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Como os maiores golpistas da história enganaram tanta gente por tanto tempo

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KARI NARS

Tradução: Lilia Loman e Pasi Loman

Como os maiores golpistas da história enganaram tanta gente por tanto tempo

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Copyright © 2009 Kari NarsEdição original publicada por Tammi PublishersEdição brasileira publicada em acordo com Tammi Publishers, Elina Ahlback Literary Agency, Helsinki, Finlândia, & Vikings of Brazil Agência Literária e de Tradução Ltda., São Paulo, Brasil.Copyright © 2012 Editora Gutenberg

TÍTULO ORIGINAL EDITORAÇÃO ELETRÔNICA

Miten Miljoonia Huijataan: Christiane Morais de Oliveirasuurpetkuttajien värikäs historia REVISÃO

TRADUÇÃO Maria do Rosário Alves PereiraLilia Loman GERENTE EDITORIAL

Pasi Loman Gabriela NascimentoPROJETO GRÁFICO DE CAPA

Diogo Droschi(Sobre imagem deTIMOTHY A. CLARY/AFP/Getty Images)

Revisado conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde janeiro de 2009.

Todos os direitos reservados pela Editora Gutenberg. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia da Editora.

EDITORA GUTENBERG LTDA.

São PauloAv. Paulista, 2073, Conjunto Nacional, Horsa I, 11° andar, Conj. 1101Cerqueira César. São Paulo . SP . 01311-940 Tel.: (55 11)3034 4468

Televendas: 0800 283 13 22 www.editoragutenberg.com.br

Belo HorizonteRua Aimorés, 981, 8o andar. Funcionários 30140-071 . Belo Horizonte . MG Tel.: (55 31) 3214 5700

Esta obra foi publicada com apoio financeiro da FILI - Finnish Literature Exchange.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Nars, KariGolpes bilionários : como os maiores golpistas da história enga­

naram tanta gente por tanto tempo / Kari Nars ; tradução Lilia Loman e Pasi Loman - Belo Horizonte : Editora Gutenberg, 2012.

Título original: Miten Miljoonia Huijataan: suurpetkuttajien värikäs historiaISBN 978-85-65383-50-9

1. Chantagistas e chantagens 2. Corporações - Práticas corruptas 3. Fraudes 4. Golpes financeiros I. Título.

12-05874 CDD-364.163

Índices para catálogo sistemático:1. Fraudes corporativas : Criminologia 364.163

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A minha querida família, pela paciência demonstrada durante o processo de elaboração deste livro.

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INTRODUÇÃO............................................................................................................13

1. A ARRANCADA...................................................................................................17O pesadelo de Bernard Madon.........................................................................................17Nada de novo sob o sol.................................................................................................... 18Dinheiro sujo sai fácil do bolso........................................................................................19

2. A IDOLATRIA DO DINHEIRO........................................................................21Dinheiro, a força motriz................................................................................................... 21A ganância por dinheiro e os pecados capitais................................................................ 22

3. OS MÉTODOS UTILIZADOS NOS GOLPES FINANCEIROS...............24Alguns métodos de trabalho dos grandes golpistas financeiros.......................................24O apelo dos esquemas em pirâmide.................................................................................24O crime do colarinho branco e a lei.................................................................................26O marketing de níveis múltiplos pode nos fazer lembrar as pirâmides...........................28Técnicas corporativas de fraude.......................................................................................29Sete estratagemas financeiros usados para ludibriar investidores e outros clientes........30A lista cinzenta dos paraísos fiscais.................................................................................32O esquema fraudulento da Equity Funding Corporation.................................................33Requisitos para ser um vigarista de sucesso.................................................................... 34Golpistas financeiros: a nobreza dos criminosos.............................................................37O risco de ser flagrado.....................................................................................................38

4. COMO SÃO POSSÍVEIS FRAUDES DE MILHÕESDE DÓLARES.............................................................................................................. 40A pilha de mentiras.......................................................................................................... 41Investimentos baseados na confiança.............................................................................. 43

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A relação entre o golpista e a vítima................................................................................ 44Os golpistas se arrependem de seus malfeitos?................................................................46

5. A PRODUÇÃO DE CRIMINOSOS DE MILHÕESDE DÓLARES.............................................................................................................. 49Os antecedentes familiares e educacionais dos criminosos e os crimes decolarinho branco...............................................................................................................50A personalidade dos golpistas..........................................................................................51Distorções cognitivas de personalidades criminosas.......................................................52Os golpistas são, frequentemente, sociopatas..................................................................54Principais características dos sociopatas......................................................................... 54As mulheres são menos frequentemente golpistas ou vítimas........................................ 55

6. O ESPECTRO DAS MAIORES FRAUDESFINANCEIRAS DO MUNDO..................................................... ...........................60Golpes e bolhas especulativas históricas.........................................................................60Os 10 maiores golpes da história.....................................................................................61Dois tipos de golpistas.....................................................................................................65

7. A ESPETACULAR BOLHA DA SOUTH SEA COMPANY.....................66John Blunt, o principal culpado....................................................................................... 67Especulação desvairada na Bolsa de Valores de Londres...............................................68O preço das ações atinge o auge e Blunt ganha título de nobreza.................................. 70A queda do preço das ações leva a uma onda de suicídios............................................. 72Os culpados são presos ou fogem....................................................................................74O dia da prestação de contas........................................................................................... 74As bolhas racionais e o momentum investing....................................................................... 75A bolha foi lembrada até a Grande Febre das Ferrovias................................................. 76

8. INVENTOR DO ESTADO FANTASMA DE POYAS,O GENERAL GREGOR MACGREGOR...............................................................78O Príncipe de Poyais chega a Londres............................................................................79Fazendo propaganda das maravilhas do estado fantasma...............................................80Direitos territoriais à venda e empréstimo da cidade...................................................... 81A partida das primeiras vítimas.......................................................................................82Um choque terrível à chegada.........................................................................................83O triste retorno à Grã-Bretanha.......................................................................................84O golpe de MacGregor teve continuidade na França......................................................84O finale pouco grandioso................................................................................................85

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9. VICTOR LUSTIG E A VENDA DA TORRE EIFFEL.................................86A misteriosa máquina de impressão de dinheiro.............................................................87A venda da Torre Eiffel a um negociante parisiense de ferro-velho.............................. 88Até Al Capone foi passado para trás............................................................................... 91A arriscada falsificação de dinheiro................................................................................92A aposentadoria em Alcatraz.......................................................................................... 93

10. CARLO PONZI - O PIONEIRO DOS ESQUEMAS EM PIRÂMIDE................................................................................................................94A estreia criminal no Canadá.......................................................................................... 95Em direção a novas aventuras nos Estados Unidos........................................................ 96Contagem regressiva para as trapaças de Ponzi..............................................................96Milhões entram nos cofres.............................................................................................. 98Os primeiros reveses....................................................................................................... 99Para o analista financeiro Barron, algo cheirava mal................................................... 100Os investidores acorrem em bandos............................................................................. 100Os portões da prisão se abrem para Ponzi.................................................................... 101O retorno de Ponzi, em primeira classe, à Itália........................................................... 103Memórias não publicadas..............................................................................................104Destino: Rio de Janeiro................................................................................................. 105Toque noturno de recolher............................................................................................ 105

11. A ASCENSÃO E QUEDA DO REI MUNDIALDOS FÓSFOROS, IVAR KREUGER..................................................................107A exitosa decolagem do engenheiro............................................................................. 108A marcha em direção ao trono de rei mundial dos fósforos......................................... 109A inovadora estratégia de financiamento de Kreuger...................................................111O auge da carreira de Kreuger...................................................................................... 112A reviravolta..................................................................................................................113Comemoração de aniversário sem o convidado de honra.............................................114A corda aperta............................................................................................................... 114O colapso do preço das ações e o estreitamento da liquidez........................................ 115As últimas mentiras vêm à tona.................................................................................... 116Um tiro ecoa em Paris...................................................................................................116As trabalhosas investigações e a falsificação fatal....................................................... 118A falência da empresa................................................................................................... 119O banco americano de investimento de Kreuger entra em falência............................. 120O primeiro-ministro da Suécia é demitido....................................................................121Os vencedores: a família Wallenberg........................................................................... 122

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O mistério de Kreuger................................................................................................... 122A personalidade fria e os motivos de carreira............................................................... 124

12. A TRAPAÇA DE UM BILHÃO DEDÓLARES DO PLAYBOY CORNFELD.............................................................126Um fundo de investimento florescente..........................................................................127O achado de Cornfeld....................................................................................................128Investidores esfolados................................................................................................... 129O império da IOS entra em colapso.............................................................................. 130O doce estilo de vida de Cornfeld continua em Hollywood......................................... 132

13. ROBERT VESCO, O TRAPACEIROMAIS FAMOSO DA AMÉRICA..........................................................................133Milionário aos 30 anos graças a aquisições agressivas................................................. 133A oferta de compra agressiva da IOS feita por Vesco.................................................. 134A fuga para o Caribe......................................................................................................135O incontestável rei dos financistas fugitivos.................................................................136Primeiro, Cuba Libre; depois, a prisão de Castro......................................................... 136

14. O MONUMENTAL ESCÂNDALO CORPORATIVODA ENRON...............................................................................................................138O mais importante escândalo corporativo de nossa época........................................... 138A aparência rósea da Enron — e a verdade...................................................................140Os espertos cúmplices de Kenneth Lay.........................................................................140O preço das ações despenca e os investidores fogem................................................... 141As táticas de protelação e a falência..............................................................................143As pesadas acusações.................................................................................................... 144As conexões políticas e a queda da Arthur Andersen................................................... 145

15. A PIRÂMIDE MULTIMILIONÁRIA DA WINCAPITA......................147A construção gradual da pirâmide.................................................................................148Agentes movidos por comissões a fim de trabalhar a todo vapor.................................149A psicologia do golpe.................................................................................................... 151Os antecedentes das vítimas da WinCapita...................................................................151As taxas de adesão e o sistema de sinais no mercado demoedas estrangeiras.......................................................................................................152Informações de marketing confusas.............................................................................. 154Ganhos e suicídios......................................................................................................... 155A profunda investigação policial da WinCapita............................................................156

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16. O CRIMINOSO DO SÉCULO.....................................................................159Por detrás da fachada do escritório central................................................................... 161As chaves da atração exercida por Madoff....................................................................164A estratégia secreta de investimento............................................................................. 166Lucros suspeitos e sinal vermelho.................................................................................167Um suntuoso clube de golfe como local de aliciamento............................................... 169Milionários descuidados e administradores de investimento........................................ 170Os bancos como intermediários.................................................................................... 172O mistério de Madoff.................................................................................................... 177Os enormes prejuízos de americanos ricos....................................................................178Os milionários europeus trapaceados por Madoff.........................................................181O Roubo da Afinidade e a Lista de Swindler.................................................................. 182Investimento seguro?.....................................................................................................182O que aconteceu com o dinheiro?................................................................................. 183O papel da esposa..........................................................................................................186O Fairfield Greenwich Group: o feeder fund principal..................................................189Como Madoff conseguiu continuar por tanto tempo?...................................................191A ganância cede lugar ao medo.....................................................................................194Um desprezível sociopata?............................................................................................ 199

17. O FIM..................................................................................................................201Como funcionam as pirâmides?.................................................................................... 201A matriz da pirâmide..................................................................................................... 202Nem todo mundo saiu perdendo....................................................................................203Péssima política, péssimas transações bancárias, péssima sorte — e péssimafiscalização.................................................................................................................... 203A prova da realidade......................................................................................................205As lições de Buffett....................................................................................................... 206A regra de ouro no mundo dos golpistas....................................................................... 207

REFERÊNCIAS......................................................................................................... 209

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Introdução

Este livro apresenta um roteiro do fascinante mundo das fraudes fi­nanceiras mais espetaculares do mundo.

