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1 Boletim 1092/2016 – Ano VIII – 31/10/2016 Governo deve acelerar reforma da Previdência Por Raymundo Costa Passadas as eleições, o governo está mais à vontade para abrir a discussão sobre a reforma da Previdência Social. A intenção do presidente Michel Temer é enviar a proposta de emenda constitucional à Câmara dos Deputados ainda em novembro, apesar da pressão de aliados para que o debate seja adiado para 2017. O argumento é que a tramitação simultânea com a PEC do Teto de Gastos pode unir e fortalecer as oposições ao Palácio do Planalto. Temer quer aproveitar o período em que a PEC do Teto tramita no Senado, onde só deve ser votada, em segundo turno, em meados de dezembro, para adiantar a discussão previdenciária na Câmara. A delação dos executivos da construtora Odebrecht deve causar instabilidade no governo e no Congresso, mas é provável que somente seja homologada em 2017 pelo ministro Teori Zavascki, relator da LavaJato no Supremo Tribunal Federal (STF), o que dá ao governo uma estreita margem de manobra. Até lá, o governo quer correr com as reformas e se consolidar politicamente, graças à formação de maiorias expressivas no Congresso, a exemplo do que aconteceu na votação da PEC do Teto dos Gastos. O governo Temer quer demonstrar que é a única alternativa segura para fazer a travessia da crise até 2018, onde pretende chegar com as contas do país arrumadas e algum crescimento econômico, para ter condições de ser protagonista na sucessão. Atualmente, dois fantasmas assombram o governo: cassação da chapa DilmaTemer e a delação dos executivos da Odebrecht. A votação da impugnação da chapa não está no horizonte da Justiça Eleitoral a médio prazo. A delação da empreiteira estimula especulações nos partidos sobre o fim antecipado do governo Temer. O expresidente Fernando Henrique Cardoso e o expresidente do STF Nelson Jobim têm sido citados como possibilidades numa eleição indireta no Congresso. Mas os partidos não

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Boletim 1092/2016 – Ano VIII – 31/10/2016

Governo deve acelerar reforma da Previdência Por Raymundo Costa Passadas as eleições, o governo está mais à vontade para abrir a discussão sobre a reforma da Previdência Social. A intenção do presidente Michel Temer é enviar a proposta de emenda constitucional à Câmara dos Deputados ainda em novembro, apesar da pressão de aliados para que o debate seja adiado para 2017. O argumento é que a tramitação simultânea com a PEC do Teto de Gastos pode unir e fortalecer as oposições ao Palácio do Planalto. Temer quer aproveitar o período em que a PEC do Teto tramita no Senado, onde só deve ser votada, em segundo turno, em meados de dezembro, para adiantar a discussão previdenciária na Câmara. A delação dos executivos da construtora Odebrecht deve causar instabilidade no governo e no Congresso, mas é provável que somente seja homologada em 2017 pelo ministro Teori Zavascki, relator da LavaJato no Supremo Tribunal Federal (STF), o que dá ao governo uma estreita margem de manobra. Até lá, o governo quer correr com as reformas e se consolidar politicamente, graças à formação de maiorias expressivas no Congresso, a exemplo do que aconteceu na votação da PEC do Teto dos Gastos. O governo Temer quer demonstrar que é a única alternativa segura para fazer a travessia da crise até 2018, onde pretende chegar com as contas do país arrumadas e algum crescimento econômico, para ter condições de ser protagonista na sucessão. Atualmente, dois fantasmas assombram o governo: cassação da chapa DilmaTemer e a delação dos executivos da Odebrecht. A votação da impugnação da chapa não está no horizonte da Justiça Eleitoral a médio prazo. A delação da empreiteira estimula especulações nos partidos sobre o fim antecipado do governo Temer. O expresidente Fernando Henrique Cardoso e o expresidente do STF Nelson Jobim têm sido citados como possibilidades numa eleição indireta no Congresso. Mas os partidos não

