O Colégio Allan Kardec, fundado por Eurípedes Barsanulfo em Sacramento, é um exemplo de pionerismo, porém não de ruptura educacional e social. Tanto que não conseguiu expandir-se, pois estava fundamentado nas estruturas edu-cativas tradicionais, muito pouco diferente das escolas católicas e protestantes.3 Ver o item “O relógio existencial e a bússola da consciência” no capítulo 9

simples nos seus conteúdos, porém de grande abrangência e complexidade nos seus significados. Suas aparências de lin-guagem figurada e superficial são muito diferentes dos pro-fundos conceitos que trazem embutidos nos relatos, nunca teorizados, mas sempre vivenciados pelos personagens e circunstâncias em que estão envolvidos. A principal delas, na qual está estruturada a Escola de Aprendizes do Evangelho, é a “parábola do semeador”. É a mais intrigante de todas, porque, segundo Cairbar Schutel,4 ela funciona como “a parábola das parábolas”, mostrando os diferentes graus de compreensão que os ensinamentos evangélicos podem ter nas mentes humanas. O filósofo e educador Huberto Rohden, também um grande conhecedor do assunto, lembra em uma de suas obras5 que essa parábola é uma das poucas das quais Jesus deu explicações sobre seu significado, a pedido dos próprios discípulos. Segundo ele, o terreno no qual foi lançada a semente não se trata da “agronomia física” mas da “agronomia metafísica”, ou seja o terreno imprevisível do livre-arbítrio humano, “onde nenhum semeador, nem mesmo o próprio Cristo, pode saber do resultado da sua semeadura”. Para exemplificar sua observação Rohden lembra que, se Jesus soubesse da “esterilidade” espiritual de Judas Iscariotes não o teria escolhido para ser seu discípulo. E conclui que a parábola do semeador trata, exclusivamente, do livre-arbítrio humano, no qual “o homem é Deus e também anti-Deus”, isto é, o único responsável pelo seu destino, pela sua salvação e ou sua perdição. Não é o que ensina o espiritismo?

A Escola de Aprendizes do Evangelho tem, então, a sua raiz mais próxima na questão 919 de O Livro dos Espíritos,6 na qual a resposta foi dada pelo espírito Santo Agostinho e cujo conteúdo é uma preciosa e detalhada síntese das suas experiências práticas no campo da reforma íntima e da trans-formação moral. O resultado desse trabalho é o próprio relato da parábola do semeador, pois os alunos, em suas diferentes fases de aprendizagem e graus de compreensão dos ensina-mentos, mesmo depois de terem concluído a escola e terem atingido o “grau” de “discípulo”, estarão sujeitos às adversi-dades do mundo e à responsabilidade do seu livre-arbítrio; poderão ser o sal da terra ou simplesmente o fracasso na lavoura, como a opção feita por Judas Iscariotes. Para quem apenas raciocina sobre o Evangelho esta é uma experiência uma tanto mística, esquisita e sem sentido racional. Para quem se abre e revela os sentimentos, sem máscaras, as coisas 4 Parábolas e Ensinos de Jesus, Editora O Clarim, Matão.5 Sabedoria das Parábolas, 5ª edição. Editora Alvorada, São Paulo. Influenciado por Teilhard de Chardin, Rohden era a grande esperança intelectual de uma parte do clero católico para preparar os adeptos para o advento do Cristo Cósmico, uma tendência de transição do dogmatismo para o espiritismo. Mas as incursões de Rohden pelo esoterismo criaram um clima de ameaça no clero conservador, sobretudo no Brasil, que proibiu suas obras entre os católicos. Sua tradução e comentários dos textos apócrifos de Tomé e Tiago ainda representam uma forte ameaça ao clericalismo hierárquico. O próprio filósofo, tentando pre-servar seus leitores católicos de uma mudança brusca em suas convicções, nunca falava abertamente em reencarnação e mediunidade. Rodhen chegou a fazer conferências na Federação Espírita do Estado de São Paulo, na época de Edgard Armond, período em que a Feesp mantinha um programação de contato fraterno com diversos segmentos filosófico-religiosos. Em um livro sobre os essênios ele cita como referência a obra mediúnica Harpas Eternas, do espírito Hilarion de Monte Nebo; este livro, antes de ser publicado no seu país de origem, a pedido do autor espiritual, foi submetido a uma revisão por Edgard Armond.6 Capítulo XII, Perfeição Moral.