Ele traça ao leitor uma visão dos fatos tal como aconteceram. E, para os criminosos viciados em extrair prazer da desgraça alheia (Schadenfreude), ele dá o que pensar.

A verdade nua e crua é que as sociedades ricas do Ocidente estimulam valores, atitudes e estruturas de personalidade condizentes com o crime de colarinho branco. Nas palavras de Ian Taylor, a economia de mercado promove o crime através da

[...] exaltação de uma cultura de competição darwinia- na por status e recursos e do estímulo de um nível de consumo que ela não pode estender a todos através de canais lícitos.

Nesse ambiente, os golpistas criaram falcatruas tentadoras e, às vezes, engenhosas, para se fazer dinheiro, prometendo recompensas principes­cas para pessoas crédulas. As vítimas cedem às tentações na expectativa de fazer o que veem como um bom (e particularmente bem-merecido) dinheiro - instantaneamente, agora, imediatamente.

Golpistas frios, astuciosos, infringem a lei porque é a maneira mais fácil de fazerem dinheiro rapidamente. Juntamente com o desejo da riqueza, há o desejo de se reafirmarem através do sucesso nas batalhas competitivas que exercem um papel tão importante em nossos sistemas econômicos. Os vitoriosos são admirados por sua capacidade e sua ambição.

O crime de grandes proporções se tornou uma das maiores preocu­pações de nossa época. Quase diariamente, a mídia apresenta relatos de assassinatos chocantes, assaltos e crimes de rua. Mas os nossos olhos estão

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tão focados nos crimes violentos que muitas falcatruas financeiras acabam por chamar menos atenção.

O Subcomitê Judiciário do Senado dos Estados Unidos calculou que, nos anos 1970, o crime corporativo - incluindo fraudes - já tinha custado ao contribuinte a espantosa quantia de US$ 500 a US$ 700 bilhões ao ano, em valores atuais, na mesma época em que o resultado médio de um assalto eram minguados 434 dólares. O prejuízo anual devido ao crime de rua era estimado em US$ 4 bilhões, apenas uma fração dos prejuízos causados pelo crime corporativo.

O crime de colarinho branco, tal como as fraudes, sempre envolve uma quebra de confiança. Os fraudadores quebram a confiança que as vítimas colocaram neles: investidores, depositantes, bancos, diretorias de empresas, colegas de trabalho e a mídia. Por atingirem os princípios básicos das sociedades ocidentais - honestidade, confiança, transparência —, os golpistas solapam os costumes sociais e contribuem para a desorganização social, enquanto outros crimes, tais como os assaltos ou os furtos, têm pouco efeito sobre o moral da sociedade ou sobre as instituições sociais.

Trabalho, como economista e banqueiro, no mundo financeiro por quase 50 anos: no FMI, em Washington D.C.; como presidente, por um longo tempo, da diretoria do Conselho do Banco de Desenvolvimento Europeu, em Paris; como membro da diretoria do Banco de Investimento Nórdico e do EBRD, em Londres; e também como diretor do Banco da Finlândia e do Ministério de Finanças. Durante esse tempo, nunca deixei de me surpreender com o descuido e a credulidade com que muitas pessoas atarefadas se comportam em questões de dinheiro.

O livro focaliza minha especial seleção das 10 maiores fraudes finan­ceiras. Todas elas são interessantes, diferentes, até mesmo espantosas, e envolveram um grande número de pessoas; foram objeto de manchetes na época e quase todas foram engenhosas.

Em nome da legibilidade, alguns casos que são difíceis de descrever de uma maneira simples, tais como a história do rei dos títulos de alto risco, Michael Milken, bem como a história do insider trader Ivan Boesky, não são tratados neste livro. Tampouco são tratados os prejuízos bilionários na negociação de derivativos causados por Nick Leeson no Barings Bank, ou por Jerome Kerviel na Societé Génerale.

Começo com uma análise geral da fraude financeira: que tipo de pes­soas eram os fraudadores, quais eram seus processos mentais, quem tem predisposição para se tornar criminoso, como eles planejam seus esquemas criminosos e como conseguiram extorquir enormes somas de dinheiro de

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pessoas honestas. Que métodos usaram em sua “profissão” e quem está mais propenso a se tornar vítima desse tipo de fraude? Discuto também o que, ao final, aconteceu aos grandes fraudadores e onde o dinheiro resultante de seus golpes foi parar.

Um dos aspectos interessantes que me impressionou desde o início é que nenhum de meus principais criminosos financeiros é do sexo femi­nino. Também se tornou evidente que a proporção de mulheres que se tornaram vítimas das fraudes é imensamente menor que a de homens. Seriam as mulheres realmente mais honestas que os homens? Seriam elas mais desconfiadas, mais alertas? Tudo isso é considerado em detalhes.

Além de cinco décadas de agudas observações do mundo financei­ro, meu livro se baseia também na minha própria e extensa biblioteca financeira, nas amplas coleções de várias bibliotecas universitárias, nas publicações financeiras, nos relatos factuais encontrados na Internet e em pilhas de matérias financeiras de jornais.

Quaisquer imprecisões encontradas no livro devem-se, em parte, ao fato de que os registros policiais e os processos judiciários que dizem respeito às grandes fraudes não são, em geral, públicos, ou são limitados ou contra­ditórios. Os criminosos apresentam suas próprias “verdades”, e as vítimas, outros “fatos”. Por razões compreensíveis, a polícia frequentemente não quer revelar as sofisticadas fraudes dos golpistas. Muitas vítimas também têm suas próprias razões para ocultar a verdade, como, por exemplo, a origem duvidosa de seu dinheiro ou as fraudes fiscais cometidas.

O dinheiro normalmente não desaparece em algum lugar; ele simples­mente tende a mudar de bolso. A minha esperança é de que este livro impeça muitas pessoas honestas de se tornarem vítimas de impiedosos fraudadores financeiros. Entretanto, temo que seja uma esperança vã quando se pensa em quão facilmente tantas pessoas inocentes já se deixa­ram enganar por fraudadores cruéis e de lábia fácil.

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1. A arrancada

O pesadelo de Bernard Madon“Droga, droga, droga!”A enorme manchete do New York Times parecia encarar Bernard L.

Madon, sentado à mesa do café da manhã em seu elegante apartamento de Manhattan. Ele quase engasgou com seu café enquanto arrepios desciam pela sua espinha.

Seu homônimo, aquele trapaceiro sujo com um eterno sorriso, Bernard Madoff, havia afanado bilhões de milhares de vítimas crédulas!

Madon soube imediatamente que suas economias estavam perdidas. Para sempre! Sua cabeça quase explodiu, e as paredes pareciam estar des­moronando. Que vergonha! E todos os seus amigos dariam risada pelas costas de tão grande idiota!

Talvez o caminho mais fácil fosse tomar os fortes comprimidos para dormir que o Dr. MacCallan havia receitado na semana anterior e depois cortar os pulsos em uma banheira com água quente.

Como ele poderia ter sido tão incrivelmente tolo, apesar de Ellen, sua mulher, tê-lo atormentado dizendo que suas economias da aposentadoria nunca deveriam ser colocadas no fundo pouco confiável daquele sujeito de fala macia. Mas até ela esmoreceu quando ele contou sobre os extratos de banco de seu sócio de longa data, Samuel Goldberg. Eles confirmavam no preto e no branco os lucros certos que ele recebera regularmente da Madoff Securities. A coisa realmente funcionava!

Samuel havia inclusive encontrado o Grande Guru pessoalmente no suntuoso bar do Clube de Campo de Palm Beach. Ele ficou mais do que bem impressionado. Todos consideravam mais do que uma honra serem aceitos no fundo exclusivo de Madoff, um privilégio reservado somente a

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poucos. Ele pagava a razoável taxa de 15 por cento em lucros anuais, não importava o que acontecesse.

Todos os milionários viam o fundo como um investimento seguro. E o melhor de tudo: Madoff não cobrava um centavo por aquelas taxas de gerenciamento que outros gestores de fundo usam para tirar dinheiro de seus clientes.

Se era bom para aqueles caras podres de ricos que sabiam como fazer rios de dinheiro, seria bom para mim também, ele pensou! Na época, ele não sabia que Samuel era amigo de Madoff e que embolsava comissões generosas por cada novo investidor que trazia.

Mas o pior de tudo: ele, Bernard L. Madon, havia falado com orgulho sobre este modo moderno de enriquecer para seu rabino de confiança. Agora, as economias de toda uma vida desse santo homem estavam espa­lhadas como palha seca soprada por ventos celestiais. Ele nunca mais teria coragem de olhá-lo nos olhos na sinagoga!

Sentimentos semelhantes de remorso, talvez até mesmo de vergonha como em nosso cenário imaginário, eram certamente encontrados em milhares de famílias americanas ricas no fim de 2008 quando a fraude espetacular de Madoff foi descoberta.

Nada de novo sob o solOs golpistas enganam pessoas crédulas desde que o dinheiro foi in­

ventado há mais de 2.500 anos. Já em Roma, a advertência caveat emptor, ou “comprador, tenha cuidado”, era um provérbio popular, assim como o era a máxima nil novi sub sole,“nada de novo sob o sol”.

É interessante notar que os métodos das trapaças não mudaram muito nos últimos cem anos. Os trapaceiros desenvolveram vários planos imagi­nativos de investimento, mas as técnicas básicas permaneceram as mesmas. Especialmente depois da invenção do esquema em pirâmide por Cario Ponzi no começo do século XX. Desde então, pirâmides atraentes de diferentes formas e modelos têm sido lançadas por todo o mundo.

A maior parte das vítimas não deu atenção para a advertência de Sir John Templeton no século XVIII:

As quatro palavras que custam mais caro na nossa língua são: "desta vez é diferente".

As ricas economias de mercado e a Internet oferecem novas oportuni­dades para as fraudes financeiras. Um grande número de pessoas tem muito

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dinheiro para investir; largas somas podem ser transferidas para o exterior, pois os países afrouxaram seus rígidos controles de divisas; e paraísos fiscais facilitam investimentos de portfólio e abrigam dinheiro criminoso. Por meio da Internet, golpistas podem ter fácil acesso às suas futuras vítimas e desaparecer tão rápido quanto surgem.

Um fenômeno moderno que tem aberto caminho para os golpistas é o fato de que em sociedades ricas e dinâmicas, o tempo tornou-se uma comodidade escassa. Sem contar o tempo dedicado ao trabalho, muitas pes­soas, envolvidas nas suas tarefas cotidianas, têm muito pouco tempo para dar atenção para os seus próprios negócios financeiros pessoais, seja no dia a dia ou em seus investimentos. Consequentemente, uma vasta quantia conseguida com trabalho duro acaba nos bolsos de criminosos espertos. Felizmente para o resto de nós, muitos deles mais cedo ou mais tarde acabaram desfrutando da “hospitalidade” de vários governos por trás das grades.

As fraudes têm também um impacto social na medida em que enfra­quecem as relações sociais e semeiam desconfiança e ódio contra aqueles que envolveram pessoas nesses esquemas desastrosos. Eles podem até afetar a economia de muitos países, se os culpados transferirem seus bilhões de dólares para paraísos fiscais no exterior. Os governos perdem receitas fiscais e têm que onerar pessoas honestas com mais impostos.

