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IV Seminário Internacional do NETPDH - "Formas contem- porâneas de trabalho escravo” Grupo de Trabalho 1A FORMAS CONTEMPORÂNEAS DE TRABALHO ESCRA- VO ELISABETE MANIGLIA GUSTAVO ASSED FERREIRA HELENA HENKIN COELHO NETTO PAULO CÉSAR CORRÊA BORGES (ORGANIZADORES)

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IV Seminário Internacional do NETPDH - "Formas contem-porâneas de trabalho escravo”

Grupo de Trabalho 1A

FORMAS CONTEMPORÂNEAS DE TRABALHO ESCRA-VO

ELISABETE MANIGLIAGUSTAVO ASSED FERREIRA

HELENA HENKIN COELHO NETTOPAULO CÉSAR CORRÊA BORGES

(ORGANIZADORES)

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IV Seminário Internacional do NETPDH - "Formas contem-porâneas de trabalho escravo”

FORMAS CONTEMPORÂNEAS DETRABALHO ESCRAVO

ELISABETE MANIGLIAGUSTAVO ASSED FERREIRA

HELENA HENKIN COELHO NETTOPAULO CÉSAR CORRÊA BORGES

(ORGANIZADORES)

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Conselho EditorialElisabete ManigliaGustavo Assed FereiraHelena Henkin Coelho NettoPaulo César Corrêa Borges

Comissão Científica

ALEJANDRO ROSILLO MARTI-NEZANA GABRIELA MENDES BRA-GA ANDRÉ L. COPETTI SANTOSANTÔNIO ESCRIVÃO FILHO CARLOS HENRIQUE GASPARO-TO CAROLINA COSTA FERREIRA DAVID SANCHEZ RUBIO DÉBORA REGINA PASTANA DIMITRI DIMOULIS EDIHERMES MARQUES COE-LHO EDUARDO SAAD DINIZELISABETE MANIGLIA ERICSON CRIVELLI ÉRIKA MENDES DE CARVALHOESTELA MÁRCIA RONDINA SCANDOLA GISELE MENDES DE CARVALHO

GLADSTONE LEONEL JUNIORGUILHERME G DE FIGUEREDO GUSTAVO ASSED FERREIRA GUSTAVO NORONHA DE AVI-LAIARA MARTHOS ÁGUILA ISIS D. M. ZORNOFF TABOASJAIR APARECIDO CARDOSOJULIO CESAR DE LIMA RIBEIROLUCIANA CAMPANELLI ROMEUMARCELLY FUZARO GULLOMICHELE CIA PATRICIA BORBA MARCHETTO PAULO CÉSAR CORRÊA BOR-GESSORAYA REGINA G. LUNARDITALITA TATIANA DIAS RAM-PIN TAYLISI DE S. CORREA LEITE VANESSA GOMES ZANELLA

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Contato: Av. Eufrásia Monteiro Petráglia, 900, Jd. Petráglia. CEP

14409-160, Franca/SP – [email protected]/[email protected]

Capa: Guilherme Vieira Barbosa

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Formas Contemporâneas de Trabalho Escravo./ElisabeteManiglia; Gustavo Assed Ferreira; ; Helena Henkin Coelho Netto;Paulo César Corrêa Borges.– São Paulo :NETPDH, 2015.

253p.

ISSN: 2236-1928

1. Formas Contemporâneas de Trabalho Escravo. 2. Es-cravidão no Campo. 3. Escravidão no meio urbano. 4. Sistema Capitalista. 5. Políticas Públicas.

CDD –

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SUMÁRIO

Apresentação

1 Conexões entre reforma agrária, segurança alimentar e o trabalhorural em condições análogas à escravidão no BrasilAna Carolina WolffElisabete Maníglia

2 Uma abordagem sociojurídica do trabalho escravo rural no Brasilcontemporâneo: novos contornos de um antigo problemaAna Cristina Alves de PaulaGabrielle Ota Longo

3 O trabalho análogo ao de escravo na indústria têxtil e de confec-ção no Brasil contemporâneo: análise jurídica de uma realidade alar-manteAna Cristina Alves de PaulaGabrielle Ota Longo

4 Políticas de combate às formas contemporâneas de trabalho escra-voBeatriz PolachiniGabriele Ariane Pinelli

5 Formas contemporâneas de trabalho escravo: a exploração sexuale a emenda constitucional nº 81/2014Felipe Rodrigues XavierGuilherme Bollini Polycarpo

6 Escravidão contemporânea rural brasileira e a função socialda propriedadeGabriela Gasparelli Ferreira

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Danilella Salvador

7 As cadeias produtivas e a terceirização: Um estudo da escra-vidão moderna por meio da sociologia de desvioGustavo Augusto de Bourbon

8 O conselho de segurança das nações unidas e as formas contempo-râneas de trabalho escravo: o caso birmânia/myanmarHeloisa Tenello Bretas

9 A escravidão pós-moderna: uma anátema socioeconômica contem-porânea.Helio Veiga JuniorPatricia Borba Marchetto

10 Formas de escravidão contemporânea: a falibilidade das po-líticas públicas brasileiras de recepção do estrangeiro comoferramenta na erradicação do trabalho escravo do imigranteIvo Gonçalves Mendes Teixeira

11 Gênese e desenvolvimento do capitalismo brasileiro em face aotrabalho análogo ao escravoJoão Victor Freire

12 O processo de corporate shaming e a escravidão contempo-râneaJoão Vítor Guimarães Ferreira

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APRESENTAÇÃO

A obra é o resultado de parte dos trabalhos enviados ao “IVSeminário Internacional do NETPDH - "Formas contemporâ-neas de trabalho escravo", realizado pelo Programa de Pós-Gradu-ação em Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais daUNESP e Núcleo de Estudos de Tutela Penal e Educação em Di-reitos Humanos (NETPDH) e co-realização: Fórum Paulista deProgramas de Pós Graduação, Faculdade de Direito de RibeirãoPreto (FDRP-USP), Faculdade de Direito de Franca (FDF), Gru-po Interinstitucional UNESP-UFRN-FDV-GV-UNIFOR, Uni-versidad de Sevilla, Universidad Autonia del Litoral, Red Iberoa-mericana de Investigacion de Formas Contemporaneas de Traba-jo Esclavo.

A proposta teórico-prática, de maneira geral, de constitui-ção de um Grupo de Trabalho intitulado “Formas Contemporâ-neas de Trabalho Escravo”, que proporcionaria publicação dostrabalhos apresentados oralmente em formato de anais, foi a dis-cussão dos diversos vieses que assume hoje no Brasil a escravidãocontemporânea dos/das trabalhadores/as, de forma a evidenciaras mazelas vivenciadas pelos seres humanos vítimas de mais umdos resultados do sistema de produção vigente em nossa socieda-de.

A coordenação deste grupo de trabalhos ficou a cargo daprofessora Drª Elisabete Maniglia, titular das disciplinas de Direi-to Ambiental e Direito Agrário da Faculdade de Ciências Huma-nas e Sociais “UNESP”- Campus de Franca, e do Professor Drº.Gustavo Assed Ferreira, titular da disciplina de Direito Adminis-trativo, na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universida-de de São Paulo, o que proporcionou uma possibilidade dialógica

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muito interessante dentre as áreas de domínio da coordenadora edo coordenador, com os temas dos trabalhos apresentados.

Certamente, a grande relevância entre o diálogo travado en-tre as diversas faces apresentadas do trabalho escravo deu-se naabordagem das duas principais facetas deste: a escravidão no cam-po e na cidade. A análise comparativa de como se dá o ciclo de es-cravização de vidas nestes dois universos, suas semelhanças e dife-renças, proporcionou a necessária visão holística e transdisciplinarda questão, de maneira a libertar o conhecimento das conhecidas“caixas” metodológicas a que estão acostumados/as os/as pesqui-sadores e pesquisadoras, principalmente da área do direito.

Nesse mesmo sentido, a denúncia do modelo político-eco-nômico - presente de forma geral na proposta do GT, e de formaespecífica em alguns dos trabalhos apresentados- como um para-doxo no enfrentamento à realidade do trabalho escravo situou oslimites entre as práticas políticas necessárias de maneira imediata eurgente, e a utopia a ser perseguida de por fim ao sofrimento hu-mano num sentido mais amplo e sistemático. Este delineamentopermite a escolha lúcida dos caminhos a serem percorridos, e a es-tratégia correta para tais.

Desta maneira, são postas em cheque as atuais políticas pú-blicas dispensadas à questão do enfrentamento do trabalho escra-vo no Brasil, suas previsões e prática real. Ao identificar os princi-pais pontos críticos elaboraram-se propostas mais próximas à rea-lidade, todas relacionadas ao enfrentamento da situação de vulne-rabilidade sócio-econômica das pessoas escravizadas, que as tenci-ona de diversas maneiras a permanecer em um ciclo de escraviza-ção. Além da pobreza extrema, foi diversas vezes ressaltado oenorme distanciamento entre imaginário das pessoas sobre a suacondição de vítimas e as pessoas que realmente tem seus direitoshumanos tutelados pelo Estado de Direito, evidenciando que uma

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grande parcela da sociedade, de certa forma, vivencia o não-direi-to.

Como é a intenção de todo exercício científico comprometi-do com intervenções substanciais em realidades de injustiça social,os trabalhos em geral não adotaram posturas fundadas em trazerrespostas, mas sim em suscitar questionamentos, mais novos eventilados com as demandas atuais. Qualquer pretensa definiçãode fórmulas e dogmas prontos seria contraditória em si, mas prin-cipalmente nesta questão - já que a contemporaneidade do traba-lho em condições de escravidão é suficientemente trágica em to-dos os seus vieses- seria absolutamente ineficiente. Felizmente,como se poderá conferir nos trabalhos a seguir, optou-se pelo li -near claro e específico e transformação social pautada no constan-te exercício dialético da teoria conectada à prática política.

Franca, UNESP outono de 2015.

Helena Henkin Coelho NettoPaulo César Corrêa Borges

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CONEXÕES ENTRE REFORMA AGRÁRIA, SE-GURANÇA ALIMENTAR E O TRABALHO RURAL EMCONDIÇÕES ANÁLOGAS À ESCRAVIDÃO NO BRA-

SIL

CONNECTIONS BETWEEN LAND REFORM, THEFOOD SECURITY AND RURAL WORK IN CONDITIONS

ANALOGOUS TO SLAVERY IN BRAZIL

Ana Carolina Wolffi

Elisabete Manigliaii

Resumo: O presente trabalho pretende apontar algumas conexões entre a segurança ali-mentar e o trabalho rural em condições análogas à escravidão no Brasil, de modo a evi -denciar a complexidade dessas questões na atualidade. Primeiramente, relaciona-se a po-breza e miserabilidade no campo com a estrutura fundiária brasileira. Em seguida, busca-se compreender um dos maiores medos daqueles que vivem em situações de necessidade,que é o medo de não ter como se alimentar e alimentar sua família. A partir dessas refle-xões, compreende-se que em estado de insegurança alimentar, o trabalhador rural fica àmercê da atuação de aliciadores de trabalho em condições análogas à escravidão, que seaproveitam de uma necessidade humana básica não saciada, no caso, o alimento, para reti-rar o que resta da dignidade dessas pessoas. Além de relacionar a segurança alimentarcom as causas do trabalho em condições análogas à escravidão, ainda se analisa essa rela-ção no momento posterior ao aliciamento, principalmente em relação à dívida de alimen-tação e à privação de alimentação adequada e de água potável constatadas repetidamentenas denúncias de trabalho em condições análogas à escravidão. Aponta-se como essasquestões vêm sendo debatidas nas Conferências Nacionais de Segurança Alimentar e Nu-tricional, de modo demonstrar que o enfrentamento da chaga do trabalho em condiçõesanálogas à escravidão depende de uma visão integrada do Poder Público, inclusive docomprometimento deste com a garantia da Segurança Alimentar e Nutricional para todosos brasileiros.Palavras-chave: segurança alimentar e nutricional; trabalho em condições análogas à es-cravidão; reforma agrária.

Abstract: This paper aims to set out connections between food security and rural work inconditions analogous to slavery in Brazil, in order to highlight the complexity of these is-sues today. First, relate poverty and misery in the field with the Brazilian agrarian struc-ture. Then try to understand one of the greatest fears of those who live in situations ofneed, which is the fear of not having to feed themselves and their families. From theseconsiderations, it is understood that in a state of food insecurity, rural worker is at themercy of labor recruiters of work in conditions analogous to slavery, which take advan-tage of a basic human need not satisfied in the case, the food, to remove what remains ofdignity. In addition to listing the food security on the causes of work in conditions analo-gous to slavery, still analyze this relationship in later time to grooming, especially in rela-tion to debt for food and deprivation of adequate food and drinking water found repeat-edly in reports of work in conditions analogous to slavery. We show how these issues are

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being debated in the Nationals Food Security and Nutrition Conferences in order todemonstrate that the confrontation of the work in conditions analogous to slavery dependson an integrated vision of the government, including the commitment of this with theguarantee of food and nutrition security for all Brazilians.Key-words: food and nutrition security; work in conditions analogous to slavery; land re-form.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende evidenciar que existem cone-xões entre o trabalho em condições análogas à escravidão, a refor-ma agrária e a segurança alimentar. Observa-se que a concentradaestrutura fundiária permite a manutenção de desigualdades sociaisque resultam em situações de miserabilidade e a vulnerabilidade detrabalhadores rurais que, privados de condições básicas como a ali-mentação, sujeitam-se à condições indignas de trabalho. Ou seja,diante da falta de meio para sua subsistência, propaga-se uma reali-dade de fome e de insegurança alimentar no campo, de modo que otrabalhador rural encontra formas de sobreviver, ainda que isso nãosignifique uma vida digna para si e sua família.

Além disso, a relação entre os temas encontra-se também nasconstantes denúncias da não garantia de alimentação adequada aostrabalhadores encontrados em situação análoga à escravidão. Mui-tos assumem dívidas de alimentação que os aprisionam na situaçãode indignidade. Além disso, as situações de afronta ao direito à umaalimentação adequada e à água potável são recorrentes.

Assim, o presente trabalho propõe-se a uma análise da interli-gação entre temas que não pode ser ignorada na elaboração e im-plementação de políticas públicas que busquem o desenvolvimentono campo, um campo livre da pobreza, da fome e da insegurançaalimentar e da chaga do trabalho em condições análogas à escravi-dão.

1. A ESTRUTURA FUNDIÁRIA BRASILEIRA E O TRA-BALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À ESCRAVIDÃO

Apesar dos importantes avanços constitucionais visando àproteção da dignidade do trabalhador rural, como a igualdade dedireitos aos trabalhadores urbanos e rurais, a função social da pro-priedade rural e a desapropriação decorrente de trabalho em condi-

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ções análogas à escravidão, além da elaboração de dois Planos Na-cionais para Erradicação do Trabalho Escravo, em 2003 e 2008, aluta pela verdadeira abolição do crime de trabalho em condiçõesanálogas à escravidão ainda não foi totalmente vencida.

As conquistas sociais nem sempre desenvolvem força jurídicasuficiente, diante dos fatores econômicos, políticos e sociais que asnegam. Isso acontece porque não está somente na lei e na teoriza-ção das políticas públicas a concreticidade das relações sociais nocampo brasileiro, mas na mentalidade de propriedade rural absolutae de poder de dominação dos fazendeiros, construída durante a eracolonial, que perpassa enraizada em toda a nossa sociedade, perpe-tuando a prática do trabalho escravo contemporâneo no campo bra-sileiro.

A forte relação entre propriedade da terra e poder resultou naconcentrada estrutura agrária brasileira que permite a violênciacontra o trabalhador rural, que se manifesta não só no aprofunda-mento do processo de expropriação do camponês, forçado a deixaro campo em busca de refúgio na periferia de grandes cidades, comotambém na repressão aos movimentos sociais de luta pela terra quetentam construir uma democracia no campo. Dessa forma:

(...) o trabalho escravo no Brasil deve ser entendidocomo um elemento da estrutura agrária, marcada porrelações sociais violentas e opressoras construídasem nossa história. Não se trata de um crime perdidono tempo, mas que ocorre estruturalmente e comcaracterísticas próprias de nosso atual contextopolítico, econômico e social. (SALINAS, 2004, p.5).

Por essas razões, não se pode combater o trabalho em condi-ções análogas à escravidão apenas como um crime pontual no Bra-sil. Trata-se, na verdade, de um problema estrutural da sociedadebrasileira que não pode ser erradicado sem mudanças profundas naconcreticidade de nossas relações sociais e em nossa própria men-talidade.

Assim, entende-se que a erradicação do trabalho escravo con-temporâneo depende, fundamentalmente, da desconstrução da es-trutura agrária e do projeto de exploração da terra e do homem de-senvolvido pela elite agrária brasileira, através de uma ReformaAgrária efetiva, que consolide a democracia no campo, repartindo

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terras e garantindo direitos.Nesse sentido, algumas ações elencadas no II Plano Nacional

para Erradicação do Trabalho Escravo, elaborado em 2008, revelaque o governo federal brasileiro reconheceu a relação entre a Re-forma Agrária e o combate ao trabalho em condições análogas à es-cravidão no país, destacando-se:

Ação n. 32 – Implementar uma política de reinserçãosocial de forma a assegurar que os trabalhadores lib-ertados não voltem a ser escravizados, com ações es-pecíficas voltadas a geração de emprego e renda, re-forma agrária, educação profissionalizante e reinte-gração do trabalhadorAção n. 33 – Priorizar a reforma agrária em mu-nicípios de origem, de aliciamento, e de resgate detrabalhadores escravizados.Ação n. 65 – Investigar sistematicamente, e divulgaros resultados a cada seis meses, da cadeia dominialde imóveis flagrados com trabalho escravo e, even-tualmente, retomar as terras públicas e destiná-las àreforma agrária.Ação n. 66 – Desenvolver propostas normativas,rotinas e estratégias administrativas conjuntas paraaprimorar a ação fiscalizatória sobre os imóveis comsuspeita de trabalho escravo e para desapropriá-lospara a reforma agrária e quando caracterizado odescumprimento da função social, em razão da vio-lação grave das normas trabalhistas.(Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Es-cravo, 2008).

Entretanto, no Brasil sempre houve um arremedo de reformaagrária passando sempre pela vertente de políticas muito mais decolonização e assentamentos do que por uma mudança na estruturaagrária. Claus Germer (2007, p.42) assegura que o objetivo funda-mental da reforma agrária é desconcentrar a riqueza no meio rural.Como a terra é a forma fundamental de riqueza no meio rural, a re-forma agrária consiste no processo de redistribuição da propriedadeda terra, de preferência em uma forma coletiva ou associativa.

Não consiste a reforma agrária em aumentar a produtividadecom o enriquecimento da burguesia do agronegócio, mas em pro-mover os assentados em terras férteis, permitindo a eles acesso aosmeios de infraestrutura e crédito de tal sorte que possam concorrer

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diretamente em toda produção rural. Sendo assim, a reforma agrá-ria deve restabelecer o sentido social e econômico de redistribuiçãode terra com políticas agrícolas que permitam o acesso aos meiosprodutivos, com apoio técnico creditício e contábil da mesma for-ma que o Estado tradicional fornece aos empresários do agronegó-cio.

Antonio Carlos Mares de Souza Filho (2007, p.78) consideraque o que Brasil vem chamando de reforma agrária é na verdadecolonização sem dar condições reais aos rurais de promover a ativi-dade econômica de forma afetiva, resultando em fracassos que nãoraros são atribuídos de forma equivocada aos próprios assentados eà ineficácia da reforma agrária.

Em geral, são jogados os assentados em regiões sem estruturade transporte, sem escoamento de produção, em terras de baixa fer-tilidade e ainda de forma individual. São na maioria pessoa sem co-nhecimento entre si, com pouco nível educacional, sem condiçõesde cumprir a função social da terra, o que ocasiona uma agriculturade miséria, quando muito para a sobrevivência, consequentemente,observa-se o abandono desta terra ou a transformação desta em ob-jeto futuro de negociação, reconcentrando-se novamente a proprie-dade fundiária e voltando ao desequilibro anterior.

No Brasil, para haver sucesso na política de reforma agrária,mudanças substanciais deveriam ocorrer, partindo de uma políticapública que em assentamento promovesse condições coletivas deexploração da terra mantendo cooperativas que se mantivessemcom crédito rural farto, porém controlado seriamente e voltado paraa produção de alimentos com apoio financeiro e técnico, inclusive,com um racional planejamento público de produção e comercializa-ção destes alimentos sem se deixar contaminar pelas regras capita-listas do campo.

Muito embora a reforma agrária tenha o apoio constitucional,com a exigência do cumprimento da função social desde os temposde Estatuto da Terra, também é sabido que os entraves para a reali-zação desta reforma agrária perpassa não apenas a ausência de ver-bas para o pagamento das indenizações, como também pelo crivolegal que determina que a propriedade produtiva não deva ser desa-propriada, o que gera um grande imbróglio político-legal que, como apoio do Poder Judiciário, sempre faz prevalecer uma respostanegativa à desapropriação.

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Há de se amadurecer a questão da função social, da com-preensão da luta social e do valor da terra para se instalar no Brasiluma verdadeira reforma agrária que permita o verdadeiro fim damiséria no campo e, consequentemente, do trabalho em condiçõesanálogas à escravidão.

2. SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL E APREVENÇÃO DO ALICIAMENTO DE TRABALHADORESEM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À ESCRAVIDÃO

Conforme apontado, numa reflexão sobre as causas destachaga brasileira que é o trabalho em condições análogas à escravi-dão, não podemos ignorar a questão da falta de distribuição de ter-ras no Brasil. O fato é que, sem terras, desempregados e, portanto,incapazes de sustentar a si mesmos e a suas famílias, os trabalhado-res rurais se submetem à exploração, aceitando os riscos de caíremem situações desumanas de vida e de trabalho. Vulnerável, o ho-mem do campo permite que seu suor e esforço seja sugado por ex-ploradores, que se aproveitam dessa condição estrutural do paíspara obter altas margens de lucro às custas da dignidade alheia:

É alta a correlação entre pobreza e trabalho forçado.Trabalhadores em regime de servidão estão semdúvida entre os 552 milhões de pessoas pobres noSul da Ásia. Há amplo consenso na literaturaacadêmica de que os trabalhadores se envolvemmuitas vezes em contratos de trabalho em servidãopara fugir à extrema pobreza ou à fome. Dados daOIT mostram que os trabalhadores em regime deservidão continuam pobres (OIT, 2005, p.34).

Nesse sentido, Gulnara Shahinian, Relatora Especial da ONUsobre Formas Contemporâneas de Escravidão, afirma que a con-centração de terras, traço marcante do meio rural brasileiro, é umadas causas estruturais do trabalho escravo que persiste em nossopaís:

Intrinsecamente associada à pobreza, a questão daconcentração de terras – que afeta o Brasil como umtodo e particularmente os Estados de origem de tra-balhadores rurais em situação de escravidão – é tam-bém uma causa estrutural do trabalho escravo. Ela

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exacerba a pobreza, pois os trabalhadores são priva-dos do principal recurso que os permitiria sustentar-se e áreas rurais, qual seja, terra. Sem terra, a rendado trabalhador, normalmente baixa, torna-se seu es-teio em termos de sobrevivência (ONU, 2010, p.8).

Ou seja, diante de uma realidade de miséria e de privações, otrabalhador permite-se ser aliciado com propostas de trabalho queguardam em si a esperança de que sua condição precária de vidaseja alterada. Dentre essas privações, talvez a mais gritante, porquedói no corpo e na alma, é a privação da alimentação e da água potá-vel, condições básicas para a simples existência humana, quantomais para sua dignidade.

Nesse sentido, o fato é que a fome, consequência da falta deterra para plantar seu próprio alimento ou de renda para adquiri-lo,é também uma causa estrutural do trabalho escravo no Brasil. Semterra, sem renda e sem alimento, o trabalhador rural se sujeita àsmais degradantes condições de trabalho, ficando à mercê do cruel etriste mundo do trabalho escravo no Brasil.

Compreendendo-se que a alimentação é indispensável à vidahumana, bem como se percebendo que, muitas vezes, o próprio serhumano é responsável pela fome de seus semelhantes, surgiu o in-teresse social de identificação da alimentação adequada como umdireito do ser humano, oponível a todos que, de qualquer forma,prejudicam ou não colaboram com a satisfação de necessidade otão essencial (BEURLEN, 2008, p. 39).

Atualmente, entende-se que o direito humano à alimentaçãoadequada deve ser assegurado por meio de políticas públicas de Se-gurança Alimentar e Nutricional (SAN). Segurança, numa acepçãorelacionada ao direito humano à alimentação adequada, traduz umaideia de garantia, de preservação, de proteção ou de reserva. Comefeito, segurança consiste na ação ou efeito de garantir-se a satisfa-ção de determinadas necessidades, e ao estado, qualidade ou condi-ção de estar-se livre de perigos e incertezas (GRASSI NETO, 2013,p. 47).

Para Renato Maluf, é pouco provável uma compreensão úni-ca a respeito de Segurança Alimentar e Nutricional. A diversidadede compreensões e conflitos nesse campo envolvem governos, or-ganismos interacionais, representantes de setores produtivos, orga-nização da sociedade civil e movimentos sociais, entre outros. Di-

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ferenças de visão não impedem, no entanto, a construção de con-sensos ou acordo, ainda que parciais, visando a implementar asações e políticas de SAN (MALUF, 2007, p.15-16).

Assim, a Segurança Alimentar e Nutricional trata exatamentede como uma sociedade organizada, por meio de políticas públicas,de responsabilidade do Estado e da sociedade como um todo, podee deve garantir o direito humano à alimentação adequada a todos.Assim, a alimentação adequada é um direito humano, e a Seguran-ça Alimentar e Nutricional para todos é um dever do Estado e res-ponsabilidade da sociedade (VALENTE, 2002a, p.40).

O Estado, então, deve prover, sem desculpas, a segurança ali-mentar de seus governados, exercendo sua responsabilidade deguardião das garantias individuais, da democracia e dos direitos hu-manos.

Num primeiro momento, a Segurança Alimentar, ainda nãoacrescida da qualificadora “nutricional”, visava à facilitação do co-mércio internacional, baseando-se em critérios de controle na pro-dução e inspeção dos alimentos, principalmente em razão da globa-lização econômica e do consequente incremento do comércio inter-nacional, acarretando o risco de propagar, à escala mundial e a umavelocidade sem precedentes, os mais variados perigos sanitários(ESTORNINHO, 2008, p.33).

Entretanto, essa noção restrita de Segurança Alimentar foiampliada internacionalmente e consagrada na Conferência Mundialsobre a Alimentação convocada pela Organização das Nações Uni-das para Agricultura e Alimentação (FAO), em 1974, diante da gravecrise alimentar que afligia principalmente os povos dos países emdesenvolvimento. Naquela ocasião, líderes mundiais entenderamque a crise alimentar era resultado de circunstâncias históricas, emespecial desigualdades sociais e, em muitos casos, do domínio es-trangeiro e colonial que continuava a impedir a plena emancipaçãoe o progresso desses países.

A “Declaração Universal sobre a Erradicação da Fome e MáNutrição” produzida durante a Conferência proclama que “(...) cadahomem, mulher e criança tem o direito inalienável de estar livre dafome e má nutrição a fim de desenvolver em pleno e de manter assuas faculdades físicas e mentais”, considerando-se inalienável odireito humano a não padecer dos males da fome e da má nutrição(BEURLEN, 2008, p. 47).

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A partir de então, a Segurança Alimentar passa a ser associa-da às questões relativas à produção agrícola, tornando-se um dostemas da Conferência Mundial sobre Reforma Agrária e Desenvol-vimento Rural realizada pela FAO, em 1979, cujas conclusões estãoreunidas na “Carta do Campesino”:

Convencida de que a reforma agrária é um fator de-cisivo do desenvolvimento rural e de que a melhoriaconstante das áreas rurais, no contexto da promoçãoda autoconfiança nacional e da construção da NovaOrdem Econômica Internacional, requer um acessomais equitativo e completo à terra, à água e a outrosrecursos naturais; ampla participação no podereconômico e político; postos de trabalho cada vezmais numerosos e mais produtivos; maior aproveita-mento da capacidade e da energia humanas; partici-pação e integração da população rural nos sistemasde produção e distribuição; aumento da produção, daprodutividade e da segurança alimentar para todos osgrupos e também a mobilização dos recursos inter-nos. (FAO, 1979, p.16)

O reconhecimento internacional da inter-relação entre os te-mas da reforma agrária, do desenvolvimento rural, da fome e do di-reito humano à alimentação significou que a Segurança Alimentarnão era apenas uma questão sanitária possibilitadora do comérciointernacional a partir da definição de padrões rígidos, mas umaquestão complexa de responsabilidade dos Estados Nacionais e dacomunidade internacional como um todo.

No Brasil, essa consciência de que a Reforma Agrária é fun-damental como medida preventiva ao aliciamento de mão de obraescrava foi reconhecida nos Planos Nacionais de para Erradicaçãodo Trabalho Escravo (2003 e 2008) e também no Plano do Ministé-rio do Desenvolvimento Agrário (MDA) e Instituto Nacional deColonização e Reforma Agrária (INCRA) para Erradicação do Tra-balho Escravo, de 2005.

As propostas do referido Plano estão dispostas em quatro ei-xos distintos. Com relação ao item “Diminuição da Vulnerabilidadee Prevenção ao Aliciamento”, o Ministério do DesenvolvimentoAgrário (MDA) e o Instituto Nacional de Colonização e ReformaAgrária (INCRA) decidiram priorizar os municípios de origem e dealiciamento de trabalhadores para direcionamento de suas políticas

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de Reforma Agrária e apoio à Agricultura Familiar. A ideia é que quanto mais desapropriação para fim de refor-

ma agrária, regularização fundiária, Programa Nacional de Fortale-cimento da Agricultura Familiar (PRONAF), assistência técnica eoutros programas voltados à melhoria de vida dos trabalhadores ru-rais, ou seja, quanto mais investimento em democratização do cam-po brasileiro, menos vulneráveis estarão os trabalhadores rurais aoaliciamento para a escravidãoiii.

Outra relação inevitável que se observa entre a SegurançaAlimentar e Nutricional e o trabalho em condições análogas à es-cravidão no século XXI está no uso de instrumentos pelos fazendei-ros como a manipulação de dívidas com a venda de alimentos, enas situações degradantes de escassez e de insegurança dos alimen-tos. Ou seja, esses trabalhadores não estão submetidos apenas aocerceamento da liberdade, mas a uma privação geral e total que in-clui a privação do direito à alimentação adequada (que inclui aágua potável) e, consequentemente, de um estado de SegurançaAlimentar e Nutricional, sem que haja uma saída para a sua situa-ção de indignidade.

O que pode tornar a situação ainda mais revoltante (se é queisso é possível) é quando o produto do trabalho em condições aná-logas ao escravo, que priva seu trabalhador de uma alimentaçãosaudável, é justamente um produto agrícola, que segue para compora mesa daquele que tem poder aquisitivo para adquirir seu alimen-to. Nesses casos, a dignidade de trabalhadores é sacrificadapara que outro tenha uma segurança alimentar e nutricional plena.

Não são raros os casos de denúncia de trabalho em condiçõesanálogas à escravidão na produção agrícola brasileira. Independen-temente do destino dessa produção, se para exportação ou para oconsumo interno dos brasileiros, trata-se de uma situação revoltantee que não pode ser tolerada.

É claro que o consumidor final desse alimento não tem meca-nismos de rastreamento suficientes que levem à ligação do alimen-to com a respectiva Fazenda que o produziu, nem mesmo se ela es-tiver inscrita na “Lista Suja” do trabalho escravo. Entretanto, não sepode deixar de lutar pelo direito de informação à esses dados, demodo que todos possam contribuir para o combate ao trabalho emcondições análogas à escravidão.

Ou seja, os consumidores que exigem informações sobre a

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origem dos produtos comprados exercem um papel importante nocombate à escravidão. Casos divulgados pela mídia, como RepórterBrasil e Brasil de Fato, apontam trabalho em condições análogas àescravidão na produção de morango, laranja, cebola, dendê, tomate,erva-mate, abacaxi, mandioca, maçã, entre outros.

3. A QUESTÃO DO TRABALHO NAS CONFERÊNCIASNACIONAIS DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIO-NAL

O primeiro Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nu-tricional (CONSEA) foi criado em 1993, mas foi logo extinto em1995, tendo alcançado êxitos limitados durante o breve período(MALUF, 2007, p.84). Foi a partir de 2003 que o CONSEA insta-lou-se com a estrutura que hoje se encontra, promovendo a articu-lação entre governo e sociedade civil na área da alimentação e nu-trição.

Em 2004, o CONSEA realizou a II Conferência Nacional deSegurança Alimentar e Nutricional (CNSAN)iv, com o tema: “Aconstrução da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricio-nal”, que aprovou o conceito de Segurança Alimentar e Nutricionalque veio a ser promulgado na Lei Orgânica de Segurança Alimen-tar e Nutricional (LOSAN), Lei n. 11.346/2006.

O texto da LOSAN sofreu alteração mínima, consistente naideia de que as práticas alimentares devam ser também cultural-mente sustentáveis. O conceito pode ser extraído do art. 3º da refe-rida lei:

A segurança alimentar e nutricional consiste na real-ização do direito de todos ao acesso regular e perma-nente a alimentos de qualidade, em quantidade sufi-ciente, sem comprometer o acesso a outras necessi-dades essenciais, tendo como base práticas alimenta-res promotoras de saúde que respeitem a diversidadecultural e que sejam ambiental, cultural, econômicae socialmente sustentáveis (BRASIL, 2006).

Definido o conceito de Segurança Alimentar e Nutricionalque deve ser adotado na elaboração e implementação das políticasde Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil, parte-se para aanálise de como o tema do trabalho vem sendo refletido nas Confe-

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rências Nacionais de Segurança Alimentar que vem sendo realiza-das, de modo a evidenciar a relação entre os temas e a necessidadede se ter ações integradas para solucionar os problemas existentes.

No que tange à II CNSAN, dentre suas propostas, aponta-separa aquela que diz respeito à aplicação rigorosa da legislação con-tra a grilagem de terras, desapropriação de terras agricultáveis enão exploradas e a expropriação de terras com exploração de cultu-ra ilícita, mão de obra infantil, degradação ambiental e trabalho es-cravo.

Além disso, outras propostas são: estimular a constituição deagroindústrias artesanais e familiares, inclusive dos pescados, pormeio do crédito, permitindo maior agregação de valor, geração derenda e trabalho no meio rural; incentivar o associativismo e coope-rativismo, fortalecendo as organizações dos agricultores familiares,agroextrativistas, assentados da reforma agrária, como fonte gera-dora de renda e de trabalho; e assegurar o acesso universal e perma-nente a alimentos de qualidade, prioritariamente, por meio da gera-ção de trabalho e renda e contemplando ações educativas.

Observa-se, assim que desde a II CNSAN, os especialistas notema da segurança alimentar reconhecem a importância das açõesno âmbito da terra e do trabalho, como aliados no desafio de reali-zação do direito humano à alimentação adequada.

Quanto à aplicação da lei de desapropriação, destaca-se a re-cente Emenda Constitucional n. 81 de 2014, que alterou o art. 243,de modo que as propriedades que se utilizarem de mão de ora es-crava ficam suscetíveis à expropriação confiscatória, sem direito àindenização:

Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qual-quer região do País onde forem localizadas culturasilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração detrabalho escravo na forma da lei serão expropriadase destinadas à reforma agrária e a programas dehabitação popular, sem qualquer indenização ao pro-prietário e sem prejuízo de outras sanções previstasem lei, observado, no que couber, o disposto no art.5º.

A III CNSAN, “Por um Desenvolvimento Sustentável comSoberania e Segurança Alimentar e Nutricional”, deu-se em 2007,na cidade de Fortaleza. Primeira Conferência realizada sob a égide

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da LOSAN, suas deliberações focaram nas diretrizes e prioridadespara a construção do Sistema Nacional de Segurança Alimentar eNutricional (SISAN) e para a formulação e implementação de umaPolítica Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN)para a realização do direito humano à alimentação adequada e dasoberania alimentar.

Nas suas diretrizes, destaca-se a criação de um sistema demonitoramento das empresas financiadas, junto ao Ministério deTrabalho e Emprego, da Previdência Social e do Meio Ambiente,para evitar o financiamento público de empresas promotoras decondições de trabalho infantil, precário, escravo e degradação domeio ambiente.

Sobre o tema, destaca-se a que o Ministério do Trabalho eEmprego tem mantido atualizada a chamada “Lista Suja” do traba-lho escravo, que se trata de um cadastro de pessoas físicas e jurídi-cas condenadas administrativamente por exploração do trabalho es-cravo.

Além dessa “Lista Suja”, um importante instrumento quepode fazer com que a exploração de trabalho escravo deixe ser um“negócio lucrativo” encontra-se na Resolução n. 3.876, de 22 de ju-nho de 2010, do Banco Central do Brasil que proibiu a concessãode crédito rural pelas instituições integrantes do Sistema Nacionalde Crédito Rural (SNCR) para pessoas físicas ou jurídicas inscritasno Cadastro de Empregadores que mantiveram trabalhadores emcondições análogas à de escravo instituído pelo Ministério do Tra-balho e Emprego, em razão de decisão administrativa final relativaao auto de infração.

Assim, uma vez comprovado o trabalho em condições análo-gas à de escravo num empreendimento agrícola, a concessão decrédito para essa pessoa física ou jurídica fica proibida. Trata-se,portanto, de uma das condicionalidades do crédito rural que impedeo financiamento público de quem se aproveita do trabalho em con-dições análogas ao escravo neste país.

A justificativa para esta resolução é mais do que evidente.Afinal, não se pode permitir que o dinheiro público seja usado parao desmatamento, financiando o trabalho em condições degradantesou análogas à escravidão. Entretanto, na prática, os conflitos de in-teresses não permitem o cumprimento de uma Resolução, por assimdizer, tão óbvia. De um lado, há a imposição de uma série de exi-

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gências e contrapartidas legais para a concessão do crédito rural; deoutro, os bancos públicos são lenientes e negligentes, fornecendo ocrédito sem apurar se o possível tomador preenche todos os requisi-tos.

No final do ano de 2014, uma liminar concedida pelo Supre-mo Tribunal Federal proibiu o governo federal de divulgar a “ListaSuja'' do trabalho escravo. Tratou-se de decisão do Ministro Ricar-do Lewandowski, em meio ao plantão do recesso de final do ano,atendendo à Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pelaAbrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias)(ADI 5209), que argumenta a inconstitucionalidade da “ListaSuja”.

Diante dessa decisão do Supremo Tribunal Federal, o CON-SEA manifestou-se a respeito, o que demonstra ainda mais a liga-ção entre os objetivos de Segurança Alimentar e Nutricional do Es-tado e a questão do trabalho escravo no Brasil. Assim, o CONSEApublicou duas Recomendações, em nome de sua atual PresidenteMaria Emília Lisboa Pacheco. A Resolução n. 005/2015 foi direcio-nada ao Ministério do Trabalho e Emprego, à Secretaria de DireitosHumanos da Presidência da República e à Advocacia Geral da União,para que estes mobilizassem ações para restabelecimento da lista sujado trabalho escravo:

Considerando a necessidade de promover a dig-nidade da pessoa humana e os valores sociais do tra-balho, conforme determina a Constituição Federal;Considerando a importância e a relação direta dotrabalho para com a garantia da segurança esoberania alimentar e nutricional; Considerandoque de 1995 a 2013 o Ministério do Trabalho e Em-prego resgatou 46.478 trabalhadores de condições detrabalho análogas a da escravidão e emitiu R$86,320 milhões em multas; Considerando que nosautos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº5209 o Presidente do Supremo Tribunal Federal,Ministro Ricardo Lewandowski, suspendeu osefeitos da Portaria Interministerial MTE/SDH nº 2,de 12 de maio de 2011, que estabelece as regras paraedição da lista do cadastro de empregadores que ten-ham mantido trabalhadores em condições análogas àde escravo; Considerando que o Banco Nacional deDesenvolvimento Econômico e Social e a CaixaEconômica Federal, entre outras instituições, em

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função da decisão liminar prolatada nos autos daAção Direta de Inconstitucionalidade nº 5209, nãotêm condições de consultar a “lista suja” do trabalhoescravo para fins de concessão de crédito a empre-gadores; Recomenda ao Ministério do Trabalho eEmprego, à Secretaria de Direitos Humanos daPresidência da República e à Advocacia Geral daUnião que encetem os esforços necessários para re-verter a decisão liminar proferida autos da Ação Di-reta de Inconstitucionalidade nº 5209, bem comoadotem as medidas administrativas necessárias pararestabelecer as restrições de crédito público a empre-gadores que submetem trabalhadores a condiçõesanálogas à escravidão, independente do desfecho daAção Direta de Inconstitucionalidade nº 5209. (grifonosso) (CONSEA, 2015).

A outra Recomendação, de n. 006/2015, dirigiu-se ao Supre-mo Tribunal Federal, recomendando que este revertesse a decisãoliminar proferida autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº5209, para que fosse restabelecida a “lista suja” do trabalho escra-vo. Em especial, considerou que o Poder Judiciário, em especial oSupremo Tribunal Federal, tem a missão institucional de tutela dosdireitos humanos e de garantia de eficácia concreta de todos os dis-positivos da Constituição Federal e que, ademais, o Poder Judiciá-rio não pode se colocar em uma posição de pura passividade quantoao combate ao trabalho escravo, devendo agir de forma propositiva,dentro do âmbito de sua competência, para referendar ações que vi-sem combater tal modalidade de inadmissível exploração dos sereshumanos.

Finalmente, três meses após a revogação da lista suja, o go-verno federal anunciou a edição de uma nova portaria interministe-rial que recria o cadastro de empregadores flagrados com mão deobra análoga à de escravo, utilizando a Lei de Acesso à Informaçãocomo amparo legal.

Retornando às disposições do Relatório Final da III CNSAN,destaca-se a Moção de apoio à ampliação do Programa de Alimen-tação do Trabalhador (PAT) aos trabalhadores das micros e peque-nas empresas, trabalhadores rurais e servidores públicos federais,estaduais e municipais. Nesse sentido, quanto às justificativas destaampliação. Destaca-se:

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Considerando que a alimentação é um direito hu-mano universal; Considerando que uma pessoa outrabalhador (a) tem melhores condições de trabalho,inclusive na prevenção de acidentes, se tiver comuma alimentação adequada; Considerando que numapolítica de segurança alimentar é imprescindível agarantia de uma boa alimentação no local de tra-balho, possibilitando dar as condições para que o tra-balhador desempenhe bem as suas responsabilidadeslaborais (CONSEA, 2007).

Além disso, entre as prioridades aprovadas pelos delegadosda III CNSAN, destaca-se: “gerar emprego e trabalho dignos, pro-movendo formas econômicas comunitárias, a cooperação, a econo-mia e comércio solidários” (CONSEA, 2007).

O texto do Relatório Final da III CNSAN faz uma breve con-textualização sobre a política econômica no Brasil, desde as políti-cas neoliberais que enfraqueceram os Estados nacionais para favo-recer a dominação dos interesses financeiros, contrários aos interes-ses da maioria da população até a política econômica ainda vigente,que restringe a ampliação de atividades econômicas geradoras deemprego de qualidade e de oportunidades de trabalho digno.

Nesse sentido, afirma que a lógica econômica predominantena economia brasileira limita os investimentos e a implementaçãodas políticas necessárias para a construção de estratégias de desen-volvimento que enfrentem as causas históricas da pobreza e da de-sigualdade social no Brasil. Além disso, torna o país fortemente de-pendente da exportação de produtos de baixo valor agregado,oriundos de modelos produtivos injustos, porque concentram os ga-nhos e a propriedade, e insustentáveis no uso dos recursos ambien-tais.

O texto aponta como alternativa o aprofundamento do pro-cesso recente de redução da desigualdade no País pela desconcen-tração da renda e da riqueza, com a expansão do mercado internonuma estratégia assentada na recuperação das rendas do trabalho epela promoção de pequenos e médios empreendimentos urbanos erurais.

Desta forma, a incorporação do objetivo da segurança ali-mentar e nutricional na definição da estratégia nacional de desen-volvimento deve contemplar a ampliação das possibilidades de ob-tenção de renda pela regularização e acesso à terra urbana e rural e

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à água, garantia ao trabalho digno e decente como condição para oacesso à alimentação adequada e saudável, com ações prioritáriasespecíficas para as famílias beneficiadas por programas de comple-mentação de renda e as que vivem em área de vulnerabilidade soci-al.

Dentre as propostas aprovadas destaca-se, em termos de tra-balho, a proposta n.3, n.20 e 32, respectivamente:

Priorizar as atividades geradoras de trabalhodigno e que promovam a distribuição da riqueza namedida em que ela é produzida, especialmente nasatividades relativas à produção, ao beneficiamento,ao armazenamento, à distribuição e ao consumo dealimentos. Incluir o fomento das diversas relações detrabalho digno, entre as quais a economia solidária,com garantia dos padrões socialmente acordados ebaseados em princípios constitucionais e de dire-itos humanos (grifo nosso) (CONSEA, 2007).

Priorizar a geração de trabalho digno e renda, pormeio do fomento das diversas relações de trabalho,inclusive as várias modalidades de associativismo,cooperativismo e autogestão. Tornar prioritárias,também, as iniciativas democráticas e de autogestãoda produção e da comercialização baseadas nosprincípios da economia solidária, assegurando o de-senvolvimento local sustentável, com apoio da vig-ilância sanitária local. A geração de renda deve asse-gurar condições adequadas de trabalho, remuner-ação básica compatível com as condições dignasde vida, proteção dos trabalhadores, seguridade emonitoramento das consequências da moderniza-ção na qualidade de vida dos trabalhadores e noambiente (grifo nosso) (CONSEA, 2007).

Criar mecanismos que ampliem o Programa de Ali-mentação do Trabalhador (PAT), visando incluir out-ros segmentos profissionais privados e públicos efortalecer as pequenas e microempresas. Implemen-tar os novos parâmetros nutricionais da Portaria In-terministerial 66/2006, baseados nos princípios deuma alimentação saudável e adequada e de direitoshumanos, garantindo o monitoramento da sua apli-cação, inclusive incorporando profissionais comcompetência para o acompanhamento técnico do

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programa, bem como o controle social através dosconselhos do trabalho e de SAN. Fortalecer a equipetécnica do Programa no âmbito do Ministério doTrabalho e Emprego, incluindo a destinação de re-cursos orçamentários para sua efetiva gestão e fiscal-ização. As refeições e/ou cestas de alimentosfornecidas através do PAT devem ser livres de con-taminação química, física e biológica, atender as ne-cessidades nutricionais de acordo com a atividadeprofissional exercida, respeitando as restrições ali-mentares e os valores étnico-sociais e culturais (grifonosso) (CONSEA, 2007).

Em 2011, realizou-se a IV CNSAN “Alimentação Adequadae Saudável: Direito de Todos”, na cidade de Salvador. Foi a pri-meira Conferência pós-emenda n.64/2010 que acrescentou o di-reito à alimentação no rol de direitos sociais do art. 6º da Cons-tituição Federal de 1988, assim, seu objetivo geral foi o de cons-truir compromissos para efetivar o direito humano à alimentaçãoadequada e saudável, além da promoção da soberania alimentar,por meio da implementação da PNSAN e do SISAN.

O Relatório Final desta Conferência criticou novamente omodelo de crescimento econômico acelerado no Brasil, que signifi-cou investimento e apoio quase exclusivos para a agropecuária emlarga escala, em um processo poupador de mão de obra que deter-minou a expulsão e migração de grandes contingentes populacio-nais, que sem acesso a terras para produzir, deslocou-se para as ci-dades superlotando-as, e pior, experimentando nos grandes centrosurbanos desemprego, baixos salários, informalidade das condiçõesde trabalho, pobreza, fome, exclusão do direito à propriedade daterra, moradia e saneamento básico.

Dentre as proposições aprovadas naquela ocasião, destaca-sea ampliação de geração de trabalho digno e renda por meio do for-talecimento das ações de qualificação profissional e social, e daelevação do valor do salário mínimo, acompanhadas da garantia eampliação de políticas públicas de fortalecimento da economia soli-dária, em especial para jovens e mulheres, por meio do fomento deformas e dinâmicas organizativas relacionadas ao associativismo,cooperativismo e autogestão e o fomento às finanças solidárias(fundos rotativos, bancos comunitários, cooperativas de crédito eoutros) e promoção do comércio justo e solidário; articulação com

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as políticas sociais para garantir às famílias em situação de vulnera-bilidade social o acesso à alimentação em quantidade suficiente, re-gularidade e qualidade para a melhoria da qualidade de vida; e ga-rantia e ampliação de políticas públicas de formação e capacitaçãovoltadas para a juventude com o intuito de assegurar a geração derenda e trabalho digno no campo e na cidade.

Como diretriz, estabeleceu-se também a promoção do acessouniversal à alimentação adequada e saudável, com prioridade paraas famílias e pessoas em situação de insegurança alimentar e nutri-cional. Nesse sentido, defendeu-se ser essencial dar continuidade àampliação progressiva do Programa Bolsa Família (PBF), articu-lando-o às políticas complementares e estruturantes que contribuampara a melhoria das condições de vida, para a emancipação social epara a garantia da segurança alimentar e nutricional.

Ainda neste Relatório, insiste-se na Reforma Agrária comomeio de promoção do abastecimento e estruturação de sistemasdescentralizados, de base agroecológica e sustentáveis de produção,extração, processamento e distribuição de alimentos.

A questão da alimentação do trabalhador também foi reforça-da, defendendo-se a ampliação o número de trabalhadores comacesso ao Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) e a ado-ção de princípios de alimentação adequada e saudável e direitos hu-manos nas refeições e/ou cestas destinadas aos trabalhadores, a par-tir de composição nutricional estipulada por lei, respeitando os por-tadores de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e as neces-sidades alimentares especiais. Houve também uma preocupaçãocom a Educação Alimentar e Nutricional no contexto do PAT.

De uma forma geral, observa-se nos Relatórios Finais dasConferências Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional a in-terconexão de temas como trabalho e renda, relações de trabalho,relações de trabalho cooperativas, economia solidária, qualificaçãoprofissional, alimentação do trabalhador, crédito, finanças solidá-rias, comércio justo e solidário e combate ao trabalho escravo.

Ou seja, fica claro que para os especialistas do tema, a pro-moção da segurança alimentar e nutricional não se restringe a umacalculadora de calorias ou a uma questão sanitária, sendo essencialquestionar o próprio modelo de desenvolvimento nos seus compo-nentes que geram pobreza, concentração de riqueza, degradação doambiente e afrontas à dignidade da pessoa humana.

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UMA ABORDAGEM SOCIOJURÍDICA DO TRABALHO ES-CRAVO RURAL NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: NOVOS

CONTORNOS DE UM ANTIGO PROBLEMA

Ana Cristina Alves de Paulav

Gabrielle Ota Longovi

Resumo: O presente estudo objetivou analisar os instrumentos de combate ao trabalho es-cravo contemporâneo, examinando as políticas públicas, as normas fundamentadoras e osaspectos paradoxais da realidade brasileira. Tratando-se, aparentemente, de algo distanteda atual realidade mundial, bem como da brasileira, o cerceamento da liberdade dos indi-víduos e a sua redução à condição análoga à de escravo não está restrito a um tempo lon-gínquo, nem mesmo à configuração de um cenário distante, que era estudado em livros deHistória. Esta prática, embora camuflada, faz-se presente, com significativa frequência nomundo atual, e, por esta razão, caberá ao presente trabalho analisar o atual panorama doBrasil no que tange ao crime de redução à condição análoga à de escravo no âmbito rural,previsto no Código Penal brasileiro, em seu artigo 149. A pesquisa possibilitou observarque a perpetuação do trabalho escravo contemporâneo não se dá por insuficiência de nor -mas, mas sim em razão de sua aplicação ineficiente por parte do Poder Público.Palavras-chave: trabalho escravo rural contemporâneo; dignidade da pessoa humana; cri-me de redução à condição análoga a de escravo; instrumentos de combate ao trabalho es-cravo.

Abstract: This study aimed to analyze the instruments to combat modern slavery, exam-ining public policies, fundamental standards and paradoxical aspects of Brazilian reality.Since this is apparently something away from the current global reality, and the Brazilian,the restriction of freedom of individuals and their reduction to the condition analogous toslavery isn’t restricted to a distant time, not even to setting up a distant scenario, whichwas studied in history books. This practice, though hidden, is present, with significant fre-quency in today's world, and for this reason, the present study pretends to analyze the sta-tus of Brazil in relation to the reduction of crime to the condition analogous to slavery inrural areas, provided in the Brazilian Penal Code, article 149. This research allowed to ob-serve that the perpetuation of modern slavery isn't by the lack of standards, but because ofthe inefficient implementation by the Public Power.Key-words: contemporary rural slave labor; human dignity; crime of reduction to a con-dition analogous to slavery; instruments against slave labor.

INTRODUÇÃO

O presente estudo visa realizar uma abordagem sociojurídicado trabalho escravo contemporâneo praticado no meio rural do Bra-sil, analisando quais os fatores jurídicos que contribuem para a per-petuação dessa forma degradante de exploração de mão de obra.Trata-se de uma questão importante por se inserir numa esfera in-terdisciplinar, como ponto de encontro do Direito Agrário, Direitodo Trabalho, Direito Constitucional e do Direito Penal. Sem a pre-tensão de esgotar a matéria, trabalhar-se-á com a realidade normati-

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va e social brasileiras. O tema foi escolhido com base em critériosde relevância (tanto fática quanto jurídica) e da sua oportunidade econtemporaneidade, vez que a atual forma de exploração escravada mão de obra humana ganhou novos contornos, revelando-secomo grave ofensa à lei penal, aos direitos trabalhistas e civis quegravitam em torno da dignidade da pessoa humana.

Optou-se pelo título trabalho escravo contemporâneo no meiorural para discerni-lo do trabalho escravo comercial praticado noBrasil colônia, em que os índios e, posteriormente, os negros, eramvendidos pelos portugueses, com permissão da Coroa, aos agricul-tores e donos de minas. Os métodos utilizados são o dialético ecrítico-reflexivo, que melhor conduzem à compreensão do proble-ma e a avaliação das relações entre o que se pode determinar de ummodelo internacional de erradicação do trabalho escravo e aquiloque efetivamente o Brasil tem feito acerca da questão.

De acordo com a coordenadora do Núcleo de Enfrentamentoao Tráfico de Pessoas do Estado de São Paulo, Juliana FelicidadeArmedevii, em São Paulo, a maioria dos trabalhadores escravizadosencontra-se na área rural, já que, não obstante haja estados muitoricos no Brasil, são estes empobrecidos em políticas públicas. Nomeio rural, o trabalho escravo é expressivo tanto em pequenas pro-duções quanto em grandes. Os diversos problemas existentes acen-tuam-se, ainda mais, em decorrência de um perfil de produção quenão garante isonomia às pessoas, permitindo a concomitância dogrupo explorador e do explorado. Neste contexto é premente a ne-cessidade de estruturas econômicas capazes de acompanhar os pro-blemas sociais.

1. BREVES NOTAS SOBRE O TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL

O período histórico em que vigorou no Brasil a escravidão le-

gal é uma mancha na memória nacional, expondo um Estado quegarantia legalmente que um ser humano pudesse ser dono de outro,equiparando-o a um objeto ou a um animal. O trabalho escravo“oficialmente” encontrou seu fim no sistema legal brasileiro com apromulgação da Lei Áurea, que em 1888 decretou o fim do direitode propriedade de uma pessoa sob outra, o que não impediu quenovas formas contemporâneas de escravidão existissem na atuali-dade, caracterizadas pela supressão de dignidade e/ou pelo cercea-

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mento da liberdade do trabalhador.Na manifestação atual do problema, não há mais a ideia de

propriedade de uma pessoa sobre a outra, mas sim o aproveitamen-to da situação de vulnerabilidade de sujeitos que, sem acesso à edu-cação, moradia e empregos formais, aceitam as piores formas decondições de trabalho, que lhe retiram sua dignidade. A escravidãotambém se traduz no exercício de trabalho em condições degradan-tes, seja pelo ambiente inadequado e perigoso, pelo exercício detrabalho forçado, por jornadas excessivas e desrespeito a direitostrabalhistas, entre outras violações. O trabalhador submetido ao tra-balho escravo não mais está preso ao local de trabalho por grilhõese correntes, mas sim a outros mecanismos que são usados para im-pedir que deixe o serviço.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima quepelo menos 21 milhões de pessoas em todo o globo estejam emcondições de escravidão. Somente no ano de 1995 o governo brasi-leiro reconheceu internacionalmente a existência do trabalho escra-vo no Brasilviii. Desde então, o país vem desenvolvendo uma sériede estratégias e instrumentos para combater essa prática, que aviltaa dignidade da pessoa humana. Entre 1995 e 2012, o Sistema Públi-co de Combate ao Trabalho Escravo, do governo federal, registroua libertação de mais de 43 mil pessoas submetidas a trabalho escra-vo e degradanteix. Portanto, toda a forma de trabalho forçado é tra-balho degradante, mas a recíproca nem sempre é verdadeira. O quediferencia um conceito do outro é a questão da restrição da liberda-de.

Conforme as palavras de José Augusto Rodrigues Pinto, cita-do por Lília Leonor Abreu e Deyse Jacqueline Zimmermann,

a escravidão é um estigma genético e atávico daHistória nacional (...) No ocaso do século XIX, de-spida de sua veste mais cruel, a escravidão escon-deu-se e continua agora escondida atrás das más-caras da insuficiência econômica, da desvalia sociale da rusticidade inculta, a exaurir o trabalhador pelaexploração da energia pessoal em nível de trata-mento animalescox.

Trata-se de uma realidade preocupante e concreta que precisaser analisada e combatida porque agride a honra do trabalhador,corrói sua individualidade e cerceia sua liberdade, mantendo-o em

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condições degradantes de exploração de trabalho. A negação dosdireitos sociais básicos leva esses indivíduos a submeterem-se acondições aviltantes por total ausência de alternativa para sua so-brevivência, o que remete diretamente ao descumprimento da fun-ção social da propriedade rural que deve, segundo a principiologiaconstitucional vigente, oferecer condições de vida digna aos traba-lhadores da terra e os que nela residem (arts. 186, incs. III e IV,CF), além de atender todos os ditames trabalhistas (art. 7º, CF). OPoder Judiciário não pode se manter omisso frente às novas dimen-sões sociojurídicas que se amoldam com o passar dos tempos, de-vendo combater toda forma de trabalho que ofenda a dignidade hu-mana, a função social da propriedade e a lei. Apesar de ser mais co-mum na zona rural, o trabalho escravo contemporâneo também émuito praticado na área urbana.

