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Page 1: GONDRA, José Gonçalves. No Cenáculo da Ciência: a Ordem ...historiaecultura.pro.br/cienciaepreconceito/instrumentos/... · Interlocução: Grande interlocução com Jurandir Freire

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GONDRA, José Gonçalves. No Cenáculo da Ciência: a Ordem Médica e a

Questão da Instrução. IN: MAGALDI, Ana Maria; ALVES, Cláudia;

GONDRA, José Gonçalves (orgs.). Educação no Brasil: História, Cultura

e Política. Bragança Paulista: EDUSF, 2003.

669 pgs.

Leonardo Martins Barbosa, 11 de fevereiro de 2007

Natureza do livro: Uma Coleção de artigos referentes a diversas épocas da história do

Brasil, tratando de forma variada a questão da educação e instrução. O artigo

escolhido procura desenvolver a questão da instrução médica a partir da

Academia Imperial de Medicina, antes denominada de Sociedade Médica do Rio

de Janeiro. A partir desta elite médica, procura estudar as principais diretrizes de

suas ações.

Autoria: Além de ter ajudado a organizar o livro em questão, é também professor

adjunto na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Coordenador do Grupo de

Trabalho de História da Educação da ANPEd e membro do NEPHE-UERJ.

Tese Central: A Instrução médica está fortemente atrelada aos interesses de legitimação

social da medicina e à expansão do Estado Imperial. A construção política da

AIM é fruto de uma aliança entre a Coroa e a corporação médica em um momento

aonde os interesses de ambos convergiam. Assim podemos entender discursos e

objetivos parecidos – como a necessidade de civilizar – e ações como o projeto de

ampliar a higiene e o papel da medicina na instrução pública.

Interlocução: Grande interlocução com Jurandir Freire Costa (Ordem Médica e Norma

Familiar), com Lilian Schwarcz, e até com Norbert Elias – ao trabalhar o conceito

de civilização. Dialoga bastante com Luís Otávio Ferreira – O nascimento de

uma Instituição Científica: o periódico médico na primeira metade do século XIX.

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Cita também outras obras suas, como A Configuração do discurso pedagógico: a

contribuição da medicina; e Artes de Civilizar: medicina, higiene e educação

escolar na Corte Imperial.

Estrutura do Texto: A primeira parte do texto – e também a maior – dedica-se a

reconstruir a origem da Academia Imperial de Medicina, e estudar suas ações

políticas, sempre tendo em vista os interesses corporativos da medicina e do

Estado Imperial. A segunda parte o autor trabalha de maneira mais pontual o

projeto de instrução médica na sociedade brasileira, levantado em 1871.

Fichamento:

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O autor procura compreender a organização e o funcionamento da AIM.

- A fundação se deu em 1829. Na época ainda chamada de Sociedade Médica do

Rio de Janeiro, que em 1835 viria a ser considerada a Academia Imperial de

Medicina.

“A SMRJ destinar-se-ia a promover a ilustração, progresso e propagação das ciências

médicas (...) debaixo da autorização e proteção do Governo.” [É bom ficar atento

já a íntima relação estabelecida entre o chamado mundo do Governo e a

Academia Imperial (não à toa) de Medicina.]

- Citando Schwarcz, lembra que a “Sociedade” teve fortes influências da Academia

francesa

- “Submetido, portanto, à ‘Augusta Presença’ e ao ‘Imperial Beneplácito’, a SMRJ

ingresso na ordem oficial, o que implicou o estabelecimento de partilhas entre a

‘Sociedade’e o Estado, as quais encontram-se expressas nas ‘vantagens’ que tal

corporação deveria propiciar, formando regulamentos sanitários, estabelecendo e

reformando hospitais e propagando conhecimentos úteis por todo o Império.

Partilhas que ficaram ainda melhor definidas no texto dos estatutos, ao se

explicitar que a SMRJ instituia-se para tratar de todos os objetos que poderiam

contribuir para o progresso dos diferentes ramos da arte de curar, para responder

às questões do governo sobretudo o que dizia respeito à saúde pública,

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principalmente sobre as epidemias, casos de medicina legal, doenças reputadas

como contagiosas e capazes de serem importadas de países estrangeiros (...)