Dinheiro sujo sai fácil do bolsoEm sua “profissão”, os golpistas não acumulam dinheiro apenas por

pura ganância ou pela premência de estabilizarem sua situação financeira. Os estudos sobre os fraudadores, em vários países, sugerem que eles usam suas presas para fazerem algo espetacular, para se exibirem para o mundo, para gozarem plenamente de sua liberdade. Frequentemente, trata-se sim­plesmente de uma tentativa de demonstrar o quão importantes eles são. De fazer algo realmente emocionante.

O dinheiro é parte inerente da liberdade do golpista. Sua baixa auto- estima é alimentada por notas gordas. Ele quer causar uma boa impressão gastando dinheiro com mercadorias ou serviços caros: mansões, até mesmo castelos, carros caros, hotéis de luxo, iates, aviões, apostas, mulheres bonitas e assim por diante.

O dinheiro sai fácil do bolso dos criminosos. É impossível para eles economizar, comprar qualquer coisa que não seja artigos caros, deixar qualquer coisa que não seja gorjetas generosas demais em restaurantes e hotéis. Seu dinheiro tem que ser gasto de forma escandalosa, extravagante.

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As prostitutas costumam fazer uma distinção entre dinheiro honesto e dinheiro sujo. O dinheiro recebido da previdência social, os reembolsos de despesas médicas ou qualquer outro rendimento legítimo são usados para manter aquela parte da vida considerada “honesta”, como o aluguel ou outros gastos domésticos. Ganhos com a prostituição, por outro lado, são esbanjados rapidamente em noitadas, drogas, álcool, fumo e roupas de grife. O dinheiro sujo é perdido rapidamente.

O mundo de um golpista profissional é movido por um impulso narcisista em uma vida sem redes de proteção, diz Dick Hobbs. Relatos em primeira pessoa de criminosos que veem a vida “como uma festa” confirmam a importância crucial, para eles, de “ganhar e de torrar dinhei­ro”— como um modo de demonstrar o seu vínculo com uma identidade definida por um consumo exibicionista e baseado no crime.

Os grandes golpistas financeiros são normalmente profissionais inteli­gentes, maduros e com nível educacional razoavelmente alto, se comparados com a maior parte dos outros criminosos, como assaltantes e invasores de residências. Por exemplo, assaltos a banco são frequentemente arriscadas excursões amadoras, feitas com planejamento mínimo e níveis básicos de competência. Os golpistas, por outro lado, fazem planejamentos meticu­losos antes de iniciarem seus esquemas satânicos.

As grandes, ricas e produtivas economias de mercado geram uma grande quantidade de consumo hedonista, em parte como uma forma de exibição. A medida que certos países caminhavam em direção ao li­beralismo econômico ou ao laissez-faire, durante o auge do reaganismo nos anos 1980, os golpistas faziam a festa, com pilhas de dinheiro à sua disposição. A manipulação de pessoas e mercados rendeu-lhes enormes ganhos financeiros.

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2. A idolatria do dinheiro

O dinheiro tem três funções importantes. Em primeiro lugar, ele é uma medida de valor; ele serve para determinar, por exemplo, quanto vale um quilo de maçãs ou um aparelho de TV. Em segundo lugar, é um meio de transação para a compra e venda de mercadorias e serviços. E, finalmente, ele funciona como um meio de fazer poupança e comprar poder.

A escritora americana Gertrude Stein disse uma vez que o que distin­gue o homem do animal é o dinheiro. Em sociedades letradas, o tempo é equivalente ao dinheiro.

Vivemos hoje nas sociedades mais centradas no dinheiro de toda a história da humanidade. O dinheiro é rei. Na Europa, na Ásia, em todos os lugares, um grande número de pessoas admira a sociedade materialista americana, onde a alta renda e o consumo exibicionista são as estrelas-guias mais importantes.

Dinheiro, a força motrizO dinheiro traz poder. Pessoas que têm muito dinheiro são admiradas

e frequentemente adquirem um status elevado em sua sociedade.O dinheiro representa a felicidade humana abstrata, disse o filósofo

alemão Arthur Schopenhauer. Em sua perspectiva, pessoas que não são mais capazes de experimentar a simples felicidade de viver devotam-se inteiramente ao dinheiro.

O dinheiro sob a forma de aquisição de poder constitui uma força de motivação tão forte para a maior parte das pessoas que quase mais nada pode ser comparado a ele no mundo em que vivemos, segundo o eco­nomista Alfred Marshall.

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O capitalismo não precisa de nenhuma outra religião exceto a ido­latria pelo dinheiro, porque ele, por si só, é o suficiente para alimentar as esperanças das pessoas e servir de base para suas ações, como aponta o economista Christopher Deutschmann. Aqueles que mais idolatram o dinheiro sempre querem mais e da maneira mais rápida possível — mesmo os milionários.

Assim, quando um dia perguntaram ao lendário banqueiro J. P. Morgan quando um homem rico já ganhou dinheiro o suficiente para estar inteiramente satisfeito, sua resposta foi: “Quando ganhar o próximo milhão.”

Em muitos círculos de nossas sociedades centradas no dinheiro, a riqueza pessoal é também vista como um sinal de competência profissio­nal, capacidade social e status. Pessoas ricas são respeitadas, mas também invejadas - na Europa, são pessoas como o magnata da imprensa Rupert Murdoch, o milionário da aviação Richard Branson, o dono da Ikea Ingvar Kamprad, ou a principal dona da L’Oréal, Liliane Bettencourt. Nos Estados Unidos, Bill Gates da Microsoft, o grande investidor Warren Buffet, o magnata dos negócios Donald Trump ou o prefeito de Nova Iorque Michael Bloomberg, dentre outros.

A ganância por dinheiro e os pecados capitaisNos países ricos do Ocidente, a maior parte das pessoas esqueceu-se,

convenientemente, dos antigos ensinamentos cristãos, nos quais o dinheiro era destacado quando os vícios humanos eram enumerados. Sem poupar palavras, a Bíblia nos alerta quanto aos perigos e à natureza potencialmente destrutiva do dinheiro.

Jesus expulsou os vendilhões, os banqueiros daquela época, de seu tem­plo. Ele também ensinou que é “mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico ser aceito no Reino de Deus”. O apóstolo Paulo considerava que o “dinheiro é o começo e a raiz de todo mal”.

E claro que o dinheiro não é a raiz de todo mal. Mas o dinheiro está certamente por trás de grande parte daquilo que é corrupto e fraudulento no mundo ocidental.

Nos ensinamentos da Igreja Católica, o conceito de “pecados capitais” é construído em torno do Livro dos Provérbios (6:16-19). O termo “pe­cado capital” é derivado da crença de que se uma pessoa morrer com um pecado grave (“capital”) e sem arrependimento em sua consciência, não será possível que ele ou ela contemple Deus ou entre no Céu.

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Na Divina Comédia de Dante, os sete pecados capitais são a ira, a ganân­cia, a preguiça, a vaidade, a luxúria, a inveja e a gula. Os pecados capitais dos golpistas que roubam dinheiro de outras pessoas são, obviamente, a ganância por dinheiro e a inveja do dinheiro de outras pessoas.Talvez até mesmo a gula.

Obviamente, esses graves pecados também causam grandes sofrimentos para as vítimas crédulas, que, em muitos casos, são completamente arrui­nadas; o golpe histórico de Bernard Madoff é um exemplo disso.

Como será visto neste livro, as palavras do poeta Richard Armour dão muita matéria para reflexão:

Que o dinheiro falaNão negarei.Eu o ouvi falar, uma vez.Ele disse "Adeus".

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3. Os métodos utilizados nos golpes financeiros

Os golpistas de boa lábia e os fraudadores financeiros perseguem seus objetivos de várias maneiras imaginativas. Suas técnicas são complexas, até mesmo engenhosas, na medida em que tiram proveito da credulidade e da cobiça que caracterizam as suas vítimas.

Alguns métodos de trabalho dos grandes golpistas financeiros

• Esquemas em pirâmide, tais como os de Carlo Ponzi, da WinCapita (um esquema finlandês) e de Madoff

• Vendas de ativos não existentes, por exemplo, a venda de direitos fundiários pelo General MacGregor (um vigarista do século XIX), a venda da suposta sucata da Torre Eiffel por Victor Lustig

• Fraudes de valores mobiliários, suborno e lavagem de dinheiro através de paraísos fiscais, como as de Robert Vesco e Bernard Cornfeld

• Fraudes cometidas tendo como vítimas funcionários de empresas e outras fraudes de valores mobiliários por Bernard Cornfeld

• Criação de enormes bolhas especulativas dos preços das ações através de falsas promessas e contas corporativas falsificadas (a Bolha da South Sea Company, Ivar Kreuger, Enron)

O apelo dos esquemas em pirâmideO método de trapaça mais geral e mais bem concebido de hoje é o es­

quema em pirâmide. Um dos esquemas em pirâmide mais simples consiste numa corrente postal em que “x” recebe uma lista com “n” nomes, com a instrução de enviar uma certa quantia ao primeiro da relação, retirá-lo

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da lista e acrescentar o seu próprio nome ao final, enviando, então, uma cópia da carta com a nova lista para as pessoas restantes. Supondo-se que a lista tenha 20 nomes e a quantia a ser enviada seja de R$ 100, “x” rece­beria, ao final, R$ 2.000, tendo investido apenas R$ 100. Não é preciso pensar muito para concluir que a corrente não pode se sustentar indefi­nidamente. Os esquemas em pirâmide analisados neste livro são bastante mais complexos, mas a lógica é, basicamente, a mesma. Para ser atraente e ter credibilidade, o esquema em pirâmide do tipo mais complexo exige muito planejamento, além do estabelecimento de uma empresa através da qual o dinheiro possa ser canalizado.

Uma vez que o esquema em pirâmide tenha deslanchado, vendedores eloquentes, bem-vestidos e com boas maneiras contatam milhares de clien­tes em potencial, cuidadosamente selecionados, e lhes prometem lucros certos, desde as porcentagens de 10 a 15 por cento anuais de Madoff, sem taxa de administração, até as porcentagens que chegam à casa das centenas (Ponzi,WinCapita). Os investidores são sempre atraídos por argumentos de marketing criativos e bem-elaborados e por cálculos complicados no que diz respeito a taxas de câmbio com moedas estrangeiras altamente lucrativas, ao mercado de ações ou a outras transações especulativas.

A “maravilha” do esquema em pirâmide, da perspectiva do golpista, é que desde o início ela cria uma impressão sólida de que “o sistema realmente funciona”. Os lucros prometidos são devidamente pagos em dinheiro vivo ou depositados nas contas bancárias dos investidores iniciais- no caso de Ponzi, a uma taxa anual de 360 por cento. Os agentes de venda, motivados pelo pagamento de comissões, chegam, muitas vezes, a exibir extratos de banco a seus clientes, confirmando que os lucros foram pagos em sua totalidade e na data prometida. De boca em boca, espalha-se o rumor de que esses lucros rápidos podem ser feitos facilmente por qualquer um que se interesse.

Os lucros dos clientes iniciais são pagos com o capital proveniente dos investidores seguintes, uma vez que, obviamente, esses esquemas em pirâmide nunca colocam em prática os empreendimentos lucrativos lícitos nos quais supostamente eles estariam envolvidos. Exemplos típicos disso são os esquemas de Ponzi e de Madoff.

Outro atrativo dos esquemas em pirâmide é que os investidores estão fre­quentemente tão fascinados com os lucros inicialmente altos que eles acabam injetando mais dinheiro, além de reinvestirem a quantia original e os maravi­lhosos rendimentos. Desta forma, a falta de liquidez da pirâmide é minimizada e, em última instância, as perdas dos investidores são elevadas ao máximo.