2. DELIMITAÇÃO CONCEITUAL DE TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos de1948xi, em seu art. 4°, “Ninguém será mantido em escravidão ouservidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos emtodas as suas formas”. O art. 5º da mesma Declaração determinaque “Ninguém será submetido à tortura nem a trabalho ou castigocruel, desumano ou degradante”.

A chamada escravidão contemporânea manifesta-se em todasas regiões do mundo e se caracteriza por situações que levam à vio-lação da dignidade do trabalhador. De acordo com a OrganizaçãoInternacional do Trabalho (OIT), trabalho escravo é “todo trabalhoou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para oqual não se tenha oferecido espontaneamente”xii, conforme a Con-venção nº 29, de 1930. Além disso, a Convenção nº 105 proibiu ouso de toda forma de trabalho forçado ou obrigatório como medidade coerção ou de educação política, como castigo por expressão deopiniões políticas ou ideológicas, como método de mobilização, deutilização e de disciplina de mão-de-obra, como punição por parti-cipação em greves e como medida de discriminação racial, social,nacional ou religiosa. De acordo com essas convenções, o trabalhoforçado não pode simplesmente ser equiparado a baixos salários oua más condições de trabalho, mas inclui também uma situação de

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cerceamento da liberdade dos trabalhadores. Já para a Anti-Slavery International (ASI), conforme Hervé

Théry et al., algumas características distinguem a escravidão de ou-tras formas de violação dos direitos humanos, sendo o trabalhadorescravizado definido segundo quatro aspectos fundamentais:

quando ele é forçado a trabalhar - por meio deopressão física ou psicológica; ii) quando ele é pos-suído ou controlado por um “empregador”, geral-mente através de abuso mental ou psicológico ouameaças de abuso; iii) quando ele é desumanizado,tratado como um objeto ou comprado e vendidocomo uma “propriedade” e iv) quando ele é fisica-mente coagido ou possuindo restrições no direito deir e virxiii.

A CPT (Comissão Pastoral da Terra), organização da IgrejaCatólica precursora no combate à escravidão contemporânea, volta-da para defesa dos direitos humanos e da reforma agrária, utilizacomo critério principal para a caracterização do trabalho escravoatual:

a sujeição do trabalhador. Esta sujeição pode serfísica como psicológica. Meios de atingir a sujeição:a dívida crescente e impagável. (1995, p.46). [...] el-ementos que caracterizem o cerceamento da liber-dade, seja através de mecanismos de endividamento,seja pelo uso da força (proprietários ou funcionáriosarmados, ocorrência de assassinatos, espancamentos,e práticas de intimidação) [...]xiv.

No Brasil, desde alguns anos, a Organização Internacional doTrabalho atua em parceria com o Ministério do Trabalho e Empre-go (MTE), a Polícia Federal (PF), a Comissão Pastoral da Terra(CPT) e outras instituições em defesa da justiça social no trabalho,monitorando e resgatando cidadãos que estão sujeitos às diversasformas de trabalho escravo. Para a OIT,

a característica mais visível do trabalho escravo é afalta de liberdade. As quatro formas mais comuns decercear essa liberdade são: servidão por dívida,retenção de documentos, dificuldade de acesso aolocal e presença de guardas armados. Essas carac-terísticas são frequentemente acompanhadas de

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condições subumanas de vida e de trabalho e de ab-soluto desrespeito à dignidade de uma pessoaxv.

Embora seja mais comum a utilização dos termos trabalho es-cravo e trabalho forçado como sinônimos, alguns doutrinadores fa-zem distinção entre eles. O trabalho escravo é, na verdade, uma es-pécie do gênero trabalho forçado, este último definido como umtrabalho obrigatório, compelido ou subjugado. É possível afirmarque todo trabalho escravo é forçado, mas nem todo trabalho força-do é escravo. Neste trabalho, adotar-se-á o conceito formulado porJairo Lins de Albuquerque Sento-Sé, para quem

o trabalho escravo contemporâneo, na zona rural, éaquele em que o empregador sujeita o empregado acondições de trabalho degradantes, inclusive quantoao meio ambiente em que irá realizar a sua atividadelaboral, submetendo-o, em geral, a constrangimentofísico e moral, que vai desde a deformação do seuconsentimento ao celebrar o vínculo empregatício,passando pela proibição imposta ao obreiro de resiliro vínculo quando bem entender, tudo motivado pelointeresse mesquinho de ampliar os lucros às custasda exploração do trabalhadorxvi.

Analisadas num contexto global, levando em consideração oposicionamento de órgãos internacionais e publicações chanceladaspela OIT, as várias modalidades de trabalho escravo apresentam,como características gerais, o uso da coação e a negação da liberda-de. No sistema nacional, o trabalho escravo surge da privação de li-berdade somada ao trabalho degradante.

3. MATERIALIZAÇÃO DO TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO RURAL CONTEMPORÂNEO

Segundo os arts. 4° e 5º da Declaração Universal dos DireitosHumanos (1948), “ninguém será mantido em escravidão ou servi-dão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas for-mas” e “ninguém será submetido à tortura, nem a trabalho ou casti-go cruel, desumano ou degradante”. Assegurados, por leis e consti-tuições, a dignidade e os direitos do homem como trabalhador, nemsempre foram, ou são, respeitados. A questão neoescravocrata me-rece enorme relevância quando percebemos que ocorre majoritaria-

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mente no campo. A transição do trabalho escravo para o trabalho li-vre foi lenta, complexa e gradual. O trabalhador liberto não encon-trou qualquer amparo para sua inserção na dinâmica produtiva, anão ser a venda de sua força de trabalho ao preço e da forma que oempregador (ex-proprietário de escravos) quisesse. Tal fato é de-monstrado pelo interregno de setenta e cinco anos que separam aabolição da escravatura da edição do primeiro Estatuto do Traba-lhador Rural. Nesse contexto, a edição da Lei de Terras em 1850garantiu o monopólio da propriedade da terra nas mãos da oligar-quia rural e impediu o acesso às terras públicas, aos escravos liber-tos e aos homens livres e pobres. A partir da década de 1950, inten-sificou-se a proletarização do trabalhador rural, com a expulsão dostrabalhadores dos antigos regimes de colonato, morada e aviamen-to. No entanto, verifica-se uma relação de exploração ainda maisintensa e dilapidadora com a disseminação do trabalho temporárioe precário, sem proteção social.

Há uma grande preocupação entre os juristas e, em especial,entre os doutrinadores que se dedicam a pesquisar essa situaçãoquanto à correta forma de se identificar o trabalho escravo e suasprincipais características para diferenciá-las de outras possibilida-des de exploração menos gravosas. No trabalho escravo praticadona zona rural, o empregador submete o empregado a constrangi-mento físico ou moral e a condições de trabalho destituídas de dig-nidade. As origens e as formas do cerceamento de liberdade dostrabalhadores são diversas, indo desde o isolamento geográfico atécomportamentos ameaçadores dos empregadores. Elas envolvem,grosso modo, aspectos ligados ao local, transporte e alimentação.

3.1. O PERFIL DO INDIVÍDUO ALICIADO

Qualquer trabalhador, nacional ou estrangeiro, que esteja nomeio urbano ou rural, pode ser uma vítima do trabalho escravo con-temporâneo, especialmente aqueles que, em razão de sua vulnerabi-lidade social, tornam-se dispostos a aceitar condições inadmissíveisde trabalho. No anseio de buscar melhorias em sua condição devida, inúmeros trabalhadores se deixam enganar por falsas promes-sas, que acabam levando ao trabalho escravo, à exploração e àafronta da dignidade.

Uma pesquisa realizada pelo Escritório da Organização Inter-nacional do Trabalho (OIT) no Brasil, que contou com o apoio dos

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governos da Noruega e dos Estados Unidos da Américaxvii, revelouque os trabalhadores escravos resgatados pelas equipes de fiscaliza-ção eram predominantemente homens adultos, com idade média de31,4 anos. A proporção de trabalhadores escravos não brancos en-contrada na pesquisa foi significativamente maior do que a encon-trada no conjunto da população brasileira (50,3%). A migração éconstitutiva da história de parte significativa dos trabalhadores res-gatados, tanto é que grande parte dos trabalhadores entrevistadosnasceu na Região Nordeste e Centro-Oeste. Neste aspecto, pode-seafirmar que o “escravo moderno” é um indivíduo cujo único capitalé sua força de trabalho, por se encontrar em condições miseráveisde sobrevivência.

3.2. OS LOCAIS DE ALICIAMENTO E O DESTINO DO TRABALHO

O recrutamento geralmente ocorre em regiões distantes do lo-cal onde será efetivamente prestado o serviço. Há, na primeiraabordagem, o uso de técnicas sedutoras de aliciamento, com o ofe-recimento de "adiantamentos" para a família e transporte “gratuito”até o local do trabalho. Os trabalhadores são transportados empéssimas condições, por meio de ônibus sem conservação ou cami-nhões improvisados (paus-de-arara), sem qualquer respeito às nor-mas de segurança, a um local geograficamente ermo, onde têm seusdocumentos retidos, diante da existência de uma suposta dívida emaberto, a qual engloba o “adiantamento”, o “transporte” e os gastosde alimentação feitos no decorrer da viagem, inviabilizando qual-quer possibilidade de retorno para sua região ou mesmo impossibi-litando a saída da propriedade face à forte segurança armada. Nãoraro, os que reclamam das condições e/ou se aventuram a fugir sãovítimas de surras. No limite, podem perder a vida.

As atividades desenvolvidas pelos trabalhadores escravizadossão árduas, geralmente associadas às condições degradantes, vistoque, geralmente, os trabalhadores moram em barracos ou em aloja-mentos comunitários, cujas condições de higiene são as piores pos-síveis, destacadamente na produção de carvão destinada às indústri-as siderúrgicas, desmatamento para formação de pastos através daderrubada ilegal de matas nativas, preparação do solo para plantio ediversas outras atividades agropecuárias.

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3.3. JORNADA DE TRABALHO E A DESPERSONALIZAÇÃO DO INDIVÍDUO ALICIADO

A forma mais comum de escravidão encontrada no meio ruralé por dívida. O trabalhador percebe que o ônus das ferramentas detrabalho e equipamentos de proteção individual (equipamentos desegurança), quando existem, bem como das despesas de alojamen-to, alimentação e vestuário, que serão anotados em um caderno dedívidas. Uma vez que as fazendas se encontram distantes das cida-des, o trabalhador se torna refém desses preços, absurdamente su-periores aos praticados no comércio. Como se já não fosse suficien-te a pressão sofrida, somada com as dívidas e com a ameaça física,agrava-se a situação do trabalhador por inexistir qualquer respeitoàs normas trabalhistas no que tange à salubridade e à segurança.Não há saneamento básico e a alimentação é inadequada, não aten-dendo às necessidades nutricionais mínimas exigidas para uma pes-soa adulta. Muitos trabalhadores morrem não por doenças, mas pordesnutrição. Quando um trabalhador fica doente, além de não obtercuidados médicos necessários, acaba por aumentar ainda mais a suadívida junto aos patrões.

Os trabalhadores escravizados vivem na esfera da negaçãoabsoluta de direitos. Se possuem documentos e livre direito de ir evir, não têm acesso aos direitos sociais que lhes deem o mínimo ne-cessário à sua sobrevivência, sendo obrigados a aceitar um trabalhotemporário, sem registro, e submeter-se a jornadas extensas e emcondições precárias. O trabalho escravo é a expressão mais graveda espoliação da força de trabalho, desse modo, seu combate, se-gundo Keley Kristiane Vago Cristo,

tem um significado que extrapola sua ação imediata,na medida em que pode provocar significativo im-pacto na regulação das relações de trabalho em seuconjunto, colocando limite à superexploraçãoxviii.

A erradicação propriamente do trabalho escravo somenteserá possível com uma mudança no sistema que gera a superexplo-ração, como pontua Leonardo Sakamoto, da ONG Repórter Brasil:

o trabalho escravo contemporâneo não é uma doençamas sim uma febre, o sintoma de um problemamaior que se manifesta na expansão ou moderniza-

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ção de empreendimentos. Portanto sua erradicaçãonão virá apenas com a libertação de trabalhadores,equivalente a um remédio antitérmico – necessáriamas paliativa. [...] passa por uma mudança profundaque altere a lógica do sistemaxix.

Todo trabalho forçado, se não decorrer de guerra ou em virtu-de de motivo religioso, configura-se pela necessidade e vontade dotrabalhador em melhorar suas condições econômicas. Assim, é cer-to que muitas vezes nem os trabalhadores saibam que estão sendovítimas de algum crime e que são dotados de direitos. Muito co-mum é o trabalhador se livrar desse mal e voltar a acreditar nas fal-sas promessas de emprego. Por isso, faz-se necessário conferir gua-rida aos trabalhadores libertados por meio de políticas públicas deeducação, saúde e de geração de emprego e renda, de forma a lhesresgatar a cidadania, condição que certamente desconhecem.

3.4. A RELAÇÃO ENTRE TRABALHADORES RURAIS,“GATOS” E EMPREGADORES

Em referência ao trabalho escravo forçado ou moderno naatual realidade brasileira, Christiani Marques, citada por Felipe Fi-edler Bremer, esclarece que:

o trabalho escravo ou forçado moderno é a explo-ração violenta da pessoa humana, cativada por dívi-das contraídas pela necessidade de sobrevivência eforçada a trabalhar, pelo aliciamento feito por pes-soas que lucram com o fornecimento e a utilizaçãode sua força de trabalho em propriedades rurais (namaioria das vezes, além de muito afastadas, estão lo-calizadas na região norte do Brasil, onde a fuga édifícil, perigosa e arriscadaxx.

Na maioria das vezes, os trabalhadores rurais cedem ao alici-amento, motivados pelo sonho de uma vida melhor e pela chancede auferir somas superiores às que obteria em seu estado ou cidadede origem. Em face da situação de vulnerabilidade em que se en-contram, são facilmente ludibriados e acreditam nas falsas promes-sas dos aliciadores, conhecidos como “gatos”.

Neste contexto, não há que se falar em ausência de culpa doempregador, atribuindo-a tão somente aos “gatos”, gerentes e pre-

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postos. A Constituição Federal de 1988 condiciona a propriedadeao cumprimento de sua função social, sendo de responsabilidade deseu proprietário tudo o que acontecer nos domínios da fazenda, ca-bendo a ele, portanto, estar ciente dos fatos que lá ocorrem. O em-presário é o responsável legal por todas as relações trabalhistas deseu negócio, desta feita, ele tem o dever de acompanhá-las, comfrequência, a fim de constatar eventual descumprimento de normasda legislação trabalhista, além de orientar os funcionários que efe-tuam a contratação de trabalhadores para observar as normas esta-belecidas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

4. TRABALHO ESCRAVO RURAL CONTEMPORÂNEOCOMO ILÍCITO TRABALHISTA: IMPLICAÇÕES PENAISDO CRIME DE REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DEESCRAVO PREVISTO NO ART. 149 DO CÓDIGO PENALBRASILEIRO

O crime de redução à condição análoga à de escravo encon-tra-se tipificado no Código Penal brasileiro (Decreto-lei n.º 2.848,de 7 de dezembro de 1940), em seu art. 149, devidamente alteradopela Lei n.º 10.803, de 11 de dezembro de 2003, que estabeleceupenas ao crime constante do referido tipo penal e indicou as hipóte-ses em que se configura a condição análoga à de escravo. A redaçãoanterior do dispositivo era aberta, utilizando-se apenas da expres-são “reduzir alguém à condição análoga à de escravo” para definiro crime, e estava em desuso. Na redação atual, fixou-se, de modomais preciso, quais são as condutas que caracterizam o crime, in-cluindo na tipificação a escravidão por dívida e a decorrente da su-jeição dos trabalhadores a condições degradantes: tipos mais co-muns que já vinham sendo identificados pelo Ministério do Traba-lho e Emprego (MTE) em suas ações. Ainda que indiretamente, talmodificação contribuiu também para cessar as alegações de quenão havia um conceito moderno desse tipo de prática no ordena-mento jurídico brasileiro.

Neste sentido, a lei penal assevera, como condutas que fazemcom que o trabalho seja comparado a um regime de escravidão,submeter o indivíduo a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva,sujeita-lo a condições degradantes de trabalho, bem como, restrin-gir, mediante qualquer meio, a locomoção do trabalhador, em de-corrência de dívida contraída com o empregador ou preposto. Tais

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condições, ainda que isoladas, são suficientes para se configurar ocrime em comento. O referido dispositivo legal, em seu § 1.º, equi-parou ao delito condutas que visam a manutenção da pessoa emcondição análoga à de escravo. Assim, incorrem nas mesmas penas,previstas no caput do art. 149, aquele que cerceia o uso de qualquermeio de transporte por parte do trabalhador, tendo como finalidaderetê-lo no local de trabalho, como também, aquele que, com essemesmo objetivo, mantém vigilância ostensiva no local de trabalhoou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador.

A sanção cominada ao delito em menção consiste em pena dereclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, além da pena referenteà violência, tanto para as hipóteses elencadas no caput do art. 149,como para aquelas previstas em seu § 1.º. A ação penal é públicaincondicionada e a lei penal prevê a hipótese de concurso de crimesentre o delito de redução à condição análoga à de escravo e a infra-ção penal relativa à violência praticada pelo agente. Está previsto,ainda, no § 2.º do artigo 149, o aumento da pena pela metade se ocrime for cometido contra criança ou adolescente, ou por motivo depreconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. Esta hipóteseversa sobre a motivação do agente, isto é, o que o impeliu a praticaro delito. Para a primeira causa de aumento de pena, a seu turno,conforme bem observado por Rogério Grecoxxi, faz-se indispensá-vel verificar os conceitos fornecidos pelo art. 2.º da Lei n.º 8.069 de1990, in verbis:

Art. 2.º. Considera-se criança, para os efeitos destaLei, a pessoa até 12 (doze) anos de idade incomple-tos, e adolescente aquela entre 12 (doze) e 18 (de-zoito) anos de idade.

Há que se atentar ao disposto no parágrafo único do art. 155,do Código de Processo Penal (Decreto-lei n.º 3.689, de 3 de outu-bro de 1941), segundo o qual a idade da vítima deverá ser compro-vada nos autos mediante documento hábil, para que a referida cau-sa especial de aumento de pena seja aplicada.

Considerando que o tipo penal da redução à condição análogaà de escravo exige uma qualidade ou condição especial dos sujeitosativo ou passivo, a doutrina o classifica como crime próprio no to-cante a ambos os tipos de sujeito, uma vez que apenas quando hou-ver uma relação de trabalho entre o autor e a vítima é que será pos-sível a configuração do delito. Isto posto, o sujeito ativo do delito

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será o empregador que reduzir a vítima à condição análoga à de es-cravo, e o sujeito passivo, por sua vez, o empregado que se encon-trar em tal situação.

Seguindo à classificação doutrinária do crime, considera-seeste doloso, tendo como elemento subjetivo o dolo, em suas moda-lidades direta e eventual. Ressalta-se a ausência de previsão legalno tocante à hipótese culposa do crime. Trata-se, ainda, de crimecomissivo ou omissivo impróprio; de forma vinculada, visto que oart. 149 do Código Penal indica as formas mediante as quais sepode praticar a conduta delituosa; e permanente, cuja consumaçãose prolonga no tempo, por atividade do sujeito ativo, enquanto sefizerem presentes as situações narradas no tipo penal. De acordocom Rogério Greco, a consumação do delito ocorre com a privaçãoda liberdade da vítima, mediante as formas previstas no art. 149 doCódigo Penal, ou com sua sujeição a condições degradantes de tra-balhoxxii. Sendo um delito plurissubsistente, isto é, um crime noqual é possível verificar as etapas do chamado caminho do crimeou iter criminis, a tentativa é admitida. Por fim, classifica-se comoum crime material, pois se consuma apenas mediante a produçãodo resultado, e monossubjetivo, vez que sua conduta núcleo podeser praticada por um único indivíduo.

Tendo-se em vista o bem jurídico protegido quando daprática do delito de redução à condição análoga à de escravo, dis-cute-se se tal crime fere a organização do trabalho ou se se trata deum crime contra a liberdade individual. Considerando a posição to-pográfica no Código Penal, a doutrina considera que o delito cons-tante do tipo penal em menção, inserido na Seção I (Dos Crimescontra a Liberdade Pessoal), do Capítulo IV (Dos Crimes contra aLiberdade Individual), do Título I (Dos Crimes contra a Pessoa), doCódigo Penal, trata-se de um crime contra a liberdade individual,na medida em que o bem juridicamente protegido é a liberdade davítima, que é impedida de exercer seu direito de ir e vir. Assim, aobjetividade jurídica tutelada é o status libertatis. Tal posição é ra-tificada pela Exposição de Motivos da Parte Especial do CódigoPenal de 1940, no item 51, referente aos crimes contra a liberdadepessoal, especificamente em seu último parágrafo:

No art. 149, é prevista uma entidade criminal igno-rada do Código vigente: o fato de reduzir alguém,por qualquer meio, à condição análoga à de escravo,

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isto é suprimir-lhe, de fato, o status libertatis, sujei-tando-o o agente ao seu completo e discricionáriopoder. É o crime que os antigos chamavam plagium.Não é desconhecida a sua prática entre nós, notada-mente em certos pontos remotos do nosso hinter-land.

Neste mesmo sentido, preconiza o Ministério Público do Tra-balho:

Quando se fala em escravidão, muitos lembram decorrentes e senzalas. Mas o trabalho escravo de hojeadquiriu novas características, sendo a principal de-las a proibição direta ou indireta do direito de ir evirxxiii.

Segundo Rogério Greco, quando a lei se refere às condiçõesdegradantes de trabalho, podem ser identificados, também, os se-guintes bens jurídicos protegidos pelo art. 149 do diploma repressi-vo: vida, saúde e segurança do trabalhador, assim como sua liber-dadexxiv. Compartilhando do entendimento de que o direito indivi-dual de liberdade é subtraído do indivíduo, E. Magalhães Noronhasustenta que:

Não mais é possível sustentar-se, hoje, seja delitocontra a propriedade, já que esta não pode ter porobjeto pessoa. (...) A essência do delito reside na su-jeição de uma pessoa a outra, no domínio, em sen-tido material ou físico. O status libertatis do sujeitopassivo é suprimido como fato, conquanto per-maneça como estado de direito. A relação que se es-tabelece entre os sujeitos do delito é análoga à daescravidão, pois o passivo perde sua liberdade nasmãos do agente, qual senhor e donoxxv.

O status libertatis do ser humano é tão valorizado que, atémesmo na esfera civil, é objeto de proteção, como demonstra o art.598, do Código Civil de 2002, que limitou a prestação de serviçospor 4 (quatro) anos, não podendo ser convencionada por períodosuperior a este, ainda que o contrato tenha por causa o pagamentode dívida de quem o presta, ou que se destine à execução de certa edeterminada obra.

No que se refere ao julgamento do crime de redução à condi-

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ção análoga à de escravo, a jurisprudência dos Tribunais Superiores(RE 90.042/SP, com relatoria do Ministro Moreira Alves) era pa-cífica no sentido de que a Justiça Comum Estadual era competentepara fazê-lo. Tal entendimento foi modificado pelo Supremo Tribu-nal Federal, com o julgamento do RE 398.041/PA, cujo relator foi oMinistro Joaquim Barbosa. Assim, a jurisprudência entende, na atu-alidade, que o delito de redução à condição análoga à de escravofere a organização do trabalho, razão pela qual a Justiça Federal écompetente para processá-lo e julgá-lo.

5. O ENFRENTAMENTO AO TRABALHO ESCRAVO NOBRASIL CONTEMPORÂNEO: ANÁLISE DOSINSTRUMENTOS DE COMBATE AO TRABALHOESCRAVO RURAL

A Organização Internacional do Trabalho possui um projeto

no Brasil que visa reforçar e melhor coordenar as atividades dasagências governamentais e de outros parceiros para o combate aotrabalho forçado e a prevenção de reincidência. No entanto, apesardos esforços de instituições internacionais, governamentais e priva-das, nos últimos anos as medidas implantadas com a finalidade deerradicar o trabalho escravo ainda estão muito aquém do ideal, poisanualmente se registra a sua proliferação.

O combate ao trabalho escravo deve ser feito por meio deações governamentais e da sociedade civil em três linhas princi-pais: a prevenção, a assistência à vítima e a repressão, como prevêo 1º e o 2º Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.Os trabalhadores resgatados não devem restar desamparados. Sãonecessárias estruturas governamentais que os acolham após sofre-rem essa grave violação de direitos humanos: além de receber o pa-gamento de seus direitos, como prevê a legislação trabalhista, de-vem ser informados dos seus direitos e incluídos em programas so-ciais do governo. Se desejarem, devem ter acesso a cursos educaci-onais e formação profissional que possam contribuir com sua inser-ção no mercado formal.

A Comissão Nacional de Enfrentamento ao Trabalho Escravo(Conatrae), vinculada à Secretaria de Direitos Humanos, reúne asprincipais instituições públicas e da sociedade civil envolvidas como enfrentamento ao trabalho escravo no Brasil e tem como objetivocoordenar a implementação das ações previstas no Plano Nacional

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para Erradicação do Trabalho Escravo, acompanhar a tramitação deprojetos de lei no Congresso Nacional e avaliar a proposição de es-tudos e pesquisas sobre o trabalho escravo no país, entre outras atri-buições. Outras importantes instituições com competência para atu-ar no tema são o Ministério Público Federal, o Ministério Públicodo Trabalho, o Ministério do Trabalho e Emprego, a Polícia Fede-ral, diversas entidades da sociedade civil, além de organismos inter-nacionais, como a Organização Internacional do Trabalho.

De acordo com o Ministério Público Federal e a ProcuradoriaFederal dos Direitos do Cidadão, é também fundamental que os ór-gãos competentes se dediquem à fiscalização de situações de traba-lho escravo em propriedades rurais e urbanas e à responsabilizaçãodaqueles que praticam esse tipo de exploração. Contudo, apenas asações de repressão e de assistência à vítima não garantem que o tra-balhador não volte a ser aliciado, caso se encontre novamente emuma situação de vulnerabilidade social e/ou econômica. Para tal,ações de prevenção em comunidades vulneráveis socioeconomica-mente contribuem fortemente para o rompimento do ciclo viciosodo trabalho escravo. Assim, a divulgação de informação a respeitodos riscos do trabalho escravo e a realização permanente de campa-nhas preventivas e de processos formativos nos sistemas de educa-ção e ambientes de trabalho são fundamentais para evitar que o tra-balhador seja aliciado e explorado. Fomentar iniciativas de geraçãode renda locais também pode contribuir para a garantia de sustentoda família, sem a obrigação de que o trabalhador tenha que partirpara lugares distantes em busca de trabalhoxxvi.

5.1. PL 432/13 DO SENADO E EC 81/2014

Tendo em vista a necessidade de lei regulamentadora, o PLdo Senado 432/13 tem como objeto, justamente, dispor sobre a ex-propriação das propriedades rurais e urbanas onde se localizem aexploração de trabalho escravo. Nesse sentido, estabelece que, paraos fins ali previstos, o trabalho escravo é considerado como a sub-missão a trabalho forçado, exigido sob a ameaça de punição, comuso de coação, ou que se conclui da maneira involuntária, ou comrestrição da liberdade pessoal; o cerceamento do uso de qualquermeio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lono local de trabalho; a manutenção de vigilância ostensiva no localde trabalho ou a apropriação de objetos ou documentos pessoais do

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trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; a restrição,por qualquer meio, da liberdade de locomoção do trabalhador, emrazão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

Nota-se que o referido projeto de lei, ao propor a regulamen-tação do atual art. 236 da Constituição Federal de 1988, de formainusitada, deixa de prever o “trabalho degradante” como hipótesede trabalho escravo, incidindo em manifesto retrocesso social, nãoadmitido pela Constituição Federal de 1988 (arts. 7º, caput, e 5º, §2º), e contrariando a previsão legal já existente, consoante o menci-onado art. 149 do Código Penal. Coaduna-se com o entendimentode Gustavo Filipe Barbosa Garcia, o qual afirma que é preciso terconsciência de que a livre-iniciativa não pode ser exercida em pre-juízo da dignidade da pessoa humana. Afinal, como já decido peloSupremo Tribunal Federal,

para a configuração do crime do art. 149 do CódigoPenal, não é necessário que se prove a coação físicada liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento daliberdade de locomoção, bastando a submissão davítima a trabalhos forçados ou a jornada exaustivaou a condições degradantes de trabalho, condutas al-ternativas previstas no tipo penal” (Inq. 3.412/AL,Red. para acordão Min. Rosa Weber, DJE12.11.2012)xxvii.

Espera-se, portanto, que o PL 432/13 seja aperfeiçoado, pas-sando a abranger todas as atuais hipóteses de trabalho em condi-ções análogas a de escravo, inclusive o trabalho em condições de-gradantes, atendendo, assim, à exigência constitucional de respeitoao valor social do trabalho (art. 1º, inc. IV, CF)xxviii.

Acrescente-se que em 27 de maio de 2014, foi aprovada aEmenda Constitucional no 81/2014, que altera a redação do art. 243da Constituição Federal para determinar que as propriedades ruraise urbanas de qualquer região do País onde forem constatadas a ex-ploração de trabalho escravo sejam expropriadas e destinadas à re-forma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer in-denização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previs-tas em lei. A emenda altera ainda o parágrafo único do mesmo arti-go para dispor que “todo e qualquer bem de valor econômicoapreendido em decorrência da exploração de trabalho escravo seráconfiscado e reverterá a fundo especial com a destinação específi-

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ca, na forma da lei”. A Proposta de Emenda à Constituição tramitou no Congresso

Nacional desde 1995, quando a primeira versão do texto foi apre-sentada pelo Deputado Paulo Rocha (PT-PA) e entrou e saiu diver-sas vezes da pauta devido à resistência da bancada ruralista doCongresso Nacional. O presidente da organização não governamen-tal Repórter Brasil, referência até mesmo para o Ministério do Tra-balho quando se trata da coleta de informações sobre o trabalho es-cravo no país, o jornalista Leonardo Sakamoto, classificou a apro-vação da PEC do Trabalho Escravo como uma conquista históricados trabalhadores brasileiros.

5.2. INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 91/2011 DA SECRETARIA DE INSPEÇÃO DO TRABALHO

Editada pela Secretária de Inspeção do Trabalho, no exercícioda competência prevista no inciso XIII do art. 14 do Anexo I doDecreto nº 5.063, de 3 de maio de 2004, a Instrução Normativa nº91, de 05 de outubro de 2011xxix, publicada no DOU de 06 de outu-bro de 2011, dispõe sobre os procedimentos que deverão ser adota-dos pelo auditor-fiscal do trabalho para a fiscalização com vistas àerradicação do trabalho em condição análoga à de escravo e dá ou-tras providências. Tais disposições são aplicáveis também aos casosnos quais o profissional referido identificar tráfico de pessoas parafins de exploração de trabalho em condição análoga à de escravo,uma vez presente qualquer das hipóteses previstas nos incisos I aVI do Art. 3º, desta Instrução Normativa (art. 6º).

Tendo em vista que o trabalho realizado em condição análogaà de escravo, sob todas as formas, constitui atentado aos direitoshumanos fundamentais e fere a dignidade humana, o art. 1º da INnº 91/2011 estabelece ser dever do auditor-fiscal do trabalho cola-borar para a sua erradicação, cumprindo a estes proceder à fiscali-zação de atividade econômica urbana, rural ou marítima, e paraqualquer trabalhador, nacional ou estrangeiro, observando os proce-dimentos nela previstos (art. 2º).

Este instrumento de combate considera trabalho realizado emcondição análoga à de escravo aquele que resulta das seguintes si-tuações, em conjunto ou isoladamente: submissão de trabalhador atrabalhos forçados; submissão de trabalhador a jornada exaustiva;sujeição de trabalhador a condições degradantes de trabalho; restri-

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ção da locomoção do trabalhador, seja em razão de dívida contraí-da, seja por meio do cerceamento do uso de qualquer meio detransporte por parte do trabalhador, ou por qualquer outro meiocom o fim de retê-lo no local de trabalho; vigilância ostensiva nolocal de trabalho por parte do empregador ou seu preposto, com ofim de retê-lo no local de trabalho; posse de documentos ou objetospessoais do trabalhador, por parte do empregador ou seu preposto,com o fim de retê-lo no local de trabalho (art. 3º).

Cumpre destacar que, nos termos do art. 4º desta InstruçãoNormativa, a constatação administrativa de trabalho em condiçãoanáloga à de escravo realizada pelo auditor-fiscal do trabalho, bemcomo os atos administrativos dela decorrentes, independem do re-conhecimento no âmbito criminal. Dentre as ações fiscais para a er-radicação do chamado escravismo contemporâneo (artigos 7º ao 18da IN nº 91/2011), ao concluir pela existência deste, ao profissionalcompetente cumprirá tomar todas as medidas indicadas nos artigos13 e 14 da presente Instrução Normativa (art. 5º). Ao final, no art.19 e seguintes, encontram-se explicitados os critérios técnicos paraa inclusão do infrator no cadastro de empregadores que tenhammantido trabalhadores em condições análogas à de escravo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A existência do trabalho escravo ameaça uma sociedade de-mocrática, baseada na liberdade do trabalho. Nesse passo, é o pro-cesso de superexploração exacerbada, intensificada por mecanis-mos de precarização das relações e condições de trabalho que, emdeterminadas circunstâncias, resulta na configuração do trabalhoescravo, com a vulneração da liberdade do trabalhador.

Para compreender a elevada superexploração da força de tra-balho no campo, no Brasil, fez-se necessário refletir sobre o proces-so histórico que forjou tais relações. O passado escravista, que per-durou por quase quatro séculos, teve um papel relevante na confi-guração das relações de trabalho no campo. É inadmissível com-preender que seres humanos ainda exerçam trabalhos em condiçõesdegradantes, com jornadas longas e exaustivas e, o que é pior, ten-do sua liberdade de locomoção, ou seja, seu direito de ir e vir res-tringido por qualquer meio, sendo intimidados ou coagidos em ra-zão de dívidas que contraíram com o empregador ou preposto, quesempre aufere benefícios. É indigesto, sobretudo, o fato de que isso

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persiste em pleno Brasil do século XXI.A escravidão contemporânea é expressão de uma situação de

grande vulnerabilidade e miséria que ainda afeta importantes con-tingentes de trabalhadores e trabalhadoras no Brasil. A falta de al-ternativas de trabalho decente para um contingente de pessoas quenão possui qualquer qualificação profissional e a relativa fragilida-de das redes de proteção social obrigam os trabalhadores, em mui-tas situações, tanto no campo quanto na cidade, a aceitarem condi-ções precárias e degradantes de trabalho, na qual sua dignidade e li-berdade são violentadas. Conforme as palavras da escritora inglesaBinka Le Breton, mencionado por Lília Leonor Abreu e Deyse Jac-queline Zimmermann,

em um país historicamente marcado por grandes de-sigualdades sociais, o reconhecimento e a compreen-são das atuais formas de exploração dos trabal-hadores em situações limites como as que caracteri-zam o trabalho em condições análogas à escravidão,são os primeiros passos para o enfrentamento consis-tente desse crimexxx.

Não obstante sejam notórios os avanços encontrados no Bra-sil no que tange ao combate deste delito, ainda há um longo cami-nho a ser trilhado rumo a uma repressão verdadeiramente efetiva. Aimensidão territorial do país, a carência de recursos financeiros, afalta de articulação para que seja adotado um procedimento conjun-to e a impunidade dificultam o êxito das medidas que visam a coi-bir o trabalho escravo contemporâneo. É preciso realmente vontadepolítica e atuação coesa de todos os atores sociais a fim de que ameta constante do Plano Nacional para a erradicação do trabalhoescravo saia do papel e se viabilize. Para tanto, deve haver um in-vestimento substancial por parte do governo federal, de modo aqualificar seus agentes e ampliar seu número, mediante a criação denovos concursos para a contratação de auditores-fiscais e procura-dores do trabalho.

Também é essencial a contribuição de toda a sociedade, atra-vés de denúncias aos órgãos competentes quando souberem de situ-ações de redução de trabalhadores rurais à condição análoga à es-cravidão, bem como, de outros grupos sociais. Ademais, impõe-seuma responsabilização mais severa e a expropriação das terras da-queles que incidirem no tipo penal do art. 149, buscando uma nova

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perspectiva, de forma a colaborar com o afastamento dessa práticano contexto do desenvolvimento do agronegócio, da economia, dadignidade da pessoa humana e da própria função social da proprie-dade.

REFERÊNCIAS

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O TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO NA INDÚS-TRIA TÊXTIL E DE CONFECÇÃO NO BRASIL CONTEM-PORÂNEO: ANÁLISE JURÍDICA DE UMA REALIDADE

ALARMANTE

Ana Cristina Alves de Paulaxxxi

Gabrielle Ota Longoxxxii

Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar o papel e a responsabilidade das grandesvarejistas brasileiras pelo modo de produção da indústria têxtil e de confecção, visto que,tanto em regiões urbanas como rurais, o chamado escravismo contemporâneo, lamentavel-mente, integra a realidade nacional. A partir de uma revisão bibliográfica, foi explicitado oconceito de escravismo contemporâneo aplicado à indústria têxtil e de confecção. Um es-tudo de caso foi feito a partir de notícias sobre quatro varejistas expostas a escândalos emsua mão de obra fornecedora, demonstrando a existência de um grande descompasso entreo elevado número de casos denunciados e a efetiva aplicação da sanção penal prevista noart. 149 do Código Penal Brasileiro, bem como os meios de que dispõe o Estado para afiscalização.Palavras-chaves: trabalho escravo contemporâneo na indústria têxtil e de confecção; res-ponsabilidade social empresarial; crime de redução à condição análoga à de escravo.

Abstrac: This article aims to analyze the role and the responsibility of the large Brazilianretailers by the mode of production of the textile and making industry, given that, in bothurban and rural regions, the so-called contemporary slavery, unfortunately, is a part of thenational reality. From a literature review, the concept of contemporary slavery was ex-plained and applied to the textile and making industry. A case study was made of fournews about retaliers' scandals in their supplier labor, demonstrating the existence of alarge lack between the high number of reported cases and the effective application ofcriminal sanctions provided in the Brazilian Penal Code, article 149, and the means avail-able to the state for supervision.Key-words: contemporary slave labor in the textile and making industry; business socialresponsibility; crime of reduction to the condition analogous to slavery.

INTRODUÇÃO

Após inúmeros anos em que a prática da escravidão foi natu-ralmente aceita no Brasil, deu-se a sua abolição ainda no séculoXIX. Em 4 de setembro de 1850, com a Lei Eusébio de Queiroz,houve a abolição oficial do tráfico negreiro para o país. A chamadaLei do Ventre Livre (Lei n.º 2.040), de 28 de setembro de 1871, ga-rantiu aos recém-nascidos o direito à liberdade. Em 28 de setembrode 1885, data em que foi promulgada a Lei dos Sexagenários (Lein.º 3.270), libertaram-se os escravos com mais de sessenta e cincoanos de idade. E, finalmente, em 13 de maio de 1888, foi sanciona-da a Lei Áurea (Lei Imperial n.º 3.353), que aboliu oficialmente a

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escravatura no Brasil. Entretanto, cento e vinte e sete anos depois,são inúmeras as denúncias, investigações, comprovações e conde-nações de empresas que submetem seus trabalhadores à condiçãoanáloga à de escravo. Números do Ministério do Trabalho e Empre-go (MTE) registram que, de 1995 a 2012, 44 mil trabalhadores fo-ram resgatados em 3,4 mil estabelecimentos inspecionados nopaísxxxiii.

A exploração desmedida do ser humano por seu semelhante,motivada pela ganância e obtenção de lucro a qualquer preço, nãosó é moralmente vergonhosa como legalmente punível. Os marcoslegais da conceituação de trabalho escravo contemporâneo estãonas esferas constitucional, trabalhista e criminal do direito pátrio.Da mesma forma, princípios e normas internacionais, como a Con-venção 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), recha-çam esse crime.

Em São Paulo, o estado mais abastado do país, não são rarosos casos de trabalho escravo na zona urbana, destacando-se a in-dústria têxtil e de confecção. A maioria dos trabalhadores explora-dos são imigrantes ilegais, que são mantidos em alojamentos precá-rios, com longas e extenuantes jornadas de trabalho. Nesta seara,este trabalho volta-se à análise jurídica da condição análoga à deescravo do trabalhador na cadeia produtiva da indústria têxtil e deconfecção no Brasil contemporâneo, sobretudo no Estado de SãoPaulo, o que representa veemente afronta à dignidade humana dotrabalhador. Busca-se atrair a atenção do leitor para esta realidadealarmante, propiciando-lhe uma reflexão acerca da neoescravidãoem importante setor produtivo do país, de seus impactos penais elabor-ambientais, além de traçar o perfil dos trabalhadores em con-dição de escravidão contemporânea e verificar os instrumentos nor-mativos e outras medidas repressivas e preventivas que objetivamcoibir essa prática.

Este estudo possui como referencial teórico algumas conven-ções da Organização Internacional do Trabalho (OIT); dados e car-tilhas do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE); os Planos Na-cionais para a Erradicação do Trabalho Escravo, de 2003 e de 2008;o Pacto Contra a Precarização e Pelo Emprego e Trabalho Decentesem São Paulo – Cadeia Produtiva das Confecções; e a Lei do Esta-do de São Paulo n° 14.946, de 28 de janeiro de 2013, que prevê acassação da inscrição estadual no cadastro do Imposto sobre Opera-

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ções Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviçosde Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação(ICMS), das empresas que fizerem uso de trabalho em condiçõesanálogas à de escravo no Estado de São Paulo. A metodologia dapesquisa abrangerá os métodos indutivo e estudo de caso, que é umestudo abrangente com vistas à compreensão, análise e inferênciados fatos. A técnica aplicada será a revisão bibliográfica.

1. DELIMITAÇÃO CONCEITUAL DE TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO CONTEXTO LABORAL

A escravidão permeia a realidade nacional, seja na escravatu-ra explorada no Brasil Colonial seja em condições análogas e de-gradantes nos dias atuais. Na área urbana brasileira o neoescravis-mo ganhou forma e se revigorou em face da externada realidade deimigrantes achincalhados pela (i)lógica da cadeia produtiva têxtil ede confecção. A escravidão contemporânea não é mais aquela tra-duzida pelo aprisionamento, mas por outras situações tendentes areduzir o trabalhador a condições brutais, indignas e humilhantes.Esta prática representa uma afronta ao princípio da dignidade dapessoa humana e à ordem social, consagrados no texto constitucio-nal, aos direitos assegurados pela legislação do trabalho, e configu-ra a conduta delitiva insculpida no art. 149 do Código Penal Brasi-leiro.

No Brasil, o escravismo contemporâneo manifesta-se na clan-destinidade e é determinado pelo autoritarismo, corrupção, segrega-ção social, racismo e clientelismo. De acordo com cálculos da Co-missão Pastoral da Terra (CPT), existem no Brasil cerca de 25 milpessoas submetidas às condições análogas ao trabalho escravoxxxiv.Os dados constituem uma realidade de grave violação aos direitoshumanos, constantes da Carta das Nações Unidas e enunciados naDeclaração Universal dos Direitos Humanos, e envergonham nãosomente os brasileiros, mas toda a comunidade internacional.

Sabendo-se que não mais existe a condição jurídica de escra-vo no país, o advento da expressão “reduzir alguém à condição aná-loga à de escravo” remonta à Convenção sobre a Escravidão, de1926, a qual proibiu tal prática, bem como o tráfico de escravos.Neste documento internacional, a escravidão foi conceituada como

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“o estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercitamos atributos do direito de propriedade ou algum deles”. Percebe-se,dessa forma, que a expressão “trabalho escravo” cedeu lugar a umaoutra: “formas contemporâneas ou análogas à escravidão”xxxv.

O trabalho escravo contemporâneo pode ser conceituadocomo:

o estado ou a condição de um indivíduo que é con-strangido à prestação de trabalho, em condições des-tinadas à frustração de direito assegurado pela legis-lação do trabalho, permanecendo vinculado, deforma compulsória, ao contrato de trabalho mediantefraude, violência ou grave ameaça, inclusive medi-ante a retenção de documentos pessoais ou contratu-ais ou em virtude de dívida contraída junto ao em-pregador ou pessoa com ele relacionadaxxxvi.

Segundo entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudên-cia, reduzir um indivíduo à condição análoga à de escravo significasubmetê-lo a trabalhos forçados, jornadas longas e exaustivas e aoutras situações degradantes de labor, restringindo-lhe, não rarasvezes, sua liberdade de locomoção, em decorrência de dívidas con-traídas com o empregador.

Trabalho forçado ou obrigatório, nos termos do art. 2º, item1, da Convenção sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório, de1930, consiste em “todo trabalho ou serviço exigido a um indiví-duo, sob a ameaça de uma pena qualquer, e para o qual esse indiví-duo não se oferece voluntariamente”xxxvii. Também, de acordo coma Convenção sobre a Abolição do Trabalho Forçado, de 1957, estenão será usado “como método de mobilização e de utilização damão-de-obra para fins de desenvolvimento econômico”, “como me-dida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa”xxxviii, en-tre outros. Já a Convenção Suplementar Relativa à Abolição da Es-cravidão, do Tráfico de Escravos e de Instituições e Práticas Análo-gas à Escravidão, de 1956, visa a total abolição do trabalho forçadoe da servidão por dívida.

De acordo com a Orientação nº 3 da Coordenadoria Nacionalde Erradicação do Trabalho Escravo – CONAETE, jornada de tra-balho exaustiva “é a que, por circunstâncias de intensidade, fre-quência, desgaste ou outras, cause prejuízos à saúde física ou men-tal do trabalhador, agredindo sua dignidade, e decorra de situação

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de sujeição que, por qualquer razão, torne irrelevante a sua vonta-de”xxxix. Tal ritmo de trabalho é imposto ao trabalhador ante a exi-gência do cumprimento de metas de produtividade por parte do em-pregador, ou com vistas a um acréscimo na remuneração ou à ma-nutenção do emprego por parte daquele.

As condições degradantes de trabalho, por sua vez, são defi-nidas pela Orientação nº 4 da CONAETE, como

as que configuram desprezo à dignidade da pessoahumana, pelo descumprimento dos direitos funda-mentais do trabalhador, em especial os referentes ahigiene, saúde, segurança, moradia, repouso, alimen-tação ou outros relacionados a direitos da personali-dade, decorrentes de situação de sujeição que, porqualquer razão, torne irrelevante a vontade do traba-lhadorxl.

Sendo assim, não se verificam, na prática, descumprimentospontuais de normas trabalhistas, mas completo desrespeito à digni-dade humana dos trabalhadores e à sua própria condição de sereshumanos. Seguindo os ensinamentos de Emanuel Kant, Ingo Wolf-gang Sarlet conceitua o princípio da dignidade da pessoa humanacomo:

a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser hu-mano que o faz merecedor do mesmo respeito e con-sideração por parte do Estado e da comunidade, im-plicando, neste sentido, um complexo de direitos edeveres fundamentais que assegurem a pessoa tantocontra todo e qualquer ato de cunho degradante edesumano, como venham a lhe garantir as condiçõesexistenciais mínimas para uma vida saudável, alémde propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável [sic] nos destinos da própria existência eda vida em comunhão com os demais seres hu-manosxli.

2. NOÇÕES DE MEIO AMBIENTE DO TRABALHO

José Afonso da Silvaxlii conceitua o meio ambiente como a in-teração do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais,possibilitando o desenvolvimento equilibrado da vida. De acordocom o art. 3º, inciso I, da Lei nº 6.938/1981, que estabelece as ba-

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ses da Política Nacional do Meio Ambiente, entende-se por meioambiente “o conjunto de condições, leis, influências e interações deordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vidaem todas as suas formas”. Referido instrumento normativo objetivaa preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental fa-vorável à vida e, portanto, à saúde, visando assegurar condições aodesenvolvimento socioeconômico e à proteção da dignidade huma-na (art. 2º da referida Lei).

Segundo Guilherme Guimarães Felicianoxliii, não obstante adefinição de meio ambiente seja unitária, este tem sido classificadopela doutrina brasileira em quatro dimensões particulares: meioambiente natural (constituído pelos elementos físicos e biológicosnativos do entorno: solo, água, ar atmosférico, flora, fauna, e suasinterações entre si e com o meio); meio ambiente artificial (consti-tuído pelo espaço urbano construído, incluindo edificações – espa-ço urbano fechado – e equipamentos públicos – espaço urbanoaberto); meio ambiente cultural (constituído pelo patrimônio his-tórico, artístico, arqueológico, paisagístico e turístico) e meio ambi-ente do trabalho. Alguns autores ainda reconhecem como quinto as-pecto o meio ambiente rural.

O meio ambiente laboral sadio e equilibrado constitui direitofundamental de terceira dimensão, que abarca aspectos relativos àvida, integridade física e psíquica dos trabalhadores, sendo respon-sabilidade não apenas do Estado, mas de todos os membros da soci-edade. Considera-se meio ambiente do trabalho tudo o que circundao trabalhador, tanto o local quanto as formas das atividades labo-rais. De acordo com Julio Cesar de Sá da Rochaxliv,

o meio ambiente do trabalho não se restringe ao es-paço interno da fábrica ou da empresa, mas se es-tende ao próprio local da moradia ou ao ambiente ur-bano. Mais do que isso, o meio ambiente do trabalhorepresenta todos os elementos, inter-relações [sic] econdições que influenciam o trabalhador em suasaúde física e mental, comportamento e valores re-unidos no lócus do trabalho.

A Constituição Federal de 1988 proclama o respeito e a pro-teção do meio ambiente do trabalho e da saúde do trabalhador, esta-belecendo em seu art. 7º um rol não exaustivo de direitos dos traba-lhadores, primando pela melhoria de sua condição social. Desta-

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cam-se seus incisos XXII e XXIII, que anunciam os seguintes di-reitos: redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de nor-mas de saúde, higiene e segurança; adicional de remuneração paraas atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei. AConstituição prevê, no art. 225, o direito ao meio ambiente equili-brado, considerando-o essencial à sadia qualidade de vida, e impõea sua preservação pelo Poder Público, juntamente com toda a cole-tividade. Ainda, no art. 200, VIII, da CF, o Poder Constituinte bra-sileiro deixou claro que a saúde e a qualidade de vida do trabalha-dor dependem de toda a estrutura sistêmica ambiental, elencandocomo competência do sistema único de saúde a colaboração na pro-teção do meio ambiente, incluindo expressamente o meio ambientedo trabalho.

Além de todos os artigos elencados na Carta Magna, que as-seguram a saúde e o meio ambiente equilibrado em todas as suasformas, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) protege o meioambiente do trabalho nos dispositivos legais contidos no capítulodenominado “Da Segurança e da Medicina do Trabalho”. Esse teoré complementado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE),por meio da expedição das Normas Regulamentadoras (PortariaMTE 3.214/1978). Ademais, o Estado brasileiro ratificou importan-tes Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT)que versam sobre a proteção da saúde e do meio ambiente laboral.

3. MATERIALIZAÇÃO DO TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO NA INDÚSTRIA TÊXTIL E DE CONFECÇÃO NOBRASIL CONTEMPORÂNEO

No Brasil, a indústria têxtil e de confecção, ligada ao luxo e àbeleza, mascara uma realidade nada glamurosa, em que trabalhado-res são submetidos a condições desumanas de trabalho para susten-tar uma cadeia rápida de novos produtos para vestuário e manter omercado da moda lucrativo. Aliado ao escravismo contemporâneoencontra-se, não raras vezes, o tráfico humano, na medida em quepessoas são trazidas de outros países sul-americanos, como Bolívia,Peru e Paraguai, acreditando em falsas promessas de trabalho e deuma vida próspera.

Os trabalhadores têm sua liberdade cerceada não propriamen-te com correntes e açoites, como ocorria na escravidão tradicional,

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abolida em 1888 no Brasil. Na atualidade, as amarras são de cunhomajoritariamente econômico e psicológico, sendo materializadas naindústria têxtil e de confecção por meio da servidão por dívidas edo medo instaurado na mente dos trabalhadores acerca da possibili-dade de sofrer sanções caso desobedeçam a ordens ou não cum-pram metas estabelecidas pelos donos das oficinas de costura. Ain-da no tocante ao cerceamento da liberdade, Carlos Henrique Bezer-ra Leite destaca que o trabalhador é impossibilitado de sair do localonde exerce o trabalho, por sofrer, em geral, três tipos de coação: aeconômica, a moral ou psicológica e a físicaxlv.

Enquanto o Ministério Público do Trabalho, o Ministério doTrabalho e Emprego e a Polícia Federal seguem com as investiga-ções, muitas empresas utilizam-se da terceirização ou, até mesmo,da quarteirização da produção para se esquivar das responsabiliza-ções trabalhista e criminal, buscando um crescimento lucrativo àcusta da depreciação do elemento humano.

3.1. CONFIGURAÇÃO DO SETOR TÊXTIL-CONFECÇÃO

O setor têxtil-confecção é composto pelas indústrias têxtil-fiação, tecelagem plana e malharia, acabamento de fios e tecidos, econfecção, que abrange os artigos do vestuário em geral. Destaca-se que a cadeia têxtil-confecção envolve desde o cultivo do algo-dão, matérias-primas sintéticas, fibras têxteis, fiações, tecelagens,tinturarias, estamparias, malharias, linhas de costura, aviamentos,até a confecção de artigos de vestimenta.

Atualmente, a indústria têxtil brasileira é moderna e competi-tiva na maioria de seus segmentos, sobretudo na produção de arti-gos de algodão. Porém, enquanto as empresas do setor têxtil e de fi-ação são de médio e grande porte e intensivas em capital, a maioriadas empresas que se voltam à confecção de peças do vestuário é demicro e pequeno porte e intensiva em mão de obra, empregando70,5% dos trabalhadores do setorxlvi.

No que tange à formação profissional, as empresas do ramode confecção são dirigidas por pessoas despreparadas para a gestãodo negócio, sem formação adequada, oriundas de variados setores,que, em geral, ao se verem desempregadas, enveredaram-se para oramo, abrindo pequenas oficinas de costura. É crescente o surgi-mento de estabelecimentos por iniciativa de imigrantes sul-ameri-

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canos, em geral bolivianos, que se utilizam da mão de obra forma-da por seus conterrâneos. Segundo demonstrou o levantamento es-tatístico do setor têxtil-confecção, realizado pela Pesquisa Nacionalpor Amostra de Domicílios (PNAD) e pelas Bases Estatísticas doMinistério do Trabalho e Emprego (MTE), com base nas informa-ções disponibilizadas pela Pesquisa Industrial Anual (PIA)xlvii, a in-dústria de confecção é o elo mais fraco da cadeia produtiva, muitoembora seja o principal comprador dos produtos advindos da indús-tria têxtil, razão pela qual faz-se imprescindível o seu fortalecimen-to para a sobrevivência de toda a cadeia.

Em razão da sazonalidade, um dos maiores inconvenientescom os quais se defronta a cadeia do setor, e a fim de equilibrar asoscilações do mercado, optou-se pela terceirização dos serviçospara as oficinas de costura. O segmento em questão tem adotadocomo estratégia de concorrência o preço de venda, e, para reduziros custos de aquisição, a subcontratação tem sido o elemento cen-tral dos modelos produtivos adotados por seus fornecedores. A cau-sa do sucesso do procedimento encontra-se na informalidade damão de obra e no sistema de remuneração por peça produzida.

Neste sentido, dados coletados pela Pesquisa Industrial Anual(PIA), pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)e pelas Bases Estatísticas do Ministério do Trabalho e Emprego(MTE)xlviii indicaram que os trabalhadores da indústria de confecçãoapresentam os menores níveis de formalização, as menores contri-buições previdenciárias e o maior percentual de trabalhadores autô-nomos, quando comparados aos outros setores da cadeia produtiva.A informalidade da mão de obra e a busca incessante por custosmais baixos causaram a exploração do trabalho na cadeia produtivatêxtil-confecção, reduzindo à condição análoga à de escravo, prin-cipalmente, imigrantes ilegais, com determinado perfil.

3.2. PERFIL DAS VÍTIMAS

O atual perfil dos trabalhadores em condições análogas à es-cravidão na cadeia produtiva do setor têxtil-confecção constitui-se,em sua maioria, de imigrantes ilegais: uma mescla entre asiáticos elatino-americanos, em especial, bolivianos. Em geral, tais imigran-tes, motivados pelo sonho de uma vida melhor e pela possibilidadede auferirem somas que não conseguiriam obter em sua terra natal,

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cedem ao aliciamento, deixando a realidade socioeconômica da Bo-lívia para se aventurar no Brasil. Ao chegarem neste país, mesmoante às evidentes más instalações das moradias, alimentação e con-dições degradantes de trabalho, em decorrência da acentuada desi-gualdade social e econômica, da intensa pobreza e das más condi-ções de trabalho de suas cidades e regiões de origem, possivelmen-te piores que as encontradas no Brasil, muitos trabalhadores bolivi-anos não consideram análogo ao de escravo o trabalho exercido noterritório brasileiro. De mais a mais, não percebem que foram obje-to de tráfico internacional de pessoas, razão pela qual muitos delesnão demonstram interesse e/ou desconhecem o processo de anistiaem curso desde 2009 ou os acordos bilaterais de imigração vigen-tes.

Em suma, os imigrantes bolivianos que vêm para o Brasil tra-zidos por “gatos”, trabalham muito, recebem pouco, sendo-lhe des-contado o valor da viagem. Há, também, os que ainda estão na in-formalidade, recebendo por peça produzida, morando e se alimen-tando nas oficinas em que trabalham, mas que não possuem dívidase seus documentos não lhe foram retirados. Não raras vezes, essesconseguem juntar dinheiro suficiente para enviar para seus familia-res na Bolívia e guardar uma quantia para seu retorno. Essa mão deobra escrava, segundo Azevedo, citado por Antônio Cesar Lima dePaulo e José Luiz Rondelli, compõe-se predominantemente por jo-vens, 55% de homens e 44% de mulheres, com idade de 18 a 44anos e que cursaram apenas o ensino fundamentalxlix.

Permanecendo ilegalmente no Brasil, os trabalhadores nãoconseguem tirar sua Carteira de Trabalho e Previdência Social(CTPS) e, portanto, ficam impossibilitados de ingressar no mercadode trabalho formal. Estes trabalhadores e suas famílias, expostos àsformas degradantes de exploração, possuem alto grau de vulnerabi-lidade social.

