greve de trabalhadores na justiça do trabalho

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Resumo Com base em um processo trabalhista, o artigo analisa uma greve no ramo têxtil baiano em 1948. Logo depois de con- cluída, levada à Justiça do Trabalho, a greve foi objeto de uma queixa patronal, cujo ganho de causa motivou farta do- cumentação comprobatória, no artigo retrabalhada como fonte para a pesqui- sa. Como fenômeno, a greve, ao mesmo tempo em que pontua o encerramento do ciclo grevista do pós-guerra, apre- senta aspectos que se entrelaçam com características gerais do intervalo 1945- 1964 (e além). O modo como a greve foi processada na Justiça do Trabalho faz ver como o sistema político, diante da presença do movimento operário, pro- curou aplacar temores e tensões conten- do a insinuação dos trabalhadores, co- mo uma classe, em cenário cujo conteúdo democrático o fim da ditadu- ra do Estado Novo exigia. Palavras-chave: trabalhadores; indústria têxtil; Justiça do Trabalho; Bahia; greve. Abstract Based on a labor court case, this articles focuses on a strike in the textile industry of Bahia in 1948. After the strike ended the employers went to the Labor Court. Proving the strike to be illegal resulted in the production of much documenta- ry evidence, used here as a historical source. As a phenomenon, the strike, which marks the end of a cycle of strikes in the post-war years, also has aspects related to the 1945-1964 period in Brazil (and later). The way it was treated by the Labor Court shows how the political system, in dealing with the labor move- ment, sought to minimize its fears and tensions by containing the insinuations of workers as a social class, in a scenario whose democratic content strongly de- manded the end of the Estado Novo dic- tatorship. Keywords: workers; textile industry; La- bor Court; Bahia; strike. * Programa de Pós-Graduação em História. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal da Bahia (UFBA). Estrada de São Lázaro, 197 – Federação. 40210-730 Salvador – BA – Brasil. [email protected] “Não trabalhou porque não quis”: greve de trabalhadores têxteis na Justiça do Trabalho (Bahia, 1948) “He did not work because he did not want to”: a textile strike in the Labor Court (Bahia, 1948) Antonio Luigi Negro* Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 32, nº 64, p. 101-128 - 2012

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  • ResumoCom base em um processo trabalhista, o artigo analisa uma greve no ramo txtil baiano em 1948. Logo depois de con-cluda, levada Justia do Trabalho, a greve foi objeto de uma queixa patronal, cujo ganho de causa motivou farta do-cumentao comprobatria, no artigo retrabalhada como fonte para a pesqui-sa. Como fenmeno, a greve, ao mesmo tempo em que pontua o encerramento do ciclo grevista do ps-guerra, apre-senta aspectos que se entrelaam com caractersticas gerais do intervalo 1945-1964 (e alm). O modo como a greve foi processada na Justia do Trabalho faz ver como o sistema poltico, diante da presena do movimento operrio, pro-curou aplacar temores e tenses conten-do a insinuao dos trabalhadores, co-mo uma classe, em cenrio cujo contedo democrtico o fim da ditadu-ra do Estado Novo exigia.Palavras-chave: trabalhadores; indstria txtil; Justia do Trabalho; Bahia; greve.

    AbstractBased on a labor court case, this articles focuses on a strike in the textile industry of Bahia in 1948. After the strike ended the employers went to the Labor Court. Proving the strike to be illegal resulted in the production of much documenta-ry evidence, used here as a historical source. As a phenomenon, the strike, which marks the end of a cycle of strikes in the post-war years, also has aspects related to the 1945-1964 period in Brazil (and later). The way it was treated by the Labor Court shows how the political system, in dealing with the labor move-ment, sought to minimize its fears and tensions by containing the insinuations of workers as a social class, in a scenario whose democratic content strongly de-manded the end of the Estado Novo dic-tatorship.Keywords: workers; textile industry; La-bor Court; Bahia; strike.

    * Programa de Ps-Graduao em Histria. Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas. Universidade Federal da Bahia (UFBA). Estrada de So Lzaro, 197 Federao. 40210-730 Salvador BA Brasil. [email protected]

    No trabalhou porque no quis: greve de trabalhadores txteis

    na Justia do Trabalho (Bahia, 1948)He did not work because he did not want to: a textile strike in the Labor Court (Bahia, 1948)

    Antonio Luigi Negro*

    Revista Brasileira de Histria. So Paulo, v. 32, n 64, p. 101-128 - 2012

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    Em artigo inspirador,1 Jos Srgio Leite Lopes escreveu sobre o ciclo gre-vista que marca a nossa histria poltica e social. De 1978 a 1980, em todo o pas, greves despertaram tanto medo e surpresa quanto expectativas. De um lado, interceptaram analistas e lderes habituados (nos seus diversos matizes) a previses ou esteretipos tranquilizantes acerca dos operrios na sociedade. Passividade e fatalismo, debilidade e servilismo, despreparo e maus modos, falta de argcia e de valores esclarecidos dentre outras desvantagens im-pediam os trabalhadores de serem protagonistas de relevo. Nesse modo de ver, as causas desse estado de coisas no se resumiam apenas represso di-tatorial dos anos 1970. Elas deitariam razes em solo rural, tendo se difundido mediante sucessivas ondas migratrias do campo para a cidade. Atvicos que eram, contingentes migrantes amoldados espoliao inundavam as cidades com valores e prticas vistos como atrasados.2 Ante as greves, porm, essas certezas ruram.

    Ao mesmo tempo, surgiram expectativas. Antevendo possveis desdobra-mentos, um observador sentiu-se diante da insinuao de um novo sujeito poltico. Ainda em 1978, e com ttulo sugestivo Um partido para os traba-lhadores , ele notou movimentao objetivando o lanamento de um par-tido trabalhista (com base eleitoral nas grandes So Paulo e ABC). Tal incli-nao foi exposta junto notcia de que os operrios no aceitam mais nem os extremistas de direita, nem os de esquerda; no aceitam quem quer que esteja disposto a manobr-los como massa e como instrumento, como acon-teceu no passado, no importa a ... ideologia.

    Conforme o autor, equivocavam-se os que julgavam possvel utilizar os trabalhadores criando partidos para eles.3 Uma pgina estava para ser virada; era o que seu raciocnio induzia. Aparentemente, no s havia base social para um partido baseado na classe trabalhadora como tambm havia uma viso poltica inusitada entre os trabalhadores.4

    Leite Lopes olhou para o mesmo fenmeno de outra perspectiva e matizou o carter de ruptura a ele associado. Ao reparar a persistncia do passado (o pr-64), junto novidade (o ps-78), apontou para o que era perdido quando a referncia central eram as grandes indstrias de So Paulo: a continuidade de uma cultura de classe com lastro em movimentos sociais e prticas de re-sistncia fora das metrpoles fabris. Havia, por conseguinte, todo um campo pouco explorado, o dos trabalhadores nas fbricas das pequenas cidades. Em minas, ou nas usinas de acar e txteis, em velhas metalrgicas e siderrgicas espalhadas em variados espaos regionais , constituram-se grupos oper-

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    rios de origem rural cuja identidade de classe foi elaborada em constante con-tato com a dominao patronal. Uma forma de dominao especfica, a fbri-ca com vila operria, que envolvia a moradia e o dia a dia da comunidade operria, indo alm da explorao no processo de trabalho.

    Embora no seja possvel afirmar que Salvador era uma das cidades pe-quenas que Leite Lopes tinha em mente, uma semelhante comunidade ope-rria marcada pelo binmio fbrica e vila operria, com a presena de mili-tncia comunista que transparece no processo trabalhista aberto pela queixa da firma Companhia Progresso e Unio Fabril da Bahia (CPUFB), detentora da fbrica So Braz, propriedade dos Martins Catharino. Seu alvo: 17 reclama-dos, isto , 17 operrios homens adultos txteis da So Braz, todos mora-dores em suas vizinhanas, no bairro suburbano e ferrovirio de Plataforma (Salvador, Bahia), em 1948.5 Esses trabalhadores figuram no processo por te-rem entrado em greve ao arrepio da legislao e instituies existentes. Falta grave coletiva, assim dito. Seu objetivo, perante tribunal trabalhista, era obter autorizao legal para proceder demisso dos reclamados todos estveis no emprego.

    Estudando o processo em detalhe, formou-se a hiptese de que no se tratava apenas de um empregador em af de livrar-se de 17 funcionrios. A ressonncia que a paralisao da So Braz obteve ps em relevo a capacidade de seu alcance. Logo, algo mais se entrelaa s peas do litgio quando o enxer-gamos no contexto do funcionamento do sistema democrtico sob a gide da Constituio de 46. Percorrendo suas 270 folhas, detectam-se rastros de uma ofensiva sobre linhas adversrias. Com o empregador pleiteando Justia do Trabalho autorizao para demitir, parece que soava a hora de investir contra um incmodo ncleo do movimento operrio numa fbrica importante do ramo industrial txtil baiano.