Programa científico que objetivava amarrar a finalidade maior da ‘Sociedade’,

que era a de melhorar o exercício da medicina e esclarecer as numerosas questões

que diziam respeito à salubridade das grandes cidades e do interior das Províncias

do Império.”

- Estabelecendo as diretrizes e a finalidade de suas ações, a SMRJ procurou atuar

em quatro frentes, com o objetivo de destituir outras artes de curar: Ciência,

Higiene, Humanidade e Assistência. [Com o apoio do governo imperial para agir

sobre todo o território do Brasil – províncias e capitais – a Sociedade e

posteriormente Academia Imperial tem como um dos objetivos tornar-se

hegemônica por todo o território. As quatro frentes demonstram ainda o forte

caráter de terapêutica e higienista da associação. ]

- “almejava unir os homens da arte e a própria arte de curar, como condição

necessária para destituir outras ‘artes e artistas’ igualmente voltados para o objeto

da cura.”

- O caráter de oficialidade é mto forte na SMRJ. Ministros de governo poderiam

participar das sessões, além de amplos convidados. O ministro da saúde era

presidente honorário da Sociedade. Dessa maneira, a SMRJ teria o objetivo de

dar assessoria ao governo. Caráter reafirmado em 1835, ao transformar-se na

Academia Imperial de Medicina.

- “Marcas de oficialidade que buscavam assegurar uma existência de longa duração

para a entidade que almejava representar o ‘corpo científico’ da medicina.”

- “Diferentemente das efêmeras sociedades científicas criadas no Brasil no final do

período colonial, como por exemplo a Academia Científica do Rio de Janeiro

(1771-1772) e a Sociedade Literária do Rio de Janeiro (1786-1790), a SMRJ

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tinha um projeto institucional e científico bastante definido, moldado segundo

concepções políticas e epistemológicas do movimento higienista europeu do final

do século SVIII, particularmente o francês, conforme assinala Ferreira (1996, p.

69). Esse autor acrescenta que o maior êxito da SMRJ/AIM foi a tradução de

princípios higienistas para o contexto natural e social brasileiro que, nesse caso,

não deve sr caracterizado como um movimento de ampla repercussão política e

mobilização social, mas, fundamentalmente, pela invenção dos problemas

médicos sanitários do País com base na avaliação das relações entre sociedade,

natureza e doenças brasileiras.”

- Grande contribuição para o reconhecimento social e institucional da profissão

médica, distinguindo-se dos charlatães da arte de curar.

- “(...) não se pode deixar de perceber a dimensão política e pedagógica das

atividades por ela desenvolvidas com o fito de legitimar o discurso e as práticas

médicas, em franco processo de oficialização. O traço da oficialidade seria, desse

modo, um dos aspectos da ação política da entidade representativa dos médicos.”

- Nota de pé de página interessante: “A manutenção desse traço [de oficialização] é

perseguida pela entidade e uma das evidências é a própria redesignação da

mesma por ocasião do fim do regime imperial. Demonstrando sua perspectiva de

associação junto ao poder público, o nome Academia Imperial de Medicina é

imediatamente abandonado (seis dias após a proclamação da República, em

21/11/1889) em favor de Academia Nacional de Medicina. Desse modo, exprime

seu posicionamento ao lado do ‘novo’ Governo quando elimina do nome o

vestígio do ‘antigo’regime que mal acabara de ser substituído.”

- “Assim, mais do que ‘tribuna médica’, essa entidade dispôs-se a funcionar como

núcleo formulador, articulador, organizador, divulgador e legitimador da ordem

médica.”

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- O projeto higienista enfrentou dificuldades para materializar-se, pois faltaram

condições econômicas, científicas, culturais e sociais. “Dessa maneira, nesse

período, antes de ter sido o agente de um pretenso processo de medicalização da

sociedade, as ações da SMRJ foram mais importantes como estratégia de

legitimação social da própria medicina e, nesse sentido, uma aproximação com o

Estado foi transformada em meta.” Daí a constante necessidade de reafirmar o

apoio político à Coroa em momentos de crise, como no fim do primeiro reinado.

Três aspectos que articulavam a SMRJ (e posterior AIM): Higiene, Ciência e civilização.

José da Cruz Martins Jobim, um dos fundadores da AIM, médico e homem de confiança

de Pedro II vê a saúde pública como resultado e início de uma Civilização.