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6 103ª aula: Regras para educação, conduta e aperfeiçoamento dos seres

acontecem de forma muito diferente; ocorrendo uma inevitá-vel mudança de ponto de vista e também, se houver vontade, de atitude e comportamento. Mas o processo de transforma-ção moral, que é um percurso crucial entre o pensamento e o sentimento, entre a incongruência e a congruência no comportamento, tem o seu lado obscuro, contraditório e até perigoso. Se a questão 919 forneceu a base da transformação, outras questões de O Livro dos Espíritos também vieram embutidas nessa raiz andragógica, como por exemplo as que falam da liberdade de consciência e do livre-arbítrio (Leis Morais):

837 – Qual é o resultado dos entraves postos à liberdade de consciência?— Constranger os homens a agirem de modo contrário ao que pensam, torná-los hipócritas. A liberdade de consciência é um dos caracteres da verdadeira civilização e do progresso.

O método iniciático de transformação moral é prazeroso para o espírito já um tanto maduro, mas pode ser traumático e doloroso para aquele ainda verde nas questões compor-tamentais. Não é à toa que muitos reagem negativamente, pois interpretam erroneamente essa metodologia de Armond como uma doutrina que leva ao constrangimento do livre--arbítrio. Esse equívoco pode levar o aluno imaturo ao campo do irreal, do mentir para si mesmo, ou como bem definiram os espíritos, “torná-los hipócritas”. O resultado disso é a decepção, a descrença e o abandono do compromisso. Como resolver esse problema? Então a seletividade da iniciação poderia ser mais acessível aos moralmente mais fracos, aos que normalmente desistiriam no meio do percurso? Aqueles que ainda não estão suficientemente maduros não poderiam receber uma espécie de “iniciação da iniciação”? Mais uma vez as respostas foram encontradas no universo histórico das escolas iniciáticas: na bússola da consciência cada pessoa tem o seu momento, o insight, o cair em si, em qualquer momento da existência. No relógio da existência isso acontece geral-mente na maturidade biológica. No campo científico essa abordagem de mudança comportamental ficou largamente conhecida na psicologia humanista, através do psicoterapeu-ta norte-americano Carl Ranson Rogers, cujas experiências tornaram-se mundialmente conhecidas entre anos 1950 e 1970, na Universidade da Califórnia – eua. Praticamente tudo o que se faz hoje em termos de treinamento educacio-nal, empresarial e nas práticas psicoterapêuticas, segue essa linha rogeriana. É curioso lembrar que a primeira obra de Rogers sobre esse assunto,7 na qual consta uma “Teoria da personalidade e da conduta”, foi escrita em 1950, no mesmo ano da criação da Escola de Aprendizes do Evangelho. No campo da educação, Carl Rogers também deixou essa marca da mudança comportamental como uma das mais significa-tivas expressões da contracultura. Anos mais tarde, no livro Tornar-se Pessoa,8 Rogers sacudiria os conceitos tradicionais de ensino e educação, propondo uma nova escola, baseada