    Quando da ecloso da greve em Plataforma em 1948, vale notar, o Sindi-cato dos Trabalhadores nas Indstrias de Fiao e Tecelagem da Cidade do Salvador (STIFTCS) j sofria interveno do Ministrio do Trabalho. Antes, em 1947, havia sido a vez de o Partido Comunista Brasileiro (PCB) ser pros-crito. Se partido e sindicato eram alvo de neutralizao, restava a degola dos cabeas que emergiram na macia expresso pblica que a classe trabalhadora protagonizava desde 1945. Para tal, atormentou-se a vida de trabalhadores pobres. Aos Trabalhadores e Povo da Bahia, assim os teceles se dirigem ao pblico. Procuramos entendimentos, mas nos responderam com a polcia. Isso nos obrigou a ir greve, explicam-se. Pedem auxlio aos companheiros

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    das oficinas e das fbricas, dos portos e das estivas, das estradas de ferro, das usinas de acar, dos curtumes, dos padeiros, dos transvirios, dos estudantes, do povo dos bairros.6

    Um processo como o que se aborda aqui corrobora o potencial dos acer-vos da Justia do Trabalho para explorar a questo que Marcus de Carvalho formulou ao frisar o problema da participao poltica das classes subalternas. A pergunta sobre se eram uma massa de manobra disposta aos interesses das camadas superiores (ou se iam alm do roteiro estabelecido) respondida com a investigao de lideranas capazes de intermediar as relaes entre a haute politique partidria e os interesses imediatos dos trabalhadores.7 O que se ver aqui a presena de ativistas locais no s relevantes para sua comu-nidade residente no bairro suburbano ferrovirio de Plataforma como tambm para a organizao do PC no meio operrio, consistindo em base eleitoral para a poltica de massas do ps-45 (objeto de desejo da competio partidria). Logo, no era apenas um castigo contra quem perturbava o sistema de fbrica: era uma inciso para cortar os ns que os trabalhadores da So Braz urdiam com redes capazes de defrontar-se com a influncia das elites empre-sariais, polticas ou da institucionalidade trabalhista. De todo modo, o proces-so no permite ver, de modo cristalino, a abrangncia e energia dessas redes, pois voltou-se contra os 17 reclamados como os responsveis pelos problemas da fbrica. Alm disso, este artigo sonda outras possibilidades de anlise aber-tas por uma fonte como essa processo trabalhista cuja queixa provm do empregador.8 Cruzando as fontes e a bibliografia, h questes valiosas na His-tria Social da poltica na Bahia.

    Difcil democracia

    Em sua dissertao sobre o exerccio da hegemonia pela burguesia na Bahia, o socilogo Antnio Srgio Guimares aborda o novo sistema de repre-sentao poltica implantado aps o Estado Novo. Afora o Partido Social De-mocrtico (PSD) e a Unio Democrtica Nacional (UDN), diz ele que uma terceira fora poltica que se projeta so os trabalhadores fabris e profissionais organizados ou gravitando ideologicamente em torno do Partido Comunista. Com efeito, na Bahia, o PC, apesar da concorrncia do getulismo, possua respaldo no movimento sindical. Contudo, Guimares pondera que talvez sua maior importncia residisse na luta ideolgica, na qual o pensamento

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    marxista se amplifica atravs da atuao das organizaes estudantis e se es-palha aos setores profissionais e de classe mdia.9

    O que explica a eventual maior importncia do segmento estudantil, pro-fissional e de classe mdia no interior do PCB no apenas o seu papel que se amplifica na disputa doutrinria, abafando a variedade das experincias sociais. O que tambm pode explicar esse deslizamento o partido que diz ser da classe operria vir a ter maior relevncia com a disputa ideolgica o fato de bacharis, profissionais e a militncia profissionalizada amealharem mais po-sies no aparelho partidrio e na sua imprensa, sobretudo quando, por um lado, os movimentos sociais sofrem com a adversidade econmica e a repres-so e, por outro, a radicalizao conduz ao isolamento institucional (caracte-rsticas do ano da greve aqui analisada).10

    Por causa disso ainda h que se conhecer melhor os movimentos sociais e as experincias dos subalternos na Bahia, inclusive em partidos como o co-munista, e ento parte da relevncia creditada aos setores mdios poder ser revista. Em momento em que as pesquisas sobre Justia do Trabalho eram incipientes, Jos Raimundo Fontes trouxe tona trabalhadores atuantes em trmites judicirios.11 Alm de ter conseguido fazer pesquisa sobre esse tema com notcias da imprensa, Fontes tratando de conjuntura imediatamente anterior deste artigo encontrou a mesma queixa patronal aqui analisada. Em novembro de 1946, afastaram do servio Joo Ribeiro dos Passos, que no s era comunista e lder do movimento operrio como tambm empregado da Companhia Linha Circular de Carris (firma concessionria dos servios de bondes e elevadores de Salvador). Ao empregador coube provar, publicamen-te, perante autoridade judicial, a falta grave do empregado. Sem isso no havia como assentar a justa causa, pois o reclamado era estvel no emprego. A sen-tena, que foi emitida no final de 1947, proferiu em tom conciliatrio a dis-pensa com indenizao, sendo depois recebida com festa nas ruas de Salvador. Ecoados nas ruas, os comunistas ainda tiveram o que comemorar. Desfilaram sem embaraos. Foi um contentamento que no tinha como durar, pois a Guerra Fria fechava o horizonte.12

    A Guerra Fria provocou resultados similares aos que Paulo Fbio Dantas Neto identifica nos efeitos do Golpe de 1964. Ao receber a anuncia das elites polticas da Bahia, a derrubada de Jango removeu requerimentos de moder-nidade poltica de sua escrupulosa sensibilidade, cancelando-se prticas como a garantia de liberdades individuais, responsabilidade poltica dos governos

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    perante instituies representativas, fomento ao pluralismo, ampliao da competitividade na sociedade poltica e do escopo social da cidadania.13

    Problemas decorrentes dessa renncia em 1964 reduo drstica do nmero de atores polticos, interdio do pluralismo, bloqueio da veicu-lao diferenciada de interesses vindos de baixo, mais o expurgo de comu-nistas so, de modo pontual, detectados no processo trabalhista analisado aqui, datado em 1948, e que apontam para as dificuldades na constituio de uma sociedade civil forte (Dantas Neto, 2006, p.246, 159). Se a Castelo Branco coube caar e cassar o sindicalismo, a Dutra, de modo similar, j havia cabido abater e sepultar tanto o getulismo quanto o movimento operrio do ps--guerra, no qual o PCB era uma alternativa visvel, popular e macia. No en-tanto, dado que Dutra foi eleito presidente de forma democrtica em 1946, ele no recebeu a mesma encomenda de arrumar a casa conforme verificou-se com Castelo. No houve espao, por exemplo, para dar fim ao Partido Traba-lhista Brasileiro (PTB) e ao getulismo. Nem tampouco o movimento operrio e os comunistas foram abatidos. Mas o degredo do PC, o anticomunismo, as intervenes nos sindicatos, a liquidao das comisses de fbrica, a represso policial e as demisses, dentre outras iniciativas, derrearam a prtica demo-crtica renascida no ps-guerra e atestam, por conseguinte, a renncia aos requerimentos da modernidade poltica. Essa renncia, que alis no foi uma peculiaridade baiana, deu-se em tempo de abertura, que a constante rejeio ao Estado Novo incitava. Sucedida em pleno estado de direito, nem imposta nem resignada, era um descarrego. Liberava impulsos conservadores e deso-brigava do convvio com ativistas, sindicatos, comits de fbrica e de bairros, associaes, trabalhadores, manifestaes e greves.14

    Em 1948, atingiu-se o movimento operrio em Plataforma no s porque os teceles da fbrica So Braz encabearam uma greve que, de uma paralisao fabril local, tornou-se ponta de lana para uma parada geral da categoria. Foi reprimido porque escapulira do influente domnio patronal, da interveno do Ministrio do Trabalho no sindicato da categoria; porque enfrentava a po-lcia e no deu ouvidos ao delegado regional do Trabalho, e, ainda mais, evi-denciava uma base social do PC. Era preciso acudir o poder disciplinar do empregador sobre seus funcionrios. Era necessrio restabelecer o respeito autoridade policial e trabalhista. A hierarquia estava em jogo.

    Prosseguindo com as lutas de quem os antecedeu em ramo econmico j centenrio na Bahia de 1948,15 os trabalhadores da fbrica de tecidos So Braz entraram em greve. Aderentes ao exemplo de sua iniciativa, deixariam de pro-

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    duzir trabalhadores empregados em outras usinas txteis da mesma Compa-nhia Progresso e Unio Fabril da Bahia (So Joo, Conceio, So Salvador e Paraguau). Depois, em processo trabalhista movido pela empresa, 17 recla-mados da So Braz se defenderam das acusaes dos Martins Catharino. Esta famlia no era quatrocentona pois tinha origem imigrante portuguesa recen-te, mas logrou alinhar seu nome no s aos bons costumes das tradicionais famlias de vida aprazvel e respeitvel como tambm ordem e ao progresso do comrcio, da indstria e da educao. Enfim, ao escol. Martins Catharino era, alis, o sobrenome do empregador e do causdico. Alguns dos trabalhado-res reclamados na justia residiam na rua rsula Catharino, nome tambm de escola sita no bairro em que residiam, Plataforma. O mdico da creche da f-brica, Hermgenes de Oliveira, que tambm era vereador da UDN, era casado com uma dama da famlia Catharino. Se os operrios quisessem procurar em-prego fora das usinas txteis da Companhia Progresso e Unio Fabril, que cuidassem para ser sempre de seu agrado, pois uma senhorita Martins Catha-rino casara-se com um Batista Machado, outra famlia portuguesa com inte-resses no ramo das confeces e tecidos.16

    Por intermdio das fontes anexadas ao processo JT 522/48, e, em acrsci-mo, da documentao produzida pela Justia do Trabalho, sero reconstitu-das, primeiro, a greve em processo e, na sequncia, a greve processada.

