governo varga e o serviço social

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34 Unidade II Unidade II 5 A ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL DE SÃO PAULO NO PERÍODO DE 1936 A 1945 A fim de sintonizar o contexto sócio-histórico que permeou a primeira escola de serviço social em São Paulo, um passear na história brasileira realizou-se a fim de justificar a emergência da institucionalização do serviço social. 5.1 Contexto histórico – décadas de 1910, 1920 e 1930 Esse período foi marcado por um processo de diferenciação econômica: expansão da lavoura cafeeira, tímido desabrochar da indústria, aceleramento do processo de urbanização e emergência de um mercado interno. Esse cenário faz despontar uma estrutura social mais complexa, em que surgem novos atores: o crescimento das camadas médias urbanas, a constituição do proletariado e da burguesia industrial, o incremento da imigração europeia, a crescente organização e autonomia das Forças Armadas. Disso resulta a ampliação nas bases de representatividade do sistema vigente. Agreguem-se a isso a tensão entre as aspirações políticas dos novos atores e o poder das oligarquias agroexportadoras, a efervescência ideológica em virtude dos conflitos sociais, a ocorrência de greves operárias. Em 1922 presencia-se a concretização da inquietude cultural e estética com a Semana da Arte Moderna, a fundação do Partido Comunista do Brasil e a agitação nos quartéis, colocando em cena os movimentos tenentistas. A Igreja, excluída de programas e soluções para esse contexto sociopolítico, reage em face à ameaça de ser marginalizada do processo político nacional. A reação católica assumiu posição de destaque no contexto brasileiro, configurando-se um importante núcleo aglutinador da sociedade civil (estratos médios e superiores). O primeiro sinal mais vigoroso de oposição ao espírito acomodatício da Igreja, e que se converte no baluarte da “reação católica”, é a carta pastoral de 1916, de Dom Leme, recém-nomeado arcebispo da diocese de Olinda e Recife. Há uma crise de ordem moral, sendo a solução a recristianização da sociedade, que seria capaz de restaurar a unidade espiritual do país, devolvendo-lhe seu equilíbrio e harmonia naturais. Propõem-se um revigoramento de laços entre os leigos e a hierarquia eclesiástica. Intelectuais teriam como tarefa combater as bases agnósticas e laicistas do regime, disseminando a doutrina cristã pela sociedade e suas instituições.

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PROTOFORMAS DO SERVIÇO SOCIAL

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    Unidade II5 A ESCOLA DE SERVIO SOCIAL DE SO PAULO NO PERODO DE 1936 A 1945

    A m de sintonizar o contexto scio-histrico que permeou a primeira escola de servio social em So Paulo, um passear na histria brasileira realizou-se a m de justicar a emergncia da institucionalizao do servio social.

    5.1 Contexto histrico dcadas de 1910, 1920 e 1930

    Esse perodo foi marcado por um processo de diferenciao econmica: expanso da lavoura cafeeira, tmido desabrochar da indstria, aceleramento do processo de urbanizao e emergncia de um mercado interno. Esse cenrio faz despontar uma estrutura social mais complexa, em que surgem novos atores: o crescimento das camadas mdias urbanas, a constituio do proletariado e da burguesia industrial, o incremento da imigrao europeia, a crescente organizao e autonomia das Foras Armadas. Disso resulta a ampliao nas bases de representatividade do sistema vigente.

    Agreguem-se a isso a tenso entre as aspiraes polticas dos novos atores e o poder das oligarquias agroexportadoras, a efervescncia ideolgica em virtude dos conitos sociais, a ocorrncia de greves operrias.

    Em 1922 presencia-se a concretizao da inquietude cultural e esttica com a Semana da Arte Moderna, a fundao do Partido Comunista do Brasil e a agitao nos quartis, colocando em cena os movimentos tenentistas.

    A Igreja, excluda de programas e solues para esse contexto sociopoltico, reage em face ameaa de ser marginalizada do processo poltico nacional. A reao catlica assumiu posio de destaque no contexto brasileiro, congurando-se um importante ncleo aglutinador da sociedade civil (estratos mdios e superiores).

    O primeiro sinal mais vigoroso de oposio ao esprito acomodatcio da Igreja, e que se converte no baluarte da reao catlica, a carta pastoral de 1916, de Dom Leme, recm-nomeado arcebispo da diocese de Olinda e Recife.

    H uma crise de ordem moral, sendo a soluo a recristianizao da sociedade, que seria capaz de restaurar a unidade espiritual do pas, devolvendo-lhe seu equilbrio e harmonia naturais. Propem-se um revigoramento de laos entre os leigos e a hierarquia eclesistica. Intelectuais teriam como tarefa combater as bases agnsticas e laicistas do regime, disseminando a doutrina crist pela sociedade e suas instituies.

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    SERVIO SOCIAL: SURGIMENTO E INSTITUCIONALIZAO NO BRASIL

    Lembrete

    A falta de instruo religiosa era a causa do indiferentismo e da inrcia dos catlicos. Combate o catolicismo de sentimento. Fundamenta a f em um conhecimento aprofundado dos ensinamentos cristos.

    J na primeira metade do sculo XX, o Estado de So Paulo vivenciou um acelerado processo de industrializao e enriquecimento devido aos lucros da lavoura de caf e articulao da poltica do caf com leite, pela qual se alternavam na presidncia da Repblica polticos dos Estados de So Paulo e de Minas Gerais.

    Em meio grave crise econmica causada pela Grande Depresso de 1929, que derrubara os preos do caf, eclodiu a Revoluo de 1930.

    A partir da Revoluo de 1930, com Vargas, houve a quebra do regime oligrquico e a ascenso das classes assalariadas urbanas. A poltica de Governo evidenciava a mudana no modelo econmico brasileiro cujas consequncias no plano social e poltico foram inmeras e ocasionaram mudanas no tratamento da questo social. Esta deixou de ser encarada como caso de polcia e passou a ser tratada como uma questo de poltica, ou seja, o Estado passou a legislar sobre a poltica social, que tomou corpo por meio de leis trabalhistas, sindicais, previdencirias e assistenciais.

    A legislao trabalhista visava principalmente ao controle do Estado sobre a classe operria. Assim, o Governo, ao reconhecer as especicidades sociais do setor urbano e visando manter o equilbrio interno da classe dominante, comeou a criar inmeros mecanismos controladores, encaminhando-se na direo de disciplinar e normatizar, na esfera interna, as condies para o intercmbio e o funcionamento das foras produtivas que deveriam atender s demandas do mercado do pas. Surgia, ento, a necessidade da mudana cultural.

    As eleies presidenciais de 1930 foram vencidas por Jlio Prestes (presidente oriundo do Estado de So Paulo). A oposio no aceitou a derrota de Getlio Vargas, e teve incio em 3 de outubro a Revoluo de 1930. A revoluo saiu vitoriosa e, em 3 de novembro, Getlio Vargas tomou posse como chefe do segundo governo provisrio da Repblica, pondo m Repblica Velha e supremacia poltica das oligarquias paulistas.

    Tal mudana era previsvel, pois a sociedade brasileira ainda estava vinculada a valores e padres da sociedade escravista, sendo que as lideranas e as organizaes ainda apresentavam-se sob a mentalidade oligrquica. Reconhecia-se, dessa forma, que sem essas mudanas e renovaes o pas no poderia atender ao padro capitalista.

    Faoro (2000) destaca que o poder pblico brasileiro entre os anos 1930 e 1945 criou comisses, conselhos, departamentos, institutos, companhias, fundaes e formulou planos. Tambm estabeleceu atos ociais, leis e decretos sobre problemas econmicos, nanceiros, administrativos, educacionais,

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    tecnolgicos, sociais e outros. O Estado brasileiro desencadeou uma nova racionalidade assistencial, ao mesmo tempo em que vivia um processo de modernizao que tentava ajustar-se aos ditames da economia internacional.

    Conforme Faoro (2000, p. 320-321),

    [...] os problemas sociais deveriam ser incorporados ao mecanismo, pacific-los, domando-os entre extremismos, com a reforma do aparelhamento, no s constitucional, mas poltico-social. Essas correntes ocupam o cenrio, na verdade, antes que assumam conscincia de seus interesses, antecedendo s transformaes econmicas que justifiquem seu poder, a necessidade de um Estado orientador, alheado das competies, paternalista na essncia, controlado por um lder e sedimentado numa burocracia superior, estamental e sem obedincia a imposies de classes. Repelido o comunismo, duramente combatido, afastadas as proposies socializantes, num aglomerado confuso de tendncias e alas [...], a nota modernizadora do movimento assume feies nacionalistas: um direito pblico brasileiro, uma poltica brasileira. A nacionalizao da economia nacionalizao e no socializao completa o quadro, sob o pressuposto do aniquilamento do centrifuguismo estadualista.

    Em 1932 inicia-se a organizao de um movimento armado para a derrubada de Vargas. O Partido Republicano Paulista e o Partido Democrtico de So Paulo, que haviam apoiado a Revoluo de 1930, unem-se na Frente nica para exigir o m da ditadura do governo provisrio e a preparao de uma nova Constituio (movimento de constitucionalizao). O trmino da Revoluo Constitucionalista marcou o incio do processo de democratizao: Constituio de 1934.

    Vargas adotou, de forma mais sistemtica, uma poltica pragmtica, paternalista e populista, visando manuteno do pacto de dominao e da paz social, e para que isso se tornasse possvel buscou alianas com a classe popular e a burguesia. Fez uso, de forma combinada, da distribuio de favores e da concesso de direitos, com represso e integrao dos trabalhadores. Nessa direo, destacam-se a criao do Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio e o atrelamento dos sindicatos a este Ministrio, alm de uma poltica de enfrentamento da questo social, que se evidencia atravs da concesso do salrio mnimo, frias remuneradas, limitao da jornada de trabalho, limitao sobre a explorao da fora de trabalho infantil e da mulher, entre outros.

    Desde ento o Estado tornou-se um dos principais agentes do processo econmico, e a Constituio de 1934 acentuou esse paternalismo provedor do Estado e seu intervencionismo dirigista.

    Partindo desse contexto, Vargas conseguiu a cooptao do movimento operrio, por meio da adeso e do consenso dos trabalhadores, sem deixar de atender s aspiraes da burguesia, uma vez que propiciou condies para o aumento da produo. Dessa forma, conseguiu estabelecer uma poltica de compromissos, alianas e conciliaes entre as camadas dominante, mdia e popular, que

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    ancoravam a ideologia da paz social e que se tornaram solo frtil para a expanso capitalista no Brasil.