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reconhecem em nenhum dos dois condições maiores que a do governo Temer para formar maiorias no Congresso. O governo quer aproveitar também um momento que considera positivo, em meio a todas as dificuldades. O Palácio do Planalto relaciona pelo menos cinco episódios recentes para justificar otimismo. O primeiro foi a aprovação da PEC do Teto dos Gastos, em segundo turno, com bem mais votos que a maioria constitucional exigida. O segundo foi a decisão do STF contrária à desaposentação, o que deve ter repercussão além das contas da Previdência Social. No entendimento do governo, o Supremo decidiu que o Judiciário não pode criar despesas para o Executivo pagar. Só o Legislativo pode criar impostos e despesas,indicando as fontes de pagamento. A decisão pode ter impacto em ações movidas pelo Ministério Público contra Estados, municípios e a própria União para garantir direitos assegurados pela Constituição. O terceiro ponto é a decisão do Supremo que assegura aos governos o direito de descontar os dias parados, nas greves, do salário do servidor público. O entendimento do STF pode conter o ímpeto grevista dos servidores federais, que têm as categorias mais bem organizadas do país. O quarto aspecto é a distensão nas relações entre o Supremo Tribunal Federal e o Senado, para a qual o presidente Temer deu contribuição decisiva. O quinto ponto é o fim do processo eleitoral, que havia travado o debate das reformas. Para não prejudicar campanhas de candidatos aliados, o governo tangenciou a discussão de medidas mais impopulares que devem aparecer nas propostas de reforma da previdência e da legislação trabalhista. O Palácio do Planalto também sentese fortalecido pelo resultado geral da eleição, apesar de seu caráter municipalista: o discurso da oposição de ilegitimidade do governo e de que as reformas propostas suprimiriam direitos sociais não teve a receptividade das urnas. Com a aprovação da PEC do Teto na Câmara, o Palácio do Planalto também ganhou um argumento para fazer andar a reforma da Previdência entre os deputados: se não for estancada, a expansão dos gastos previdenciários vai tirar recursos de outras áreas Saúde, por exemplo para que os gastos fiquem dentro do que estabelece a PEC do Teto.

(FONTE: Valor Econômico 31/10/2016)

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Varejistas relacionam a flexibilização da CLT com a umento da produtividade Para o setor, assim como acontece nos EUA e parte d a Europa, turno menor de trabalho poderia elevar qualidade da operação das lojas, além de cri ar mais de 2 milhões de vagas imediatamente

Comandatuba - Chamada por representantes do varejo brasileiro de "jornada intermitente", a flexibilização das horas trabalhadas tem sido amplamente defendida no segmento de franquias com a promessa de alavancar a capacidade produtiva das lojas e criar, no curto prazo, cerca de dois milhões de vagas. Entre as pautas discutidas por eles, e que têm ganhado relevância por conta da atenção dada ao projeto pelo governo Temer, estão a flexibilidade da escala de horário de trabalho para as sazonalidades e horários de pico. Para o vice-presidente e membro do conselho deliberativo da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), Alberto Serrentino, a mudança no campo legislativo poderia abrir mercado para interessados em turnos menores de trabalho, além de modernizar as relações de trabalho, a exemplo do que acontece em países como Estados Unidos e Reino Unido. "A flexibilização é fundamental. É uma alavanca de produtividade e de empregos.

O varejo não trabalha com rotinas repetitivas como a indústria", diz. De acordo com a SBVC, a flexibilização da jornada de trabalho poderia ajudar a criar mais de 2 milhões de empregos de forma imediata. "Nos mercados maduros e países onde a produtividade é mais elevada, você faz contratos flexíveis com a definição de escala já programada de acordo com a demanda. A rigidez da lei no Brasil inibe, inclusive, alguns avanços tecnológicos disponíveis para as varejistas", conta.

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Uma das tecnologias é voltada a analise do fluxo de pessoas, mas como as empresas têm de realizar contratações de forma fixa, não há como elevar o quadro funcional em horários específicos. A visão de Serrentino é compartilhada pela presidente da Associação Brasileira de Franchising (ABF), Cristina Franco, para quem a atualização traria modernização a uma lei trabalhista já antiga, que existe desde 1943. "Para nós é uma bandeira bastante importante e a discussão não é de retirar direitos, mas de atender um anseio que o Brasil todo tem, de retomada do pleno emprego."