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Alguns dos investidores iniciais que já receberam os prometidos grandes lucros e que, portanto, acreditam no sistema, são contratados como agentes de vendas especialmente eficazes. Eles ganham comissões generosas por cada novo investidor que trouxerem.

O processo de marketing é facilitado tanto pelo recrutamento de agen­tes respeitados na região, que podem criar relações de confiança com suas futuras vítimas, quanto pelo recrutamento de agentes que mantêm relações pessoais com elas, como pai e filho, irmãos e outros parentes, colegas de trabalho, amigos de jogo ou pessoas que frequentam a mesma igreja. Esses agentes especiais são considerados como “um dos nossos”. Seu testemunho é muito mais convincente do que afirmações feitas por uma mídia “pouco confiável”, por sisudos gerentes de banco ou por completos estranhos.

Rumores sobre o sucesso dessas pessoas espalham-se como um rastilho de pólvora. Mas, em algum momento, o funcionamento do esquema começa a se tornar cada vez mais difícil, à medida que o fluxo de entrada de dinheiro diminui ou as autoridades fecham o fundo e as investigações policiais começam.

O crime do colarinho branco e a leiOs golpes são geralmente baseados em promessas falsas de lucro

e/ou em valores de ativos falsos. Juntamente com o suborno comercial, a ma­nipulação da bolsa de valores, o desvio de fundos e as fraudes fiscais, eles são parte do que o mal-afamado Al Capone uma vez chamou de “trapaças lícitas”.

Comentando sobre a generalizada quantidade de crimes de colarinho branco observada há algumas décadas nos Estados Unidos, e comparando-a com a cena política, John Flynn afirmou:

O político comum é um mero amador na arte gentil da trapaça comparado com seu confrade do campo dos negócios.

Ao contrário de muitos outros crimes, golpes como os das pirâmides ocorrem num ambiente de negócios predominantemente lícito. O seu sucesso é reforçado pelo fato de que os responsáveis por eles são vistos como pessoas honestas, e não como criminosos. Considere-se, por exemplo, Madoff, que era, em grande parte, admirado como um respeitável magnata da bolsa de valores.

Outro fator importante é que essas fraudes são cometidas num contexto privado, tendo um forte desejo por lucro como sua mola propulsora. Um eficiente véu de privacidade impede que os membros de organizações

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golpistas sejam identificados. Essa privacidade é inerente ao trabalho e ao contexto relativamente complexos e especializados da organização utili­zada. Suas atividades são invisíveis para as pessoas que não são do ramo e também para os investidores-vítimas.

A fachada de privacidade fornece aos golpistas uma ampla gama de meios para contestar qualquer acusação de fraude. A ilegalidade das operações é frequentemente difícil de ser provada. Tipicamente, um procedimento legal gira em torno do grau em que o suposto golpe pode ser categorizado formalmente como infração e, em caso positivo, qual seria a punição apropriada, como argumenta Michael Clarke.

As punições para esses crimes nem sempre pertencem à esfera criminal, como seria o caso de condenações à prisão. Pelo contrário, muitos golpistas escaparam de sanções criminais, recebendo, em vez disso, sanções civis, tais como multas consideráveis.

Como os crimes corporativos frequentemente envolvem disputas polí­ticas ou jurídicas em torno das categorias nas quais eles se enquadrariam e das sanções a serem aplicadas, a probabilidade de sucesso não está do lado dos promotores públicos. Crimes como roubo e invasão de domicílio são muito mais cristalinos do ponto de vista da lei.

Ao contrário de crimes como assaltos ou crimes de rua, a ordem pública raramente é perturbada por golpistas. No crime corporativo normalmente não há violência contra pessoas ou propriedades. As transações são con­duzidas em locais privados e não em lugares públicos, e entre pessoas que mantêm alguma relação de negócios.

Os golpes tornam-se possíveis somente se as vítimas se colocam numa situação em que podem ser ludibriadas e fraudadas pelo criminoso, cuja confiabilidade já está firmada. Esses fatores justificam o caráter menos ameaçador dos golpes, uma vez que não provocam qualquer dano físico.

Eles também explicam o interesse limitado às vezes demonstrado pela polícia por alguns desses golpes. Em primeiro lugar, o que é bastante com­preensível, a polícia vê a manutenção da ordem pública como sua principal responsabilidade. Isso abrange crimes convencionais (assassinatos, assaltos, roubos a residências, etc.) que perturbem a ordem pública e causem danos aos interesses de cidadãos comuns.

Em segundo lugar, a polícia e outras instituições públicas não podem, normalmente, ter acesso a espaços particulares (como escritórios e casas) para investigações, a não ser que tenham bases suficientes para suspeita­rem que um ato criminoso tenha ocorrido. Essas restrições ao poder das autoridades públicas também contribuem para proteger os domínios dos golpistas e complicar as investigações oficiais.

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Em terceiro lugar, a natureza complexa dos golpes torna-os difíceis de serem investigados. A relação preexistente entre vítima e criminoso facilmente leva a situações em que acusações e contra-acusações entram em competição.

Finalmente, a polícia pode ser da opinião de que as próprias vítimas são as únicas culpadas por sua falta de cuidado. Ou de que as vítimas têm os recursos necessários para recuperarem ao menos parte de suas perdas, atra­vés de seus advogados, ou por conta própria, através de um processo civil.

O marketing de níveis múltiplos pode nos fazer lembrar as pirâmides

Esquemas que lembram as pirâmides têm surgido também no setor de marketing de níveis múltiplos. Uma organização de venda bastante conhecida era a Holiday Magic, fundada em 1964. Ela distribuía produtos de limpeza doméstica e cosméticos.

Os distribuidores já existentes da Holiday Magic eram estimulados a re­crutar novos distribuidores em uma estrutura sempre crescente de marketing de níveis múltiplos, que mais tarde foi caracterizada como sendo um esque­ma em pirâmide. Graças a uma rede em rápida expansão, muitos membros ganhavam mais, na verdade, com as comissões obtidas pelo recrutamento de novos membros do que propriamente vendendo os seus produtos.

A saga da Holiday Magic durou cerca de dez anos. Em junho de 1973, a US Securities and Exchange Commission (SEC) abriu um processo contra o seu fundador, William Penn Patrick (que havia anteriormente ido à falência e passado pelo fracasso de diversos negócios), por dar um calote de mais de US$ 250 milhões (equivalente hoje a cerca de US$ 1,2 bilhão), envolvendo 80.000 pessoas, através de seu império de venda de sabões e cosméticos, o Holiday Magic.

A empresa foi também investigada pela Federal Trade Commission e, em junho de 1973, foi considerada culpada por práticas de venda enganosas. Um acordo com cerca de 31.000 associados do Holiday Magic, estabe­lecendo um fundo fiduciário no valor de US$ 2,6 milhões, foi aprovado pelo tribunal em maio de 1974. A organização foi dissolvida em 1974, após a morte de Patrick.

Outra grande companhia, a Amway, é uma empresa fabricante de uma variedade de produtos, que são vendidos através de um esquema de venda direta de níveis múltiplos. São, essencialmente, itens para os mercados de saúde, beleza e limpeza doméstica.

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A empresa americana foi fundada em 1959 e tem sua central em Mi­chigan. Em 2009, suas vendas globais foram de US$ 8,4 bilhões. A empresa tem 13.000 empregados. A Amway faz negócios através de uma série de empresas afiliadas, em mais de 90 países e territórios em todo o mundo. A revista Forbes cotou-a como uma das maiores empresas dos Estados Unidos, e Deloitte a considera como uma das maiores empresas de venda do mundo.

O sucesso da Amway baseia-se em um modelo no qual cada membro procura recrutar novos membros em uma rede exponencialmente crescen­te. Aqueles que o fazem desfrutam de vantagens especiais. Se um membro recruta cinco novos membros e estes, por sua vez, também recrutam cinco novos membros cada um, o primeiro receberá o rendimento proveniente de 25 pessoas. E se todas estas então recrutarem cinco novos membros cada, então o primeiro receberá o dinheiro proveniente de 125 pessoas.

A Amway também foi acusada de ser um esquema do tipo pirâmide. En­tretanto, em 1979, a U.S. Federal Trade Commission, e, em 2008, um tribunal do Reino Unido, negaram as acusações. Eles julgaram que a Amway não é um esquema em pirâmide, pois seu sistema de remuneração seria baseado em vendas de varejo a consumidores, e não em comissões por recrutamento.

A Comissão, porém, determinou que a Amway interrompesse as práticas de fixação de preço de venda e de alocação de clientes entre distribuido­res. Ela também proibiu que a Amway deixasse de apresentar um quadro distorcido do montante de lucro, ganhos ou vendas que seus distribuidores supostamente afeririam com o negócio. A Comissão destacou que metade dos distribuidores não ganha dinheiro algum e que o distribuidor médio ganha menos de US$ 100 por mês.

A Amway tem sido promovida como uma atividade religiosa cristã, tendo conexões estreitas com o Movimento Pentecostal.

Técnicas corporativas de fraudeOs golpes financeiros de larga escala não podem ser realizados sem a

constituição de uma organização, por vezes na forma de uma empresa de fachada. Trata-se, em alto grau, de um típico crime corporativo. O uso de uma companhia com um nome vistoso, feito para impressionar (por exemplo, Bernard L. Madoff Investment Securities,WinCapita ou Overseas Investors Services), reforça a credibilidade do esquema. Causaria suspeitas se operações imensas como essas fossem conduzidas sob o nome de pessoas físicas e através de suas contas de banco pessoais. Eu as classifico como fraudes corporativas externas.

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Mas há, além disso, crimes financeiros corporativos que são praticados no interior da companhia e que eu chamo de fraudes corporativas internas, que também têm grande abrangência. Em alguns casos, os responsáveis por esquemas em pirâmide são culpados de crimes com dupla ramificação: fraude contra vítimas externas e utilização, internamente, de práticas fraudulentas tais como evasão fiscal e contabilidade maquiada, ao mesmo tempo.

O tipo interno de fraude financeira ocorre em muitos tipos de com­panhias, desde as relativamente pequenas até as globais, como no caso da Enron, que será discutido mais tarde. Uma fraude típica ocorre através de táticas de despiste, pela falsificação da contabilidade da companhia, do desempenho financeiro ou das declarações de renda.

Em suas fraudes corporativas, a Enron utilizava uma contabilidade complicada, “criativa”, com a finalidade de enganar os investidores, os analistas da bolsa, as autoridades e o público em geral. A mais importante dessas práticas era a utilização de uma rede de empresas registradas em paraísos fiscais com a finalidade de maquiar as contas da Enron.

Essa prática ilícita era facilitada pela globalização, pelo afrouxamento dos controles do câmbio exterior e por paraísos fiscais atraentes. As contas da Enron eram tão complicadas e tão pouco transparentes que nem mes­mo especialistas em contabilidade muito experientes, incluindo Arthur Andersen, conseguiram descobrir que a companhia estava tendo enormes perdas em vez dos lucros alardeados.

O Center for Financial Research & Analysis (CFRA) listou os sete principais estratagemas financeiros através dos quais empresas fraudulentas conseguem enganar investidores, bancos, autoridades fiscais e outros grupos de interesse, e criar uma imagem mais favorável da situação econômica da empresa, com consequências potencialmente sérias se, após a verdade ser descoberta, seus empréstimos bancários não puderem ser pagos ou se suas ações despencarem.

Por exemplo, no caso da Enron, que na época foi caracterizado como o “escândalo corporativo mais importante de nosso tempo”, suas ações caíram de US$ 90 para menos de US$ 1, levando-a à falência.