    O governo de Getlio Vargas, segundo Baierl (2005):

    1930-1934 Governo provisrio: declara moratria, renegocia a dvida externa, Lei de Sindicalizao (torna obrigatria a aprovao dos sindicatos trabalhistas e patronais pelo Ministrio do Trabalho), restabelece as relaes amistosas com a Igreja, estabelece em 1933 a religio catlica como religio ocial.

    1934-1937 Governo constitucional, eleito pelo Congresso Nacional.

    1937-1945 Golpe de Estado em 1937 e instalao do Estado Novo: fechamento do Congresso, extino dos partidos polticos, outorga-se nova Constituio. Orientao para a interveno estatal na economia e para o nacionalismo econmico, impulso industrializao, CLT, Cdigo Penal, Justia do Trabalho, salrio mnimo, FGTS.

    1951-1954 Presidente eleito pelo voto direto.

    Nesse perodo, foram criadas as seguintes instituies, ainda segundo Baierl (idem):

    1930 Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio.

    1931 Conselho Nacional do Caf; Instituto do Cacau da Bahia.

    1932 Ministrio da Educao e Sade Pblica.

    1933 Departamento Nacional do Caf, Instituto do Acar e do lcool.

    1934 Conselho Federal de Comrcio Exterior, Instituto Nacional de Estatstica, Cdigo de Minas, Cdigo de guas, Plano Geral de Viao Nacional; Instituto de Biologia Animal.

    1937 Conselho Brasileiro de Geograa; Conselho Tcnico de Economia e Finanas.

    1938 Conselho Nacional do Petrleo; Departamento de Administrao do Servio Pblico (Dasp), Instituto Nacional do Mate, Instituto de Geograa e Estatstica (IBGE).

    1939 Plano de Obras Pblicas e Aparelhamento da Defesa.

    1940 Comisso de Defesa da Economia Nacional; Instituto Nacional do Sal; Fbrica Nacional de Motores.

    1941 Companhia Siderrgica Nacional; Instituto Nacional do Pinho.

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    1942 Misso Cooke, Servio Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai).

    1943 Coordenao da Mobilizao Econmica, Cia. Nacional de lcalis, Fundao Brasil Central; Usina Siderrgica de Volta Redonda; Consolidao das Leis do Trabalho; Servio Social da Indstria (Sesi); Plano de Obras e Equipamentos; I Congresso de Economia.

    1944 Conselho Nacional de Poltica Industrial e Comercial, Servio de Expanso do Trigo.

    1945 Conferncia de Terespolis, Superintendncia da Moeda e Crdito (Sumoc), Decreto-Lei n 7.666 sobre atos contrrios ordem moral e econmica.

    O contexto sociopoltico no incio do sculo XX permeou a institucionalizao do servio social como prosso na sociedade capitalista, institucionalizao esta associada progressiva interveno do Estado nos processos de regulao social.

    As particularidades desse processo no Brasil vinham a evidenciar que a prossionalizao e legitimao do servio social era uma resposta do Estado e do empresariado, com o suporte da Igreja Catlica, no enfrentamento da questo social, demarcado a partir dos anos 1930 com a intensicao das manifestaes sociais (a questo social) no cotidiano da vida social, que adquirem expresso poltica.

    5.2 O Centro de Estudos e Ao Social de So Paulo (Ceas): passos para a especializao na prestao da assistncia

    A Igreja Catlica teve um papel fundamental na emergncia e gnese do servio social, como tambm na estruturao de seu perl no pas. Ela ser responsvel pelo iderio, pelos contedos e pelo processo de formao dos primeiros prossionais brasileiros.

    No ano de 1932 foi criado o Centro de Estudos e Ao Social (Ceas), entidade fundadora e mantenedora da primeira escola de servio social do pas. Segundo historiadores da gnese da prosso de servio social, esse acontecimento foi a manifestao original da prosso no Brasil, condensando as necessidades do setor da Ao Social e da Ao Catlica.

    O Ceas surge depois da realizao, de 1 de abril a 15 de maio desse ano, do Curso Intensivo de Formao Social para Moas, organizado pelas cnegas de Santo Agostinho.

    Sua direo era exercida pela convidada Mlle. Adle de Loneux da Escola Catlica de Servio Social de Bruxelas, e tinha uma programao terico-prtica que inclua visitas a instituies benecentes. O curso encontrou grande aceitao entre jovens catlicas, que buscaram criar uma associao de ao social.

    Ao ndar esse curso, elaborou-se o 1 Relatrio do Ceas, o qual expressava a necessidade de se promover uma formao doutrinria e aprofundar o conhecimento dos problemas sociais para melhoria na atuao dos trabalhadores sociais.

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    Foi esse o incio do Ceas, que teve a orientao da professora Loneux. Na ocasio, ela deniu o servio social como: O conjunto de esforos feitos para adaptar o maior nmero possvel de indivduos vida social ou para adaptar as condies de vida social s necessidades dos indivduos (VIEIRA, 1985, p. 142).

    O objetivo central do Ceas era promover a formao de seus membros pelo estudo da doutrina social da Igreja e fundamentar sua ao nessa formao doutrinria e no conhecimento aprofundado dos problemas sociais (IAMAMOTO; CARVALHO, 2003).

    As reunies iniciais do grupo foram acompanhadas pela Arquidiocese de So Paulo, por intermdio do monsenhor Gasto Liberal Pinto. Em 16 de setembro de 1932 foi eleita a primeira diretoria do centro, tendo Odila Cintra Ferreira4 como presidenta.

    Como se observa, o Ceas foi gestado em plena revoluo paulista. Ele era mantido com mensalidades das scias e tinha por objetivo difundir a doutrina e a ao social da Igreja. Essa orientao ocorreu em um momento em que a Igreja, como fora social, mobilizou o laicato a partir das diretrizes das encclicas papais Rerum Novarum (1891) e Quadragsimo Anno (1931), que assumiam um posicionamento antiliberal e anticomunista.

    O centro desenvolveu uma programao de cursos sobre losoa, moral, legislao do trabalho e encclicas, mantendo ao mesmo tempo atividades de estudo e de ao.

    Lima (1992, p. 41), ao apresentar um trecho do Relatrio do Centro de Estudos e Ao Social 1932-1934, revela o panorama em que essas aes desenvolvem-se, particularmente em So Paulo, por causa de sua congurao como centro industrial em desenvolvimento: Estvamos quase todas empenhadas em entrar em contato com os meios operrios, nesse momento anormal, muito trabalhado por elementos subversivos.

    Nessa direo, o Ceas cria, ainda em 1932, quatro Centros Operrios, onde era desenvolvido um trabalho de ao social com as mulheres operrias. Mais tarde, esses centros constituiriam-se em sedes da Juventude Operria Catlica e serviriam como campos de estgio para as alunas do curso de servio social. Simultaneamente, o Ceas enviou a Bruxelas, Blgica, Maria Kiehl e Albertina Ramos para que fizessem o curso de servio social, com a clara inteno de criar uma escola de servio social no Brasil (LIMA, 1992, p. 41-42). Merece destaque o trabalho desenvolvido com a juventude feminina, que levou realizao de um curso em 1932 que se debruou sobre assuntos relativos doutrina social da Igreja e Ao Catlica. Ministrado por mademoiselle Cristine de Hemptine, ele pode ser considerado uma marca histrica para o surgimento do servio social.

    Esses centros, segundo Iamamoto, ofereciam uma trplice vantagem e seriam ponto de partida para um desenvolvimento mais amplo, pois eram:

    4Odila Cintra Ferreira era de famlia tradicional de So Paulo. Depois de presidir o Ceas, ela dirigiu a Associao Brasileira de Escolas de Servio Social (Abess) e a Associao Brasileira de Assistentes Sociais (Abas).

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    campos de observao e de prtica para a trabalhadora social;

    centros de educao familiar, onde se procura estimular o trato pelas jovens operrias com o lar e o cumprimento de seus deveres;

    ncleos de formao de elites que agiriam na massa operria.

    Essas vantagens apresentavam para essa poca um perl para os ativistas: a mulher, por natureza, tinha uma vocao natural para tarefas educativas e caridosas. Para esses, cabia mulher a preservao da ordem moral e social.

    Era peculiar nessa poca um perl para ser assistente social: ser mulher, pois se compreendia que a mulher naturalmente era paciente, cuidadora, sensvel, amvel e, por misso, j era educadora.

    Em 1933, o Ceas amplia suas atividades e luta pela proteo do trabalho da mulher e dos menores na indstria, indicando duas representaes ao Ministrio do Trabalho e Secretaria de Agricultura com o objetivo de criar o Servio de Fiscalizao. Segundo Lima (1992), essa foi a primeira nomeao de um assistente social para um cargo pblico. Vale destacar que nesse mesmo ano o centro prestou colaborao Liga Eleitoral Catlica, fazendo parte da comisso feminina de propaganda.

    Na Liga Eleitoral Catlica, o Ceas tinha a funo de alistar eleitores e proselitismo5. Alm disso, iniciou-se nesse perodo a organizao da Primeira Semana da Ao Catlica, comeo da formao de quadros da Juventude Feminina Catlica.

    J no ano de 1934, o Ceas assume a responsabilidade de implantar a Ao Catlica em So Paulo organizando a Primeira Semana de Ao Catlica, cujo objetivo era cumprir

    a palavra de ordem do Santo Padre, que est a exigir dos paulistas um trabalho de cooperao ecaz, um estudo srio das questes mais importantes que se relacionam com a Ao Social. O Centro de Estudos e Ao Social quer mostrar s alunas de boa vontade a necessidade de uma ao disciplinada e o calor dos estudos em conjunto (LIMA, 199, p. 42).

    O contedo da 1 Semana de Ao Catlica abrangeu formao espiritual e social e estratgias de ao que introduziam o conceito de ver-julgar-agir (como se apresentam os problemas causas dos problemas e como se pode atuar nos problemas) como fundamentao da metodologia de interveno.

    Odila Cintra Ferreira, que j tinha formao social cursou a Escola Normal Social de Paris , mescla a viso francesa e a belga e, em 15 de fevereiro de 1936, inaugura em So Paulo a primeira Escola de Servio Social no pas.

    5Referente a proslito, que quer dizer partidrio.

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    SERVIO SOCIAL: SURGIMENTO E INSTITUCIONALIZAO NO BRASIL

    No Rio de Janeiro, tambm em 1936, realizada a 1 Semana de Ao Social, com a participao do padre Valre Fallon, socilogo e economista belga, tendo como comisso de honra deputados, vereadores, desembargadores e outras personalidades.

    O Relatrio da 1 Semana de Ao Social do Rio de Janeiro apresenta a seguinte opinio do Pe. Valre Fellon:

    S pode ser soldado aquele que batalhou. Ningum saber nadar se no se jogar na gua. [...] Encurtemos os projetos enormes e tornemos mais prximas as previses mais futuras [...]. Em matria social, como em operaes militares, temos que contar com o imprevisto e o adversrio (idem, p. 43).