Na última semana, em evento realizado em Comandatuba (BA), a ABF entregou ao secretário de comércio e serviços do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcelo Maia, uma carta com a requisição de alguns pleitos voltados aos negócios do setor, entre eles a flexibilização.

Apesar de enxergar a questão de forma positiva, a especialista em franchising e sócia-diretora da Vecchi Ancona consultoria, Ana Vecchi, acredita que será preciso um período de adaptação do empresariado e um debate profundo sobre o assunto antes da possível votação em plenário, prevista para o ano que vem. "Acho que processos de mudança sempre trazem desconforto, mas se os empresários e franqueadores souberem passar de forma direta aos funcionários, pode funcionar bem", disse ela, que completa: "No franchising, há diversos segmentos que ainda trabalham com a informalidade. Essa revisão da lei poderia ajudar a acabar ou ao menos diminuir esse problema".

Exemplo de fora

Presente em mais de 40 países, a franquia especializada na venda e serviços para piscinas Igui vê com otimismo uma possível adequação da lei trabalhista. No Brasil, a rede tem de encarar um período sazonal durante o verão, quando o número de pedidos de piscinas se eleva. "O que a gente nota é que nos países onde o mercado de trabalho é flexível, a qualidade de vida do funcionário e sua produtividade são maiores. Nós vemos isso na prática na operação norte-americana, já que lá a legislação trabalhista é bastante avançada, ao contrário da nossa, que é bastante paternalista", analisa o fundador-presidente da Igui Piscinas, Luis Filipe Sisson.

Voltada ao segmento de alimentação, a rede de fast-food Giraffas também tem operação nos Estados Unidos. "No mercado norte-americano você tem o trabalhador nos horários em que realmente você precisa.

No Brasil, você acaba pagando excedente pelo horário que a operação está ociosa e acaba por não ter a produtividade que deseja nos horários de pico", diz o CEO da rede, Alexandre Guerra, que cravou: "Assim que essa lei for aprovada, o Giraffas abrirá a contratação de mais pessoas para cobrir as nossas necessidades sazonais". O executivo ressalta ainda, que a flexibilização ajudaria também a reduzir a informalidade vista no varejo. /*O repórter viajou à Ilha de Comandatuba a convite da ABF

Sammy Eduardo*

(FONTE: DCI 31/10/2016)

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Presidente do TST vê ‘desbalanceamento’ da Justiça em favor dos trabalhadores Segundo Ives Gandra Martins Filho, desde que assumi u o posto ele ouve de empresários e parlamentares a crítica de que a Justiça trabalhist a ‘superprotege’ os empregados; e, se há tanta reclamação, diz, ‘é porque alguma coisa está aconte cendo’

Murilo Rodrigues Alves / BRASÍLIA, O Estado de S.Paulo O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra da Silva Martins Filho, disse ao Estado que a Justiça do Trabalho precisa analisar se não há um “desbalanceamento” nas decisões a favor dos empregados, protegendo demais o trabalhador. “Será que a balança não está pesando demais para um lado?”, questiona.

O TST é a última instância em processos relacionados à legislação trabalhista. Desde que assumiu a presidência do órgão, no início deste ano, Ives Gandra ouve de empresários e parlamentares a crítica de que a Justiça trabalhista superprotege o empregado em detrimento das empresas. “Se há tanta reclamação no setor patronal, alguma coisa está acontecendo.”

A última censura, porém, veio de um colega do Judiciário. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, afirmou que o TST tem “má vontade com o capital” e adota uma jurisprudência no sentido de “hiperproteção” do trabalhador.

“Esse tribunal é formado por pessoas que poderiam integrar até um tribunal da antiga União Soviética. Salvo que lá não tinha tribunal”, ironizou Mendes, fazendo rir a plateia de empresários presentes em um seminário sobre infraestrutura, em São Paulo, no dia 21 deste mês.

No mesmo dia, o presidente do TST lamentou, em nota, a forma “infeliz” como se expressou Mendes. No entanto, ele não assinou ofício encaminhado esta semana à presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, por 18 ministros do TST que lastimaram as declarações de Mendes.