7 Terapia Centrada no Paciente. Moraes Editores. Lisboa, 1974.8 Livraria Martins Fontes Editora.

em novas atitudes, de não-diretividade no ensino e auto--percepção na aprendizagem. Ali já era profetizado o fim das salas de aulas tradicionais e da relação vertical entre mestre e alunos que vêm marcando a crise e a transformação da edu-cação contemporânea. Essa coincidência de propostas entre Armond, Rogers e outros pensadores se tornaria muito mais profunda ao mesmo tempo dentro e fora do movimento espí-rita, quando um grupo de alunos da 7ª turma de Aprendizes do Evangelho, da Feesp, fundaram, em São Paulo, em 1962, o Cvv – Centro de Valorização da Vida, conhecido órgão de pre-venção do suicídio. Esse grupo também assimilaria no decor-rer dos anos as técnicas de auto-reformulação de valores, unindo as ideias de Rogers, a proposta de Edgard Armond e a experiência do reverendo anglicano e psicólogo Chad Varah,9 criador dos “Samaritanos” de Londres. Nada disso aconteceu de forma brusca, mas natural e gradualmente, como uma busca constante de soluções práticas para resolver problemas operacionais de treinamento e assimilação dos seus estudos. Com o passar dos anos, as peças foram se encai-xando, à medida que os problemas iam surgindo no grupo. O Cvv

10 progrediu muito nessa nova experiência e não mediu esforços para sustentar o seu caráter laico e concentrar-se na sua essência humanista, abrangente a um número muito mais amplo e significativo de pessoas que para ali foram atraídas para doar amizade ou buscar ajuda e também para superar seus limites pessoais. É um trabalho institucionalmente não religioso, porém riquíssimo em espiritualidade.

Também dessas experiências humanistas do Cvv, sem direcionamento sectário, 40 anos depois, surge uma nova proposta educativa, o “CrC – Caminhos de Renovação Contínua”, um programa de fundação de núcleos voltados para a prática em grupo do conceito rogeriano de vida plena.11 São reuniões informais de ajuda mútua, em molde muito semelhante aos grupos de Alcoólicos e Neuróticos Anônimos, onde são abordados diversos temas de interes-se existencial, sem a ênfase teórica, realçando-se os relatos de experiência dos participantes. O CrC é um herdeiro da Escola de Aprendizes, mais direcionado a pessoas de todas as religiões e concepções filosóficas. O objetivo primordial é a educação pelo auto-conhecimento e a conseqüente transfor-mação moral, realizada de forma mais simples e espontânea. A simplicidade do CrC causa um certo desconforto num pri-meiro momento, pois todo o processo está centrado no grupo, não havendo necessidade de dirigentes e expositores. Os temas foram sintetizados em conceitos que são verbalizados emocionalmente segundo o ponto de vista vivencial e a regra 9 The Samaritans in the 70’s – Cvv – Brasília.10 CVV — Manual do Voluntário e CVV 25 anos: Uma Proposta de Vida, Editora Aliança.11 Tornar-se Pessoa. Carl R. Rogers. Martins Fontes.

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Escola de Aprendizes do Evangelho - Aliança Espírita Evangélica (8ª turma/GEAEL) 7

fundamental para o participante é falar mais o que sente e não que pensa. O pensamento e o raciocínio muitas vezes mentem e escondem a nossa realidade pessoal. A reunião é claramente estruturada nos fundamentos de grupos terapêu-ticos, onde o líder desaparece ou se confunde com o próprio grupo. Quem está acostumado com relações verticais, dirigin-do ou sendo dirigido, tem dificuldade para assumir a respon-sabilidade de participar e conduzir sua própria experiência. Outra marca interessante do CrC é que o processo não possui pré-requisitos de aprendizagem: os temas são abordados em sistema de rodízio, no qual o participante fala e ouve sobre um determinado assunto e muitas vezes muda seu ponto de vista apenas observando enfoques que nunca imaginava existir. Um dos temas que mais repercutem em forma de depoimentos é o problema da vida futura e da imortalidade, bem como outros discretamente extraídos da codificação e de filosofias espiritualistas de grande credibilidade: as leis de ação e reação, trabalho, justiça, livre-arbítrio, igualdade, evolução etc. A transformação moral dos participantes do CrC é uma conseqüência inevitável e inconfundível porque se trata de uma aprendizagem mais emocional do que racional sendo, portanto, mais autêntica e mais difícil de camuflar pelas aparências.