    Lima (idem) ainda destaca que a elevao material, intelectual e religiosa das classes operrias era o principal problema a ser atacado. A autora, analisando a programao da 1 Semana realizada no Rio de Janeiro, ressalta a importncia da palestra de Stela de Faro, presidenta da Associao de Senhoras Brasileiras, sobre Recrutamento e formao de quadros, que explicita conceitos bsicos da ao social e define o servio social citando o conceito da Escola Normal da Frana: O servio social uma forma de ao social ou restaurao da ordem social, exercido por um especialista por meio de um trabalho prtico, tcnico, para realizaes imediatas em domnios bem circunscritos (idem).

    Stela de Faro em sua palestra sinalizou algumas recomendaes:

    criao de uma escola catlica de servio social;

    organizao de semanas de ao social;

    criao de escolas de cincias polticas e sociais para a formao de dirigentes;

    formao de crculos de estudos sociais e de grupos de ao social.

    O Ceas, com o regresso de Maria Kiehl e Albertina Ramos da Blgica, iniciou o processo de preparao de quadros da Juventude Feminina Catlica. Foram constitudos dois grupos, o da Ao Catlica e o da Ao Social, e a partir deles algumas jovens foram para o curso de servio social, em busca de conhecimento e tcnicas que tornassem a ao mais ecaz.

    Contudo, essas iniciativas foram a base da organizao humana para a expanso da ao social e o surgimento das primeiras escolas de servio social, que se instalaram em 1936 em So Paulo, por conta da necessidade de uma formao tcnica e especializada.

    Em 1936 foi fundada a Escola de Servio Social de So Paulo, a primeira do gnero no Brasil, que, como era de se esperar, liga-se Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (BAIERL, 2005).

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    5.3 A Escola de Servio Social de So Paulo

    Como evidenciado anteriormente, a Igreja Catlica e suas instituies inuenciaram na institucionalizao do servio social brasileiro.

    O processo de prossionalizao e legitimao do servio social encontrava-se articulado ao crescimento das instituies socioassistenciais estatais, que surgiram a partir da dcada de 1940. Desse modo, a Ao Catlica iniciou e orientou a formao de assistentes sociais por meio de uma ao planejada e reetida para o enfrentamento da questo social, que cada vez mais evidenciava-se na conjuntura poltica, econmica e social de So Paulo no incio dos anos 1930.

    A cidade de So Paulo, como polo irradiador e maior centro industrial do pas, exigia melhores condies de trabalho. J se contava com uma legislao especca voltada ao trabalho face s novas exigncias tcnicas decorrentes da implantao das indstrias, contudo demandas sociais emergiam em vrias frentes. A famlia constitua-se foco de ateno da poltica social, tendo em vista a necessidade de prepar-la para enfrentar a absoro da mo de obra feminina no trabalho fora do lar, sem que esta perdesse sua funo bsica, que era a de educar os lhos e reproduzir a fora de trabalho.

    A Escola de Servio Social de So Paulo, criada em 1936, teve sua origem, como j exposto, no Curso Intensivo de Formao Social de Jovens realizado pelo Ceas, absorvendo boa parte das atividades desenvolvidas por esse centro. Por meio da formao social, moral, tica (formao doutrinria) e tcnica para atuao nos vrios campos de ao social, estabeleceu como objetivo dar s alunas

    uma slida formao tica e nelas desenvolver as qualidades naturais que requer a carreira social, tais como o amor ao prximo, o ideal de fazer o bem, a capacidade de dedicao, o desinteresse pessoal, o critrio e o senso prtico na ao (YAZBEK, 1977, p. 38).

    Sua proposta de formao concentrava-se, como no poderia deixar de ser, nas premissas orientadoras do servio social europeu, em especial, do institudo na Frana e na Blgica (idem).

    Parafraseando ainda Yazbek (idem, p. 39-40), est explcito ter sido o iderio franco-belga o primeiro estgio do desenvolvimento do servio social em So Paulo, evidenciado na ao social e na preocupao com a situao das classes trabalhadoras. Essa preocupao com a questo operria, bastante difundida na Europa j chegara ao Brasil, tanto que na poltica os problemas da legislao trabalhista e do sindicalismo comearam a ser objeto de atenes.

    Entre os objetivos estabelecidos pela Escola, julga-se conveniente destacar aquele que prope que a Escola

    [...] proporcionar s moas uma slida formao tanto moral como tcnica procurando preencher dois ns: preparar algumas para exercer a carreira prossional de assistentes sociais e outras para desempenharem na sociedade

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    SERVIO SOCIAL: SURGIMENTO E INSTITUCIONALIZAO NO BRASIL

    o seu verdadeiro papel, com uma slida formao moral e social (RELATRIO ANUAL DO CEAS, 1936, apud YAZBEK, 1977, p. 40).

    As condies para o ingresso na Escola eram, segundo Silva (2004):

    ter entre 18 anos completos e menos de 40;

    apresentar referncias de trs pessoas idneas;

    comprovar ter realizado estudos secundrios;

    apresentar atestado de sade;

    submeter-se prova eliminatria de admisso.6

    O contedo do curso destacava a formao intelectual, moral, prossional e doutrinria:

    1. Formao intelectual: estudo de matrias informativas (sobre os vrios setores da vida humana, como o homem em sua vida fsica, psicolgica, moral, social e econmica) e trabalho de desenvolvimento do raciocnio lgico e objetivo.

    2. Formao moral: estudo de princpios morais e aprofundamento de conceitos sobre a moral.

    3. Formao prossional: ponto de convergncia das outras prosses, que compreende uma parte informativa (conceitos do servio social, seus fundamentos, modalidades e mtodos) e uma parte formativa (trabalho pessoal dos alunos realizado principalmente em visitas e estgios em obras sociais). Prtica de casos individuais, considerada instrumento bsico de trabalho para qualquer ramo do servio social.

    4. Formao doutrinria: base e elemento vivicador dos outros aspectos de formao, enquanto possibilita ao assistente social uma viso de homem, de mundo e das relaes do homem com o mundo sob a perspectiva do cristianismo.

    Ainda quanto formao, citando mais uma vez Yazbek (1977), a formao cientca, tcnica, moral e tica, a preocupao era a de que a prossional desenvolvesse uma formao tcnica (prtica e terica), uma formao doutrinria, que dar ao futuro assistente social uma concepo de vida, de Homem e de mundo fundamentada em princpios cristos.

    A formao cientca embasava-se na losoa, em noes de Homem e de Mundo, de vida fsica, psicolgica, econmica, moral e jurdica; em questes referentes ao que o estado normal e o estado

    6Essa prova era exigida aps a frequncia do curso preparatrio, de rpida formao social e dirigido queles que buscavam orientao sobre os problemas sociais da poca. (YAZBEK, 1977, p. 42). Participaram do exame da primeira turma 65 jovens, 40 foram admitidas e 25 aprovadas.

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    que envolve perturbaes s quais esto sujeitos os seres humanos na vida em sociedade. Portanto, todo um referencial embasado nas cincias sociais era utilizado para explicar o comportamento humano e seus desvios na vida em sociedade e/ou grupos.

    O aspecto tcnico visava preparar o assistente social para combater os males sociais, para ensinar o indivduo a se ajudar e a se integrar.

    A formao moral, trabalho de preparao do assistente social que seria, por assim dizer, investido de uma formao moral crist slida, isto , seria uma pessoa exemplar , propiciaria a interveno prossional com carter educativo e disciplinador, que era o objetivo da prosso.

    Os valores e critrios morais e ticos cristos internalizados pela prosso reetiam na prtica realizada, quer dizer: os problemas sociais eram diagnosticados e tratados pela prosso a partir de um julgamento moral do proletariado. A formao doutrinria era a base para todos os outros aspectos da formao do assistente social, que deveria acontecer dentro da Doutrina Crist.

    Segundo Yazbek (1977, p. 40), na viso do servio social, nesse momento de sua evoluo, destacam-se algumas categorias fundamentais para o trabalho do assistente social:

    trabalho de adaptao do indivduo ao meio e do meio ao indivduo;

    trabalho de restaurao e normalizao da vida social, por meio do atendimento dos problemas em seus efeitos;

    abordagem individualizada (casos individuais).

    Enquanto escola catlica, a orientao da Escola de Servio Social de So Paulo baseava-se na doutrina social da Igreja, razo pela qual sua preocupao central era formar prossionais com uma mentalidade crist, de concepo de homem e de mundo atuando em direo da justia social, da solidariedade social e da caridade crist (LIMA, 1992, p. 50).

    Dentro dessa perspectiva, o assistente social deveria ter conhecimento signicativo dos fenmenos sociais para poder qualicar sua atuao junto famlia, escola e a outros grupos sociais.

    Havia, na poca, uma preocupao em enfatizar o servio social como vocao, e dessa maneira a discusso sobre vocao permeava os iderios da formao. Sobre isso, Yazbek (1977, p. 41) aponta que

    [...] a remunerao aparece como aspecto secundrio do trabalho e justica-se apenas pelo fato de que sem ela a carreira caria impossibilitada a todos que devem viver de seu trabalho. Mas a carreira de assistente social basicamente apresentada como feita de dedicao e desinteresse. Dedicao e desinteresse que devem aliar-se ao estudo e domnio de tcnicas sendo esta a razo pela qual as escolas que se destinam a formar assistentes sociais elaboram seus programas na perspectiva desta dupla formao.

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    Ainda sobre a vocao, uma aluna da primeira turma formada, Helena Iracy Junqueira, posteriormente professora da Escola de So Paulo, pronuncia-se do seguinte modo:

    Aqueles que pretendem dedicar-se ao servio social devem ser realmente solicitados pela situao penosa de seus irmos, pelas injustias sociais, pela ignorncia, pela misria, e a esta solicitao devem corresponder s qualidades pessoais de inteligncia e vontade indispensveis realeza do servio social (JUNQUEIRA, 1943, p. 40 apud YAZBEK, 1977, p. 42).

    Verica-se que, paralelamente formao, havia a ideologia da prosso como misso, abnegao, servindo com uma conotao de renncia, de sacrifcio, com base nos princpios cristos exarados pela f catlica. Nesse sentido, a concepo de trabalho social caracteriza o servio social como atividade profundamente humana que depende do valor de seus agentes (YAZBEK, 1977, p. 42).

    Essa concepo impregnou-se no iderio popular e igualmente em algumas outras categorias prossionais, sendo que ainda hoje constitui-se luta do coletivo prossional o rompimento desse olhar sobre a prosso.