    A greve em processo

    O fazer-se que ocasionou a greve passa, antes de sua irrupo, por deman-das dos trabalhadores de negociao direta com seus patres. Estavam orga-nizados segundo o binmio cho de fbrica e cho da vila operria e o fizeram, a propsito, por fora do sindicato da categoria. Aludindo anterior determi-nao judicial instruindo os empregadores a aumentarem os salrios, um pan-fleto reclama: at hoje no foi cumprida aquela deciso. O texto lembra ain-da que o mandado do juiz sucedera a luta organizada. Dada a morosidade patronal em cumprir o disposto, os teceles deviam aprofundar sua articula-o, mediante a formao de subcomisses em cada seo, a fim de exigirem reajuste atravs de uma carta ao patro, assinada por todos os trabalhadores. A essa carta chamariam de memorial.17

    De fato, em 6 de julho de 1948, um memorial foi endereado aos ilustrs-simos senhores diretores da Companhia Progresso e Unio Fabril da Bahia

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    com assinaturas de operrios da fbrica So Braz. No domnio da palavra es-crita e da boa caligrafia de caneta tinteiro, a petio foi manuscrita em papel almao em tom de splica, sem no entanto admitir desesperana. Pede reajus-te para minorar um pouco a situao aflitiva vivida pelos trabalhadores, em vista da alta de preos no mercado e da carestia de vida em geral. Reiterada-mente aduzindo seus motivos em funo da incompatibilidade dos ordenados perante o custo de vida, antecipando saber que isso apenas aliviaria suas maio-res aperturas, o memorial pede aumento de 60% (depois alterado para 80%). Marginado com marca de lpis vermelho, o texto concludo com informe digno de nota: deixamos de recorrer ao sindicato de classe, preferindo tratar diretamente com vvss. em vista daquele rgo no merecer atualmente nenhu-ma confiana.18

    Diga-se logo que, ao rejeitarem o recurso ao sindicato, os trabalhadores no recusavam o sindicato existente, reconhecido pelo Ministrio do Trabalho por meio do nome Sindicato dos Trabalhadores nas Indstrias de Fiao e Tecelagem da Cidade do Salvador. Ao darem conta de que no lhe davam confiana, os trabalhadores deixam de fazer aluso ao fato de o sindicato estar sob a interveno do Ministrio do Trabalho, sinal, como j dito, de que o sindicalismo txtil soteropolitano havia se tornado uma ameaa ao Ministrio do Trabalho. Uma ameaa tambm para os patres, claro. Restava de p vale a pena frisar a organizao dos trabalhadores nas fbricas, que o panfle-to citado desejava ver submersa em ncleos agrupados nas sees da usina So Braz. Aoitando-lhes o couro, ao lado da explorao do trabalho intenso e mal retribudo, transparece a carestia, provocando mais aflio. Em alguma medi-da, como se ver adiante, os trabalhadores controlavam uma parte do proces-so produtivo, haja vista a fbrica funcionar com maquinrio velho que, para o cumprimento das metas, exigia a interao do empregado. Mais um elemento que o salrio baixo aviltava.

    No incio de setembro, novo memorial circula pelas mos dos trabalha-dores de Plataforma. Sem esquecer os rigores do custo de vida, o texto desta vez vem escrito por algum com menor domnio das letras, indicando no s o rodzio de escrevedores mas tambm a diversidade entre eles. Falando de diversidade, coincidentemente, teceles e tecels pediram aos senhores di-retores que facilitassem a discusso do aumento ocorrida e aprovada na reunio do sindicato, outra evidncia de que descartavam o representante a eles imposto pelo Ministrio do Trabalho, mas no o sindicato em si, de cujas dependncias longe de suas casas podiam se valer. Citam-se as notcias que

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    a imprensa deu sobre os lucros dos patres, razo pela qual achavam justa a concesso do aumento. Ao final, lembram: precisamos de mais um peda-o de po, pois a situao cada dia piora para todos ns operrios.19 Dias depois, 18 contramestres repelem a atitude ao expressarem seu desacordo com o movimento que aqui existe. Demonstram anuncia com o aumento pro-metido ao nosso sindicato pelos patres. Arlindo Pereira dos Santos, que seria testemunha da empresa no processo, figura na oitava assinatura.20

    De olho na efervescncia em curso, entra em cena o jornal comunista O Momento. Anuncia para o dia seguinte, 20 de setembro, a consignao de memorial com mais de setecentas assinaturas, sinal alvissareiro (para os co-munistas) do nvel mais alto da So Braz, patamar ainda a ser atingido por outras empresas padecentes dos mesmos males. Alm de indicar que eram cerca de mil os funcionrios da So Braz, o jornal traz cena um ator impor-tante: a Comisso Central nome dado ao comit de fbrica, aquele organismo que o panfleto citado desejava ver subdividido em clulas por seo. A Co-misso Central, noticia a folha, fixara o dia seguinte para entregar o memorial acompanhada de numerosa comisso de trabalhadores. De olho tambm no que os patres faziam, O Momento divulgou que, no dia anterior, o Servio Social da Indstria (Sesi) promovera uma sesso cinematogrfica recreativa para os trabalhadores durante a qual Dionsio (Dionsio Rodrigues de Me-nezes, interventor do Ministrio do Trabalho no sindicato dos txteis) apare-ceu com sua xaropada, composta com pedidos de calma, calma e nada mais. Interessada na mobilizao, a folha pecebista exorta os trabalhadores a agirem com independncia, a no esperarem boa vontade das autoridades, aconselhando cuidado para no se iludir com divertimentos, a exemplo do fornecido pelo Sesi. A matria termina ao referir-se a telefonema avisando da fracassada caravana de tiras despachada da praa da Piedade (zona central da cidade), onde ficava a Delegacia Auxiliar. Conforme a fonte, presumia-se que os policiais haviam sido enviados a Plataforma a mando do vereador Hermgenes Oliveira, mdico da creche da So Braz e parente agregado dos Martins Catharino.21

    Acusando seu cansao aps esperarem pelo Sindicato, pela Justia do Tra-balho e pela Delegacia Regional do Trabalho (DRT) e decididos quanto sua luta contra o salrio de fome , os trabalhadores da fbrica So Braz recor-reram a um terceiro escrevente para mais um memorial. Eles voltam a falar das discusses havidas no sindicato e na tabela de reajustes resultante, que fi-xava em 80% o ndice geral de aumento. Repetem, em acrscimo, que era de

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    domnio pblico a tima situao financeira da empresa, conforme balano publicado no Dirio Oficial. Era isso o maior incentivo firmeza deles de lutarem at o fim em prol do aumento pedido, pois no lhes cabia dvida sobre serem eles os produtores e construtores do poderoso patrimnio da empresa. Ante a mar montante das dificuldades sofridas a fome ronda os nossos lares , declaram, no memorial de 20 de setembro, apenas querer um alvio que mitigasse os problemas.22

    No intento de deixar claro que estavam beira do abismo, o movimento da So Braz havia abraado a bandeira dos 80% aps encontros realizados num sindicato de cuja junta governativa (chefiada pelo interventor Dionsio) des-gostavam. Indicaram a fadiga advinda com o aguardo das solues providen-ciadas pelo sindicato e pelas instituies trabalhistas e, tendo sob seus olhos positivos nmeros referentes s finanas da companhia, no hesitaram em ver no seu rogo um pedido simplrio a seu ver, que em pouco os alentaria e em nada prejudicaria aos patres a oportunidade de se afirmar como protago-nistas do progresso econmico, motivo pelo qual o reajuste lhes caa justamen-te. A toda oportunidade recordaram que o salrio mal os defendia contra as ameaas de cair na pobreza definitiva, revs e misria a ser evitado. Os traba-lhadores confiavam em que algum iria importar-se com sua sorte e perceber seus mritos. Irritados ou no com a demora e o desdm, receosos com o fato de serem empurrados em direo a dodo empobrecimento fila muito pior e mais rpida do que a espera que os exauria , os teceles e tecels mantiveram normal comparecimento na usina. Apresentaram-se para produzir; era essa a sua rotina. E esta no foi quebrada por eles.

    No seu papel de farejar os acontecimentos a todo instante e flagr-los em suas linhas empticas com o operariado, a folha pecebista O Momento difunde alerta contra srdida manobra dos patres visando dividir os trabalhado-res. O interventor Dionsio, conforme a fonte, se faria presente na So Braz querendo entender-se com a firma e assim desarticular a mobilizao. No lugar das censuras sua xaropada, desta vez repugnada a papa a ser servida pelo vereador e mdico Hermgenes de Oliveira, seu acompanhante nessa visita. Todavia, O Momento preferia mesmo era a entrevista feita com a Co-misso Central.23 Desejava no s propagande-la (o que depois serviu como pea processual contra os trabalhadores) mas tambm prover o comit com argumentos e retrica.

    Trabalho h mais de 11 anos na fbrica, na seo de urdideiras, o jornal assim apresenta Francisco Melo. Note-se que o seu depoimento assim como

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    o dos demais no consiste em transcrio de uma fala gravada, mas na pu-blicao de texto editado pelo jornalista. Portanto, na fala atribuda a Melo l-se que as mquinas eram velhas e ineficientes, o que concorria para que a produo no fosse a desejada, diminuindo o salrio no final das contas. Alm disso, a falta de fio paralisava o servio por horas a e horas, ou dias inteiros. Pelo fato de no receberem por hora trabalhada mas por produo, quando no tinham servio, os funcionrios da So Braz mesmo comparecentes ao trabalho nada ganhavam.