Os principais métodos identificados pelo CFRA e mencionados no livro de Howard Schilit podem ser assim resumidos:

Sete estratagemas financeiros utilizados para ludibriar investidores e outros clientes

• Registrar lucros prematuramente ou de qualidade questionável (+)

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• Registrar lucros falsos (+)• Reforçar a receita com ganhos obtidos em uma única operação (+)• Transferir despesas atuais para um período anterior ou futuro (+ ou -)• Deixar de registrar ou reduzir impropriamente passivos financeiros (+)• Transferir receita atual para um período futuro (-)• Transferir despesas futuras para o período atual como um custo

especial• + = melhora os números de lucro da empresa• - = reduz os números de lucro, por exemplo, a fim de criar

reservas para o futuro ou reduzir impostosEsses estratagemas financeiros gerais são divididos em 30 técnicas di­

ferentes, através das quais os truques são levados a efeito.Além dessas técnicas, as empresas podem usar diferentes operações que

não figuram no seu balanço (“fora de balanço”) e que, portanto, ficam fora de suas contas normais. Tais operações foram amplamente utilizadas pela Enron. Outro tipo de crime em rápida ascensão é a utilização de contas e recibos falsos e até mesmo de extratos de banco falsos.

O trading interno tem se constituído numa espécie típica de golpe no mundo das empresas e dos bancos; Ivan Boesky, um importante corretor de Nova Iorque, acumulou nos anos 1980 uma fortuna de cerca de US$ 200 milhões, apostando em aquisições de empresas com base em indicações que recebia de insiders corporativos.

Embora esse tipo de trading interno fosse ilegal, as leis que determina­vam a sua proibição eram raramente aplicadas até Boesky ser processado pela Securities and Exchange Commission. Boesky cooperou com a SEC e lhes passou informações sobre outros esquemas, incluindo aqueles do financista Michael Milken.

O prestigioso banco de investimento Drexed Burham Lambert e um de seus mais altos executivos, Michael Milken, eram as grandes estrelas da indústria de ações de alta rentabilidade, também chamada de junk bonds durante os anos 1970 e 1980. Em 1989, ele se declarou culpado de seis infrações relativas a valores mobiliários e a omissões de registro contábil, mas nunca foi condenado por fraude ou trading interno.

Milken foi banido do setor de valores mobiliários e condenado a dez anos de prisão. Depois que o juiz responsável pelo caso reduziu sua sentença por ter testemunhado contra seus antigos colegas e por bom comportamento, ele foi posto em liberdade após ter cumprido menos de dois anos da pena.

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Milken é hoje um dos homens mais ricos da América, com um patri­mônio líquido de US$ 2,1 bilhões em 2007. Ele é conhecido como um filantropo que apoia a pesquisa médica e a educação.

O clássico golpe corporativo de pequena escala é a lenta construção de um bom histórico de crédito. Inicialmente, a empresa do envolvido (uma consultoria, loja, restaurante, fábrica ou outros) constrói sua imagem de boa pagadora durante algum tempo, fazendo pagamentos imediatos por suas compras. No estágio seguinte, com base na solidez de seu histórico de pa­gamentos em dia, ela toma a maior quantidade de crédito possível de bancos e dos fornecedores de mercadorias e serviços. Finalmente, o dono (ou os donos) desaparece, levando consigo, em espécie, todo o dinheiro assim obtido.

A lista cinzenta dos paraísos fiscaisA atual “lista cinzenta” dos paraísos fiscais publicada pela Organisation for

Economic Co-operation and Development (OECD) em 2009 inclui os 20 países seguintes ou outras jurisdições - das quais uma é europeia, Andorra:

- Andorra- Anguila- Antigua e Barbuda- Bahamas- Belize- Montserrat- Nauru- Niue- Panama- St. Kitts e Nevis

- Ilhas Cook- Dominica- Granada- Libéria- Ilhas Marshall- Santa Lúcia- São Vicente e Granadinas- Samoa- Ilhas Turcas & Caicos -Vanuatu

Parte do dinheiro que circula pelos paraísos fiscais provém da especula­ção feita por bancos e empresas, mas também da lavagem de dinheiro ligada ao mercado internacional de drogas ou a golpistas que buscam esconder o resultado de sua pilhagem. São exemplos disso a lavagem de dinheiro feita por bancos como o Banco Ambrosiano, um dos maiores bancos da Itália, que faliu em 1984 devido à especulação, e o Bank of Credit and Commerce International, que ruiu em 1991.

A crise global bancária a partir de 2007 aumentou a pressão para pôr em ação iniciativas políticas nos Estados Unidos e na União Europeia,

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tendo em vista uma maior rigidez na supervisão e no controle dos bancos e dos fluxos internacionais de capital. Muitos paraísos fiscais podem ter deixado seus dias de glória para trás.

Mas é obviamente impossível criar um sistema de supervisão inteira­mente inviolável. Sempre haverá espaço para pessoas, empresas, bancos e governos inventivos e/ou imorais que estejam dispostos a ajudar golpistas a encontrarem brechas que facilitem seus malfeitos.

As Ilhas Caimã tornaram-se o quinto maior centro bancário do mundo. Elas sediam cerca de 280 bancos estrangeiros, incluindo nomes bem-conhecidos como HSBC, Goldman Sachs e UBS. Além disso, na condição de principal jurisdição ultramarina de hedge funds, elas têm mais de 10.000 registros desse tipo de fundo. Não há imposto de renda, nem imposto sobre ganhos de capital ou imposto comercial, mas apenas taxas de importação. As Ilhas Caimã não estão incluídas na lista cinzenta da OECD.

O esquema fraudulento da Equity Funding CorporationUm exemplo interessante de um grande golpe corporativo foi o do

conglomerado financeiro sediado em Los Angeles, a Equity Funding Corpo­ration, nos anos 1960 e no início dos 1970. A empresa foi fundada em 1960, tendo, depois, se transferido para o resplandecente mundo das altas finanças. Ela floresceu na vertiginosa economia que foi chamada de anos “go-go”.

A firma foi planejada, desde o início, segundo o Professor James William Coleman, para tirar proveito da ganância de seus clientes. Ela colocou à venda um pacote de fundos mútuos e seguro de vida para pessoas físicas. Essas pessoas recebiam um empréstimo tendo suas ações como garantia, e esse empréstimo era, por sua vez, usado para pagar as apólices de seguro.

Inicialmente, a ideia era que o programa terminasse após dez anos, com os clientes efetuando um grande pagamento em dinheiro para saldar seus empréstimos, supostamente com o dinheiro que eles teriam feito como resultado do crescente valor de suas ações de fundo mútuo. Obviamente,O esquema todo só funcionava se a bolsa de valores não despencasse. E uma vez que uma reviravolta econômica parecia improvável, dado o fes­tivo otimismo da época, os investidores otimistas confiaram na empresa.

O negócio de seguro e investimento da Equity Funding expandiu-se com uma velocidade fenomenal nos anos 1960, devido a relatos de que ele gerava lucros enormes. Na realidade, a empresa perdia dinheiro des-

1 “Go-go” referia-se, inicialmente, a discotecas caracterizadas por música e dança vi­brantes e alucinantes. Por analogia, aplica-se a qualquer tipo de iniciativa (financeira, empresarial, etc.) de surgimento e crescimento rápido e de resultados imediatos.

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de o início. Michael Clarke afirmou que ela declarou US$ 85 milhões supostamente provenientes de renda de comissão, mas que, na verdade, não existiam. A empresa também criou um número imenso de seguros fictícios, a um valor de US$ 2 bilhões, para gerar mais dinheiro vivo a partir da venda dessas apólices para pessoas que renovavam seus seguros.

Seus diretores apelaram para uma das técnicas mais comuns de fraude corporativa para manter a empresa viva: eles manipulavam os registros contábeis para dar uma aparência falsa de sucesso à empresa. Isso estimu­lou a alta no preço das ações e a disposição dos banqueiros para oferecer empréstimos para a empresa.

Cinco anos depois de a Equity Funding tornar-se pública, as ações haviam subido de US$ 6 para o astronômico valor de US$ 80. Cinco anos mais tarde, o valor das ações da firma era quase nulo.

Mais de cem executivos da Equity estavam cientes da enorme fraude contábil, que incluía um sistema computadorizado inteiramente dedica­do à criação e manutenção de apólices de seguro fictícias. Mas eles não revelaram nada para as autoridades. Não está claro se eles se mantiveram calados por lealdade para com a empresa, por ganância ou por medo.

A Securities and Exchange Commission (SEC) não descobriu o esque­ma fraudulento da Equity Funding a tempo. A evidência sugere que os serviços de inteligência da SEC na época eram passivos, casuais e fortuitos. Porém, o golpe final foi dado por um funcionário que, desgostoso com sua demissão, vazou informações comprometedoras para um analista de ações.

Dez mil investidores, dentre os quais estavam importantes instituições, tinham ações que valiam US$ 228 milhões (cerca de US$ 1,1 bilhão atualmente) antes de a empresa finalmente fechar ao final de mais de 12 anos. A investigação subsequente, em 1973, mostrou que a Equity havia emitido 56.000 apólices de seguro fictícias, criado US$ 120 milhões em ativos falsos e até mesmo “matado” alguns de seus segurados fictícios para poder coletar suas apólices de seguro de vida.

A corporação ruiu após os fatos se tornarem públicos. O presidente da Equity, Stanley Goldblum, recebeu uma pena de oito anos de prisão pelos seus delitos e diversos outros implicados receberam penas menores. Não se sabe exatamente qual foi o total das perdas, mas elas chegavam ao equivalente a US$ 3 bilhões em moeda atual. Os investidores receberam apenas 12 centavos por cada dólar investido.

Requisitos para ser um vigarista de sucessoSão poucas as pessoas que se dão bem na carreira de golpistas dedi­

cados ao dinheiro graúdo. São necessários muitos talentos: dotes sociais,

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boas maneiras, um olho clínico e nervos de aço. Um criminoso comum, por exemplo, um assaltante ou ladrão, nunca conseguiria se dar bem nessa “profissão” exigente.

O golpista tem que ganhar a confiança daqueles que ele tem em mira como vítimas, exibindo um comportamento convincente e cavalheiresco. Graças a um planejamento sofisticado, as pessoas são manipuladas para se tornarem presas fáceis.

Victor Lustig, que preferia se apresentar como um nobre conde austríaco, pode talvez ser chamado de campeão mundial dos golpistas. Ele esteve ativo nesse campo, nos anos 1920 e 1930, nos Estados Unidos e na Europa, até ser retirado de circulação e enviado para a temida prisão de Alcatraz, na Baía de São Francisco, para gozar de sua vida de aposentado. Lustig fez uma lista de alguns dos pré-requisitos simples para o sucesso em sua especialidade.

Os Dez Mandamentos de Lustig para golpistas de sucesso• Vista-se e comporte-se bem• Ouça pacientemente suas vítimas• Não fale rápido ou nervosamente• Nunca pareça entediado• Espere até que a vítima revele suas opiniões políticas e, então,

concorde com elas• Deixe a vítima expressar quaisquer opiniões sobre religião,

esportes, comida, patriotismo, etc. e, então, concorde inteiramente• Nunca discuta doenças, a não ser que alguma preocupação

especial seja demonstrada• Não se intrometa em assuntos pessoais (a vítima, em geral, logo

começará a falar sobre eles)• Nunca se gabe — simplesmente deixe que entendam o quanto

importante você é• Nunca pareça bêbado ou sob o efeito de drogas

Os golpistas profissionais planejam seus projetos com cuidado: eles de­dicam tempo para prepará-los, estabelecem uma estratégia para o processo, do começo ao fim, estudam seus possíveis “clientes” e suas preferências, contratam assistentes competentes e hábeis em criar relações de confiança com as vítimas, etc. Eles podem levar meses, talvez até anos, nesse processo de planejamento, antes de lançarem suas operações.