    Nessa fase do servio social, que pode ser denominada de embrionria, a Igreja, o Estado e o empresariado, articulados ideolgica e politicamente, foram constituindo os campos de interveno para o assistente social; do aconselhamento e do consolo, partiu-se para a correo das disfunes sociais, a m de que a sociedade se organizasse e funcionasse de acordo com os parmetros propostos pela classe dominante.

    A questo social no pas, decorrente da economia dependente do capital externo (inicialmente do europeu e posteriormente do americano), fez com que o governo adotasse medidas de cunho social em resposta contradio estabelecida na relao capital x trabalho.

    Em 1938, dois anos depois de sua criao, essa escola formou sua primeira turma, diplomada em virtude da necessidade de se apressar a diplomao de pessoal tcnico (LIMA, 1982, p. 51).

    No ano seguinte (1939), a partir de iniciativa do Ceas e em parceria com o Departamento de Servio Social do Estado foram criados trs centros familiares em bairros operrios de So Paulo, com o objetivo de [..] preparar famlias operrias, prevenir contra sua desorganizao, procurando elevar seu nvel de vida, econmico e cultural por meio de servios de assistncia e educao (ibidem).

    A criao desses centros provocou uma alterao no contedo do curso de servio social, incorporando uma disciplina de formao familiar em virtude da necessidade de adequao para enfrentar problemas especcos do Estado.

    O surgimento de outras necessidades levou a escola a contar, com o intuito de melhor adaptar e aperfeioar seu ensino, com duas colaboraes: da Escola de Enfermagem da Escola Paulista de Medicina para a parte mdico-social e do Instituto Social do Rio de Janeiro para a formao tcnica do trabalho familiar e tambm para a parte mdico-social (LIMA, 1982, p. 52).

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    Em 1940 foi criado o Instituto de Servio Social, desmembramento da Escola de Servio Social, surgiu com a nalidade de formar prossionais do sexo masculino. Sua origem vincula-se Juventude Universitria Catlica, organizao da Igreja Catlica, e constitui-se na primeira escola masculina de servio social da Amrica Latina.

    O acesso ao curso do instituto realizava-se nos moldes da Escola de Servio Social, ou seja, o candidato precisava passar por um curso preparatrio e submeter-se a um exame de admisso.

    O incremento na formao de assistentes sociais desencadeou um estudo sobre o reconhecimento do servio social como prosso, realizado pela Escola de Servio Social e pelo Instituto de Servio Social. Esse estudo foi apresentado no I Congresso de Servio Social, realizado em So Paulo, em 1947.

    As mudanas vivenciadas por essa escola so evidentes. A primeira ocorre a partir do convnio rmado entre o Ceas e o Departamento de Servio Social do Estado, em 1939, a m de organizar os Centros Familiares. Outras mais se daro a m de atender demanda das prefeituras do interior do Estado.

    5.4 A Escola de Servio Social do Rio de Janeiro

    A formao tcnica especializada para a prtica em servio social surge no Rio de Janeiro permeado de particularidades.

    O Rio de Janeiro era apresentado nesse perodo como o mais antigo polo industrial da regio Sudeste, alm de ser a maior cidade do pas, a capital federal e onde se concentravam a administrao federal e os principais aparatos da Igreja Catlica.

    A Escola de Servio Social do Rio de Janeiro surge, portanto, no ano de 1937, criada sob outras inuncias, mas igualmente a Igreja e sua Doutrina. Essa escola, que dava nfase necessidade de formao social, foi criada sob a orientao ideolgica do cardeal Leme, de Stela de Faro e de Alceu Amoroso Lima.

    Essa escola

    [...] desenvolveu-se segundo diversas variantes, provavelmente porque na capital do pas estavam centralizadas muitas reparties pblicas sob cuja demanda se profissionalizou o servio social. No Rio de Janeiro, a fundao das escolas foi patrocinada pelo Grupo de Ao Social, pela Escola de Enfermagem Ana Nery e pelo Juizado de Menores; entretanto, mesmo que as duas ltimas instituies no estivessem sob a tutela da Igreja, as suas bases doutrinrias continuavam sendo a moral e os princpios religiosos catlicos (MANRIQUE, 2000, p. 108).

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    Conforme Lima (apud AGUIAR 1995, p. 30):

    Em junho de 1937, funda-se no Rio de Janeiro o Instituto de Educao Familiar e Social, com os seguintes objetivos: formar entre as mulheres, no de uma classe, mas de todas as classes sociais, uma conscincia de comunidade crist que v substituir o individualismo liberal egosta sem cair na socializao inumana e estatal. Para isso formar assistentes sociais, educadores familiares e donas de casa que venham a ser, no meio em que vivem e trabalham, nos institutos em que ensinam ou nos ambientes sociais em que atuam, como elementos de correo das anomalias sociais, verdadeiros elementos de renovao pessoal e catlica.

    Como nos apresenta Lima (1992, p. 55), o instituto constitua-se de duas escolas distintas: a Escola de Servio Social e a Escola de Educao Familiar, cujos objetivos eram formar assistentes sociais e educadores sociais, respectivamente.

    Nos estudos de Lima (1992) consta que no perodo de 1937-1945 foram institucionalizados seis cursos de servio social na regio da ento Guanabara e Rio de Janeiro, a saber:

    Instituto de Educao Familiar e Social (1937), hoje Departamento de Servio Social da PUC-RJ.

    Curso de servio social da Escola Ana Nery (1937), hoje Escola de Servio Social da UFRJ.

    Escola Tcnica de Servio Social do S.O.S. (1938), hoje Departamento de Servio Social das Faculdades Integradas Veiga de Almeida.

    Escola de Servio Social das Faculdades Catlicas (1943) escola masculina integrada denitivamente ao Departamento e Servio Social da PUC-RJ na dcada de 1960.

    Escola Tcnica de Assistncia Social Cecy Dodsworth (1944), hoje Faculdade de Servio Social da UERJ.

    Escola de Servio Social do Estado do Rio de Janeiro (1945), hoje Escola de Servio Social da UFF Niteri (LIMA, 1992, p. 16-17).

    A criao das escolas uminenses e cariocas no surgiu de um nico projeto de prossionalizao, do movimento catlico laico ou de elementos das classes dominantes a ele ligados (LIMA, 1992, p. 22). Houve uma conjuno de iniciativas particulares e pblicas para a criao de vrios cursos de servio social. Desse modo, criaram-se duas escolas tcnicas (uma pblica e outra particular), sendo a pblica, ligada Secretaria Geral de Sade da Prefeitura do antigo Distrito Federal; duas de nvel superior, privadas e catlicas (uma masculina, outra feminina); e outras duas criadas por decretos, uma por decreto federal e outra por decreto estadual.

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    Nesse perodo, tambm ocorreu forte presena do movimento higienista, que resultou na criao de duas escolas vinculadas enfermagem: o Curso de Servio Social da Escola Ana Nery, atualmente Escola de Servio Social da Universidade Federal do Rio de janeiro (UFRJ), e a Escola Tcnica de Servio Social do S.O.S. que, nos dias atuais, o Departamento de Servio Social das Faculdades Integradas Veiga de Almeida.

    6 O SERVIO SOCIAL E AS PRIMEIRAS INSTITUIES ASSISTENCIAIS: BREVE HISTRICO

    O cenrio sociopoltico dos anos 1930 intensica-se a partir de 1945 com o crescimento do proletariado urbano, que se congura como expresso poltica importante e que demanda controle. Nesse perodo, observa-se uma mudana na composio da mo de obra urbana, em decorrncia do crescente uxo migratrio para os centros industrializados do pas. Se at os anos 1920 ocorre intensa imigrao para sustentao e expanso da economia cafeeira, na dcada seguinte esse uxo traa outra rota, em direo aos centros onde se desenvolve a atividade industrial. Isso traz novos elementos que podem colocar em risco a hegemonia da estrutura corporativa.

    Estabelece-se a legislao social como estratgia para legitimar a hegemonia urbano-industrial, a m de manter as condies objetivas para a dinamizao da economia e atender aos interesses do capital.

    O reconhecimento da condio de cidado ocorreu somente com aqueles cujas prosses estavam regulamentadas por lei e, portanto, participavam do processo de acumulao, congurando-se assim no pas a cultura de cidadania impressa. O acesso a direitos sociais vinculava-se, desde sua origem, posio que o trabalhador ocupava no processo de produo, em prosso devidamente regulada por lei. Esse acesso foi ampliado, porm se manteve essa matriz reconhecimento legal e manuteno do processo de acumulao , reiterando a ideia de cidadania vinculada ao trabalho.

    Importante xar que a perspectiva de cidadania e de direitos sociais no Brasil, ao dar centralidade manuteno das condies de acumulao do capital, restringiu o usufruto de direitos para o conjunto da classe trabalhadora, repercutindo na direo assumida pelas polticas sociais. O carter da interveno do Estado, na objetivao da proteo social, subordinou-se, assim, mais aos interesses do capital do que aos interesses do trabalho, o que no impediu, contudo, que segmentos organizados da classe trabalhadora obtivessem importantes conquistas em suas lutas.7

    No caso brasileiro, a prpria conformao das classes sociais e todos os conitos bsicos foram permanentemente mediados pelo Estado cooptado pelos interesses da burguesia, associando-se a ela para a reproduo das condies de acumulao e apropriao privada do capital. Do ponto de vista

    7O modelo fordista-keynesiano possibilitou que o Estado, nos pases centrais do capitalismo embora com o objetivo precpuo de manuteno das condies de acumulao do capital , tornasse-se o regulador das relaes econmicas e sociais, viabilizando a congurao de uma esfera pblica, de negociao e de disputa das foras sociais, de mediao de conitos, fortalecendo a democracia. No Brasil, dadas as caractersticas scio-histricas de conformao do Estado em defesa de interesses privados, aliadas sucesso de governos autoritrios e repressores, pouco se interveio para a consolidao de instituies democrticas e para a congurao da cidadania e dos direitos sociais como bens pblicos.

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    ideolgico-cultural, o Estado foi gura de proa na organizao da hegemonia das classes burguesas, o que contribuiu para a manuteno do consentimento das classes dominadas a respeito de sua prpria dominao (RAICHELIS, 2005, p. 71).

    Como relatam Iamamoto e Carvalho (2003, p. 247), o Estado inicia o desenvolvimento de instituies assistenciais e previdencirias j na dcada 1920. No entanto, no Estado Novo que essa ao incrementada em virtude da necessidade de enquadramento (grifo dos autores) da populao urbana ao processo acelerado de industrializao.