    A fiao a pior da fbrica. Primeiro porque s ganhamos pelo que produzimos. Segundo porque no sabemos qual a nossa produo. Essa foi uma das crticas de Marcelino Silva Souza, porta-voz da fiao. Ele explicou que a falta de fusos e cordas implicava deixar de chegar s metas da produo, impedindo os trabalhadores de atingir o almejado e ganhar por isso. Traba-lhando em calhambeques foi outra censura direcionada ao maquinrio. Ele tambm sentia falta de algodo de boa qualidade, sem o que a produo no podia ser melhor. A repartio das cardas era uma nuvem de poeira, recla-mou Manoel Salustiano. Sem equipamento contra a insalubridade, o entrevis-tado voltou a apontar para o problema dos ordenados, cujo numerrio no permitia alimentao adequada. Nesse sentido, uma majorao era tida como inadivel. At mesmo para poderem trabalhar e produzir, comer e repor as foras. No setor do cascame (refugo da matria-prima), o nmero de trabalha-dores era insuficiente. Eliezer Evangelista, ao denunciar a explorao, apontou para o servio de dois ou trs feito por um s. O representante da tecelagem Francisco Nogueira enfatizou, ele tambm, o problema dos soluos no proces-so produtivo, fator de depreciao dos vencimentos recebidos. Na falta de canelas e rolos para os fios, o servio inacabado ficava na mquina, deixando--se para a semana seguinte quarenta ou cinquenta metros de tecidos. Como esses operrios ganhavam pelo que produziam, eles queriam uma fbrica que funcionasse direito, cuja produo fosse contnua e que pagasse bem.

    Se, embora trpega, a usina aprontava seus panos, O Momento atribui os mritos disso aos mecnicos das oficinas, que obravam milagres no conser-to de peas imprestveis. Entretanto, pondera, o artfice no via o retorno de nenhuma recompensa. Antes, inexistindo a oferta de macaces, o jornal de-nuncia o estado maltrapilho em que se encontravam, findando a entrevista com o comit de fbrica na pessoa do mecnico Osrio Ferreira dos Santos, lder dos operrios.

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    Afora a questo salarial e das condies de trabalho, alguns traos dos depoimentos que o Momento imprimiu denotam os tambm problemticos soluos que, seja pela falta de aportes nos bens de capital, seja pelo desabaste-cimento de insumos vitais para o fluxo produtivo, impediam os operrios de fabricarem e receber por isso. Nesse sentido, uma parte de seu descontenta-mento podia ser resolvida (ou suavizada) com medidas de recuperao da capacidade fabril e por uma cuidadosa mudana nas relaes humanas. Em-bora se caracterizasse pelo paternalismo industrial o que poderia representar a existncia de patres preocupados em assistir seus empregados com favores e benefcios , a So Braz ficava atrs de sua congnere pernambucana Paulis-ta, no s na parte assistencial como tambm na robustez industrial. So Braz, enfim, no impressionava pelo esmero em prover bem-estar aos empregados.

    Ao ir avistar-se com aqueles ativistas teceles de Plataforma, O Momento tinha em mira o sbado no qual, segundo dizia-se, o interventor Dionsio e o vereador Hermgenes iriam So Braz se entender com seus diretores a res-peito do reajuste. Esse comparecimento no era espontneo nem casual, es-tando antes na ordem dos atos premeditados. Afinal, os trabalhadores haviam reivindicado para o dito sbado, 25, uma resposta sobre o memorial entregue no dia 20. Evidentemente, as personagens interessadas nessa trama podiam entender que, entre as tratativas do sbado e os desdobramentos dos dias se-guintes, haveria confabulaes, propaganda e agitao em Plataforma, no do-mingo e na segunda-feira, 27. A depender da mobilizao, a fbrica poderia estar em total silncio na tera 28. Mas no foi assim que os eventos se desen-cadearam.

    Desejoso de fazer jornalismo a servio da classe operria, O Momento publicou a matria sobre a srdida manobra patronal que visava dividir os operrios da So Braz. O que a folha comunista no sabia, e que foi carregado de mesquinhez, aconteceu a 23 de setembro, vspera do estopim da greve, que irrompeu j na sexta-feira, 24. Uma certido lavrada em atendimento ao pro-cesso trabalhista instaurado aps a greve atesta a existncia, nos colecionado-res da DRT, de ofcio (datado no dia 23) no qual o delegado do Trabalho Hugo de Faria transmite Delegacia Auxiliar de Polcia solicitao feita pelo interventor do sindicato Dionsio Menezes de abertura de rigoroso inqurito que averiguasse os papis de Francisco Melo, Marcelino Silva Sou-za, Francisco Nogueira dos Santos, Osrio Ferreira e mais cinco teceles no fomento de greve geral nas indstrias de tecidos, neste momento apenas uma ameaa. A certido atesta que, conforme investigaes, os citados elementos

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    os noves intimados se reuniam com lideranas comunistas.24 Em obser-vncia, todos os nove foram intimados a prestarem depoimento na Delegacia Auxiliar, sita a grande distncia de Plataforma, na Piedade. Convidada a agir, a polcia entrou em cena em socorro das autoridades trabalhistas (tanto da DRT quanto da Justia do Trabalho) e patronais, para quem, assim como para o interventor Dionsio, a soluo para a questo salarial devia estar nas mos dos rgos representativos.

    Presentes na Delegacia Auxiliar (uma repartio do Departamento de Polcia Preventiva), vendo suas falas serem datilografadas em autos de dilign-cia policial, nove operrios de Plataforma responderam a interrogatrio que durou horas e horas em 24 de setembro. No fim da tarde, estavam de volta. Foram recebidos por seus colegas e pela populao do bairro, que desceu dos morros at a orla para avist-los. Os que regressavam da polcia agora viam que, enquanto prestavam declaraes, So Braz no havia resfolegado seus tecidos como de costume. Por certo tempo, sofrera de paralisia, por causa da deciso dos seus funcionrios de no darem produo. Demonstradas luz do dia, a unidade e a firmeza de propsito dos trabalhadores levou regozijo re-dao do Momento, que cobriu a volta da comisso para Plataforma. Depois das falas de seus integrantes, o vereador e representante da Associao Geral dos Trabalhadores (AGT) Florisvaldo Viana fez uso da palavra para, igualmen-te, deitar elogios. Provavelmente, circulou nessa manifestao volante que assinado A Comisso dirigia-se aos Companheiros Teceles e protesta-va ser demais a nossa misria!. No se deixou tambm de fazer aluso a uma greve heroica, de 23 dias, que o traidor Dionsio teria ludibriado. Alm de receberem apenas um tero do reajuste obtido com a luta, os trabalhadores no gozavam do descanso remunerado que j LEI , e eles no querem nos pagar. Se no lutassem, alertava, seriam liquidados pela fome.25

    No sbado, quando mais trs teceles se apresentaram perante a autori-dade policial, a resistncia operria fortaleceu-se. Um novo panfleto endere-ado aos empregados de outras txteis avisa da greve na So Braz e espera o mesmo gesto entre os operrios das demais fbricas de tecidos So Joo, Boa Viagem, Paraguau, Conceio, Fiais e Fonte Nova. Em nota difundida na imprensa, a Companhia Progresso e Unio Fabril se dirige a todos os seus operrios e ao pblico em geral para recriminar os elementos que se encon-tram iludidos quanto legalidade e o cabimento do movimento, indiferente aos pareceres contrrios do sindicato da categoria e da DRT. A firma concita todos a voltarem, prometendo rigor contra os que a desacatassem, persistin-

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    do em atitude passvel de despedida por justa causa. Diz ainda no aceitar que seu operariado servisse de meio para campanha subversiva da ordem e dos interesses dos prprios trabalhadores. Severo, ameaador e tutelar, o aviso evidencia futuras represlias: represso, de um lado, contra o ativismo insinu-ante entre ela e o seu operariado, e a justa causa da despedida, de outro lado.26

    Foram advertncias que os trabalhadores enfrentaram. Pois na manh da segunda-feira, 27, a usina Conceio, sita no largo do Tanque, parou. Logo cedo, segundo o jornal O Estado, nas adjacncias da fbrica, uma notvel mas-sa operria se apostava, espera que os demais companheiros abandonassem a produo. Eram trabalhadores das diversas fbricas de tecidos [que] ali se achavam reunidos, o que um indcio no sentido de estarem agrupados num piquete. Tendo se colocado em bom nmero nas imediaes da Conceio, os operrios ofereciam aos que estavam dentro dela uma chance de aderir gre-ve sem problemas, seja com a polcia, seja evitando a pecha de fura-greves. Os grevistas tambm esperavam francas adeses, estabilizando seu nmero e an-gariando fora para irem todos em caravana at a sede do sindicato.