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O pré-requisito mais importante para o sucesso é, obviamente, ter uma personalidade de vendedor, quer dizer, ser capaz de persuadir e convencer as pessoas. Certo senso de humor também é uma virtude útil nessa exigente ocupação de vigarista, tal como demonstrado pelos dez golpistas analisados em detalhe mais adiante neste livro. Além disso, esses criminosos têm que ser egoístas, dissimulados e flexíveis.

Aqueles que cometem fraudes devem ser capazes de desfrutar das coisas boas da vida, porque isso torna mais fácil a aproximação com as vítimas. Eles são frequentemente preguiçosos ou impacientes demais para ter um emprego normal e honesto em que tenham que bater ponto ou para ter uma vida normal — e esta é uma das motivações para os seus crimes.

Além disso, os golpistas financeiros devem ter habilidades de organiza­ção, em especial para preparar extensos esquemas em pirâmide e manter sua credibilidade por tempo o bastante para poder colher seus preciosos butins. Bernard Madoff foi capaz de manter sua vida de mentiras e suas ati­vidades criminosas com sucesso por 15 a 20 anos, sem criar muita suspeita.

Finalmente, a venda de esquemas em pirâmide para milhares de pessoas exige um entendimento de finanças e de mercados de capitais e de inves­timentos de portfólio. E a habilidade para explicar o plano de investimento de uma maneira profissional, convincente e tentadora. Pequenos vigaristas não preenchem, de maneira alguma, esses exigentes requisitos.

O que é um conman?A palavra americana conman (vigarista) vem de confidence man

(homem de confiança), um sinônimo de golpista. O termo foi cunhado pelos jornais norte-americanos em 1849, após o julgamento, em Nova Iorque, de William Thompson.

Thompson preenchia muitos dos critérios de sucesso anteriormente discutidos. No fim da década de 1840, ele operava na cidade de Nova Iorque, que na época era uma sociedade urbana de crescimento acelerado, marcada pelo anonimato, pela confusão e pelo enriquecimento rápido. Essas condições motivavam todos os tipos de fraudes, falsificações e es­quemas de “confiança” como aqueles dos quais Thompson foi pioneiro.A polícia de Nova Iorque estimou que, durante a década de 1960, um em cada dez criminosos profissionais em Nova Iorque era um “homem de confiança”.

O cenário era simples: Thompson, vestido como um cavalheiro, se aproximava de um total estranho da alta sociedade, um alvo (vítima

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de golpe). Ele insistia que eles se conheciam, e tinha inicio aí uma breve conversa. Após conseguir a confiança do alvo, Thompson per­guntava: “Você tem suficiente confiança em mim para deixar o seu relógio comigo até amanhã?”

O estranho supunha que Thompson era um velho conhecido de que ele ou ela não conseguia se lembrar, e deixava que ele lhe tomasse o relógio. Ao pegar o relógio, ou às vezes dinheiro, Thompson partia dando risadas e o estranho pensava ser uma piada. Mas depois disso, ele nunca mais veria Thompson novamente — ou o relógio.

Thompson foi finalmente preso quando uma vítima (sem relógio) o reconheceu na rua. Descobriu-se que ele era um “antigo residente” da prisão de máxima segurança Sing Sing na vila de Ossining (daí o nome Sing Sing), sobre o Rio Hudson, no Estado de Nova Iorque.

Ele recebeu uma nova pena de prisão no julgamento de 1849.O caso Thompson serviu de inspiração para o romance de Herman Melville chamado The Confidence Man (O homem de confiança), publicado em 1857.

Golpistas financeiros: a nobreza dos criminososOs golpistas são membros de uma elite criminal. Eles fazem muitíssimo

mais dinheiro com seus crimes do que outros tipos de criminosos. Eles correm menos riscos físicos. Suas chances de prisão e condenação são menores, e, se condenados, frequentemente (com a exceção de Madoff) recebem penas mais leves - em parte porque, sendo, em geral, julgados em tribunais civis, possuem as vantagens da riqueza, do prestígio, do poder da palavra, da habilidade de persuasão e da melhor assistência jurídica possível.

Aqueles que os perseguem, a polícia e especialmente as agências de controle financeiro, têm quase sempre problemas de verba e de falta de pessoal, especialmente se comparados com os recursos dos golpistas de alto nível que eles deveriam policiar — um fato que se tornou totalmente claro, por exemplo, no esquema Madoff

Os ladrões profissionais comuns, se e quando falam honestamente, ad­mitem que são ladrões. Os criminosos de colarinho branco veem-se basica­mente como homens razoavelmente honestos, talvez infringindo marginal­mente a lei, mas certamente não como grandes criminosos. Em suas mentes, alguns deles podem até se considerar como uma espécie de “Robin Hood financeiro” que ajuda pelo menos alguns de seus concidadãos a ganharem um bom dinheiro.

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Ocasionalmente, alguns criminosos do colarinho branco chegaram até a criar uma aura de glória em torno de si, na mídia, como o trapaceiro de “confiança” e falsificador de cheques Frank Abagnale. Sua carreira foi o tema do livro Catch me if you can (Agarrem-me se puderem) e de um filme de Hollywood.

O termo formal “crime do colarinho branco”, cunhado pelo sociólogo americano Edwin Sutherland, em 1949, foi traduzido para muitas línguas: em francês, crime en col blanc, em italiano, criminalita dei colletti bianchi, em alemão, Weisse-Kragen Kriminalität e em espanhol, el delito de cuello blanco.

Todos os crimes financeiros exigem três pré-requisitos básicos: moti­vação, oportunidade e quebra de confiança. Discutirei os fatores motiva- cionais mais tarde. Sem oportunidade, não há crime. Altas taxas de crime refletem a presença de oportunidades criminais atraentes. Em grandes golpes, os autores quebram a confiança de pessoas que eles atraem como investidores para seus esquemas fraudulentos.

O princípio central é a habilidade de convencer vítimas potenciais, suficientemente crédulas, de que elas são capazes de fazer muito dinheiro. Enganar pessoas é, em grande medida, uma questão de encenação teatral. Aqueles que não conseguem internalizar este método de trabalho não farão sucesso nesta “profissão”.

Golpistas de sucesso passam a vida mostrando-se alertas, perspicazes e espertos, a fim de ganharem a confiança das pessoas. Eles acreditam firmemente no ditado: “Nasce um trouxa por minuto.”

O risco de ser flagradoAo elaborar seus intrincados esquemas, os golpistas obviamente também

calculam a probabilidade de serem flagrados e a consequente punição. Na maioria dos países, principalmente na Europa, as sentenças para cri­mes financeiros têm sido um tanto brandas, em geral são sentenciados a uns poucos anos de prisão, isso quando suas sentenças de prisão não são simplesmente suspensas. Da mesma forma, as multas e as indenizações às vítimas têm sido bastante baixas.

Nos Estados Unidos, as sentenças são muito mais duras: desde sentenças de 10 a 20 anos de prisão até a pena recorde de Madoff de 150 anos. Até mesmo na Europa, as punições têm se tornado mais severas nos últimos anos.

Se o risco de serem flagrados não parece ser demasiadamente alto (es­pecialmente porque muitos criminosos parecem, tipicamente, subestimar essa possibilidade) em comparação com as vantagens monetárias esperadas, muitos golpistas consideram que o “ganho líquido” vale o risco.

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Isso é semelhante ao “problema da agência” do famoso economista Charles P. Kindleberger, ou seja, a tendência, num mundo caracterizado pelo materialismo egoísta, é que o “agente” trapaceie o seu “principal” para extrair ganhos para si se ele puder fazê-lo sem ser flagrado - ou, se for flagrado, sem sofrer uma penalidade maior do que o seu ganho.2

No passado, criminosos americanos de colarinho branco eram fre­quentemente vistos apenas como homens de negócio espertos e não como verdadeiros criminosos. Seria quase antiamericano rotular capitães da indústria ou grandes banqueiros como criminosos comuns, ainda que seus malfeitos custem bilhões à sociedade americana.

Golpes profissionais podem, em alguns casos, ser comparados com o roubo de um doce de uma criança.

Em contraste com a poderosa posição e imagem dos golpistas, suas vítimas são, em geral, frágeis. Elas são, em sua maioria, desorganizadas, têm informações insuficientes sobre os meandros da fraude, não têm recursos para contratar os melhores advogados, nem conhecimento técnico. Con­sequentemente, elas não podem se proteger com muita eficácia.

Uma cobiça ardente por dinheiro é obviamente um traço dominante de caráter entre os golpistas. Eles devem ter uma alta tolerância ao risco, pois sempre existe o risco de ser flagrado. Mas em comparação com a perspectiva de enormes ganhos, eles podem julgar o risco simplesmente como inerente à profissão. Também tenho a impressão de que muitos golpistas são otimistas autoconfiantes que simplesmente desconsideram a possibilidade de serem flagrados.

Uma vez que muitos crimes financeiros são construções um tanto complicadas, que exigem muita imaginação e planejamento por parte dos golpistas, as investigações policiais são demoradas e dependem de muitos recursos tecnológicos. Os crimes individuais normalmente dizem respei­to a apenas uma ou a poucas pessoas, enquanto os grandes esquemas em pirâmide envolvem milhares de vítimas. Contatá-las e interrogá-las requer dezenas ou centenas de agentes policiais.

O processo judiciário torna-se ainda mais complicado em virtude dos elementos internacionais desses crimes, tais como as cadeias de transferência de dinheiro ao exterior, as empresas de fachada e a lavagem de dinheiro em paraísos fiscais.

2 No direito comercial, o principal é uma pessoa, física ou jurídica, que autoriza um agente a agir para criar uma ou mais relações legais com um terceiro.

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4. Como são possíveis fraudes de milhões de dólares?

A comida do cara estúpido é comida primeiro.(Antigo provérbio russo)

Em sua deplorável “profissão”, os golpistas exploram todas as fraquezas humanas, tais como a ganância, a vaidade e a credulidade. Eles também se aproveitam das virtudes das pessoas, tais como honestidade, solidariedade ou uma crença ingênua na honestidade de seus semelhantes. Além disso, a maior parte das vítimas sonha com a possibilidade de enriquecer rapi­damente. Esta visão as estimula a irem em frente, em direção ao abismo.

Os golpistas profissionais reconhecem instintivamente se uma vítima em potencial é ou crédula ou trouxa. Isso ajuda muito no “esforço de vender”. Mas obviamente nem todos os alvos são gananciosos, ingênuos, burros, desonestos ou de baixo nível educacional.

Os golpistas podem também explorar a possível desonestidade de suas vítimas. Os investidores que estão atentos à possibilidade de lucros astronô­micos estão frequentemente em busca de ganhos líquidos mais altos através da evasão fiscal, de fraudes contábeis ou de alguma maneira de contornar as regulamentações cambiais. Há razões para se suspeitar que ao menos parte, e talvez uma grande parte, dos lucros dos investidores de pirâmide não é informada nas declarações de imposto de renda ou desaparece na clandestinidade de contas em bancos fora do país.

Se um investidor de pirâmide recorre a estratégias de sonegação de impostos ou a estratégias similares, isso pode criar uma relação mais estreita com o golpista. O temor de que a sua fraude chegue ao conhecimento das autoridades pode levar ao mesmo resultado.

Os criminosos têm um ditado que diz que é difícil ou quase impossível ludibriar pessoas excessivamente honestas. Os golpistas tendem a evitar este tipo de pessoas.