    Face ao exposto, importante salientar que a conjuntura especfica do Estado Novo, o acelerado processo de industrializao associado ao crescimento da populao urbano-industrial e a sua pauperizao e a ao estatal na defesa da acumulao do capital so questes substantivas para a compreenso do cenrio em que as polticas sociais e as grandes instituies assistenciais so criadas. nesse cenrio, portanto, que cresce o mercado de trabalho para o campo das profisses de cunho social, permitindo um desenvolvimento rpido do ensino especializado do servio social (idem, p. 255), o que implicaria o processo de legitimao e institucionalizao da profisso.

    O servio social foi implantado no Brasil em 1936 no seio da Igreja Catlica em So Paulo, por meio do Centro de Estudos e Ao Social.

    na Constituio de 1934 que o Estado assume as primeiras iniciativas de proteo social, determinando a destinao de 1% das rendas tributveis8 para garantir o amparo aos desvalidos, maternidade e infncia. Mas foi em 1938, sob a vigncia do Estado Novo, que o servio social foi institudo por decreto-lei (Decreto-Lei n 525 de 01/07/1938) como modalidade do servio pblico, devidamente organizado nos nveis federal, estadual e municipal, com as seguintes funes:

    Utilizao das obras mantidas, quer pelos poderes pblicos, quer pelas entidades privadas, para diminuir ou suprir as decincias ou sofrimentos causados pela pobreza e pela misria oriundas de qualquer outra forma de desajustamento social e para reconduzir o indivduo, assim como a famlia, na medida do possvel, a um nvel satisfatrio de existncia no meio em que habitam (IAMAMOTO; CAVALHO, 2003, p. 256)9.

    Por meio desse mesmo decreto criado o Conselho Nacional de Servio Social, que, vinculado ao Ministrio da Educao e Sade, caracteriza-se como rgo consultivo do poder pblico e das entidades privadas. So responsabilidades desse rgo:

    8At a Constituio de 1988, o governo federal centralizava recursos advindos de outras esferas de governo.9Fica claro o carter disciplinador e higienista do servio social, devendo voltar-se para situaes de desajuste

    social, ressaltando que a compreenso dos problemas sociais passava pela sua individualizao, sem qualquer conexo com as condies socialmente determinadas para a reproduo social.

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    Inquritos e pesquisas sobre as situaes de desajustes sociais.

    A organizao do plano nacional de servio social, englobando os setores pblico e privado.

    Sugerir quais polticas sociais devem ser desenvolvidas pelo governo.

    Opinar quanto concesso de subvenes governamentais s entidades privadas.

    O conselho criado como um dos rgos de cooperao do Ministrio da Educao e Sade, passando a funcionar em uma de suas dependncias, sendo formado por guras ilustres da sociedade cultural e lantrpica e substituindo o governante na deciso quanto s organizaes auxiliares. Transita nessa deciso o gesto benemrito do governante por uma racionalidade nova, que no chega a ser tipicamente estatal, visto que atribui ao conselho certa autonomia.

    Dessa forma, nesse momento que se selam as relaes entre o Estado e os segmentos da elite, que vo avaliar o mrito do Estado em conceder auxlios e subvenes (auxlio nanceiro) a organizaes da sociedade civil destinadas ao amparo social. O conceito de amparo social, nesse momento, tido como uma concepo de assistncia social, porm identicado com benemerncia.

    Portanto, o CNSS foi a primeira forma de presena da assistncia social na burocracia do Estado brasileiro, ainda que na funo subsidiria de subveno s organizaes que prestavam amparo social.

    A partir dos anos 1940/1950, a questo social, expresso das desigualdades decorrentes do aprofundamento do capitalismo no Brasil, passa por grandes transformaes, especialmente a partir do nal da Segunda Guerra Mundial. A acelerao industrial, as migraes campo-cidade e o intenso processo de urbanizao, aliados ao crescimento das classes sociais urbanas, especialmente do operariado, vo exigir novas respostas do Estado e do empresariado para atender as necessidades de reproduo da vida social nas cidades.

    A questo social sofre a interveno do Estado por meio das polticas sociais pblicas, ao mesmo tempo em que o empresariado, imbudo de um novo esprito social, substitui a mera represso e assistncia eventual por mecanismos que visam colaborao entre capital e trabalho.

    nesse contexto, em plena ditadura de Vargas, que criada, em 1942, a Legio Brasileira de Assistncia LBA, primeira instituio assistencial de porte nacional. Assim tambm surgem as instituies patronais que iro resultar no que hoje conhecemos como Sistema S Sesi, Senai, Sesc. Cunha-se, nesse contexto, a gura emblemtica do chamado primeiro damismo (que resiste at os dias atuais), que tem sua origem vinculada presidncia de honra da LBA, assumida pela primeira-dama, Darcy Vargas.

    As prticas dos assistentes sociais eram absorvidas em grande intensidade pelas caractersticas das instituies, tais como: o CNSS Conselho Nacional de Servio Social (1938), a LBA Legio Brasileira de Assistncia (1942), o Senai Servio Nacional de Aprendizado Industrial (1942), o Sesi Servio Social da Indstria (1946) e a Fundao Leo XIII (1946), que tinham entre seus objetivos comuns proporcionar

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    benefcios assistenciais indiretos aos trabalhadores urbanos e queles totalmente esgotados pelo sistema.

    Podem-se destacar as principais caractersticas dessas instituies, segundo Iamamoto (2008): o CNSS era um rgo com funes consultivas do governo e de entidades privadas, e de estudar os problemas do servio social. No chegou a ser um organismo atuante, j que ouve grande manipulao de verbas e subvenes, agindo de forma clientelista. Sua importncia est no fato de ser a primeira instituio do Estado que revela a preocupao do mesmo em centralizar e organizar as obras assistenciais pblicas e privadas. Na prtica, as funes do CNSS sero exercidas pela LBA.

    A diversidade de servios sociais e educacionais prestados por essas instituies, relacionada s demandas de qualicao da fora de trabalho e de sua reproduo fsica e espiritual, leva incorporao institucional de contingentes de assistentes sociais, que passam a desenvolver aes educativas e normativas de ajustamento psicossocial dos trabalhadores, com o intuito de atender as novas necessidades relacionadas integrao de massas populacionais ao mercado de trabalho e vida urbana.

    A criao de instituies assistenciais por todo o territrio nacional amplia signicativamente o mercado de trabalho do assistente social, prossional agora investido de um mandato ocial, a partir de seu reconhecimento e legitimao pelo Estado e pelo empresariado. Embora regulamentada como prosso liberal em 1949, a atividade do assistente social ca majoritariamente vinculada a instituies pblicas e privadas, motivo pelo qual o prossional dessa rea se torna responsvel pela implementao das polticas sociais, o que denir seu perl assalariado.

    A crescente centralizao das polticas sociais pelo Estado gera o aumento da demanda pela execuo de programas sociais no interior das instituies, induzindo ao aumento das escolas e do meio prossional. Consequentemente, ocorre a expanso do servio social e a elevao do status prossional. A realizao do I Congresso Brasileiro de Servio Social em 1947 o incio de uma tendncia de valorizao crescente dos encontros nacionais, cada vez mais massivos e reveladores dos debates e das polmicas prossionais.

    A forte inuncia norte-americana na Amrica Latina a partir do segundo ps-guerra tambm deixar sua marca na prosso, por meio da incorporao das teorias estruturais-funcionalistas e das metodologias de interveno, especialmente do servio social de caso e do servio social de grupo.

    6.1 Legio Brasileira de Assistncia (LBA)

    O CNSS encontra na Legio Brasileira de Assistncia, criada em 1942, a estratgia para exercer a assistncia social em nvel nacional. Criada no perodo em que o Brasil engajou-se na Segunda Guerra Mundial, a LBA tem sua gnese marcada pela presena das mulheres e pelo patriotismo. Com o objetivo de prover para as necessidades das famlias cujos chefes tenham sido mobilizados e, ainda, prestar decidido concurso ao governo em tudo que se relaciona ao esforo de guerra (IAMAMOTO; CARVALHO, 2003, p. 257), propunha-se a atuar como uma legio no sentido literal, ou seja, como um corpo em ao em uma luta de campo (NOZABIELLI, 2006).

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    Segundo Sposati (2004, p. 19):

    A relao da assistncia social com o sentimento patritico foi exponenciada quando Darcy Vargas, a esposa do presidente, rene as senhoras da sociedade para acarinhar pracinhas brasileiros da FEB Fora Expedicionria Brasileira , combatentes da Segunda Guerra Mundial, com cigarros e chocolates, e instala a Legio Brasileira de Assistncia LBA.

    A primeira instituio de assistncia social segundo alguns autores foi a Legio Brasileira de Assistncia, criada no ano de 1942 como rgo responsvel por colaborar junto ao Estado.

    A presidncia da LBA efetivada pelas primeiras-damas da Repblica, a primeira a executar a presidncia foi a dona Darcy Vargas.

    A LBA tem origem na mobilizao do trabalho civil, feminino e de elite, e da opinio pblica, em apoio ao esforo nacional representado pela entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, por meio da prestao de servios assistenciais s famlias dos convocados, alm disso, atuava em praticamente todas as reas da assistncia social.

    Sua criao ocorreu no governo de Getlio Vargas, porm, ao mesmo tempo em que criou a LBA, ele tambm inaugurou uma instituio de bem-estar social; ao instituir a esposa na presidncia dessa nova instituio, buscou tambm a legitimidade de seu governo junto s camadas populares. A primeira-dama teria a incumbncia de envolver Estado, empresariado e voluntariado no nanciamento e na execuo da poltica de assistncia social.

    Com o m da guerra em 1946, a LBA reformulou seus estatutos, denindo como principal nalidade a defesa da maternidade e da infncia. Desse modo, a LBA deveria subordinar suas aes orientao tcnica do Departamento Nacional da Criana.

    Alm do trabalho realizado com os pracinhas e suas famlias, a LBA tinha como objetivos bsicos (art. 2 do Estatuto):

    executar seu programa, pela frmula do trabalho, em colaborao com o poder pblico e a iniciativa privada;

    congregar os brasileiros de boa vontade, coordenando-lhes a ao no empenho de promover, por todas as formas, servios de assistncia social;

    prestar, dentro do esforo nacional pela vitria, decidido concurso ao governo;

    trabalhar em favor do progresso do servio social no Brasil.

    Tais objetivos situam a assistncia social como ato de vontade, e no de direito de cidadania (SPOSATI, 2004, p. 20).

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    SERVIO SOCIAL: SURGIMENTO E INSTITUCIONALIZAO NO BRASIL

    A presidncia da LBA assegurada s primeiras-damas da Repblica, institucionalizando-se o primeiro-damismo como um servio ligado assistncia social, estendendo sua ao tambm s famlias dos trabalhadores excludos do sistema previdencirio. Dessa assistncia, fazia parte o atendimento a ocorrncias de calamidades, com aes pontuais, urgentes e fragmentadas, marco que predomina na trajetria da assistncia social.