    Em paralelo, O Momento d a notcia de greve na So Joo (em Tainhei-ros) e na Paraguau (no Papagaio), estando a primeira j no seu quarto dia de paralisao, o que revela ter sido paralisada em simultneo com So Braz. No dia 27 a So Joo despertou guarnecida por uma caravana de policiais. No seu porto, pregara-se comunicado em que o ingresso dos operrios s era permi-tido em caso de comparecimento para o servio. Isso significa que, na jornada anterior, os trabalhadores haviam entrado na usina mas mantido os braos cruzados. Coesos, quando procurados pela polcia, os txteis no aceitaram sua intermediao e indicaram que s iriam aceitar conversas com seus patres. Ante essa negativa, conforme a matria do Momento, os policiais se foram e a fbrica permaneceu ocupada pelos operrios. Quando, na manh seguinte, foram avisados de que s era possvel entrar na fbrica quem fosse trabalhar, os teceles mais uma vez no acolheram a determinao patronal: no aceita-ram que a firma cerrasse os portes da fbrica e sem choques ou confuses circularam pelo seu interior. A greve prosseguia firme e serena na So Braz, em So Joo e Conceio, nelas tendo sido registradas no s a entrega de memoriais como tambm a presena das comisses. Na manh da segunda--feira, 27, foi a vez de os seiscentos teceles da Paraguau suspenderem o ser-vio. Entre as centenas da Paraguau, incluam-se as tecels, que se manifesta-ram ao Momento em desacordo com as negociaes na DRT.27

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    Quando parou a Conceio, contabilizaram-se 3 mil trabalhadores para-dos. Ao obter esse nmero, os grevistas rumaram at o sindicato e instalaram uma assembleia. Centenas de tecels, diz O Momento, da visitaram as redaes de grandes jornais com o fito de esclarecer os procedimentos que tomaram antes da deciso da greve. Foram DRT tambm, onde palestraram com o delegado Hugo de Faria, que as convocou a comparecerem reunio do dia 29 na Vila Operria Luiz Tarqunio, na Companhia Emprio Industrial do Norte (fbrica de tecidos na Boa Viagem). Para a DRT, o melhor era instaurar o dissdio e reconhecer o arbtrio da Justia do Trabalho. Contudo, para O Momento, s a negociao direta, impulsionada pela luta, era aceitvel.28

    Tanto a mobilizao em alta quanto a conduta defendida pelo PC nfa-se na negociao direta (contrapondo os comits da fbrica administrao empresarial) , levaram a folha soteropolitana liberal A Tarde a estampar a manchete insistem em no voltar e assegurar que a paralisao era mesmo insuflada pelos comunistas, possuindo Hugo de Faria, da DRT, os elementos para prov-lo. A greve, ao contrrio de arrefecer, cada dia mais toma vulto, observa. De fato, mais de 2 mil trabalhadores aproveitaram-se do convite para comparecer em uma palestra com o delegado Hugo de Faria e desfilaram de Roma, onde se concentraram, at o local da sesso. Indagados dos meios legais disponveis para encaminharem seus pleitos, os trabalhadores souberam, se-gundo A Tarde, informar apenas que haviam pedido aumento e que a greve decorria da pouca vontade dos empregadores. Hugo de Faria chamou a aten-o para o risco de perder o emprego. Sem se valerem da lei, como faziam, cometiam falta grave punida em lei com a resciso do contrato.29 Pairava no ar o lembrete, depois concretizado, das sanes que o empregador havia man-dado anunciar nos jornais. Mesmo assim, em 5 de outubro a fbrica de tecidos So Salvador parou.

    Concomitantemente aos anncios e lembretes convergentes da compa-nhia, da grande imprensa e da DRT, o sindicato dos txteis (nas mos de uma junta governativa dirigida pelo interventor Dionsio) veio a pblico conclamar seus scios a confiarem na Justia do Trabalho, nos moldes da lei e da disci-plina. Repetindo contedo de panfleto do comit de fbrica da So Braz (con-forme j visto), o sindicato alega que a Justia do Trabalho, no passado, havia atendido demandas dos trabalhadores como por exemplo reajuste salarial e a lei do descanso remunerado. Contudo, enquanto o comit recordava a im-portncia da luta organizada para definir o resultado do processo judicial, denunciando tambm que a lei no era cumprida pelos patres, o sindicato

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    lembrou as vitrias para pedir a volta ao trabalho. Por fim, o sindicato infor-mou que o presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) Antnio Gal-dino Guedes baixara portaria declarando instaurado o dissdio entre os sindi-catos operrio e patronal. A portaria, ao conceber que a paralisao poderia criar angustiosa situao e privaes entre os teceles, trazer danosos efeitos para a economia e comprometer a ordem pblica, assenta na medi-da tomada a nica sada.30

    Concitados a voltarem ao trabalho pelo sindicato e (o que dava no mes-mo) pelo delegado do Trabalho a trocar a luta pela lei, os trabalhadores se vi-ram diante de outra vicissitude quando a polcia voltou cena para debelar a desenvoltura dos vultosos piquetes e cortar a cabea do ativismo, devolvendo o operariado a patres que o reclamavam como seu. Como costumava ocorrer nessas ocasies, tanto mais sucesso teria a polcia quanto mais, entre os gre-vistas, grassasse uma diviso que, na imprensa, era total: empregados ordei-ros de um lado e minoria de encrenqueiros na sua maioria filiados ao extin-to partido comunista, de outro. No por acaso, os trabalhadores tiraram o seu manifesto e tentaram levar a sua voz aos trabalhadores e povo da Bahia!. Voltam a frisar que se batem contra a fome, mas adicionam a ganncia dos patres como segundo oponente alis, a causa provvel de sua fome. La-mentando o usual recurso dos empregadores polcia como forma de lidar com a questo operria, o impresso lembra que os lucros dos industriais no iam to mal quanto os ordenados de seus empregados, ou seja, que era poss-vel dividir um pouco mais. No mundo restrito de seus recursos parcimoniosos, que a greve ativava e consumia, pedem donativos, como um dia de salrio, cuja quantia todos sabiam andava derreada pela carestia e pela baixeza da paga. Seria apenas um adianto para ajudar. Qualquer auxlio era para ser envidado na rua Baro de Cotegipe, 98, centro da cidade, endereo do sindicato cujo interventor combatiam. Vinha o manifesto assinado pela Comisso Central. 31 A essa altura, vale notar, a comisso galgava a estatura quase que de uma opo-sio sindical.

    Para pr paradeiro greve e licenciosidade dos trabalhadores, que no acatavam o que lhes era mandado fazer nem se inibiam com a polcia e ain-da mais se exibiam, pela cidade, no vulto dos piquetes , no sbado, 9 de ou-tubro, em resposta a ofcio datado na tera, o delegado do Trabalho Hugo de Faria remeteu Companhia Progresso e Unio Fabril uma lista de dez teceles partcipes da comisso que provocou e dirigiu a paralisao, sendo o mec-nico Osrio Ferreira dos Santos o principal cabea. Movimento feito reve-

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    lia do sindicato e sem amparo legal, a parede seguia seu curso. Na tera, 12, nela desferiu-se golpe certeiro em Plataforma. tarde, compareceram Dele-gacia Auxiliar o condutor Francelino Ferreira de Oliveira e mais duas teste-munhas, para apresentar autoridade policial o mecnico Osrio e sua esposa Carmosina N. dos Santos, presos em flagrante delito. O condutor Francelino de Oliveira era tambm investigador e fora mandado ao local pela Diretoria de Investigaes, tendo se dirigido logo cedo usina So Braz tanto para for-necer salvaguardas s dependncias fabris quanto para assegurar o ingresso daqueles operrios desejosos de pegar no servio. Na companhia de mais alguns colegas, s sete horas, bancou a entrada de grande parte dos que que-riam trabalhar isto sob os maiores protestos daqueles que no queriam ver a greve furada, como Osrio e Carmosina. Nas suas palavras, o policiamento procurou interferir no sentido de dissuadi-los. Quando Osrio parecia estar vencido, avanou contra Crescncio de Jesus e agarrando-o vibrou-lhe um soco na boca, abrindo uma ferida (na delegacia exibida como prova). Car-mosina com uma sombrinha desfere outro golpe na testa da vtima, ao que o condutor, que tambm era investigador, lhes deu voz de priso.32 Nesse dia a greve entrou em fase derradeira.

    Osrio e Carmosina formavam um casal notvel. Para comear, ambos declararam-se comunistas na polcia; e talvez o tenham feito mais de uma vez na vida. Quinze anos mais velha que Osrio, Carmosina, nos seus 53, era mu-lher de coragem: envolveu-se em luta corporal atraindo a raiva de um pu-nhado de homens adultos em socorro do cnjuge, que sofria os revides que seu soco motivou. Tambm havia sido candidata a deputado estadual nas elei-es de 1947, sendo sufragada por 21 eleitores. (O conhecido sindicalista do PCB Joo Ribeiro dos Passos obteve 536 votos.) Carmosina Nogueira. Mili-tante. Enfermeira. Tem prestgio popular no bairro de Plataforma, assim a ela referiu-se a polcia poltica.33 Ambos eram notveis por isso: possuam empre-go fixo, percebendo uma quantia mensal; ele mecnico na principal emprega-dora da comunidade, ela enfermeira da Prefeitura.

    Na sua dcima nona jornada, 13 de outubro, acaba a greve.

    A greve processada

    O processo trabalhista cujas peas so aqui manuseadas como fonte pode ser visto como uma queixa coletiva. No uma queixa de vrios funcionrios

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    contra apenas um empregador, como primeira vista seria imediato pensar, mas uma reclamao de um empregador contra um grupo de 17 funcionrios, eleitos a dedo, e todos estveis no emprego. H traos adicionais que sugerem o carter coletivo da questo aberta pela Companhia Progresso e Unio Fabril. O sindicato dos operrios txteis, em primeiro lugar, submetido ao mando do interventor Dionsio, recomendara a suspenso imediata da greve e a total confiana na Justia do Trabalho. O movimento grevista, de modo incisivo, subtrara-lhe a sede e assim lquido e certo , se houvesse eleies limpas, seria o esteio de uma chapa contra ele.