‘Misturadamente’. Para Ives Gandra, o papel do TST é conciliar os interesses de trabalhadores e empregados. Ele recorre ao autor Guimarães Rosa e diz que as partes do processo precisam reduzir as expectativas para que haja acordo. Em vez do “felizes para sempre”, comum nos contos de fadas, é mais apropriado para ele usar “viveram felizes e infelizes misturadamente”, parafraseando o autor do livro Grande Sertão Veredas.

O presidente do TST estima que o número de processos recebidos nas varas trabalhistas deve bater recorde este ano e chegar à marca de 3 milhões, o maior volume já registrado desde 1941, quando começou a série histórica do tribunal.

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No ano passado, foram 2,66 milhões. A tendência acompanha o aumento do número de demissões em razão da crise econômica e do clima de incerteza no País.

A taxa de desemprego está em 11,8% no trimestre móvel encerrado em setembro, com 12 milhões de pessoas em busca de um trabalho no País, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

‘Desafio é aplicar imparcialmente uma lei que é par cial’

Cortes nos recursos para a Justiça do Trabalho atra sam ainda mais o andamento das ações, diz presidente do TST

Murilo Rodrigues Alves / BRASÍLIA O presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra da Silva Martins Filho, se queixa dos cortes nos recursos para bancar as despesas da Justiça do Trabalho – cujo orçamento deste ano teve de ser enxugado em R$ 1 bilhão em relação a 2015, para R$ 16 bilhões. Segundo ele, a tesourada contribuirá para aumentar ainda mais a morosidade na resolução das ações trabalhistas no País. Mais da metade dos tribunais teve de fechar as portas mais cedo, às 14 horas, para economizar com água, luz e energia. Cerca de 5 mil empregados terceirizados e estagiários foram demitidos. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. recebe as críticas de que a Justiça do T rabalho protege demais o trabalhador?

Qualquer crítica que se faça, temos de refletir sobre ela. Não posso, ao ser criticado, dizer que a crítica é injusta, que não ajo assim. Sempre que um neném chora, ou está com fome, sujo, ou está com cólica. Se há tanta reclamação no setor patronal, alguma coisa está acontecendo. Não podemos, como Justiça do Trabalho, fechar os olhos para as críticas.

Elas são procedentes?

Em relação às soluções da Justiça do Trabalho, será que não estamos sendo protecionistas demais? Será que a balança não está pesando demais para um lado? O grande desafio para um juiz trabalhista é aplicar imparcialmente uma lei que é parcial. A lei é protetiva do trabalhador. Agora, a Justiça tem de ser imparcial. A Justiça está lá com a venda nos olhos. Ela não pode levantar a venda e dizer: ‘Deixa eu dar uma ajudazinha

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neste porque acho que ele está mais desprotegido’. Não podemos ser refratários às críticas. Temos de recebê-las e ver se realmente não está havendo um desbalanceamento na hora das decisões trabalhistas. A CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) diz que, nas decisões, é preciso se atentar para dar o justo salário ao trabalhador e a justa retribuição à empresa. Não posso estar sempre tendendo para um lado. Essa tem sido a reclamação que temos ouvido. Quando vou pedir dinheiro no Parlamento para conseguir melhora do nosso orçamento, tenho ouvido muito essa reclamação.

A Justiça do Trabalho tem uma taxa das causas que f oram ganhas pelos trabalhadores e das que as empresas venceram?

O que eu sei é que a taxa de improcedência total é muito baixa. Sempre que o trabalhador entra na Justiça, ganha alguma coisa. Na pior das hipóteses, consegue um acordo. Às vezes, ele não tem razão nenhuma, mas só de o empregador pensar que vai ter de enfrentar um processo longo, que vai ter de depositar dinheiro para recorrer, acaba fazendo um acordo quando o valor não é muito alto. Isso acaba estimulando mais ações.

Essa sua recepção às críticas e a conclusão de que é preciso analisar todo o processo para ver o que está acontecendo é de toda a Justiça do Trabalho?

Eu espero. Estou fazendo minha parte e espero que meus colegas façam o mesmo. Não podemos, absolutamente, ser refratários às críticas. Uma pessoa que é refratária à crítica nunca evolui.