Recordando a história do cristianismo, a clareza e obje-tividade do conceito de “arrependimento”, proposto primei-ramente pelo profeta João Batista, era o mesmo praticado na iniciação dos essênios e mais tarde levado a público por Jesus; ele foi revivido pelos espíritos e por Allan Kardec, com a cultura da regeneração moral, e sistematizado na década de 1950 por Armond.12 Apesar de ser um tema banalizado pelos adeptos das igrejas cristãs e tradicionalmente ridicularizado pelos céticos, trata-se essencialmente do mesmo conceito de “Vida Plena” proposto por Rogers. Carl Rogers nunca ouviu falar de Edgard Armond, nem deve ter lido uma única linha da codificação. Nem Armond deve ter ouvido falar de Rogers, supomos. Suas ideias não têm nada a ver diretamente com o espiritismo no aspecto restrito que normalmente se dá ao conteúdo doutrinário. Mas é uma referência científica que confirma e amplia os ensinamentos dos espíritos. Na obra A Conspiração Aquariana, a pesquisadora norte-americana Marilyn Fergson inclui Rogers na geração de inteligências revolucionárias responsáveis pela formulação dos novos paradigmas científicos e sociais que iriam marcar a transição do século XX para o XXI.13 Somente no fim da sua existên-cia, no final da década de 1970, ao acompanhar o desencarne da esposa é que Rogers ouviu falar de espíritos;14 presenciou contatos, ouviu alguns relatos e identificou a presença deles, demonstrando grande simpatia e interesse em estudar o

12 Harpas Eternas, pelo espírito Hilarion de Monte Nebo, psicografia de Josefa Rosália Luque Alvarez, Editora Pensamento. Hilarion é o líder da Fraternidade dos Essênios.13 “Uma poderosa rede, embora sem liderança, está trabalhando no sentido de provocar uma mudança radical nos Estados Unidos. Seus membros romperam com alguns elementos-chave do pensamento ocidental. E até mesmo podem ter rompido com a continuidade da história”. Página 23. Editora Record. Ver o item o Espiritismo e o futuro da humanidade, capítulo V. 14 “Reflexões sobre a morte” e “Vivendo o processo de morrer”, in Um jeito de Ser. Ver o texto citado no posfácio deste livro.

assunto. Escreveu e publicou corajosamente essa experiência, declarando que tinha consciência das graves repercussões que isso teria na sua imagem no mundo acadêmico. Contudo, foi coerente com a sua sólida e influente formação cristã na infância e na juventude, equilibrada pela experiência acadê-mica e científica. Carl Rogers foi, sem dúvida nenhuma, um espírito missionário. Isso transparece na sua experiência de vida, nos seus escritos, na profunda confiança e respeito que revela pela natureza humana, mas, sobretudo, no impacto positivo que as suas teorias tiveram na sociedade pós-moder-na. Isso prova que os conceitos espíritas não se restringem apenas às manifestações que ocorrem no movimento espírita. Se assim fosse, o planeta estaria estagnado, à espera de que toda a humanidade se convertesse ao espiritismo como opção ideológica.

Mas a grande novidade proposta por Edgard Armond foi instituir “escolas nos centros espíritas” e não “centros espí-ritas nas escolas”. Isso é uma importante distinção entre o espiritismo como vivência e o espiritismo como utopia. Allan Kardec superou esse obstáculo da utopia e gerou uma reali-dade social. Seus seguidores ortodoxos não conseguem fazer o que ele fez e repetem cansativamente, fora de época, o que foi feito com autenticidade no século XIX. Hoje muitos se frustram e chegam a pensar que abraçaram um ideal morto. Só não desistem porque são amparados pelos espíritos supe-riores nos momentos mais difíceis da suas interrogações ínti-mas. Léon Denis e Herculano Pires foram casos exemplares dessa visão admiravelmente idealista, produtiva no terreno intelectual, porém utópica e improdutiva no aspecto social. Armond, ao contrário, decidiu romper essa utopia criada pela mediocridade dos seguidores ortodoxos de Kardec. A expres-são “medíocre” não é no sentido pejorativo, mas comparativa à grande dimensão visionária e prática que o codificador tinha da doutrina. O diferencial dessa educação espírita ini-ciática, no aspecto filosófico, é a atualização, pela abertura, de antigas verdade espirituais, sobretudo pela dimensão pluralista das existências, o que a torna mais completa e flexível. No aspecto técnico ela desvenda a mente espiritual, transformando as hipóteses científicas das teorias educacio-nais em conhecimento real. Com o espiritismo as ideias sobre as fases de cognição e aprendizagem moral ganharam um significado mais claro e menos abstrato. Mas a ligação entre essas correntes e a educação espírita, com o diferencial da reencarnação e da mediunidade, não se restringe somente ao fato de aceitar ou não a doutrina dos espíritos, com as ideias da mente espiritual e das múltiplas existências. Somente um método objetivo e prático de ensino-aprendizagem é capaz de realizar essa fusão de conhecimentos. Nesse aspecto, a Escola de Aprendizes do Evangelho é uma experiência vanguardista.