    Em segundo lugar, o delegado do Trabalho Hugo de Faria no s lembrou os grevistas das represlias previstas e anunciadas pelos patres, procurando demov-los de sua conduta, como tambm passou nomes e informaes ao lado patronal, alm de contribuir na confeco de raciocnios opostos greve (por exemplo, ao afirmar que carecia de amparo legal). De sua parte, o presi-dente do TRT, quando instaurou o dissdio ex officio, explicitou o ngulo do qual via o fenmeno ao conceber que a parede tendia a acarretar mais angs-tia e privaes aos operrios, prejuzos economia e luta de classes. Tudo, claro, censurvel. Por fim, a cobertura da grande imprensa que insistente-mente publicava, em quase toda matria propcia (ou no), o informe sobre o carter ilegal do extinto Partido Comunista assumiu sem maiores problemas o ponto de vista dos industriais. A greve era ilegal e descabida, trazia danos paz social e economia brasileira. Como deu A Tarde, insistiram em no vol-tar ao servio porque estavam insuflados por elementos aliengenas do PC. Nesse sentido, eram abrangentes o desgosto e os protestos contra o movimen-to. Logo, no havia bices ao ultimato dos patres de que tudo iriam fazer para punir aqueles que arrastaram criminosamente nossos trabalhadores a uma paralisao de trabalho ilegal e injustificvel.34 Repete-se, vale notar, o sentimento paternalista tutelar e de posse da firma sobre seus empregados. O seu operariado ou os nossos trabalhadores no eram alavanca para o PC promover os seus fins sorrateiros, antidemocrticos e inautnticos.

    Perseguindo a pblica autorizao da Justia do Trabalho para demitir seus 17 empregados estveis, a Companhia Progresso e Unio Fabril se pron-tificou a arcar com o nus da prova abundante, pr-requisito exigido pelo Decreto-Lei 9070 que, na falta de lei ordinria, regulamentava o direito de greve reconhecido pela Constituio de 1946. Aos 17 reclamados sero impu-tadas atitudes de insdias e infraes, como aodamento, ousadia e paralisao de fbrica, abrao do credo vermelho, invaso de seu prprio sindicato, orga-

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    nizao de comisso de fbrica no processo etiquetada de comisso de greve , e dissidncia ante lideranas e altas autoridades constitudas. Responderam por acusao de falta grave coletiva, acrescida da sobretaxa de seus atos cons-titurem crime.35 Tambm foram criticados por seus atos serem prejudiciais economia. Em sntese, a ilegalidade da greve proveria a legalidade da dispen-sa dos criminosos.

    Mediante representao advocatcia de Jos Martins Catharino, na pessoa do diretor-presidente da empresa, Eduardo Martins Catharino, uma petio datada em 21 de outubro de 1948 (pouco mais de uma semana aps o fim da greve) destinada ao procurador regional, a quem solicita-se inqurito judicial. a pea que inaugura a denncia patronal, e os fatos que exibe so trs. O primeiro pblico e notrio era terem todos os 17 tomado parte ativa e saliente na greve ilegal e feita revelia do Sindicato. Eles, em segundo lugar, armados de subterfgios motivos estranhos ao trabalho e visando objetivos polticos , abandonaram coletivamente o servio em 24 de setembro e agi-ram ostensivamente provocando a paralisao total da So Braz. E o que mais, em vigor o dissdio, deveriam aguardar, trabalhando, a deciso da Jus-tia, o que no aconteceu.36

    Logo no incio do processo transpareceu, como foi dito, o seu carter coletivo. Na primeira audincia, a defesa, confiada a Jorge Costa Pinto, inter-feriu na instruo e, com vistas proteo dos teceles, pediu o desmembra-mento dos 17 reclamados em grupos de quatro. Em resposta, a 1 Junta de Conciliao e Julgamento (JCJ) anuiu, justificando-se que no cabia a acu-mulao de tantas reclamaes, num s processo, para efeito de um s julga-mento. Sendo 17 o montante de reclamados, era difcil apurar maior ou menor participao dos operrios, num movimento grevista, deixando-se assim de atender o Decreto-Lei 9070. Em rplica, a reclamante apela em con-trrio e demanda que os autos subam inteirios at as vistas do tribunal. O juiz Elson Gottschalk, na trplica, nega seguimento ao recurso patronal por no possuir fundamento na lei, sustentando que, to somente, fora reduzido o nmero transbordante de reclamados. Facilita a defesa dos acusados e con-vm Justia, explicou. Trabalhadores podiam mover ao plural contra em-pregador, mas no o contrrio, pronunciou-se.37 A companhia recorreu.

    Cerca de 2 meses aps o incio do processo, o TRT decide acolher a quei-xa tal como apresentada pela indstria, deferindo seu recurso interposto deciso da Junta de Conciliao. A queixa passa assim a ser tratada como nica e indivisvel, embora contra 17 reclamados. Com o processo no curso

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    pleiteado pelo empregador, a acusao volta a amostrar os fatos. Os 17 parti-ciparam de uma greve feita contra os preceitos do Decreto-Lei 9070, tendo alm disso sido os engendradores. Tambm invadiram seu grmio sindical e fizeram passeatas pelas ruas da cidade. Nestas, exaltavam a parede e convida-vam demais trabalhadores a cessarem o fabrico dos panos. Com Osrio na cabea, a direo do movimento se comps com lugares-tenentes e partici-pantes exaltados, que interpelavam os transeuntes com as folhas vermelhas do Momento em mos. Dirigentes da greve viraram multido em cena nova diretoria do Sindicato, a qual teve de ser rebatida pela defesa da lei e da ordem, pelos patres, pela polcia, e por outras autoridades, como a DRT.38

    Meses depois, ouvidas vrias testemunhas, e passado quase um ano desde o incio do movimento paredista em setembro de 1948, aps debate oral entre os advogados, a Justia do Trabalho renova sem xito proposta de conciliao. Quando soou a hora da soluo do dissdio, a firma j havia suspendido sua queixa contra dois reclamados, e outro falecera. Foram isentos de sano pu-nitiva quatro reclamados que no trabalharam porque no poderiam ter tra-balhado (trs acidentados e um enfermo). Dentre os que podiam produzir e no o fizeram, apenas um foi mantido no emprego. Os restantes (aqueles que no trabalharam porque no quiseram) tiveram suas demisses autorizadas: seu direito estabilidade foi removido pela 1 JCJ.39

    No incio do processo a defesa dos 17 reclamados logrou vencer pelo menos dois rounds. Num, como j visto, ganhou tempo para os teceles ao conseguir desmembrar o processo, revs do qual a firma depois se refez. Nou-tro, conseguiu impugnar, nas perguntas feitas pelo advogado da companhia, o pressuposto de que os 17 reclamados sabiam da ilegalidade da greve e mesmo assim induziram seus pares adeso.40 Por sua vez, os trabalhadores buscaram livrar-se das acusaes tanto de manipulao pelos comunistas quanto de com-portamento violento, esquivando-se das denncias de serem correias de trans-misso do ilegal PC. Ficou claro, em suas falas, que a paralisao era espont-nea, sem chefes nem ofensas fsicas e verbais. Eles queriam a greve para ter seus salrios aumentados. Tendo visto na greve o meio para resolver os seus pro-blemas, sustentaram a greve independentemente de seu sindicato e da Justia do Trabalho.

    No final, os dispensados tiveram sua estabilidade cancelada por interm-dio da astuciosa estratgia da reclamante, que reelaborou a estratgia da defe-sa em seu proveito. No seu arrazoado final, o advogado Martins Catharino afirmou: nenhum dos reclamados deixou de trabalhar por violncia dos com-

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    panheiros. Fizeram a greve porque quiseram. Greve espontnea tpica: de bra-os cados, com servio a fazer e com possibilidades de faz-lo, devidamente garantidos, como, alis, fizeram os operrios da tinturaria da fbrica.41

    A 1 JCJ endossou esse raciocnio. Sem ameaa ou coao de qualquer natureza, os trabalhadores postaram-se frente s suas mquinas e recusaram--se a trabalhar. Em outras palavras, embora comparecentes ao servio, nega-ram-se a dar produo, rebatendo quem, em nome da rotina, aparecesse para arranc-la. Logo, espontneo e consciente foi o gesto de cada um, no poden-do, pois, fugir responsabilidade. Ao deixarem-se embair pelas promessas da agitao da luta e, mesmo sem um chefe aparente, entregaram-se coesos aventura de uma greve, por todos os motivos, ilegal, embora pudesse ser justa. No acrdo, o TRT reproduziu a argumentao. A prova de que os recorrentes indiciados no inqurito participaram salientemente da greve ro-busta e incontrastvel, garantiu. E eles prprios confessaram sem rebuos que no trabalharam porque no quiseram. De fato, a segunda testemunha de defesa expressou-se sem subterfgios nem rodeios, perante o tribunal, pa-lavras depois reapropriadas pela acusao. Claudemiro Santana atestou que no trabalhou porque no quis, pois nenhum outro operrio estava traba-lhando e [ele] o respondente no ia trabalhar sozinho. To franca e protes-tante quanto cruzar os braos com desejo prprio, outra responsabilidade inescapvel consistiu na desateno ao sindicato, DRT e ao dissdio ex officio do TRT. Na vez de o Tribunal Superior do Trabalho (TST) manifestar-se, nada de controverso foi levantado ante a hiptese dos autos 17 grevistas agitando a classe sob pretexto de obter aumento , o que implicou srios reflexos sobre a produo.42 Em sua mxima instncia, a Justia do Trabalho no tomou conhecimento do apelo exposto pelo lado laboral, ateve-se aos termos da hiptese exibida pela firma queixosa e preteriu o problema salarial em favor do setor produtivo.