Sua tarefa é facilitada pelo fato de que a maioria das pessoas tem uma profunda necessidade de acreditar em alguma coisa, às vezes até mesmo em

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mentiras: por exemplo, em agentes de venda que propõem investimentos em pirâmide extremamente atraentes de modo convincente e agradável. Além disso, no decurso de suas vidas, a maioria das pessoas faz, às vezes, alguma coisa imbecil que também facilita o trabalho dos vigaristas. A oportunidade faz o ladrão.

Todos os negócios financeiros são baseados na confiança; do contrário, eles não seriam feitos. A confiança é o requisito essencial que está por trás de tudo. Por exemplo: os clientes de bancos ou de fundos de investimen­tos colocam sua confiança na competência e honestidade da organização, acreditando que o plano de investimento apresentado a eles irá operar nos termos mostrados e será gerenciado honestamente. Os investidores em esquemas em pirâmide obviamente também acreditam que irão receber os lucros generosos e seus investimentos de volta; em caso contrário, não colocariam seu dinheiro em risco.

Os golpistas espertos e ágeis estão frequentemente um passo à frente das autoridades encarregadas da fiscalização financeira e de seus “clientes”, o que explica por que eles conseguem esconder suas atividades criminosas ao menos por algum tempo.

Uma expressão famosa atribuída a Abraham Lincoln diz que “pode-se enganar algumas pessoas o tempo todo e todas as pessoas durante algum tempo, mas não se pode enganar todas as pessoas o tempo todo”. Para vigaristas como os operadores de pirâmides, a primeira parte da frase é o suficiente. Eles só precisam conseguir enganar uma pequena fração de todas as pessoas.

A pilha de mentirasA mentira e a dissimulação estão profundamente enraizadas na vida

e na interação humanas. Todo mundo mente, ao menos às vezes, mesmo que sejam, em geral, pequenas mentiras inofensivas.

Os golpes, obviamente, também se baseiam em mentiras. A ingenuidade das pessoas fornece uma excelente base de trabalho para os golpistas. Em sua maior parte, as vítimas realmente querem acreditar que podem ganhar muito dinheiro, que são mais espertas do que a média das pessoas e que merecem ter sucesso.

Na verdade, uma grande parte do público está disposta a colaborar ou ser conivente com alguma prática ilícita ou duvidosa, tal como foi demonstrado por uma simples questão colocada pelo pesquisador bri­tânico Michael Clarke: quantas pessoas insistiriam, voluntariamente, em

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pagar o imposto sobre o valor agregado (IVA, ou VAT, na sigla britânica, um imposto que incide, na União Europeia, sobre transações monetárias relativas a serviços), quando elas têm o encanamento, as janelas ou o carro consertados por pessoas que atuam no mercado informal de trabalho?

Uma recente pesquisa britânica concluiu que a melhor estimativa do tamanho da economia informal é de cerca de três a cinco por cento do PIB, o que representa alguns bilhões de dólares. É o sinal de uma extensa cooperação com a infração das leis e a apropriação indébita em vários países.

Em sua forma mais grave, essas atividades podem significar fraude, sonegação de impostos ou algo pior. Mas as pessoas envolvidas nessas ati­vidades não se veem geralmente como criminosas, embora talvez possam reconhecer que infringem a lei. Um respeitável comerciante ou trabalhador dedicado a consertos domésticos que sonega impostos normalmente se considera um pequeno infrator, mas certamente não um criminoso.

Um exemplo do mundo dos bancos: uma das agências do Banco de Helsinki foi cena de um assalto há algumas décadas. Os assaltantes per­furaram, a partir da sala ao lado, na noite anterior a um fim de semana prolongado, o cofre principal do banco. Eles tiveram todo o tempo do mundo para bisbilhotar um grande número de cofres de guarda de valores pertencentes a clientes do banco.

De acordo com a prática normal dos cofres de guarda de valores, o ban­co não tinha informações exatas sobre o conteúdo sob custódia. Quando o banco solicitou aos clientes que fizessem uma relação do que tinham perdido, muitos, surpreendentemente, alegaram que tinham em seus cofres uma quantidade claramente inflacionada de ouro, joias ou dinheiro. O banco foi forçado a indenizar seus clientes com base em alegações mais ou menos exageradas.

Mesmo em contextos não criminais — quando, por exemplo, um con­sultor de investimentos de portfólio de um banco (cujo título, aliás, deveria ser, mais apropriadamente, gerente de vendas) pinta um quadro otimista sobre fundos de investimento ou ações - os riscos subjacentes ligados aos investimentos são frequentemente omitidos ou subestimados. Geralmente, os consultores de investimentos, é claro, não mentem descaradamente ao cliente, mas os fatos todos não são necessariamente apresentados de uma forma completamente equilibrada, porque eles querem ter sucesso em sua venda.

Muitas vítimas de esquemas fraudulentos têm alta tolerância ao risco. Por exemplo, no esquema em pirâmide da WinCapita, certo número de

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investidores tinha um histórico que mostrava que eles tinham o costume de jogar a dinheiro e fazer apostas em jogos esportivos. Eles não estavam interessados nos meros um ou dois por cento de juros em depósitos ban­cários, mas sonhavam com lucros grandes e rápidos. Eles representavam o tipo de investidores que tinham sua própria inteligência em alta conta.

É surpreendente que apenas alguns investidores em esquemas de pirâ­mide pareçam se dar ao trabalho de se familiarizarem em detalhes com as complexas constelações de investimento dos golpistas que supostamente deveriam gerar os enormes lucros alegados. Por outro lado, a maior parte das pessoas nunca as entenderia mesmo, pois elas são incompreensíveis (WinCapita) ou não estão disponíveis para a análise por serem um “segredo comercial” (Madoff) ou são completos blefes.

Elas queriam acreditar no esquema, na mentira, pois Madoff tinha uma sólida reputação como um guru de investimentos de sucesso e ampla­mente respeitado.

O marketing dos esquemas utópicos multiplicadores de dinheiro é facilitado pelo fato de que quase ninguém faz as perguntas críticas certas. Não é à toa que um velho ditado finlandês diz que “a estupidez se condensa nas massas”, ou seja, que os investidores andam em rebanhos.

Não raramente, alguns investidores alimentaram, inicialmente, a ilusão de que estavam enganando os golpistas, apenas para descobrir, mais tarde, que eles próprios é que estavam sendo enganados.

Investimentos baseados na confiançaQuando as pessoas investem dinheiro, o que mais conta são as expe­

riências pessoais. Mas elas também confiam no conselho de pessoas que lhes são próximas, por exemplo, parentes, amigos, colegas.

A confiança que colocamos nas outras pessoas depende do nosso pró­prio meio social e econômico e do delas. Quanto maior a semelhança, maior a confiança. As pessoas que colocaram milhões de dólares no fundo de Bernard Madoff confiaram-lhe seu dinheiro, em parte, porque ele era como elas, ou ao menos ele era como elas gostariam de ser: amigável, respeitável, bem-sucedido, rico e um sofisticado frequentador dos círculos sociais. Muitos dos investidores também tinham em comum com Madoff a mesma formação judaica.

Mas as pessoas também investiram com Madoff porque muitas delas eram milionárias com pouco tempo livre, com um estilo de vida agitado. Uma vez que seu tempo era escasso e valioso, uma avaliação mais rigorosa do fundo de

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investimento de Madoff— como era possível que seus lucros se mantivessem, ano após ano, na faixa dos 10 a 15 por cento, independentemente dos altos e baixos da bolsa de valores? - seria um tanto custosa, considerando-se o quanto era valioso o tempo delas. Essa avaliação poderia, talvez, até mesmo causar uma situação embaraçosa para o seu “grande amigo”.

Assim, alguns dos milionários que estavam familiarizados com grandes transações financeiras e comerciais e que normalmente faziam rios de dinhei­ro talvez tenham se mostrado ainda mais crédulos do que as outras vítimas.

A relação entre o golpista e a vítimaOs golpes financeiros são baseados em uma relação dinâmica entre o

fraudador e a vítima, ou seja, o alvo. Um golpista profissional pressente facilmente as fraquezas de sua vítima e as explora plenamente — seja a avareza extremada, o vício do jogo de azar ou algum revés financeiro que o investidor tenta superar com a promessa de lucros fabulosos.

A armadilha é pacientemente planejada para que pareça crível e confiável. Parte da tática do golpista consiste em começar dando alguma informação sem importância e irrelevante. O alvo conhece essa informa­ção ou imagina que ela é inteiramente verdadeira, o que o faz sentir-se confortável. O resto da informação tem o objetivo de tornar a história toda ainda mais convincente.

Um exemplo: agentes de venda responsáveis pela comercialização de in­vestimentos em pirâmide frequentemente falam mal dos bancos por pagarem taxas de juros ridiculamente baixas ou por fornecerem péssimas sugestões de investimento ou pela burocracia excessiva. Isso faz com que seus próprios e rápidos métodos para chegar à riqueza pareçam muito melhores, enquanto, por outro lado, os “vorazes bancos vivem de ludibriar as pessoas”.

O truque tende a funcionar, pois a maioria das pessoas não quer questionar abertamente a honestidade dos outros. O fraudador também prevê as dúvidas das vítimas e aprende como dissipá-las, mencionando-as antecipadamente, tranquilizando, assim, o alvo.

Alguns psiquiatras consideram que os golpistas e as vítimas estão liga­dos por uma relação simbiótica de amor e ódio, da qual ambos extraem satisfação e da qual ambos dependem, como diz Kindleberger. O fenômeno é similar à “síndrome de Estocolmo”, um estado psicológico no qual os reféns podem desenvolver uma ligação afetiva com seus seqüestradores.

O fraudador busca estabelecer um bom contato pessoal com a vítima, conversando sobre algum evento do passado ou sobre um amigo em

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comum, um conhecido ou parente, crenças políticas ou religiosas co­muns ou fazendo algum comentário que faça eco ao patriotismo local. Ele também pode trazer à baila algum hobby em comum como o golfe, a pesca ou o tênis.

Qualquer elo em comum deste tipo é útil para dissipar as apreensões naturais da vítima. Pela utilização desses métodos, o golpista ganha um lugar na vida da vítima e extrai alguma coisa dela. A maioria das pessoas sente que pode certamente confiar em pessoas simpáticas, bem-comportadas, com as quais elas conseguem se dar tão bem.

Uma vez que os lucros distribuídos nos estágios iniciais dos esquemas em pirâmide consolidam a confiança nos investidores, eles normalmente reinvestem seus primeiros lucros no fundo na esperança de colher ganhos ainda maiores. Esses reinvestimentos eram bastante comuns nos casos Ponzi, WinCapita e Madoff, assim que as vítimas eram contempladas, pela primeira vez, com enormes e reais lucros em forma de “papel”. Essa credulidade e ganância contribuíam para acelerar suas perdas quando a bolha finalmente estourou.

O mercado e seus modos de operação são os responsáveis pelo dinamismo que predomina nas economias ocidentais. Portanto, não é surpresa que os golpistas tenham herdado, em sua profissão, muitas das técnicas lícitas pró­prias dessas economias. Eles, na verdade, adotam, como destacou o Oxford Handbook of Criminology, muitas das cativantes estratégias empresariais.

Nessa direção, os esquemas em pirâmide usam muitos dos elementos próprios dos projetos normais de investimentos: apresentação do projeto, abundantes informações de fundo e fortes argumentos de venda, uma ampla operação de marketing dirigida a pessoas que possam estar interessadas em investir em tal esquema especulativo, apresentação de cálculos detalhados de lucro (embora falsos), plano de pagamento de lucros, etc. As importantes inovações tecnológicas no campo de comunicações criaram um ambiente no qual criminosos podem facilmente disponibilizar essas informações dentro do país e até mesmo globalmente para milhares de pessoas.