4. TRABALHO ESCRAVO NA INDÚSTRIA TÊXTIL E DECONFECÇÃO COMO ILÍCITO TRABALHISTA:IMPLICAÇÕES PENAIS DO CRIME DE REDUÇÃO ÀCONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO PREVISTO NOART. 149 DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

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O art. 1º da Constituição Federal brasileira elenca dentre osprincípios fundamentais da República a cidadania (inc. I), a digni-dade da pessoa humana (inc. III) e os valores sociais do trabalho eda livre iniciativa (inc. IV). Dentre os direitos e deveres individuaise coletivos (art. 5º) consta que ninguém será submetido à torturanem a tratamento desumano ou degradante (inc. III), que são invio-láveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pesso-as, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moraldecorrente de sua violação (inc. X), que é livre o exercício de qual-quer trabalho, ofício ou profissão (inc. XIII), que é livre a locomo-ção (inc. XV), que ninguém será privado da liberdade ou de benssem o devido processo legal, sem mencionar a proibição de prisãopor dívida (inc. LXVII).

O art. 149 do Código Penal Brasileiro, reformulado em 2003pela Lei 10.803/2003, utiliza a expressão “redução à condição aná-loga a de escravo” para definir o crime no país, atribuindo pena dereclusão de dois a oito anos e multa, além da pena correspondente àviolência ao agente que reduzir alguém a condição análoga à de es-cravo. De acordo com a literalidade do tipo penal, os meios de exe-cução podem consubstanciar-se na submissão a trabalhos forçados,jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho ou quando otrabalhador tem restringida sua locomoção em razão de dívida con-traída com o empregador ou aliciador. Cuida-se de crime doloso,consistente na presença de elementos cognitivos e volitivos a ani-mar a conduta do agente, que se consuma no momento da efetiva ecompleta submissão da vítima ao agente.

Essa nova concepção traduz-se em um importante avanço naconceituação do crime, na medida em que desvincula a prática cri-minosa da ideia de cerceamento de liberdade somente, alinhandoseu objeto jurídico à questão da violação da dignidade do trabalha-dor. Protege-se a liberdade individual, evitando que determinado ci-dadão, por razoes de trabalho e sobrevivência, seja subjugado poroutro. Além disso, assume o delito característica ainda mais ampla,inserindo-se em verdadeiro acinte contra a organização social dotrabalho, o que justifica a competência da Justiça Federal para o seujulgamento. A redação do artigo, no entanto, tem sido duramentecriticada pelos operadores do direito, em função da sua falta de cla-reza, dificultando o enquadramento do agente na hipótese legal, oque faz com que os autores acabem impunes. Portanto, é urgente a

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modificação da lei para que seja adequada à realidade aqui comen-tada.

O crime de trabalho escravo independe do consentimento davítima, devido à sua enorme vulnerabilidade ou fragilidade socioe-conômica, sendo que a preservação da liberdade do ser humanoconstitui interesse preponderante do Estado. Ou seja, tal vulnerabi-lidade favorece o “consentimento” ao aliciamento e à exploração,bem como as condições geográficas da região e a ausência do Esta-do na vida do indivíduo, reforçando a exploração do trabalho escra-vo. Sendo assim, o crime configura evidente afronta ao princípio dadignidade da pessoa humana.

5. FLAGRANTES DE TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO NA INDÚSTRIA TÊXTIL E DE CONFECÇÃO NOBRASIL

O trabalho em condições análogas a de escravo não ocorresomente no meio rural, mas também em áreas urbanas, nos grandescentros metropolitanos. No Brasil, há casos alarmantes de escravis-mo contemporâneo na indústria têxtil e de confecção. Empresascomo Renner, M.Officer, Zara e Marisa não apenas têm em comumo fato de serem grandes marcas de varejo no setor têxtil. Em todaselas, foi flagrante a afronta à dignidade humana dos trabalhadoresque exerciam suas funções em condições análogas à de escravo. Ascondições encontradas pelas equipes de fiscalização nas oficinasterceirizadas das quatro varejistas tiveram semelhanças no que serefere à presença de imigrantes ilegais, condições precárias de tra-balho e à imposição de jornadas de trabalho exaustivas e superioresao permitido pela legislação trabalhista brasileira.

5.1. RENNER

Após fiscalização, realizada em outubro e novembro de 2014sob o comando da Superintendência Regional do Trabalho e Em-prego de São Paulo (SRTE/SP), com a participação do MinistérioPúblico do Trabalho e da Defensoria Pública da União, a Renner l,rede varejista de roupas presente em todo o Brasil, foi consideradaresponsável pela redução de trabalhadores a condições análogas àde escravosli. Durante a operação, constatou-se que 37 costureiros

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bolivianos eram vítimas da denominada escravidão contemporâneaem uma oficina de costura terceirizada, situada no Jardim Labiraty,bairro do extremo Norte do município de São Paulo. Entre os res-gatados havia 21 homens, 15 mulheres e uma adolescente, que re-cebiam por produção; os valores por peça variavam de R$ 0,30para as mais simples a R$ 1,80 para as mais elaboradas.

Aos trabalhadores eram fornecidos alojamento e alimentaçãoem troca de um abatimento em seus rendimentos, prática que carac-teriza a servidão por dívida e não é permitida pela legislação brasi-leira. As vítimas viviam sob condições degradantes (completa faltade higiene e privacidade, risco de incêndio e explosão de botijõesde gás, e alimentos armazenados em locais impróprios e cheios deinsetos) e cumpriam jornadas extenuantes de trabalho (em geral en-travam às 7 e saíam às 21 horas, com intervalo para almoço, e, aossábados, o expediente era das 7 às 12 horas). Além disso, costura-vam próximos a polias e correias, correndo o risco de amputação demembros. A Renner também foi responsabilizada por aliciamento etráfico de pessoas para fins de exploração de trabalho em condiçãoanáloga à de escravo.

Após as diligências realizadas na oficina terceirizada da Ren-ner, as autoridades trabalhistas emitiram guias de seguro-desempre-go para os 37 trabalhadores escravizados e exigiram da empresa asanotações das carteiras de trabalho dos costureiros em seu nome e arescisão indireta dos respectivos contratos de trabalho, com a quita-ção dos salários devidos e das multas rescisórias. Tais medidas, noentanto, não foram tomadas pela Rennerlii.

5.2. M. OFFICER

Uma ação realizada conjuntamente pelo Ministério Públicodo Trabalho (MPT) e pelo Ministério do Trabalho e Emprego(MTE) resgatou, em novembro de 2013, duas pessoas produzindopeças da M.Officer em uma confecção no Bom Retiro, bairro da re-gião central da cidade de São Pauloliii. Há sete meses, eles foramcontratados pela Spazio, uma empresa terceirizada, e costuravamexclusivamente para a marca M.Officer, ganhando, ambos, sete re-ais por peça produzida.

Também egressos da Bolívia, os trabalhadores são casados eviviam com seus dois filhos no local em que costuravam. A

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casa não possuía condições de higiene nem local para alimentação,razão pela qual a família realizava suas refeições sobre a cama decasal em que dormiam, diariamente, seus quatro membros. Ainda,no local de trabalho, onde foram encontradas instalações elétricasirregulares junto a material inflamável, não havia extintores de in-cêndio. O valor referente às despesas da casa, como luz, água, pro-dutos de limpeza e de higiene era descontado do pagamento mensaldos obreiros. Com base em diferentes flagrantes de exploração detrabalho análogo ao de escravo em confecções de roupas da marcaM.Officer, o Ministério Público do Trabalho (MPT) objetiva banira empresa por ela responsável do Estado de São Paulo e condená-laa pagar R$ 10 milhões em danos morais coletivosliv.

5.3. ZARA A grife espanhola Zara foi exposta a um escândalo que correu

o mundo quando equipes de fiscalização trabalhistas encontrarampessoas trabalhando em oficinas em São Paulo, subcontratadas pelaZara, em condições precárias. De acordo com matéria publicada noConsultor Jurídico no primeiro dia de setembro de 2012, diligênciado Ministério do Trabalho encontrou, em junho de 2011, cinquentae um trabalhadores, dentre eles quarenta e seis bolivianos, traba-lhando em condições análogas à escravidão em Americana e SãoPaulo (SP)lv. Conforme a revista Exame, os salários eram irrisórios,as jornadas de trabalho eram de até dezesseis horas diárias e os fun-cionários eram proibidos de deixar o local sem autorização prévialvi.Não bastando, foi descoberto também o uso de mão de obra infan-til, bem como ambientes sem ventilação e com fiação exposta. Adecisão em 1ª instância, proferida pelo juiz Alvaro Emanuel de Oli-veira Simões, ressalta que

a subordinação, embora camuflada sob a aparênciade terceirização, era direta aos desígnios da comer-ciante das confecções [...] a fiscalização verificou,outrossim, que as oficinas onde foram encontradostrabalhadores em condição análoga à de escravidãolabutavam exclusivamente na fabricação de produtosda Zara, atendendo a critérios e especificações apre-sentados pela empresa, recebendo seu escassosalário de repasse oriundo, também exclusivamente,ou quase exclusivamente, da Zaralvii.

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5.4. MARISA

A Marisa Lojas S/A foi envolvida em dois flagrantes de tra-balho escravo – o primeiro no ano de 2007 e o segundo no ano de2010, sendo autuada 48 vezes e multada (o que totaliza uma dívidade seiscentos e trinta e três mil e seiscentos reais)lviii. Segundo audi-tores do Ministério do Trabalho e procuradores do Ministério Pú-blico do Trabalho, os trabalhadores bolivianos eram trazidos aoBrasil de forma ilegal, vivendo em condições degradantes e em re-gime de servidão por dívidas. A Lojas Marisa, no entanto, proces-sou a União pedindo a anulação dos autos de infração resultantesda fiscalização, defendendo não ter havido qualquer irregularidadeno ato praticado, haja vista que os empregados que trabalhavam emcondições análogas à escravidão eram terceirizados e não funcioná-rios da empresa. A juíza Andréa Grossmann absolveu a Lojas Mari-sa, que veio a assinar um TAC comprometendo-se a auditar 100%de sua cadeia produtiva, embora nunca tenha divulgado seus resul-tadoslix. O MTE recorre da absolvição. Por enquanto, ainda é preci-so aguardar a posição da Advocacia Geral da União, que revelou apossibilidade de interpor recurso caso a sentença do caso Marisafosse desfavorável. Um diferente resultado na próxima instânciapode abrir precedentes para punições mais rigorosas em casos futu-ros.

6. O COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO NAINDÚSTRIA TÊXTIL NO BRASIL CONTEMPORÂNEO:MEDIDAS PREVENTIVAS E REPRESSIVAS

O Brasil possui um arcabouço normativo, constante da sua

Constituição Federal de 1988, do Código Penal e da Consolidaçãodas Leis do Trabalho – CLT, com vistas a amparar o trabalhador ecombater o trabalho em condições análogas à escravidão. Desta-cam-se, ainda, enquanto instrumentos protetivos dos obreiros ostratados do Mercosul e as convenções da Organização Internacionaldo Trabalho – OIT, ratificadas pelo país. Tanto os trabalhadoresbrasileiros como os estrangeiros têm seus direitos assegurados nalegislação brasileira, apesar de muitos deles não buscarem tal prote-ção jurídica, devido à situação de clandestinidade ou à ausência de

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informação.De acordo com Luiz Machado, coordenador do Projeto de

Combate ao Trabalho Escravo no Brasil, da Organização Internaci-onal do Trabalho, não obstante ainda haja desafios a enfrentar, oBrasil é referência mundial no combate ao trabalho escravo, já queneste país há mecanismos que não são encontrados em nenhum ou-tro lugar do mundolx. Cita-se como exemplo a Portaria nº 265, de 6de junho de 2002, do Ministério do Trabalho e Emprego, que esta-beleceu normas para a atuação dos Grupos Especiais de Fiscaliza-ção Móvel (GEFM), compostos por auditores-fiscais do trabalho,tendo como finalidade o combate ao trabalho escravo, forçado e in-fantillxi.

Constata-se que o Brasil apresentou uma evolução no que serefere à fiscalização e capacitação de atores para o combate ao tra-balho escravo, assim como em relação à conscientização dos traba-lhadores sobre os seus direitos. Segundo avaliação realizada pelaOrganização Internacional do Trabalho – OIT, 68,4% das metas es-tipuladas pelo Plano Nacional Para a Erradicação do Trabalho Es-cravo foram atingidas, total ou parcialmente. Destaca-se que entre1995 e 2002 foram libertadas 5.893 pessoas, ao passo que, entre2003 e 2007, 19.927 trabalhadores em condições análogas à escra-vidão foram resgatados pelo Grupo Especial de Fiscalização Mó-vel, sediado no Ministério do Trabalho e Empregolxii.

No mesmo sentido, as iniciativas para o enfrentamento à es-cravidão moderna ou contemporânea na indústria têxtil de confec-ção têm se intensificado nacional e internacionalmente, destacando-se entre elas a formalização das oficinas de costura e o registro emcarteira dos trabalhadores. Quando enquadrada a situação como re-dução de pessoas à condição análoga à de escravo, emite-se guiasdo seguro desemprego e são as empresas condenadas ao pagamentodas verbas rescisórias, de danos morais coletivos e individuais,além de penas financeiras.

A nova redação conferida ao art. 243 da Constituição da Re-pública Federativa do Brasil de 1988lxiii, por força da EmendaConstitucional n° 81, de 5 de junho de 2014, trouxe novos paradig-mas para o debate, atribuindo responsabilidade social, trabalhista epenal àqueles que, no topo da cadeia produtiva, fomentam sua lu-cratividade à custa da exploração do trabalho do ser humano.

Não se olvida de que um grande empecilho para o país

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avançar na erradicação do escravismo contemporâneo é a efetivapunição na esfera criminal. A despeito da tipificação do crime deredução à condição análoga à de escravo no art. 149 do Código Pe-nal ser clara quanto a jornada exaustiva, trabalho forçado, condiçãodegradante e servidão por dívida, não é expressivo o número decondenações criminais transitadas em julgado e, brandas as penascominadas. Deve-se responsabilizar todos os envolvidos na cadeiaprodutiva que detém poderes gerenciais sobre os trabalhadores, de-terminando o ritmo e o modo de produção. A extensão da responsa-bilidade a todos eles implica em impor limites à continuidade da re-pulsiva prática da exploração do trabalho escravo contemporâneo.

Com o propósito de solucionar os problemas referentes à ca-deia produtiva do setor do varejo têxtil, deve-se primar pela promo-ção do trabalho decente. O combate à escravidão contemporâneanão deve ser feito apenas por meio da repressão, fazendo-se indis-pensável prevenir, conscientizar e profissionalizar os trabalhadoresresgatados para que não voltem às mesmas condições em que seencontravam.

6.1. PLANOS NACIONAIS PARA A ERRADICAÇÃO DOTRABALHO ESCRAVO

Consciente de que a eliminação do trabalho escravo constitui

condição básica para o Estado Democrático de Direito, o governofederal elegeu como uma das prioridades a erradicação de todas asformas contemporâneas de escravidão. O 1º Plano Nacional Para aErradicação do Trabalho Escravolxiv foi elaborado, em 2003, pelaComissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos da PessoaHumana (CDDPH), constituída pela Resolução 05/2002 doCDDPH e que reúne entidades e autoridades nacionais ligadas aotema. Atendendo às determinações do Plano Nacional de DireitosHumanos, o instrumento expressa uma política pública permanenteque deverá ser fiscalizada por um órgão ou fórum nacional dedica-do à repressão do trabalho escravo e apresenta medidas a seremcumpridas pelos diversos órgãos dos Poderes Executivo, Legislati-vo e Judiciário, Ministério Público e entidades da sociedade civilbrasileira.

O Plano conta com diversas ações, algumas já cumpridas, ou-tras em andamento e outras precisando ser aceleradas. Constitui-se,

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basicamente, de ações gerais, a serem cumpridas em curto prazo, epropostas para a melhoria na estrutura administrativa do grupo defiscalização móvel, da ação policial, do Ministério Público Federale do Ministério Público do Trabalho, além de ações específicas depromoção da cidadania e combate à impunidade, e ações voltadas àconscientização, capacitação e sensibilização. Destaca-se como umde seus objetivos primeiros a prevenção e a assistência às vítimas,com vistas a romper o ciclo vicioso da escravidão contemporânea.

Aprovado em 17 de abril de 2008, o 2º Plano Nacional para aErradicação do Trabalho Escravolxv foi produzido pela ComissãoNacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) e re-presenta uma atualização do primeiro Plano. Nesta nova versão fo-ram incorporados cinco anos de experiência e introduzidas modifi-cações a partir de uma reflexão permanente sobre as distintas fren-tes de luta contra essa forma brutal de violação dos Direitos Huma-nos. Considerando que o Brasil avançou menos no que diz respeitoàs medidas para a diminuição da impunidade e para garantir empre-go e reforma agrária nas regiões fornecedoras de mão-de-obra es-crava, o novo plano concentra esforços nessas duas áreas.

Este segundo Plano é composto por ações gerais, ações de en-frentamento e repressão, de reinserção e prevenção, de informaçãoe capacitação, bem como por ações específicas de repressão econô-mica. Com mais um Plano Nacional para a Erradicação do Traba-lho Escravo e o empenho dos órgãos governamentais e da socieda-de civil será possível a erradicação definitiva do trabalho escravo edegradante no país.

6.2. PACTO CONTRA A PRECARIZAÇÃO E PELOEMPREGO E TRABALHO DECENTES EM SÃO PAULO –CADEIA PRODUTIVA DAS CONFECÇÕES

O debate constante entre os representantes do Ministério Pú-

blico do Trabalho, Auditores Fiscais, representantes sindicais, enti-dades de apoio aos migrantes e dos próprios migrantes, fomenta,para além das questões objetivas da promoção do trabalho decente,o questionamento acerca da realidade singular marcada pela subje-tividade dos migrantes. O Pacto contra a precarização e pelo em-prego e trabalho decentes em São Paulo – cadeia produtiva dasconfecções –, celebrado pelo Ministério de Trabalho e Emprego e a

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Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo,em 24 de julho de 2009, objetiva o engajamento do setor empresa-rial na luta pelo trabalho livre e decente, exibindo como elementofundacional e necessário o diálogo com diversas instituições gover-namentais, comerciais e sociais. Nele se destaca a preocupaçãocom as condições dos trabalhadores imigrantes indocumentados eos efeitos das atividades terceirizadas, fazendo referência à grandeação realizada pelo grupo “Dignidade para o trabalhador migrante”,que, a partir de junho do ano 2007, propunha-se a melhorar as con-dições de trabalho dos imigrantes que trabalham no ramo de con-fecções em São Paulo em qualquer função da sua cadeia produtiva.Em consequência, a partir de outubro de 2007, a SuperintendênciaRegional do Trabalho e Emprego em São Paulo deu início ao Pro-grama de Combate à Fraude na Relação de Trabalho e à Terceiriza-ção irregular.

6.3. LEI DO ESTADO DE SÃO PAULO N° 14.946, DE 28 DE JANEIRO DE 2013

O governo do Estado de São Paulo, no intuito de preservar adignidade humana do trabalhador e fazer cumprir a ConstituiçãoFederal, assim como, evitar os lucros sobre essa prática; em 13 demaio de 2013, regulamenta a Lei nº 14.946, que dispõe sobre a cas-sação da inscrição no cadastro de contribuintes do Imposto sobreOperações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Presta-ções de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e deComunicação – ICMS, de qualquer empresa que faça uso direto ouindireto de trabalho escravo ou em condições análogas. A lei é deautoria do deputado estadual Carlos Bezerra Jr., líder do PSDB naAssembleia Legislativa - SP e vice-presidente da Comissão de Di-reitos Humanos. Conforme o jornal Folha de São Paulo, referidopor Antônio César Lima de Paulo e José Luiz Rondelli, o processode cassação iniciará mesmo com a possibilidade de recursos, o queantes não era possívellxvi. Sem a Inscrição Estadual não é possívelemitir notas fiscais, o que torna praticamente impossível qualqueroperação de ordem comercial, ou seja, pela lei nº 14.946, quandocassada a inscrição, a empresa ficará impedida de operar no Estadode São Paulo por um período de dez anos. Tal iniciativa, contudo,além de visar à proteção social dos trabalhadores e à própria digni-

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dade da pessoa humana, busca principalmente frear práticas deso-nestas empreendidas por empresas inescrupulosas que terceirizamserviços para oficinas e “fábricas” que exploram esses trabalhado-res e, com isso, concorrem deslealmente com as demais empresasque observam a legislação vigente, tornando economicamente de-sestimulante a adoção de trabalho escravo no País, pois a ilícita re-dução dos custos da mão de obra será compensada com a vedaçãode acesso a benefícios vitais ao funcionamento das empresas nacio-nais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O homem evoluiu, criou novas formas de governo, novas tec-nologias, novas leis, porém a astúcia do ganho do lucro fácil per-meia os tempos modernos. Assim como no passado, vê-se, atual-mente, nos setores econômicos uma escravidão mais sutil, mas nãomenos repudiável, desumana, disfarçada, encoberta pela desigual-dade social, pelas diferenças étnicas e econômicas entre países epelo interesse daqueles que se regozijam com o ganho desleal nomercado capitalista.

A Constituição Brasileira assegura a dignidade da pessoa hu-mana e os valores sociais do trabalho, declarando que todos sãoiguais perante a lei, sem distinção entre brasileiros e estrangeirosresidentes no país, e que ninguém será submetido à tortura nem atratamento desumano ou degradante. Todavia, quando os interesseseconômicos pessoais se sobrepõem às leis ditadas ao povo, vê-se aviolação do Diploma Constitucional para o favorecimento próprio.

O fato de o Brasil ter reconhecido a existência de trabalho es-cravo em seu território na década de 1990 e iniciado o efetivo com-bate à prática por meio dos grupos móveis, formados por auditoresfiscais do trabalho, procuradores do trabalho e policiais federais,tornou o país referência mundial de enfrentamento a essa prática.Foi nesse cenário que o Estado de São Paulo sancionou, em 13 demaio de 2013, a Lei nº 14.946, referência ao combate à escravidão,elevando o país à condição de destaque nos meios internacionais degrande importância.

Contudo, ainda há muito por fazer. A promoção de campa-nhas dirigidas a locais, em que é grande a probabilidade de existên-cia de trabalho escravo, pode tornar mais sistemática a própria ação

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de fiscalização das instituições envolvidas no processo (o que nãoelimina, evidentemente, outros tipos de necessidades, quer sejamhumanas, materiais ou financeiras). Também, a disponibilização deinformações relativas à situação de trabalhadores escravizados per-mitirá maior transparência para a população em geral.

É de extrema importância que casos como os que neste estu-do foram abordados não venham à tona somente para encher aspáginas dos noticiários. Devem eles ser discutidos para que sirvamde alerta para a população e principalmente para os empresários,visto que as responsabilidades de uma grande empresa vão muitoalém das questões administrativas e tributárias.

Clama-se por mudanças em prol de todo o segmento econô-mico e não apenas dos empregados ou terceirizados de determinadaempresa, a fim de dar cumprimento aos desígnios constitucionais,notadamente ao princípio da dignidade humana. O consumidor fi-nal é peça chave nesse processo, já que é o único capaz de dar umfim a essa realidade alarmante, por ser detentor do poder de esco-lher o que comprar.

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POLÍTICAS DE COMBATE ÀS FORMAS CON-TEMPORÂNEAS DE TRABALHO ESCRAVO

FIGHTING POLICIES TO CONTEMPORARYMODES OF FORCED LABOR

Beatriz Polachinilxvii

Gabriele Ariane Pinellilxviii

Resumo: Embora se trate de uma questão ainda pouco discutida e pouco conhecida damaioria da sociedade, a escravidão é um fato e é essencial que se dê visibilidade a estetema. Isto porque, devido à vulnerabilidade e fragilidade dessa parcela da população, quenão se mostra apta a combater o que lhe fora imposto, deve a população, por meio da res-ponsabilidade social, junto ao Estado lutar para erradicar esta prática que viola todos osdireitos e garantias fundamentais do ser humano. O presente trabalho tem por escopo dis-correr acerca das formas contemporâneas de trabalho escravo dando enfoque à escraviza-ção observada nos meios rural (setor primário) e urbano (setor secundário) no Brasil.Além disso, tem por objetivo expor os motivos de ser esta conduta totalmente reprovávele abominável do ponto de vista legal e social. O estudo terá por base o relato de casosconcretos, análise de pesquisas atuais no que diz respeito à quantidade de pessoas sujeitasao trabalho forçado e de empresas e pessoas físicas que cometeram o crime, bem comoanálise de artigos e da legislação. Ademais, será também demonstrada a necessidade decobrança por uma fiscalização mais incisiva e punições mais severas por parte do Estado.Palavras-chave: trabalho escravo contemporâneo; meio urbano; meio rural; indústriastêxteis.

Abstract: Although still relatively little discussed and known to the society majority, theslavery is a fact and it is essential that we give visibility to this theme. This is because,due the vulnerability and fragility of this population part, that not shows the ability tofight against what has been forced against them, must the population, through the socialresponsibility, combined with the state fight for eradicate this practice that hurts all therights and fundamental guarantees of the human being. This work has the scope of dis-course about the contemporary ways of slavery work focusing the noted slavery in ruralareas (primary sector) and urban (secondary sector) in Brazil. Besides that, aims to givethe reasons for this to be totally reprehensible and abominable conduct of legal and socialpoint of view. The study will be based on the report of specific cases, analysis of currentresearch about amount of people who are subject to the slavery and companies and indivi-duals that committed the crime, as well as the analysis of articles and legislation. Besides,the need to charge for a more effective supervision and more severe punishment by thestate will also be demonstrated.Keywords: modern-day slavery; urban areas; rural environment; textile industries.

INTRODUÇÃO

O trabalho escravo é considerado a forma mais grave de ex-

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ploração do homem por não atentar apenas contra os princípios edireitos fundamentais do trabalho, mas também por violar direitoshumanos como a dignidade, a liberdade, além da vida. Inicialmen-te, no Brasil, a exploração do trabalho se deu por meio da escravi-zação da população indígena. Posteriormente e com maior expres-sividade, com o tráfico de escravos africanos. Apesar de o sistemaescravocrata ter sido abolido por meio da Lei Áurea no ano de1888, o trabalho escravo continua presente na atual conjuntura dasociedade. As principais diferenças entre os regimes antigo e atualrepousam no fato de que, em um primeiro momento, a conduta deum ser humano ter a propriedade de outro era totalmente legal eaceitável e, atualmente, esta prática se encontra proibida e crimina-lizada.

O presente trabalho tem como finalidade discorrer acerca dasformas contemporâneas de trabalho escravo dando enfoque à escra-vização observada nos meios urbano e rural no Brasil. Além disso,irá expor os motivos que levam determinada parcela da população ase sujeitar a este tipo de situação, bem como demonstrar quais me-didas devem ser adotadas para erradicar a escravidão atual levando-se em conta os meios de combate já adotados pelo país. Será deli-mitada também a forma com a qual se exterioriza o trabalho força-do tanto no campo, principalmente no setor agropecuário, quantonas grandes cidades, priorizando a análise nas indústrias têxteis.

Tendo em vista o parâmetro exposto, configura-se como obje-tivo geral deste artigo científico, trazer à tona e discutir o fato deque, embora a escravidão tenha sido abolida há mais de um século,esta se apresenta de maneira oculta aos olhos da sociedade impe-dindo que a maioria das pessoas tenha consciência de que ainda setrata de uma realidade.

Ademais, cumpre salientar que a forma contemporânea detrabalho escravo é vantajosa para quem se vale do trabalho, tendoem vista o fato de que o trabalhador não possui valor algum, dis-pende-se apenas com sua manutenção que se revela de baixo custo,além de não possuir valor nenhum de compra, o que facilita seudescarte. Em contrapartida, nos moldes passados, o escravo era ob-jeto de compra e venda, um verdadeiro investimento e seu custo demanutenção era elevado.

Por fim, a partir do que fora exposto acima, abordar-se-á aimportância e a necessidade de erradicar tal prática abominável doponto de vista legal e social, bem como demonstrar que, apesar de

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já existirem órgãos e programas que visam o combate à prática dotrabalho escravo, é essencial que se exija maior fiscalização dasáreas mais suscetíveis à ocorrência da contratação de mão-de-obraescrava.

1. TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO

1.1. Conceito

Tem-se por trabalho escravo contemporâneo aquele em quese explora ilegalmente determinada pessoa que, na maioria das ve-zes em situação de extrema miséria e sem condições de subsistên-cia, se sujeita a prestar serviços de qualquer natureza em condiçõesdegradantes, revelando-se esta pela inexistência de remuneração,jornadas de trabalho exaustivas, bem como pela ausência de respei-to à sua dignidade enquanto ser humano.

De acordo com Vieira:

O escravo moderno é menos que o boi (que écuidado, vacinado e bem alimentado), que a terra(que é protegida e bem vigiada) e que a propriedade(sempre defendida com firmeza). Destarte, o trabal-hador escravizado, por não integrar o patrimônio do“escravagista moderno”, este não se preocupa comsua saúde, segurança e higidez física e mental, sendototalmente descartável, utilizado apenas como meiode produção e não ligado ao proprietário por qual-quer liame, legal ou social, na visão daqueles que seutilizam da prática ou que pretendem legalizá-la.lxix

Nas palavras de Jairo Lins de Albuquerque Sento- Sé, o con-ceito de trabalho escravo contemporâneo é:

Aquele em que o empregador sujeita o empregado acondições de trabalho degradantes, inclusive quantoao meio ambiente em que irá realizar a sua atividadelaboral, submetendo-o, em geral, a constrangimentofísico e moral, que vai desde a deformação do seuconsentimento ao celebrar o vínculo empregatício,passando pela proibição imposta ao obreiro de resiliro vínculo quando bem entender, tudo motivado pelo

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interesse de ampliar os lucros às custas da explo-ração do trabalhador.lxx

Vale ressaltar que a escravidão presente nos dias de hoje, con-figura-se como um meio extremo de exploração econômica. Ob-serva-se, assim, que foi deixada para trás sua forma pré-capitalista,tradicional, permitida e legalizada pelo Estado. Nos novos moldes,o trabalhador não é remunerado e tem sua liberdade e vontade limi-tadas pela vontade de outrem.

As características do trabalho escravo consistem no vício deconsentimento ao aceitar a proposta de trabalho, o impedimento porparte do contratante em encerrar o exercício da atividade, o cercea-mento de liberdade do trabalhador por meio de coação absoluta oumoral e a sua redução à qualidade de objeto não tendo a sua digni-dade respeitada.

Além disso, o escravo moderno tem como relevantes caracte-rísticas o fato de ser pobre, ter qualquer idade ou sexo e não tercondições de permanecer e sobreviver em sua cidade natal. Estassituações transformam o homem em um ser extremamente vulnerá-vel às promessas de uma vida digna e melhor. Como consequência,o vulnerável aceita ofertas de trabalho em outros lugares “iludido”com a possibilidade de conseguir melhorar sua condição financeira,quando na verdade está concordando com sua própria exploração.

De acordo o pensamento de Kevin Bales, “existe na socieda-de uma disparidade econômica. Essa injustiça se traduz numa enor-me quantidade de pessoas que, de tão pobres, se tornam vulneráveisà escravidão.”lxxi

A acentuada desigualdade social, mais precisamente a desi-gualdade econômica, advinda da má distribuição de renda, observa-da no país, possibilita que o trabalho escravo alcance proporçõesgrandiosas. Esse fato tem como consequência o aumento do núme-ro de pessoas submetidas à pobreza, que, inevitavelmente, se tor-nam vulneráveis a ações de aliciadores. O indivíduo se encontra emsituação de extrema necessidade financeira e enxerga na oferta detrabalho uma esperança de vida melhor e mais digna.

1.2. Espécies

O trabalho escravo é considerado gênero do qual o trabalhoforçado e o trabalho degradante são espécies. Ambas as espécies

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são atentatórias à dignidade da pessoa humana, bem como a outrosdireitos fundamentais constitucionalmente protegidos.

O trabalho forçado consiste naquele em que a pessoa se vêprivada de liberdade quando do exercício de atividade imposta poruma terceira pessoa. Esta terceira pessoa coage fisicamente ou psi-cologicamente o trabalhador a desempenhar determinado trabalho,impondo-lhe penalidades caso o mesmo não seja realizado da ma-neira solicitada.

Já o trabalho degradante é caracterizado pelo fato de que ostrabalhadores desempenham a atividade submetidos a péssimascondições de trabalho, que incluem situações de inobservância deregras acerca da segurança do trabalho, bem como de higiene, entreoutros. Sendo assim, não são respeitados os direitos fundamentaisda pessoa humana relacionados à prestação laboral. Ao desempe-nhar o trabalho nessas condições, o indivíduo é de fato reduzido àcondição análoga a de escravo.

Nota-se que todas estas espécies reduzem o homem enquantoser humano, suprimindo da maneira mais cruel seus direitos e ga-rantias fundamentais. É inaceitável que haja tais violações em umEstado Democrático de Direito, o qual disponibiliza amplos meiosde proteção para que não aconteçam essas situações abomináveisde completo desrespeito ao ser humano e seus direitos.

Insta salientar que o trabalho escravo além de afetar direta-mente a dignidade do indivíduo e seu valor, submetendo-o ao traba-lho forçado e degradante, bem como sua liberdade, ao impedi-lo deir embora do local de trabalho, acaba por atingir outros direitosbásicos, como o direito à moradia digna, direito ao acesso à saúde,direito à educação, entre outros.

2. TRABALHO ESCRAVO NA ÁREA RURAL

Consiste o trabalho escravo na área rural, uma das modalida-des de trabalho forçado. Define a Organização Internacional doTrabalholxxii como sendo trabalho forçado: “todo trabalho ou servi-ço exigido de uma pessoa sob ameaça de sanção e para a qual elanão tiver se oferecido espontaneamente”.

No Brasil, o trabalho escravo foi intensificado nas décadas de60 e 70 com o aumento das técnicas agrícolas na Amazônia Brasi-leira que demonstravam necessidade de se recrutar um grande nú-mero de trabalhadores. Em contrapartida, nas últimas décadas, os

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maiores casos desta prática são verificados nas regiões do Piauí,Pará, Mato Grosso e do Maranhão, especificamente na zona rural.

Segundo o Relatório da Relatora Especiallxxiii, Gulnara Shahi-nian, informações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) re-velam que, os estados brasileiros que fornecem grandes quantida-des de trabalhadores são os estados do Tocantins, Maranhão e Pi-auí. Em contrapartida, os que possuem a maior necessidade dessetipo de demanda, são os estados também do Tocantins, com 7%,Maranhão, com 8%, Mato Grosso, com 15% e, por fim, o estado doPará, com 48% de demanda. Nota-se que as principais atividadesque demandam o trabalho escravo são a pecuária, com 38%, a agri-cultura, como a cana de açúcar, com 25%, a silvicultura e desflo-restamento, com 14% e as carvoarias, com 3%. Vale ressaltar que ofato das atividades não exigirem grandes habilidades por parte dequem as executa, torna-se um grande atrativo àquelas pessoas quenão possuem instrução alguma.

O indivíduo que se sujeita à escravidão em um primeiro mo-mento disfarçada de oportunidade de melhora de condição de vidaé, na maioria das vezes, aquele que está passando por sérias neces-sidades, estando em situação de extrema miséria. Esta condiçãoparticular torna a pessoa vulnerável às propostas oferecidas pelocontratante que envolve salários muito atrativos, aceitando, portan-to, as condições degradantes e desumanas de trabalho. Sendo as-sim, geralmente, os trabalhadores são aliciados, por pessoas quesão contratadas pelo proprietário rural – mais conhecidos como“gatos”, nos estados de extrema pobreza, com níveis elevados dedesemprego e analfabetismo. Além disso, deve-se levar em consi-deração a questão da concentração de terras, uma vez que esta afetade maneira mais incisiva os estados de origem desses trabalhadorese está aliada à pobreza. Portanto, os trabalhadores se encontram pri-vados do único meio que permitiria sobreviver na área rural, que éo cultivo da terra, sujeitando-se assim, à única alternativa restante:o trabalho escravo.

Após aceitarem a proposta de emprego do aliciadorlxxiv, os tra-balhadores iniciam sua caminhada rumo a um endividamento semfim. Esta situação decorre do fato de que o próprio transporte até apropriedade rural é cobrado. Além do transporte, também são con-tabilizados os instrumentos a serem utilizados no desempenho dasatividades, a alimentação, os produtos de higiene pessoal e qual-quer outro item que o trabalhador necessite. Estes artefatos são dis-

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ponibilizados em um pequeno estabelecimento que fica no interiorda própria fazenda e o seu valor é maior do que aquele estabelecidopelo mercado. Insta salientar que os “gatos” contabilizam todos es-tes débitos por meio de anotações em uma caderneta específicapara cada trabalhador. Desta maneira, o indivíduo se vê obrigado apermanecer no local até que a sua dívida seja quitada. Todavia, es-tes débitos nunca serão solvidos, tendo em vista que o salário é, aocontrário do que fora prometido, extremamente baixo além de que,pode ocorrer, em alguns meses, que sequer haja remuneração.

Observa-se que o trabalho escravo consiste no ofício degra-dante aliado ao cerceamento da liberdade. Tal cerceamento não é,na maioria das vezes, explícito, uma vez que não mais se utilizammeios materiais para prender o homem. Contudo, o fato de existirgrandes distâncias que separam a propriedade da cidade, bem comoa coação física e psicológica, caracterizam esta limitação de liber-dade. As coações físicas e psicológicas são exercidas por guardasarmados que vigiam os trabalhadores o tempo todo, e, além de re-ceberem ameaças de violência contra eles e suas famílias frequen-temente, no caso de tentativa de fuga, são caçados, feridos ou atémesmo mortos. Vale lembrar que também são constantes os abusosverbais e sexuais.

Outrossim, o tratamento degradante se revela nas condiçõesdo alojamento, saneamento, alimentação, saúde, maus tratos e vio-lência. Por muitas vezes o contratante dos serviços não disponibili-za uma estrutura para abrigar os contratados. Sendo assim, por ve-zes, a saída é acomodar-se em barracas que são montadas ao relen-to, ficando os mesmos sujeitos à chuva, frio ou calor. No que se re-fere à saúde, é importante destacar que os trabalhadores, ao adoece-rem, são facilmente descartáveis, visto que o empregador necessitaapenas de sua mão-de-obra, não podendo suportar essa situação devulnerabilidade física. Além disso, dependendo da região onde aatividade é desenvolvida, os trabalhadores ficam expostos às doen-ças típicas como a malária e a febre amarela. Ademais, não há umsistema de saneamento básico com tratamento de água e esgoto;córregos são utilizados para saciar a sede, para tomar banho, lavaras roupas e quaisquer outras. Vale lembrar que as chuvas carregampara esses córregos resíduos e venenos utilizados na lavoura ou napecuária. A alimentação dessas pessoas se resume a arroz e feijão epouca vez é oferecida a “mistura”. Ainda, conforme citado anterior-mente, tudo o que é consumido é contabilizado e, posteriormente,

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descontado de sua remuneração. Por fim, insta salientar que, cons-tantemente, os trabalhadores são colocados em situação de humi-lhação e ameaça.

3. TRABALHO ESCRAVO NA ÁREA URBANA

No âmbito urbano, pode ser observada com maior ênfase aexploração de empregadas domésticas, bem como e de maneiramais expressiva, de imigrantes nas indústrias têxteis.

Particularmente, no setor de produção têxtil, observa-se ummodo de exploração característico, em que o ambiente onde sãoexercidas as atividades de manufatura, se confunde com suas resi-dências. Nestes locais, os trabalhadores laboram em um nível deextrema precariedade quanto à saúde e segurança recebendo salá-rios irrisórios. Além disso, são submetidos a jornadas extensas eexaustivas de trabalho.

Diferente das características observadas nos trabalhadores su-jeitos à escravidão no meio rural, os trabalhadores escravizados naárea urbana, são, em sua grande maioria, imigrantes bolivianos lxxv

que residem ilegalmente no país. Em decorrência desta situação,mostram-se mais suscetíveis a abusos do que os brasileiros por nãopossuírem status legal ou direitos no Brasil, além disso, os brasilei-ros nas áreas urbanas têm um acesso mais amplo à informação emeio de subsistência singular. Vale ressaltar que os bolivianos so-frem constantes ameaças por parte de seus empregadores pelo fatode que, se forem denunciados às autoridades brasileiras, serão de-portados para o seu país de origem.

Da mesma forma que ocorre com os trabalhadores escravosda zona rural também ocorre com os escravizados da zona urbana,mais especificamente nas indústrias têxteis, no que diz respeito ásdívidas fraudulentas. Eles são coagidos a efetuar o pagamento dedívidas que não existem referentes ao transporte de seu país até oBrasil, alimentação e alojamento. Frise-se que os valores muitasvezes são exacerbados, não se adequando ao salário recebido e emdesacordo com a legislação nacional.

Ademais, o tratamento degradante se revela primeiramentenas condições de moradia. As pessoas dormem em colchões locali-zados muito próximos às máquinas de costura; há apenas um ba-nheiro para o uso comum; o chuveiro não tem aquecimento elétricode forma a poupar energia. Aliás, a jornada de trabalho compreende

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o período de, aproximadamente, 12 horas por dia e o pagamentopelas peças de roupas produzidas mostra-se ínfimo se comparadocom o valor pedido pela peça no mercado, tendo que ser a remune-ração pela peça dividida entre todos os trabalhadores.lxxvi

No Brasil, após diversas denúncias, foram descobertos casosde exploração envolvendo famosos nomes da indústria têxtil, entreelas as Casas Pernambucanas, Zara, M. Officer e Marisa. Esses ca-sos apresentam em comum as seguintes peculiaridades: abuso damão-de-obra estrangeira, sujeição dos trabalhadores a condições dehigiene e segurança extremamente precárias, exigência de que secumpram exaustivas jornadas de trabalho, desrespeitando a legisla-ção brasileira, entre outros.

No setor têxtil se encontra com grande expressividade a ter-ceirização de determinado ciclo produtivo e há ligação deste comvários casos de exploração da mão-de-obra escrava. A terceirizaçãopode ocultar a burlação de direitos trabalhistas dos indivíduos queproduzem as peças, devido à flexibilidade do contrato de trabalho.A inserção de outra pessoa na relação de produção e a isenção daresponsabilidade da empresa beneficiária do serviço.

Poucos casos ganharam proporção nacional no que diz res-peito ao trabalho escravo como ganhou o que ocorreu em 2011 comempresas de grande nome no ramo têxtil, inclusive a empresa espa-nhola Zara. Na oficina onde eram executadas as atividades de cortee costura foram encontrados trabalhadores em situação análoga àcondição de escravo, tendo em vista o fato de que realizavam o ser-viço de maneira degradante e precária, não sendo respeitado ou as-segurado nenhum direito fundamental ou trabalhista.

Um dos galpões no qual funcionava uma das oficinas eracomposto de dois andares. Em um andar se encontravam os aloja-mentos e a cozinha e no outro andar ficavam as máquinas. Havia apossibilidade de incêndio em decorrência das instalações elétricasserem precárias totalmente expostas e devido aos botijões de gás seencontrarem nos quartos de forma irregular. Além disso, observou-se que os quartos abrigavam famílias inteiras e alguns possuíam ali-mentos armazenados de maneira inapropriada, havendo um únicobebedouro com apenas um copo a ser dividido por todas as pessoasali residentes. Ademais, os trabalhadores se submetiam a jornadasque compreendiam o horário das 7h30 às 20h, sendo permitida ape-nas uma hora de almoço. Houve um relato por parte de uma garotade 20 anos afirmando que chegou a costurar em um único dia um

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total de 50 vestidos. Além de tudo, haviam peças de roupas em quevários empregados integravam a sua produção. Contudo, era pago ovalor de R$ 1,80 pela peça em sua totalidade, valor este que era di-vidido entre todos os sete trabalhadores.lxxvii

Como forma de se defender a empresa em questão alegou queestaria isenta de responsabilidade, uma vez que a produção das pe-ças de vestuário era terceirizada e que desconhecia a exploração.Diante da relevância do caso, o Ministério Público do Trabalhoapresentou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) ao grupo espa-nhol que controla a grife Zara. Este termo integra três obrigações: oaperfeiçoamento da fiscalização e controle das condições nas quaisos indivíduos desempenham suas atividades na cadeia de fornece-dores e terceirizados, pela Zara Brasil; admissão da responsabilida-de quanto à existência das condições de trabalho escravo; e realiza-ção do combate ao trabalho degradante.

Finalmente, durante a CPI, acontecida em 21 de maio de2014lxxviii, um dos representantes da empresa Zara, reconheceu pelaprimeira vez que realmente ocorreu nas dependências das oficinas asituação de trabalho em condições análogas a de escravo, além deconfirmar que não fiscalizava a empresa fornecedora dos serviçosterceirizados.

Restou comprovado que a empresa realmente tinha responsa-bilidade sobre os trabalhadores que desempenhavam suas ativida-des nas condições relatadas por diversos motivos entre eles o fatode que a terceirização mostrou-se como ilícita, tendo em vista a de-pendência econômica, a subordinação, o poder de gerenciamento,controle e direção com relação à empresa Zara. Esta é responsávelpelos trabalhadores, como se houvesse contratado os mesmos demaneira direta.

4. TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO E A LEGIS-LAÇÃO

O trabalho escravo e quaisquer outras condutas que se relaci-onem à sujeição do ser humano à condição de escravo são punidose criminalizados pela legislação brasileira e por tratados internacio-nais.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5.º, demonstraque é assegurada a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, àigualdade, à segurança e à propriedade além de estabelecer que nin-

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guém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou de-gradante, não haverá penas de trabalho forçado e que a propriedadedeverá atender a sua função social, sendo de responsabilidade doproprietário tudo o que ocorrer no interior daquela. Sendo assim,qualquer forma de violação desses direitos deverá ser combatida eerradicada.

A Consolidação das Leis do Trabalho, decreto-lei n.º5.452/1943, protege o trabalhador da maneira mais ampla, preven-do em seus artigos situações como identificação profissional, jorna-da de trabalho, salário mínimo, férias anuais, segurança e medicinado trabalho, proteção ao trabalho da mulher e do menor, previdên-cia social e regulamentações de sindicatos das classes trabalhado-ras.

O Código Penal, em seu artigo 149, criminaliza a conduta dereduzir alguém à condição análoga a de escravo e impõe pena dereclusão de 2 a 8 anos e multa além da pena correspondente à vio-lência.

Há acordos e convenções internacionais que tratam deste as-sunto. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948lxxix,que estabelece a proteção universal aos direitos humanos, versa so-bre questões relativas ao trabalho em seus artigos 4.º, 5.º, 23 e 24.Afirma-se de uma maneira geral que ninguém poderá ser mantidoem regime de escravidão, que nenhum ser humano será submetidoà tortura ou a tratamento degradante, que todos têm direito a traba-lhar em condições favoráveis e receber remuneração justa pelo tra-balho desempenhado, de ser protegido contra o desemprego e quetodos os trabalhadores terão direito a repouso, lazer, limitação razo-ável de horas de labor e férias remuneradas. A Organização Interna-cional do Trabalho (OIT) aborda a temática nas convenções de nú-mero 29 (Convenção sobre Trabalho Forçado) e 105 (Convençãosobre Abolição do Trabalho Forçado). A Convenção 29 trata sobrea erradicação do trabalho forçado ou obrigatório em todas as suasfeições. Todavia, existem exceções como o serviço militar, o traba-lho penitenciário adequado e o trabalho forçado em situações emer-genciais como em incêndios, guerras, terremotos, entre outros. Já aConvenção 105, discorre acerca do impedimento da utilização detoda forma de trabalho forçado ou obrigatório como meio de impo-sição coativa ou de educação política; punição por exteriorizaçãode pareceres políticos ou ideológicos; critério disciplinar no traba-lho; corretivo por participar de alguma greve; como forma de dis-

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criminação. Há também a Declaração dos Princípios e Direitos doTrabalho e seu Seguimento, de 1998, em que se reafirma a necessi-dade de comprometimento da comunidade internacional no que dizrespeito a aplicar, respeitar e promover de boa-fé os princípios fun-damentais do Direito do Trabalho.

Vale ressaltar que a aprovação da PEC do trabalho escravoem 05 de junho de 2014 representou grande avanço quanto ao com-bate desta mazela. A agora Emenda Constitucional n.º 81 alterou oartigo 243 da Constituição Federal e prevê o confisco de proprieda-des onde ocorram casos de trabalho forçado e destina tais proprie-dades à reforma agrária ou ao uso social urbano. A alteração é es-sencial no combate a este crime, tratando-se de medida justa e ne-cessária e, além disso, faz-se cumprir a disposição acerca da funçãosocial da propriedade, que não pode ser utilizada como instrumentode opressão e palco de violação de direitos humanos.

Tem-se tomado medidas na tentativa de se atingir economica-mente os indivíduos que se valem da mão-de-obra escrava como asações movidas pelo Ministério Público do Trabalho e pelo Ministé-rio Público Federal e também a chamada “lista suja” lançada emnovembro de 2003. Nesta lista constam os nomes de pessoas e em-presas que foram flagradas na prática de exploração e em decorrên-cia disso sofrem algumas punições. Além disso, os nomes permane-cem na lista durante o lapso temporal de dois anos, ficando proibi-dos, durante este tempo, de receber quaisquer recursos públicos; in-clusive bancos privados têm a prerrogativa de optar por não lhesoferecer crédito. No entanto, apesar de existir codificação e regula-mentos suficientes para coibir a prática do trabalho escravo, inclu-sive a previsão do Código Penal, estas não têm sido suficientes paraerradicar a situação.

5. COMBATE E REPRESSÃO ÀS FORMAS CONTEMPO-RÂNEAS DE TRABALHO ESCRAVO

Destaca-se como instrumento de combate e repressão ao tra-balho escravo o Grupo Especial Móvel de Fiscalização. O GEMFfoi criado no ano de 1995 pelo Ministério do Trabalho e do Empre-go (MTE) e tem como integrantes os auditores fiscais do MTE,agentes e delegados da polícia federal e procuradores do MinistérioPúblico do Trabalho.

O Grupo Especial Móvel de Fiscalização toma conhecimento

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das denúncias por meio da Secretaria de Inspeção do Trabalho doMTE. Isto possibilita que as denúncias sejam mantidas em comple-to sigilo, evitando que os proprietários rurais tomem conhecimentoe, posteriormente, providenciem medidas ágeis para evitar que irre-gularidades sejam encontradas.

Sendo assim, a finalidade da atuação desse grupo consiste emchecar a veracidade das denúncias por meio de fiscalização no localdeterminado, se real, libertar os trabalhadores que desempenhamsuas atividades sujeitos a condições análogas às de escravo e conta-bilizar o número de pessoas e lavrar autos de infração contra o pro-prietário que permitiu que este tipo de prática ocorresse em suapropriedade. Vale ressaltar que é extremamente importante a inclu-são do trabalhador resgatado em programas específicos que objeti-vam dar acesso aos trabalhadores ao mercado de trabalho possibili-tando a geração de renda para suas famílias.

Devido à dedicação por parte dos integrantes do GEMF, asoperações têm apresentado sucesso e consequências positivas. En-tre 1995 e 2013 o número de operações foi de 11 a 179 com o nú-mero de 84 trabalhadores resgatados no primeiro ano e 2.063 noano de 2013. Consta um total de R$86.320.330 como pagamento deindenizaçãolxxx, consistente nas verbas salariais devidas ao trabalha-dor, cujo pagamento no curso da ação fiscal é consequência da que-bra do contrato de trabalho por causa dada pelo empregador. Incluisaldo de salários, férias, décimo terceiro, entre outros.

Outra forma que se apresenta na repressão ao trabalho escra-vo é o Cadastro de Empregadores Infratores cujo procedimento deinclusão e exclusão de nome, hoje, está disposto na Portaria Inter-ministerial MTE/SDH n.º 2 de 12 de maio de 2011. O Cadastro deEmpregadores, mais conhecido como “lista suja” torna público onome de empresas ou pessoas físicas que submetam trabalhadoresao trabalho forçado. A inclusão do nome do infrator se dá por meiode decisão administrativa final que advém da lavratura do auto deinfração em decorrência de ação fiscal na qual houve identificaçãode trabalhadores submetidos ao trabalho escravo. Em contrapartida,a exclusão ocorrerá após o monitoramento, direto ou indireto, du-rante o período de tempo correspondente a 2 anos contados a partirda data de inclusão, uma vez que é necessário observar se não hou-ve reincidência por parte do proprietário da prática. Além disso,será excluído o nome após o pagamento das multas que derivamdos autos de infração lavrados durante a operação.

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Insta salientar que esta lista é atualizada semestralmente,constando nela as novas inclusões, bem como as exclusões ocorri-das. A última atualização se deu em julho do ano de 2014 e foramobservadas 91 inclusões e 48 exclusões devido ao cumprimento derequisitos administrativos. O Cadastro conta com o número total de609 nomes de empregadores que foram pegos submetendo traba-lhadores a condições análogas a de escravo. Desse total, o estadoque apresenta maior número de inscritos é o Pará, com 27%, logoem seguida, Minas Gerais, com 11%, Mato Grosso, com 9% e Goi-ás, com 8%. Além disso, observa-se que a pecuária é a atividadepredominante entre os empregadores, seguida da produção flores-tal, agricultura e indústria da construção.lxxxi

De uma maneira geral, o foco do cadastro em questão é de-senvolver mecanismos de desencorajamento à utilização do traba-lho escravo e disponibilizar diversas informações de grande rele-vância para a sociedade civil, bem como para o mercado consumi-dor, tendo em vista o fato de que, se uma empresa se vale deste tipode trabalho, cria-se um risco para a mesma e o indivíduo que fazparte da cadeia de consumo tem o direito de ter o conhecimento dagênese daquilo que for contratar ou adquirir.

Esta lista, no entanto, não está divulgada em sua totalidadedevido a uma medida liminar expedida pelo Supremo Tribunal Fe-deral na Ação Direta de Constitucionalidade n.º 5.209 a qual foiproposta pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias(ABRAINC).

Ademais, em concordância com a Portaria Interministerial ci-tada anteriormente, há a Portaria n.º 1.150 do Ministério da Integra-ção Nacional, que aconselha os agentes financeiros a se privaremde dispor financiamentos ou assistência de recursos para pessoasfísicas ou jurídicas que componham o Cadastro de EmpregadoresInfratores citado acima.

Não há uma punição efetiva às empresas ou pessoas físicasinclusas em tal lista. Esta apenas objetiva informar os interessadosacerca da situação com relação ao trabalho escravo, deixando a op-ção de contratarem ou não com essas empresas ou pessoas físicas.O fato de seus nomes estarem presentes na “lista suja” pressupõeque houve uma fiscalização, com posterior lavratura de auto de in-fração e instauração de processo administrativo que culmina emmultas e necessidade de pagamento de indenizações referentes asaldo de salários, de férias, de décimo terceiro, entre outros.

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Igualmente, com a finalidade de coibir esta prática, tambémestá a atuação do Ministério Público do Trabalho que age judicial-mente e extrajudicialmente na proteção dos direitos individuais ecoletivos dando uma atenção especial às questões relativas à erradi-cação do trabalho forçado, escravo e infantil. Possui como princi-pais instrumentos que objetivam garantir os direitos constitucionaise trabalhistas dos trabalhadores libertados, a ação anulatória, a açãocivil pública, a ação preventiva, o inquérito civil público e o termode ajuste de conduta (TAC), sendo os três primeiros instrumentosjudiciais e os demais, extrajudiciais.

Como medidas de assistência e inclusão daqueles trabalhado-res, está a assistência emergencial que oferece alimentação e hospe-dagem durante o andamento da ação fiscal; o seguro desempregoespecial, que garante ao trabalhador resgatado o direito de obtertrês parcelas do seguro desemprego cada uma no valor de um salá-rio mínimo; intermediação de mão-de-obra rural, que objetiva pre-venir o aliciamento, proporcionando a relação entre a procura pormão-de-obra e a força de trabalho; possibilidade de inserção noprograma “bolsa-família”, visto que os trabalhadores possuem prio-ridade no acesso do programa; inclusão no programa “Brasil alfa-betizado”, que garante aos trabalhadores serem incluídos em tur-mas de alfabetização e sistema de acompanhamento e combate aotrabalho escravo (SISACTE), que consiste em um mecanismo im-portante na fiscalização do fluxo migratório de mão-de-obra.

Além de todos esses instrumentos mencionados, em 11 demarço de 2003 foi lançado o “Plano Nacional para a Erradicaçãodo Trabalho Escravo” pelo então presidente Luiz Inácio Lula daSilva. Este plano foi desenvolvido pelo Conselho de Defesa dos Di-reitos da Pessoa Humana (CDDPH). Posteriormente, em 17 de abrilde 2008, foi lançado o “2.º Plano para a Erradicação do TrabalhoEscravo”, como forma de complementação do primeiro.

A apresentação do primeiro plano afirma que:

Consciente de que a eliminação do trabalho escravoconstitui condição básica para o Estado Democráticode Direito, o novo Governo elege como uma dasprincipais prioridades a erradicação de todas as for-mas contemporâneas de escravidão. E o enfrenta-mento desse desafio exige vontade política, articu-lação, planejamento de ações e definição de metasobjetivas. lxxxii

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Já na apresentação do segundo plano, dispõe-se que:

Este 2.º Plano Nacional para a Erradicação do Tra-balho Escravo foi produzido pela Conatrae – Comis-são Nacional para a Erradicação do Trabalho Es-cravo e representa uma ampla atualização doprimeiro plano, Aprovada em 17 de abril de 2008,esta nova versão incorpora cinco anos de experiênciae introduz modificações que decorrem de uma re-flexão permanente sobre as distintas frentes de lutacontra essa forma brutal de violação dos DireitosHumanos.lxxxiii

De uma maneira geral, as metas estabelecidas nestes planos,determinam como responsáveis vários órgãos dos poderes Legisla-tivo, Executivo e Judiciário, além de contar com entidades engaja-das nesta causa da sociedade civil, como a Comissão da Pastoral daTerra e ONG Repórter Brasil, e a própria Organização Internacio-nal do Trabalho (OIT). Juntas, todas essas entidades devem lutarpara eliminar do corpo social esta chaga que é fruto de um passadoescravista e que consiste em afronta a esta abominável violação aosdireitos mais básicos do ser humano.