[A AIM nasce com objetivos de civilizar, ao lado da Coroa, a população do Brasil. Nesse

sentido, a classe médica se constrói como monopolizadora das artes de curar, trazendo a

ciência da Europa para o Brasil, e construindo um discurso civilizador, ajudando a

legitimar as ações políticas do Estado. A íntima relação entre a AIM e o Estado é

essencial para entendermos a ação política desses homens enquanto corporação,

instituição.]

A AIM assume um discurso de pretensa neutralidade, parecido com o discurso

legitimador da Coroa. Ao associar-se à Coroa, a corporação médica toma partido sem

tomar partido. Fica ao lado do Estado, e articula sua existência a existência daquele.

Assim, ajuda a construir e legitimar um discurso acima de paixões partidárias – tanto

para os médicos como para o Estado. Ambos legitimados pela ciência e pela busca da

civilização.

“Fazendo uso dessa estratégia, os médicos foram aos poucos confundindo-se com os

interesses do ‘trono’ que, diante da necessidade de parceiros para intervir na vida social e

desenvolver processos civilizadores, fez ‘corte’ aos médicos, transformando-os em

aliados.”

Cita Jurandir Freire Costa. “’Só historicamente é possível perceber que em meio a atritos

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e fricções, intransigências e concessões, estabilizou-se um compromisso: o Estado

aceitou medicalizar suas ações políticas, reconhecendo o valor político das ações

médicas’”.

Ressalta que a AIM não foi a única instituição que legitimou a ação dos médicos na

sociedade. O Autor chama atenção para a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

Apesar disso, as duas instituições eram permeáveis, ou seja, tinham ligações muito

fortes. Médicos importantes circulavam entre os dois espaços, e discussões muito

parecidas eram travadas em ambos os lugares. [Não é a toa que grande parte das teses

que achamos estava na AIM apesar de terem sido feitas na Faculdade. No entanto, é bom

que o autor tenha chamado atenção para isso. É importante ficarmos atentos para a

distinção entre os dois espaços de sociabilidade e ação política.]

A INSTRUÇÃO COMO PROBLEMA MÉDICO

E 1871 entra na agenda da AIM a questão da instrução da mocidade como

responsabilidade médica, para um maior desenvolvimento físico e moral.

Dr Luiz Corrêa de Azevedo critica os colegios, mães e escravas – responsáveis pela

educação no Brasil. Diz que os colegios devem ser reformados para melhor atender a

mocidade.

“Reunindo a casa e a escola sob a marca da nulidade, o Dr. Corrêa reafirma que a saída

não seria o fim de tais espaços de formação. Reconhece a legitimidade de ambos, no

entanto, os mesmos só estavam prejudicando o desenvolvimento físico e moral dos

meninos e meninas, adiando a construção do futuro grandioso. Desse modo, o código da

higiene é apresentado como alternativa e como remédio para os males detectados, mas

um código ajustado as nossas peculiaridades. Não copiemos e não imitemos são os

imperativos arrolados, associados ao imperativo da prescrição para que fossem seguidas

as velhas virtudes de nossa raça, melhorando-as e colocando-as ao alcance de nossas

possibilidades e de nosso adiantamento.”

O médico usa como estratégia discursiva o desligamento do Brasil natural do cultural.

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Um país cheio de potencialidades, e um povo incivilizado, que precisa da ação médica

para se desenvolver física e moralmente. [O autor não menciona, mas podemos recuperar

o conceito de degeneração, para esses médicos marca do Brasil, legitimando sua ação

social.]

A busca da civilização ganha mais um espaço de disputa: a instrução pública. Dessa

maneira, os dirigentes da classe médica encontram mais um espaço de legitimação e

ampliação da influência de suas idéias, aumentando seu poder e sua importância dentro

do Estado Imperial. Assim como constrói mais justificativas para a intervenção cada vez

maior e em cada vez mais espaços sociais.

IMPORTÂNCIA PARA A PESQUISA:

O artigo é bom para situarmos a Academia Imperial de Medicina enquanto uma

instituição atrelada à Coroa nas suas ações políticas. É bom ao mesmo tempo para termos

mais embasamento sobre a constituição da classe médica no Brasil. Também para

sabermos que a Academia Imperial de Medicina e a Faculdade de Medicina do Rio de

Janeiro eram as principais instituições médicas e, apesar de terem fortes relações, eram

autônomas uma da outra.