Se o que Armond fez é certo ou errado, bom ou ruim, puro ou impuro, é uma simples questão de opinião ou ponto de vista doutrinário; mas que é uma reviravolta histórica, não há a menor dúvida. Segundo ele, a autoria dessa ideia de “vivência espírita” não foi sua, mas de espíritos ligados ao cristianismo primitivo, que sugeriram o estudo e adaptação

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8 103ª aula: Regras para educação, conduta e aperfeiçoamento dos seres

de técnicas de iniciação utilizadas pelos antigos essênios, con-tidas no “Manual de Disciplina”, descrito mediunicamente e descoberto mais recentemente entre os manuscritos do Mar Morto. Isso dificilmente poderia ter sido realizado em outra seara cristã senão no seio do movimento espírita religioso, ainda assim, com muitas reservas. É um dos grandes marcos históricos após advento da codificação e das lutas pioneiras pela organização do movimento espírita no Brasil. Observa-se que não há, realmente, nenhuma novidade doutrinária ou incompatibilidade de conteúdo com a doutrina espírita. Houve inovação no ponto de vista de quem observa a dou-trina. Todos os elementos praticados dentro dessas escolas foram extraídos de exemplos citados pela literatura espírita, de situações que são consideradas rotineiras nas comunidades espirituais, a maioria descritas por André Luiz: cerimônias de caráter místico e fraterno, imagens simbólicas de identifica-ção de grupos, cantorias musicais de temática evangélica etc. O que Armond fez foi inovar, em nosso tempo, na metodo-logia, ou no “como transformar” em realidade prática aquilo que Allan Kardec demonstrou nas suas caracterizações aqui citadas e também na prática do seu tempo. A palavra “inicia-ção”, tal como Kardec usou em Obras Póstumas, para relatar como chegou e se aprofundou no espiritismo, é um “processo” e não um simples fato inicial isolado e estanque, sem maiores conseqüências morais. Antes de Armond, essas diferenças ficavam apenas no plano teórico e doutrinário, restritas a pessoas incomuns; com ele, elas adquiriram um tratamento técnico-didático voltado para pessoas comuns, adquirindo dimensões realmente sociais. Meio século antes do apareci-mento das teorias das múltiplas inteligências, ou inteligência emocional, as Escolas de Aprendizes do Evangelho já faziam a distinção entre cérebro e mente, entre pensamento, ação e emoção. Na definição e exploração dos tipos de inteligência (musical, lingüística, espacial, lógico-matemática, cinestésico--corporal e pessoal), Armond propunha um mergulho nesta última, estabelecendo, em bases evangélicas e espíritas, uma relação prática entre a inteligência intra-pessoal e a inteligên-cia interpessoal. A harmonia ou, como observou Rogers,15 a solução do conflito “congruência versus a incongruência do Eu”, ou seja, “aquilo que Sou versus aquilo que eu quero Ser”, é um longo processo de reformulação de valores, ou reforma íntima, que precisa ser iniciado e perseguido durante toda a vida. As provas e expiações, ensinadas pelos espíritos, acon-tecem sempre nesse sentido.