As entidades governamentais envolvidas afirmam que a efi-cácia dos Planos de Erradicação fica restrita devido ao fato de quehá carência de pessoas que coloquem as metas em prática, que fa-çam valer o disposto no plano e de profissionais como procuradoresda República, juízes do trabalho, entre outros. Além disso, a verbaliberada é insuficiente para cobrir os gastos relativos a infraestrutu-ra e material de consumo. Assim, essa situação facilita o advento daimpunidade dos autores. Nota-se que não é suficiente criar leisaprovar planos, ratificar tratados e adotar medidas se o Estado nãooferecer subsídios suficientes para que tudo seja colocado em práti-ca e o objetivo principal seja alcançado.

CONCLUSÃO

No decorrer do presente trabalho, observou-se que a questãodo trabalho escravo é um fato concreto no país e demanda grandeatenção por parte do corpo social, bem como dos órgãos públicos.Além disso, constatou-se que existem variadas feições referentes aotrabalho forçado, especialmente o trabalho escravo no meio rural e

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no meio urbano. Todas as formas de escravidão violam os direitosfundamentais do ser humano os quais estão previstos e são protegi-dos por acordos e convenções internacionais, além da ConstituiçãoFederal Brasileira. Vale recordar que o trabalho escravo rural e ur-bano são as principais formas encontradas no Brasil.

Restou também demonstrado, que a preocupação não é volta-da apenas para o trabalho escravo em si, mas também às conse-quências e reflexos deste na economia do país e para os proprietá-rios das terras onde o trabalho escravo é encontrado, à maneira dese prevenir tais condutas, bem como na realidade que os trabalha-dores resgatados enfrentam após saírem das propriedades nas quaiseram escravos.

Ademais, verificou-se que o Brasil é signatário de várias con-venções, tratados e acordos internacionais, que possui uma legisla-ção farta de disposições, medidas e sanções a serem aplicadas con-tra aqueles que transgredirem os direitos fundamentais do ser hu-mano ao submetê-los ao regime de escravidão, e, além disso, estalegislação está suscetível de ser alterada (a PEC do trabalho escra-vo é um grande exemplo disso), para que haja adaptação com a rea-lidade e necessidade atual no que tange ao trabalho escravo.

Entretanto, apesar de existir preceitos, planos e diretrizes aserem seguidas pelo Governo, notou-se que ainda não há garantiade erradicação das formas contemporâneas de trabalho escravo pormeio da aplicação dos mesmos, tendo em vista principalmente ofato de que ainda há grandes números de pessoas físicas e jurídicasenvolvidas na prática ilícita mencionada. Quanto a esta questão, éimportante salientar o caso da impunidade de que se aproveitam al-guns proprietários de terra e empresas como consequência da longatramitação de processos, em que o crime acaba por prescrever, res-tando anulada a condenação. O cálculo da prescrição de um crimeleva em conta o tempo entre a denúncia realizada pelo MinistérioPúblico e a sentença proferida pelo juiz. Isto não seria um problemacaso fosse aplicada a pena máxima prevista, correspondente a oitoanos o que acarretaria o prazo de prescrição em doze anos.

No entanto, a justiça, na maioria das vezes, escolhe aplicar apena mínima, conforme fora citado anteriormente, correspondentea apenas dois anos. Sendo assim, conforme a legislação, se o pro-cesso durar quatro anos e a pena aplicada for de dois anos, o crimeprescreve. A solução seria aumentar a pena mínima como meio dereduzir as chances de ocorrer à prescrição do supracitado delito.

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Para tanto, é essencial a mudança de postura por parte dos juízesresponsáveis pelo julgamento desse crime, de modo a aplicar apena máxima prevista no Código Penal, levando em consideração agravidade da conduta.

Sendo assim, após análise dos métodos elencados para a erra-dicação do trabalho escravo contemporâneo, pode-se destacar que,para que haja efetivação das medidas, é necessário que haja a libe-ração de maior verba a fim de melhorar a infraestrutura, a fiscaliza-ção e oferecer maior quantidade de material de consumo para asoperações. Além disso, as entidades governamentais envolvidasapontam que há carência de recursos humanos, de pessoas capacita-das para fazer cumprir as metas no que tange à erradicação. Esta re-alidade impede que haja melhoria da estrutura dos Grupos Móveisde Fiscalização, por exemplo. Há também escassez acentuada deprocuradores da República e do Trabalho, Juízes do Trabalho Fede-rais, auditores fiscais do trabalho, polícia federal e polícia rodoviá-ria federal, técnicos do INCRA e IBAMA, além de funcionários pú-blicos.

É essencial que haja um nível maior de comunicação entre osórgãos do poder público com todas as entidades envolvidas paraque haja maior eficiência no combate e repressão do trabalho escra-vo e, além disso, que sejam incluídos novos atores no processo deconscientização social, como aqueles que são formadores de opini-ão. A sensibilização da sociedade também é um ponto crucial naluta pela libertação dos trabalhadores escravizados.

Existem leis e medidas aptas a produzir os efeitos esperadosquanto à erradicação das formas contemporâneas de trabalho escra-vo. Contudo, ainda não são eficazes do ponto de vista prático, ouseja, embora haja o aparato necessário, os números relativos às pes-soas responsáveis por escravizar não tem sofrido redução conside-rável com o passar dos anos. Tal fato pode ser comprovado pormeio de observação dos dados oferecidos pelo Ministério do Traba-lho e do Emprego, conforme fora citado ao longo do trabalho.

Conclui-se que a escravidão é um crime que não pode, em hi-pótese alguma, deixar de sofrer punição por parte do Estado e nãopode permanecer oculto aos olhos da sociedade, uma vez que supri-me os direitos mais básicos do cidadão brasileiro. A escravatura foiabolida uma vez e é essencial que seja novamente erradicada.

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FORMAS CONTEMPORÂNEAS DE TRABALHOESCRAVO: A EXPLORAÇÃO SEXUAL E A EMENDA

CONSTITUCIONAL Nº 81/2014

CONTEMPORARY FORMS OF SLAVERY LABOUR:THE SEXUAL EXPLOITATION AND THE CONSTITU-

TIONAL AMENDMENT Nº 81/2014

Felipe Rodrigues Xavierlxxxiv

Guilherme BolliniPolycarpolxxxv

Resumo: O artigo pretende comparar o trabalho escravo com a exploração sexual para daíoferecer subsídios teóricos para a equiparação legislativa das duas realidades brasileiras,visto que a exploração sexual é umas das formas possíveis de trabalho escravo. Dentrodas mais modernas propostas legislativas nacionais e internacionais, defende-seaqui asimbiose tanto na produção de normas como na atividade dos órgãos de fiscalização econtrole na prevenção, tratamento e erradicação dessas duas problemáticas, visto a pro-funda e intrínseca relação existente entre elas. Conclui-se com a nova emenda constitucio-nal nº 81/2014 que prevê a expropriação de imóveis que utilizem o trabalho análogo ao deescravidão. Palavras-Chave: trabalho escravo, exploração sexual, emenda constitucional nº 81/2014.

Abstract: The article aims to compare slavery labour to sexual exploitation to offer theo-

retical subsidies to the legislative equivalence of these two Brazilian realities, since thesexual exploitation is one of the possible forms of slavery labor.Based on the most modern national and international legal proposes, it is argued a sym -biose in the standards making process as much as in the activities of the supervisory andcontrolling organs, aiming the prevention, treatment and eradication of these two areas sodeeply connected. It is concluded with the new constitutional amendment nº 81/2014which provides for the expropriation of properties that use labor analogous to slavery.Keywords: slavery labour, sexual exploitation, constitutional amendment nº 81/2014.

INTRODUÇÃO

Pretendemos com o presente artigo defender a equiparação daexploração sexual a trabalho em condições análogas a de escravi-dão (redação utilizada pelo Código Penal) ou simplesmente traba-lho escravo. Dada à rica e longa historicidade das duas problemáti-cas, em muitos outros países tanto europeus como latino-america-nos já existe tal equiparação entre essas duas formas de alienaçãodo homem. Este entendimento, inclusive, é o que vem sendo utili-zado nos mais variados documentos internacionais, a maioria dosquais o Brasil é signatário. Todavia, aqui são tratados injustificada-mente como fenômenos autônomos e estanques a nível legislativo e

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também naquele de criação e atuação dos órgãos de controle e fis-calização dos mais diversos estabelecimentos. Assim, por exemplo,são os auditores do Ministério do Trabalho encarregados de atuarnas fábricas de tecidos de São Paulo que utilizam ilegalmente tra-balhadores bolivianos em regime de trabalho análogo à escravidão,enquanto que o flagrante de exploração sexual de Altamira, realiza-do na Boate Xingu (um prostíbulo mantido nas imediações dasobras da Usina de Belo Monte) foi conduzido pela Polícia Civil apedido do Conselho Tutelar da região.

Primeiramente partiremos da definição atual de trabalho deescravo, socorrendo-nos de documentos internacionais já ratifica-dos pelo País e, pois tal, passível de normatividade em nosso âmbi-to. As demais são despiciendas: pela proposta do trabalho, a buscade conceitos de trabalho escravo cada vez mais distantes no tempoacabaria por enfraquecer os liames com os quais pretendemosamarrar os itenscomponentes do artigo, tornando este primeiro pordemais longo, além de não oferecer o subsídio exato que queremospara a continuação do artigo. Neste capítulo inicial buscaremosanalisar o conceito de trabalho escravo de modo a precisar seu ver-dadeiro alcance, de modo que somente assim teremos o subsídio te-órico indispensável para responder à indagação do pertencimentoda eventual espécie “exploração sexual” ao gênero “trabalho escra-vo”.

O segundo item será composto da análise e diferenciação dosórgãos de fiscalização e controle de ambas as problemáticas. Expli-caremos quais são tais órgãos e suas atividades, indicando, portan-to, a possibilidade ou necessidade de atuação conjunta ou mesmocriação de novel órgão destinado exclusivamente a tais atividadesna hipótese de ser acolhida a proposta por nós defendida da equipa-ração da exploração sexual a trabalho escravo. Seria ingênuo pen-sar que somente a equiparação legislativa, mesmo até constitucio-nal, já seria suficiente para responder a todas as indagações que es-tes intrincados problemas apresentam. Claro que se tratando de si-tuações palpáveis, multifacetadas e que se prolongam há séculos nasociedade brasileira, também se deve dar proposta sobre a forma,como e por quem que tais crimes devem ser investigados. Já pordemais sabido que alterações legislativas, por maior que sejam, nãotem o condão de transformar a realidade de per si, necessitando daconstante vigilância para sua aplicação por parte dos agentes políti-cos, membros do Judiciário, Ministério Público, Defensorias Públi-

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cas e órgãos de representação da sociedade.Ao terceiro item compete a explanação da atual situação le-

gislativa concernente aos dois institutos e a justificação da necessi-dade de equipará-los. Trataremos ainda da novíssima EmendaConstitucional nº 81/2014, fruto da Proposta de Emenda Constitu-cional nº 438, que modifica radicalmente a forma como o EstadoBrasileiro pune os proprietários ruais e urbanos que utilizem traba-lhadores sujeitos à condições análogas a de escravidão. Fazendocrítica à EC nº 81, discorreremos sobre a oportunidade de ter sidoestendidas suas disposiçõesa para prever de igual modo as proprie-dade onde ocorra exploração sexual. A crítica não seria qualitativa(de fato, acreditamos ser um passo gigantesco a aprovação do textoora constitucional, ainda mais em tempos de Congresso Nacionalextremamente conservador) mas também quantitativa, ou seja, au-mentando o raio de atuação deste para abranger também a explora-ção sexual. Tal modificação por nós defendida estaria umbilical-mente ligada à ideia base do presente artigo de equiparação entreambas problemáticas.

Por fim, buscaremos condensar todas as nossas propostasdesde o conceito até as modificações legislativas em andamento,passando pela unificação dos órgãos de fiscalização e controle,tudo isto com base em documentos internacionais, na própria legis-lação nacional e alienígena, nos relatórios dos responsáveis pelocombate ao trabalho escravo e exploração sexual e na mais moder-na doutrina e jurisprudência, defendendo, sempre e tenazmente, aequiparação da exploração sexual a trabalho escravo como melhorforma de tratamento e erradicação dessas duas chagas entranhadasna própria formação da sociedade brasileira.

1. CONCEITO ATUAL DE TRABALHO ESCRAVO E SUAABRANGÊNCIA

O trabalho escravo tal como concebido até fins do séculoXIX não mais existe senão em rincões isolados do globo e, nãosendo este o principal objetivo deste artigo, acreditamos ser despi-ciendo coletar aqui algumas das conceituações da escravidão aolongo dos tempos. Basta-nos a atual que, acrescente-se, está emconstante mutação.

A expressão “escravidão moderna” ou outras análogas comu-mente utilizadas em tratados internacionais e legislações pátrias são

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meramente metafóricas já que não se trata mais da compra e vendade seres humanos. Hodiernamente, o vocábulo “escravidão” refere-se àquelas relações de trabalho nas quais o trabalhador o é contrasua vontade, pois sua liberdade tanto de contratação como de loco-moção é retirada pelo “empregador”, que assim o mantém em con-dições análogas à de escravo através de sempre renovadas ameaçasfísicas e/ou psíquicas que acabam por manter a vítima adstrita per-manentemente ao local de prestação do trabalho.

Portanto, para a configuração de trabalho sob condições aná-logas àquelas da escravidão é suficiente que a subordinação ao em-pregado fuja aos padrões minimante aceitáveis, de sorte que o tra-balhador tenha sua vontade totalmente desprezada irrestritamente afavor da do empregador. Aliás, esta expressão “condição análoga àde escravo”, que acreditamos ser mais exata do que simplesmente“escravidão moderna”, é a que figura no art. 149 do Código PenalBrasileiro:

Reduzir alguém a condição análoga à de escravo,quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornadaexaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantesde trabalho, quer restringindo, por qualquer meio,sua locomoção em razão de dívida contraída com oempregador ou preposto.Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além dapena correspondente à violência.

A redação original de 1940 utilizava-se somente da expressão“condição análoga a de escravo”, não a definindo tal como faz aatual. Esta é fruto das profundas modificações impostas a este arti-go pela Lei 10.803/03 que de restocominou à pena do art. 149aquela correspondente à violência e no inovativo §1º adicionouduas hipóteseslxxxvi em que o crime também estaria configurado.

Desfazendo-se do uso da interpretação analógica, outrora ne-cessária na redação anterior, o crime do art. 149 é de forma vincu-lada, ou seja, para sua caracterização é preciso que seja cometidopelos meios descritos no tipo.

Pois bem, analisamos agora cada um desses quatro elementospara a configuração do tipo:

a) Trabalhos forçados: sendo vedada até mesmo aoscondenados a pena de trabalhos forçados (art. 5º, XLVII, c,

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CF), representa qualquer atividade laborativa que seja desen-volvida contra a vontade do trabalhador, agindo este compul-soriamente e sob coerção direta;b) Jornada exaustiva: compreende o período de traba-

lho superior àquele definido em legislação trabalhista. Toda-via, há de se ter cautela para o preenchimento do tipo penalcom base nesse elemento, já que “a jornada de trabalho podeser buscada pelo próprio trabalhador, por vezes para aumen-tar sua remuneração ou conseguir algum outro tipo de vanta-gem” (NUCCI, 2010) caso em que, prevalecendo a livre e es-pontânea vontade do trabalhador, não estaria caracterizado afigura típica do art. 149 já que esta exige submissão;c) Condições degradantes de trabalho: apesar de se tra-

tar de tipo aberto onde cabem inúmeras interpretações porparte do juiz, deve-se buscar aquelas condições que ferem adignidade humana, tais como, em hermenêutica sistemática,aquelas aos quais eram os antigos escravos submetidos;d) Restrição de liberdade de locomoção: tratando-se o

art. 149 de espécie de cárcere privado (CP, art. 148), deve-seter em conta que qualquer tipo de restrição à liberdade de lo-comoção já é bastante para configurar o crime. Se acaso nolocal de prestação do trabalho houver também algum tipo decomércio pertencente ao patrão e este disponibilizar produtossem, no entanto, vincular as dívidas comerciais porventuracontraídas à permanência do empregado no estabelecimento,crime não há.

Tais são os elementos reconhecidos pelo Direito Pátrio para aconfiguração do trabalho realizado sob condições análogas àquelasas da escravidão. Acrescente-se que se trata de crime alternativo enão cumulativo, sendo suficiente que o patrão submeta o trabalha-dor-escravo a trabalhos forçados ou jornada exaustiva ou condiçõesdegradantes de trabalho ou que restrinja, por qualquer meio, sua li-berdade de locomoção.

Como se vê, os elementos acima descritos são amplos e pas-síveis de abranger não somente o trabalho escravo, mas outras situ-ações análogas (que sejam caracterizadas por alienação corporal,restrição da liberdade de vontade e física, coerção) e que atinjam osmesmos direitosfundamentais da vítima, como a dignidade da pes-soa humana. Qual se passa também com a exploração sexual.

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O marco regulatório legal ao tratamento internacional que sepretende dar ao tráfico internacional de pessoas com fins para a ex-ploração sexual é o Protocolo de Palermoaprovado pela ONU em2003 e promulgado em nosso país no ano seguinte, através do de-creto nº 5.017.

O art. 3º do Protocolo Adicional à Convenção das NaçõesUnidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Pre-venção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em EspecialMulheres e Crianças, traz a definição de tráfico de pessoas para tra-balho escravo ou exploração sexual adotada para seus efeitos:

A expressão "tráfico de pessoas" significa o recruta-mento, o transporte, a transferência, o alojamento ouo acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ouuso da força ou a outras formas de coação, ao rapto,à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou àsituação de vulnerabilidade ou à entrega ouaceitação de pagamentos ou benefícios para obter oconsentimento de uma pessoa que tenha autoridadesobre outra para fins de exploração. A exploração in-cluirá, no mínimo, a exploração da prostituição deoutrem ou outras formas de exploração sexual, o tra-balho ou serviços forçados, escravatura ou práticassimilares à escravatura, a servidão ou a remoção deórgãos.

Facilmente perceptível que a definição do Protocolo Interna-cional acima trazida, embora mais detalhada, traz no cerne de todosos seus elementos a restrição coercitiva da liberdade do trabalhadore a submissão total deste à vontade do empregador, de modo quetoda a existência daquele fica adstrita ao trabalho.

Comparando-se os elementos de que se valem as definiçõesdo CP e do Protocolo Internacional, tem-se que trabalhos forçados,jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho e restrição daliberdade de locomoção funcionam como que moldura – ou gênero– a qual são colocados em tela as espécies “ameaça”, “uso da forçaou a outras formas de coação”, “fraude”, “abuso de autoridade ou àsituação de vulnerabilidade” e mais outros. Tais elementos constan-tes do Protocolo de Palermo nada mais são do que alguns meios(exemplificativos, sem dúvida) de que pode se valer o empregadorpara a concretização do crime do art. 149 do CP.

Combatendo este entendimento, dois são os argumentos mais

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comuns para afastar a incidência o art. 149 do CP também aos ca-sos de exploração sexual. Primeiramente alega-se a ilicitude da ati-vidade e a não regulação legal da prostituição, sendo, portanto, asvítimas pura e simplesmente desprovidas de seus direitos. Trata-seclaramente de argumento absurdo, fundado num dogmatismo extre-mo que põe em perigo as próprias bases do Estado Democrático deDireito e seus princípios mais basilares. Adotando-o, por exemplo,imigrantes que entrassem de maneira ilegal em nosso país poderi-am ser usados como escravos, mesmo destino daqueles trabalhado-res aos quais faltassem algum tipo de documentação trabalhista.

O segundo argumento mais comumente utilizado, também dematriz puramente dogmática, é aquela que alega não constar a ex-pressão “exploração sexual” na redação do art. 149 do CP supra.Resolução do CONATRAE (Comissão Nacional para a Erradicaçãodo Trabalho Escravo) de 23/04/13 rebate de uma vez por todas tallegalismo exacerbado:

O CPB tipifica o crime de submeter alguém à condi-ção análoga à de escravo sem especificar o ramo deatividade envolvido ou a qualidade da vítima. Ex-pressa assim que a lei vale para todas as situaçõesde exploração em condição análoga à de escravo,sem discriminação da situação legal pessoal da ví-tima ou da legalidade da atividade na qual se dá asua exploração. As características descritas no artigo149 do Código Penal para criminalizar o trabalhoanálogo a de escravo aplicam-se rigorosamente tam-bém a situações de exploração sexual. (CONA-TRAE, 2013)

Nem poderia ser outra a solução. O atual art.149 do CódigoPenal é perfeitamente aplicável aos crimes de exploração sexual.Aliás, todas as disposições legislativas referentes a trabalho escravoo são. Não só, mas também defendemos a definitiva equiparaçãolegislativa das duas problemáticas na legislação vindoura, comatenção particular à já aprovada Emenda Constitucional nº 81/2014(fruto da PEC 438), tratada a seguir que trouxe modificações ao re-gime constitucional de penas às propriedades que se utilizam dotrabalho escravo. Assim, acreditamos, não sobrariam dúvidas sobrea profunda e intrínseca relação entre essas duas chagas que feremconjunta e frontalmente osdireitos consagrados nos incisos III, XII,XV e LIV do art. 5º da Constituição Federal, bem como os próprios

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fundamentos do Estado Brasileiro elencados no art. 1º da Carta Po-lítica: a cidadania (inc. II), a dignidade da pessoa humanalxxxvii (inc.III) e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (inc. IV).

2. ÓRGÃOS DE FISCALIZAÇÃO E CONTROLE

Atualmente o Ministério Público do Trabalho (MPT) tem rea-lizado expressiva atuação no combate ao crime previsto no art. 149do Código Penal, atuando tanto na fiscalização, realizando impor-tantes ações extrajudiciais e judiciais no sentido, de um lado, deprevenir e punir o ilícito e, de outro, promover a inserção do ofen-dido – o trabalhador outrora reduzido à condição análoga à escravi-dão – no mercado de trabalho.

Merece destaque especial sua atuação extrajudicial, com rea-lização de diversos projetos e ações, organizados pela Coordenado-ria de Erradicação do Trabalho Escravo - CONAETE, criada em 12de setembro de 2002, por meio da portaria 231/200, objetivando,sobretudo, erradicar o ilícito estabelecido no referido tipo penal.

Nesse sentido, tal órgão:

Investiga situações em que os obreiros são submeti-dos a trabalho forçado, servidão por dívidas, jor-nadas exaustivas ou condições degradantes de tra-balho, como alojamento precário, água não potável,alimentação inadequada, desrespeito às normas desegurança e saúde do trabalho, falta de registro,maus tratos e violência.”lxxxviii

Outro órgão que tem realizado uma notável atuação em con-junto com o MPT e especificamente o CONAETE no combate à re-dução do trabalhador à condição análoga à escravidão é o Ministé-rio do Trabalho e Emprego (MTE).

Dentre as ações adotadas pelo MTE podemos apontar, v.g., aedição da Portaria n°. 540/2004, que criou um cadastro elencandoos empregadores que submeteram trabalhadores a condiçõesanálo-gas à de escravo conhecido como “Lista Suja”. Os empregadoresmencionados nesse rol, o qual é elaborado semestralmente a partirda lavratura definitiva de Auto de Infração pelos Auditores Fiscaisdo Trabalho, estão sujeitos a sofrerem um série de sanções de cu-nho patrimonial, como o cancelamento de financiamento junto abancos públicos.

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Pode-se destacar também o benefício trazido ao ofendido apartir da publicação da lei nº 10.608, consistente no direito de rece-ber três parcelas do “Seguro Desemprego Especial para Resgata-do”, no valor de um salário mínimo cada.

Por fim, cumpre mencionar a iniciativa do MTE em conjuntocom o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome(MDS) firmando, em dezembro de 2005, acordo de cooperação queprevê o acesso dos trabalhadores resgatados ao programa nacionaldo Bolsa Família.

É inegável que tais medidas apontadas, tanto repressivasquanto protetivas, resultaram em substancial sucesso no combateao crime de redução do trabalhador à condição análoga a de escra-vo, malgrado não ter dizimado por completo tal prática odiosa. Talcifra atesta: segundo o MPT, desde 2005 mais de 35 mil trabalha-dores foram retirados dessas condições e reinseridos no mercado detrabalho, consistindo em um indicativo, porém ainda incipiente, do-progresso na consolidação dos fundamentos previstos na Constitui-ção e na consecução de um real Estado Democrático de Direito.

No sentido da tese aqui defendida, consistente na extensão le-gislativa do âmbito de incidência do art. 149 do CP à exploração daatividade sexual, inegável que haja também a ampliação da compe-tência do MPT para fiscalizar e adotar medidas judiciais e extraju-diciais no combate à erradicação de tal prática e concomitante ex-tensão dos direitos previstos para as pessoas resgatadas em condi-ção de trabalho análoga à escravidão.

Ainda que se argumente que a exploração na atividade sexualnão constitua relação de trabalho em sentido strictu sensu, não al-bergada, portanto, no art. 114 da Constituição Federal, impedindo aatuação do MPT, há que se ressaltar que tanto o tipo penal previstono art. 149 do CP quanto a exploração do trabalho sexual são passí-veis de conjugação e proteção Estatal conjunta uma vez que ambosafrontam os mesmo bens jurídicos: a liberdade e a dignidade dapessoa humana. Não só, mas também submetem os ofendidos à si-tuações extremamente degradantes e utilizam as mesmas foram derepressão e perpetuação da prática: desterritorialização, servidãopor dívida, sujeição a condições sub humanas de sobrevivência ehabitação.

Embora a definição da competência para apuração da explo-ração sexual seja carecedora de uma construção jurisprudencialsólida, acreditamos que seja a Justiça Federal competente para pro-

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cessar e julgar tais afrontas à dignidade humana, sendo tal princí-pio, aliás, segundo o art. 109, parágrafo 5º da Constituição Federal,o motivo pelo qual é atraída a competência das Varas e TribunaisFederais.

Ademais, justifica-se a posição ora defendida uma vez que ooutrora conflito de competência para julgar o crime previsto no art.149 do Código Penal foi dirimido no julgamento do RE398041lxxxix, apreciado em 30/11/2006, que, a partir do conteúdo doart. 109, VI da Carta Magna, definiu a competência da Justiça Fe-deral para o processamento e julgamento do indigitado crime.

Na esteira do que estamos defendendo, nada obsta a compe-tência do judiciário federal para análise dos casos de exploração se-xual, hipótese que não desautoriza a atuação dos órgãos do Ministé-rio Público da União (MPU), cuja competência é definida na LeiComplementar 75/93.

Um exemplo emblemático apto a ilustrar com fidelidade a ne-cessidade e adequação de ações como a ora defendida é o flagranteocorrido em 13/02/2013, realizado em Altamira – PA, ocasião emque a Polícia Civil local encontrou 15 pessoas em regime de escra-vidão e cárcere privado em um prostíbulo localizado nas áreas li-mítrofes de um dos canteiros de obras da Usina de Belo Monte. Deacordo com relato da autoridade policial que efetuou comandou aoperação, foram encontradas jovens de idade entre 16 a 20 anos, to-das da região sul do país – eis aqui o artifício da desterritorializaçãoacima destacado -, vivendo em condições sub- humanas de sobrevi-vência. Em depoimento à autoridade, as vítimas relataram que tinhasua liberdade cerceada, podendo deslocar-se apenas uma vez porsemana à cidade sob vigilância cerrada de funcionários da boate.Ademais, foi encontrado no local um caderno onde eram anotadasas dívidas das meninas, como gastos com passagens, alimentos evestimentas, além de “multas” por motivos diversosxc.

As características descritas no artigo 149 do Código Penalpara criminalizar o trabalho análogo à escravidão aplicam-se rigo-rosamente também a situações de exploração sexual.

Trata-se de uma séria anomalia na política brasileira o estabe-lecimento de políticas, instituições e ferramentas separadas paratratar do combate ao trabalho escravo, de um lado, e cuidar do en-frentamento ao tráfico de pessoas, do outro lado, como se essasduas frentes fossem conceitualmente e praticamente separadas demaneira estanque. A atualidade nos confirma que não o são e nos

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obriga a retomar uma visão integrada e integral do fenômeno da es-cravidão moderna.

No exemplo acima tratado, que infelizmente tem se verifica-do em contumácia em nosso país, chama a atenção aparidadeentreos elementos que determinam a configuração da redução do traba-lhador à condição análoga à escravidão (condições degradantes detrabalho, jornada exaustiva, cerceamento de liberdade, trabalho for-çado, isolamento geográfico, ameaças físicas e psicológicas, servi-dão por dívida) e os elementos verificados na exploração sexual re-latada a título de exemplo. Não resta dúvida a semelhança no quediz respeito à afronta de direitos fundamentais entre ambas as con-dutas.

Acreditamos que com a equiparação legislativa das condutase a conseqüente adoção equânime de métodos repressivos, fiscali-zação e repressão, haveria a extensão da competênciado MinistérioPúblico do Trabalho para a averiguação também dos casos que en-volvam exploração sexual. Certo é que o parquet trabalhista neces-sitaria de um fortalecimento institucional (maior número de servi-dores, equipamentos, etc.), porém cremos que sua atuação implica-ria em maior eficácia no combate de tais práticas justamente pelaexperiência adquirida no trato com o trabalho escravo, utilizandométodos mais específicos e eficazes do que, por exemplo, a PolíciaCivil, encarregada que foi da apuração do caso de Altamira.

3. A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 81/2014

Estamos somente nos primeiros meses da nova disposiçãoconstitucional aditada/modificada pela Emenda Constitucional nº81 de 2014, outrora em trâmite no Congresso Nacional sob o nomede PEC 438/2001, apresentada ao Congresso em 1999 pelo entãosenador Ademir Andrade (PSB-PA), que trouxe em seu bojo a ex-propriação de propriedades flagradas com mão de obra escra-va, destinando-as à reforma agrária ou a programas de habitaçãopopular urbana, dependendo da localização do estabelecimento fla-grado.

A proposta original continha somente a disposição de expro-priação de imóveis rurais. Passou a abranger também as proprieda-des urbanas devido às pressões exercidas pela bancada ruralista,como se sabe bastante numerosa e influente nas Casas Legislativas,como que uma concessão em troca da aprovação final.

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A referida Emenda Constitucional modificoua redação do art.243 da Constituição Federalxci para aplicar pena de perdimento dapropriedade em que for constatada a exploração de trabalhador re-duzido à condição análoga à escravidão, expropriando o imóvelsem direito a qualquer indenização ao proprietário, cuja responsabi-lidade pela violação do dispositivo deverá ser objetiva, conforme ajurisprudência vem se posicionandoxcii, sem prejuízo das demaissanções previstas.

Antes da promulgação da Emenda, a sanção aplicada para oproprietário em cuja área - referimo-nos aqui à rural - fosse consta-tada a exploração do trabalho análogo à escravidão era a desapro-priação por interesse social para fins de reforma agrária, nos termosdo art. 184 c/c art. 186, III, ambos da Constituição Federal. Desa-propriada a área, o proprietário recebia prévia e justa indenizaçãoem títulos da dívida agrária, resgatável no prazo de até vinte anos.

Ante a análise das inovações trazidas pela EC 81/2014 pode-se destacar duas modificações substanciais em relação ao atual re-gime de desapropriação: a partir da constatação de prática da con-duta inserta no art. 149 do CP, aplica-se a pena de perdimento daárea, sem direito a ulterior indenização, pena essa aplicável tanto aoimóvel rural como ao imóvel urbano.

Confere-se assim, no intuito de expurgar tal prática, uma pu-nição mais severa ao infrator do que a prevista atualmente.

De fato, a inobservância das disposições que regulam as rela-ções de trabalho ensejam o descumprimento da função social dapropriedade, conforme aduz o art. 186, III da CF. Entretanto, aquidepara-se não somente com uma simples violação da disposiçõesque regem as relações de trabalho, mas de violação frontal aos di-reitos fundamentais, o que autoriza e legitima uma punição maissevera por parte do Estado.

Neste sentido, ensina Eros Grau que a propriedade que nãoesteja cumprindo a função social não pode ser juridicamente prote-gida, vale dizer, não há fundamento jurídico que ampare a proprie-dade descumpridora de sua função social. Assim, a propriedade quenão cumpre sua função social não é ”desapropriável”, pois só sepode desapropriar a propriedade e não o que inexiste. Conclui o exMinistro da Suprema Corte (1991, p. 250) que o mínimo de coerên-cia conduz à ilação de que o descumprimento da função social háque levar ao perdimento do bem e não à desapropriação, embora re-conheça que a referida conclusão não é acatada pela Constituição

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Federal. Eis aí um importante substrato teórico apto a embasar a re-ferida EC.

Inegável, portanto, ante a tese aqui esposada, que o proprietá-rio de área na qual se constata a prática de exploração sexual nãoestá somente descumprindo a função social da propriedade, mas,sobretudo, está violando as garantias fundamentais da vítima, o queautoriza a aplicação da pena de perdimento também nesse caso.

Portanto, cremos que seperdeu oportunidade única para queconstasse do texto da EC nº 81/2014 a aplicação da pena de perdi-mento também daspropriedades nas quais se constatasse a explora-ção sexual. O fato de tal possibilidade não ter sido ventilada desdeas primeiras discussões em torno da PEC certamente prejudicoueste possível entendimento. Tratou-se de excelente oportunidadepara a implantação de novel e severo mecanismo de combate à ex-ploração sexual juntamente ao trabalho escravo, entendo aquelacomo espécie deste, e que sendo verificada no dia-a-dia da vida na-cional, poderia mostrar-se como importantíssimo meio de atuaçãodo Estado e seus órgãos para definitivamente relegar tal vergonhosaprática aos autos da história de nosso país. Não obstante, uma futu-ra adição constitucional quanto a este aspecto é de todo possível. Eseria muito bem-vinda.

CONCLUSÃO

Retomando cronologicamente todo o exposto, tem-se que asformas para a perpetuação tanto do trabalho escravo como da ex-ploração são muito semelhantes, quando não iguais. Para trazer avítima ao local de subjugação, utiliza-se métodos como desterritori-alização e sedução por falsas oportunidades de trabalho formal ebem gratificado. Já instalada no estabelecimento, a vítima é entãodespojada de sua vontade, assemelhando-se assim a uma mera pro-priedade. Forçada então ao trabalho ou à exploração sexual, suaexistência fica adstrita àquele microcosmo. Sempre vigiada e tendosomente o mínimo de condições necessárias para sua sobrevivêncialaboral, toda sua liberdade é retirada em prol do explorador que autiliza como instrumento, tal qual eram considerados os escravos.

As situações às quais são submetidas as vítimas são idênticas,modificando-se apenas o uso de que faz o agressor do corpo aliena-do. E isto nos permite afirmar que a exploração sexual poderia serconsiderada como uma espécie do gênero trabalho escravo. Veja-

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mos, portanto, alguns dos direitos fundamentais que essas duaschagas afrontam de maneira idêntica e (quase) incólume: direito anão ser submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degra-dante (art. 5º, inc. III), direito ao livre exercício de qualquer profis-são, atendidas as qualificações legais (art. 5º, inc. XIII), direito à li-vre locomoção no território nacional (art. 5º, inc. XV), direito à ci-dadania (art. 1º, inc. II), direito à dignidade (art. 1º, inc. III) e ou-tros mais encampados pelo ordenamento jurídico nacional não so-mente na Constituição, mas também na legislação infraconstitucio-nal e nos vários tratados internacionais referentes a direitos huma-nos dos quais o Brasil é signatário.

Assim posto, é inegável o atraso legislativo e funcional doBrasil quando aparta as duas problemáticas, como se elas fossemindependentes, como se elas não tivessem relação alguma. Emboraconheçamos alguns avanços na ideia de equipará-las, tais tentativassão incipientes e ainda não alcançaram a maturidade necessáriapara um verdadeiro debate a nível nacional sobre os benefícios quea proposta de equiparação pode trazer à toda sociedade brasileira. Aesclarecedora nota publicada pelo CONATRAE aqui já citada é docomeço de 2013 e obteve alguma repercussão, porém insignificantequando comparada ao gigantismo da questão.

Caminho poderia ter sido aberto com a EC 81/2014. Emborasaibamos a dificuldade que se terá de aplicá-la (como quase de tudoprogressista quase milagrosamente aprovado em terrae brasilis),trata-se de instrumento normativo fortíssimo capaz mesmo de mo-dificar definitivamente o rumo dado pelo Estado Brasileiro a, tal-vez, sua maior chaga histórica: a escravidão. E conforme já defen-dido, fora oferecida à sociedade brasileira oportunidade histórica deimplantar o mesmo prometido tratamento a outra chaga impertinen-te e duradoura, a exploração sexual, através de simples aditamentoao texto da emenda. Com uma única modificação textual, milharesde caminhos seriam abertos para uma tentativa séria e real de erra-dicação das duas maiores fontes existentes em nosso país de desres-peito aos direitos fundamentais de seus cidadãos. Não ocorreu destavez.

Por fim, defendemos aqui não somente uma alteração naabrangência fática de um dispositivo legal, mas, sobretudo, um es-forço no sentido de proteger os direitos fundamentais do ofendido,reforçando uma perspectiva que contemple tais direitos enquantoquestões de princípio, ou seja, questões fundamentais relacionadas

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à moralidade presente em uma sociedade, e não como simplesquestões de política (DWORKIN, 2011, p. 129) - justamente aque-las que podem justificadas pelo fato de fomentar ou proteger algumobjetivo coletivo da comunidade.

Ao contemplarmos tal perspectiva da equiparação do trata-mento jurídico-penal da exploração sexual ao trabalho em condi-ções análogas à de escravidão estamos nos valendo, em suma, deum argumento que reforça a visão de que esta decisão legislativa(política, portanto) deve ser tomada justamente por se tratar de umadecisão que respeita os direitos fundamentais extensíveis a um gru-po que se encontra excluído de seu âmbito de proteção.

Neste ínterim, pretendemos demonstrar e defender a equipa-ração jurídico-penal em questão pois garante e protege valoressubstantivos ínsitos à consecução de um real Estado Democráticode Direito, modelo de estado este o almejado por nosso país, quebusca alcançá-lo através de uma Constituição “que acena para o fu-turo e é uma garantia formal, ou, pelo menos, promessa da constru-ção de um Estado social livre, robusto e independente” (STRECK,p. 2014, p. 75).

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ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA RURAL BRASILEIRAE A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

CONTEMPORANY BRAZILIAN RURAL SLAVORY AND SO-CIAL FUNCTION OF PROPERTY

Gabriela Gasparelli Ferreirxciii

Daniella Salvadorxciv

Resumo: A escravidão contemporânea é um legado do Brasil colonial. Este artigo tem porfinalidade a análise e caracterização da escravidão contemporânea em propriedades ruraisbrasileiras evidenciando uma negação aos direitos humanos, e, principalmente, à dignida-de da pessoa humana prevista no artigo 1º da Constituição Federal. Ao analisar os elemen-tos que permaneceram na sociedade e perpetuam essa espécie de trabalho forçado e degra -dante que utiliza artifícios, tais como ameaças, violência, coerção física e psicológica e atéassassinatos, evidenciamos a insuficiência da fiscalização devido às dificuldades de trans-porte, falta de equipamento etc., e da aplicação de medidas penais, trabalhistas e adminis-trativas para o seu combate, além da influência capitalista das relações de trabalho e odescaso com certas áreas do país em que essa prática é mais comum. Referente a essaquestão da negação da dignidade humana, o artigo abordará a questão da função social dapropriedade e a aprovação da PEC 57A/1999, que trata sobre a expropriação de terrascom trabalho escravo para reforma agrária ou uso social, como acontece no artigo 243º daConstituição Federal, nas glebas em que são localizadas culturas ilegais de plantas psico-trópicas. Portanto, esse artigo tem o escopo de analisar as variações do trabalho escravocontemporâneo no meio rural através dos métodos de interpretação indutivo-dedutivo,bem como o diálogo das fontes, ligando princípios constitucionais, a PEC 57A/1999 etambém o artigo 149 do Código Penal. Palavras-chave: escravidão contemporânea; propriedades rurais; função social da propri-edade; expropriação de terras.

Abstract: The contemporary slavery is a legacy of colonial Brazil. This article aims at theanalysis and characterization of contemporary slavery in Brazilian farms evidencing a de-nial of human rights, and especially to human dignity under Article 1 of the Federal Con-stitution of Brazil. By analyzing the elements that remained in society and perpetuate thiskind of forced and degrading treatment that uses devices such as threats, violence, coer-cion, physical and psychological, and even murders, we noted the lack of supervision dueto transport difficulties, lack of equipment etc. and the application of criminal measures,labor and administrative to combat it, beyond the influence of capitalist labor relationsand neglect of certain areas of the country where this practice is more common. Regard-ing this issue of denial of human dignity, the article will address the question of the socialfunction of property and the approval of PEC 57A/1999, which deals with the expropria-tion of land with slave labor for agrarian reform or social use, as in Article 243 of the Fed-eral Constitution of Brazil, in lands where crops are located illegal psychotropic plants.Therefore, this article has the scope to analyze the variations of the contemporary ruralslave, by the methods of the inductive-deductive interpretation as well as the sources dia-logue, connecting constitutional principles, the PEC 57A/1999 and also article 149’s crim-inal code.Keywords: contemporary slavery; Brazilian farms; social function of property;expropriation of land.

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INTRODUÇÃO

Segundo Brito Filho (2004, p.14):

[...] podemos definir trabalho em condições análogasà condição de escravo como o exercício do trabalhohumano em que há restrição, em qualquer forma, àliberdade do trabalhador, e/ou quando não são re-speitados os direitos mínimos para o resguardo dadignidade do trabalhador. Repetimos, de forma maisclara, ainda: é a dignidade da pessoa humana que éviolada, principalmente, quando da redução do tra-balhador à condição análoga à de escravo. Tanto notrabalho forçado, como no trabalho em condiçõesdegradantes, o que se faz é negar ao homem direitosbásicos que o distinguem dos demais seres vivos; oque se faz é coisificá-lo; dar-lhe preço, e o menorpossível.xcv

Embora a “Lei Áurea” tenha libertado os escravos de maneiralegal, as condições de vida e trabalho dos cidadãos pouco muda-ram. Hoje a prática do trabalho análogo ao de escravo ainda é re-corrente na sociedade, inclusive no Brasil. Segundo dados da ONU(EBC, 2014), a estimativa é de quase 21 milhões de pessoas manti-das como escravos modernos no mundo.

Os escravos contemporâneos não podem ser identificadosatravés dos paradigmas do modelo escravocrata vigente até a LeiÁurea. Naquelas circunstâncias a escravidão decorria da lei e o do-minado se constituía em objeto, mercadoria que deveria ser trocadanas feiras e mercados; por isso era necessário alimentá-los bem edar condições de trabalho (mesmo que mínimas) que garantissem apreservação do “produto” a ser vendido ou trocado. Já na conjuntu-ra atual, o escravo não mais se constitui em mercadoria e ao mesmotempo não possui qualquer elemento de cidadania. Constitui objetopara consumo imediato e posterior descarte. Assim, os trabalhado-res são submetidos a condições ínfimas de sobrevivência, em umpatamar muito aquém do mínimo indispensável para as formas deuma vida digna, são as chamadas condições de trabalho degradantetratadas no artigo 149 do Código Penal Brasileiro.

Os novos escravocratas são, em sua maioria, representadospor empresários rurais e urbanos de todos os Estados do Brasil. Ascondições de trabalho são desumanas e oferecem vários riscos à se-

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gurança e saúde do trabalhador. O perfil do escravo contemporâneoé, ao contrário da escravidão do período colonial e imperial, semraça ou cor definidas. O submisso não é mais mercadoria a ser ven-dida, é tratado como coisa descartável.

De acordo com o Escravo, nem pensar! (2015), desde 1995,quando o governo reconheceu a existência da prática do trabalhoanálogo ao de escravo no Brasil, foram libertados mais de 47 miltrabalhadores nessa situação. Caracterizam essas pessoas, em suamaioria, a ânsia de novas oportunidades de trabalho, o analfabetis-mo – ou semi – e a condição de migrantes internos ou emigrantesestrangeiros que são atraídos por falsas promessas de aliciadores,conhecidos como “gatos”.

Nessa perspectiva, para alcançar o tema principal, em um pri-meiro momento será abordado o respaldo legal que o trabalhadorrecebe, como princípios constitucionais, o artigo 149 do CódigoPenal, o qual tipifica a labuta em condição análoga à de escravo etambém a PEC do Trabalho Escravo que vem sendo discutida noCongresso Nacional. Depois, serão identificadas e caracterizadas asformas de labor contemporâneo no meio rural e, por fim, serão es-tudados os procedimentos administrativos a serem seguidos nocombate ao trabalho análogo ao de escravo.

1. CARACTERÍSTICAS DO TRABALHO ANÁLOGO AO DEESCRAVO

As características do trabalho análogo ao de escravo estão ti-pificadas no atual Código Penal Brasileiro, no artigo 149, e estãodiretamente ligadas ao ferimento do princípio da dignidade da pes-soa humana.

Tal artigo dispõe que:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à deescravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados oua jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condiçõesdegradantes de trabalho, quer restringindo, por qual-quer meio, sua locomoção em razão de dívida con-traída com o empregador ou preposto: Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, alémda pena correspondente à violência. § 1o Nas mesmas penas incorre quem:

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I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte porparte do trabalhador, com o fim de retê-lo no localde trabalho; II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalhoou se apodera de documentos ou objetos pessoais dotrabalhador, com o fim de retê-lo no local de tra-balho.§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime écometido:I – contra criança ou adolescente; II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, re-ligião ou origem.

Portanto, essa prática não é considerada apenas mera infraçãotrabalhista, mas também é punida na esfera penal, caracterizando-se, conforme já mencionado, como crime contra a dignidade dapessoa humana.

Os elementos que indicam o trabalho escravo contemporâneosão: trabalho forçado, jornada exaustiva, condições degradantes eservidão por dívida.

As atividades laborais, tanto na área urbana como na rural,demonstram as condições degradantes que atingem os trabalhado-res, sendo a situação mais verificada para reduzir o trabalhador àcondição análoga a de escravo. Dessa forma, o trabalho escravocontemporâneo está diretamente associado às condições subumanasde trabalho e moradia, ausência de garantias trabalhistas, inobser-vância das normas básicas de segurança e saúde do meio ambientede trabalho, ausência de equipamentos necessários para a prática dolabor, jornada exaustiva, aliciamento ilícito pelos chamados “gatos”e coação física e psicológica.

Ainda sobre as condições degradantes de trabalho, é impor-tante ressaltar que a tendência está sendo ampliar tal conceito, po-dendo também ser considerados os atributos que impactam de ma-neira direta nesse aspecto, como todas as condições do meio ambi-ente em que o trabalhador se encontra, incluindo aquelas relaciona-das às jornadas de trabalho, visto que caracterizam a segurança esaúde do submisso.

Condições degradantes de trabalho são aquelas em que ine-xistem os elementos tidos como básicos e legais para estadia do tra-balhador. Geralmente são alojamentos improvisados construídospelos próprios aliciados, onde os mesmos ficam expostos à falta desegurança e riscos à saúde, inexistência de tratamento sanitário

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básico, superlotação e ventilação inadequada.Usualmente esses lugares expõem os trabalhadores às intem-

péries e oscilações de temperaturas e ainda possibilitam o ingressode insetos, animais peçonhentos, roedores, ampliando, dessa forma,o risco de transmissão de doenças. Nesse cenário pode haver, ainda,o não fornecimento de água potável para os alojados, com instala-ções elétricas precárias e de fácil combustão. Essas características etantas outras podem ser estendidas para outras áreas de vivência, seessas existirem.

Segunda a obra de Belisario (2005, p. 117), na qual o autorcita a lição de Segadas Vianna e Süssekind:

O direito à segurança e à higiene no trabalho é tam-bém, num sentido amplo, um direito humano, talcomo prevê o Pacto Internacional dos DireitosEconômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas,pois corresponde ao direito à vida e à integridadefísica das pessoas.xcvi

Assim, serão consideradas condições degradantes de trabalhotodas aquelas em que a dignidade da pessoa humana é ferida, ondenão há condições mínimas de higiene e de estadia, das quais colo-cam a saúde e, inclusive, a vida do trabalhador em risco.

Utilizando, ainda, um exemplo de condições degradantes detrabalhadores rurais do autor já citado, o qual verificou tal informa-ção em um dos relatórios da SIT-DF que diz:

No mês de março de 2004, a Comissão Pastoral daTerra da cidade de Araguaína – TO encaminhou aoGrupo Especial de Fiscalização Móvel uma denún-cia feita por um trabalhador que estava sendo vítimade trabalho análogo à escravidão, nos seguintes ter-mos, ipsis litteris:...Ao chegar à propriedade, onde há 11 trabal-hadores, ficou alojado no curral, onde lá dormiu 3semanas, juntamente com mais 3 companheiros, poisnão havia vagas no barraca. Com a saída de outrostrabalhadores, mudou-se para o barracão de tábua,coberto de telhas, porém com muitas goteiras. A ali-mentação é composta basicamente com arroz e fei-jão, pois falta carne com freqüência. A água para be-ber é retirada de um poço e não é filtrada, ficandoarmazenada em tambores de combustível vazios. Ohorário de trabalho é entre 6:30 e 7:00 h, com inter-

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valo para almoço e termina às 17:00 h. Não há vig-ilância, porém o gato tem uma espingarda e umrevólver, e chegou a fazer, no sábado à tarde,ameaças a um trabalhador, quando pediu para fazer oacerto, ao que ele respondeu que o peão ‘sabia quenada tinha a receber, a não ser 6 tiros na cara. xcvii

A Carta Magna traz a proibição de trabalhos forçados, ten-do sido complementada pelo artigo 2 da Convenção n.29 da OIT,com vigente interna, que traz a definição de trabalho forçado:

Para fins da presente Convenção, a expressão ‘tra-balho forçado ou obrigatório’ designará todo tra-balho ou serviço exigido de um indivíduo sobameaça de qualquer penalidade e para o qual ele nãose ofereceu de espontânea vontade.xcviii

Dessa forma, entende-se por trabalho forçado aquele em queo indivíduo é mantido sob ameaças de penalidades ou que não seofereceu de espontânea vontade e, ainda, quando ele é enganadopor falsas promessas de condições de trabalho. O trabalho forçadopode vir através da coação moral ou física, sendo que os submissossentem-se acuados e incapazes de tomar qualquer atitude diante desua vulnerabilidade econômica e social.

Em contrapartida, para buscar a caracterização da jornadaexaustiva, é necessário entender a jornada de trabalho conjunta-mente com os períodos de descanso, tendo sempre como norte osdireitos humanos.

O consentimento do trabalhador para cumprir as condiçõeslaborais cujo serviço o afasta da qualidade de pessoa humana, nãoautoriza que o mesmo seja submetido à jornada de trabalho queprejudique ou comprometa sua saúde física e/ou mental e o seu de-senvolvimento social.

A jornada exaustiva pode ser entendida pelo fundamento bio-lógico, econômico e social.

Para falar do fundamento biológico, citaremos o autor SILVA(2012), que diz:

[...] com efeito, o esforço adicional, como ocorre,por exemplo, no trabalho constante em horas ex-traordinárias, aciona o consumo de reservas de ener-gia da pessoa e provoca o aceleramento da fadiga,que pode deixá-la exausta ou esgotada. Ademais, se

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não há o descanso necessário para a recuperação dafadiga, esta se converte em fadiga crônica, o quepode levar a doenças que conduzem à incapacidadeou inclusive à abreviação da morte. Daí que o ex-cesso de tempo de trabalho deságua no surgimentode doenças ocupacionais e inclusive de acidentes dotrabalho, o que pode levar à morte do trabalhador. Enão é somente a fadiga muscular que desencadeia oproblema de saúde, pois a continuidade do uso dosmúsculos atenuados conduz à irritação do sistemanervoso central. Finalmente, a continuidade dessa“operação” produz tamanho desgaste que dá origemà fadiga cerebral, com suas consequências perni-ciosas ao organismo humano.xcix

Portanto, o excesso no tempo de trabalho aumenta significati-vamente o risco de acidentes, de doenças profissionais e traz prejuí-zos psicossomáticos à vida do trabalhador.

Em relação ao aspecto econômico, temos a Constituição que,em 1988, reduziu a jornada normal de trabalho de 48 horas sema-nais para 44 horas. Entretanto, ao invés dessa redução gerar maispostos de trabalho, aumentou a realização da sobrejornada, vistoque a Carta Magna deixou um espaço legal para as horas suplemen-tares.

Sob um olhar econômico, a redução de tais horas é benéficatanto para o trabalhador quanto para os empresários. Aos primeiros,porque o excesso de horas extras prejudica a saúde física e/ou men-tal, o relacionamento social e também o rendimento laboral; já paraos segundos porque essa prática eleva o custo da atividade empre-sarial, visto que o pagamento dos adicionais deve ser feito, fora ocusto com os acidentes de trabalho que podem vir a acontecer, do-enças profissionais, afastamentos e todos os outros dispêndios atra-vés do processo trabalhista.

O caráter social é um importante fundamento para a limitaçãoda jornada de trabalho. Tendo sempre a dignidade da pessoa huma-na como base, está traduzido em dois aspectos: a garantia do direitoao trabalho e a garantia de um tempo livre que deve ser destinadoao desenvolvimento pessoal e social.

A garantia do trabalho é também um pressuposto da dignida-de da pessoa humana, visto que sem o mesmo o homem não conse-gue o mínimo suficiente para sobreviver de maneira digna como éassegurado na Constituição Federal.

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Contudo também é importante ter a visão de que o homemnão é apenas um trabalhador, mas ser humano acima de qualquercondição, membro da sociedade. É justamente essa condição quegarante o tempo razoável de descanso, pois, dessa forma, o traba-lhador consegue se dedicar às suas atividades pessoais como a fa-mília, atividades culturais, religiosas, políticas, enfim, ter o temporeservado para o seu desenvolvimento social e pessoal.

Por fim, o último aspecto que constitui o trabalho análogo aode escravo é o plágio por dívidas.

De acordo com pesquisas da Organização Internacional doTrabalho (OIT), a servidão por dívidas é a forma mais difundida deescravidão contemporânea. Essa situação é aquela em que as pesso-as são enganadas por falsas promessas de trabalho, porém, ao che-gar ao local destinado ao seu trabalho, além de não receber o salá-rio acordado, são submetidas à violência física e moral, podendoocorrer inclusive casos de morte.

Todos os itens destinados para o labor, transporte, moradia ealimentação contribuem para o aumento da dívida do indivíduo,deixando-o preso ao local de trabalho e vinculado ao empregadorvisto que o trabalhador precisa aumentar o ritmo de sua produçãopara quitar suas dívidas intermináveis. Muitas vezes os submissossão analfabetos, condição que facilita a manipulação dos empresá-rios ou de seus gatos (aliciadores) para manter os indivíduos nacondição de servidão por dívida.

Combinando com os elementos que caracterizam o trabalhoanálogo ao de escravo no Brasil, temos também as maneiras de ali-ciamento dos trabalhadores.

Geralmente, os chamados “gatos”, que são empreiteiros ile-gais, realizam essa função. Eles iludem os trabalhadores com falsaspromessas de oportunidades, os quais são transportados de maneirainapropriada, desrespeitando as normas de segurança. Por vezes ostrabalhadores estão embriagados para que não se lembrem dos ca-minhos percorridos, desconhecendo os nomes próprios dos alicia-dores, apenas apelidos. Também, podem ser levados para lugaresdistintos aos acordados, como, por exemplo, dizem-lhes que estãosendo levados ao Pará quando na verdade é Mato Grosso.

A primeira dívida já é adquirida quando, logo no momentodo aliciamento, são beneficiados por uma cesta básica ou adianta-mento do salário para a família. Ao tempo em que chegam ao local,são obrigados a montar os próprios alojamentos, aumentando o

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débito de maneira sistemática em razão da compra dos alimentos eferramentas de trabalho. É esse sistema que o torna escravo vistoque estará sempre endividado, tornando-se “propriedade” do gatoque o vigia constantemente.

Muitos trabalhadores perdem o contato com a família e a ci-dadania por consequência desses atos, dentre os quais são confisca-dos os seus documentos e carteira de trabalho, por exemplo. Emmaioria, são analfabetos e não conseguem sair dessas situaçõescom facilidade. Algumas vezes, envergonhados não voltam para asua vida pregressa e retornam as mesmas armadilhas de antes, por-que estão sempre a procura de oportunidades de emprego que lhesgarantam um pouco de dignidade - ou até mesmo para suas famí-lias.

É preciso entender que a fiscalização deve ser rígida a fim decombater cada vez mais essas práticas e informar à população,principalmente aos trabalhadores, os direitos referentes ao labor,como a obrigatoriedade da observância das normas trabalhistas e opagamento de um salário digno para que, dessa forma, o trabalhoescravo contemporâneo seja erradicado.

As atividades laborais, tanto na área urbana como na rural,demonstram as condições degradantes que atingem os trabalhado-res, sendo a situação mais verificada para reduzir o trabalhador àcondição análoga a de escravo. Dessa forma, o trabalho escravocontemporâneo está diretamente associado às condições subumanasde trabalho e moradia, ausência de garantias trabalhistas, inobser-vância das normas básicas de segurança e saúde do meio ambientede trabalho, ausência de equipamentos necessários para a prática dolabor, jornada exaustiva, aliciamento ilícito pelos chamados “gatos”e coação física e psicológica.

A conclusão da ocorrência dessas características será sempretomada após investigação criteriosa, com inspeções, depoimentos etambém registros fotográficos.

2. TRABALHO ANÁLOGO AO DE ESCRAVO, FUNÇÃO SO-CIAL E A DESAPROPRIAÇÃO AGRÁRIA

A Carta Magna assegura, nos termos do artigo 5º, incisosXXII e XXIII, o direto de propriedade como direito fundamentaldotado de função social, ou seja, não admitindo qualquer titularida-de descompromissada com o coletivo.

Este direito não é absoluto, em razão da possibilidade de de-

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sapropriação por necessidade ou utilidade pública e, desde quecumprindo a sua função social, será paga justa e prévia indenizaçãoem dinheiro (art.5º, XXIV). Todavia, de acordo com a ConstituiçãoFederal, a desapropriação para fins de reforma agrária da proprie-dade rural que não esteja cumprindo sua função social, será efetiva-da pela União, mediante prévia e justa indenização em títulos dadívida agrária, com cláusula de preservação de valor real, resgatá-veis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de emissão.(artigo 184, caput), não abrangendo, nesta última hipótese de desa-propriação para fins de reforma, a pequena e média propriedade ru-ral, assim definida em lei, e não tendo o seu proprietário outra; ou,se a propriedade for produtiva (art.185, I e II).