O número de processos nas varas trabalhistas deve b ater recorde este ano. O que explica esse aumento?

A projeção para este ano é de mais 3 milhões de ações trabalhistas (em 2015, foram 2,66 milhões). Infelizmente, a Justiça do Trabalho ainda é a Justiça do desempregado. Quando o empregado é despedido, aí é que ele entra com ação, ou espontaneamente ou porque um sindicato ou colega o orienta. Com o aumento dos desempregados, é natural que haja um aumento substancial do número de reclamações.

A consequência desse aumento é também a demora aind a maior na decisão das ações que correm na Justiça do Trabalho?

Às vezes, eu me sinto pregando no deserto. Nós devíamos simplificar o processo, fazer com que tivesse menos recursos, que as instâncias fossem percorridas com mais rapidez. Mas as novidades do novo CPC (Código de Processo Civil) acabaram fazendo uma espécie de pingue-pongue: o processo sobe, desce, você tem uma série de novas oportunidades para se chegar ao mérito. Aquilo que antes se resolvia por perda de prazo ou porque o processo não estava corretamente instruído, agora pode ser consertado. O processo só vai demorando ainda mais para andar. A Justiça tem muito mais ações, mas o número de juízes do Trabalho é o mesmo: pouco mais de 4 mil. Não temos condições de atender a todas as reclamações, fazendo as audiências com rapidez.

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O corte no orçamento da Justiça do Trabalho neste a no também contribuiu para aumentar a morosidade?

Sim. Houve esse corte substancial do orçamento da Justiça do Trabalho, o que fez com que vários tribunais tivessem de fechar o expediente mais cedo para gastar menos água, luz, telefone. Se você fecha mais cedo, tem menos tempo para as audiências. Uma vara que poderia ter oito audiências, acaba tendo cinco. O que fazemos com as outras três? Jogamos lá para frente. Chega uma hora em que o prazo que seria de seis meses para ter um primeiro approach do processo aumenta para um ano e meio.

Como está a situação dos tribunais regionais?

Mais da metade dos tribunais teve de reduzir substancialmente o horário. Atrasou as pautas de julgamento em torno de um ano. Todos tiveram de fazer ajustes. Imagina que em Cuiabá, cidade quentíssima, onde o normal é fazer 40 graus à sombra, tivemos de cortar o ar-condicionado. Alguns tribunais fecham as portas às quatro da tarde; outros, às duas da tarde. Tivemos de cortar garçom da presidência, despedir 2,5 mil terceirizados e 2,5 mil estagiários.

Trabalhadores com ações na Justiça são os mais prej udicados?

Sim. Significa que hoje um processo que poderia levar cinco anos ou até dez para ser solucionado, pode passar para 12 anos, 15 anos. É triste a gente ver muito processo trabalhista que as partes são a empresa tal contra espólio de fulano de tal. Quer dizer que são os filhos do trabalhador que vão receber o que ele tinha direito. A crítica mais comum nas nossas ouvidorias está relacionada à demora em julgar os processos.

O Banco Nacional de Devedores Trabalhistas (BNDT), espécie de “SPC da empresa com dívida trabalhista”, não tem tido êxito?

Isso serve para assustar. Muita empresa que, para não estar neste banco, porque não pode participar de licitação pública, acaba pagando. Só que nem todas as empresas disputam licitações públicas. Aliás, a maioria não disputa. A rigor, tem um efeito limitado, de fazer com que a empresa cumpra as decisões trabalhistas para não mostrar que está devendo. Mas tem muita empresa que está quebrada. Não adianta, você vai atrás do patrimônio do sócio e não encontra. O dado mais atual que me lembro estava perto de quase 70% a taxa de congestionamento da execução trabalhista. Significa que só por volta de 30% dos trabalhadores, ao ganhar o processo, vão receber no mesmo ano. Significa que pode ser que ele fique anos para receber o que a Justiça reconheceu que tem direito. Mas a Justiça não encontra bens, não encontra mais a empresa, porque quebrou.