É claro que nem todos os espíritas se identificam com essas propostas, exatamente porque somos, todos, diferentes na forma de entender, compreender e ainda vivenciar o espiri-tismo. Mas, não é porque não temos afinidade com tais ideias e experiências, que vamos negar que elas tenham o seu valor prático e histórico no movimento; e muito menos combatê-las ou agredi-las como se fossem “heresias” contra os “dogmas” kardecistas. Isso não significa que não deva sofrer críticas analíticas e comparativas, perfeitamente naturais em ambien-tes filosóficos abertos e não sectários. Ney Prieto Peres, cola-15 Carl Rogers: o homem e suas ideias. Richard I. Evans. Livraria Martins Fontes Editora.

borador de Armond e um dos fundadores da Aliança Espírita Evangélica e do Setor III16 da Fraternidade dos Discípulos de Jesus, elaborou um trabalho de comparação teórica e prática da Escola de Aprendizes do Evangelho com a codificação, mostrando em detalhes a perfeita sintonia dessa proposta com a doutrina espírita. O resultado foi o livro Manual Prático do Espírita,17 onde se estabelece logo de inicio a dife-rença entre doutrina e método de ensino doutrinário. Trata-se de uma adaptação metodológica sem os recursos ilustrativos das aulas de história, geografia, biologia, antropologia etc., que compõem o programa de aulas da iniciação. Não tem também os recursos cerimoniais iniciáticos utilizados por Armond, muito importantes na fixação vivencial dos concei-tos; o livro concentra-se apenas no aspecto teórico e exercí-cios dos processos de reformulação de sentimentos e atitudes. O trabalho de Peres foi prefaciado duas vezes por Edgard Armond, que não viu nenhum problema deste novo formato “segundo a doutrina espírita”, exatamente porque mantinha a essência da escola, que era a ênfase na ideia de reforma íntima. Mesmo assim, o assunto reforma íntima ainda é tabu no meio espírita e continua sofrendo restrições por alguns segmentos ou sendo tratado de forma superficial e banali-zada em outros tantos, provando que o obstáculo quanto à natureza da escola nunca foi de caráter doutrinário ou de pureza doutrinária e sim de capacidade emocional de assimi-lação dessas propostas. Depois de várias décadas de história ninguém, até este momento, se deu ao trabalho de estudar a fundo as estruturas das Escolas de Aprendizes do Evangelho como objeto científico educacional – sociológico antropológi-co – e tantas outras nuances culturais que ela traz embutidas no seu funcionamento. Pelo pouco que ainda conhecemos, e também através de conversas com pessoas idôneas e expe-rientes no setor, chega-se a uma conclusão muito simples: a escola de Armond é uma reprodução de muitas que existem há muito tempo no mundo dos espíritos, sobretudo nas colô-nias próximas da Terra e que se dedicam a adaptação dos desencarnados aos problemas da erraticidade. Só não haviam sido implantadas anteriormente porque, estando muito a frente do seu tempo, certamente seriam duramente rejeitadas, pela imaturidade e a mediana visão de mundo que marcava o movimento espírita nos primeiros tempos. Quem conhece a nossa história na França e no Brasil sabe do que estamos falando. Não devemos esquecer que até mesmo a simples ideia de escola intelectual era muito combatida; imagine então uma escola iniciática. Falar de reforma íntima naque-les tempos era uma postura de “religiosos”, uma verdadeira “heresia” aos postulados “científicos” do espiritismo.

Nova História do EspiritismoDalmo Duque dos SantosEditora do ConhECimEnto

16 A Feesp é considerado o Setor I e a Aliança Espírita Evangélica, fundada em 1973, é considerado o Setor II. São diferentes agrupamentos de atuação no movi-mento espírita e na própria Fdj, que possuem em comum a Escola de Aprendizes do Evangelho e a participação de seus membros na Fraternidade dos Discípulos de Jesus.17 Editora Pensamento.