Ao estabelecer os princípios gerais da atividade econômica, aConstituição Federal, em seu artigo 170, funda-se na valorizaçãodo trabalho humano e na livre iniciativa, e tem por fim assegurar atodos existência digna, conforme os ditames da justiça social, des-tacando diversos princípios, como: soberania nacional; propriedadeprivada; função social da propriedade; livre concorrência; defesa doconsumidor; defesa do meio ambiente, inclusive mediante trata-mento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos eserviços e de seus processos de elaboração e prestação; redução dasdesigualdades regionais e sociais; busca do pleno emprego; trata-mento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídassob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração noPaís.

Nas palavras de Pilati (2012, p.100):

Observa-se que o texto constitucional confere priori-dade ao trabalho humano (em face do capital); dáênfase à existência digna (frente à acumulação); im-põe a defesa do ambiente em detrimento da explo-ração econômica (responsabilizando produtos,serviços e processos por impactos negativos); pre-tende a inclusão social, no sistema produtivo; epersegue a redução das desigualdades regionais e so-ciais (direito difuso em favor dos atores sociaisatingidos pela desigualdade) – o que é incompatívelcom o individualismo e a busca do lucro a qualquercusto.c

Ainda conforme Pilati (2012):

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A Constituição da República Federativa do Brasilnão diz o que seja função social, mas deixa claro –em todo contexto – que se trata de princípio ativoque vincula dinamicamente toda tenência, todopoder econômico, todo poder político, e a ordem so-cial. Ativo porque inspira e define papéis às esferasda Federação, aos órgãos públicos, aos particulares eà Sociedade em todas as dimensões que se apresen-tem.ci

A função social integra a propriedade cimo umacarga a ser suportada por quem eventualmente sejaseu titular; como um ônus a ser cumprido em face docoletivo, que a todos pertence e a todos interessa. Aexpressão Função Social designa o lado do propri-etário, propterrem, frente à Sociedade.cii

O artigo 186, da CF, traz que a função social é cumpridaquando a propriedade rural atende simultaneamente, segundo crité-rios e graus de exigência estabelecidos em lei, a requisitos como oaproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos re-cursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; obser-vância das disposições que regulam as relações de trabalho; explo-ração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores.

Por essas razões, quando há o descumprimento dos princípiose critérios já citados, como a redução das desigualdades regionais esociais, observância das disposições que regulam as relações de tra-balho, exploração que favoreça o bem-estar dos trabalhadores e adignidade da pessoa humana – princípio intrínseco a todo ser hu-mano e fundamento da Carta Magna – a desapropriação por interes-se social de imóveis rurais e urbanos que utilizem o trabalho emcondições análogas a de escravo surge como medida protetiva pararesguardar princípios de ordem econômica e social, resguardando,principalmente, a dignidade da pessoa humana de todo indivíduopertencente à sociedade.

Nesse sentido, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC)57A/1999 denominada PEC do Trabalho Escravo, foi aprovada em27/05/2014 alterando a redação do artigo 243 da Constituição Fe-deral para prever a expropriação de terras onde for encontrada autilização de trabalho em condições análogas ao de escravo, semindenização do proprietário, assim como já ocorre em glebas ondeforem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas. As ter-

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ras serão destinadas para reforma agrária ou uso social urbano,atendendo, dessa forma, a função social da propriedade.

A PEC possui grande relevância frente ao combate à escravi-dão contemporânea brasileira, pois apresenta a possibilidade deuma eficaz punição para aqueles que ferirem a dignidade da pessoahumana através do trabalho caracterizado no artigo 149 do CódigoPenal.

Contudo, a efetividade da medida depende de regulamenta-ção, pois o texto da PEC diz que a expropriação de bens imóveisocorrerá onde houver “trabalho escravo na forma da lei”. Assim,terras só poderão ser desapropriadas depois que uma lei específicafor aprovada para tratar deste assunto.

Por essa razão, foi proposto um Projeto de Lei do Senado(PLS) 432/2013, cujo relator é o Senador Romero Jucá, tramitandona Comissão Mista de Consolidação das Leis e Regulamentação daConstituição do Senado, que menciona: o conceito de trabalho es-cravo; se a ação expropriatória observará a legislação processual ci-vil; e a necessidade de trânsito em julgado de sentença penal con-denatória em face do proprietário (GALO et al, 2014).

De acordo com a Agência Senado (2014), o texto do referidoProjeto recebeu 55 emendas, mas a Comissão rejeitou mudanças nacaracterização do trabalho escravo para fins de expropriação. Fo-ram acatadas 29 emendas, devendo tal projeto retornar ao Senado,que manterá ou não tais modificações.

A questão polêmica do projeto é a conceituação de trabalhoescravo, pois o relator rejeitou diversas emendas que visavam a in-clusão da jornada exaustiva e as condições degradantes em sua ca-racterização, tal qual ocorre no Código Penal.

De acordo com o relator, a rejeição se baseia no fato de taisconceitos serem abertos e subjetivos, mantendo, dessa forma, a de-finição do projeto que caracteriza o trabalho escravo pela submis-são a trabalho forçado, ameaça de punição, uso de coação ou comrestrição de liberdade pessoal. Também são citados itens como a re-tenção no local de trabalho; a vigilância ostensiva e a apropriaçãode documentos do trabalhador; e a restrição de locomoção em razãode dívida contraída com o empregador.

Entre as alterações aprovadas pelo relator está a desnecessi-dade de trânsito em julgado da ação penal como condição para aação de expropriação, a possibilidade de imóvel registrado emnome de pessoa jurídica também ser expropriado e que os bens

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apreendidos em decorrência da exploração de trabalho escravo se-jam revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Também de acordo com o texto, o proprietário não poderáalegar desconhecimento da exploração de trabalho por seus repre-sentantes, dirigentes ou administradores.

A exclusão da jornada exaustiva e das condições degradantesdo conceito para expropriação de terras representam um retrocessona luta contra a erradicação do trabalho brasileiro por serem as ca-racterísticas mais evidentes no ferimento da dignidade da pessoahumana do trabalhador.

Tal retrocesso alcança os objetivos da bancada ruralista, for-mada por deputados ligados à Frente Parlamentar da Agricultura,que almeja a redefinição do conceito de redução do trabalhador acondições análogas a de escravo, prevista no artigo 149, do CódigoPenal, pois alega que ainda há discussão acerca o que é efetivamen-te trabalho escravo ou análogo ao trabalho escravo. Nota-se que oconceito está bem definido no artigo mencionado quando foi escri-to em sintonia com tratados internacionais e sua aplicação já temrespaldo em grande jurisprudência. Contudo, os ruralistas insistemque o conceito não está bem definido, podendo causar arbitrarieda-des nas fiscalizações realizadas pelos auditores fiscais do trabalho.

A Comissão da Agricultura, Pecuária, Abastecimento e De-senvolvimento Rural aprovou na quarta-feira (15/04) proposta quedefine o conceito de trabalho escravo e também altera o Código Pe-nal, tirando os termos "jornada exaustiva" e "condições degradantesde trabalho". O projeto ainda será analisado pelas Comissões deTrabalho, de Administração e Serviço Público e de Constituição deJustiça e Cidadania, logo depois será votado no plenário.

A bancada ruralista pretende a qualquer custo distanciar cadavez mais conceitos que possam facilitar o exercício do Estado napolítica de erradicação do trabalho escravo rural, visto que taispráticas vão de encontro aos interesses daqueles.

Entre tantas evidências, uma é o estudo que foi feito pelaONG internacional Global Witness, que divulgou nessa segunda-feira (20/04) que o Brasil lidera, pelo quarto ano seguido, a lista depaíses com maiores violências no campo. Ainda conforme a BBC,esses dados podem estar subestimados, visto que muitos ativistasresidem em regiões de difícil acesso nos âmbitos rurais. Segundoos dados divulgados, a maioria dos suspeitos de serem mandantesdesses crimes são latifundiários, empresário, políticos e demais

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agentes do crime organizado. De acordo com o estudo revelado, umgrande problema é também a impunidade perante tais práticas eacontecimentos, "existe uma falta de vontade política [no país] parafazer justiça pelos mortos nesses conflitos" conforme Billy Kyte,um dos principais autores do balanço. Visto isso, fica evidente etambém justificada a resistência feita por essas figuras diante dosavanços na erradicação do trabalho escravo contemporâneo nomeio rural brasileiro. (Revista fórum, 2015).

3. AS CARACTERÍSTICAS DO TRABALHADOR EM CON-DIÇÃO ANÁLOGA À ESCRAVIDÃO E AS MEDIDAS PARAERRADICAÇÃO DE TAL PRÁTICA

De acordo com uma pesquisa feita pelo Ministério do Traba-lho e Emprego, sistematizada pela Comissão Pastoral da terra entre2003 e 2014, 95% dos trabalhadores são do sexo masculino, 83%se encontram na faixa etária de 18 a 44 anos, 33% são analfabetos eapenas 39% chegaram até a quarta série, hoje quinto ano. Em suamaioria são migrantes provenientes do Maranhão. Porém, no rela-tório encontram-se também trabalhadores vindos da Bahia, MinasGerais, Tocantins, Piauí e Mato Grosso (MTE 2014 apud Escravo,nem pensar!).

A maior parte encontra-se na atividade da agropecuária, en-tretanto é muito grande o número de resgatados no cultivo da canae outras atividades que envolvem lavoura.

O trabalhador insere-se na condição de trabalhador escravodevido à sua vulnerabilidade socioeconômica, bem como de sua fa-mília, acentuadas pelo analfabetismo, falta de capacitação profissi-onal e de medidas políticas capazes de promover a sua inserção nasociedade. Facilitando, dessa maneira, o aliciamento pelos ‘gatos’que se aproveitam para manipular as “dívidas” iniciadas a partir domomento de seu aliciamento, cujos descontos incluem passagensde viagens, alimentação, instrumentos para o labor e também paramontar o alojamento. Dessa forma, o trabalhador desconhece adívida perante o empregador, fazendo com que tente fugir do localonde está confinado através da retenção de documentos e vigilânciaconstante.

Como sair de uma situação assim, sem possuir o mínimo dedignidade para sobreviver e ser reconhecido? É estabelecida, então,uma relação de dependência do trabalhador com a situação de es-

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cravidão por não ter para onde fugir.A realidade dessas pessoas, é que, na verdade, elas se torna-

ram mercadorias presas sob coação física e psicológica. Em quasetodas as situações são vigiadas por pessoas armadas, seja em seuspróprios alojamentos ou também nas imediações das fazendas ondetrabalham, sob o constante risco de morte em caso de desobediên-cia ou fuga.

Caso ocorra a possibilidade do trabalhador conseguir sair dasituação em que se encontra, e ainda assim receber todos os seusdireitos através da lei e de órgãos do governo ou sindicatos e orga-nizações responsáveis por esse trabalho, muitas vezes ele acabavoltando à situação que se encontrava.

Isso acontece justamente por ele ser analfabeto (ou semi) enão ter capacitação profissional suficiente para sua inserção nomercado de trabalho, que por sua vez encontra-se cada vez maiscompetitivo.

A ausência de programas preventivos e capacitantes, que atu-em de forma efetiva no cotidiano de grande parte dos trabalhadoresrurais brasileiros, contribui para a manutenção do ciclo da escravi-dão no qual o trabalhador é resgatado pelos Grupos de FiscalizaçãoMóvel e, ao visualizar-se novamente em situação idêntica àquelavivenciada antes do trabalho em condições análogas a de escravo, éfacilmente aliciado para o mesmo tipo de atividade laboral.

Mas o que fazer para combater e impedir que o trabalhadorregresse à situação análoga à escravidão?

Primeiramente, a criação de medidas efetivas de combate eerradicação ao trabalho escravo acompanhadas de assistência e ca-pacitação dos trabalhadores resgatados através de políticas públicase educação e, para aqueles que ainda não se encontram nessa situa-ção, medidas de prevenção.

Dessa maneira, é preciso prevenir para que o trabalhador nãotenha motivos para ser aliciado pelos funcionários das propriedadesrurais, informando-o e preparando-o para o mercado de trabalho.

Contudo, quando o trabalhador já se encontra na realidade deescravo contemporâneo, é necessário dar a assistência correta, pre-parando seus documentos muitas vezes inexistentes ou apreendi-dos, a sua carteira de trabalho, dando o respaldo legal e utilizandodas punições existentes para o empregador e seus cúmplices, garan-tindo segurança àqueles que foram retirados desses locais. Dessamaneira, fica mais fácil a garantia de que o trabalhador não retorna-

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rá para a situação de exploração e vulnerabilidade novamente. Paraque isso ocorra, a educação tem papel fundamental na vida dessaspessoas, pois quebra os paradigmas criados e os informa, garantin-do a prevenção do problema.

A inclusão social é um princípio constitucional implícito, quepode ser extraído do artigo 3º, I, III e IV da CR/88. O Estado tem odever de extirpar todas as formas de exclusão social do territóriobrasileiro, promovendo, dessa maneira, a preservação da dignidadeda pessoa humana.

Nesse sentido, COCURUTTO(2012, p. 170):

A dignidade da pessoa humana é preponderante-mente jurídica, ao passo que a inclusão do ser navida social digna não é apenas jurídica, mas fática, e,portanto, de conteúdo político para sua concretiza-ção.Na essência, a inclusão ampla e irrestrita das pessoasao convívio social com igualdade de oportunidadespara a realização de uma vida feliz dependerá da atu-ação dos órgãos dos três Poderes do Estado, mas oenfoque político dessa questão se apresenta primor-dial.A inclusão social é uma garantia constitucional queapresenta íntima relação com a dignidade da pessoahumana.ciii

É possível afirmar que são princípios que caminhamjuntos e se completam como verdades universais.

Quando o Brasil finalmente reconheceu a existência do traba-lho escravo contemporâneo, em 1995, foi criado o Grupo Especialde Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego, coor-denado por auditores fiscais do trabalho, que tinha a responsabili-dade de libertar os escravos e responsabilizar as propriedades ondeocorriam essa prática. Desde então, foram libertados 47.000 sub-missos em todo território brasileiro (Escravo, nem pensar!, 2015).

O resgate realizado pelo GEFM age como forma de liberta-ção dos trabalhadores, contudo, não consegue liberar o homem so-cialmente, sendo insuficiente na medida em que não promove a in-clusão social desse trabalhador.

Em 2001, houve a criação da ONG “Repórter Brasil” dedica-da ao combate do trabalho escravo e violações dos direitos huma-nos.

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Em 2002 foi criado o Seguro Desemprego para o Trabalhadorresgatado, sendo um benefício temporário oferecido aos submissosque foram dispensados, inclusive de maneira indireta e àqueles queforam resgatados nas condições análogas à escravidão, no valor deum salário mínimo vigente na época durante três meses, no máxi-mo.

No ano de 2003 foi elaborado o primeiro Plano Nacional deErradicação do Trabalho Escravo, em que são previstas ações paraerradicação e prevenção do trabalho escravo contemporâneo. Nessemesmo período, foi criada a “Lista Suja” que traz a relação dos em-pregadores flagrados com o tipo de mão de obra caracterizadocomo escravo, então as empresas signatárias do Pacto Nacionalpara Erradicação do Trabalho Escravo podem consultar se a propri-edade está na relação.

Sobre a “Lista Suja” já citada acima, em 2014 o Supremo Tri-bunal Federal suspendeu a mesma, sob uma liminar à AssociaçãoBrasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) que questionoua constitucionalidade da portaria. Sendo assim, após a suspensão, oBanco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BN-DES) e a Caixa Econômica Federal deixaram de checar os casos detrabalho escravo antes de fechar novos negócios. Entretanto, sob orespaldo legal da Lei de Acesso à Informação, uma nova “ListaSuja” do trabalho escravo foi gerada e comemorada entre autorida-des que trabalham para o combate à prática do trabalho escravocontemporâneo.

Nota-se ainda resistência contra a extinção do trabalho escra-vo através de ataques e ameaças proferidos contra procuradores dotrabalho e auditores-fiscais responsáveis pelas fiscalizações, como,por exemplo, a Chacina da Unaí, ocorrida em janeiro de 2004, emque um motorista e três auditores fiscais do trabalho foram assassi-nados durante uma operação de fiscalização em Unaí, Minas Gerais(TST, 2004).

Em 2009 foi desenvolvido um projeto que hoje é referênciano mundo todo, segundo a OIT. O projeto “Ação Integrada” quali-fica e reinsere os trabalhadores resgatados em condições análogas àescravidão no Mato Grosso, como cursos profissionalizantes, enca-minhamento para ofertas de trabalho, ações de elevação educacio-nal que permitem o trabalhador a criar independência e condição dese inserir de maneira digna ao mercado de trabalho atual. Segundoa Fundação Uniselva (2014), o projeto visitou 73 municípios e 20

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comunidades do Estado do Mato Grosso, abordando 1648 trabalha-dores egressos ou vulneráveis ao trabalho escravo. Foram realiza-dos 36 cursos para qualificação profissional e alfabetização de 643trabalhadores.

Portanto, fica cada vez mais evidente que a informação e edu-cação são a base para a erradicação do trabalho análogo ao escravono Brasil. ONGs como “Repórter Brasil” são significantes nessaluta, visto que oferecem oficinas, cursos profissionalizantes por to-das as regiões onde são identificadas tais práticas, manuais sobre ocombate ao trabalho escravo, livros digitais, assim como o progra-ma “Escravo, nem pensar!” que é o primeiro a atuar em âmbito na-cional, e inclusive, já atingiu 120 municípios da região norte, nor-deste, e centro-oeste, conseguindo assim beneficiar aproximada-mente 100 mil pessoas.

CONCLUSÃO

Após a assinatura da Lei Áurea no Brasil, a escravidão persis-te devido a aspectos econômicos, sociais e ausência de mecanismosrealmente eficazes para a sua coibição, ainda que o país esteja emposição de destaque na luta contra o trabalho análogo ao de escra-vo.

Ao compararmos a escravidão contemporânea à escravidãomoderna, a primeira apresenta-se muito mais benéfica em questõesfinanceiras, pois a aquisição da mão-de-obra é muito mais baratapor não haver compra, muitas vezes existindo apenas o gasto dotransporte; não há despesas com o trabalhador doente, que pode sermandado embora sem direito algum; mão-de-obra abundante e des-cartável por haver um grande contingente de pessoas em regiõescom baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e alto índicede desemprego, além da falta de educação; relacionamentos de cur-to período, geralmente apenas a duração do serviço, e por utilizarpessoas de diferentes etnias, não mais apenas negro, e sim, pessoasmiseráveis e sem estudo à procura de oportunidades.

As situações impostas aos trabalhadores em condições análo-gas ao de escravo são incompatíveis com o texto constitucional,principalmente com o princípio da dignidade da pessoa humana, di-reito fundamental intrínseco ao ser humano.

O homem não deve ser utilizado como meio de obtenção delucro, conforme observa-se em imóveis urbanos e áreas rurais onde

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é possível encontrar essa modalidade de atividade. A utilização demão-de-obra em condições análogas à de escravo tem o intuito dediminuir os gastos na produção, sendo utilizada, principalmente, nalimpeza de terrenos e trabalhos pesados, enquanto grande parte dosrecursos do empregador são encaminhados para a parte tecnológicada fazenda, tornando os seus produtos mais competitivos dentro domercado.

Todavia, a dignidade da pessoa humana é um direito absolu-to, irrenunciável – tornando o homem um fim em si mesmo, ouseja, não deve ser utilizado por outrem como meio.

A aprovação da PEC 57A/1999 funda-se no princípio da dig-nidade da pessoa humana e na função social da propriedade, pois,ao observar o tratamento desumano e as demais características ca-racterizadoras do crime tipificado no artigo 149, do Código Penal,instaura-se processo administrativo para expropriação da terra emquestão para reforma agrária ou uso social.

Tal aquiescência e aplicação constitui medida mais eficazpara a coibição do trabalho em condições análogas à de escravo.Porém, além das medidas jurídicas, judiciais e extrajudiciais jáexistentes, é imprescindível a efetivação de políticas públicas para(re)inclusão dos trabalhadores na sociedade após o seu resgate pararomper o ciclo de exploração predominante nas regiões mais po-bres do País.

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AS CADEIAS PRODUTIVAS E A TERCEIRIZAÇÃO:UM ESTUDO DA ESCRAVIDÃO MODERNA POR

MEIO DA SOCIOLOGIA DE DESVIO

Gustavo Augusto de Bourbonciv

Resumo: O presente artigo busca discutir as formas contemporâneas de trabalho escravo,levando em consideração as discrepâncias e divergências proporcionadas pelos processoshistóricos de lutas politicas típicos de cada sociedade. Assim, o artigo ira dar foco ao pro-cesso jurídico e a composição social do Estado brasileiro, em especifico do processo deterceirização nos países definido por Habermas como de “Capitalismo tardio” e nas cadei-as produtivas brasileiras. Para a realização desse estudo, parte-se inicialmente da defini-ção conceitual a cerca do instituto do trabalho. Para isso, utiliza-se da sociologia Weberia -na propiciando uma definição eu contribui fortemente para a identificação do problema.Junto à sociologia weberiana, o estudo se baseia em uma leitura do trabalho em condiçõesanálogas a de escravo por meio da sociologia do desvio. Portanto o objetivo buscado peloestudo é informar a respeito das condições degradantes vividas por indivíduos componen-tes dos setores iniciais das cadeias produtivas, apresentando casos emblemáticos sobre otema; e, junto a isso, trazer a visão da sociologia de desvio- principalmente o estabeleci -mento de regras por grupos políticos que buscam a hegemonia- a fim de mostrar que oprocesso de terceirização e consequentemente a criação de subempregos derivam da insti-tuição de regras sociais. Palavras-Chave: Sociologia de desvio, trabalho escravo, terceirização, cadeias de produ-ção.

Abstract: This article discusses the contemporary forms of slavery, taking into accountthe discrepancies and differences offered by the historical processes of typical politicalstruggles of each society. Thus, the article will give focus to the legal process and the so-cial composition of the Brazilian state, in specific the outsourcing process in countries de-fined by Habermas as "Late capitalism" and in Brazilian production chains. To performthis study, it starts with the first conceptual definition about the Labour Institute. For this,will be used the Weberian sociology, providing a definition that will contribute greatly tothe identification of the problem. On the Weberian sociology, the study is based on a read-ing of the work in conditions similar to slavery through the sociology of deviance. There-fore the objective pursued by the study is to inform about the degrading conditions experi -enced by the subjects in the initial sections of the productive chains, with emblematiccases on the subject; and, along with it, bring the vision of the deviation of sociologymainly to establish rules for political groups seeking hegemony - to show that the processof outsourcing and consequently the creation of underemployment derive from the estab-lishment of social rulesKeywords: sociology of deviance, slavery work, outsourcing, production chains.

INTRODUÇÃO

As instituições tanto jurídicas quanto sociais, de uma formageral, acomodam-se e moldam-se pela dinâmica de conflitos políti-cos dos grupos que ela compõe. Essa luta de valores e processo deafirmação dos grupos é em grande parte responsável pela criação

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das regras de conduta de determinada época. Porém essas regras eexpectativas que os conflitos entre grupos políticos dominantesimpõem ao corpo social, não são estáveis, podendo se modificar dediversas maneiras, seja pela mudança do grupo ditador das condu-tas ou simplesmente por um olhar diferente do mesmo grupo a de-terminado fato (BECKER, 2008).

Assim, quando se observa de maneira superficial as institui-ções que formam o Estado, sempre escapa o fato de que elas sãoproduto resultante de inúmeras mudanças internas provocadas pelaslutas políticas que buscam se afirmar hegemonicamente. Entretan-to, os governos e grupos dominantes, que procuram se afirmar nes-se jogo, tem para com a sociedade como toda uma logica de neces-sidades e demandas a serem atendidas por eles enquanto no poder,e assim, a arte de governar, apresenta-se como um conjunto decompreensões acerca desse processo de conhecimento ou saber, so-bre as necessidades sociais e suas reivindicações. Com isso, os gru-pos que tramitam no controle das instituições estatais, formulam re-gras que segundo os valores do grupo sirvam ao fim das reivindica-ções. Isso pode ser interpretado como disputa de poder.

As regras sociais expressam, portanto, a governabilidade dasinstituições estatais resultante das dinâmicas entre os grupos quenela estiveram, ou seja, as regras em especial as jurídicas, são umprocesso de se constituir historicamente, administrativamente e or-ganizacionalmente os saberes, valores e necessidades de um povo.Nesse interim Foucault (1997, p.29):

Ora, o Estudo dessa microfísica supõe que o podernela exercido, não seja concebido como uma pro-priedade, mas como uma estratégia, que seus efeitosde dominação não sejam atribuídos a uma “apropri-ação”, mas a disposições, a manobras, a táticas, atécnicas, a funcionamentos; que se desvende neleantes uma rede de relações, sempre tensas, em ativi-dades, que um privilegio que se pudesse deter; queele seja dado como modelo antes a batalha perpetuaque o contrato que faz uma cessão, ou a conquista,que se apodera de um domínio. Temos em suma queadmitir que este poder se exerça mais que se possui,que não é o “privilégio” adquirido ou conservado daclasse dominante, mas o efeito de conjunto de suasposições estratégico-efeito manifestado e as vezesreconduzido pela posição dos que são dominados.

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Esse poder, por outro lado, não se aplica pura e sim-plesmente como uma obrigação ou uma proibição,aos que não têm; ele os investe, passa por eles; e pormeio deles; apoia-se neles, do mesmo modo queeles, em sua luta contra esse poder apoiam-se porsua vez nos pontos em que ele os alcança.

Referente ao que foi exposto, conclui-se que as instituiçõescomponentes do Estado, apresentam-se de maneira múltipla, estan-do entrelaçadas e sendo a possibilidade da sociedade se estruturarde maneira hierarquizada e ordenada. O poder auferido a estas ins-tituições permite então que a sociedade se organize e por meio dalinguagem pulverize o poder desde sua base até o seu ápice. Nofundo em qualquer sociedade, existem relações de poder múltiplasque atravessam, caracterizam e constituem o corpo social e que es-tas relações de poder não podem se dissociar, se estabelecer nemfuncionar sem uma produção, uma cumulação, uma circulação eum funcionamento do discurso. Deste modo, o poder se encontradiluído em todas as esferas sociais, na família, nas instituições doestado, nas instituições religiosas e educativas, econômicas, naspráticas culturais e, enfim, disseminada em toda a extensão do cor-po social.

Das premissas discutidas até aqui, formam-se duas concep-ções importantes, que servirão de base à proposta de discussão pre-tendida pelo artigo. Primeiramente é o entendimento de que as re-gras sociais são criações de grupos políticos que se encontram emalguma situação de superioridade com relação a maioria dos outrose que portanto, um instituto ou valor social aparentemente propostopara exclusão social, também é a tentativa de inclusão de outro gru-pocv, e o segundo entendimento é de que sendo as regras sociais, re-sultantes da pulverização do poder e dos conflitos políticos dos gru-pos internos a determinadas sociedades, é, tal como já anunciouAlexy (2011) impossível questionar determinada situação jurídica,ou determinada regra social sem que o motivo desse questionamen-to seja sua inclusão a ela. Ou seja, o critico que não faz parte da re-alidade jurídica a ser criticada, em muito pouco estará exato emsuas afirmações.

Ora, é fácil para o olhar ocidental observar a China como umpaís explorador, no qual põe seus trabalhadores em condição de mi-séria e quase que uma escravidão. Com um contingente de mais de800 milhões de trabalhadores e com uma taxa de desemprego de

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6,5 % dessa população, a renda per capita chinesa parece paraaqueles mais excluídos do sistema, parece a olhos ocidentais, umaescravidão institucionalizada pelo estado. Visto que o salário médiourbano gira em torno de 32.444 yuans por ano, algo que estabeleceum baixo poder de compra no mercado ocidentalcvi.

Além disso, a fama do baixo preço do produto chinês, nosleva a crer em um mundo escravocrata, onde alguns estadistas ricossustentam-se do trabalho forçado dos servos, aos moldes do regimeda idade antiga. Entretanto, a realidade chinesa é em fato muitomais complexa do que parece ser ao senso comum. Um país de he-rança burocrática forte, a china trás em si um vasto arcabouço dou-trinário e normativo a cerca da regulação do trabalho.

Dentre os diversos dispositivos legislativos a respeito do tra-balho na China, podemos citar: Lei de Prevenção a Doenças Ocu-pacionais (2001); Lei de Sindicatos Trabalhistas (2001); Regula-mento dos Contratos Coletivos (2004); Regulamento sobre Jornadade Trabalho (1995); Normas Administrativas sobre Salário Mínimo(2004); Regras Provisórias de Pagamento de Salários (1994); Re-gras Administrativas Provisórias sobre Inscrição no Seguro Social(1999); Regulamento Provisório sobre Cobrança e Pagamento doSeguro Social (1999); Regulamento sobre Trabalho e Supervisão deSeguro Social (2004); Lei sobre Mediação e Arbitragem sobre Dis-putas Trabalhistas (2007), Lei da Promoção do Trabalho (2007) eLegislação sobre Contratos de Trabalho (2007) cvii.

Tais indicativos desconstroem o senso comum ocidental arespeito das condições de trabalho na China enquanto um modelogovernamental. Os problemas encontrados pelos chineses em suasrotinas e jornadas de trabalhos por muitas vezes degradantes e emrelações análogas a de escravidão não podem ser observadas poruma mera transparecia da impressão de outras sociedades sobre ela,pois seus problemas e possíveis soluções compreendem em muitoas particularidades daquela sociedade.

O mesmo poderia ser dito a respeito das condições de traba-lho sexual em países como Holanda e Ucrânia, ou das condições detrabalho nos poços de petróleo Siberianos. Analisar tais questõesem caráter global, sem se importar com as particularidades das dis-putas internas de cada sociedade, é realizar um estudo, ao menosfalacioso.

Visto isso, o presente artigo busca estudar por meio de aspec-tos sociológicos, tanto da Doutrina Weberiana, quanto da corrente

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da sociologia do desvio, a realidade trabalhista brasileira, ligada es-pecificamente as cadeias de produção e a terceirização dos servi-ços, com fulcro a encontrar uma relação entre a gestão dos institu-tos empresariais brasileiros com a condição análoga à escravidãode alguns processos de produção.

Com vistas para o objetivo supracitado, este estudo organi-zar-se-á em: a) Delimitação conceitual sobre o instituto do trabalho,por meio da concepção Weberiana de trabalho, b) Elucidações so-bre o processo de terceirização dentro do Direito brasileiro, c) Fun-damentação a respeito às cadeias de produção em face ao serviçoterceirizado, d) Formulação do vinculo entre as prerrogativas insti-tucionais de comportamento e a manutenção de condições análogasà escravidão dentro das cadeias de produção.

1 O CONCEITO DE TRABALHO NA SOCIOLOGIAWEBERIANA

A definição dos conceitos é talvez o passo mais importantepara iniciar-se o estudo de um tema. Já dizia Max Weber que o fimúltimo de qualquer empreitada intelectual e de qualquer busca cien-tifica, deve ter como fim último, buscar o esclarecimento conceitu-al dos fenômenos investigados ao homem comum (PIERUCCI,2013).

Assim, cabe nesse capítulo esclarecer o conceito de trabalhoa ser analisado no artigo, importante não só pela delimitação do es-tudo que aqui se segue como também para evitar certos equívocosde definição.

De maneira simples, o poder na sociedade significa, o Estadode coisas onde, pode-se encontrar uma obediência a determinadaregra, que na assimilação dos governados é tido como uma condutanatural, podendo se assentar em diferentes motivos ou prerrogati-vas. Uma das formas seria a ordem em situações de interesse, portanto, por considerações racionais da parte de quem dá a ordem.Ou, além disso, mediante o simples costume, pelo habito reproduzi-do dentro de uma cultura como natural. Porém, na estruturação doEstado, a relação de dominância passa a se estruturar segundo umarazão jurídica, ou seja, razões da sua legitimidade (QUINTANEI-RO, 2002).

Dentro dessa lógica, Weber compreende que as regras jurídi-cas no Estado, não se elaboram em face de sua vontade geral, ou

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seja, não compartilham da totalidade social, mas sim são a soma devontades individuais, ou melhor, a vontade de alguns agrupamentosculturais que através do agir político exportam seu saber para asclasses que não alcançaram espaço no campo do podercviii.

Desta maneira, para Max Weber, as regras derivadas das ins-tituições seriam tentativas inconscientes de participar do poder oude influenciar a distribuição do poder dentro de um Estado (entreos grupos de pessoas que este abrange) ou entre vários Estados. Aprática política envolveria uma aclamação pelo poder, que pode es-tar a serviço de outros fins ou pode, ainda, ser pelo poder como umfim em si, “para deleitar-se com a sensação de prestígio que pro-porciona”.

Na sociologia Weberiana, o conceito de trabalho está intima-mente ligado à ideia de burocraciacix, pois esta é em ultima instân-cia, aquela quem organiza a divisão do trabalho. Sendo assim, otrabalho então é um instituto de determinação legal, já que é pormeio do aparelho burocrático que ele se organiza. Por tanto, é bemclaro no entendimento de Weber (2013, p.128-129) ao se referir aocampo de dominação legal do Estado moderno, que:

Dominação legal em virtude de estatuto. Seu tipomais puro é a dominação burocrática. Sua ideiabásica é: qualquer direito pode ser criado e modifi-cado mediante um estatuto sancionado corretamentequanto à forma (...). Obedece-se não à pessoa emvirtude de seu direito próprio, mas à regra estatuída,que estabelece ao mesmo tempo a quem e em quemedida se deve obedecer. Também quem ordenaobedece, ao emitir uma ordem, a uma regra: à “lei”ou “regulamento” de uma norma formalmente ab-strata (...). Seu ideal é: proceder sine ira et studio, ouseja, sem a menor influência de motivos pessoais esem influências sentimentais de espécie alguma,livre de arbítrio e capricho e, particularmente, “semconsideração da pessoa”, de modo estritamente for-mal segundo regras racionais ou, quando elas fal-ham, segundo pontos de vista de conveniência “ob-jetiva”.

A concepção moderna de trabalho, portanto, inicia-se com adiscussão da ética protestante. Entretanto, essa visão levou o con-ceito social de trabalho para além de uma mera valorização religio-sa, contribuindo na criação do processo de empreendedorismo e

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consequentemente a formação do instituto da empresa. Dessa forma, a contribuição de Weber é demonstrar que foi

através dos aspectos culturais de um grupo ou de um conjunto degrupos vinculados ao ascetismo secular do protestantismo que seoriginou a revolução industrial. Foi a concepção do trabalho, que li-berou de maneira moral e eticamente os indivíduos, para a ativida-de do capital, possibilitando-os a aquisição de bens, realização decobranças de jurus e por fim investimento de capital (WEBER,2014).

Esse “ethos”cx estimulava a ideia do ciclo do capital, onde oadquirido deveria ser reinvestido em novos empreendimentos quegerassem mais empregos de maneira que o circulo virtuoso, queconsistia em trabalho, acumulo e reinvestimento; permitisse o esta-belecimento da harmonia social.

Com isso, Weber demonstra que o progresso das organiza-ções sociais, após o período medievo foi regido por uma redução àlogica em comunidade, ou seja, a compreensão de modernidadenão só deriva da diferenciação econômica, mas principalmente deum reordenamento racional da cultura em sociedade.

Analisando o que foi apresentado, torna-se claro que as for-mas de estruturação moderna do trabalho, são resultantes de umapostulação, que embora dinâmica e vastamente mudada pelas lutasinternas durante a história, de grupos que se encontraram em posi-ções que lhes possibilitaram impor seus valores como conceito uni-versal à sociedade ocidental. No caso em questão, foi segundo MaxWeber, a ética protestante.

Ora, isso se aproxima muito do que foi dito na introdução. Asregras institucionais, tais como as regras trabalhistas, apresentamem si um modelo proveniente de um determinado grupo, e durantea história, consolidou-se como um constructo derivado das diversaslutas politicas para imposição hegemônica que ocorreram desde asuperveniência moderna do conceito de trabalho.

Portanto, o instituto do trabalho, embora sirva como modelo eexpectativa ditada por determinado grupo, para sua inclusão e ma-nutenção de poder no corpo social, ao mesmo modo que o processode rotulação de grupos desviantes, cria em seu amago, sujeitos mar-ginalizados, ou seja, desviantes, que variam desde os desemprega-dos, até aqueles que são reduzidos a condições análogas a de escra-vos.

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1.1 A SOCIOLOGIA DE DESVIO NAS CONDIÇÕES TRA-BALHISTAS

Com o objetivo de estabelecer o instituto trabalhista e conse-quentemente suas formas desviantes- o desemprego e o trabalho es-cravo- como institutos que usufruem do mecanismo de imposiçãode condutas sociais, faz-se primeiramente necessário uma aborda-gem expositiva a cerca das ideias adotadas.

A base para essa discussão não poderia ser outra se não oclássico estudo sobre desvio de outsiders. Os pontos estabelecidoscomo base para as afirmações que se seguem têm como principalfulcro as premissas estabelecidas por Howard Becker no estudo su-pracitado.

Já nas paginas iniciais de se livro, o autor define com clarezao conceito base para a sociologia do desvio (BECKER, 2008,p.15):

Todos os grupos sociais fazem regras e tentam, emcertos momentos e em algumas circunstancias impô-las. Regras sociais definem citações e tipos de com-portamentos a elas apropriados, especificando algu-mas ações como certas e proibindo outras como er-radas. Quando uma regra é imposta, a pessoa quepresumivelmente a infringiu pode ser vista como umtipo especial, alguém de quem não se espera viver deacordo com as regras estipuladas pelo grupo. Essapessoa é encarada como um outsider.

Portanto, os grupos sociais estão a todo o momento desenvol-vendo e tentando impor-se ao resto da sociedade. Nem sempre essadinâmica é intencional, ou seja, os grupos sociais podem buscar sualegitimação, e para alcança-la pode ocorrer de exportarem seus va-lores de forma universal.

Isso quer dizer que ao estudar-se o comportamento desviante,observam-se os aspectos de rotulação, não como um espaço amos-tral de indivíduos que não se qualificam em determinados valores,mas sim como uma atribuição política, derivada da determinaçãovalorativa que os grupos que se mantiveram e lutaram pelo poderdas instituições estatais, construíram.

Quando se analisa as consequências da adoção de uma identi-dade desviante faz-se invariavelmente uso das definições de Hug-hes sobre os traços principais e auxiliares. Isso será importante no

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estudo que se segue, pois ao delimitarem-se os grupos desviantesda instituição do trabalho, veremos como o sistema jurídico contri-bui para sua manutenção nessas condições, já que suas característi-cas de “trabalho forçado” vêm junto com uma serie de característi-cas acessórias, tais como negro, indígena, nordestino ou até mesmoestrangeiro. Tais características, que vistas ao olho dos das massase das instituições estatais, conferem a esses indivíduos um graumais baixo de atenção na resolução de seus problemas com relaçãoao trabalho, vistos que são agentes periféricos da economia e quesão “pertencentes” a subgrupos de “pouca relevância”.

Tais questões serão mais bem discutidas nos capítulos que seseguem. Por hora, faz-se necessário voltar à definição de Hughes.Segundo Howard Becker (2008, p.42-43):

Hughes observa que a maioria dos status tem umtraço chave que servem para distinguir ente os que opossuem ou não. Assim, o médico, não importa oque mais possa ser, é alguém que tem um certificadoafirmando que preencheu certos requisitos e este li-cenciado para praticar medicina; este é o traço prin-cipal. Como Hughes mostra, na sociedade Norte-americana, presume-se também, informalmente, queum médico tenha vários traços auxiliares: A maioriadas pessoas espera que ele seja de classe média alta,branco, do sexo masculino e protestante. Se não forassim, têm-se a impressão de que de certo modo nãopreencheu os requisitos. De maneira semelhante,embora a cor da pele seja o traço principal para de-terminar que é negro e quem é branco, espera-se in-formalmente que os negros tenham certos traços destatus, e não tenham outros; as pessoas ficam surpre-sas e veem como anomalia o fato de um negro serum médico ou professor universitário.

Hughes lida com o fenômeno descrito acima, racionalizandoa cerca dos status que se julgam desejados, ou desejáveis, de ma-neira que identifica a possibilidade de se possuir qualificações for-mais para se ingressar em determinado grupo e mesmo assim sernegado a esse grupo por não possuir características auxiliares espe-radas. O mesmo caso ocorre nos status que marginalizam os indiví-duos. Possuir uma característica desviante pode ter um valor sim-bólico generalizante, de modo que os outros indivíduos tem a plenacerteza de que os traços auxiliares de determinados indivíduos são

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indesejáveis. Visto isso, ficam mais compreensíveis alguns aspectos dos

modelos de trabalho escravo que serão debatidos aqui. Como já foidemonstrada, a atividade de empresa surgiu, na perspectiva weberi-ana, através da institucionalização do modelo protestante nas esfe-ras politicas do Estado. Claramente, o modelo que se seguiu a essaimplementação sofreu diversas transformações - com as formas ori-entais de concorrência as empresas japonesas o dos tigres asiáticose até mesmo as empresas chinesas- mas sua modificação já reforçao que foi exposto no inicio do texto, de que todos os institutos dasociedade são modelos derivados das lutas politicas e da miscige-nação dos valores que tentaram manter o poder da burocracia esta-tal e consequentemente importaram seus valores.

Sendo assim, a atividade empresarial e consequentemente seutrabalho, vincula-se a uma serie de valores que as classes que oraou outra sobem ao poder tomam como seu mesclam com seus pró-prios “ethos”. Isso necessariamente implica em uma distinção entreos indivíduos da sociedade que seguem o modelo estabelecido, nocaso do Brasil, os empregados em determinadas atividades, e aque-les que não incluídos, ou marginalizados, no caso os desemprega-dos e os subempregos.

O ponto fundamental a ser discutido, portanto é o de que osindivíduos que não foram englobados pelos valores do instituto dotrabalho, mesmo aqueles que são explorados em condições análo-gas a de escravidão, são tidos como estranhos a sociedade e conse-quentemente ao sistema jurídico. Um instituto crescente e que de-mostra claramente essas prerrogativas é o da terceirização dos ser-viços, que mostra a possibilidade de se criar institutos de inclusãopara as comunidades de empresários, por meio da terceirização deserviços, porém nos cantos mais longínquos das cadeias de produ-ção, age de maneira extremamente excludente com indivíduos quepraticam subempregos em condições de miséria.

2 O PROCESSO DE TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS E ASCONSEQUÊNCIAS SOCIAIS.

O instituto da terceirização pode ser definido como os proces-sos pelo qual uma empresa deixa de executar uma ou mais ativida-des, e as transfere para uma empresa subsidiária. Nesse processoocorre um desligamento do vinculo direto entre a empresa principal

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e os trabalhadores de determinadas atividadescxi. No Brasil, esse processo desenvolveu-se como parte do rear-

ranjo no setor produtivo, que se iniciou na década de 70 do séculopassado. A partir do período conhecido como “Terceira revoluçãoindustrial”, mudanças de peso ocorreram nos modelos organizacio-nais dos setores produtivos e das formas organizacionais de traba-lho. No caso especifico do Brasil, na década de 90, o país passoupor diversas modificações institucionais e estruturais com a consti-tuição de 1988 (TAVARES, 1999).

Aliado a isso, o esgotamento da mecânica de substituição dosprodutos importados e de intensificação do mercado global, trouxeum impulso ao mercado brasileiro, com relação às empresas estran-geiras, o que em consequência nos trouxe o modelo terceirizado deempresa.

Em razão da possibilidade de diminuição dos custos para aempresa no processo de terceirização, as grandes empresas delimi-taram cada vez mais suas atividades desempenhadas diretamente,mantendo apenas o mínimo necessário de trabalhadores fixos e rea-lizando em consequência cortes em vários setores de empregos.

Em certo, seria lógico pensar que embora houvesse a dimi-nuição de empregos nos setores relacionados às grandes empresas,com a criação de novos serviços para as empresas terceirizadas, cri-ando assim um novo contingente empregatício.

O problema dessa dedução é que não levam em conta as ne-cessidades da empresa subsidiaria. Ora, afinal a consagrada defini-ção de empresa (COELHO, 2013) já nos indica que a empresa seencontra composta por uma associação de indivíduos com fins paraa exploração de um negócio que produz e/ou oferece bens e servi-ços, buscando como fim último a obtenção de lucro.

Dessa forma, as empresas terceirizadas também precisam deobtenção de lucro, pois em caso contrario não se sustentam enquan-to atividade. Portanto, em ultima instância a obtenção de lucro seconsagra na obtenção de mão de obra mais barata, através de diver-sificações no contrato de trabalho, que quase sempre levam a rela-ções precárias de emprego.

Em pesquisa divulgada no site do ministério do trabalho e doempregocxii, nota-se que cerca de 50% dos empregados entrevista-dos jamais negociaram clausulas relativas ao contrato de trabalho,além disso, aproximadamente 25% desses trabalhadores encontra-vam-se com reduções aos benefícios sociais, e não possuíam contri-

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buições de FGTS e INSS. Além disso, a pesquisa também apontou que após o início do

processo de terceirização dos setores empresariais brasileiros ocor-reram significativos impactos no processo de contratação de empre-gados pelas empresas subsidiarias, entre tais impactos nota-se au-sência de direito a PLR, de plano de saúde, precariedade de mão-de-obra, alimentação inadequada, o aumento de acidentes e extin-ção de função.

Portanto, as formas que as relações de emprego foram molda-das em consequência do processo de terceirização, opõem-se dire-tamente nas distintas formas de trabalho, desqualificando-o e, alémdisso, tornando depreciativa a própria condição do trabalhador, cri-ando condições que vão contra as garantias sociais e de dignidadeestabelecidas na constituição federal de 1988.

Interessa notar que após a grande explosão do processo deterceirização na década de 90, diminuiu todos os ramos de debatese oposições referentes à precariedade das relações de trabalhooriundas desse processo (DISSE, 2007). Os efeitos negativos querecaíram sobre os ombros dos trabalhadores incorporaram-se ao co-tidiano das organizações sociais, assumindo uma naturalidade deexistência.

Segundo Mattoso (1995), surgiram novas e atípicas formas detrabalho e de trabalhadores, resultantes do processo acima mencio-nado, juntamente com uma nova e maior utilização dos meios ele-trônicos e de informações virtuais, favorecendo o trabalho a distan-cia. Junto a isso, houve uma ampliação das relações da empresacom o mercado de consumo e de fornecimento, o que reduziu ocusto do trabalho, rompendo as formas anteriores de trabalho, ten-do esses trabalhadores que se adaptar a uma concorrência internaci-onal.

Nesse sentido, o processo de terceirização buscou reduzir osgastos em contingente de força de trabalho integral, criando catego-rias de subemprego.

Tratado disso, conclui-se que o processo de terceirização, ins-tituto criado dentro do campo politico como forma de otimizaçãodos valores empregados pela classe empresarial (obtenção de lu-cro), cria junto a isso grupos com prerrogativas depreciativas, comoé o caso dos grupos contratados por empresas terceirizadas no ini-cio das cadeias produtivas.

Assim, passar-se-á agora ao estudo dos campos mais afetados

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pelo processo de terceirização, ou seja, os trabalhadores do inicioda cadeia de produção. Importante destacar que embora seja deefeito global os impactos causados pela terceirização, muitos aindasão incluídos dentro da conduta social como pertencentes, porém amedida que distancia-se do topo das relações de cadeia, os sujeitosque se submetem ou são submetidos a esse trabalho não só são fa-cilmente substituíveis como não são considerados socialmentecomo membros efetivos das cadeias, oque contribui para a manu-tenção das condições deploráveis encontradas no inicio dos proces-sos de produção.

3 AS CADEIAS PRODUTIVAS E O TRABALHO EMCONDIÇÕES ANÁLOGAS A DE ESCRAVO.

O conceito de cadeias produtivas desenvolveu-se de maneiraholística, como um instrumento que proporcionasse uma visão sis-tematizada dos processos de produção dos bens de capital. Nessarede sistêmica, diversos atores estão interconectados por um fluxode materiais, capital e de informação que possuem como objetivoprincipal suprir um mercado consumidor com os produtos finais dosistema (BATALHA, 1995).

Embora a gênese brasileira do conceito tenha servido princi-palmente para entender as dinâmicas de mercado interno que ocor-rem na produção do setor agropecuário e florestal, na contempora-neidade, isso já não se aplica. O conceito de cadeia produtiva extra-pola os limites supracitados para outros setores além da agricultura.Assim, o conceito tornou-se genérico à realidade brasileira e permi-tiu-se o uso de suas capacidades e principalmente de suas ferramen-tas analíticas, na identificação das politicas trabalhistas e na concei-tuação da própria realidade dos trabalhadores.

Ao se analisar as cadeias produtivas, portanto, identifica-se oproblema das empresas subsidiarias já destacado. Em busca do lu-cro típico da atividade empresarial, as empresas subsidiárias que seencontram no ponto mais baixo da cadeia de produção, não possu-em a alternativa de recorrer ao processo de terceirização, visto queelas são em ultima instancia as provedoras dos produtos extraídos.

Assim, o projeto de lucro, típico da identificação social da so-ciedade empresarial, aposta suas expectativas no trabalho a baixocusto, impactando em ultima instancia o trabalhador.

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Em pesquisa disponibilizada pelo governo paulistacxiii, ob-serva-se que a maior parte dos casos de trabalho em condições aná-logas à de escravidão no Estado de São Paulo ocorrem na indústriade setor têxtil. Seguindo o setor têxtil estão o setor agropecuário e aconstrução civil.

Esse levantamento, que foi realizado pela secretaria da justiçae da defesa da Cidadania, prestou-se a analisar 257 processos rela-cionados ao trafico de pessoas para trabalho escravo, sendo que171 eram ações movidas pelo Ministério Público Federal e 86 pro-cedimentos do Ministério Público do Trabalho.

Segundo a pesquisadora Juliana Felicidade Arnede:

Normalmente, a causa geradora desse problema é aausência de politica pública na localidade onde aspessoas estão. A tendência é : eu não tenho trabalho,eu preciso voltar a trabalhar, então vou procurar tra-balho onde tem. Se a oportunidade de trabalho vemde forma abusiva, provavelmente é onde vou ter queme socorrer. É uma situação de sobrevivência prati-camente.

Realizada essa explanação inicial, passa-se agora a apresenta-ção de alguns casoscxiv emblemáticos referentes às condições dostrabalhadores que participam das instancias iniciais das cadeiasprodutivas.

Talvez o mais recorrente dos casos a respeito das condiçõesprecárias de trabalhadores em condições análogas a de escravosseja o caso “gameleira”. No ano de 2001, o Ministério do trabalho edo Emprego identificou 318 cortadores de cana em condições con-sideradas desumanas na Destilaria Gameleira, no município deConfresa, no Estado do Mato Grosso.

Entre os abusos realizados com os trabalhadores que se en-contravam no local, pode-se destacar de maneira preponderante onão pagamento de salários na quantidade devida e jornadas excessi-vas de trabalho. Segundo dados disponibilizados, esses trabalhado-res recebiam cerca de três reais por hora de serviço, num regimeconstante de 14 horas de trabalho, sem adicionais ou qualquer ga-rantias trabalhistas previstas no Decreto-Lei nº 5.452 de 1943.

Importante destacar que a destilaria de Gameleira serviacomo importante subsidiária de grandes grupos empresariais, taiscomo Petrobrás, shell, Texaco, Ipiranga, dentre outras. Essas em-

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presas-mães obtinham o combustível da terceirizada a custos extre-mamente baixos, que alimentavam o mercado da região central doestado do Mato Grossocxv.

Outro caso emblemático, dessa vez relacionada ao setor pecu-arista diz respeito ao Marfrig, o quarto maior produtor mundial decarne. Ocorre que no ano de 2007, identificou-se um número deaproximadamente mil e trezentos trabalhadores vivendo em condi-ções análogas a de escravos em varias fazendas subsidiárias à em-presa.

O frigorifico supramencionado é o principal fornecedor decarne bovina para a maioria das redes varejistas do país, entre elaso Carrefour, Wall Mart, e Pão de Açúcar, distribuindo tambémpara as redes de “fast-food”, como o Mcdonald’scxvi.

Já no setor de produção de Carvão, segundo a CTP, foramidentificados mais de 2,5 mil trabalhadores em condições análogasa de escravo, trabalhando em minas do grupo METALSIDER, emminas gerais. A empresa supramencionada tem histórico de vendada matéria prima para a empresa Teksid brasil, fornecedora de au-topeças para grandes multinacionais, como a Fiati, a Ford e Hon-da.

O objetivo do que foi exposto, é mostrar que o processo deterceirização afeta os trabalhadores primários da cadeia de produ-ção de maneira extrema, resultantes da necessidade social da em-presa terceirizada em obtenção de lucro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo de uma visão sociologia sobre o assunto, a críticaque se faz aos efeitos do processo de terceirização, é que por elanão derivar de uma cultura própria das massas tais princípios, ouseja, dos grupos culturais que possuem pouco ou nenhum acesso àsdinâmicas politicas de institucionalização, tal instrumento pode serutilizado como uma forma de imposição social e de perpetuação decontingentes marginalizados da sociedade.

É o que Bourdieu aponta quando se refere às divergências en-tre os que conhecem as regras do jogo e aqueles que não dominamas “práxis” e os “habitus” dominantes: “Na realidade, a instituiçãode um ‘espaço judicial’ implica a imposição de uma fronteira entreos que estão preparados para entrar no jogo e os que, se acham nele

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lançados (...) (BOURDIEU, 2010, p. 225)”.Entretanto, seguindo a linha de interpretação do autor pode-

mos inferir que as interpretações valorativas das normas podem- seaplicadas de maneira correta- conferir uma autoridade legitima aessas decisões. Pois, rompem com a ideologia da independência dodireito e do corpo social, dessa forma ao se analisar a história do di-reito observa-se que as tradições jurídicas e as conjunturas existen-tes no seio da tradição variam e influenciam as tradições nacionaisdo Estado.

Notando-se que a capacidade de emancipação propiciada pe-los princípios está atrelada a algumas condições, ou seja, para queeles não sejam usados para quebrar a autonomia do campo jurídico,permitindo assim a confusão entre este e o campo do poder (políti-co); o ordenamento jurídico brasileiro deve manter certas formali-dades (burocráticas) típicas do Estado liberal, sem se olvidar da re-alidade histórico-culturalcxvii.

Assim, as condições análogas as de escravo estudadas aqui,são processos resultantes de um fenômeno político social insepará-vel da constituição do estado e das regras internas a sociedade, poisderiva da tentativa de certos grupos, no caso o grupo empresarial,de obter maior controle das prerrogativas estatais, assim, sua impo-sição de valores naturalmente gera grupos excluídos obrigados a tersubempregos para ser parte da sociedade, onde são vitimas de ex-plorações por diversos mecanismos de controle, entre eles a tercei-rização e consequentemente as cadeias de produção.

O que se pode fazer tendo em vistas esse cenário é buscar en-globar os indivíduos que encontram em condições como essas, emum sistema jurídico que possuísse um arcabouço sociológico maisconsistente, e que observassem os institutos na sua faceta margina-lizamte. Especificamente nas disposições jurídicas, um passo paradesconstruir a realidade social das cadeias de produção seria insti-tuir no projeto lei 4330/04 a responsabilidade compartilhada pelasempresas mães, em caso de garantias trabalhistas das empresas ter-ceirizadas.

Por fim, a discussão é grande sobre o assunto e esta longe deacabar. O artigo pretendeu apenas levantar o problema trazendo aluz de uma sociologia que até então era reservada ao estudo de in-fratores. Assim, a compreensão sobre o trabalho escravo brasileiroesta muito além de novas politicas criminalizantes ou de novos arti-gos legislativos, mas sim de uma necessária analise conjuntural das

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lutas políticas que se desenvolvem nos grupo sociais que possuemparcelas significativas do capital empresarial, a fim de se elaborardispositivos normativos que possibilitem maior responsabilidadedas empresas-mães na tutela das garantias trabalhistas.

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O CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNI-DAS E AS FORMAS CONTEMPORÂNEAS DE TRABA-

LHO ESCRAVO: O CASO BIRMÂNIA/MYANMAR

Heloisa Tenello Bretascxviii”

Resumo: Esse artigo visa explorar, ainda que superficialmente, as violações dos direitoshumanos através do caso Myanmar/Birmânia, mais especificamente, os abusos dos direi-tos dos trabalhadores realizados pelo Regime Militar. Esses abusos foram levados ao Con-selho de Segurança da ONU pelos Estados Unidos em 2007, contudo, a proposta de Reso-lução foi vetada por questões que também serão exploradas na sequência. Em resumo,essa breve análise destina-se a expor as diversas normas de Direito Internacional Públicoque dispõem sobre trabalho escravo e trabalho forçado, apresentando o papel desempe-nhado pelo Conselho de Segurança e por outras organizações internacionais na proteçãodesses direitos humanos fundamentais.Palavras-chave: Trabalho forçado; Direitos Humanos; Conselho de Segurança;Birmânia/Myanmar.

Abstract: This article intends to explore, even though superficially, the violations of hu-man rights through the Myanmar/Burma case, specifically, the abuses of the worker’srights executed by the Military Regime. These abuses were taken to the UN SecurityCouncil by United States in 2007; however, the Resolution proposal was vetoed on ac-count of matters that will be further explored. In summary, this brief analysis aim to ex-pose the diverse norms of Public International Law that are about slave labour and forcedlabour, presenting the role played by the Security Council and another international orga-nizations in order to protect these fundamental human rights.Keywords: Forced Labor; Human Rights; Security Council; Burma/Myanmar.

1. INTRODUÇÃO

Paulo Sérgio Pinheiro, em Prefácio escrito para a obra deAlexandre Peña Ghisleni – Direitos Humanos e Segurança Interna-cionalcxix, impressiona-se com “a escolha paradoxal”cxx de Ghislenipara iniciar o livrocxxi, que é o projeto de resoluçãocxxii apresentadoem 12 de janeiro de 2007 pelos Estados Unidos referindo-se às vio-lações de direitos humanos e à repressão política em Myanmar. Pi-nheiro foi relator especial da Comissão de Direitos Humanos daONU (que em 2006 se tornou o Conselho de Direitos Humanos –CDH) para o Myanmar por oito anos, escrevendo dezenas de infor-mes, comunicados e resoluções sobre as violações de direitos hu-manos. Seus esforços, contudo, como o trabalho dos seus anteces-sores, redundaram em “quase nenhum resultado”cxxiii. Até que osEstados-membros e a sociedade civil internacional inferiram queera necessária uma decisão de cumprimento obrigatório advinda do

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Conselho de Segurança (CSNU). Mesmo assim, foi grande a sur-presa da comunidade internacional quando os EUA propuseram oprojeto de resolução ao Conselho de Segurança, e não a outro órgãocomo o próprio CDH.