    Aps as campanhas de impacto realizadas com os convocados de guerra, a Legio Brasileira de Assistncia ser a instituio a se rmar na rea social, e sua ao assistencial ser implementada para dar apoio poltico ao governo (MESTRINER, 2008, p. 145).

    Sinaliza-se ainda que a LBA, de modo progressivo, comea a atuar em todas as reas de assistncia social, da maternidade velhice, aos doentes, aos desvalidos, consolidando-se como um incremento do aparelho assistencial privado e do desenvolvimento do servio social.

    Segundo Nozabielli (2006), para desenvolver essas novas funes, a LBA buscou o auxlio das escolas de servio social. Dessa forma, h uma aproximao de interesse mtuo entre a LBA e o servio social, pois enquanto a LBA precisava de servio tcnico, de pesquisas e trabalhos tcnicos que possibilitassem alcanar seu objetivo em favor do progresso do servio social, este se institua demandando espaos para a legitimao da prosso.

    A LBA ter grande importncia para a implantao e institucionalizao do servio social, contribuindo para a organizao, expanso e interiorizao da rede de obras sociais, incorporando e consolidando os princpios do servio social, expandindo-o quanto ao ensino especializao e ao nmero de trabalhadores sociais.

    6.2 Servio Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai)

    Ainda nos marcos histricos para o desenvolvimento da prosso, foi criado em 1942 o Servio Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), com a nalidade de organizar e administrar nacionalmente as escolas de aprendizagem para industririos. Essa instituio surgiu a partir do Decreto-Lei n 4048, de 22 de fevereiro de 1942.

    Cabe sinalizar que o Senai foi um grande empreendimento de qualificao de fora de trabalho, para qualificar a mo de obra da indstria, em especial a juvenil. inquestionvel a sua relevncia tanto na incorporao e teorizao do servio social quanto na objetivao de processos de trabalho tcnico, que atravs de tcnicas de interveno de caso e de grupo fazem frente s demandas de manuteno das condies para o modelo de desenvolvimento econmico do pas. O que podemos observar um mecanismo de distribuio de tarefas, em que o Estado assume a educao elementar da populao e do empresariado, e o Senai viabiliza a qualificao de mo de obra, absorvendo para isso diversos profissionais, entre eles o assistente social (IAMAMOTO; CARVALHO, 2003, p. 263-265).

    Dois aspectos merecem destaque em relao ao objetivo do Senai de adequar a fora de trabalho:

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    o suprimento de pessoal qualicado para atender o mercado;

    a produo de uma fora de trabalho ajustada s necessidades do capitalismo.

    Surge, portanto, o Senai como principal instrumento de atuao coletiva do empresariado, subordinado racionalidade econmica e empresarial.

    Mesmo sinalizando um avano na qualicao da fora de trabalho, cabe ponderar que pelo sistema econmico evidenciado ca claro ser este tambm um instrumento no processo de aprofundamento do capitalismo.

    Nesse sentido, poder ser interessante, tomando como exemplo o Senai primeira grande instituio social, gerida diretamente pela burguesia industrial como classe , procurar ver como o servio social deve adequar-se demanda social que lhe apresentada e tentar cumprir o mandato que lhe conado. Nessa situao sobressaem-se dois elementos, a ao ideolgica de ajustamento e a coordenao da utilizao dos servios assistenciais corporicados (idem, p. 265).

    6.3 O Servio Social da Indstria (Sesi)

    O Servio Social da Indstria (Sesi) ocializado no ano de 1946, pelo mesmo mecanismo legal do Senai atravs de decreto-lei. O Decreto-Lei que instituiu este foi o de n 9.403, de 25 de junho de 1946 (SILVA, 2004).

    Sua nalidade institucional era estudar, planejar e executar medidas que contribussem para o bem-estar social e a melhoria da qualidade de vida (habitao, higiene, nutrio) dos operrios e dessa forma desenvolver o esforo de solidariedade entre empregados e empregadores.

    Dessa forma, o Estado institucionaliza a iniciativa da burguesia industrial de sua fora dominante para que essa classe organize e gerencie mecanismos assistenciais unicadores das iniciativas j existentes em inmeras empresas, em um grande complexo assistencial, extrapolando sua ao das unidades de produo para o cotidiano do proletariado.

    O Estado utilizava a partir deste aparato a institucionalizao da iniciativa da burguesia industrial para que esta gerenciasse os mecanismos assistenciais.

    O Sesi tinha como base a experincia do Senai, como uma estratgia de organizao do empresariado na oferta de resposta quanto questo social, que se aprofunda no ps-guerra, porm, apesar de sua adeso, ele procurava fugir do nus da decorrente, reclamando o financiamento integral por parte do Estado e aceitando apenas em ltima instncia a participao que lhe imposta.

    O surgimento do Sesi tambm estava relacionado com a evoluo poltica e econmica da poca, formalizada por meio de congressos que fomentavam a elevao da renda nacional.

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    Um marco importante, porm mais ligado mudana do pensamento social da Igreja foi o II Congresso Brasileiro de Direito Social ocorrido no ano de 1946. A partir da, o direito social tem o papel de articular os diferentes grupos sociais de forma que estes se submetam ao bem comum.

    O servio social apresentado nesse contexto como o elemento essencial para a harmonizao entre capital e trabalho.

    Para o funcionamento do Sesi, segundo Iamamoto e Carvalho (2003, p. 275), o empresariado era obrigado a contribuir mensalmente com o equivalente a 2% da folha de pagamento, que, sob a interveno do Estado, institui-o como uma contribuio compulsria, realizando ele mesmo o recolhimento e a scalizao do encargo. O Sesi a primeira instituio com recursos e sob a direo do empresariado, que tem por objetivo a prestao de servios assistenciais e o desenvolvimento de relaes industriais abrangendo uma parcela da populao urbana (idem).

    Em sua estrutura organizacional, era evidente a presena de uma Diviso de Servio Social, que tinha como uma de suas funes promover ou facilitar a adaptao das atividades ao operrio, que viabilizaram a ao dos assistentes sociais e o desenvolvimento de tcnicas sociais de forma dispersa para mecanismos de controle social e poltico de uso extensivo. O servio social apresenta-se nesse contexto, alm de desenvolver as atividades de coordenao dos servios assistenciais, como porta-voz na vinculao das relaes expressas entre o capital e o trabalho.

    O que caracteriza as prticas sociais desenvolvidas no Sesi, segundo Iamamoto e Carvalho (2003, p. 279) a radicalizao de sua utilizao como instrumento de contraposio organizao autnoma da classe operria e de luta poltica anticomunista.

    A incorporao e a institucionalizao do servio social pela burguesia industrial apontam para um dos extremos que o compem: seu funcionamento declarado e explcito como instrumento poltico-repressivo.

    6.4 A Fundao Leo XIII

    Outra instituio assistencial importante a Fundao Leo XIII, criada tambm em 1946, ocializada por decreto-lei da presidncia da Repblica, ela tem o objetivo explcito de atuao ampla sobre os habitantes das grandes favelas do Rio de Janeiro, principalmente no grande centro urbano, onde o partido comunista torna-se fora poltica nas eleies de 1946.

    A Fundao Leo XIII conta com forte apoio institucional do Estado e da Igreja Catlica; esta procurava coordenar os servios assistenciais a serem prestados populao.

    Para alcanar esse m, a Fundao buscou o apoio das foras armadas, de parquias e obras paroquiais, clubes esportivos, servio de alimentao da previdncia, tendo seu forte nas aes desenvolvidas nos Centros de Ao Social (CAS) criados nas principais favelas.

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    O servio social tem por responsabilidade todas as atividades fora do campo mdico, desenvolvendo suas atividades por meio do servio social de casos individuais, auxlios, recreao e jogos e educao popular.

    Alm dessas modalidades, o servio social de grupo deveria ainda ser aplicado nos Centros de Ao Social (CAS) e das Associaes de Moradores.

    Um dos principais instrumentos do servio social na sua ao, que nesse perodo enxergava as mazelas sociais como uma doena endmica existente no quadro da misria material e moral, era a educao popular, por meio da qual assumia a tarefa de melhorar a autoestima das populaes faveladas. Esse projeto visa ao controle de massas semiescolarizadas, com vista legitimao do poder no processo eleitoral. Ressalte-se tambm que a vinculao do poder, ou seja, a vinculao desse projeto a lazeres educativos visa ao disciplinamento do tempo livre do proletariado.

    O aprofundamento do capitalismo gera a formao de uma grande massa de marginalizados, que cresce continuamente e provoca uma situao de conito. Essa situao se apresenta como um desao, um elemento de anomia10 dentro da ordem burguesa. Tendo em vista essa populao marginalizada, o servio social da Fundao Leo XIII prope-se a regener-la.

    A Fundao Leo XIII foi a primeira grande instituio assistencial que teve o objetivo de atuar amplamente nas grandes favelas. Seu mbito de atuao ser as favelas da cidade do Rio de Janeiro e Distrito Federal, sendo resultado de convnio entre a Prefeitura do Distrito Federal, Ao Social Arquidiocesana e Fundao Cristo Redentor.

    7 A INSTITUCIONALIZAO DA PRTICA PROFISSIONAL DOS ASSISTENTES SOCIAIS

    A partir da dcada de 1930, e especialmente no perodo aps a Segunda Guerra Mundial, os mecanismos de disciplinamento e de controle social acentuam-se no mesmo grau em que se aprofunda o capitalismo. O Estado assume as funes de zelar pelo disciplinamento e pela reproduo da fora de trabalho, tarefas em que as instituies assistenciais desempenham um papel fundamental.

    O aprofundamento do capitalismo vem a resultar na necessidade de uma nova racionalidade no atendimento da questo social. Os servios assistenciais e educacionais tornam-se consumo produtivo para o capital e para o Estado.

    O processo de surgimento e de desenvolvimento das grandes entidades assistenciais tambm o processo de legitimao e de institucionalizao do servio social, visto que a prosso de assistente social consolida-se e rompe o estreito lao de sua origem no bloco catlico a partir de sua insero no mercado de trabalho, ou seja, como trabalho e trabalhador presente no processo de reproduo das relaes sociais de produo.

    10A palavra anomia de origem grega. O prexo a signica ausncia, inexistncia, privao de, e nomia refere-se a lei, norma, logo, anomia signica falta de leis ou normas.