    Concluso

    Alinhada conjuntura de retrao do novo sistema poltico (inclusive nas instituies trabalhistas), a reao patronal conseguiu separar os trabalhadores dos benefcios que existiam em seu favor ou lhes pertenciam por mrito. Tam-bm acusou seu desassossego com possveis danos causados economia pela momentnea paralisia das fbricas. Foi invisvel alguma inquietao com os

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    danos socioeconmicos (profundos e elsticos) causados pela paga de ordena-dos vis. Havia, outrossim, toda uma institucionalidade trabalhista que, na aliana entre PSD e UDN vigente no governo Dutra, se compusera para acabar com as greves do ps-guerra, que no presente caso continham um estranho no ninho: o PC. E deve ter sido por causa do anticomunismo que o fundador do PTB e delegado regional do Trabalho Hugo de Faria atuou em conjunto com o lado patronal.

    Foi convenientemente ensurdecido o bordo segundo o qual os trabalha-dores carecem de esclarecimento, desembarao e fora. Exatamente para re-forar o contrrio, isto , o seu desejo. De fato, o resultado do processo asse-vera que a greve resultou de sua disposio de luta, e no de seu retraimento. Por sua vez, ao recusarem ser correia de transmisso de um partido, os recla-mados e suas testemunhas assumiram a paralisao como algo seu. O lado patronal reclamava os trabalhadores como algo seu tambm, querendo ver restaurado o seu sentimento de posse, o seu papel tutelar. Oferecer salrios indignos, a propsito, era uma pea na manuteno dos empregados e de suas famlias em situao de dependncia e exatamente isso fora colocado em xeque, alm de sua posio na hierarquia. No era talvez uma questo econ-mica apenas, mas tambm uma rotina qual o patronato estava habituado. Embora no aparea de forma deliberada nem seja transparente no processo, a pobreza decorrente da poltica salarial constitua uma vantagem para os Mar-tins Catharino na hora de a comunidade de Plataforma aprear os benefcios do paternalismo e estimar perdas e danos em caso de confrontaes. Outra rotina talvez uma autoconfiante expectativa dos Martins Catharino quanto ao resultado do processo era o divrcio entre o poder de compra dos traba-lhadores (o consumo dos mais pobres e mais numerosos) e o interesse coleti-vo nacional, que pendia mais para os apuros da indstria, dentre estes a ojeri-za ao movimento operrio renascido no ps-guerra, vicejante de greves, comits de fbrica, lutas nos bairros, sindicatos e comunistas.

    A greve dos txteis em Salvador foi uma medio de foras entre o movi-mento operrio e o paternalismo dos industriais, que contaram com o socorro da polcia, da imprensa, da DRT e da Justia do Trabalho. A fbrica com vila operria no era para ser a fbrica com vila e comisso operrias. Por causa disso, a parede foi uma ousadia abafada com corretivo extraordinrio e incisi-vo. Na subida do processo s instncias altas da Justia do Trabalho, ela foi avistada de longe, com olhar sobranceiro: menosprezou-se a justeza dos seus motivos, aspecto que a primeira instncia admitiu (mesmo condenando-a).

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    Ciosa na sua expectativa de ser ouvida e atendida pelos trabalhadores, a Justi-a do Trabalho (nos seus nveis superiores) prestou desateno aos apelos dos trabalhadores. Nesse sentido, a greve foi passo a passo condenada como uma aventura a pretexto de salrios maiores. Arbitrado o conflito, firmou-se a jus-ta causa da demisso (e no a causa da justia social).

    Porm, a greve dos txteis da Bahia no foi apenas um lance de disputa com o paternalismo industrial. Passadas diversas dcadas, olhando-a de hoje, aparenta antecipar as paralisaes de 1968 e 1978, por ter sido feita revelia das instituies e jogando sobre elas a presso das necessidades das massas. Pois trouxe consigo aquilo que, nas dcadas de 1970 e 1980, estabeleceu-se ser o grmen do Novo Sindicalismo: paralisao independente do sindicato, ba-seada na iniciativa dos operrios, calcada em reivindicaes concretas do dia a dia, e tambm demandante de liberdade e autonomia sindical, desde as f-bricas, rebelando-se contra autoridades constitudas. Parede espontnea tpica: de braos cados como disse o advogado Martins Catharino , muito prxi-ma das greves dos braos cruzados, mquinas paradas, expresso consagra-da no final dos anos 1970 (que serviu para nomear a paralisao pela qual os trabalhadores comparecem ao servio, vo at as mquinas e nada fazem).

    Em acrscimo, trabalhou-se aqui com a hiptese de nos confrontos do incio da Guerra Fria (1947-1949) ser possvel visualizar aspectos importan-tes para a compreenso do intervalo 1945-1964. Para chegar a tal compreenso, cabe evidenciar a propriedade de considerar seriamente a presena dos traba-lhadores, na poltica brasileira, como uma classe social.43 A partir de 1947, a proscrio dos comunistas e a represso s lutas dos trabalhadores (cujo de-senrolar foi aqui analisado em escala microscpica) foram reflexo do af da aliana PSD-UDN de desmonte do sindicalismo e das greves que reapareceram no final da Segunda Guerra Mundial. Esse af se mantm na escalada udenis-ta para o golpismo da dcada de 1950, pois, no mpeto de seu xito inicial, desinibiram-se o anticomunismo declarado e a hostilidade s greves e s lutas sociais, aos sindicatos e aos direitos trabalhistas, ao mesmo tempo em que a competio poltica estava subtrada de um ator importante (os comunistas).

    H que se observar, outrossim, uma peculiaridade da economia baiana: o fiasco de suas elites em desenvolverem-na.44 Desse modo, ao contrrio do que sucederia em certos centros urbanos que passavam por processos de in-dustrializao, pode ter sido mais difcil para os trabalhadores da Bahia reer-guerem-se, dados os nveis depressivos tanto do setor industrial quanto do seu moral, afora o isolamento do PC ou o espao parcial do trabalhismo no

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    PTB da Bahia. Mas aqui no se pressupe um operariado encapsulado em subalternidade constante e atemporal. No lugar de ser um dado de uma eco-nomia frgil, sem maior densidade fabril, o abatimento do movimento ope-rrio foi um intuito de escolhas que se fizeram, escolhas determinadas pelo medo que as classes dominantes sentiam, o mesmo medo que nutriu o sub-sequente cultivo dos efeitos de tais escolhas. Nesse sentido, possvel associar o fechamento da esfera pblica necessidade de desmanche do protesto ope-rrio, bem como seu controle. claro que a presena dos trabalhadores baia-nos no estava aniquilada, mas, sem a documentao que Fernando Teixeira da Silva possui para So Paulo, torna-se difcil aferir quanto, com o passar dos anos, aliar greve e dissdio veio a ser uma forma eficaz de presso sobre o Judicirio.45

    Tanto mais foi posto de lado o bordo segundo o qual os trabalhadores se rebelam a mando de uma fora exgena, mais a acusao patronal e o arbtrio judicial frisaram que os trabalhadores, sem chefe aparente, foram agitados por companheiros sados de seu prprio meio. Embora a assistncia do PCB tenha sido percebida em contato com a militncia operria, o processo da greve centrou-se na punio s lideranas locais, o que significou ir alm do ativismo pecebista e atestar seja a Comisso Central e sua implantao na fbrica, seja a disposio dos trabalhadores de irem greve. No s os da So Braz, diga-se. Abrir mo do hbito esnobe de inibir a presena dos trabalhadores pela sua preconceituosa descompostura foi decisivo para o empregador livrar-se do incmodo que sentia. Admitiu-se a existncia de algo diverso l embaixo. Em Plataforma, a cidadania dos trabalhadores, ou a cidadania dos mais numerosos, com sua presso por distribuio da renda, respeito aos direitos trabalhistas e aspiraes de ao poltica, caracterizaram o incerto processo do qual a greve na So Braz constitui, hoje, um ponto perdido, apenas. Mas foi tambm um sopro de energia, que deu sequncia s lutas as anteriores e as vigentes. E representou ainda uma ressurgncia em prol da dignidade operria (em segui-da castrada), similar a outras que o movimento operrio exprimiu, num sem--nmero de episdios, entre 1945 e 1978.

    NOTAS

    1 LEITE LOPES, Jos S. A formao de uma cultura operria. Tempo & Presena, n.220, 1987. Desse autor, ver tambm: Sobre o trabalhador na grande indstria na pequena cida-de. In: ______. Cultura e identidade operria. Rio de Janeiro: Marco Zero; Ed. UFRJ, 1987.