A grande questão que se levantou a época era se o Conselhode Segurança era foro adequado para tratar dessa questão, afinal,conforme o artigo 39 da Carta das Nações Unidascxxiv, o CSNU de-veria tratar de ameaças à paz e segurança internacionais, não sendoesse o caso de Myanmar. O Projeto de Resolução apresentado abor-dava questões como a detenção de presos políticos, a prisão domi-ciliar de Daw Aung San Suu Kyicxxv, os ataques militares a minoriasétnicas e religiosas, os soldados crianças e o trabalho escravo, entreoutros aspectos:

Recordando A/RES/61/232 (2006) da AssembleiaGeral, e a esse respeito expressando profunda pre-ocupação pelas violações em larga escala dos dire-itos humanos em Myanmar, como citado no relatóriodo Special Rapposteur de 21 de setembro de 2006,incluindo violência contra civis desarmados peloexército de Myanmar, pelos assassinatos ilegais, tor-turas, estupros, trabalho escravo, a militarização doscampos de refugiado e o recrutamento de soldadoscrianças. (tradução nossa)cxxvi

Estes, inicialmente, não se constituíam problemas com poten-cial para desestabilizar as relações da comunidade internacional e,sendo uma situação estritamente interna, pelo princípio da não-intervenção, seria injustificada a interferência do CSNU. Tanto que,a proposta foi vetada pelo CSNU quando de sua votação na reunião5619 do Conselho, que também se deu em 12 de janeiro de 2007.

O projeto foi rejeitado vez que houveram 9 votos a favor e 3votos contra. Isso é possível porque a Federação Russa e a Chinaexerceram seus poderes de veto, argumentando através de VitalyChurkin, Representante Permanente russo junto à ONU que “nemum sequer dos países vizinhos vê a situação em Myanmar comouma ameaça e, com base nisso, não há razão para o Conselho deSegurança considerar a matéria”cxxvii.

Ao que rebateram os nove países a favor, entre eles o ReinoUnido através de seu representante junto as Nações Unidas, SirEmyr Jones Parry:

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Nosso desacordo é com relação à competência. Éessa uma questão válida para ser decidida pelo Con-selho de Segurança? O Governo Britânico acreditaque a situação na Birmânia//Myanmar representauma ameaça à paz e segurança regionais e à segu-rança do povo birmanês. Nós, portanto, votamos porum projeto de resolução que nós acreditávamos estardentro das responsabilidades desse Conselho.(tradução nossa)cxxviii

Esse é o primeiro dos diversos casos em que se visualizam asdistintas compreensões da Carta das Nações Unidas e das prerroga-tivas do Conselho de Segurança (CSNU) nela inscritas. Uma parce-la dos membros do CSNU entendia que esse foro deveria lidar ape-nas com questões de ameaça à paz e segurança internacionais. Con-comitantemente, há aqueles que enxergavam a possibilidade e o de-ver de intervenção quando das violações de direitos humanos, mes-mo que não representassem, diretamente, ameaça à seguridade in-ternacional. Assim, muito embora por ambas as partes entendia-seque as violações dos direitos humanos e políticos não representa-vam uma ameaça direta à seguridade internacional; China e Rússia,acompanhados de outros países sem poder de veto, não viram noCSNU competência nem legitimidade para intervir nessas situa-ções. Já os demais países com poder de veto, liderados pelos EUA,e boa parte dos membros não-permanentes, distinguiram no confli-to interno a possível desestabilização do cenário internacional,mesmo que regional; sendo, por essa razão, não apenas legal, mastambém crucial a ingerência onusiana.

Esse aparente conflito quanto ao endereçamento de questõesde direitos humanos ao CSNU e a sua legitimidade e competênciapara preceituar nesse sentido, hodiernamente, resolveu-se. Tratar-se-á, portanto, no decorrer desse artigo como se deslindou esse im-passe. Na sequência, deixar-se-á claro a posição dos direitos dostrabalhadores como direitos humanos fundamentais preceituados naCarta das Nações Unidas e de proteção e defesa indispensáveiscomo qualquer dos outros. Por fim, analisar-se-á a situação preocu-pante de ocorrência de trabalho escravo no Myanmar e sua aborda-gem pelas Nações Unidas, mais especificamente, pelo Conselho deSegurança.

Há uma certa controvérsia quanto à designação que se deveutilizar para se referir ao Myanmar, vez que esse é o nome formal-

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mente designado ao país desde 1989 pelo regime militar, modifi-cando o termo tradicional “Birmânia”cxxix. Neste texto procurar-se-áutilizar, sempre que possível, o termo Myanmar para fazer referên-cia ao país, apenas em razão de ser o termo amplamente utilizadopela ONU, de onde provém diversas das fontes exploradas nesseartigo, evitando, assim, confundir o leitor menos familiarizado. En-tretanto, dependendo da fonte, encontrar-se-á o termo Birmânia,que será mantido. Fica claro, portanto, que está se tratando do mes-mo país, quer pelo nome Myanmar, quer pelo nome Birmânia.

2. DIREITOS HUMANOS NO CONSELHO DE SEGU-RANÇA DA ONU

Preceituar a respeito dos direitos humanos, por conseguinte, éfunção que, hodiernamente, tem-se por pacífica, mas que encontrouobstáculos na própria organização da ONU. Havia a compreensãode que paz e segurança internacionais e direitos humanos se trata-vam de dois universos particulares, endereçados, pela Carta dasNações Unidas, ao Conselho de Segurança e ao Conselho Econô-mico e Social respectivamente, este último com as prerrogativas deformar a Comissão de Direitos Humanos que, conforme já explana-do, foi substituída em 2006 pelo Conselho de Direitos Humanoscxxx.

Explorando o artigo 39 da Carta, contudo, tem-se que “OConselho de Segurança determinará a existência de qualquer ame-aça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão (...)”. Desse excertopode-se inferir que contextos em que há situações internas de viola-ção de direitos humanos, quando representarem ameaça à paz, écrível que aí se encontra um espaço de discricionariedade do CSNUpara preceituar. Gérard Cohen Jonathan dispõe que a expressão“ameaça à paz” tem uma intencional larga abrangência, vez que,assim, quer haja um conflito entre Estados, quer uma situação inter-na muito grave que ameace a paz, pode-se esperar que ambos te-nham repercussão internacional.cxxxi

O Conselho, portanto, esquiva-se de “mecanismos indepen-dentes de controle e se autolegitima a cada reinterpretação de seumandato com a criação de novos precedentes”cxxxii. Assim Ghisle-nicxxxiii entende que o CSNU se legitima em matéria de direitos hu-manos perante os Estados-membros a medida que os impactos desuas decisões são mais ou menos positivos; conforme o que objeti-va e o que efetivamente consegue alcançar.

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Outro obstáculo enfrentado nesse ínterim foi o princípio danão intervenção, presente no Artigo 2º, §7º da Carta das NaçõesUnidascxxxiv, destacado por Rússia e China anteriormente. Este seriauma das principais autolimitações aos poderes da ONU, sendo quedispõe sobre a não autorização de intervenções em questões decompetência estritamente nacional, a menos que na aplicação dasmedidas presentes no Capítulo VII – das ações relativas a ameaçasà paz, ruptura da paz e atos de agressão; determinadas pelo CSNU.

Nesse sentido, a responsabilidade da ONU seria subsidiária,isto é, os Estados são os responsáveis diretos pela proteção dos di-reitos humanos em seu território, sendo que os órgãos e secretariasdas Nações Unidas trabalham em conjunto para a promoção e defe-sa desses direitos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos(DUDH) tem em seu Preâmbulo, parágrafo sexto, que “Conside-rando que os Estados-Membros se comprometeram a promover,em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos di-reitos e liberdades humanas fundamentais e a observância dessesdireitos e liberdades (...)”cxxxv.

Contudo, assim como a Declaração Universal de Direitos Hu-manos expressa essa subsidiariedade, pelo simples fato de existircomo documento preceituador de direitos e deveres de proteção epromoção universal, torna indubitável que os Estados são compe-tentes internamente sobre questões de direitos humanos, mas, deforma alguma essa competência é restritiva. Os padrões a seremobservados estão sendo constantemente definidos internacional-mente por Tratados e Pactos, entre outros mecanismos, e, sendo ra-tificados, vinculam os países no seu cumprimento.

Poder-se-ia inferir que a flexibilização do princípio da não in-tervenção é posicionamento recente, mas a redução da reserva decompetência nacional para questões que envolvam “violações dasliberdades essenciais do ser humano”cxxxvi já havia sido levantadapelas Delegações de França e Chile no decorrer da Conferência deSão Francisco em 1945, vez que essas situações “podem colocarem perigo a paz entre as nações”cxxxvii.

Deduz-se, assim, que existem elementos passíveis de justifi-car o entendimento de que o Conselho de Segurança é órgão subsi-diário competente para preceituar com relação a violações de direi-tos humanos, quer em situações externas, em conflitos entre países,quer em situações estritamente internas, de quaisquer países mem-bros da Organização das Nações Unidas.

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Hodiernamente, esse é o posicionamento majoritariamenteadotado no Conselho de Segurança da ONU, sendo que o apar-theid na África do Sul é caso emblemático dessa mudança de per-cepção, motivando o Conselho a aprovar a Resolução 134, que ins-tava o governo a encerrar esse sistema discriminatório.

3. TRABALHO ESCRAVO COMO VIOLAÇÃO DOS DI-REITOS HUMANOS

A Declaração Universal dos Direitos Humanoscxxxviii de 1948traz, explicitamente, em seu artigo I que “todos os seres humanosnascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Na sequência, logoem seu artigo IV tem-se que “ninguém será mantido em escravidãoou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidosem todas as suas formas”. Ainda, o parágrafo 1º do artigo XXIIIapresenta que “todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre es-colha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e àproteção contra o desemprego”. Em seu parágrafo 3º tem-se que“todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justae satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, umaexistência compatível com a dignidade humana e a que se acrescen-tarão, se necessário, outros meios de proteção social”. E o artigoXXIV dispõe que “todo ser humano tem direito a repouso e lazer,inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remu-neradas periódicas”.

Convergindo esses dispositivos é evidente que o trabalho es-cravo, ou como disposto no artigo 2º, inciso 1, da Convenção 29 daOrganização Internacional do Trabalho (OIT)cxxxix, “trabalho força-do ou obrigatório”, não encontra guarida para dar-se, isto é, está ve-dado a menos que nas hipóteses também apresentadas nesse artigo,em seu segundo inciso:

A expressão “trabalho forçado ou obrigatório” nãocompreenderá, entretanto, para os fins desta Con-venção:a) qualquer trabalho ou serviço exigido em virtudede leis do serviço militar obrigatório com referênciaa trabalhos de natureza puramente militar;b) qualquer trabalho ou serviço que faça parte dasobrigações cívicas comuns de cidadãos de um paíssoberano;

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c) qualquer trabalho ou serviço exigido de uma pes-soa em decorrência de condenação judiciária, con-tanto que o mesmo trabalho ou serviço seja execu-tado sob fiscalização e o controle de uma autoridadepública e que a pessoa não seja contratada por par-ticulares, por empresas ou associações, ou posta àsua disposição;d) qualquer trabalho ou serviço exigido em situaçõesde emergência, ou seja, em caso de guerra ou decalamidade ou de ameaça de calamidade, como in-cêndio, inundação, fome, tremor de terra, doençasepidêmicas ou epizoóticas, invasões de animais, in-setos ou de pragas vegetais, e em qualquer circun-stância, em geral, que ponha em risco a vida ou o

bem‐estar de toda ou parte da população;

e) pequenos serviços comunitários que, por seremexecutados por membros da comunidade, no seu in-teresse direto, podem ser, por isso, consideradoscomo obrigações cívicas comuns de seus membros,desde que esses membros ou seus representantes di-retos tenham o direito de ser consultados com refer-ência à necessidade desses serviços.cxl

Muito embora essas exceções sejam discutíveis, e devam serdiscutidas, tanto que caíram com dispositivos mais recentes como,por exemplo, a Convenção Europeia dos Direitos do Homemcxli e aConvenção Americana sobre Direitos Humanoscxlii, esse não é o ob-jetivo desse artigo, portanto, análises mais aprofundadas poderão sedar em outro momento. O que se objetiva é demonstrar através des-ses dispositivos legais de Direito Internacional Público que o traba-lho escravo ou forçado não é tolerado pela comunidade internacio-nal majoritária, que encontra na Organização Internacional do Tra-balho, no Conselho de Direitos Humanos e no próprio Conselho deSegurança, como objetivamos demonstrar, guarida para atuar con-tra essas situações.

Ainda, conforme ensinamento da professora Flávia Piovesan:

o trabalho escravo se manifesta quando direitosfundamentais são violados, como o direito acondições justas de um trabalho que seja livrementeescolhido e aceito, o direito à educação e o direito a

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uma vida digna. À luz da universalidade dos direitoshumanos, o trabalho escravo viola sobretudo a ideiafundante dos direitos, baseada na dignidade humana,como um valor intrínseco à condição humana.cxliii

Assim, é patente que se trata de trabalho escravo ou em con-dições análogas à de escravidão quando este é realizado sem remu-neração justa e satisfatória, sem poder livremente escolher entre aprestação ou não do serviço, em condições degradantes que violema dignidade da pessoa humana, sem o direito de repousar, ter mo-mentos adequados de lazer e férias remuneradas, além de não ter li-mite de horas de trabalho. Contudo, para considerar-se uma situa-ção como de escravidão não é necessário que estejam presentes to-das essas condições. Basta que o caso demonstre violar, sobretudo,de acordo com excerto acima de Piovesan, a dignidade da pessoahumana.

4. O CASO BIRMÂNIA/MYANMAR: TRABALHO ES-CRAVO NO CONSELHO DE SEGURANÇA

Muito embora haja todo esse aparato internacional pressio-nando e, de certa forma, intervindo em favor dos trabalhadores es-cravos, isto é, instando os Estados nos quais ocorrem esse tipo deviolação aos direitos humanos à tomarem medidas, muitas vezesaté sancionando-os; infelizmente, ainda é possível encontrar muitospaíses com grande presença de mão-de-obra escrava, assim como oMyanmar cuja situação vai-se explorar na sequência.

O Burma Human Rights Yearbookcxliv teve sua última ediçãoem 2008, portanto é a edição que utilizar-se-á. Esse compêndio dediversos temas tem um capítulo exclusivo sobre trabalho forçado,do qual tiraram-se os dados a serem utilizados. Esse Yearbook eraproduzido pela National Coalition Government of the Union ofBurma, conhecido como o governo birmanês em exílio, com sedeem Rockville, Maryland; movimento pró-democracia. Em 14 de se-tembro de 2012 essa coalisão se desfez por acreditarem que com alibertação de Aung San Suu Kyi e a possibilidade que ela e outroslíderes têm de sair do país e falar de sua situação, não há mais ne-cessidade de um governo exilado; também, de acordo com o Minis-tro da Informação e Relações Exteriores do Partido, Dr. Tint Swe,dissolve-se a coalisão evitando que ela bloqueie o movimento de

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reconciliação nacionalcxlv. Dessa forma, os dados obtidos e apresen-tados nesse relatório podem ser considerados como parciais, vezque são ativistas birmaneses pró-democracia, automaticamente,contra o governo militar, que se arriscam para consegui-los, docu-menta-los e expô-los. No entanto, essa tem sido a forma disponívelaté então para que se obtenha informações sem que o governo pos-sa mascará-las.

Essa foto se encontra na capa da 15ª edição do Burma Hu-man Rights Yearbook, de 2008, mostrando um grupo de pessoasque se encolhem na beira de uma estrada duas semanas após a pas-sagem do Ciclone Tropical Nagis em maio de 2008. Milhares decamponeses foram deslocados de suas casas e, pelo menos, 146.000pessoas morreram. A situação que era naturalmente séria tornou-secatastrófica em função da demora dos militares em aceitar ajudarinternacional, em oferecer ajuda aos desabrigados; e depois em dis-tribuir a ajuda internacional, sendo que o governo forçou a popula-ção a reembolsá-lo.cxlvi

Acredita-se importante iniciar com esse pequeno relato a fimde contextualizar, para o leitor menos familiarizado, o que tem sedado no Myanmar. O país ratificou 19 Tratados e Convenções so-bre os direitos dos trabalhadores, inclusive a já citada Convenção

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sobre Trabalhos Forçados de 1930, entretanto, o Burma HumanRights Yearbook, que na sequência será referido como o Relatório,apresenta que o trabalho forçado ainda está vastamente presente nopaís, dificultando a sobrevivência das comunidades rurais que têmque cumprir as demandas por comida ou dinheiro realizadas peloregime.

De acordo com as fontes espalhadas pelo país, os casos detrabalho forçado são mais comuns nos estados de Arakan, Karen eShan. As ordens costumavam ser escritas, entretanto, cientes de quemuitos desses comunicados se tornaram evidências de abusos con-tra os direitos humanos, os militares têm resolvido esse “problema”organizando reuniões e transmitindo as ordens verbalmente.

O estado de Karen tem um grupo chamado Karen HumanRights Group que se encarrega de dar publicidade às situações detrabalho forçado, entre outras violações de direitos humanos. Essegrupo relata a ameaça constante representada pelos militares, quese tonaram dependentes do trabalho, comida, dinheiro e outras ne-cessidades provenientes das comunidades ruraiscxlvii. Não deveriasurpreender, mas surpreende que grandes empreendimentos comer-ciais internacionais conjuntos estejam conectados com a constantemilitarização de diversas áreas. Projetos como o Yadanacxlviii, co-mandado pela empresa francesa Total, que se auto intitulam comomodernizadores por país, em verdade têm relatos de envolvimentocom trabalho forçado em diversos estados. Assim, as comunidadesalém de prover para os militares suas necessidades, ainda são obri-gados a trabalhas nessas grandes obras, deixando de lado seu pró-prio sustento.

A requisição forçada de civis como carregadores é bastantecomum, sendo que incluem mulheres, crianças e idosos sem distin-ção. Muitos civis são obrigados a tomar parte em atividades insalu-bres e perigosas como operações militares, claramente proibidaspelo direito internacional humanitário.

Forçar os civis de Karen a trabalhar como car-regadores, vigias e guardas em áreas onde hostili-dades acontecem claramente quebram essasproibições [do direito internacional humanitário]. Éde particular preocupação ao Amnesty Internationalo isso de civis de Karen como caça-minas e escudoshumanos. Isso é claramente uma violação do direitohumano à vida, assim como do direito internacional

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humanitário, e constitui crime de guerra, pois viola(...) o princípio da distinção entre combatentes eaqueles que não são parte ativa nas hostilidades.(tradução nossa)cxlix

A despeito de em 2000 o governo militar ter passado um de-creto abolindo o trabalho forçado no Myanmar, a situação em 2008não era muito diferente da existente então. Há relatos de campone-ses no estado de Arakan afirmando que o trabalho forçado ainda eralargamente utilizado pelas autoridades locais e pelos militares. Emjulho de 2008, logo após o Ciclone Nargis, do qual falou-se anteri-ormente, alegou-se, fundadamente, que moradores locais estavamsendo obrigados a trabalhar, recebendo infimamente, nas áreasmais afetadas pelo desastre natural em troca do recebimento de aju-da.cl

Nessa, camponeses do estado de Karen estão cumprindo or-dens para suprir os militares de bambo sem receber nenhuma com-pensação. Esse tempo gasto para abastecer os militares é precioso,pois significa menos tempo para trabalhar nas suas próprias planta-ções e menos comida para alimentar suas famílias.cli

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Em razão de muito serviço ser ordenado aos camponeses,como observado na imagem acima, tem-se nessa foto um garoto de13 anos de idade realizando trabalho forçado em lugar de seus pais,a fim de que eles possam trabalhar nas plantações da família e pro-ver seu sustento. Os militares não se preocupam com a idade dapessoa que realiza o serviço, desde que seja feitoclii.

Outra imagem que merece referência é essa em que se encon-

tram camponeses do estado de Karen realizando trabalho forçadopara os militares, construindo uma escola. Com frequência a popu-lação é obrigada a construir escolas e clínicas como se fossem atosbenéficos para as comunidades, mas a verdade é que, na maioriados casos, essas instalações permanecem vazias e inutilizadas por

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falta de fundos e suprimentocliii.Explorando um pouco mais o Projeto Yadana, tem-se que ele

foi concebido pela Companhia Petrolífera francesa Total em 1992,juntamente com a Unocal, norte-americana, e a PTT Exploitationand Production Tailandesa. Esse projeto visava desenvolver a ex-ploração de gás em Myanmar e levá-lo até a Tailândia. Há época,esse era o maior projeto com investimento estrangeiro da históriado país, e ainda permanece como uma das fontes primárias de re-curso do governo militarcliv.

Já em 1996 foi aberto um processo (Doe v. Unocal) nos Esta-dos Unidos, em razão das violações dos direitos humanos perpetra-das e bem documentadas. Em 2005 a Unocal concordou com umacordo extrajudicial, entretanto, um mês depois foi comprada pelaChevron que continua a atuar no Myanmar.

A Justiça Federal norte-americana, em parecer com relaçãoao caso Doe v. Unocal afirmou que:

Os requerentes apresentaram evidência de que antesde se juntar ao Projeto [Yadana], Unocal sabia queos militares eram conhecidos por cometer abusosdos direitos humanos; que o Projeto contratava mil-itares para realizar a segurança do Projeto, militaresestes que forçavam os camponeses a trabalhar e vilasinteiras se realocar em benefício do Projeto; que osmilitares, enquanto forçavam os camponeses a tra-balhar e se realocar, cometiam numerosos atos de vi-olência; e que Unocal sabia ou deveria saber que osmilitares cometeram, cometiam, e continuariam acometer esses atos tortuosos. (tradução nossa)clv

5. CONCLUSÃO

Nos parece bastante interessante, depois dessa breve discus-são, que a promoção e proteção dos direitos humanos ainda esbar-ram em diversos aspectos legais e econômicos, tanto pela dificulda-de que se pode observar dentre os países possuidores do poder deveto no Conselho de Segurança das Nações Unidas com relação ainterferência ou não em questões “intrinsecamente internas”, mes-mo que se trate de situação de violações graves dos direitos huma-nos, como as que ocorrem em Myanmar; quanto pelo envolvimentoeconômico que muitas da potências têm com governos autoritários,perpetradores de violações de direitos fundamentais.

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Os abusos dos direitos dos trabalhadores relatados previa-mente demonstram essa linha tênue entre defensor dos direitos hu-manos e país possuidor de empresas que visam “modernizar” paí-ses como o Myanmar através de empreendimentos comerciais. Cer-to é que se essas empresas estão locadas em países nos quais sãoobrigadas a respeitar os direitos dos trabalhadores, o mínimo que seespera é o respeito aos direitos básicos inalienáveis presentes naDeclaração Universal dos Direitos Humanos também nos locais es-trangeiros em que atuam.

E o Conselho de Segurança, conquanto tenha as prerrogativasnecessárias a intervir e seja o único órgão da ONU com capacidadede postular vinculativamente, permanece inerte pelo veto de paísescomo a China, de reputação duvidosa quanto ao respeito de direitoshumanos. Roger Plant, Chefe do Programa Internacional de Com-bate ao Trabalho Escravo da OIT, em 2003, discorreu sobre comodeve se dar o combate ao trabalho forçado:

O trabalho forçado e o trabalho escravo são proble-mas contínuos, talvez até mesmo problemas crescen-

tes hoje. Para combatê‐los de forma eficaz, primeiro

necessitamos conhecer os fatos. Em segundo lugar,precisamos conhecer as causas. Em terceiro, pre-cisamos contar com uma legislação apropriada paraliberar e indenizar as vítimas e punir os infratores.Em quarto lugar, precisamos de mecanismos de fis-calização da lei, adaptados a difíceis formas de inter-venção investigativa, com fundos e recursos sufi-cientes para levar a cabo as suas tarefas. Em quintolugar, necessitamos ter programas de conscientiza-ção para a mobilização da opinião pública contraeste mal social. E em sexto lugar, precisamos contarcom programas econômicos e políticas sociais queabordem as causas subjacentes ao trabalho forçado eque ofereçam às vítimas empobrecidas uma alterna-tiva viável e de longo alcance.clvi

Nos parece ser esse um bom e importante caminho a ser tri-lhado, incentivado e considerado mais seriamente pela comunidadeinternacional.

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REFERÊNCIAS

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NAÇÕES UNIDAS - Proposta de Resolução do Conselho de Se-gurança - S/2007/14. Disponível em: <http://www.un.org/en/ga/se-arch/view_doc.asp?symbol=S/2007/14> Acesso em 16 abr. 2015.

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PIOVESAN, Flávia Cristina. Trabalho escravo e degradante comoforma de violação aos direitos humanos. In: VELLOSO, Gabriel;NEVES FAVA, Marcos (Coords.). Trabalho escravo contemporâ-neo: o desafio de superar a negação. São Paulo: LTr, 2006.

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A ESCRAVIDÃO PÓS-MODERNA: UMA ANÁTEMA SOCI-OECONÔMICA CONTEMPORÂNEA.

POST-MODERN SLAVERY: A CONTEMPORARY SOCIOECO-NOMIC ANATHEMA.

Helio Veiga Juniorclvii

Patricia Borba Marchettoclviii

Resumo: O presente artigo visa mostrar de forma crítica as novas formas de escravidãocontemporânea que se revelam presentes na vida pós-moderna, rompendo com a tradicio-nal ideia de escravidão do passado, a qual se traduzia apenas na transformação do homemnegro em propriedade privada pelos grandes latifundiários. Faz-se, assim, uma análisedesde a extinção da escravidão tradicional no Brasil, passando pela criação da vida urbanae a escravização laboral em troca do capital acumulado pelas empresas bem como pelasformas pós-modernas de escravidão como a laboral, do consumo e a tecnológica. Inobs-tante, revela-se igualmente a relação entre o salário mínimo e a escravidão no Brasil ecomo este se mostra insuficiente perante a realidade brasileira e os direitos sociais consa-grados na Constituição Federal de 1988. Assim, fala-se ainda da forma de escravidão le-galizada nas relações privadas mesmo após o advento do Código de Defesa do Consumi-dor, a mensuração da dignidade e do liberalismo econômico com a possibilidade desteajudar a mitigar a escravidão contemporânea, quando se projeta uma economia voltada àuma maior liberdade econômica capaz de fomentar a maximização do bem-estar individu-al e social.Palavras-chave: Escravidão. Formas. Pós-modernidade. Dignidade.

Abstract: This article aims to show critically the new forms of contemporary slavery thatreveal present in postmodern life, breaking with the traditional idea from the past aboutslavery, which was expressed only in the transformation of the black man into privateproperty by the large landowners. It will be thus an analysis considering the primmer formof slavery and the extinction of the traditional slavery in Brazil through the creation of ur-ban life and labor slavery in exchange for the capital accumulated by companies and bypost-modern forms of enslavement of human beings, such as slavery labor, consumptionand technology. Yet this article also proves the straight relation between the minimumwage and slavery in Brazil and how the minimum wage is insufficient concerning theBrazilian reality and social rights enshrined in the Federal Constitution of 1988. Thus itwill also be analyzed the form of legalized slavery in private relations, even after the ad-vent of the Consumer Protection Code, the measurement of dignity and economic liberal-ism with the possibility of this economical ideology helps mitigate contemporary slaverywhen designing an economy focused on greater economic freedom showing that it couldpromote the maximization of individual and social well-being.Key words: Slavery. Forms. Post-modernity. Dignity.

1 INTRODUÇÃO

Grande parte de indivíduos já se convenceram de que a escra-vidão, cujo objeto se tratava da venda de indivíduos africanos, não

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mais existe. A objetificação de humanos no Brasil foi extinta com ofim da escravidão, especificamente, com a abolição da escravaturaque aconteceu em 13 de maio de 1888, quando a Princesa Isabel as-sinou a Lei Áurea, documento legal que se juntou a outros já exis-tentes que também previam o final da escravidão humana enquantoobjeto de compra e venda ou escambo, como a Lei Euzébio deQueirós de 1850 e a Lei do Ventre Livre 1871. (FARIA, online)

Entretanto, como o egoísmo humano jamais se esvaiu desdeos tempos de outrora, após a queda da escravidão africana no Brasilem 1888 surgiu uma nova forma de se escravizar, parcialmente tidacom um meio legal de obrigar pessoas a trabalhar em troco de mi-galhas reduzidas ao significado de manter a própria subsistência,também conhecida como mão-de-obra europeia, a qual significouuma força de trabalho barata, até mesmo em razão do excedente deeuropeus imigrantes que chegaram ao Brasil em meados do séculoXIX.

Muito embora existisse uma ideia de que a vinda de imigran-tes europeus ao Brasil estivesse vinculada apenas à questão da es-cravidão, tal fato não se coaduna com a plena realidade mundial da-quela época. As razões externas do motivo da grande imigração eu-ropeia para o Brasil encontram-se no fato de que

Embora vinculada ao problema da abolição, a imi-gração estrangeira para o Brasil tem outros condi-cionamentos externos. O esgotamento das terras naEuropa, as tensões entre trabalhadores e grandesproprietários, as crises agrícolas, a opressão fiscal, odesflorestamento, a política comercial, o desem-prego, as deficiências dos sistemas econômicos, in-capazes de garantir trabalho para todos, o grande‘negócio’ em que a imigração transformou-se para oEstado, a expectativa de melhoria de vida naAmérica, as flutuações do mercado mundial de tra-balho, entre outras causas, determinam o fluxo imi-gratório para o nosso país. (FIORIO, online)

Dessa maneira, e pelas razões supramencionadas, o Brasil setorna então um país de imigrantes que aqui chegaram em busca deuma vida melhor do que a vida na Europa do século XIX oferecen-do sua a força de trabalho como moeda de troca para os grandes se-nhores de terras no Brasil, antes proprietários de escravos africa-nos.

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Desde o início da escravidão africana à imigração europeiapara as novas terras da América, e ainda nos tempos modernos, épossível perceber por meio de uma densa análise sociológica que aescravidão só trocou de nome e mudou a face de quem se escravizaem troca da própria subsistência.

Da pele negra e dos olhos escuros às peles brancas de olhosclaros, troca-se a face e o biótipo dos indivíduos que se sujeitam atrabalhar pelo mínimo de dignidade possível e mantem-se a severi-dade dos trabalhos exaustivos impostos à quem quisesse ter ao me-nos algo para comer e, muitas vezes, tentar sustentar a família coma ínfima parte do que chamam erroneamente de dignidade.

Nesse sentido, a falta de dignidade ou a existência dela sem-pre esteve atrelada ao capital, mais especificamente, em como esteé distribuído. Thomas Piketty (2014, p. 06) traz claramente em seulivro Capital in the Twenty-First Century, a seguinte lição:

(...) in other words, how should the income from theproduction be divided between labor and capital? –has always been at the heart of distributional con-flict. In traditional societies, the bases of social in-equality and most common cause of rebellion wasthe conflict of interest between landlord and peasant,between those who owned land and those who culti-vated it with their labor, those who received landrents and those who paid them. The Industrial Revo-lution exacerbated the conflict between capital andlabor, perhaps because production became more cap-ital intensive than in the past (making use of machin-ery and exploiting natural resources more than everbefore) and perhaps, too, because hopes for a moreequitable distribution of income and a more demo-cratic social order were dashed.clix

Assim, torna-se fácil perceber que a riqueza concentrada nasmãos de quem sempre possuiu bens que se traduzem em valoreseconômicos jamais foi redistribuída após a extinção da forma pri-mária de escravidão existente no mundo ocidental, o que implicadizer que a efetiva dignidade, que só pode ser atingida por meio docapital dentro de uma sociedade capitalista, jamais foi concedida aqualquer trabalhador europeu que se propôs a fornecer sua mão-de-obra em troca de dignidade. O que aconteceu no passado, seja comos escravos africanos ou com os escravos europeus, disfarçados de

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mão-de-obra legalizada pelo Estado daquela época, pode ser resu-mido em atrocidades, injustiças ou qualquer coisa que não signifi-que dignidade, pois esta jamais existiu em sua plenitude para aque-les que necessitam trocar sua força de trabalho por valores ou coi-sas que apenas lhe concedam a subsistência imediata.

De fato, atribui-se erroneamente dignidade à possibilidade dese ter um trabalho ou qualquer outro meio de garantir o sustento.Trata-se, na verdade, de uma mera salabórdia qualquer conversa so-bre existência plena de dignidade no Século XXI, pois em dias atu-ais é possível encontrar várias formas de escravidão ainda presentesna sociedade brasileira e com um disfarce de legalidade quase com-pulsória para mascarar a força exploratória do capital e de quem odomina frente aos indivíduos escravizados modernamente. Nova-mente, muda-se a forma de escravizar, porém a escravidão nãoabandona a sociedade.

Nota-se, por óbvio, que as formas de se escravizar, assimcomo quase tudo no mundo, apenas passaram por um processo evo-lutivo capaz de disfarçar o ato de escravização que pode ser enten-dido pelo seu próprio significado de reduzir à condição de escravo,ou em seu sentido figurado significando subjugar, ou seja, sujeitaralguém a algo.

Não se pode olvidar, entretanto, que a evolução social foi omotivo de mitigação da escravidão ou ao menos de alteração desuas formas. Atualmente, muito embora ainda existam pessoas re-duzidas às condições análogas de escravo trabalhando de formaprecária e indigna, para a sociedade moderna a redução à condiçãoanáloga de escravo foi superada por grande parte dos indivíduos secompararmos com o passado, muito embora novas formas de escra-vidão surgiram com o advento da tecnologia e a busca pelo luxoentre outras ambições pós-modernas.

Em considerações econômicas poder-se-ia dizer que a escra-vidão seria reduzida à medida que o acesso aos bens materiais eimateriais fosse ampliado para todas as pessoas, fazendo com queessas ampliassem de igual forma sua dignidade com base no me-lhor e mais amplo acesso a bens como a saúde, a moradia, a tecno-logia, melhores alimentos, a comodidade entre vários outros bens efatores que maximizam o bem-estar do indivíduo.

Ocorre que para se atingir o patamar aceitável de dignidadeconsiderando o atual status em que se encontra o mundo pós-moderno, os indivíduos necessitam aumentar seu capital e para que

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isso ocorra no momento econômico e social por qual passa a huma-nidade, de maneira geral, a fórmula para se atingir o aumento docapital seria: a) produzir mais e aumentar o rendimento, para poderutilizá-lo com o intuito de atingir uma dignidade contemplada emformas de aquisição de bens de consumo que traga o bem-estar in-dividual e, de maneira geral, o bem-estar social; ou b) passar a exis-tir uma divisão mais justa do capital acumulado por quem o detémem maior parte, ou seja, redistribuir igualitariamente o lucro.

Entretanto, percebe-se que a hipótese “b” se manifesta de for-ma utópica até o presente momento econômico em que o mundo seencontra, restando ao homem pós-moderno apenas a opção de seescravizar ao máximo para atingir a maior dignidade possível.Perde-se grande parte da liberdade em busca do capital para se atin-gir uma dignidade falaciosa.

Como indivíduos os homens são egoístas, pois procuram me-lhorar o bem-estar pessoal consumindo bens e serviços e atingindometas, tomando decisões, coletando informações e calculandoquais ações os ajudarão a atingir as metas sem lhes custar tanto, oque pode ser colocado como a procura da maximização do bem-estar. Nesse sentido diz-se que o homem é um calculista frio e raci-onal como já mencionado por Adam Smith em sua obra “A riquezadas nações”. (SMITH, 1988).

Com efeito, a maioria dos modelos econômicos se sustentamna presunção de que as pessoas são verdadeiramente seres racionaise egoístas, o que pode ser traduzido por “homo economicus”, ouseja, o “homem econômico”. Esta ideia que se aplica a qualquerpessoa, independentemente do gênero que se tem, supõe que todoindivíduo busca maximizar seu bem-estar, baseando-se numa avali-ação ponderada de todos os fatos, resumidamente, o homem prefereoptar por aquilo que lhe oferece maior utilidade, ou seja, satisfação,com o menor esforço. (KISHTAINY, et al, 2013, p. 52)

Fato é que o trabalho escravo existe desde a antiguidade epersiste até os dias atuais, sendo possível inferir que mudou-se ape-nas a condição de liberdade e a necessidade econômica, uma vezque, verdadeiramente, a escravidão é hoje apenas mais uma formade exploração econômica que se amolda às intempéries do presentee futuro.

Assim, muito embora a conotação de escravidão tenha muda-do desde o passado até o presente, o sentido de sujeitar-se à algo in-dignamente em troca de algo de valor econômico permanece vivo.

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Nesse sentido

O trabalho escravo existe desde a antiguidade e infe-lizmente ainda persiste na sociedade contemporânea.Podemos dizer que o liame que difere a condição detrabalho escravo hoje com as condições de trabalhoescravo há dois séculos não é muito expressivo,sendo apenas diferente a condição de liberdade e danecessidade econômica. A escravidão de hoje é umaforma extrema de exploração econômica, que seadaptou ao mundo global. (SCHERNOVSKI, on-line)

Com o aumento da necessidade de encontrar meios de subsis-tência cada vez mais seguros e o crescimento desenfreado da vaida-de humana e consumo contumaz, novas formas de escravidão sur-gem contemporaneamente, ou seja, escravidões pós-modernas quenascem com o intuito de acobertar a necessidade e o egoísmo hu-mano insaciável.

O tráfico de pessoas e crianças, seja para fins laborais ou se-xuais, a imigração voluntária de indivíduos de países emergentespara países economicamente mais estáveis, a escravidão por dívidacom credores cujas débitos se tornam impossíveis de serem pagos,como, por exemplo, bancos e grandes corporações e financiamentocom taxas de juros astronômicas, o comércio sexual e até mesmo acompulsoriedade da prostituição profissional em determinadas pro-fissões perante alguns mercados. Todos os exemplos supracitadossão, na verdade, formas clássicas de escravidão contemporânea quese remetem à necessidade que cada indivíduo tem em atingir seubem-estar na pós-modernidade. A auto escravização ocorre em tro-ca de muito pouco ou quase nada se compararmos o labor ou bemoferecido por alguém ao capital adquirido por esta pessoa em trocado serviço ou produto respectivamente prestado ou oferecido.

Torna-se importante perceber ao longo dos tempos que antesa escravização era compulsória. Escravizava-se contra a vontade doindivíduo que se tornava propriedade de alguém. Sabiamente, o ca-pital, base do sistema econômico vigente na maioria dos países domundo, percebeu que a escravidão, enquanto propriedade privadade determinadas pessoas que possuíssem riqueza, não era tão atrati-va quanto a escravidão voluntária, ou seja, a auto escravidão. A es-cravização que ocorria contra a vontade do indivíduo passou a servoluntária, em razão da necessidade. Retira-se a compulsoriedade e

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mantem-se o livre-arbítrio do indivíduo que tem que decidir entrelaborar de forma indigna para sua própria subsistência, mas o fazporque quer, ou morrer de fome. Deixou-se a inoficiosa escolha aoarbítrio dos cidadãos que, ao final do dia, precisam sobreviver, epor isso se tornam voluntariamente escravos contemporâneos.

Portanto, nesse contexto salienta-se que é facilmente engana-do quem acredita que em tempos pós-modernos a escravidão nãoexiste. A subordinação do homem aos interesses privados o trans-forma em sujeito-objeto de expropriação. A escravidão se trata dedogma social factível, não em sua forma pré-capitalista que era le-galizada e permitida pelo Estado possibilitando alguns terem o do-mínio de indivíduos e possuí-los enquanto propriedade, mas comouma condição em que remunera-se o trabalhador minimamente,controlando-o e deixando-o dependente do sistema do capital. Acriação da dependência do capital e a baixa remuneração das pesso-as que se submetem a trabalhar em troca de muito pouco apenaspara não morrer de fome é a expressão da escravidão pós-modernamais clara e recorrente no mundo.

Reproduz-se a escravidão pelas atuais condições da economiaque por não estar saudável gera desemprego tecnológico, cresci-mento das migrações e grande redução da remuneração de ativida-des laborais tradicionais, passando a criar um cenário favorável àescravidão.

Não obstante, aponta-se que a escravidão pós-moderna ocorretanto em âmbito nacional como em outros países, independente-mente de sua evolução, pois onde se encontra a busca desenfreadapelo capital, seja esta busca efetivada por quem já o possui e aindaquer mais ou por quem quer alcançá-lo por meio do trabalho, en-contra-se também focos de escravização disfarçada de trabalho.Sabe-se, entretanto, que nos países com os piores índices de distri-buição de renda a escravização pós-moderna ocorre com mais in-tensidade e com um disfarce de legalidade muito maior do que empaíses cujo índice de distribuição de renda apresenta-se de maneiramais ponderada. Assim:

As formas hodiernas da escravidão estão associadasà facilidade de migração de pessoas, à má dis-tribuição de renda e consequente onda de misériaestabelecida pelo mundo, relacionadas à procurade vantagens econômicas ilícitas. São encontradasem todas as regiões do globo, em países em desen-

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volvimento, países desenvolvidos e também nos ex-cluídos do crescimento. (SCHERNOVSKI, online,grifou-se)

Portanto, a escravidão continua a existir e produzir seus efei-tos nos tempos atuais. Por óbvio, subjugar o homem que tem me-nos à vontade do homem que tem mais é uma prática antiga que ad-quiriu novos hábitos capazes que aumentar ainda mais as conse-quências negativas da escravidão contemporânea. Mudou-se o ros-to, a forma e a intensidade das relações escravocratas, porém a es-cravidão permanece como realidade em pleno século XXI.

2 A DIGNIDADE É MENSURÁVEL?

Atualmente fala-se em dignidade como nunca se falou antes.Trata-se não apenas de um princípio jurídico modelador da socieda-de em suas relações privadas e públicas, mas igualmente de umconceito a ser atingido e que é obviamente buscado por todos os in-divíduos no intuito de se atingir a maximização da satisfação, dobem-estar individual.

Assim, a dignidade, na verdade, pode e deve ser mensurada,principalmente porque é de caráter extremamente subjetivo, depen-dendo da consciência de cada ser que subjetivamente escolhe o quee o quão digno é determinada coisa ou situação. Por isso, torna-seplenamente possível atrelar a ideia de busca da dignidade à escravi-zação pós-moderna.

Trabalha-se para se conquistar os bens da vida almejados, osquais trazem a dignidade de maneira geral. Nesse sentido, a digni-dade moderna também residiria no “ter” e no “estar” e não no“ser”.

Dessa forma, busca-se dignidade por meio da aquisição debens de conteúdo econômico. Trabalha-se mais por um plano desaúde melhor, melhores escolas para os filhos, melhorar a alimenta-ção, conseguir mais lazer, estar atualizado com a tecnologia e comos produtos do mercado e, de forma clara, para aumentar o capitalpróprio.

É exatamente aqui que reside um dos problemas da escravi-dão contemporânea, pois o indivíduo se torna escravo de si mesmona busca pela dignidade que está mensurada atualmente pelo níveldo bem-estar próprio. Existem cidadãos que acreditam na possibili-

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dade utópica do Estado prover esta dignidade efetivando os precei-tos constitucionais da Carta Magna de 1988, cumprindo o princípioexplícito da dignidade em seu artigo 1º, III e principalmente conce-dendo às pessoas todos os direitos contidos no artigo 6º da Consti-tuição Federal que expõe que:

Artigo 6º, CF/88 – São direitos sociais a educação, asaúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer,a segurança, a previdência social, a proteção àmaternidade e à infância, a assistência aos desam-parados, na forma desta Constituição.

Se houvesse uma análise social voltada a encontrar o real ní-vel de dignidade do brasileiro com base na verificação concreta documprimento estatal de todos os direitos elencados no artigo 6º daConstituição Federal de 1988, poder-se-ia facilmente concluir que adignidade seria pouca ou muito baixa, justamente porque o Estadonão consegue prestar dignidade, que é um conceito puramente sub-jetivo, a todas as pessoas.

Por mera hipótese, mesmo que o Estado Brasileiro conseguis-se cumprir e entregar a todos seus súditos a integralidade dos direi-tos contemplados no artigo 6º da Carta Magna Brasileira, ainda as-sim poderia haver alguém a dizer que sua dignidade não está com-pleta, uma vez que a dignidade é variável de pessoa a pessoa.

Não obstante, torna-se necessário expor que direitos custamdinheiro, muito embora esses direitos se apresentam em uma órbitajurídica como uma concessão que o Estado faz ao particular, comose não existisse um valor econômico acoplado a cada direito conce-dido pelo Estado. A sociedade não abriu mão de seus direitos paraque estes fossem administrados pelo Estado a troco de nada, peloque expõe a ideia do Contrato Social de Jean-Jacques Rousseau.

Notadamente, o Estado Brasileiro não consegue prestar a efe-tiva dignidade a todos seus súditos, seja porque esta é subjetiva, epor isso inatingível por um caráter objetivo, ou porque não há capi-tal público suficiente para tanto. Assim, o particular, em busca desua dignidade se escraviza contemporaneamente para tentar al-cançá-la de acordo com seu patamar subjetivo de dignidade.

Não se pode olvidar que a busca constante pela dignidade étambém obstada e mitigada pelos interesses conflitantes entre de-tentores do capital e proletários, sendo que aqueles, visando a lu-cratividade infindável, restringem o acesso dos indivíduos que

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prestam sua força de trabalho aos bens da vida que ajudam a efeti-var a maximização da dignidade.

Com efeito, há importante lição de Giovani Pico Della Mi-randola, em sua obra “Discurso sobre a dignidade do homem”, naqual afirma que o homem fora contemplado com o presente da li-berdade, de obter o que deseja e ser aquilo que quer, dizendo paratanto: “ó suma liberdade de Deus pai, ó suma e admirável felicida-de do homem! Ao qual é concedido obter o que deseja, ser aquiloque quer” (MIRANDOLA, 2006. p. XLVI).

Muito embora o autor humanista revele um caráter filosóficosobre o fato de o homem pertencer a si mesmo, em tempos pós-modernos poder-se-ia dizer que o homem nunca obtém o que dese-ja e jamais é aquilo que quer, justamente porque escraviza-se ten-tando obter o que deseja e ser aquilo que quer.

Portanto, a dignidade se apresenta contemporaneamente nãoapenas como um princípio jurídico modelador de relações, mastambém como um padrão de vida a ser alcançado por todos os indi-víduos que querem possuí-la plenamente, consubstanciada na maxi-mização do bem-estar individual. Contemporaneamente, ter acessoà dignidade é ter acesso pleno ao bem-estar individual, o que obvia-mente advém das custas do capital escasso que gera a escravizaçãomoderna.

3 A ESCRAVIDÃO LABORAL CONTEMPORÂNEA.

Ao se falar em escravidão se torna quase impossível não vin-cular o termo à ideia de trabalho, ou seja, o labor. Nesse sentido, éevidente que muito embora a sociedade se encontre em um alto ní-vel de evolução social, ainda é possível encontrar indivíduos, adul-tos, estrangeiros e nacionais, adolescentes e crianças laborando emformas análogas à condição de escravo.

Não obstante a escravidão exista enquanto fato concreto emuma realidade social contemporânea, o ordenamento jurídico brasi-leiro criou a proteção para o indivíduo que se vê em uma situaçãode escravidão possa se defender propriamente com a tutela criminalprevista pelo artigo 149 do Código Penal Brasileiro que expõe:

Art. 149, CP – Reduzir alguém a condição análoga àde escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçadosou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a

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condições degradantes de trabalho, quer re-stringindo, por qualquer meio, sua locomoção emrazão de dívida contraída com o empregador ou pre-posto:Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, alémda pena correspondente à violência. § 1o Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte porparte do trabalhador, com o fim de retê-lo no localde trabalho; II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalhoou se apodera de documentos ou objetos pessoais dotrabalhador, com o fim de retê-lo no local de tra-balho. § 2o A pena é aumentada de metade, se o crime écometido: I – contra criança ou adolescente; II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, re-ligião ou origem.

Assim, caso alguém submeta um indivíduo à essas condiçõesdeverá responder pelo crime de redução à condição análoga de es-cravo. Entretanto, é importante trazer à discussão o fato de que achancela penal não se demonstra eficaz contra a prática da escravi-zação contemporânea, uma vez que o crime na grande maioria dasvezes é cometido por uma empresa, portanto, pessoa jurídica, quetrata seu funcionário como um mero material descartável além deuma “mão-de-obra extremamente barata”, e assim o faz em razãoda facilidade em substituir seu empregado por outra pessoa quequer trabalhar às vezes para receber um valor menor ainda do queaquele trabalhador anterior já colocado na condição de escravo.

3.1 O SALÁRIO MÍNIMO E A ESCRAVIDÃO

O salário mínimo se trata de uma proteção ao trabalhador quese insere no mercado de trabalho em busca da efetivação de suadignidade. Portanto, em um senso lógico, se alguém oferece suaforça de trabalho em um mercado por um salário mínimo, o valoreconômico atribuído a este deveria abarcar todas as necessidadesdo trabalhador, proporcionando-lhe dignidade e segurança para ad-quirir os bens da vida. Em suma, todos os direitos sociais, mas tam-bém individuais, contidos no artigo 6º da Constituição Federal de-veriam ser possíveis de serem adquiridos pelo valor do salário

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mínimo, porém tal fato se trata de mera utopia.Ocorre que em âmbito nacional, o valor do salário mínimo é

irrisório e não se ajusta à realidade brasileira quando comparado àsnecessidades de todos os indivíduos. O DIEESE – DepartamentoIntersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos trouxe emsua análise o valor do salário mínimo nominal que está atualmenteem setecentos e oitenta e oito reais (R$ 788,00) e o valor do saláriomínimo necessário que em fevereiro de 2015 ficou calculado emtrês mil, cento e oitenta e dois reais e oitenta e um centavos (R$3.182,81). (DIEESE, online).

Assim, para que o brasileiro pudesse encontrar a dignidadepor meio de seu trabalho, pela análise feita pelo DIEESE, o traba-lhador deveria receber o salário mínimo quase cinco vezes maiordo que recebe atualmente. Obviamente, trata-se de uma estatísticacom base no valor dos bens e produtos a serem utilizados pela soci-edade e, por certo, o país não comporta uma estrutura salarial destamagnitude.

Portanto, para que o valor mensal a ser recebido seja maiordo que o valor do salário mínimo, muitas pessoas trabalham mais,fazendo horas extras, trabalhando em um segundo emprego ou pro-curando um outro trabalho autônomo, além do vínculo que possuicom a empresa em que trabalha, para poder completar a renda men-sal. Essa situação denota com clareza a submissão voluntária do in-divíduo à condição de escravo pós-moderno na busca por mais dig-nidade.

No mundo jurídico da atualidade é possível nos deparamospor diversas vezes com condenações judiciais e contratos que tra-zem a vinculação do salário mínimo como indexador, o que é veda-do pela Constituição, maculando o ato jurídico que nele se baseia,conforme expressa o artigo 7º da CF/88 que expõe:

Art. 7° - São direitos dos trabalhadores urbanos e ru-rais, além dos outros que visem à melhoria de suacondição social:IV – salário-mínimo, fixado em lei nacionalmenteunificado, capaz de atender às suas necessidades vi-tais básicas e às de suas família com moradia, ali-mentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,transporte e previdência social, com reajustes peri-ódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendovedada sua vinculação para qualquer fim; (grifou-se).

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O grande problema é que esta norma constitucional de carátersocial deve ser enquadrada enquanto norma de eficácia plena, por-tanto, de aplicabilidade imediata. Entretanto, verifica-se atualmenteque a norma constitucional supracitada não passa de uma intençãoutópica do legislador cuja mens legis possui o intuito de proteger otrabalhador, o que não ocorre na realidade.

Fato é que atualmente o salário mínimo do brasileiro nãoconsegue cobrir sequer um terço (1/3) desses direitos. Não obstan-te, o brasileiro comum, que trabalha e recebe seu salário mínimoprecisa encarar a dura realidade de não ter renda o suficiente paraadquirir com qualidade todos os direitos expressos no artigo 7º, IVda Constituição Federal, e, portanto, se vê obrigado a utilizar osserviços públicos brasileiros contemporâneos de qualidade extre-mamente duvidosa. Em outras palavras, não tem qualidade de vidaem razão da baixa renda e pelo fato de o Estado prestar um serviçopúblico de baixa qualidade. Todas essas razões contribuem paraque o brasileiro se caracterize como escravo pós-moderno.

Denota-se claramente a discrepância entre força de trabalho eremuneração, a qual não ajuda a efetivar a dignidade do trabalha-dor. Não obstante já não fosse maléfico suficiente a diferença entreremuneração e trabalho, o trabalhador ainda confronta com outrostipos de escravização nos tempos atuais, os quais serão verificadosa seguir.

4 A PERMANÊNCIA DA ESCRAVIDÃO CONTRATUAL PÓSCÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

Uma nova modalidade de escravidão, por vezes legalizada, serefere aos novos contratos de adesão que sujeitam o seu contratantea cumprir normas pactuadas de caráter abusivo e que prejudicam oparticular, hipossuficiente da relação, de forma clara, muito emboranada seja feito para a proteção efetiva do consumidor ou usuário doserviço ou produto.

Fala-se em liberdade contratual como um princípio do Direitodos Contratos e que o contrato só existe porque as partes delibera-ram sobre um objeto, negócio jurídico realizado, estando ambas emacordo sobre a sua prestação, fornecimento e valores. Ocorre que,por vezes, não há liberdade contratual quando o usuário do produtoou serviço se vê contratando com uma grande empresa.

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Questões como tempo mínimo de fidelidade e venda casadade produtos são atualmente pontos escravizantes para o consumi-dor, que é subjugado à vontade da outra parte que oferece o produ-to, e na dependência de adquirir aquele bem, se torna escravo dapessoa jurídica com que celebrou o contrato de adesão.

Se por um lado argumenta-se que não se trata de uma formacivil de escravidão legalizada e pós-moderna porque o contratantepode cancelar o contrato de prestação de serviço ou produto quandoquiser, por outro, é notadamente compelido a não fazê-lo por umdeterminado prazo em razão de multas pesadas a serem aplicadas,advindas do cancelamento do contrato de adesão feito para a pres-tação de um serviço ou produto.

Os contratos de adesão possuem características como a uni-formidade, a predeterminação unilateral, que poderia ser conhecidacomo imposição de vontade, a rigidez que precisamente o transfor-ma em um contrato indiscutível e a posição de vantagem, ou seja, asuperioridade material de uma das partes. (GAGLIANO, 2006, p.122-123).

Com todas essas características, as quais são válidas em razãode ser um tipo de contrato aceito pelo ordenamento jurídico brasi-leiro, não poderia ser diferente a possibilidade de escravização indi-reta do consumidor que, ao assinar um contrato de adesão, se vê re-fém daquele por não poder exercer sua liberdade contratual semconsequências econômicas vinculadas à sua escolha de resolver ocontrato.

Por óbvio não se defende a possibilidade de resilição unilate-ral por parte do consumidor sem nenhum aviso à empresa. O que sebusca é a possibilidade de sempre haver uma resilição bilateralmais justa entre consumidor e prestador de serviço, para que assimnão exista a escravização do consumidor frente a produtos e servi-ços ofertados por determinada empresa.

5 A ESCRAVIDÃO DO CAPITAL: VIDAS REFÉNS DO CON-SUMO

A escravidão possui várias formas de se manifestar na socie-dade, e contemporaneamente, a forma menos evidente de escravi-dão, porém com maior ocorrência é o consumismo praticado pelosindivíduos habitantes do mundo pós-moderno que se constrói combase na era do consumo.

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Descarta-se qualquer coisa e a substitui por qualquer outracoisa em nome da praticidade e do consumo. É inegável que a evo-lução trouxe seus pontos positivos, e, com isso a facilidade de subs-tituição de algo e o acesso a bens se tornaram mais fáceis para ohomem pós-moderno. Entretanto, essa evolução trouxe tambémpontos negativos como a criação da dependência do consumo, oque se tornou uma forma de escravidão.

Zygmunt Bauman (2008) em sua obra “Vida para consumo”expõe com clareza sobre a transformação da sociedade de umaclasse produtora a uma classe consumidora. Antigamente, espe-rava-se, economizava-se para poder ter acesso a um bem de consu-mo desejado. A sociedade era mais prudente em tempos de outroraquanto à questão do consumo. Atualmente, cartões de crédito, par-celamentos, financiamentos e qualquer modalidade de compra aprazo se tornaram uma anátema social, pois fomentam o consumo edepois escravizam as pessoas para honrarem seus compromissosexcessivos adquiridos em razão da facilidade do crédito.

Não obstante, a sociedade se encontra em um momento líqui-do em que nada é feito para durar. Compra-se mais, adquire-semais, relaciona-se mais e, por óbvio, descarta-se mais para disfar-çar a inquietude do ser humano pós-moderno. Novamente, comoBauman (2007) afirma categoricamente, as relações humanas semisturam e se condensam com laços momentâneos, frágeis e volú-veis, num mundo cada vez mais dinâmico, fluído e veloz, seja estemundo real ou virtual.

O homem consome atualmente para se sentir bem, não por-que precisa, e nesse diapasão se torna escravo de si mesmo pela ne-cessidade em consumir por prazer, pelo próprio ato em si. Hoje épossível consumir sem sair de casa, com um clique, pelo celular,deitado na cama do quarto. A verdade é que o consumo antes exis-tia para se suprir uma necessidade básica, hoje se tornou um vício,pela própria ambição e egoísmo humano. Quer-se sempre mais,pois o suficiente não mais basta.

Assim, o consumismo se tornou verdadeiramente uma escra-vidão dupla, pois o homem consome exacerbadamente e sem ne-cessidade (escravidão do consumo) e depois se escraviza novamen-te na busca da aquisição da renda para poder pagar pelo consumodemasiado (escravidão do trabalho). Portanto, torna-se evidenteque o consumo se tornou a forma mais algoz de escravidão pós-moderna.

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5.1 A ESCRAVIDÃO TECNOLÓGICA.

De forma diretamente atrelada à escravidão pelo consumo, aescravidão tecnológica se tornou uma verdade dogmática na con-temporaneidade. Torna-se quase impossível encontrar pessoas quenão estão vinculadas à modernidade extrema atualmente. Celularesque falam, fazem pesquisa por comando de voz, pagam contas, edi-tam fotos, enviam mensagens, e-mails, e desempenham quase todasas funções de um computador.