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    O servio social deixa de ser uma forma de interveno poltica de determinadas fraes de classes para ser uma atividade institucionalizada e legitimada pelo Estado e pelo conjunto do bloco dominante. Contudo, o servio social mantm sua ao educativa e doutrinria de enquadramento da populao cliente.

    O servio social atua como instrumento de esclarecimento e conscientizao da populao-alvo, instruindo-a sobre os direitos, servios e benefcios que so proporcionados pelas instituies, em que as demandas so vistas como manifestaes de carncias, e no como direitos.

    As prticas de pesquisa e classicao assumem um carter metdico e burocrtico a partir da institucionalizao do servio social. O que parece caracterizar o projeto de prtica institucional do servio social a ao de cunho educativo por meio da persuaso.

    O processo de institucionalizao e as novas e mltiplas atividades que o servio social passa a desenvolver orientam para a reestruturao profunda em suas formas de organizao e interveno (BAIERL, 2004).

    O assistente social um agente legitimado pelo Estado. A ao isolada substituda por um trabalho coordenado e metdico com o aparecimento de um agente coletivo que favorece a diviso tcnica do trabalho e as especializaes. Somam-se a isso o surgimento e a disseminao das equipes multidisciplinares como alternativa e soluo racionalizadora para que a questo social que se agrava possa ser enfrentada, principalmente em relao s condies de sade. A tnica dos programas dada pelo contedo educativo que visa preveno.

    7.1 A busca pela atualizao

    O servio social ps-1940 ruma sistematizao e concretizao de sua prtica. A renovao do servio social constitui um fenmeno caracterstico da prosso sob a vigncia da autocracia burguesa. Marca uma diferenciao e uma redenio prossional sem precedentes na trajetria prossional, dadas as novas condies postas pelo ciclo dos governos militares.

    O processo de renovao do servio social expressa um quadro complexo e heterogneo, composto por:

    vrios projetos prossionais em confronto, com o pluralismo terico, ideolgico e poltico, fomentando a crtica;

    diversas concepes de interveno prossional, derivadas da diversicao das matrizes terico-metodolgicas alternativas;

    novas propostas de formao prossional;

    fraturas ideolgicas (BAIERL, 2004).

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    A partir dessa dcada, o servio social busca contedos tericos e metodolgicos que melhor instrumentassem sua ao prtica.

    nesse contexto, exatamente nessa dcada, que se destacam os congressos de servio social que inuenciaram o servio social rumo a uma melhor adequao terica e metodolgica.

    O fortalecimento prossional do assistente social no nal dos anos de 1940 impulsiona a organizao de congressos, cursos de reciclagem, criao, em 1945, da Associao Brasileira das Escolas de Servio Social (Abess), em 1946, da Associao Brasileira de Assistentes Sociais (Abas), a criao do Cdigo de tica (1948) e, consagrando os esforos, a regulamentao do ensino (1954) e o reconhecimento da prosso (1956) (BAIERL, 2004).

    Em abril de 1954, Getlio Vargas assinou o Decreto-Lei n 35.311, de 8 de abril de 1954, regulamentando o ensino do servio social no Brasil. Em seu artigo 2, so denidas como nalidades do curso (BAIERL, 2005):

    I Promover a formao de pessoal tcnico habilitado para a execuo e direo do servio social.

    II Aperfeioar e propagar conhecimentos e tcnicas relativas ao servio social.

    III Contribuir para criar ambiente esclarecido que proporcione a soluo adequada dos problemas sociais.

    A Abess foi criada em 1945, por recomendao do I Congresso Pan-Americano de Servio Social, realizado em Santiago do Chile (1945), com a nalidade de congregar as escolas de servio social, promover um intercmbio entre elas, garantir um padro mnimo de ensino e representar os interesses coletivos das escolas.

    A Abas foi organizada em 1946 com a nalidade de buscar o aperfeioamento, a garantia do nvel prossional dos assistentes sociais, a defesa de seus interesses e de lutar pelo reconhecimento ocial.

    Em setembro de 1947, por meio de assembleia geral, a Abas aprovou o Cdigo de tica para a prosso.

    Em sntese, o processo de renovao do servio social teve como elementos:

    o pluralismo terico-prossional;

    introduo de diferentes concepes prossionais, com diferentes vises de mundo e sociedade, demonstrando o rompimento com a homogeneidade que caracterizava a prosso nessas dcadas;

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    interlocuo acadmica e com outras cincias, deixando de ser subalterno dentro do mbito acadmico;

    fomento da investigao e da pesquisa (BAIERL, 2004).

    7.2 Os congressos do servio social na dcada de 1940

    Segundo Baierl (2004), no ano de 1942 ocorreu o I Congresso Pan-Americano de Servio Social no Chile, o qual apresentaria as primeiras expresses de mudana metodolgica, porm com traos de continuidade, rearmao da inuncia norte-americana, marcando uma nova hegemonia internacional. Esse congresso considerado o marco da inuncia norte-americana no servio social latino-americano dividiu suas atividades em trs sees:

    ensino do servio social;

    temas ociais;

    temas livres.

    Ainda no mbito da Amrica Latina, merece destaque o Congresso Pan-americano de 1945, na cidade de Santiago, no Chile. Ele congregou escolas de servio social e proporcionou o intercmbio entre elas. Compareceram a esse congresso 14 delegaes estrangeiras, o que suscitou um carter mais ocial (idem).

    A delegao brasileira foi representada ocialmente por representantes do Ministrio do Trabalho do Departamento de Previdncia Social e de assistentes sociais ligados Legio Brasileira de Assistncia (LBA) e tambm por representantes das Escolas de Servio Social do Rio de Janeiro e de So Paulo.

    Esse encontro foi dividido em trs temas. So eles:

    ensino de servio social;

    temas ociais:

    servio social no meio rural;

    servio social industrial;

    servio social em instituies mdicas;

    servio social da infncia e adolescncia.

    temas livres (idem).

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    Em 1947 realizou-se o I Congresso Brasileiro de Servio Social, promovido pelo Centro de Estudos e Ao Social Ceas, cujo tema era a Preparao para o II Congresso Pan-Americano a ser realizado em 1949, com ampla participao das entidades particulares e governamentais.

    Esse congresso foi marcado pela ausncia de uma temtica central, os debates foram organizados em seis grandes campos: servio social e famlia; servio social de menores; educao popular e lazeres; servio social mdico; servio social na indstria, agricultura e comrcio; e os agentes do servio social.

    Essa diversidade de temas reetia muito o contexto e o momento que o pas vivia. O Brasil estava em plena efuso do Estado Novo, com um aparato assistencial desenvolvido por este que ampliava o mercado para o assistente social, com a nalidade de atender as presses desencadeadas pelos novos setores urbanos, atuando nas sequelas da misria (idem).

    Em 1949 realizou-se o II Congresso Pan-Americano de Servio Social no Rio de Janeiro, tendo como tema O Servio Social e a Famlia.

    Esse congresso foi solenemente aberto pelo Presidente da Repblica Eurico Gaspar Dutra, e a saudao aos congressistas cou a cargo do Ministro da Educao Clemente Marine. O tom das discusses, debates e teses pouco diferenciaram-se dos congressos anteriores. Houve uma nfase menos apostolar e mais fundamentada na psicologia e na tcnica. Ao mesmo tempo em que se armava o carter fundamental do servio social de caso, houve uma solicitao da utilizao do servio social de grupo e do servio social de comunidade, o que representava a busca da modernizao da prosso (idem).

    Esses trs congressos reetem a posio de diversos organismos que, internacionalmente, constituem as principais agncias de divulgao e de incentivo utilizao dos mtodos relacionados ao desenvolvimento de comunidade. Participa deles um grande nmero de pessoas que no so assistentes sociais, assim como entidades que empregam prossionais do servio social.

    O I Congresso Brasileiro de Servio Social estabelecia por meio dos seis grandes temas as seguintes recomendaes (SILVA, 2003):

    Servio social e famlia: criao de rgos de assistncia integral famlia, moradias populares, legalizao das unies, assistncia aos jovens decados.

    Servio social de menores: dar prioridade a colocao familiar, criao de servios de colocao familiar, reforma no cdigo de menores e da justia de menores: assistncia infncia excepcional.

    Educao popular e lazer: necessidade de educao integral como fundamento da moral crist, proporcionando educao integral famlia operria, educao para adulto e o aproveitamento racional das horas de lazer; preparao de lderes.

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    Servio social mdico: integrao do servio social nas instituies mdicas com funes especcas do servio social de caso, denindo suas funes.

    Servio social na indstria, comrcio e agricultura: viso de empresa como uma comunidade funcional, que produz um papel de consenso. Produziria o respeito mutuo entre os elementos da produo; servio social como meio de reajustamento e emancipao; incorporao nas empresas da preveno de acidentes, educao para a legislao social, estudo de solues problemas no meio rural, com a criao de uma entidade rural; criao de servio social nas escolas rurais.

    Agentes de servio social: viso do servio social como atividade cientca e tambm como losoa de vida; formao de supervisores; intercmbio entre escolas; criao de associao de alunos.

    7.3 A expanso da prosso e a ideologia desenvolvimentista

    A partir da inuncia terica e metodolgica estabelecida segundo o contexto dos congressos de servio social, a dcada de 1950 marcaria a fase de renovao crtica para o servio social.

    A dcada de 1960 veio a reetir na cara do servio social, em que este sofre acentuadas transformaes, modernizando-se nos mbitos terico e prtico, ocorrendo, tambm, um alargamento das funes do assistente social em direo a tarefas de coordenao e planejamento, o que evidencia uma evoluo no status tcnico da prosso.

    Nas suas aes so evidenciados os mtodos do servio social de grupo e de comunidade. Essas condies amadurecem dentro de um quadro mais amplo, de expanso e de armao do desenvolvimento como ideologia dominante. A ideologia desenvolvimentista dene-se pela busca da expanso econmica acelerada, visando prosperidade, riqueza, grandeza material, soberania e ao ambiente de segurana e de paz social e poltica.

    Deve-se observar que at o nal da dcada de 1950 essa ideologia no fazia parte do iderio do servio social, pois o perodo em que este se desenvolvia o governo de Juscelino Kubitschek era marcado pela subordinao da resoluo da totalidade dos problemas expanso econmica; isso ocorre somente em uma etapa posterior. Ao centrar a perspectiva de integrao das massas marginalizadas expanso econmica, restringe-se o espao de atuao da ao assistencial, portanto, a possibilidade de sua incorporao s polticas adotadas.

    Observao

    A ideologia desenvolvimentista apresenta-se como uma proposta de crescimento econmico acelerado, continuado, autossustentado, a m de correr atrs do atraso do subdesenvolvimento.

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    O servio social nesse primeiro momento mostra-se alheio a esta ideologia, visto que ela buscava a resoluo dos problemas sociais por meio da expanso econmica, do enquadrando dos trabalhadores aos ns da economia.