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A flexibilização do trabalho

Com uma legislação anacrônica, o País precisa moder nizar as relações trabalhistas para estimular os investimentos, aumentar a produtividade e multiplic ar os empregos

José Fucs

O empresário, David Neeleman, de 57 anos, fundador da Azul, sofreu um inesperado revés pouco antes de a empresa – hoje a terceira maior companhia aérea do País por número de passageiros – fazer o seu primeiro voo. Neeleman conta que, ao montar a Azul, em 2008, queria implantar um sistema inovador de atendimento aos clientes por telefone. Inspirado na experiência da Jet Blue, uma das principais companhias aéreas dos Estados Unidos, também fundada por ele, Neeleman pretendia criar um call center remoto, no qual os trabalhadores atenderiam as ligações da clientela em suas próprias casas.

A proposta permitiria a mulheres com filhos pequenos, além de aposentados e estudantes, organizar a jornada de trabalho de acordo com a sua disponibilidade. Eles poderiam reforçar o orçamento familiar e Neeleman conseguiria reduzir os custos e, consequentemente, os preços das passagens. Seu plano, porém, não foi adiante. Não apenas porque o custo das ligações telefônicas e da internet no País inviabiliza o esquema, mas porque a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que regulamenta as relações trabalhistas, não contempla o trabalho a distância. “É uma pena, mas não conseguimos implantar o sistema no Brasil”, diz Neeleman.

O caso de Neeleman é um exemplo emblemático de como a CLT atravanca o desenvolvimento dos negócios, os investimentos na produção, o aumento de produtividade e a geração de empregos. Dos pequenos empreendimentos aos grandes grupos empresariais, como a Azul, ninguém consegue escapar ileso de sua ingerência na gestão do pessoal. Criada por Getúlio Vargas em 1943 – sob inspiração da Carta Del Lavoro, a obra corporativista produzida pelo ditador italiano Benito Mussolini –, a CLT tornou-se uma camisa de força para o relacionamento entre o capital e os trabalhadores.

Apesar das mudanças que sofreu ao longo do tempo, a CLT passou praticamente ao largo das profundas transformações ocorridas nas relações de trabalho, na tecnologia e nas comunicações nos últimos 70 anos. Como nos primórdios do capitalismo brasileiro, quando foi elaborada, a CLT parte, ainda hoje, do princípio de que os trabalhadores são vítimas indefesas do capital, e os empresários, exploradores em potencial de seus empregados. “A legislação trabalhista foi importante na década de 40, quando foi criada, porque havia muita coisa a ser protegida que não estava na lei”, afirma o consultor José Pastore, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Federação do Comércio do Estado de

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São Paulo (Fecomércio-SP). “Hoje, boa parte da lei perdeu o sentido, porque as condições de trabalho, de tecnologia e de produção mudaram completamente.”

É provável que em nenhuma outra área da economia o intervencionismo do Estado se manifeste de forma tão vigorosa quanto no mundo do trabalho – e não faltam concorrentes para disputar a taça. Como nas velhas escrituras, cada detalhe está previsto na CLT: tempo de almoço e de descanso, jornada de trabalho, férias, trabalho aos domingos e até critérios de promoção. Há pouca, pouquíssima, margem de manobra para fazer algo diferente do que reza a CLT, mesmo por acordo entre as partes. “Do jeito que a legislação está hoje, o empregador tem medo de empregar, porque a CLT é um cipoal de normas, que gera muita insegurança jurídica”, diz Pastore. “Então, se ele puder robotizar a produção, vai robotizá-la.”