A internet tem sua grande parcela de culpa no aumento datecnologia e na escravidão que esta produz. Em tempos de outrora,era possível encontrar usuários de internet apenas nos finais de se-mana e com uso restrito, limitado a um pacote de internet lento.Hoje, com a evolução tecnológica, todas as pessoas, ou pelo menosgrande maioria delas, se encontram vinculadas à intenet 24 horaspor dia.

A era da comunicação social online está presente. De facebo-ok a whatsapp ou qualquer aplicativo que nos remonte à comunica-ção entre pessoas. Ficou mais fácil ter muitos amigos virtuais. Ver-dadeiramente, ficou mais fácil se relacionar socialmente pela redede computadores. Com um clique é possível se tornar amigo de al-guém e com o mesmo clique é possível acabar a amizade. A fluidezdas relações sociais aumentaram, as relações interpessoais se torna-ram mais líquidas, e com isso todo o contato pessoal se tornou maisescasso, seja porque é mais seguro ou mais cômodo se relacionarpela internet do que se relacionar à maneira tradicional. (BAU-MAN, 2004)

Todas estas inovações tecnológicas tornaram as pessoas es-cravas da tecnologia. Atualmente o mundo se encontra em um nívelde evolução tecnológica tão alto que é praticamente impossível en-contrar alguém que não esteja vinculado à tecnologia de maneira adepender dela para sua felicidade mascarada de dignidade.

Por óbvio, reflexos positivos existem como a comodidade dese relacionar, fazer compras, pagar contas, receber mensagens, lernotícias, ver pessoas que estão em outros países e fazer reuniões viainternet. Entretanto, reflexos negativos também são facilmente de-tectados dentro da evolução tecnológica, como o fomento ao consu-mo rápido e fácil e a criação de dependência para com o meio vir-tual. Questões como essas escravizam o ser humano de maneira in-

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direta e de difícil percepção social.

6 A AUSÊNCIA DE LIBERDADE ECONÔMICA E A ALTATRIBUTAÇÃO COMO UMA FORMA DE ESCRAVIDÃO

Outra forma de escravidão também disfarçada de legalidadepelo Estado de Bem-Estar Social que se mantém ativa desde tem-pos mais remotos é a intervenção estatal no salário do indivíduocom a compulsoriedade previdenciária, a retirada de outras verbas ea tributação desigual e injusta.

Atualmente no Brasil, qualquer empresa detentora de capitalque contrate um empregado que ofereça sua força de trabalho aosetor privado, deverá pagá-lo o valor estipulado no contrato de tra-balho e sobre a receita do trabalhador haverá descontos previden-ciários compulsórios no montante de 8%, 9% ou 11%, limitando-sesua incidência ao valor teto da previdência social, atualmente esti-pulado em R$ 4.663,75 (quatro mil, seiscentos e sessenta e três re-ais e setenta e cinco centavos). (PREVIDÊNCIA, online).

Além desses descontos, haverão ainda deduções como contri-buição sindical e o IRPF – Imposto de Renda da Pessoa Física cu-jas alíquotas variam entre 7,5%, 15,0%, 22,5% e 27,5% sobre asrespectivas rendas tributadas. (RECEITA, online).

Muito embora não seja feito em forma de desconto da rendamensal do trabalhador, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço,FGTS, é depositado na conta daquele, mensalmente, referente a 8%da remuneração mensal do empregado, incidindo também sobre o13º salário e sobre o adicional de 1/3 de férias, e lá fica depositadoe retido até que o empregado se enquadre em uma das opções depossibilidade de levantamento do valor depositado. Ocorre que oFGTS, assim como tudo o que foi corrigido pela Taxa Referencial(TR) entre 1991 e 2013, ficou abaixo do índice de inflação, o quesignifica uma perda real da chance de utilizar o dinheiro para ope-rações mais lucrativas para o titular da verba do FGTS.

Os sindicatos dos trabalhadores brigam para que a correçãodos valores depositados em conta do empregado a título de FGTSsiga o INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor e não aTaxa Referencial, uma vez que o INPC é efetivamente um indexa-dor mais justo, pois acompanha o índice de inflação. (FGTS, onli-ne).

Portanto, descontos na folha de pagamento do trabalhador

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feitos em razão da previdência social compulsória, uma tributaçãoelevada e indiretamente injusta, taxas de correção monetária de va-lores que pertencem aos trabalhadores com impedimento de levan-tamento em caso determinados casos, como no do FGTS, e contri-buições sindicais afetam efetivamente o poder de aquisição do bra-sileiro e de igual forma a possibilidade do trabalhador de maximi-zar o seu bem estar.

Fala-se na necessidade de que as pessoas que se encontramativas contribuam para o Seguro Social para poder dar dignidadeàquelas que não mais podem contribuir e/ou trabalhar. Ocorre queeste sistema de coletivizar os ganhos se demonstra falho a longoprazo, justamente porque não há liberdade para que o trabalhadorempregue sua renda como queira. (FURTADO, online).

O excesso de descontos e a falta de liberdade econômica aju-da a propiciar um cenário escravizador em que o empregado neces-sita trabalhar mais para poder ter acesso à sua renda líquida maiselevada para poder adquirir os bens da vida que almeja e, assim,maximizar seu bem-estar efetivando sua dignidade, já que cerca de40% do seu salário bruto pode ficar retido na cumulação dos des-contos previdenciários, tributários, contribuições sindicais e a atua-lização abaixo da inflação do valor depositado em sua conta a títulode FGTS.

7 O ERRO DA FUNÇÃO SOCIAL NA PROPRIEDADE PRI-VADA

Atribuir função social à propriedade privada nada mais é doque, em outros termos, coletivizá-la. Se algo é coletivizado, estacoletivização impede que as pessoas ajam com benevolência, poisnão podem ser generosas se não tem nada para dar. Igualmente apropriedade coletivizada dá um pequeno incentivo para que os indi-víduos negociem e invistam, gerando mais riqueza e prosperidadepara se atingir a dignidade e maximizar o bem-estar próprio e tam-bém coletivo. Ademais, fato é que ninguém mantém a propriedadecoletivizada, uma vez que todos agem em interesse próprio, pressu-pondo que alguém, geralmente acreditam que esse alguém é o Esta-do, tomará conta dela.

Todos esses aspectos criam na verdade um óbice à emancipa-ção do indivíduo enquanto pessoa dotada de força de trabalho ca-paz de produzir riqueza e em contrapartida ser remunerado para po-

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der ter acesso aos bens da vida que necessita para atingir sua tão al-mejada dignidade. Coletivizar a propriedade privada implica paratodas as pessoas em um início de escravidão coletiva em que todosse escravizam para não obterem algo próprio, justamente porque talfato tolhe a liberdade dos indivíduos.

A propriedade privada é fundamental para o capitalismo eferramenta clássica contra a escravidão, desde que esta seja tangí-vel a todos. Sem a ideia de propriedade privada não há a ideia deganho pessoal – não há nem razão para entrar no mercado. Na ver-dade, não existe mercado. (KISHTAINY, et al., 2013).

Portanto, esclarece-se que a coletivização da propriedade pri-vada também poderá causar a escravização, exatamente pela faltade liberdade em poder se tornar proprietário, ou seja, de não existira possibilidade de se ter o domínio pleno sobre algo, que, por ve-zes, sofre mitigação social compulsória do Estado, tolhendo os di-reitos de liberdade e propriedade.

Com efeito, percebe-se que no mundo pós-moderno, a propri-edade se tornou sinônimo de liberdade, e portanto, restringir aquelaseria, por razoabilidade prática, restringir também o nível de liber-dade da sociedade.

8 REFLEXÕES FINAIS

Ao se refletir sobre a escravidão contemporânea que ocorrena idade pós-moderna, percebe-se que muito embora a formaclássica de escravidão em que se transformava o homem em propri-edade, em mercadoria de compra, venda e escambo foi banida atempos, ainda é possível encontrar várias outras formas de escravi-dão pós-moderna.

O homem na constante busca pelo capital e, por consequên-cia, pela dignidade acaba se escravizando de outras formas que nãoa tradicional. Torna-se escravo da vida, do capital, do trabalho, doconsumo e de qualquer coisa que seja necessário para se atingir adignidade tão almejada.

Influi-se, assim, que a dignidade buscada pelos indivíduosserá efetivamente encontrada na percepção do capital, no acúmulodeste e na sua utilização para adquirir os bens da vida capazes demaximizar o bem-estar individual e para que se atinja plenamente ocapital da forma desejada os indivíduos se escravizam voluntaria-mente.

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Percebe-se que existe também uma relação direta entre salá-rio e escravidão, sendo que se aquele não for atualizado de acordocom a realidade social e econômica do país em que é especificado,a escravidão prevalecerá.

Inobstante, a liberdade econômica também se denota impor-tante para atingir a dignidade individual e com isso quebrar com ocondão da escravidão pós-moderna, verificando que o Estado nãodeve fazer descontos altos referente ao salário do trabalhador, poisse assim o fizer, o empregado se escravizará para tentar maximizarseu ganho, tentando aumentar seu capital para adquirir os bens davida almejados por ele.

Verificou-se igualmente, que o consumo e a tecnologia tam-bém são fatores escravizantes modernos, que criam dependência noindivíduo no que se refere à possibilidade de sempre adquirir maise se tornar mais tecnológico do que algum dia já se foi. A buscapelo consumo desnecessário e desenfreado e o acesso constante àtecnologia também podem escravizar os indivíduos.

Por último, deixa-se evidente que a propriedade privada é, naverdade, um dos meios de se garantir a liberdade dentro de ummercado, atuando contra a escravidão. Ao coletivizar a propriedadeprivada o Estado torna todos os seus súditos em escravos indiretos.Trabalha-se não para atingir a dignidade individual almejada, massim para manter um sistema que tenta transformar a escravidão emum sistema ad aeternum, sem conceder a liberdade aos indivíduos.Fato é que em tempos atuais, propriedade privada e capital se tor-naram sinônimos de dignidade e liberdade.

REFERÊNCIAS

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FORMAS DE ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA: AFALIBILIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASI-LEIRAS DE RECEPÇÃO DO ESTRANGEIRO COMOFERRAMENTA NA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO

ESCRAVO DO IMIGRANTE

MODERN FORMS OF SLAVERY: THE FALLIBILITYOF BRAZILIAN PUBLIC POLICIES IN RECEIVINGFOREIGN PEOPLE AS AN INSTRUMENT IN ERADI-

CATE THE IMMIGRANT SLAVE LABOR

Ivo Gonçalves Mendes Teixeiraclx

Resumo: Diante da conjuntura em que se encontram os migrantes trabalhadores, os quaisbuscam melhores condições de vida em países nem sempre preparados para recebê-los,faz-se necessário estudar as medidas capazes de evitar que estas pessoas, em situação devulnerabilidade, tornem-se alvos fáceis e vítimas do trabalho escravo. No caso do Brasil,os imigrantes que aqui embarcam, por saírem de seus países em um contexto econômico esocial desfavorável, chegam ao Brasil desesperados por um caminho que possa lhes pro-porcionar efetividade aos direitos humanos básicos que lhes são negados diariamente. In-felizmente, ao chegar a território brasileiro, são recebidos de maneira seletiva e discrimi-natória, além de serem estigmatizados também pelas políticas públicas vigentes, o queagrava ainda mais a situação de vulnerabilidade em que vivem. Uma vez que não possu-em meios para encontrar empregos formais, estes trabalhadores são obrigados a se sujeitaràs primeiras ofertas de emprego que aparecem, sendo que estas, muitas vezes, envolvemsituações degradantes e ultrajantes de trabalho análogo à escravidão ou de trabalho escra-vo. Dessa maneira, o presente estudo busca, através do método analítico, elucidar a pre-sente situação do imigrante explorado e a falibilidade das políticas públicas brasileirasatuais de recepção do imigrante para a erradicação da escravidão contemporânea, bus-cando-se, com isso, facilitar a efetividade dos direitos humanos a este grupo de pessoas. Apesquisa se classifica como qualitativa e exploratória, e a coleta de dados se deu de formadocumental e bibliográfica.Palavras-chave: escravidão contemporânea; migração e trabalho; políticas públicas brasi-leiras; erradicação do trabalho escravo.

Abstract: Given the situation in which immigrants are, that is to beconstantly seeking for better living conditions in countries that arenot always prepared to receive them, it's necessary to study capablemeasures to prevent them, vulnerable people, from becoming vic-tims of slavery labor. Occurs that, as a consequence of leaving theircountries in an unfavorable economic and social context, they ar-rive in Brazil desperate to find a new path that may provide accessand effectiveness to all the basic rights that are denied to them

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daily. Unfortunately, being in Brazilian soil, they are received in aselective and discriminatory manner by the current public policies,aggravating even more their vulnerability. Once they don't havemeans to find a formal employment, they are compelled to boundto the first offers that appear, which are often degrading and outra-geous situations of slavery or similar to slavery situations. Thus,this paper aims to elucidate, through the analytical method of re-search, the present conditions of the exploited immigrants and thefallibility of the current Brazilian public policies in receiving immi-grants in order to eradicate modern slavery, seeking with this to fa-cilitate the effectiveness of all human rights to this part of society.The research is classified as exploratory and qualitative, and thedata collection was based on documentary and bibliographic form.Keywords: modern slavery; migration and labor; brazilian public policies; eradication ofslave labor.

INTRODUÇÃO

“Ninguém será mantido em escravidão ou servidão,a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidosem todas as suas formas.”clxi.

No processo de desenvolvimento de um país é comum queele receba imigrantes de diversas áreas, podendo ser estes, basica-mente, oriundos de países mais desenvolvidos, o que faz com quetenham os recursos necessários para iniciar a vida no novo país emmelhor situação econômica, atuando como empreendedores ou ou-tras atividades afins; ou estes imigrantes podem ser oriundos de pa-íses menos providos de recursos, como países em guerra, territóriosafetados por desastres naturais, dentre outros fatores. Estes últimos,arriscam-se ao desconhecido em busca de trabalho, visando ascen-der socialmente ou simplesmente ter acesso à condições mínimasde sobrevivência, quando se encontram em situação de miséria.

Ocorre que, muitas das pessoas que migram de países pobresvisando uma vida mais digna, acabam se sujeitando a caminhos ti-dos como ilegais para adentrar em solo brasileiro, o que os podemlevar à sujeição à trabalhos escravos ou análogos à situação de es-cravidão, como é o caso do que ocorre, por exemplo, com os haitia-nos. Estes, que em 1791 iniciaram um processo revolucionário deabolição do trabalho escravo que influenciou toda a América, vêm

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para o Brasil, um dos destinos mais visados por eles na atualidade,para que depois de mais de dois séculos voltem a ser escravizadosdas mais diversas formas e por vários setores da sociedade.

Diante dessa situação perversa, em que seres humanos nãopossuem o mínimo para se viver com dignidade e ainda são explo-rados quando tentam melhorar sua situação em outro país, faz-senecessário estudar as formas contemporâneas com que se manifestaesse fenômeno, o trabalho escravo do imigrante trabalhador, e a fa-libilidade das políticas públicas brasileiras de recepção de estran-geiros pobres no combate a tal prática, para que se possa, assim,entender este problema que se manifesta de maneira estrutural einstitucionalizada.

1. A CRIMINALIZAÇÃO DO IMIGRANTE TRABALHA-DOR EM SITUAÇÃO IRREGULAR COMO POLÍTICA PÚ-BLICA POTENCIALIZADORA DA EXPLORAÇÃO

A falta de possibilidades mínimas de manutenção digna davida humana nos países de origem dos imigrantes é o que já os co-loca em posição de vulnerabilidade frente a qualquer aparente situ-ação de ascensão. A falta de emprego, a fome, a inexistência de de-mocracia na distribuição de acesso à saúde, à educação, à seguran-ça, à liberdade e a inúmeros direitos básicos constituem uma reali-dade diária desta população, fazendo com que migrantes saiam deseus países em busca de trabalho e condições econômicas mais fa-voráveis. Atraídos por promessas de remuneração que jamais rece-beriam trabalhando em seus países de origem, não lhes resta outraopção, senão arriscar.

Esse cenário atraente, imbuído pela fuga da fome e falta deoportunidades, acaba por levar esses indivíduos frágeis e vulnerá-veis, em grande parte dos casos, ao ultrajante sistema de escravidãocontemporânea, pois tendo sua entrada em solo nacional de manei-ra regular negada ou dificultada de maneira exorbitante, e não po-dendo retornar para seus países, só lhes fica a opção de entrar irre-gularmente, muitas vezes com o auxílio de aliciadores, os chama-dos coiotes, sendo, então, obrigados a trabalhar exaustivamente emtroca de meios básicos de subsistência, como alimentação e um lo-cal para dormir.

Na maioria dos casos os imigrantes são enviados para o tra-balho escravo em latifúndios longínquos para o trabalho em extra-

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ção de madeira, criação de gado, carvoarias ou lavouras. Lugaresde difícil acesso justamente com a finalidade de se burlar a fiscali-zação do poder público e da sociedade civil, assim como tambémpara impossibilitar a fuga dos explorados e, consequentemente,concluir pela manutenção da ultrajante exploração do ser humanoem nome do capital.

É notório que muitos são destinados a estabelecimentos deprodução têxtilclxii que mais parecem prisões, onde, após a rotina deum expediente exaustivo de mais de 12 horas de trabalho, são obri-gados a retornar para seus alojamentos, devendo aguardar em cati-veiro por comida e por mais exploração nos dias que se seguem.Esses, dentre outros inúmeros destinos degradantes impostos aosestrangeiros, perfazem a realidade do trabalho escravo contemporâ-neo dos imigrantes pobres no Brasil, seja no campo, ou no meio ur-bano.

Segundo o portal do Ministério Público do Trabalho, em re-cente ação realizada em março de 2015, houve o desmantelamentode um sistema de trabalho escravo em pastelarias no bairro de Co-pacabana, na cidade do Rio de Janeiro / RJ, onde chineses eram lu-dibriados a vir para o Brasil com promessas de melhores salários,mas quando chegavam ao local de trabalho, a realidade era muitodiferente. Em vez de perceber remuneração, eles eram obrigados atrabalhar sem qualquer contraprestação, sob a alegação de que talmedida destinava-se ao pagamento de uma suposta dívida adquiridacom os gastos de transporte e alojamento, sendo submetidos a con-dições desumanas de sobrevivência, sem qualquer assistência médi-ca, saneamento básico e higiene.

Diante da vulnerabilidade em que se encontram os migrantesjá antes de sair de seus países, urge estudar as formas vulneráveisem que se apresentam em solo nacional, e como as medidas comque são tratados constituem parte de um instrumento capaz de agra-var esta situação precária, barrando a efetividade aos direitos huma-nos e priorizando a falácia da proteção do mercado de trabalho.

As medidas públicas existentes destinadas aos imigrantes emsituação de necessidade são ineficazes no que tange a mitigação davulnerabilidade, sendo até mesmo um fator preponderante para queos tornem ainda mais frágeis e presas fáceis para que se perfaça aescravidão contemporânea, como ocorre, por exemplo, na crimina-lização do imigrante em situação irregular.

Quando se fala em políticas públicas capazes de tornar os

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imigrantes ainda mais vulneráveis, faz-se alusão à Lei 6.815/1980,o Estatuto do Estrangeiro, lei esta que é compatível com a conjun-tura da época em que foi criada, por tratar o migrante como umaameaça a segurança nacional. É extremamente restritiva quanto àspossibilidades de concessão de visto aos imigrantes pobres que de-sejam trabalhar no Brasil e dificulta de maneira absurda o processode regularização dessas pessoas, deixando-as a margem da socieda-de e, portanto, muito mais vulneráveis.

As políticas protecionistas de criminalização dos movimentosmigratórios que tem como base a defesa das vagas de emprego dosbrasileiros em detrimento dos direitos humanos dos estrangeiros,além de hostis, são ineficazes quanto ao caráter inibidor da práticamigratória e cumprem a função de deixar os migrantes em situaçãomais vulnerável para que sejam submetidos à situação de explora-ção. Portanto, na verdade, constituem medidas falhas e marginali-zadoras mascaradas de planos de segurança.

Diz-se ineficazes quanto ao caráter inibidor das práticas mi-gratórias, pois segundo Paulo Illes, Coordenador de Políticas paraImigrantes da Secretaria de São Paulo, a estimativa de imigrantesirregulares é cerca de 50% maior do que os que estão regularmenteinscritos com autorização de permanência. Já Deisy Ventura, Pro-fessora de Direito Internacional e Livre-Docente do Instituto de Re-lações Internacionais da Universidade de São Paulo, especialistaem migrações, afirma que esta quantidade pode ser ainda maior,pois se trata de uma mera estimativa, afirmando que, na maioriados casos, os imigrantes não respondem aos censos populacionaispor receio de sofrerem mais represálias.

Quando se fala na vulnerabilidade dos estrangeiros ser agra-vada pela situação de irregularidade de permanência no Brasil,tenta-se chamar a atenção para o fato de que são excluídos de pro-gramas governamentais e direitos básicos como, por exemplo, aimpossibilidade de obterem vínculos formais de emprego, fazendocom que se submetam a propostas precárias de trabalho e sem qual-quer proteção, sendo essa marginalização um fator determinantepara a ligação entre os escravos contemporâneos e os escravocratasde maneira direta ou indireta, por intermédio dos coiotes, ou alicia-dores.

Quando os imigrantes saem de seus países em situação de ex-trema vulnerabilidade econômica e social e são recebidos com sele-tividade protecionista no mercado de trabalho brasileiro, deixando

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de lado as questões de Direitos Humanos e os considerando apenascomo força de trabalho útil para a reprodução indiscriminada e friado capital, e ainda lhes criminalizando como responsáveis pelosproblemas de segurança, de saúde e de desemprego da sociedade, oque se constata é a exclusão e sujeição dessa parcela de trabalhado-res às condições desumanas de sobrevivência. Mais do que isso, ainvisibilidade da utilização da mão-de-obra dos imigrantes irregula-res serve como mecanismo de reprodução e manutenção do sistemade trabalho escravo contemporâneo.

Em ponto diametralmente oposto à situação dos explorados,estão os poucos beneficiados, grandes empresários, cujo relatórioglobal da Organização Internacional do Trabalho divulgado emMaio de 2014 informou que o lucro obtido com o trabalho forçadoé de cerca de 150 bilhões de dólares anualmente, valores calculadosque chegam a ser três vezes maior do que o informado no ano ante-rior.clxiii

2. CONCLUSÃO

Como mencionado alhures, o problema da escravidão con-temporânea é estrutural, e, sob a ótica discriminatória e segregacio-nista com que a criminalização trata os imigrantes, podemos perce-ber que ela é uma ferramenta marginalizadora que produz mão deobra barata ou escrava e, consequentemente, mantenedora da ex-ploração do ser humano, adequando-se perfeitamente na lógica defuncionamento lucrativa e instrumental do capitalismo. Essa é a ló-gica de operabilidade do sistema econômico vigente: lucro em de-trimento da dignidade da pessoa humana.

O cenário vigente, baseado na exploração indiscriminada detodo e qualquer meio de produção possível, deve ser estudado e tra-tado de maneira radical, buscando dar efetividade aos Direitos Hu-manos com o objetivo de potencializar o combate à estrutura dosistema, que é pautada na desigualdade generalizada, seja ela de ca-ráter econômico-social, de raça, de gênero, de sexo ou de idade.

A fonte do problema, portanto, está na manutenção das desi-gualdades de modo geral, pois é graças às dinâmicas de exploração,marginalização e discriminação institucionalizadas e naturalizadas,próprias de nossa sociedade, que muitos estrangeiros acabam tendosua dignidade tolhida, dificultando, dessa forma, a luta pela erradi-cação do trabalho escravo nas mais diversas formas em que ele se

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manifesta.O combate ao trabalho escravo contemporâneo deve ser fruto

do empenho dos mais diversos setores públicos e privados em con-junto. A estrutura complexa em que a escravidão está inserida exigetransformações radicais no âmbito político, econômico, cultural ena sensibilização pessoal e coletiva quanto aos Direitos Humanosnão efetivados de maneira democrática, visando, dessa forma, que,na busca por emprego e melhores condições de vida, os imigrantesnão sejam submetidos ao trabalho forçado e degradante por vive-rem em situação de vulnerabilidade agravada pela situação irregu-lar de permanência no Brasil, perante as atuais políticas marginali-zadoras brasileiras de recepção do imigrante.

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GÊNESE E DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMOBRASILEIRO EM FACE AO TRABALHO ANÁLOGO AO

ESCRAVO

João Victor Freireclxiv

Resumo: O presente artigo analisa a situação do trabalho análogo ao escravo frente à for-mação capitalista brasileira e o quanto esta favorece o aparecimento desta extrema formade exploração do trabalho. O objetivo principal é apresentar uma visão geral do surgimen-to do trabalho análogo ao escravo no contexto de estruturação econômica capitalista brasi-leira. Delimita-se ao período de estruturação econômica capitalista agrária brasileira aocontexto contemporâneo, sob a égide da sua origem prussiana, de formação hipertardia,de via colonial, dualista e com a coexistência do arcaico e do moderno atrasado. A meto-dologia embasa-se na pesquisa bibliográfica e metodologia dialética. Conclui-se este tra-balho com o intuito de demonstrar, sob a análise hodierna da estrutura capitalista brasilei-ra, tendo em vista o desenvolvimento do capitalismo global, de como esta fundamenta oaparecimento de tal forma de exploração do trabalho e das mazelas que a sociedade capi -talista oferece aos seus indivíduos diante de tal exploração.Palavras-chave: Trabalho análogo ao de escravo Estrutura capitalista brasileira Hipertar-dia Dualista

Abstract: This article analyzes the situation of labor analogous to slavery front of theBrazilian capitalist formation and how much this encourages the development of this ex-treme form of exploitation of labor. The main objective is to present an overview of therise of labor analogous to slavery in the context of Brazil's capitalist economic structure.Delimits to the period of Brazilian agrarian capitalist economic structure to the contempo-rary contexto, under the apex of a Brazilian capitalist formation of prussian origin, hiper-tardia formation, colonial way and dualistic, with the coexistence of archaic and latelymodern. The methodology underlies the literature and dialectic research. Concludes thiswork in order to demonstrate, under the analysis of Brazilian capitalist structure, in viewof the development of global capitalism, how it justifies the appearance of this form of la -bor exploitation and the ills that capitalist society offers to people front of such exploita-tion.Key Word: Labor analogous to slavery Brazilian capitalist structure Hipertardia Dualistic

1. FORMAÇÃO CAPITALISTA

No presente trabalho abordar-se-á a forma de desenvolvimen-to do capitalismo no Brasil, de forma a compreender esse fenôme-no que fundamenta diretamente toda a forma de exploração sobre otrabalho dos sujeitos que formam a sociedade brasileira e conse-quentemente o aprisionamento de suas vidas na forma mais extre-ma que é a que se dá pelo trabalho análogo ao de escravo.

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Antes de traçar o pensamento que elucida a formação hiper-tardia brasileira, vale ressaltar a compreensão de que, mesmo ha-vendo formas de trabalho análogo as de escravo em todo o mundo,no enfoque brasileiro este se dá de maneira peculiar, tendo em vistaas características únicas de formação econômica brasileira.

Vale ressaltar o caráter dialético imposto ao trabalho, umavez que seria um erro abordar o tema do trabalho análogo ao de es-cravo sem a leitura que busca permear o todo e confrontá-lo com aspartes localizadas desta exploração laboral, tendo em vista que pon-tos como a pobreza extrema e prevalência dos interesses individua-listas dos capitalistas sobre o de toda sociedade demarcam, mesmoque superficialmente, a forma de desenvolvimento brasileiro.

Neste sentido há o intuito de afastar-se de qualquer concep-ção empírica de mundo, da pseudoconcreticidade, que não atinge oreal plenamente, de certa maneira esgota-se na aparência, conformeexpõe Karel Kosik:

A práxis utilitária imediata e o senso comum a elacorrespondente colocam o homem em condições deorientar-se no mundo, de familiarizar-se com ascoisas e manejá-las, mas não proporcionam a com-preensão das coisas e da realidade. (KOSIK, 1976,p. 10).

Com este intuito, o trabalho pretende afastar-se dos critériospelos quais permeiam-se o senso comum e aproximar-se da essên-cia que traduz no fenômeno social pesquisado.

A essência é apenas uma corrente mais profunda nofluxo das aparências e dos fenômenos [...] A questãoconsiste em atravessar a superfície a fim de imergirnas águas profundas. (LEFEBVRE, 1979, p. 219).

Deste modo, conforme afirma Kosik (1976, p. 16), “Com-preender o fenômeno é atingir a essência”, norte que busca a pre-sente pesquisa, entender a estrutura do objeto analisado, tendo emvista as características que envolvem o objeto frente ao mundo dotrabalho.

O conceito da coisa é a compreensão da coisa, ecompreender a coisa significa conhecer-lhe a estru-tura. A característica precípua do conhecimento con-

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siste na decomposição do topo. A dialética nãoatinge o pensamento de fora para dentro, num imedi-ato, nem tampouco constitui uma de suas quali-dades; o conhecimento é que a própria dialética emuma de suas formas; o conhecimento é a decom-posição do todo. (KOSIK, 1976, p. 18).

Esta necessidade de entender o quadro geral econômico his-tórico brasileiro, faz-se necessária para que se abra uma análisepontual de certos casos de trabalho análogo ao escravo brasileiro.

Como será visto posteriormente, a formação econômica agrá-ria e com correspondentes investimentos externos demarcou umalinha de mercantilização do trabalho de forma precária em virtudede poucos detentores de latifúndios, conforme explica José Chasin(1978).

Tal explicação de precarização e extrema exploração do tra-balhador brasileiro no setor agrário denota a forma como a forma-ção capitalista estruturou-se no Brasil até os tempos atuais, compoucos aproveitando do capital, em prol da vida de muitos.

Ocorre que com o desenvolvimento atual do capitalismo mo-derno, novas formas de exploração, em forma análoga à de escravi-dão, demonstram uma inclinação nacional à falta de cumprimentodos direitos trabalhistas em prol da produção de capital.

Neste sentido, é que se observará, posteriormente, a presençade como a leitura de Francisco de Oliveira (2006) permanece atualquando se analisa a destoante relação entre o atraso e o modernodentro da relação do capital brasileiro.

Com tal perspectiva, buscar-se-á permear a formação históriaeconômica brasileira, de forma a localizar um problema atual brasi-leiro que, por meio da exploração capitalista, ignora a condição deseres humanos dos trabalhadores envolvidos para realização do lu-cro.

Portanto, o todo complexo do que envolve este tipo de abusoremete a questões mais profundas, tendo em vista o contexto fun-diário brasileiro, no caso do trabalho no campo, que em conjuntocom ações governamentais, embasados nas injustiças sociais, fun-damentam essa exploração.

Com este panorama, Allison Sutton (1994, p. 26) demonstraque:

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Os mecanismos atuais de escravidão baseiam-senum encadeamento de fatores, entre os quais estão apobreza generalizada, a expansão rápida e desestabi-lizada da fronteira agrícola, o desrespeito general-izado pelos direitos humanos e a insuficiênciacrônica na administração da Justiça. A vulnerabili-dade dos trabalhadores à exploração no Brasil deveser atribuída à forma distorcida de desenvolvimentodo País, com grandes desigualdades de renda e po-breza generalizada.

Desta maneira, percebe-se que o conceito de trabalho análogoao de escravo envolvem elementos que vão além do aviltamento dadignidade do trabalhador, de sua liberdade e da coerção moral efísica perante a vontade daquele que explora sua força de trabalho.

O conceito em questão denota toda estrutura histórica, econô-mica e social Estatal, que, norteado pelo capitalismo, fundamenta elegitima o aparecimento desta forma de exploração de sujeitos.

Segue, portanto, a necessidade de entender a formação hiper-tardia brasileira e, em seguida, sua estruturação, como um eixo sus-tentado pela ocorrência do atraso e do moderno em mesmo plano,ou mesmo, expressado na figura de um Ornitorrinco.

1.1 CAPITALISMO E TRABALHO

Conforme Braverman (2011), em uma sociedade cuja forçade trabalho é objeto de compra e venda, a sociabilidade passou aser regida por uma atividade extorquida, ou seja, há um condiciona-mento do tempo vivido sob a égide do labor exercido e o capitalpor ele produzido.

Neste sentido, o tempo e a vida deixam de ser liberdade, as-pectos naturais, do trabalhador e de maneira consequencial passama depender dos produtos do acúmulo de capital em suas várias face-tas de uma economia internacional.

Diante disso, uma sociedade condicionada à acumulação decapital financeirizado, com base em relações de trabalho e um con-sumo estandardizado, criam-se amarras que levam a população aatitudes dependentes de um salário e ao que é produzido em umconsumo de massa, “[...] do ponto de vista do trabalho significa quetodo o trabalho é efetuado sob a égide do capital e é suscetível deseu tributo de lucro para expandir o capital ainda mais”, assim afir-

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ma Braverman (2011, p. 255).Com este panorama de desenvolvimento do capital, a função

do capitalista cabe em representar o capital e ampliá-lo, por meiodo controle da produção do valor excedente nas indústrias e ativi-dades produtivas.

Nas palavras de Braverman (2011, p. 319):

Trabalho e capital são os polos opostos da sociedadecapitalista. Esta polaridade começa em cada empresae é concretizada em escala nacional e mesmo inter-nacional como uma gigantesca dualidade de classesque domina a estrutura social. E, no entanto, esta po-laridade está encarnada em uma identidadenecessária entre as duas. Seja qual for sua forma,como dinheiro ou mercadorias ou meios de pro-dução, o capital é trabalho[...]

Neste papel do trabalho na sociedade capitalista, Braverman(2011, p. 349) ainda afirma que, conforme Marx, esta acumulaçãode capital estrutura-se sob a égide com o aumento da massa absolu-ta de proletariado e a produtividade do seu trabalho, uma misériado pauperismo e um crescente exército crescente de reserva, com adualidade coexistente de uma imensa massa de riqueza social e decapital atuante.

Relata ainda que o modo capitalista de produção mantém-sesob a lógica da máxima exploração do trabalhador, de modo que oacúmulo de riqueza de poucos necessita de que muitos paguem opreço para tanto por meio de seu trabalho, mantendo na ignorânciao trabalhador e usurpado “[...] seu direito inato de trabalho consci-ente e magistral”, Braverman (2011, p. 377).

Com isto, diante de uma sociedade internacional em que naexploração do trabalho e de acumulação de capital finca suas raí-zes, contradição do capital que permeia o desenvolvimento das ca-pacidades humanas de um lado e de outro objetiva-se em degrada-ção da personalidade humana, fundamenta a problemática principalda Questão Social no século XXI e de estranhamento social, expli-ca Giovanni Alves (2014, p. 46).

Em uma época em que haveriam as possibilidade de maiorefetividade civilizatória, Alves(2014), dentro das capacidades docampo objetivo de desenvolvimento - delineados pela individuali-dade, subjetividade e alteridade – ocorre, por outro lado, justificado

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pela crise estrutural de valorização e acumulação do capital e esta-belecimento da maquinofatura, submentendo à situação de degrada-ção manipulação da personalidade humana.

Nesta atual temporalidade histórica, que surge estruturadanão somente na precariedade salarial e do trabalho como elementoestrutural do capital internacional:

[...] mas também com a explicitação, no interior donovo metabolismo social do capital, da precarizaçãodas condições de existência humana adequadas ànova etapa de desenvolvimento civilizatório ou re-dução das barreiras naturais (precarização dohomem-que-trabalha e precarização existencial).(ALVES, 2014, p. 47).

Deste modo, tem-se como análise da Questão Social, a pró-pria leitura sobre a condição do modo como se estrutura a socieda-de atual, tendo em vista sua face de barbárie social, em que se di-minui sua força civilizatória em prol do modo de produção capita-lista.

Diante do quadro atual, pode-se perceber a presença de umnovo modo de produção capitalista, denominado de maquinofatura,explicita Alves (2014, p. 12), “[...] o desenvolvimento da crise es-trutural de valorização do valor, que se manifesta principalmente nafinanceirização da riqueza capitalista e hegemonia do capital finan-ceiro na dinâmica de acumulação de valor.”

Neste quadro, intensifica-se o processo de exploração do tra-balho, denotada como pilar do modo de produção capitalista, passaa intensificar o papel do trabalho como mercadoria e sua respectivaprecarização, legitimada pela regulação social e política. Afir-mando-se como precarização estrutural do trabalho, no século XXI.

Diante de um contexto geral e atual, há a fundamentação, porGiovanni Alves (2014, p. 13), de que “[...] a constituição da maqui-nofatura e o desenvolvimento da crise estrutural do capital comocrise estrutural de valorização do valor”, delinearam os meios deprecarização do trabalho, sendo esta existencial.

Portanto, as condições históricas do capitalismo global per-manecem imersas nas relações de trabalho, ressaltas as condiçõespeculiares de cada Estado e de sua respectiva formação, que pas-sam a condicionar toda uma sociedade em prol da acumulação docapital, de caráter internacional e financeirizado.

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1.2 FORMAÇÃO CAPITALISTA HIPERTARDIA PELA VIACOLONIAL

No que tange afirmar, primeiramente, sobre o presente estu-do, é a importância da formação econômica brasileira, caso peculi-ar de formação capitalista, como ocorreu nos países de origem co-lonial.

O histórico material que se apresenta da respectiva formaçãodireciona o entendimento, formado ontologicamente, delineia a no-ção de que a sociedade não se apresenta apenas como uma forma-ção de individualidades abstratamente homogêneas, como denota-se o senso comum.

Vale ressaltar a importância da análise que se consolida pelajunção de objetos diferentes, cuja relação se estabelece pelo papelcom que se relacionam no ordenamento produtivo básico.

Neste sentido, interpreta a formação brasileira pelo sujeitocoletivo que emerge em seio social que interpreta-se, conforme elu-cida José Chasin (2000, p. 36), a determinação social contextualbrasileira.

Neste sentido, tem-se a concepção de capital, para compreen-são da base analítica do trabalho e à posição brasileira frente ao ca-pital internacional, como aquela em que o trabalho é transformadoem mercadoria, em que pese análise chasiana, em que há um movi-mento internacional de capital com o intuito de estandardização dahumanidade em prol de um capital monopolizado, nas palavras deChasin (2000, 616) “[...] com vistas a formar um mercado consumi-dor universal de seus gigantescos estoques, brande a ferramentacosmopolita que dissolve as resistências espirituais, desarma e des-caracteriza a personalidade das nações.”

Ademais, forma uma tendência universal o princípio de rela-ção entre os homens sob a égide do capital, na forma estrutural dealienação, modo pelo qual há nesta globalização a função de repro-dução do próprio sistema capitalista.

Ocorre que diante de tal movimento internacional há que seobservar determinadas características que denotam certa peculiari-dade do caso brasileiro de formação capitalista, uma vez que so-mente pela realidade brasileira, pelos grupos sociais que a envol-vem, sua história econômica e consequentemente o sujeito coletivorelativo a ela é que abrem-se os caminhos para a compreensão das

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estruturas atuais e o tema do presente trabalho.Com tais concepções anteriores, passa-se a analisar o caso

brasileiro em suas peculiaridades em seu processo de estruturaçãocapitalista hipertardio colonial, conforme demarca José Chasin(2000, p. 216).

Demarca-se, pela referida concepção em que há a dualidadeentre o atraso e o moderno nos modos de produção e nos relativosprogressos sociais.

Lentidão determinada pela ausência de processosrevolucionários de transição, substituídos pela con-ciliação entre o atraso e progressos sociais, entre omodo de produção capitalista, que forceja por se de-senvolver e impor, e modos de produção arcaicos,cuja sobrevivência, assim possibilitada, emperra erestringe o desenvolvimento primário. De sorte quea “emersão do novo paga alto tributo ao velho.(CHASIN, 2000, p. 43).

Determinado pela estruturação em um capital atrófico, a soci-edade brasileira, em seu caráter econômico, não demonstrou a su-peração do historicamente velho, havendo, não a debilidade de in-divíduos, mas de um sujeito coletivo, que refletiu em sucessivas re-produção do arcaico.

Caracterizado por uma formação colonial imperialista, deli-neou-se, em frente ao capitalismo internacional, um país periférico,cuja produção internacional estabelecida principalmente em consu-mo e privilégios de países de economia central, há uma consequen-te desvalorização da força de trabalho de sua sociedade, agravadapelo progressivo endividamento externo, em favor do capital inter-nacional de acumulação.

Neste sentido, há a concepção fixada por José Chasin (1978),de que a via prussiana faz base teórica para o entendimento da for-mação capitalista brasileira, uma vez que há nesta um caminho pa-recido com o que ocorreu na Alemanha.

Denota-se, neste raciocínio, que a via prussiana para o capita-lismo, remete a ideia de conciliação entre o novo e o velho, na me-dida em que a própria política enraíza-se nessa concepção de capi-talismo.

Via prussiana, ou caminho prussiano para o capital-ismo, como denominou Lênin, aponta para um pro-

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cesso particular de constituição do modo de pro-dução capitalista. No dizer de Carlos NelsonCoutinho trata-se de um itinerário para o progressosocial sempre no quadro de uma conciliação com oatraso: “Ao invés das velhas forças e relações sociaisserem extirpadas através de amplos movimentospopulares de massa como é caraterístico da “viafrancesa” ou da “via russa”, a alteração social se fazmediante conciliações entre o novo e o velho, ouseja, tendo-se em conta o plano imediatamentepolítico, mediante um reformismo pelo alto que ex-clui inteiramente a participação popular. (CHASIN,1978, p. 621).

Resumidamente, a concepção de via prussiana (fundamentalpara concepção teórica), estabelecida como meio para um particu-lar desenvolvimento capitalista, cuja característica fundamenta-seem um processo que se estabelece de forma retardatária, onde háuma conciliação entre o modo social-econômico arcaico e o proces-so emergente.

Implica em uma inexistência estrutural, preocupante, de umatendência de ruptura superadora desta via, impossibilitando cama-das sociais inferiores economicamente e, de certa forma, de menorproveito econômico do processo de acumulação capitalista.

Entende-se que, em uma visão geral do processo de formaçãohistórica comparada entre ambos os países, em que há uma proxi-midade entre ambos devido às particularidades da via prussiana.

Como principal caraterística intrínseca a ambos países, há apresença da propriedade rural como dominante fator econômico na-cional, como também elucida José Chasin (2000), o reformismo es-tabelecido pelo “alto”, caracterizador de todo o processo de moder-nização destes.

Com este contexto político de ambos, há a prevalência de ati-tudes imediatas que influem para a manutenção e exclusão de rup-turas superadoras, evitando, desta forma, a emergência de movi-mentos sociais de classes inferiores economicamente e consequen-temente maior equilíbrio social.

Há, em ambos os casos, assim como referiu-se anteriormente,um processo produtivo em que há obstaculizações para seu desen-volvimento, devido às tendências econômicas anteriormente forma-doras de sua economia central, razão pela qual o novo paga altotributo ao velho.

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Deste modo, observa-se um processo mais lento de produção,e dependente do movimento do capital internacional, que não ape-nas impossibilita a aceleração da industrialização, mas também adistribuição e progressão de benefícios sociais a todas as camadassociais de modo homogêneo.

Conforme anteriormente dito, o caminho para a concepçãocapitalista brasileira passa pelo entendimento da via prussiana,como fundamento teórico, mas também como de via colonial, con-sequentemente estabelecida pela forma hipertardia.

Mas enquanto a industrialização alemã é das últimasdécadas do século XX, e atinge, no processo, a partirde certo momento, grande velocidade e expressão, aponto da Alemanha alcançar a configuração imperi-alista, e sem nunca com isto, romper sua condição depaís subordinado aos polos hegemônicas de econo-mia internacional. De sorte que “verdadeiro capital-ismo” alemão é tardio, o brasileiro é hipertardio.” –de via colonial. Expressão conveniente que tem, nosparece, a propriedade de combinar a dimensãohistórica-genética com a legalidade dialética.(CHASIN, 2000, p. 17).

Ainda assim, no que tange sua formação pela via colonial de-nota a objetivação do capitalismo industrial e compreende-se osresquícios sociais que demarcam sua atual posição econômica e po-lítica.

Com tais características há a relação hipertadia, de caráter su-bordinado, brasileira que diferencia daquela tardia alemã, mesmopercorrendo um caminho teórico similar da via prussiana, conformeelucida a respectiva crítica:

Diante das palavras de Oswald, para acentuar difer-enças, e não para desqualificar ou minimizar asdores do penalizado processo da industrializaçãobrasileira, não resistimos à tentação de dizer que, sea história se repete - uma vez como drama, outracomo comédia -, a industrialização tardia da viaprussiana é o drama, enquanto a industrializaçãohiper-tardia da via colonial é a penosa comédia.(CHASIN, 2000, p. 55).

Há no Brasil questões particulares que o denotam característi-cas específicas, distanciando-se do caso alemão, realizadas por ob-

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jetivações específicas.

Diga-se, então, sem mais, que o problema funda-mental de colher, à maneira dialética, a entificaçãodo capitalismo no Brasil diz respeito à questão dosparticulares, ou, realçando a dimensão ontológica, averificação de que há modos e estágios de ser, no sere no ir sendo capitalismo, que não desmentem a uni-versalidade de sua anatomia, mas que a realizamatravés de objetivações específicas. (CHASIN, 2000,p. 13).

Um exemplo notório de políticas estabelecidas sobre a égideda prevalência do arcaico no caso brasileiro, estabeleceu-se pelaforma como se desdobrou o regime ditatorial, que ao passo quetrouxe a modernização do arcaico, remeteu apenas as vontades na-cionais ao compasso e às novas formas do capital internacional.

Neste contexto, a figura do trabalhador é ressaltada em suamiséria frente às mudanças do capital internacional, de modo quefica restrito pelo pouco espaço no mercado nacional que ainda lheresta.

Motivo pelo qual, afirma Salgado, 'Pegamos ohomem do campo, abatido e doente, tornamo-lo de-sempenado, ensinando-lhe o ritmo da marcha, as ati-tudes corretas.' Ele que se estiola na mais profundamiséria, 'a miséria em que vivem as nossas popu-lações sertanejas', precisamente ele, 'o brasileiro dosertão, que trabalha para sustentar o luxo dos capi-tais', e vive 'Esta longa escravidão ao capitalismo in-ternacional; este longo trabalho de cem anos nagleba, para opulentar os cofres de Wall Street e daCity'. (CHASIN, 1978, p. 602).

Vale ressaltar a presença de que tal formação econômica fun-damenta os problemas sociais que diretamente se relacionam com oprocesso de acumulação capitalista e sua respectiva dependênciainternacional. Há, portanto, um conflito entre as necessidades reaissociais nacionais com toda a alienação e estandardização socialpromovida pelo capital.

Denota-se à terra, pelo histórico brasileiro e sua respectivaformação de via prussiana, de extração colonial e hipertardia, ofundamento para a organização social econômica brasileira.

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[…] na particularidade da formação do capitalismobrasileiro, tendo se constituído através do quechamamos provisoriamente de via prussiana, e sendomarcadamente próprio desta a conciliação entre ohistoricamente velho e o historicamente novo, de talforma que o novo paga alto tributo ao velho, no seuprocesso de emersão e vigência, a confronto entre oscomponentes agrário e industrial no modo de pro-dução capitalista, no caso brasileiro teria forçosa-mente que assumir modalidades específicas, dig-amos assim, abrandados e velados. (CHASIN, 1978,p. 619).

Ademais remete-se à ideia de que a coexistência entre o capi-tal incompletável e à formação política brasileira, elucida uma mi-séria brasileira, conforme afirma Chasin (2000). Sem que deixe delado sua característica objetivação subordinada frente ao capital in-ternacional.

Esta forma retardatária, acumulada às anteriores característi-cas já abordadas, ilustra as estruturas que favorecem a exploraçãodas massas de trabalhadores, sua respectiva miserabilização, quediferente do que parece ser produto de uma má distribuição, defineespecificamente a égide de sua forma de desenvolvimento peculiar.

Há que se destacar que mesmo com as lutas imperiais realiza-das no passado e ilustrativamente já superadas, há, em uma confi-guração mundial, a manutenção da condição de países subordina-dos de economia hipertardia, advindos de extração colonial, pelavia do capital internacional, diferenciando-se da tardia, que mesmoatrasada, manteve-se autônoma.

Diante desta exposição, há a obrigatoriedade, quando há apresença do capital internacional, de reprodução das formas de pro-dução em nível hierárquico, mesmo que isso funcione entre países,situação pela qual o Brasil na condição advinda de extração coloni-al, mantém-se, pela forma hipertardia, em um nível hierárquico in-ferior ao estabelecido em ordem internacional.

Pela sua própria subordinação, a condição de capital incom-pleto, de figura retardatária, mantém-se desta maneira pela própriaordem política internacional, pelos imperativos de sua formaçãohistórica e ser sujeito coletivo com peculiaridades que favorecem apermanente manutenção de sua condição.

Neste sentido, mesmo que haja sua reestruturação com umarespectiva modernização, esta permanecerá como reprodução ou

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reinvenção do arcaico presente e peculiar à sua condição nacional.Complementa-se a isso a reciclagem do arcaico constante,

fundamentada especificamente com a ideia de modernidade semruptura com o sistema predominante, uma vez que seu reajustamen-to obedece diretamente ao interesse internacional.

A mudança desta estrutura promovida pelo capital internacio-nal, tem sua estrutura em risco caso não atenda à renovação do ar-caico, de modo que é parte intrínseca de todo o sistema de acumu-lação.

Tal situação, como dito anteriormente, conserva toda uma po-pulação à condições precárias de subsistência e condições laboraisà nível de alienação, favorecida pela estandardização do consumo eprodução.

Afirma-se, por fim, que é sem saída o caminho nacional, àmedida que mantém-se na ordem exploratória capitalista neste ní-vel de hierarquia, fundamentado pela auto reprodução do capital,tendo como consequência a limitação de seu poder de reordenaçãosocial e a impossibilidade de intensificar a força civilizatória social.

1.3 DA DUALIDADE ENTRE O ATRASO E O MODERNO

Diante do explanado anteriormente, vale ressaltar o pensa-mento de Francisco de Oliveira (2006), ao entendimento de que oEstado Brasileiro mantém-se como singularidade histórica frente aoutras formações capitalistas.

Seu estágio de subdesenvolvimento demonstra uma singulari-dade histórica que não se encaixa em um processo de evolução ad-vindo do estágio primitivo até alcançar um pleno desenvolvimento.

Neste sentido, entende-se que a situação peculiar das ex-colô-nias, e sua respectiva forma de desenvolvimento, manteve-se nafunção estrita de fornecer elementos para o acúmulo de capital nocentro do capitalismo.

Sua especificidade social demanda uma análise desta forma-ção capitalista, uma vez que com tal papel diante do capitalismo in-ternacional, denotou-se certa especificidade política e, consequen-temente, social, mantendo, diante do decorrer da história, modelosde exploração do trabalho e dos sujeitos que compõe a sociedade.

Desse modo, compreende-se a realidade brasileira como algointrínseco à divisão internacional do trabalho capitalista, de modoque interesses internos e seu status de subdesenvolvimento man-

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tém-se relacionado ao próprio momento do capital internacional.Conforme elucida Francisco de Oliveira (2006, p. 127), o

próprio termo de subdesenvolvimento demonstra uma explicaçãoda condição de estruturação capitalista brasileira, uma vez que de-nota uma certa condição no contexto internacional, de modo que,hierarquizada, promove uma situação que favorece a estagnação deseu desenvolvimento econômico autônomo.

Mantendo-se, desta forma, como uma permanente exceção domodo de produção capitalista localizado na periférica do capital.

Na forma particular de econômica, sob a égide da exceção, aprópria produção e acumulação de capital mantém-se na forma aná-loga aquela ao centro do capital. Sua exceção transparece nas rela-ções de trabalho, nas moradias, e mesmo na coerção estatal paramanutenção da forma de exploração mantida pela própria formaçãosocial em que o País se insere.

Neste sentido, há a concepção de que as próprias políticas pú-blicas tendem a reiterar e reproduzir a forma de exploração particu-lar do capital dos países subdesenvolvidos.

Diante de tais aspectos, a formação brasileira denota ainda apresença e coexistência do arcaico e do moderno, no sentido deque, com a produção truncada e presa ao campo, com culturas desubsistência, mantém-se lado a lado com a modernização do capi-tal, como ocorreu com o surgimento do sistema bancário, apontan-do uma relação direta entre aquelas e estas.

A situação de dependência e subsistência, não por acaso man-tém-se nas mesma condições precárias toda sua população, demodo que contribuem diretamente para a manutenção dos preçosbaixos, refletindo na própria acumulação de capital industrial e in-ternacional.

Deste modo, admite-se em sua teoria a presença, portanto, deum sistema em que há a permanência da dualidade, por exemplo,entre a própria agricultura de subsistência e o sistema bancário mo-derno, passa a constituir o fulcro deste processo de acumulação decapital e expansão capitalista, onde há todo um financiamento deuma acumulação de capital industrial ao passo que há a o baratea-mento e máxima exploração das condições de trabalho.

Aumenta-se a disparidade entre tais polos quando deparamo-nos com o exército de reserva, que em seu papel diante do mundodo trabalho, preenche o quadro de atividades informais, mantendo-se como indicadores de baixa dos preços para a reprodução da for-

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ça de trabalho.Braverman (2011) aponta que os níveis de salários nas indús-

trias e ocupações de baixa remuneração mantém-se em um nívelabaixo do tido como de subsistência, ou seja, não se aproximam darenda que deveria atender às necessidades imediatas e básicas deuma família na sociedade moderna. Esta lógica, explica o Autor,mantém uma das perspectivas que explicam ao que Marx denomi-nou como acumulação de miséria, que em mesma escala correspon-de à acumulação de capital.

Diante desta abordagem, Braverman (2011) constata a coe-xistência da presença da população excedente relativa, que man-tém-se no pauperismo, com emprego irregular, eventual e margina-lizado, criando condições para o desenvolvimento capitalista da ri-queza.

Com este quadro, Francisco de Oliveira (2006) demonstraque, não apenas o atraso em si, mas peculiaridades brasileiras con-formam e mantém as estruturas necessárias para a expansão capita-lista.

Neste sentido, explica que as formas irresolutas que envol-vem a economia agrária e o modo de exploração de força de traba-lho, toda a subordinação generalizada social ao Estado, com a res-pectiva modernização conservadora, resolvem-se em meios para aacumulação. Ou seja, há nos custos da exploração daquela um cus-to para a acumulação de capital internacional.

Há a clareza na constatação desta modernização conservadorano momento em que permanece de um lado uma estrutura de servi-ços muito diversificada em uma ponta e ligada diretamente a extra-tos de alta renda de outro, mais perdulários que eficientes e quepassam a fazer parte de um sistema financeirizado atrofiado, masque permanece como parte substancial para a manutenção destaeconomia.

Neste sentido, o aspecto da financeirização cria uma depen-dência direta com o capital internacional e especulativo, mantendoa dívida financeira interna em grande escala, e por meio daquela háa capacidade de exaurir a liquidez interna produzida, promovendo aestrutura em que há uma acumulação insuficiente com um privilé-gio direto daquela industrial.

Como consequência a essa estrutura (de país periférico) ondehá o dualismo entre o atraso em prol do moderno, promove-se ape-nas a repetição do descartável, com sua obsolescência acelerada

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dada sua característica de cópia.

A primeira sustentou uma forma de acumulação quefinanciou a expansão, isto é, o subdesenvolvimento,conforme interpretado na crítica à razão dualista,mas combinando-se com a segunda produziu ummercado interno apto a apenas produzir cópias.(OLIVEIRA, 2006, p. 136).

Com tal panorama, observa-se a figura do ornitorrinco, con-forme elucida Francisco de Oliveira (2006), manteve-se como talpela impossibilidade de permanecer como subdesenvolvido e ab-sorver as mudanças que a Segunda Revolução Industrial proporcio-nou a países de centro do capital internacional.

Elucida ainda que, não haveria também a possibilidade deavançar sobre a acumulação digital molecular, uma vez que detémbases internas insuficientes a tal progresso.

E diante do processo, afasta-se de qualquer meio de ruptura,tendo em vista o caráter de financeirização da economia e apenastransferência de patrimônio, da reprodução sistêmica de um modelocondenado à subordinação e a pouca acumulação central do capital.

Com a presença de trabalhos abstratos (com a proximidade damais valia absoluta e relativa) e de forma análoga à escrava, o orni-torrinco capitalista tem em si uma acumulação truncada, com desi-gualdades sociais em evidência para a manutenção de uma moder-nização e acumulação em prol de poucos.

Tem-se, portanto, um Estado que, submetido ao movimentodo capital internacional e seus respectivos interesses pela financei-rização e formação histórica, detém uma condição peculiar, com adualidade entre o atraso - formas de subsistência e exploração ex-trema do trabalho de sua sociedade - com o moderno industrial -que denota certos traços perdulários, e apenas reproduz o concebi-do no centro do capital internacional.

2. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como foi demonstrado, o capitalismo estrutural brasileiro eri-ge uma sociedade desigual que mantém-se em sua peculiaridadehistórica de formação como promotora inócua de desigualdades so-ciais e de extrema exploração dos indivíduos que pertencem a ela.

Não se pretende com o presente estudo esgotar o presente

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tema, mas sim esboçar a relação, ainda que superficial, da estruturaeconômica brasileira e das formas de exploração da força de traba-lho respectivas, em especial ao trabalho análogo ao de escravo.

Dada a importância e contemporaneidade do conceito de tra-balho análogo ao de escravo, mesmo diante das peculiaridades dosconceitos de trabalho escravo, de trabalho forçado e degradante,este não se afasta totalmente, dada a proximidade de certas caracte-rísticas correspondentes entre estes.

Ocorre que torna-se necessário estabelecer os limites para ode trabalho análogo ao de escravo e entende-lo diante de suas pecu-liaridades, como se demonstrou anteriormente, abarcando os con-ceitos de trabalho degradante e forçado, e a exploração extrema quese deu pelo trabalho escravo.

Diante deste patamar, entender este conceito na medida docontexto atual brasileiro ajuda a compreender suas características esua aparição na sociedade.

Contexto este que, conforme explicação anterior, delineou-sehistoricamente como de via prussiana, de formação hipertardia, devia colonial e dualista, com a coexistência do arcaico com o moder-no atrasado.