    Aprofunda-se, no plano de ensino, a inuncia norte-americana, com o servio social voltando-se ainda mais para o tratamento nas linhas da psicologia e da psiquiatria dos desajustamentos psicossociais. As teorias de caso, grupo e comunidade compuseram a trade metodolgica que orientou o servio social na busca da integrao do homem ao meio social.

    O servio social de grupo comea a fazer parte dos programas nacionais do Sesi, da LBA etc., iniciando uma nova abordagem que relaciona estudos psicossociais com os problemas da estrutura social.

    As atividades vinculadas ao Desenvolvimento de Comunidade apresentam nesse perodo franco desenvolvimento com o surgimento de uma srie de organismos inspirados na experincia norte-americana e da realizao de importantes seminrios. Esses organismos baseiam-se, essencialmente, em tcnicas de Desenvolvimento de Comunidade e perseguem a modernizao da agricultura brasileira, adotando por estratgia a educao de adultos. Quanto aos seminrios, eles desempenham papel importante para que o Desenvolvimento de Comunidade solidifique-se como uma nova opo de poltica social, para que se possa atuar nos meios sociais marginalizados.

    Durante a dcada de 1950 e incio da dcada de 1960, o servio social incorpora a poltica desenvolvimentista no ensino. Essa poltica tinha nfase na acelerao econmica, incentivada pela industrializao e modernizao capitaneadas pelos Estados Unidos. Ao servio social caberia contribuir para o aprimoramento do ser humano, mesmo que o pas convivesse com a existncia de setores subdesenvolvidos.

    O DC foi uma estratgia lanada para garantir a prosperidade, o progresso social e a hegemonia ideolgica americana (capitalismo), cuja poltica visava preservar o mundo livre de ideologias no democrticas. Partindo do pressuposto de que as populaes pobres tm maior receptividade ao comunismo julgava-se ser preciso melhorar e desenvolver o sistema capitalista; da a busca de estratgias como a implementao de DC.

    Durante os anos de 1950, a ONU empenha-se em sistematizar e divulgar o DC como uma medida para solucionar o complexo problema de integrar esforos da populao aos planos regionais e nacionais de desenvolvimento. Plasmado sobre um esquema conceitual societrio que se propunha regido pelos pressupostos da harmonia e do equilbrio, o DC era denido como:

    [...] um esforo consciente e deliberado para ajudar as comunidades a reconhecerem suas necessidades e a assumirem responsabilidade na soluo de seus problemas pelo fortalecimento de sua capacidade em participar integralmente na vida da nao (XII Conferncia Internacional de Servio Social, 1962, ANDRADE, 2008).

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    Aderindo s recomendaes da ONU, a OEA dene uma poltica de assistncia tcnica a programas de DC para as Amricas e cria, junto Diviso de Assuntos Sociais, uma unidade responsvel pela divulgao e pelo impulso desses programas no continente.

    Como se pode ver, a preocupao do servio social brasileiro com o DC est atrelada a um movimento de mbito internacional, disseminado pelas Naes Unidas e relembrado pelos organismos interessados na expanso da ideologia e do modo de produo capitalista, principalmente o Estado.

    Exemplos dessa relao podem ser observados na realizao de alguns eventos: o primeiro seminrio sobre DC, patrocinado pela OEA, em Porto Alegre no ano de 1951 confere grande relevncia aos trabalhos com base geogrca, cuja unidade de trabalho a pequena comunidade; em 1953, a ONU promove o Seminrio de Bem-Estar Rural; e, em 1957, realizado o Seminrio de Educao de Adultos para o DC, promovido pela Unio Catlica Internacional de Servio Social (Uciss), sob o patrocnio da Unesco.

    7.4 O II Congresso Brasileiro de Servio Social e a descoberta do desenvolvimentismo

    O II Congresso, realizado em 1961, teve como tema central O Desenvolvimento Nacional para o Bem-Estar Social. Teve tambm carter preparatrio para a XI Conferncia Internacional de Servio Social, marcada para ser realizada em 1962, em Petrpolis, Rio de Janeiro. Ela se realizou em um ano em que a vitria de Jnio Quadros representava a possibilidade da formao de uma nao forte, com atuao especial no social, portanto, de uma nova estratgia desenvolvimentista (BAIERL, 2005).

    Esse congresso se realizou sob o impacto do crdito de conana dado instituio pelo ento presidente da Repblica e tambm presidente de honra do evento. O servio social visto como instrumento de consecuo dos objetivos nacionais e deve trabalhar as diversas modalidades de atuao em Desenvolvimento de Comunidade. Em relao questo social, e tendo em vista essa realidade, o servio social deve readaptar-se, procurando sintonizar seu discurso e seus mtodos com as preocupaes das classes dominantes e do Estado. Os mtodos e as tcnicas ligados ao Desenvolvimento de Comunidade e ao Desenvolvimento e Organizao de Comunidades so apresentados como formas de se participar das mudanas.

    As concluses e as recomendaes decididas nesse congresso permanecem no campo da modernizao facilitar o movimento do capital e a permanncia das relaes capitalistas , da valorizao do desenvolvimento com um mnimo de desestabilizao. Situam-se dentro das proposies da Aliana para o Progresso, da Conferncia de Punta del Este, realizada em 1961.

    A necessidade de adequar o servio social ao processo de desenvolvimento foi sentida pela categoria prossional nesse evento, dada a nfase nas discusses acerca do tema, que contaram com participao, em mdia, de mil pessoas por sesso. Esse congresso reveste-se de signicativa importncia para a compreenso da passagem ao perodo posterior, aps 1961 (idem).

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    interessante observar que esse II CBSS teve como:

    Presidente de honra: Dr. Jnio da Silva Quadros Exmo. Sr. Presidente da Repblica.

    Comisso de honra: Dr. Carlos Frederico Werneck de Lacerda, Sa. Em. Rev. D. Jaime de Barros Cmara Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, Dr. Francisco de Castro Neves Exmo. Sr. Ministro do Trabalho e Previdncia Social

    Instituies operadoras: Servio Social do Comrcio, Servio Social Rural, Servio Social da Indstria, Legio Brasileira de Assistncia, Associao Brasileira de Assistentes Sociais, Associaes Prossionais e Sindicatos de Assistentes Sociais, Faculdades de Servio Social, Comits Regionais do CBCISS.

    Organizao: CBCISS Comit Brasileiro da Conferncia Internacional de Servio Social.

    O temrio do II CBSS obedeceu a uma linha geral por meio da qual seis conferncias proferidas em sesses plenrias apresentaram as bases do Desenvolvimento Nacional.

    Nos anos de 1960 do sculo passado, o governo combinou crescimento econmico e estabilidade poltica. O processo de industrializao ganhou novo vigor, sendo introduzido na economia brasileira o setor de bens de consumo durveis, em grande parte por meio de investimentos estrangeiros, visando tirar o pas do atraso e traz-lo para a modernidade capitalista. Com isso, o servio social se expande ao assumir as propostas desenvolvimentistas.

    H um signicativo alargamento das funes exercidas por assistentes sociais, em direo a tarefas, por exemplo, de coordenao e planejamento, que evidenciam uma evoluo no status tcnico da prosso. Assumem relevo e aplicao mais intensiva os mtodos de servio social de grupo e, especialmente, comunidade, a partir dos quais os agentes podero exigir uma nova caracterizao de suas funes (IAMAMOTO, 2008, p. 339 e 340).

    As funes prossionais tambm se expandem, pois os assistentes sociais propem-se a aceitar o desao de sua participao nesse novo projeto de desenvolvimento, no qual por meio do mtodo de Desenvolvimento de Comunidade colocada em prtica a sua contribuio para o processo de mudana exigido por essa nova perspectiva. A atuao torna-se mais tcnica, fundamenta-se na busca da neutralidade, frieza, distanciamento dos problemas tratados e no aprimoramento dos mtodos (BAIERL, 2004).

    Entretanto, no decorrer da dcada de 1960 do sculo passado, o pas passa por uma crise no modelo de governo populista, gerando uma instabilidade poltica no governo de Joo Goulart, conhecido popularmente por Jango (1961-1964). Tambm nessa dcada, houve uma intensa organizao poltica da classe trabalhadora dando origem h diversos movimentos sociais, causando preocupao s classes dominantes, que temiam um golpe comunista (BAIERL, 2005).

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    SERVIO SOCIAL: SURGIMENTO E INSTITUCIONALIZAO NO BRASIL

    De um lado, a esquerda considerava que as medidas de Jango eram insucientes para alterar o quadro social do pas e, do outro lado, a direita acusava-o de corrupto e de que ele ia preparar um golpe de Estado, conduzindo o pas ao regime comunista. O governo percebeu que precisava do apoio popular para defender o seu programa de reformas, e realiza no dia 13 de maro de 1964, no Rio de Janeiro, o Comcio das Reformas, anunciando mudanas na estrutura agrria, econmica, educacional, entre outras (BAIERL, 2005).

    Os conservadores responderam contra as intenes de Joo Goulart organizando uma manifestao conhecida como Marcha da famlia com Deus pela liberdade, tendo a participao de milhares de pessoas. Os militares organizaram-se em uma assembleia no Sindicato dos Metalrgicos do Rio de Janeiro, considerando esse ato uma quebra da hierarquia que colocava em risco a organizao militar.

    E foi na madrugada de 31 de maro que as tropas lideradas pelos generais Olympio Mouro Filho e Carlos Luiz Guedes foram ao Rio de Janeiro para depor Jango. O mesmo refugiou-se no Uruguai, para evitar uma guerra civil. Inicia-se nesse momento no Brasil a Ditadura Militar.

    7.5 O servio social e o Movimento de Reconceituao

    No perodo ditatorial o servio social passa por transformaes signicativas no seu fazer prossional. Nesse perodo houve uma expanso quantitativa, com a abertura no mercado de trabalho, e qualitativa, por conta do amplo debate no interior da categoria prossional sobre a teoria e o mtodo do servio social, porm com uma viso modernizadora, cienticista e tecnicista (SILVA, 2003).

    Essas transformaes ocasionaram o que se convencionou chamar, inicialmente, de Movimento de Reconceituao do Servio Social em 1965, o qual para Silva (2003) permitiu canalizar as insatisfaes acumuladas pelos prossionais que se conscientizam, progressivamente, de suas limitaes, tanto terico-institucionais como poltico-ideolgicas.

    A renovao inicia-se mediante ao organizadora de uma entidade que aglutina prossionais e docentes e que em seguida tem o seu centro de gravitao transferido para o interior das agncias de formao e, enm, espraia-se desses ncleos para or