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    2 Para mais detalhes, ver: NEGRO, Antonio Luigi; GOMES, Flvio. Alm de senzalas e f-bricas: uma histria social do trabalho. Tempo Social, v.18, n.1, 2006.3 Dirio do Grande ABC, 2 maio 1978. Aesp (Arquivo do Estado de So Paulo), setor De-ops, 30-B-7, fls. 293.4 Cerca de 2 meses depois de o Dirio do Grande ABC ter captado a tendncia de os traba-lhadores aspirarem a um partido s para si, o ento presidente do Sindicato dos Metalr-gicos de So Bernardo e Diadema, Luiz Incio da Silva (Lula), convidado a falar aos petro-leiros em Salvador, via nos baixos salrios e no castramento dos sindicatos uma situao comum classe trabalhadora. O processo de explorao do trabalhador um s, disse ele, sendo diferente, apenas, a maneira de senti-lo. Diagnosticando a falta de opes na poltica, o sindicalista aceitava a ideia da criao de um partido, que seria usado, dentre outras finalidades, para restituir a liberdade tolhida pela Consolidao das Leis do Traba-lho, que o sindicalista Lula repudiava como o AI-5 dos trabalhadores. A Tarde, Salvador, 15 jul. 1978.5 Memorial do TRT, 5 Regio, processo JT 522/48, fls. 77.6 Aos Trabalhadores e Povo da Bahia, c.6 out. 1948. JT 522/48, fls. 77.7 CARVALHO, Marcus de. Os nomes da revoluo: lideranas populares na Insurreio Praieira, Recife, 1848-1849. Revista Brasileira de Histria, v.23, n.45, p.209-210, 2003.8 O autor se vale aqui do debate e das sugestes havidos no seminrio A Justia do Traba-lho no Brasil: Perspectivas Histricas, realizado pelo Programa de Ps-Graduao em Histria da Unicamp nos dias 13 e 14 de outubro de 2011. O autor tambm se vale do apoio fornecido por Lucas Porto Marchesini Torres e Jonas Brito, bolsistas CNPq.9 GUIMARES, Antnio S. Formao e crise da hegemonia burguesa na Bahia. Dissertao (Mestrado em Cincias Sociais e Histria) UFBA. Salvador, 1982. p.95.10 Para mais detalhes, ver: NEGRO, Antonio Luigi. Um PCB pouco, dois bom, trs demais: a participao operria na poltica do ps-guerra. Histria, n.21, 2002.11 FONTES, Jos Raimundo. A Bahia de todos os trabalhadores: a classe operria, sindicatos e poltica (1930-1947). Tese (Doutorado em Histria) FFLCH, USP. So Paulo, 1996. p.261.12 Em 1946 a diplomacia estadunidense detectou rumores de proscrio do PC. Ver: Alle-gations regarding the closing of the Communist Party. National Archives and Records Administration II (Nara II). General Records of the Department of State (GRDS), RG 59, M 519, no 15, 832.00/8-1646.13 DANTAS NETO, Paulo Fbio. Tradio, autocracia e carisma: a poltica de Antnio Carlos Magalhes na modernizao da Bahia. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006. p.71, 238, 249.14 Para mais detalhes de como a Guerra Fria repercute no espao fabril com apoio na pol-

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    cia poltica, ver: MELLO, Juara da Silva Barbosa de. Identidade, memria e histria em Santo Aleixo: aspectos do cotidiano operrio na construo de uma cultura fabril. Disser-tao (Mestrado em Histria) Uerj. Rio de Janeiro, 2008; REZNIK, Lus. Democracia e segurana nacional: a polcia poltica no ps-guerra. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2004.15 Sobre a indstria txtil baiana, ver: STEIN, Stanley J. The Brazilian cotton manufacture: textile enterprise in an underdeveloped area, 1850-1950. Cambridge (Mass): Harvard Uni-versity Press, 1957. p.21; DELSON, Roberta Marx. Brazil: the origin of the textile industry. In: VOSS, Lex Heerma van; HIEMSTRA-KUPERUS, Els; MEERKERK, Elise van Nederve-en. The Ashgate Companion to the History of Textile Workers, 1650-2000. Farnham: Ash-gate, 2010. p.94, 95. Ver tambm: SAMPAIO, Jos Lus Pamponet. A evoluo de uma empresa no contexto da industrializao brasileira: a Companhia Emprio Industrial do Norte, 1891-1973. Dissertao (Mestrado em Cincias Sociais e Histria) UFBA. Salva-dor, 1975.16 A proeminncia da famlia iniciou com a atuao no comrcio do imigrante luso Bernar-do Martins Catharino. O setor comercial de Salvador era uma poderosa elite econmica: estruturava-se em sua associao, financiava a aucarocracia e diversificou seus interesses tambm com a indstria txtil, de que a Bahia foi pioneira no Brasil colnia. Ver: SAN-TOS, Mrio Augusto da Silva. Associao Comercial da Bahia na Primeira Repblica: um grupo de presso. Salvador: Secretaria da Indstria, Comrcio e Turismo, 1973; RIDINGS, Eugene. Business interest groups in nineteenth-century Brazil. Cambridge: The Cambridge University Press, 1994.17 Panfleto, s.d. JT 522/48, fls. 3.18 Memorial, 6 jul. 1948. JT 522/48, fls. 69.19 Memorial, 7 set. 1948. JT 522/48, fls. 70.20 Memorial, 11 set. 1948. JT 522/48, fls. 97.21 O Momento, 19 set. 1948. JT 522/48, fls. 42.22 Memorial, 20 set. 1948. JT 522/48, fls. 60.23 O Momento, s.d., possivelmente 24 set. 1948. JT 522/48, fls. 43. Fonte usada nos prxi-mos trs pargrafos.24 Certido da DRT, 2 dez 1948. JT 522/48, fls. 81.25 O Momento, 25 set. 1948. JT 522/48, fls. 45. Panfleto, 25 set. 1948. JT 522/48, fls. 178.26 Panfleto. JT 519/48. Aviso Importante. A Tarde, 27 set. 1948. JT 522/48, fls. 56.27 O Estado, 28 set. 1948. JT 522/48, fls. 59. O Momento, 28 set. 1948. JT 522/48, fls. 46.28 O Momento, 29set. 1948. JT 522/48, fls. 47.29 A Tarde, 30 set. 1948. JT 522/48, fls. 57.30 Aos operrios das fbricas de tecidos, panfleto, c.30 set. 1948. JT 522/48, fls. 78.

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    31 A Tarde, 5 out. 1948. JT 522/48, fls. 58. Aos Trabalhadores e Povo da Bahia, panfleto, c.6 out. 1948. JT 522/48, fls. 77.32 Certido da DRT, 2 dez. 1948. JT 522/48, fls.81. Certido da DRT, 25 nov. 1948. JT 522/48, fls. 86.33 Relao de candidatos Assembleia Estadual da Bahia, 9 dez. 1946. Aperj, fundo DPS, D 885, fls. 364.34 Ao operariado da Companhia Progresso e Unio Fabril da Bahia. A Tarde, 5 out. 1948. JT 522/48, fls. 58.35 JT 522/48, fls. 2.36 Petio, 21 out. 1948. JT 522/48, fls. 2.37 Ata, 5 nov. 1948. JT 522/48, fls. 23. Despacho, 13 nov. 1948. JT 522/48, fls. 11.38 Ata de instruo da reclamao, 18 abr. 1949. JT 522/48, fls. 126. Ata de Julgamento, 3 out. 1949. JT 522/48, fls. 220.39 Ata de instruo da reclamao, 13 set. 1949. JT 522/48, fls. 208.40 Ata, 5 nov. 1948. JT 522/48, fls. 23.41 Razes finais, Jos Martins Catharino, 13 set. 1949. JT 522/48, fls. 209.42 Claudemiro Santana, segunda testemunha dos reclamados, 13 ago. 1949. JT 522/48, fls. 174. Ata de instruo da reclamao, 13 set. 1949. JT 522/48, fls. 208. Acrdo, 9 dez. 1949. JT 522/48, fls. 249.43 A ideia de um trabalhismo reinventado pelos trabalhadores apresentada em: NEGRO, Antonio Luigi; SILVA, Fernando Teixeira da. Trabalhadores, sindicatos e poltica. In: DELGADO, L.; FERREIRA, J. (Org.). O Brasil Republicano. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003. v.3, p.90. Tal ideia recapitulada em: NEGRO, Antonio Luigi. Linhas de montagem: o industrialismo nacional-desenvolvimentista e a sindicalizao dos trabalha-dores. So Paulo: Boitempo, 2004. p.164, onde se l: a inveno da mquina trabalhista que Vargas criou carecia do complemento da reinveno dos trabalhadores. Porm, nas mos dos trabalhadores e da aliana PTB-PCB o que se defende aqui , tal complemen-to podia ser um verdadeiro suplemento. Referindo-se ao perodo 1945-1964, Fernando Teixeira da Silva escreveu: ser sempre precria e muito parcial, alis, qualquer tentativa de se pensar o trabalhismo sem o comunismo. Ou, parafraseando o historiador E. P. Thompson, o comunismo foi o alter ego da esquerda trabalhista. SILVA, Fernando T. da. Breve histria de erros e bodes expiatrios: PCB e trabalhadores. In: FORTES, Alexandre (Org.). Histria e perspectivas da esquerda. So Paulo: Fundao Perseu Abramo, 2005. p.189.44 Sobre a relao das elites polticas baianas com o desenvolvimento econmico do estado, ver: DANTAS NETO, 2006, cap. 2, 3 e 5. Quanto ao declnio da indstria aucareira no Recncavo, ver: ANDRADE, Manuel Correia de. Modernizao e pobreza: a expanso da

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    agroindstria canavieira e o seu impacto ecolgico e social. So Paulo: Ed. Unesp, 1994. p.93ss.45 SILVA, Fernando T. da. Entre o Acordo e o Acrdo: Justia do Trabalho na Antecma-ra do Golpe de 1964. Campinas (SP), 2011. (Manuscrito).

    Artigo recebido em 7 de dezembro de 2011. Aprovado em 30 de abril de 2012.