Portanto, é neste sentido que se pode observar a aparição detal forma de exploração de trabalho como algo consequente de todaformação capitalista brasileira e a necessidade de se encaixar emum contexto maior de capitalismo mundial.

Diante do exposto, por meio de um levantamento bibliográfi-co, a fim de entender a relação da existência desta forma de explo-ração em relação à estrutura capitalista brasileira em uma concep-ção dialética, tentou-se demonstrar que ambas estão associadas enão é por acaso que a primeira ocorre no solo nacional.

REFERÊNCIAS

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O PROCESSO DE CORPORATE SHAMING E A ES-CRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA

CORPORATE SHAMING AND CONTEMPORARY SLAV-ERY

João Vítor Guimarães Ferreiraclxv

Resumo: Sanções com apelo à reputação dos infratores têm ressurgido pelos quadros pu-nitivos do direito contemporâneo como alternativa às formas tradicionais de punição. Edentre os vários cenários em que se insere a atuação destas sanções, o âmbito corporativomerece destaque, porquanto a reputação é instrumento de enorme importância às empre-sas, exercendo sua influência inclusive como agregador de valor. Do outro lado da moeda,neste mesmo contexto, salienta-se a imprensa, que desempenha papel primordial comoimpulsionadora de mudanças nas políticas e comportamentos das companhias por meio depublicações que tenham efeito sobre o nome destas. Diante desta conjuntura, portanto,apresenta-se o processo de corporate shaming como uma alternativa sedutora às formaspadrão de punição, principalmente às sanções meramente pecuniárias, cuja eficiência semostra questionável nos casos em que o lucro auferido com o delito é maior que a quantiadevida a valor de multa. Palavras-chave: corporate shaming, trabalho escravo contemporâneo, crimes empresari-ais.

Abstract: Shaming sanctions have return to contemporary law punitive scenario as an al-ternative to standard forms of punishment. Among the various scopes in which thesepenalties take action, the corporate sphere deserves special attention, inasmuch as reputa-tion is a very important instrument to firms, while it exerts its influence even increasingthe company's value. On the other side of the coin, in this same context, the press standsout, because it plays a substantial role causing changes in companies’ policy and behaviorthrough publications that have an effect on their repute. Faced with this situation, there-fore, corporate shaming presents itself as an enticing alternative to traditional forms ofpunishment, especially to penalties such as fines, whose efficiency is questionable whenthe amount earned with the offense is greater than the amount of the fine.Key words: corporate shaming, contemporary slavery, corporate crime.

1 CORPORATE SHAMING

Sanções baseadas no apelo à imagem pública dos infratorestêm ressurgido pelos quadros punitivos do direitoclxvi, em especialno cenário norte-americano. E diante deste “renascimento”, a maiorcrítica apresentada pelos céticos é referente à fragilidade do pressu-posto básico da eficiência desta sanção, o qual seria a presença deuma comunidade estreitamente ligada (close-knit community), emque as pessoas compartilhassem valores comuns e interagissem deforma intensa, o que na contemporaneidade é bastante escassoclxvii.

Tal crítica perde sua validade, no entanto, quando pensamos

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no âmbito corporativo. As empresas e os seus diretores estão imer-sos numa comunidade em que a reputação não é somente importan-te, ela é valor agregadoclxviii. Para além dos efeitos negativosclxix àpersonalidade dos infratores, uma sanção nestes portes traz conse-quências bem mais tangíveis, como a reação dos investidores, quepodem negar associação a seus produtos, e dos consumidores, quepodem evitar comprá-losclxx. Em adição, por conta de esta sançãoter sua expressão no sistema penal, destaca-se, em outro ângulo,também seu o potencial comunicativoclxxi.

Uma forma de ilustrar, neste sentido, a relevância da reputa-ção no contexto corporativo, é citar o atual recrudescimento da os-tentação de políticas sustentáveis no âmbito dos direitos humanos esocioambientais, as quais são utilizadas, mesmo sem notável orien-tação à auferição de lucro, como forma de agregar valor à empre-saclxxii.

É neste contexto, então, que a imprensa exerce decisiva in-fluência. Detentora do poder de não somente divulgar informaçõesrelevantes, como também de analisá-las ao público em geral, ser-vindo como base para que as pessoas criem seu próprio entendi-mentoclxxiii, a mídia é agente primordial na dinâmica da criação eacumulação de reputaçõesclxxiv. No cenário norte-americano, porexemplo, inúmeros são os casos em que uma pequena divulgaçãofeita num jornal de grande circulação, como The Wall Street Jour-nal, motivou mudanças significativas tanto na diretoria empresarialcomo nos gastos para maior desenvolvimento sustentávelclxxv.

Em consonância com o exposto, o estudo feito por Dyck,Morse e Zingalesclxxvi, avaliando os mecanismos de detecção defraude no âmbito empresarial dos Estados Unidos, aponta quequem desempenha maior papel nesse sentido não são os agentes ha-bituais da governança corporativaclxxvii, como os investidores e oSEC (Securities and Exchange Comission) – um órgão equivalenteà CVM (Comissão de Valores Mobiliários) brasileira –, mas sim osatores menos tradicionais, como a imprensa e os empregados. Estaconstatação, ressalta o estudo, é explicada por diferenças no acessoà informação e por incentivos monetários e reputacionais, sendoeste último tipo de incentivo mais eficiente para casos de grande re-percussão, e o primeiro majoritariamente forte no caso de denúnciapor empregados (employee whistleblowingclxxviii).

Assim posto, de modo a melhor entender o processo de cor-porate shaming, devemos analisar, seguindo a tipologia de David

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A. Skeelclxxix, os três pilares que o regem: (1) o executor (enforcer),(2) a audiência (enforcement community) e o (3) executado (offen-der).

A figura do (1) executor é justamente o autor da sanção,aquele que impõe a assertiva pública direcionada ao executado. Oexecutor pode ser privado – se for um acionista (shareholder) des-contente ou um terceiro interessado – ou judicial – como é o caso,nos Estados Unidos, das Cortes.

No ordenamento brasileiro, a questão da responsabilidade dapessoa jurídica ainda é bastante recente. Sua primeira manifestaçãolegislativa foi na Constituição de 1988 (nos artigos 173, § 5º, e 225,§ 3º), tendo como um de seus princípios a defesa do meio ambien-teclxxx. Já no plano ordinário, o dispositivo legal que instituiu a refe-rida responsabilidade foi a Lei 9.605/1998, cujo teor foi bastantecriticado pela doutrina em decorrência da falta de precisão e crité-rio nas sanções apresentadasclxxxi, sendo tal apontado como ofensaao princípio da legalidade e, portanto, inconstitucional. Na atuali-dade, em semelhança ao Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) es-tadunidense – instituído em 1977 com a finalidade de tornar ilegaisos pagamentos feitos a funcionários públicos e partidos políticosestrangeiros em troca de vantagens econômicas e comerciaisclxxxii –entrou em vigor a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), trazendo àtona novamente a discussão da responsabilidade da pessoa jurídica,ainda que no âmbito civil e administrativo.

Pode-se inferir, desta forma, que, no direito brasileiro, a figu-ra do executor no quadro corporativo ainda se encontra em desen-volvimento.

Não obstante, não há como ignorar que o Ministério do Tra-balho e Emprego, por meio da Portaria Interministral MTE/SDH nº2 – que seguia no mesmo sentido que a anterior Portaria do MTE nº540 –, tenha desempenhado papel de executor com a chamada “lis-ta suja”, em que expunha os nomes dos empregadores (tanto pessoafísica quanto jurídica) que haviam sido condenados administrativa-mente por terem submetido trabalhadores a condições análogas àde escravo. E também não devemos olvidar que, da mesma forma,com a suspensão desta lista, no final de 2014, pelo presidente doSupremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowskiclxxxiii, seguiucomo executor o jornalista Leonardo Sakamotoclxxxiv, ao criar umalista alternativa em substituição àquela.

Por (2) audiência, ou comunidade-alvo relevante, devemos

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entender o público a que a sanção é endereçada. O papel da audiên-cia é justamente reforçar, por meio da desaprovação do delito ex-posto no processo de shaming, o valor moral ou a norma ofendida.Tão expressivo é esse papel que céticos como James Whitmanclxxxv

se mostram temerosos que essa desaprovação perca a razoabilidadee transforme o processo de shaming numa justiça de linchamento.Há de se crer, contudo, que tal hipótese dificilmente se aplicaria àrealidade do corporate shaming.

Já os (3) executados, ou ofensores, são os alvos da sanção,aqueles que sofrerão a exposição pelo ato delituoso praticado. Eembora pareçam estes últimos representar o pilar mais óbvio doprocesso de shaming, eles são, em verdade, bastante complexos noâmbito corporativo, segundo já apontava Skeel Jrclxxxvi, tendo emvista a discussão sobre quem deveria ser o sujeito da sanção, o indi-víduo em si – como diretores e outros funcionários da companhia –ou a empresa como um todo.

No quadro contemporâneo brasileiro, como advento da novaLei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), tornou-se muito prováveluma nova configuração da situação até então vigente, em que pre-valecia a teoria da dupla imputação – sendo discutível a possibili-dade da responsabilização exclusiva da pessoa jurídicaclxxxvii. À luzdeste novo dispositivo, portanto, é possível que figurem no polo doofensor tanto os indivíduos naturais ou a empresa isoladamente,como o conjunto dos dois.

A respeito da responsabilização dos indivíduos naturais, cabeaqui mencionar que, no contexto empresarial, estes se enquadramna classe dos criminosos de colarinho branco (white-collar crimi-nals); classe esta, segundo Sutherlandclxxxviii, representada por ho-mens de negócios e profissionais, bem vistos aos olhos da socieda-de, que apesar de serem autores de fraudes e outras infrações eco-nômico-financeiras, foram por muito tempo ignorados pela partemajoritária da criminologia, que se prendia a estatísticas criminaisde infratores pobres, provenientes de famílias desestruturadas ecom desordens sociais e psicopatológicas (blue-collar criminals).

Voltando à discussão quanto ao destinatário da sanção, Tiede-mannclxxxix defende a responsabilização da companhia como umtodo ressaltando que, apesar de a doutrina alemã dominante consi-derar que às pessoas jurídicas carece o requisito penal da capacida-de de culpabilidade em seu sentido ético-social, tanto o TribunalSupremo Federal alemão quanto grande parte da jurisprudência eu-

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ropeia – destacando-se a francesa, não têm visto, na atualidade,problemas em imputar a culpabilidade de pessoa natural a pessoasjurídicas.

No mesmo sentido, John Braithwaitecxc afirma ser mais pro-veitoso sujeitar a empresa como um todo à sanção, tendo em vistaque, além de uma possível indenização ser bem mais expressiva sevinda dos cofres da corporação, enquanto a condenação de indiví-duos isolados pode não significar nada ao consumidor, a condena-ção da companhia em si desperta a atenção deste, influenciando-onas suas futuras decisões de compra. Assim, tendo em jogo a suareputação, e o consequente futuro de seus lucros, a empresa ficamais atenta à sua integridade, buscando uma melhor regulação pró-pria de suas atividades a fim de evitar os possíveis danos advindosdesta sanção.

2 ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA

Ante o exposto, é notável a proeminência do processo de cor-porate shaming contra as mais diversas más condutas empresariais.E, dentre os vários contextos em que estas condutas se inserem,destacamos aqui o das formas contemporâneas de trabalho escravo.

Para além da já mencionada “lista suja” do MTE – que inclu-sive foi objeto de louvor da imprensa internacionalcxci –, temos ain-da, como evidência do importante papel do shaming neste âmbito,o exemplo dado, há alguns anos, pela indústria têxtil no país.

Talvez o evento mais marcante a ser apontado deste períodoseja o da empresa Zara. Tendo sido alvo de inúmeras denúnciascom alegações de que tinha dentro de sua cadeia de produção o usode trabalho escravo, a Zara foi objeto de um grande escândalo e es-teve a estampar várias manchetes de jornais pelo paíscxcii. O resulta-do de tal campanha negativa foi imediatamente sentido. Embora aempresa tenha negado veemente as alegações a priori, os impactosdessa mácula em sua imagem pública foram tão notáveis que acompanhia espanhola se viu obrigada a não somente admitir a vera-cidade das denúncias como também vir a público e declarar que to-mava as devidas medidas para evitar que a prática fosse perpetua-dacxciii.

E assim, a empresa, ao buscar se desvencilhar da imagem ne-gativacxciv que o processo de shaming lhe impôs, deixou em evidên-cia algo muito maior que a procedência das acusações feitas: ela

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comprovou o poder deste processo em estimular as boas condutasempresariais, inclusive no que diz respeito ao bom tratamento deseus trabalhadores.

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i Mestranda em Direito da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Fi-lho” – Unespii Professora Livre-docente de Direito Agrário e Direito Ambiental UniversidadeEstadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Unespiii Vale transcrever as propostas do MDA e Incra para a erradicação do trabalhoescravo, no que tange à “Diminuição da vulnerabilidade e prevenção ao alicia-mento”: 1.1 Incrementar a desapropriação para fins de reforma agrária de imó-veis rurais nas regiões de origem dos trabalhadores escravizados. 1.2 Crédito:Por meio de uma ação articulada com parceiros que atuam nos estados de origemdos trabalhadores aliciados, divulgar as linhas financiáveis e formas de acesso aoPronaf B, Pronaf Semi-árido e Pronaf Jovem. Como primeiro passo será elabora-da uma carta aos Sindicatos de Trabalhadores Rurais desses municípios com esteintuito e, após, serão desenvolvidas atividades de disseminação. Além disso,pode ser acertado junto aos agentes financeiros uma focalização preferencial e omonitoramento especial nas agências que atuam nessas localidades; 1.3 Assistên-cia Técnica: Conforme visto no quadro que descreve a situação da Ater oficialnos municípios mais críticos, já existem potenciais parceiros para avançar na im-plementação da Política Nacional de Ater de uma maneira mais intensa nessa re-gião. Uma possível ação neste sentido é estimular, por meio de articulações, en-contros e disseminação de informações, a demanda das entidades de assistênciatécnica (tanto oficiais quanto não governamentais), além da capacitação dessasentidades na temática do trabalho escravo; 1.4 Continuar no esforço de inclusãode novos municípios no Garantia-Safra, em especial no Estado da Bahia; 1.5Ampliação e direcionamento das ações de documentação de trabalhadores e tra-balhadoras rurais para os municípios de origem, aliciamento e escravização detrabalhadores rurais; 1.6 As ações de georreferenciamento territorial desenvolvi-das pelo Incra, em todas as áreas de responsabilidade da União, serão priorizadasnas regiões de ocorrência de trabalho escravo, visando a regularização fundiáriadestas regiões; 1.7 Implantar as bibliotecas Arca das Letras em comunidades ru-rais de todas as regiões identificadas com o trabalho escravo – incluindo-as nasmetas prioritárias do Programa em 2005 – visando disseminar informações deapoio ao exercício da cidadania e incentivar o uso dos livros para aprimorar otrabalho, a educação e o entretenimento; 1.8 Identificar e inserir publicações e ví-deos sobre trabalho escravo nas bibliotecas rurais Arca das Letras, disseminandoinformações sobre o tema e estimulando o debate em todas as comunidades. Paratanto, firmar termo de cooperação com a OIT, MTE e demais órgãos ou entida-des que possuam acervo relacionado; 1.9 Propor como uma meta dos projetos doPronera que são desenvolvidos nas áreas de origem, aliciamento e escravização aelaboração de material pedagógico que discuta e apresente propostas para a erra-dicação do trabalho escravo nestas regiões; 1.10 Propor aos coordenadores e ges-tores do Pronera uma maior articulação entre os projetos educativos desse Pro-grama e as Diretorias Regionais do Trabalho, as entidades de classe e órgãos depesquisa visando uma atuação conjunta em prol da erradicação do trabalho escra-vo; 1.11 Incluir nos cursos técnicos profissionalizantes, nos cursos de EngenhariaAgronômica e de Formação de Professores e nas atividades de estágio curriculare de extensão, práticas educativas que contribuam para a erradicação do trabalho

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escravo; 1.12 Nos cursos de Engenharia Agronômica e cursos técnicos profissio-nalizantes, discutir as diferentes formas de produção agropecuária e não-agrope-cuária com potencial econômico nas regiões de ocorrência do trabalho escravo,de modo que sejam realizadas atividades e proposições que busquem a geraçãode renda e relações com o mercado, procurando ainda, incorporar as questões degênero e juventude; 1.13 Elaboração de cartilha para divulgação nos Projetos deAssentamento, associações de assentados e Sindicatos de Trabalhadores Ruraisdas ações institucionais de combate ao trabalho escravo; 1.14 Identificar gruposartísticos que lidam com o tema do trabalho escravo para disseminar campanhasque apóiem a erradicação, esclareçam o assunto e provoquem debates nas comu-nidades rurais; 1.15 Realizar trabalho de divulgação e articulação no âmbito dasCoordenações Regionais de Ates visando a disseminação das ações institucionaisde prevenção e erradicação do trabalho escravo; 1.16 Na execução das ações daSDT, sempre que possível, convidar parceiros para exposição de ações pertinen-tes ao tema; 1.17 Apoiar a discussão do tema nas Escolas Famílias Agrícolas eCasas Familiares Rurais, visando a conscientização dos jovens sobre a proble-mática do trabalho escravo e divulgação sobre as políticas públicas desenvolvi-das pelo MDA e Incra; 1.18 Considerar o público vulnerável ao aliciamentocomo prioritário do Programa de Crédito Fundiário, nas linhas: Combate à Po-breza Rural, Nossa Primeira Terra e Consolidação da Agricultura Familiar (PlanoMDA/INCRA para a Erradicação do Trabalho Escravo, 2005, p.30 e 31)

iv Observa-se que, em 1994, o primeiro CONSEA realizou a IConferência Nacional de Segurança Alimentar, convocada pelaAção da Cidadania e pelo CONSEA, com o tema “Fome: umaquestão nacional”.

v Discente do curso de graduação em Direito na Faculdade deCiências Humanas e¬¬ Sociais (FCHS) – Unesp – campus de Fran-ca.vi Discentes do curso de graduação em Direito da Faculdade de Ciências Huma-nas e Sociais (FCHS) – Unesp – campus de Franca. vii Folha do Estado. Brasil é referência no combate ao trabalho escravo, diz aOIT. 10 nov. 14. Disponível em:<http://www.folhadoestado.com.br/editorial/pagina/ver/artigos/id/861/titulo/Brasil-e-referencia-no-combate-ao-trabalho-escravo-diz-a-OIT>. Acesso em: 20 abr.2015. viii SAKAMOTO, Leonardo (coord). Trabalho escravo no Brasil do séc. XXI.Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/forced_la-bour/pub/trabalho_escravo_no_brasil_do_%20seculo_%20xxi_315.pdf>. Acessoem: 21 abr. 2015.ix MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL; PROCURADORIA FEDERAL DOSDIREITOS DO CIDADÃO. Diálogos da cidadania: enfrentamento ao trabalhoescravo. Disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/trabalho-escravo/cartilha-trabalho-escravo-pfdc>. Acesso em:

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lho: dano, prevenção e proteção jurídica. São Paulo: LTr, 2002. p. 127. apud SIL-VA, Luciana Aboim Machado Gonçalves da; ROLEMBERG Jamille Carvalho. Aproteção ao meio ambiente do trabalho: o direito ao bem-estar do trabalhador.Revista de Direito do Trabalho. Ano 38. n. 146. abr.-jun./2012. São Paulo: RT. p.375-386. xlv LEITE, Carlos Henrique Bezerra. A ação civil pública e a tutela dos interes-ses individuais homogêneos dos trabalhadores em condições análogas à deescravo. In: Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília v. 71, n. 2, p.146-173, maio/ago. 2005.xlvi BORGES, Fernanda Gabriela; NOZOE, Nelson. Responsabilidade social esustentabilidade na cadeia produtiva do setor de confecção têxtil. Out. 2011.Disponível em: <http://www.fipe.org.br/publicacoes/downloads/bif/2011/10_13-17-fern-nel.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2015. xlvii Ibid.xlviii Ibid.xlix PAULO, Antônio Cesar Lima de; RONDELLI, José Luiz. Condições análo-gas à escravidão na cadeia produtiva do setor têxtil no estado de São Paulo:Lei Estadual nº 14.946. In: R. Tec. Fatec AM. v.2. n.1. p. 57-77. Mar./set. 2014.Disponível em: <http://www.fatec.edu.br/revista/wp-content/uploads/2013/06/Condi%C3%A7%C3%B5es-an%C3%A1logas-%C3%A0-escravid%C3%A3o-na-cadeia-produtiva-do-setor-t%C3%AAxtil-no-Estado-de-S%C3%A3o-Paulo-Lei-Estadual-n.-14.pdf>. Acesso em: 20 abr.2015. l REPÓRTER BRASIL. Especial: flagrantes de trabalho escravo na indústriatêxtil no Brasil. 12 jul. 2012. Disponível em:<http://reporterbrasil.org.br/2012/07/especial-flagrantes-de-trabalho-escravo-na-industria-textil-no-brasil/>. Acesso em: 20 abr. 2015. li REPÓRTER BRASIL. Fiscalização flagra exploração de trabalho escravona confecção de roupas da Renner. 28 nov. 2014. Disponível em:<http://reporterbrasil.org.br/2014/11/fiscalizacao-flagra-exploracao-de-trabalho-escravo-na-confeccao-de-roupas-da-renner/>. Acesso em: 20 abr. 2015. lii REPÓRTER BRASIL. Fiscalização flagra exploração de trabalho escravona confecção de roupas da Renner. 28 nov. 2014. Disponível em:<http://reporterbrasil.org.br/2014/11/fiscalizacao-flagra-exploracao-de-trabalho-escravo-na-confeccao-de-roupas-da-renner/>. Acesso em: 20 abr. 2015. liii REPÓRTER BRASIL. Especial: flagrantes de trabalho escravo na indús-tria têxtil no Brasil. 12 jul. 2012. Disponível em:<http://reporterbrasil.org.br/2012/07/especial-flagrantes-de-trabalho-escravo-na-industria-textil-no-brasil/>. Acesso em: 20 abr. 2015.liv REPÓRTER BRASIL. MPT aciona Justiça para que M.Officer seja banidade São Paulo por explorar escravos. 22 jul. 2014. Disponível em:<http://reporterbrasil.org.br/2014/07/mpt-aciona-justica-para-que-m-officer-seja-banida-de-sao-paulo-por-explorar-escravos/>. Acesso em: 20 abr. 2015.lv MONTEIRO, Laís Landes. A responsabilidade legal e moral do varejo têxtil

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pelo modo de produção empregado em sua cadeia de fornecimento . Disponí-vel em:<http://www.excelenciaemgestao.org/Portals/2/documents/cneg9/anais/T13_2013_0037.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2015.lvi Ibid.lvii REPÓRTER BRASIL. Íntegra da sentença judicial em que Zara é respon-sabilizada por escravidão. Disponível em:<http://reporterbrasil.org.br/2014/04/integra-da-sentenca-judicial-em-que-zara-e-responsabilizada-por-escravidao/>. Acesso em: 22 abr. 2015.lviii REPÓRTER BRASIL. Especial: flagrantes de trabalho escravo na indústriatêxtil no Brasil. Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/2012/07/especial-fla-grantes-de-trabalho-escravo-na-industria-textil-no-brasil/>. Acesso em: 21 abr.2015.lix REPÓRTER BRASIL. Justiça absolve Lojas Marisa em caso de trabalhoescravo. Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/2013/02/justica-absolve-marisa-em-caso-de-trabalho-escravo/>. Acesso em: 22 abr. 2015.lx FOLHA DO ESTADO. Brasil é referência no combate ao trabalho escravo,diz a OIT. 10 nov. 2014. Disponível em:<http://www.folhadoestado.com.br/editorial/pagina/ver/artigos/id/861/titulo/Brasil-e-referencia-no-combate-ao-trabalho-escravo-diz-a-OIT>. Acesso em: 20 abr.2015. lxi. GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial. 10. ed. rev. atual. eampl. Niterói: Impetus, 2013. v. 2. p. 532. lxii BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Secretaria Especial dos DireitosHumanos. Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo - Cona-trae. II Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo. Brasília:SEDH, 2008. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/conatrae/direitos-assegurados/pdfs/pnete-2>. Acesso em: 21 abr. 2015. lxiii Nos seguintes termos o supracitado art. 243 da Constituição Federal de 1988: “Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde fo-rem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de tra-balho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária ea programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário esem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o dis-posto no art. 5º.Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decor-rência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de traba-lho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específi-ca, na forma da lei”.lxiv BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Comissão Especial do Conse-lho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana da Secretaria Especial dos Direi -tos Humanos; Organização Internacional do Trabalho. Plano Nacional Para aErradicação do Trabalho Escravo. Brasília: OIT, 2003. Disponível em:<http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812B21345B012B2ABF15B50089/73

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37.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2015. lxv BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Secretaria Especial dos DireitosHumanos. Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo - Cona-trae. II Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo. Brasília:SEDH, 2008. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/conatrae/direitos-assegurados/pdfs/pnete-2>. Acesso em: 21 abr. 2015. lxvi PAULO, Antônio César Lima de; RONDELLI, José Luiz. Condições análo-gas à escravidão na cadeia produtiva do setor têxtil no estado de São Paulo:Lei Estadual nº 14.946. Disponível em: <http://www.fatec.edu.br/revista/wp-con-tent/uploads/2013/06/Condi%C3%A7%C3%B5es-an%C3%A1logas-%C3%A0-escravid%C3%A3o-na-cadeia-produtiva-do-setor-t%C3%AAxtil-no-Estado-de-S%C3%A3o-Paulo-Lei-Estadual-n.-14.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2015.lxvii Graduanda em Direito pela Faculdade de Direito de Francalxviii Graduanda em Direito pela Faculdade de Direito de Francalxix VIEIRA, Jorge Antonio Ramos. Trabalho escravo: quem é o escravo, quemescraviza e o que escraviza. Palestra proferida no XVIII CONGRESSO BRASI-LEIRO DE MAGISTRADOS, Salvador/BA, 23/10/2003.lxx SENTO-SÉ, Jairo Lins de Albuquerque. Trabalho escravo no Brasil na atua-lidade. São Paulo, LTr, 2000. p. 56.lxxi BALES, Kevin. Disposable people: new slavery in the global economy, 1999.lxxii Organização Internacional do Trabalho. Convenção (29) sobre o trabalhoforçado ou obrigatório. Disponível em:<http://www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/oit/convencoes/conv_29.pdf>.Acesso em: 07. Abr. 2015. lxxiii BRASIL. Ministério Público Federal. Relatório da Relatora Especial sobreformas contemporâneas de escravidão incluindo suas causas e consequênciassobre sua visita ao Brasil. Disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/trabalho-escravo/relatorio-da-relatora-especial-onu-sobre-formas-contemporaneas-de-escravidao>. Acesso em: 15. Mar. 2015.lxxiv SAKAMOTO, Leonardo. (Coord). Trabalho Escravo no Brasil do séculoXXI.2006. OIT. Disponível em:<http://www.oit.org.br/sites/default/files/topic/forced_labour/pub/trabalho_escra-vo_no_brasil_do_%20seculo_%20xxi_315.pdf>. Acesso em: 15. Mar. 2015.lxxv HASHIZUME, Maurício; PYL, Bianca. Roupas da Zara são fabricadas commão de obra escrava. 2011. Disponível em:<http://reporterbrasil.org.br/2011/08/roupas-da-zara-sao-fabricadas-com-mao-de-obra-escrava/>. Acesso em: 10. Mar. 2015.lxxvi HASHIZUME, Maurício; PYL, Bianca. Roupas da Zara são fabricadas commão de obra escrava. 2011. Disponível em:<http://reporterbrasil.org.br/2011/08/roupas-da-zara-sao-fabricadas-com-mao-de-obra-escrava/>. Acesso em: 10. Mar. 2015.lxxvii HASHIZUME, Maurício; PYL, Bianca. Roupas da Zara são fabricadascom mão de obra escrava. 2011. Disponível em:<http://reporterbrasil.org.br/2011/08/roupas-da-zara-sao-fabricadas-com-mao-de-

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obra-escrava/>. Acesso em: 10. Mar. 2015.lxxviii OJEDA, Igor. Zara admite que houve escravidão na produção de suas pe-ças em 2011. Disponível em:http://repórterbrasil.org.br/2014/05/zara-admite-que-houve-escravidao-na-producao-de-suas-roupas-em-2011/.> Acesso em: 10.Mar. 2015.lxxix UNESCO. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponívelem: <http://unesdoc. unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf>. Acessoem: 10. Mar. 2015.lxxx BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Quadro Geral das Operaçõesde Fiscalização para a Erradicação do Trabalho Escravo – SIT/SRTE. Disponí-vel em: <http://portal.mte.gov.br/data/ files/8A7C816A45B26698014625BF23-BA0208/Quadro%20resumo%20opera%C3%A7%C3%B5es%20T.E.%201995%20-%202013.%20Internet.pdf>. Acesso em: 20/03/2015.lxxxi BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Inspeção do Trabalho: Com-bate ao Trabalho Escravo – Atualização Semestral de Julho/2014. Disponívelem:<http://portal.mte.gov.br/trab_escravo/portaria-do-mte-cria-cadastro-de-empresas-e-pessoas-autuadas-por-exploracao-do-trabalho-escravo.htm>. Acessoem: 20. Mar. 2015.lxxxii BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. 1º Plano Nacional para Erra-dicação do Trabalho Escravo. 2003. Disponível em:<http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812B21345B012B2ABF15B50089/7337.pdf>. Acesso em: 25. Mar. 2015.lxxxiii BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. 2º Plano Nacional para Erra-dicação do Trabalho Escravo. 2008.Disponível em:<http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A39E4F614013AD5A314335F16/novopla nonacional.pdf>. Acesso em: 25. Mar. 2015.lxxxiv Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Direito da UNESP – Univer-sidade Estadual Paulista – Câmpus de Franca. Advogado. [email protected] http://lattes.cnpq.br/4323708314077775lxxxv Bacharel em Direito pela UNESP – Universidade Estadual Paulista – Câm-pus de Franca. Advogado. [email protected]://lattes.cnpq.br/4145892056864510lxxxvi São elas: “§ 1º. Nas mesmas penas incorre quem: I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o

fim de retê-lo no local de trabalho;II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documen-

tos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de traba-lho.”.

lxxxvii Na lição de Luis Roberto Barroso (2011, p. 274-275): “O princípio da dig-nidade humana identifica um espaço de integridade a ser assegurado a todas aspessoas por sua só existência no mundo. É um respeito à criação (...). O des-respeito a esse princípio terá sido um dos estigmas do século que se encer-rou e a luta por sua afirmação, um símbolo do novo tempo. Ele representa asuperação da intolerância, da discriminação, da exclusão social, da violência,

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da incapacidade de aceitar o outro, o diferente, na plenitude de sua liberdade deser, pensar e criar. O princípio da dignidade da pessoa humana expressa umconjunto de valores civilizatórios que se pode considerar incorporado ao patri-mônio da humanidade, sem prejuízo da persistência das violações cotidianas aoseu conteúdo.” (g. n.).

lxxxviii Disponível em: <http://portal.mpt.gov.br>. Acesso em: 15/04/2015.lxxxix EMENTA: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 149 DO

CÓDIGO PENAL. REDUÇÃO Á CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO.TRABALHO ESCRAVO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DIREITOSFUNDAMENTAIS. CRIME CONTRA A COLETIVIDADE DOS TRABA-LHADORES. ART. 109, VI DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊN-CIA. JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. AConstituição de 1988 traz um robusto conjunto normativo que visa à proteção eefetivação dos direitos fundamentais do ser humano. A existência de trabalha-dores a laborar sob escolta, alguns acorrentados, em situação de total violaçãoda liberdade e da autodeterminação de cada um, configura crime contra a orga-nização do trabalho. Quaisquer condutas que possam ser tidas como violadorasnão somente do sistema de órgãos e instituições com atribuições para protegeros direitos e deveres dos trabalhadores, mas também dos próprios trabalhado-res, atingindo-os em esferas que lhes são mais caras, em que a Constituiçãolhes confere proteção máxima, são enquadráveis na categoria dos crimes contraa organização do trabalho, se praticadas no contexto das relações de trabalho.Nesses casos, a prática do crime prevista no art. 149 do Código Penal (Reduçãoà condição análoga a de escravo) se caracteriza como crime contra a organiza-ção do trabalho, de modo a atrair a competência da Justiça federal (art. 109, VIda Constituição) para processá-lo e julgá-lo. Recurso extraordinário conhecidoe provido. (STF - RE 398041 - PA. Rel. Min. Joaquim Barbosa. D. J.30/11/2006).

xc Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/2013/02/adolescente-e-resgatada-de-prostibulo-em-belo-monte>. Acesso em: 14/04/2015.

xci A partir da aprovação e promulgação da Emenda, restou assim a redação docaput do art. 243 da Constituição Federal: Art. 243. As propriedades rurais e ur-banas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais deplantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serãoexpropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popu-lar, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sançõesprevistas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º. Parágrafo úni-co. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência dotráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escra-vo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, naforma da lei.”.

xcii Nesse sentido, pode-se destacar o REsp nº 200600862596, de relatoria do Mi-nistro Humberto Martins, julgado em 09/03/2007.

xciii Acadêmica do terceiro ano da Faculdade de Direito de Franca, autarquia Mu-nicipal. Presidente da ONG CVU (Centro Voluntariado Universitário) de Franca.

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xciv Acadêmica do quinto ano da Faculdade de Direito de Franca, autarquia muni-cipal. Ex-bolsista de Iniciação Científica. Intercambista na Universidade de Co-imbra.xcv BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho decente: análise jurídicada exploração, trabalho forçado e outras formas de trabalho indigna. São Paulo,LTr, 2004. p.14xcvi Belisario, Luiz Guilherme. A redução de trabalhadores rurais à condição aná-loga à de escravos: um problema de direito penal trabalhista. p. 117. EditoraLTR. 2005. São Paulo.xcvii Ibid. p. 119.xcviii Organização Internacional do Trabalho – Promovendo o trabalho decente.Trabalho forçado ou obrigado. Disponível em<http://www.oitbrasil.org.br/node/449>. Acesso em: 18 de abril de 2015xcix SILVA, José Antônio Ribeiro de Oliveira. A flexibilização da jornada de tra-balho e seus reflexos na saúde do trabalhador. Palestra proferida no Ciclo de Pa-lestras de Direito do Trabalho e Previdência Social, na Faculdade de Direito daUSP, campus de Ribeirão Preto, no dia 8 de novembro de 2012.c PILATI, José Isaac. Propriedade & Função Social na Pós-Modernidade. 2ªedi-ção. Ed. Lumen Juris. p. 100. 2012, Rio de Janeiro.ci Ibid. p. 102cii Ibid. p. 103ciii COCURUTTO, Ailton. apud. NEVES, Débora Maria Ribeiro. Trabalho escra-vo e aliciamento. p. 170. Ed. LTr. São Paulo. 2012civ Graduando da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” –UNESPcv Um exemplo dessa forma de inclusão por institucionalização de regras sociaisé muito bem notada ao tratar-se dos gestores atípicos da moral na esfera do Di-reito Penal. No racismo, por exemplo, os instrumentos de combate a essa práticapassam pela eleição politica de quais meios detém o status de ser o mais efetivoem eliminar o problema encontrado. Esse instrumento de combate escolhido pos-tula-se em uma dogmática baseada nos princípios institucionais da política públi-ca, no caso em questão na política crimina. O que ocorre, porém é que por maisque a pressão das minorias por inclusão seja o fator de desencadeamento dessareação institucional, a postulação dos modos de fazê-lo é dada a outros grupos,que programam a resposta institucional de acordo com seus interesses, tornandoassim atípico uma conduta que não necessariamente era a discriminada pelo gru-po que pretendeu a inclusão (FERNANDES, 2001). cvi Dados extraídos do site http://www.anpad.org.brcvii Não se pretende aqui em momento nenhum afirmar que as condições de tra-balho na China não necessitam de maiores cuidados e de grandes reformas, massim que tais reformas e estudos sobre os problemas são na maioria dos casos in-frutíferos caso não sejam observadas os fatores de desenvolvimento e lutas poli-ticas internas da comunidade.

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cviii Outro ponto importante a destacar aqui é que weber não pressupõe um “Ma-quiavelismo” humano, ou seja, as ações de dominação não se dão inteiramentede maneira intencional, mas são resultados tanto da ambição quanto da reprodu-ção cultural do humano (BOURDIEU, 2005). cix A necessidade de manutenção de certas formalidades, como expresso acima,foi primeiramente observada por Weber. Ele percebeu que a burocracia dada suareal dimensão, supera as demais formas de administração, por meio da otimiza-ção e da “despersonificação” do aparato governamental, no que se refere a seusfins. Por isso, a concentração de poderes pela autoridade central, quando efetiva-da de maneira impessoal permite uma relativa diminuição da arbitrariedade dasdecisões, de tal maneira que as perspectivas com relação a elas possam ser men-suráveis. cx Utiliza-se aqui o conceito clássico de Aristóteles (2012), apresentado na passa-gem de Retórica:Os oradores inspiram confiança por três razões que são, de fato,as que, além das demonstrações (apódeixis), determinam nossa convicção: (a)prudência/sabedoria prática (phrónesis), (b) virtude (areté) e (c) benevolência(eunóia). Os oradores enganam [...] por todas essas razões ou por uma delas: semprudência, se sua opinião não é correta, se pensando corretamente, não dizem –por causa de sua maldade – o que pensam; ou, prudentes e honestos (epieikés),não são benevolentes; razão pela qual se pode, conhecendo-se a melhor solução,não a aconselhar. Não há outros casos..O conceito supracitado refere-se, portantoas características morais, sociais e afetivas que definem o comportamento de umdeterminado povo, ou características de determinada normalidade cultural. É eleo espirito que motiva as características de ideologia e costumes de uma determi-nada organização social.cxi Importante destacar que o processo de terceirização apresenta-se sempre emcaráter dualístico, ou seja, ocorre sempre ente uma empresa principal intitulada“empresa-mãe” e uma subsidiaria chamada de “empresa terceira”, por isso, uma“empresa-mãe” pode em outras relações empresariais ocupar cargo de terceiriza-da ou vice-versa. Isso é de destaque porque se torna ainda mais difícil a questãode responsabilidade com relação aos empregadores, já que a cadeia produtiva,quando chega nas relações entre empresas se perde (BELUZZO, 1982). cxii A pesquisa completa pode ser acessada via o link:http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BA5F4B7012BAAF91A9E060F/Prod03_2007.pdfcxiii A pesquisa completa pode ser encontrada no site: http://www.akatu.org.br/Te-mas/Cadeias-Produtivas/Posts/SP-agropecuaria-setor-textil-e-construcao-lide-ram-casos-de-trabalho-escravocxiv Todos os casos aqui apresentados constam dos dados disponibilizados no site:http://reporterbrasil.org.br/cxv As usinas de cana de açúcar devem receber uma atenção especial quando setrata do tema. Promoção do consumo de etano realizado pelo Estado brasileiro,principalmente no ano 2000, aumentou em parcelas significativas tanto sua áreade cultivo quanto o consumo desse produto. Entretanto, o mercado encontrava-sepouco preparado para uma demanda tão grande – em razão da baixa nos preços-

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o que aumentou consequentemente as violações de direitos trabalhistas no setor.Segundo dados disponibilizados pela CPT, mais de 10 mil trabalhadores de canaforam encontrados em condições análogas a de escravo em refinarias e usinas deetano, no período de 2003 até 2010. Segundo a mesma pesquisa, apenas 28% dototal de resgatados não voltaram a desempenhar atividades similares. cxvi Interessante notar que as empresas varejistas mencionadas, juntamente comoo McDonald’s e o Marfig são todas signatárias do Pacto nacional pela Erradica-ção do trabalho Escravo, sendo que metade delas assinaram o pacto antes de2007.cxvii Englobando todas essas considerações, tem-se em Habermas que os princí-pios para o modelo de Estado Liberal, tais como a igualdade formal perante a lei;a autonomia da vontade; a liberdade contratual dentre outros, fazem do direitopositivo um critério um pouco mais seguro para a ação do cidadão, por garanti-rem um menor subjetivismo, ao mesmo tempo em que incorporam valores com-preensíveis as massas. (2002).cxviii Aluna do 4º ano de Direito na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mes-quita Filhocxix GHISLENI, Alexandre Peña. Direitos humanos e segurança internacional:o tratamento dos temas de direitos humanos no Conselho de Segurança das Na-ções Unidas. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011.cxx Idem. p. 15.cxxi A obra Direitos humanos e segurança internacional: o tratamento dos temasde direitos humanos no Conselho de Segurança das Nações Unidas de AlexandrePeña Ghisleni é fruto de sua pesquisa para a dissertação para o Curso de AltosEstudos do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores.cxxii Proposta de Resolução S/2007/14. Disponível em:<http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/2007/14> Acesso em16 abr. 2015.cxxiii GHISLENI, Alexandre Peña. Direitos humanos e segurança internacio-nal. Op. cit. p. 15.cxxiv Artigo 39. O Conselho de Segurança determinará a existência de qualquerameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão, e fará recomendações ou decidi-rá que medidas deverão ser tomadas de acordo com os Artigos 41 e 42, a fim demanter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais.cxxv Filha de Aung San, líder do movimento libertário Birmanês, Aung San SuuKyi nasceu em 1945 e estudou no exterior, onde se casou e teve dois filhos. Em1988 retornou à Birmânia para cuidar de sua mãe doente e encontra um violentomovimento de repressão contra um levantamento massivo de oposição ao gover-no militar. Nesse momento escreve uma carta aberta ao governo requerendo aformação de um comitê independente para apoiar eleições diplomáticas e discur-sa para grandes reuniões políticas desafiando a proibição do regime. Em 1989 foisentenciada a prisão domiciliar, permanecendo quase de forma contínua na pri-são até 13 de novembro de 2010. Em 1991 foi laureada com o Prêmio Nobel daPaz.

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cxxvi Proposta de Resolução S/2007/14. p. 2.cxxvii Ata da Reunião S/PV.5619 de 12 de janeiro de 2007. Disponível em:<http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/PV.5619> Acesso em:16 de abr. de 2015.cxxviii Idem. p. 7.cxxix Os militares estão no poder na Birmânia desde 1962, e modificaram o nomedo país para Myanmar em 1989. A nova designação foi aceita pela ONU e paísescomo França e Japão, entretanto, Estados Unidos e Reino Unido recusam-se aaceitar. Isso se dá em oposição ao regime militar estabelecido, que impede o es-tabelecimento de um regime democrático no país e perpetra diversas violaçõesdos direitos humanos. O linguista Richard Coates, da Universidade de WesternEngland, afirma que Birmânia é o termo comumente utilizado pela população, aopasso que Myanmar refere-se à maneira literária formal de designação, isso mes-mo antes de o governo alterar o nome do país, sendo assim, “local oppositiongroups do not accept that, and presumably prefer to use the 'old' colloquial name,at least until they have a government with popular legitimacy. Governments thatagree with this stance still call the country Burma.” Mais informações disponí-veis em: <http://news.bbc.co.uk/2/hi/7013943.stm> Acesso em: 16 de abr. de2015.cxxx GHISLENI, Alexandre Peña. Direitos humanos e segurança internacional.Op. cit. p. 42.cxxxi PELLET, Alain; COT, Jean-Pierre. La Charte des Nations Unies: commen-taire article par article. p. 655 apud GHISLENI, Alexandre Peña. Direitos huma-nos e segurança internacional. Op. cit. p. 51.cxxxii PATRIOTA, Antônio de Aguiar. O Conselho de Segurança após a Guerra doGolfo: a articulação de um novo paradigma de segurança coletiva. 2. ed. Brasília:Fundação Alexandre de Gusmão, 2010. p. 28. apud GHISLENI, Alexandre Peña.Direitos humanos e segurança internacional. Op. cit. p. 52.cxxxiii GHISLENI, Alexandre Peña. Direitos humanos e segurança internacional.Op. cit. pp. 52-53.cxxxivArtigo 2º, §7º. Nenhum dispositivo da presente Carta autorizará as NaçõesUnidas a intervirem em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição dequalquer Estado ou obrigará os Membros a submeterem tais assuntos a uma solu-ção, nos termos da presente Carta; este princípio, porém, não prejudicará aaplicação das medidas coercitivas constantes do Capítulo VII. cxxxv Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em: <http://www.dudh.org.br/wp-content/uploads/2014/12/dudh.pdf> Acesso em:27/03/15.cxxxvi GHISLENI, Alexandre Peña. Direitos humanos e segurança internacional.Op. cit. p. 44.cxxxvii Idem.cxxxviii Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em: <http://www.dudh.org.br/wp-content/uploads/2014/12/dudh.pdf> Acesso em:27/03/15.

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cxxxix Artigo 2º, inciso 1. Para fins desta Convenção, a expressão "trabalho for-çado ou obrigatório" compreenderá todo trabalho ou serviço exigido de umapessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontanea-mente. Disponível em: <http://www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/oit/conven-coes/conv_29.pdf> Acesso em: 22 de abr. de 2015.cxl Idem.cxli ARTIGO 15°. Derrogação em caso de estado de necessidade: 1. Em caso de guerra ou de outro perigo público que ameace a vida da nação,qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providências que derroguem as obri-gações previstas na presente Convenção, na estrita medida em que o exigir a situ-ação, e em que tais providências não estejam em contradição com as outras obri-gações decorrentes do direito internacional. 2. A disposição precedente não autoriza nenhuma derrogação ao artigo 2°,salvo quanto ao caso de morte resultante de actos lícitos de guerra, nem aosartigos 3°, 4° (parágrafo 1) [acerca da proibição da escravatura e do traba-lho forçado] e 7°. (...) Disponível em: <http://www.echr.coe.int/Documents/Convention_POR.pdf> Acesso em: 22 deabr. de 2015.cxliiArtigo 27º. Suspensão de garantias: 1. Em caso de guerra, de perigo público, ou de outra emergência que ameace aindependência ou segurança do Estado Parte, este poderá adotar disposições que,na medida e pelo tempo estritamente limitados às exigências da situação, suspen-dam as obrigações contraídas em virtude desta Convenção, desde que tais dispo-sições não sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhe impõe o Direi-to Internacional e não encerrem discriminação alguma fundada em motivos deraça, cor, sexo, idioma, religião ou origem social. 2. A disposição precedente não autoriza a suspensão dos direitos determinadosnos seguintes artigos: 3º (Direito ao reconhecimento da personalidade jurídica),4º (Direito à vida), 5º (Direito à integridade pessoal), 6º (Proibição da escravi-dão e servidão), 9º (Princípio da legalidade e da retroatividade), 12º (Liberdadede consciência e de religião), 17º (Proteção da família), 18º (Direito ao nome),19º (Direitos da criança), 20º (Direito à nacionalidade), e 23º (Direitos políticos),nem das garantias indispensáveis para a proteção de tais direitos. (...) Disponívelem: <http://www.rolim.com.br/2002/_pdfs/pactoSanJose.pdf> Acesso em: 22 deabr. de 2015.cxliii PIOVESAN, Flávia Cristina. Trabalho escravo e degradante como forma deviolação aos direitos humanos. In: VELLOSO, Gabriel; NEVES FAVA, Marcos(Coords.). Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação.São Paulo: LTr, 2006. p. 151-165. p. 145.cxliv HUMAN RIGHTS DOCUMENTATION UNIT OF THE NATIONALCOALITION GOVERNMENT OF THE UNION OF BURMA – Burma HumanRights Yearbook 2008. Disponível em: <http://www.burmalibrary.org/docs08/HRYB2008.pdf> Acesso em: 16 de abr. de2015.cxlv Burma’s exiled government dissolved. Disponível em: <http://mizzimaen-

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glish.blogspot.com.br/2012/09/burmas-exiled-government-dissolved.html>Acesso em: 22 de abr. de 2015.cxlvi Foto fornecida por Reuters. HUMAN RIGHTS DOCUMENTATION UNITOF THE NATIONAL COALITION GOVERNMENT OF THE UNION OFBURMA. Op. cit. capa.cxlvii HUMAN RIGHTS DOCUMENTATION UNIT OF THE NATIONALCOALITION GOVERNMENT OF THE UNION OF BURMA. Op. cit. p. 295.cxlviii HUMAN RIGHTS DOCUMENTATION UNIT OF THE NATIONALCOALITION GOVERNMENT OF THE UNION OF BURMA. Op. cit. p. 296.cxlix Crimes against humanity in eastern Myanmar (AI Index: ASA 16/011/2008),Amnesty International, June 2008. apud HUMAN RIGHTS DOCUMENTA-TION UNIT OF THE NATIONAL COALITION GOVERNMENT OF THEUNION OF BURMA. Op. cit. p. 297.cl “Junta Harrassing Burma’s Cyclone Survivors,” United Press International, 1July 2008. apud HUMAN RIGHTS DOCUMENTATION UNIT OF THE NA-TIONAL COALITION GOVERNMENT OF THE UNION OF BURMA. Op.cit. p. 298.cli Foto fornecida por FBR. HUMAN RIGHTS DOCUMENTATION UNIT OFTHE NATIONAL COALITION GOVERNMENT OF THE UNION OFBURMA. Op. cit. p. 320.clii Foto fornecida por KHRG. HUMAN RIGHTS DOCUMENTATION UNITOF THE NATIONAL COALITION GOVERNMENT OF THE UNION OFBURMA. Op. cit. p. 349.cliii Foto fornecida por KHRG. HUMAN RIGHTS DOCUMENTATION UNITOF THE NATIONAL COALITION GOVERNMENT OF THE UNION OFBURMA. Op. cit. p. 346.cliv HUMAN RIGHTS DOCUMENTATION UNIT OF THE NATIONALCOALITION GOVERNMENT OF THE UNION OF BURMA. Op. cit. p. 310.clv The Human Cost of Energy: Chevron’s Continuing Role in Financing Oppres-sion and Profiting From Human Rights Abuses in Military-Ruled Burma (Myan-mar), EarthRights International, April 2008. apud HUMAN RIGHTS DOCU-MENTATION UNIT OF THE NATIONAL COALITION GOVERNMENT OFTHE UNION OF BURMA. Op. cit. p. 312.clvi Jornada de debates sobre trabalho escravo (I Jornada de debates sobre traba-lho escravo) – Brasília: OIT, 2003, p. 44. apud PENA, Tânia Mara Guimarães.Trabalho em condições análogas à de escravo: violação de direitos humanos.Disponível em: <http://jurisvox.unipam.edu.br/documents/48188/50566/Traba-lho-em-condicoes-analogas.pdf> Acesso em: 22 de abr. de 2015.clvii Mestrando pela Universidade Estadual Paulista - UNESP. Especialista em Di-reito das Famílias pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU. Membro doInstituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Membro do Grupo - Ob-servatório de Bioética e Direito da Universidade Estadual Paulista - UNESP. Ad-vogado.clviii Doutora em Direito pela Universidad de Barcelona. Professora na graduação

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e pós-graduação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho(UNESP).clix (...) em outras palavras, como é que o rendimento da produção deveria ser di-vidido entre o trabalho e o capital? - tem estado sempre no coração do conflitodistributivo. Nas sociedades tradicionais, as bases da desigualdade social e causamais comum de rebelião foi o conflito de interesses entre senhorio e camponeses,entre os que possuíam terras e aqueles que a cultivaram com seu trabalho, aque-les que receberam rendas de terrenos e aqueles que pagavam essas rendas. A Re-volução Industrial aumentou o conflito entre capital e trabalho, talvez porque aprodução se tornou mais intensiva em capital do que no passado (fazendo uso demáquinas e exploração dos recursos naturais mais do que nunca) e, talvez, tam-bém, porque as esperanças de uma distribuição de renda mais equitativa e umaordem social mais democrática foram frustradas. (PIKETTY, 2014, tradução nos-sa).

clx Acadêmico do quarto ano da Faculdade de Direito de Franca.clxi ARTIGO IV da DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOSHUMANOS. Proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 dedezembro de 1948.clxii Imigrantes escravizados pela marca de roupas Zara foram libertos em 2011, oque deu visibilidade mundial à exploração de latino-americanos no meio urbanono setor têxtil da cidade de São Paulo.clxiii Publicação que reuniu pesquisas incluindo o tráfico humano e o trabalhoescravo contemporâneo como trabalho forçado em escala global, analisando oscustos e os benefícios para quem exerce poder de exploração e estabelecendouma relação direta com sólidas evidências entre a sujeição ao trabalho escravo ea situação econômica vulnerável do imigrante.clxiv Advogado e Bacharel em Direito pela Univem/Marília – SP. Bacharel e Li-cenciado em Ciências Sociais/Unesp/Marília - SPclxv Graduando em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USPclxvi WHITMAN, James Q. What is wrong with inflicting shame sanctions? YaleFaculty Scholarship Series, v. 107, 1998, p. 1061.clxvii SKEEL JR, David A. Shaming in corporate law. University of PennsylvaniaLaw Review, v.149, n. 6, 2001, p. 1811-1815. clxviii SOUSA FILHO, José Milton de; et al, Strategic corporate social responsi-bility management for competitive advantage, Braz. Adm. Rev., Curitiba , v.7, n. 3, Set. 2010, p. 297-301. Ler também: SILVEIRA, Renato de Mello Jorge;SAAD-DINIZ, Eduardo. Criminal compliance: os limites da cooperação norma-tiva quanto à lavagem de dinheiro. In: Revista Peruana de Ciencias Penales, n.25/2013, pp. 600 e ss. clxix Como exemplo de “efeito negativo” à estima do infrator, pode-se destacar acriação, pela lei 12.846/2013, do Cadastro Nacional de Empresas Punidas(CNEP), o qual visa a dar publicidade às sanções aplicadas às empresas envolvi-das em caso de corrupção. Constará no referido cadastro, além do número de ins-

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crição da pessoa jurídica, também a sua razão social, tornando relativamentefácil ao público saber de seus comportamentos ilícitos.clxx Shaming in corporate law cit. (nota 2 supra), p. 1812.clxxi SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do direito penal: aspectos dapolítica criminal nas sociedades pós-industriais, 3ª ed. São Paulo: Revista dosTribunais, 2013, p. 189.clxxii Em crítica a Günther Teubner, DINIZ, EDUARDO SAAD. Fronteras delnormativismo: a ejemplo de las funciones de la información en los programas decriminal compliance, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de SãoPaulo, v. 108, jan. 2013, p. 436-437.clxxiii NUNOMURA, E. Y. O mensalão impresso: o escândalo politico-midiáticodo governo Lula nas páginas de Folha e Veja, 2012. 210 f. Dissertação (Mestra-do) – Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo,2012. p. 74.clxxiv DYCK, Alexander; ZINGALES, Luigi. The corporate governance role ofthe media. CRSP Working Paper, n. 543, ago. 2002, p. 4.clxxv The corporate governance role of the media cit (nota 9 supra), p. 2.clxxvi DYCK, Alexander; MORSE, Adair; ZINGALES, Luigi. Who blows thewhistle on corporate fraud?, The Journal of Finance, v. 65, n. 6, dez. 2010, p.2213-2253.clxxvii Sobre governança corporativa no âmbito da saúde, VILAR, Josier Marques.Governança corporativa em saúde: receita de qualidade para as empresas do se-tor, Rio de Janeiro: Mauad X, 2007.clxxviii Sobre o tema whistleblowing, RAGUÉS I VALLÈS, Ramon. Whistle-blowing: una aproximación desde el derecho penal, Madri: Marcial Pons, 2013. clxxix Shaming in corporate law cit. (nota 2 supra), p. 1813-1816.clxxx SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 9ª ed. SãoPaulo: Malheiros, 1994. p. 718.clxxxi SHECAIRA, Sérgio Salomão. Estudos do direito penal, v.1, 2ª ed. Rio deJaneiro: Forense, 2010. p. 31-43. clxxxii CARSON, Thomas L. Bribery, Extortion, and "The Foreign CorruptPractices Act", Philosophy & Public Affairs, v.14, n. 1, 1985, p. 66-67. clxxxiii Segundo notícia veiculada em 1º de janeiro de 2015, no site do G1. Dispo-nível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/01/liminar-do-stf-sus-pende-divulgacao-de-lista-suja-de-trabalho-escravo.html>. Acesso em:30/03/2015.clxxxiv Segundo notícia veiculada em 7 de março de 2015, no site do Greenpeace.Disponível em: <http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/Habemus-Lista-Suja-do-trabalho-escravo/>. Acesso em: 30/03/2015.clxxxv What’s wrong with inflicting shame sanctions? cit. (nota 1 supra), p. 1089.clxxxvi Shaming in corporate law cit. (nota 2 supra), p. 1823-1825.clxxxvii Sobre o assunto, vide: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão noAgravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 548.181/PR. Relatora: Weber,

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Rosa. Publicado no DJ de 14-05-2013.clxxxviii SUTHERLAND, Edwin H., White-collar criminality, American Sociolo-gical Review, v. 5, n. 1, fev. 1940, p. 2-3.clxxxix TIEDEMANN, Klaus. Derecho penal económico: introductión y parte ge-neral. Lima: Grijley, 2009, p. 232-234.cxc BRAITHWAITE, John. Corporate crime in the pharmaceutical industry, Lon-dres, Routledge and Kegan Paul, 1984, p.325. No mesmo sentido, COFFEE JR.,John. Making the punishment fit the corporation: the problems of finding an op-timal corporation criminal sanction. In: Northern Illinois University Law Review,1980, pp. 04 e ss.cxci Vide reportagens de 24 de julho de 2013, em The Guardian, disponível em:<http://www.theguardian.com/sustainable-business/brazil-dirty-list-names-shames-slave-labour>. Acesso em 10/04/2015; e de 3 de janeiro de 2012, em TheSeattle Times, disponível em: <http://old.seattletimes.com/html/businesstechno-logy/2017150027_apltbrazilslavelabor.html>. Acesso em 10/04/2015.cxcii Vide, por exemplo, notícia divulgada por O Estado de S. Paulo em 17 deagosto de 2011, disponível em: < http://economia.estadao.com.br/noticias/nego-cios,zara-e-envolvida-em-denuncia-de-trabalho-escravo,80618e>.cxciii Vide notícia divulgada por Veja em 21 de maio de 2014, disponível em:<http://veja.abril.com.br/noticia/economia/zara-admite-que-havia-trabalho-escravo-em-sua-cadeia-produtiva/>. Acesso em 10/04/2015.cxciv Vide notícia divulgada por IstoÉ em 30 de maio de 2014, disponível em: <http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/negocios/20140530/zara-tenta-limpar-sua-imagem/159412.shtml>. Acesso em: 10/04/2015.