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Carga Pesada

Como se não bastassem as diretrizes draconianas impostas pela legislação, a Justiça do Trabalho complica ainda mais as coisas. Embora a Constituição de 1988 tenha reservado espaço para a negociação entre os empresários e os trabalhadores, a Justiça do Trabalho tem derrubado de forma recorrente os acordos coletivos firmados entre as partes que estão em desacordo com a CLT. Tudo o que não está alinhado com a letra fria da lei, mesmo que atenda aos interesses de empregadores e empregados, tende a ser visto como uma manobra espúria para livrar os patrões das obrigações trabalhistas. Não importa se a empresa está enfrentando uma queda dramática nas vendas e procurando fazer o possível para preservar os empregos de seus funcionários em meio à crise. “O empresário deve ter o direito de administrar o seu negócio sem sofrer intervenções do Ministério Público, da Justiça trabalhista e do Ministério do Trabalho”, afirma Almir Pazzianotto Pinto, ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Nos últimos tempos, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem dado a sua contribuição para melhorar a situação, com decisões em favor da prevalência dos acordos coletivos sobre a CLT. Ainda assim, a Justiça trabalhista parece desconsiderá-los e continua a proferir sentenças que mantêm a prevalência da CLT sobre tudo o mais. A determinação com que a Justiça do Trabalho cultua a CLT se deve, segundo Pazzianotto, a uma “certa politização” ocorrida a partir da Constituição de 1988 e agravada durante os governos do PT. “No Brasil, ao contrário do que diz a Constituição, não há livre iniciativa”, diz. “A livre iniciativa está sob o controle rigoroso de pessoas que querem transformar o Brasil de capitalista em socialista, por meio de decisões judiciais.” Recentemente, o ministro do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, fez uma avaliação na mesma direção. “O Tribunal Superior do Trabalho é, em sua maioria, formado por pessoal que poderiam integrar um tribunal da antiga União Soviética”, declarou. “A mim, parece (que tenha ocorrido) um certo aparelhamento da Justiça trabalhista e do próprio TST, por segmentos desse modelo sindical que se desenvolveu no País.”

De acordo com Pazzianotto, o viés ideológico das decisões da Justiça do Trabalho se manifesta também na forma de encaminhamento dos processos pelos juízes. Ele diz que a Justiça do Trabalho tende a privilegiar os depoimentos de testemunhas. As provas documentais, como o contrato de trabalho e o recibo de quitação, assinados pelo trabalhador ao entrar e sair do emprego, costumam ficar em segundo plano.

Com isso, cresce em ritmo acelerado a “judicialização” das relações de trabalho no País. “O empresário nunca sabe exatamente o que fazer para ficar livre dos riscos de sofrer um processo”, afirma Pazzianotto. “O empregado tem um custo enquanto trabalha e um custo depois que deixa o emprego – e não dá para fazer nenhuma previsão de quanto ele pode custar no final.” Essa incerteza, na visão de José Marcio Camargo, economista da Opus,

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uma empresa de gestão de recursos, e professor da PUC do Rio de Janeiro, gera um enorme incentivo para o empresário não pagar os direitos trabalhistas durante a relação de trabalho. “Se ele pode pagar depois, talvez até menos do que pagaria, acaba preferindo ganhar um ano ou dois de prazo”, afirma. “Além de ser um estímulo para o empresário não ter uma relação decente com o trabalhador, isso desincentiva o investimento, porque não dá para saber quanto custa investir, e gera poucos ganhos de produtividade, porque as empresas investem pouco em treinamento e capacitação profissional.”

É natural, por tudo isso, que a reforma trabalhista tenha se tornado, ao lado da reforma da Previdência e do ajuste nas contas públicas, uma prioridade no País. Com o impeachment e a oportunidade que se abriu para o Brasil mudar de rumo, o momento não poderia ser mais adequado para promover a modernização da legislação trabalhista. Embora o governo tenha adiado para o segundo semestre de 2017 a apresentação de suas propostas, marcada inicialmente para o fim deste ano, o assunto não deve sair da agenda. O melhor seria discuti-lo já, como defende José Pastore. O próprio presidente do TST, Ives Gandra Martins Filho – uma exceção entre seus pares –, tem defendido a necessidade de realizar com urgência uma reforma trabalhista no País. “O Brasil tem pressa”, disse Martins Filho durante um debate sobre o tema realizado em setembro pelo Estado. “O cerne da controvérsia está entre uma legislação mais rígida, com uma intervenção maior do Estado no domínio econômico, ou uma lei mais flexível, que permita aos agentes sociais estabelecer as condições de trabalho.”

O problema é que, enquanto a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Teto dos Gastos e a reforma da Previdência Social, que o governo promete encaminhar em breve ao Congresso, ainda estiverem “trancando” a pauta, é difícil imaginar que a reforma trabalhista receba a atenção que merece. “A gente está vivendo um período de incêndio e precisa resolver a questão fiscal”, afirma o economista André Rebelo, assessor de assuntos estratégicos da presidência da Fiesp, a entidade dos industriais de São Paulo, que está preparando um conjunto de propostas na área trabalhista para apresentar ao governo. “Só depois de combater o incêndio é que a gente verá qual parede vai reconstruir.”

O Congresso, desde já, está fazendo a sua parte. Hoje, há dois projetos em tramitação na Casa que são essenciais para aperfeiçoar a legislação. O projeto 4.962/2016, apresentado pelo deputado Julio Lopes (PP-RJ), reforça o papel dos acordos coletivos, já previstos na Constituição, e está alinhado ao entendimento que o STF tem dado à questão. Sem grandes mudanças na CLT, o projeto abre a possibilidade de as partes negociarem quase todos os seus penduricalhos, desde que o acordo coletivo não contrarie a Constituição e as normas de medicina e segurança do trabalho. O outro projeto, já aprovado pela Câmara Federal e aguardando análise no Senado, libera a terceirização de mão de obra, inclusive nas chamadas atividades-fim, ligadas ao negócio principal das empresas (veja o quadro).

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Abertura no Trabalho

Embora não faltem dispositivos anacrônicos na CLT, há praticamente um consenso entre os envolvidos na discussão das mudanças de que é melhor concentrar os esforços em poucos itens, para facilitar a aprovação no Congresso, em vez de tentar implementar uma reforma profunda, que dificilmente sairá do papel. A prioridade é trabalhar para aprovar o projeto que fortalece o acordo coletivo e o que libera a terceirização. Com o fortalecimento do acordo coletivo, será possível negociar uma série de questões ligadas à jornada de trabalho, como o fracionamento das férias, o tempo de almoço e o trabalho aos domingos, com a intermediação dos sindicatos patronais e dos trabalhadores. Com a terceirização, a insegurança jurídica das empresas deverá diminuir e a produtividade, aumentar. “Com poucas mudanças, é possível promover uma revolução no mundo do trabalho no País”, diz José Marcio Camargo. “O que o governo tem de fazer é criar opções para o trabalhador e deixá-lo escolher as que ele prefere.”

Como a reforma trabalhista tem impacto generalizado, há muita desinformação e contrainformação no ar. Uma declaração do ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, sobre a regulamentação do regime de 12 horas de trabalho com 36 horas de descanso, hoje amplamente adotada pelos profissionais de saúde, gerou muito ruído. Muita gente disse, provavelmente por má-fé, que o governo defendia a ampliação da jornada de 8 para 12 horas por dia. Mesmo com o governo garantindo que não vai mexer nos direitos dos trabalhadores – como 13.º salário, FGTS, férias, adicional de férias, descanso semanal remunerado e jornada de 44 horas semanais –, a “guerra de narrativas” em torno do assunto corre solta nas redes sociais. Vale tudo. Em seu site na internet, a CUT publicou uma nota cujo título dizia que “A reforma trabalhista pode acabar com o 13.º e as férias”. A tendência, à medida que a reforma trabalhista vá ganhando forma, é o conflito ideológico se acentuar.

Como os direitos dos trabalhadores não deverão ser afetados e o País enfrenta uma crise fiscal sem precedentes, é pouco provável que haja alívio para as empresas de obrigações trabalhistas e cunha fiscal incidente sobre o trabalho, que chegam a 102,43% do salário, segundo cálculos do professor Pastore. A reforma sindical também deve ficar para depois. Como na PEC dos gastos, que depende da reforma da Previdência para funcionar, a reforma trabalhista dependerá da reforma sindical para alcançar seus objetivos (veja os gráficos). Sem a adoção do pluralismo sindical e o fim do imposto sindical, que financia entidades patronais e de trabalhadores com contribuições compulsórias, o novo desenho que se pretende dar para as relações de trabalho no País não passará de uma quimera. Mesmo que a reforma sindical seja implementada em seguida, para não tumultuar o debate sobre as mudanças trabalhistas, a vez da reforma sindical terá de chegar.

(FONTE: Estado de SP 31/10/2016)

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(FONTE: Folha de SP 31/10/2016)