Uma vez que a perda das economias de toda uma vida, conseguida através de anos de trabalho dedicado, é, obviamente, uma experiência terrível para qualquer pessoa, não é incomum que em seu desespero algumas vítimas de fraude cometam suicídio. Isso aconteceu tanto nos casos do fundo de Madoff e da fraude do General MacGregor, na Inglaterra, quanto no caso da pirâmide da WinCapita na Finlândia.

O que aconteceu com as outras vítimas? A solução óbvia para as vítimas de golpes é recorrer à polícia. A polícia pode, entretanto, relutar em agir

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e geralmente o faz somente se há evidência clara de um crime ou se o número de queixas torna-se grande.

De qualquer forma, as vítimas se veem envolvidas em um dilema. Como afirma Michael Clarke, em Business Crime, a lei é lenta, incerta e cara. Pior ainda, no final das contas, a ação legal resultará provavelmente no fechamento da organização fraudulenta, pouco restando. Pode ser, é claro, do interesse público impedir que ainda mais pessoas caiam na armadilha na condição de novas vítimas, mas o encerramento da pirâmide pode ter o efeito de contrariar os interesses das vítimas atuais que gostariam de recuperar pelo menos parte de seu dinheiro.

A decisão das vítimas de recorrer à lei e às instituições públicas, in­cluindo a polícia, é, de fato, indicativo de um desespero compreensível e de uma sede de vingança. Entretanto, algumas vítimas podem preferir manter o assunto no domínio privado e tentar negociar uma solução no âmbito da jurisdição civil. Pode até ser do interesse dos golpistas (e talvez também das vítimas) continuar as negociações por quanto tempo for possível, fazendo ofertas, promessas e pagamentos parciais.

Os golpistas se arrependem de seus malfeitos?Se uma pessoa normal faz algo ilícito, sua reação é a de sentir-se en­

vergonhada ou arrependida. Ela se deixa tomar por uma angústia indefi­nida, bem como pelo medo do que as outras pessoas possam pensar e das possíveis penas que lhe podem ser infligidas.

Os pensamentos subjetivos dos criminosos não seguem este padrão. Estudos sobre as atitudes de prisioneiros mostram que eles sentem que é vitalmente importante afastar-se de qualquer sentimento de culpa e responsabilidade. Se eles não reprimissem a culpa, a vida se tornaria insuportável, como afirma, em seu livro, Monika Mattson, que trabalha em pesquisa sobre prisões.

Ao menos aparentemente, a questão da culpa realmente não interes­sa a prisioneiros neuróticos. É amplamente conhecido que prisioneiros não querem sequer falar sobre a questão da culpa ou sobre sentimentos relacionados a ela. Alguns anos atrás, fiquei sabendo que um advogado criminal holandês de primeira linha, responsável pela defesa de pessoas que tinham sido presas pelo tráfico internacional de droga na área do Mediterrâneo, nem sequer sonhava em perguntar aos seus clientes se eles eram culpados, pois considerava tal pergunta “imoral”. Sua hipótese de trabalho, e certamente também a de seus clientes, era de que eles eram sempre totalmente inocentes.

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Um condenado à prisão perpétua declarou à pesquisadora Monika Mattson que 99% dos que estavam na prisão pela primeira vez considera­vam-se inocentes. Uma reação normal entre os prisioneiros consiste em se referir ao seu crime não como algo que eles ativamente cometeram, mas como algo pelo qual eles foram passivamente incriminados. Ao invés de admitir “eu roubei”, um ladrão normalmente diria: “eles me condenaram por roubo”.

O verdadeiro culpado era aparentemente alguma outra pessoa ou alguma outra coisa: uma infancia difícil, um patrão mau, uma mulher terrível ou outros parentes, más companhias, álcool ou drogas, o sistema, um juiz rigoroso demais, falta de dinheiro, a sociedade imoral ou a polícia ou outras autoridades más.

No máximo, os prisioneiros admitiam que “haviam sido simplesmente criados daquela forma” ou perguntavam: “o que pode um homem fazer com as suas inclinações naturais?”. Ou reclamavam por terem sido subme­tidos a “pressões injustas”, e, portanto, por essa razão, eles eram inocentes.

No mesmo espírito, os criminosos tipicamente menosprezam as suas vítimas e, especialmente, os seus sofrimentos. Por isso eu não acredito por um único segundo que aqueles que cometeram fraudes contra pessoas arre­pendam-se genuinamente do fato de que eles empobreceram ou até mesmo arruinaram outras pessoas. Ao contrário, provavelmente eles pensam que as vítimas crédulas, que se permitem ser enganadas, simplesmente receberam o que mereciam, ou que os próprios golpistas precisavam muito de dinheiro.

Há, na verdade, registros de prisioneiros que se gabam de suas fraudes, utilizando justificativas tais como “a estupidez tem um custo” ou “aqueles que caíram tão facilmente na armadilha mereciam ser depenados”. Outros tentam racionalizar o acontecido através da justificativa de que as vítimas, na verdade, não sofreram nada, “porque, de qualquer maneira, elas eram ricas”. Provavelmente a principal coisa de que os culpados se arrependem é de terem sido pegos e presos.

De acordo com Monika Mattson, os prisioneiros frequentemente enfatizam o quanto tudo foi inevitável. Eles pressentem a imoralidade e a frieza prevalentes em nossas sociedades: “O mundo é mau e as pessoas são más”, e, portanto, eles se sentem justificados em sua raiva contra a sociedade. Eles tendem, assim, a interpretar tudo em favor de si mesmos, reforçando a própria irresponsabilidade.

Muitos trapaceiros realmente consideram que seu próprio compor­tamento criminoso não constitui, de maneira alguma, um desvio, em comparação com o ambiente e a subcultura à qual eles já pertenciam em

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sua juventude. Eles apenas expressam aquilo que aprenderam em seus próprios círculos criminosos, não diferindo em nada de outros tipos de aprendizagem. Em suas mentes, seus atos criminosos são anormais somente aos olhos da maioria (honesta) da população.

Os criminosos normalmente não pensam em termos de causa e efeito. Eles não estão dispostos a assumirem a responsabilidade por suas ações e suas consequências, e fecham os olhos inclusive para as consequências mais óbvias. Os danos decorrentes dos golpes são problemas dos outros — para o infrator eles não existem.

Se os criminosos que cumprem pena de reclusão realmente se arre­pendessem de seus malfeitos, os suicídios na prisão, como uma forma de expiação final da culpa, seriam muito mais comuns. O suicídio seria uma forma de saída de cena. Mas ao menos em prisões finlandesas - e supos­tamente também na maioria dos outros países - os suicídios são bastante raros, mesmo considerando o alto índice geral de suicídios na Finlândia, em comparação com os padrões internacionais.

Na prisão, grande parte dos atos de cortar os próprios pulsos nor­malmente não representa uma tentativa real de suicídio, de acordo com Monika Mattson. Seu propósito é, em vez disso, assinalar que o prisioneiro gostaria de mudar uma situação existente. Ocasionalmente, também pode ter o objetivo de criar problemas para os funcionários da prisão.

Alguns poucos prisioneiros chegam a fazer dessas chamadas tentativas de suicídio um hábito. Entretanto, a imensa maioria dos suicídios reais entre os criminosos ocorre fora da prisão.

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5. A produção de criminosos de milhões de dólares

Quem é criminoso?Esta é a definição mais simples de um criminoso: trata-se de uma

pessoa que infringe as leis da sociedade. Os golpistas financeiros obvia­mente pertencem a esse grupo.

Esta definição é, entretanto, ampla demais porque classifica como cri­minosos muitas pessoas que normalmente não seriam assim consideradas. Uma grande quantidade de pessoas infringe a lei, uma vez ou outra: por exemplo, ultrapassando o limite de velocidade, estacionando em locais proibidos, atravessando a rua fora da faixa de segurança, bebendo cervejas demais antes de dirigir, deixando de informar algum rendimento na sua declaração de renda, amassando algum outro carro no estacionamento, ou levando, sem permissão, alguma coisa do escritório para casa.

Uma alternativa seria classificar somente aqueles sentenciados pe­los tribunais por algum crime como criminosos. Isso iria subestimar substancialmente o número de criminosos, pois significaria deixar de fora autores de furtos, assaltantes, golpistas e outros criminosos que não foram apanhados.

Atualmente, uma definição geral usada em psicologia criminal é a de que a expressão “comportamento criminoso” caracteriza o com­portamento de uma pessoa que infringe as leis da sociedade de uma forma deliberada e talvez contínua. O principal foco está no comportamento anormal ou antissocial.

Uma opinião bastante comum é a de que há uma relação inversa entre a posição socioeconômica e o crime: quanto mais pobre a pessoa ou mais baixa a sua posição socioeconômica, maior é a probabilidade de ela se tornar criminosa. Tendências criminosas também podem estar

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relacionadas a dificuldades para ascender socialmente, a características herdadas ou a más companhias.

A visão de que a criminalidade está estreitamente associada à pobreza certamente não é aplicável aos golpistas. Nenhum daqueles analisados neste livro foi pobre ou cresceu em favela ou em famílias desfeitas, e raramente foram crianças-problema ou delinquentes juvenis, ao contrário dos criminosos tratados na criminologia tradicional.

Muitas vezes, a prática da fraude é, talvez, da mesma forma que ou­tras práticas criminosas habituais, aprendida através da associação direta com pessoas que tenham se dedicado a essa atividade anteriormente, tal como argumentam Geis e Meier. Aqueles que se tornam criminosos do colarinho branco geralmente tiveram experiências em situações de ne­gócios particulares em que a criminalidade constituía um modo de vida. Eles foram gradualmente iniciados em tal sistema de comportamento, tal como ocorre com qualquer outro costume social.

Os criminosos das classes inferiores, tais como os que entram nas casas para roubar ou os assaltantes, tipicamente iniciam suas “carreiras” em lares desfeitos. Eles encontram delinquentes e criminosos profissionais perto do lugar onde moram que os ensinam atitudes e técnicas criminosas. Mas, ao menos nos Estados Unidos, os cérebros criativos por trás de vários golpes tendem a ser advogados inescrupulosos ou especialistas em negócios.

Os antecedentes familiares e educacionais dos criminosos e os crimes de colarinho branco

A maior parte dos fraudadores discutidos neste livro veio de famílias de classe média ou alta e tiveram uma educação de qualidade bastante boa. Por exemplo, o escocês Gregor MacGregor era um general. O grande golpista Victor Lustig era filho de um prefeito e frequentou escolas particulares. O rei sueco dos fósforos, Ivar Kreuger, veio de uma família abastada e se formou, com menção honrosa, como engenheiro, na universidade de tecnologia mais prestigiada do país.

Bernard Cornfeld tinha um diploma em psicologia pela Brooklyn Col- lege e outro em ciências sociais pela Columbia University. O mal-afamado diretor-executivo da Enron, Kenneth Lay, era doutor em economia pela Houston University. Bernard Madoff formou-se na Hofstra University. E o principal suspeito da WinCapita, Hannu Kailajärvi, fez um curso de tecnologia da informação em um instituto técnico.

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Temos que procurar outras razões que não sejam as de uma infância pobre, pouca educação e baixo status socioeconômico para explicar por que essas pessoas tornaram-se golpistas. É possível que fatores tais como a competição social e um irresistível impulso para alcançar níveis mais elevados na escala social tenham exercido um papel importante, por exemplo, nos casos de Kenneth Lay da Enron e de Madoff.

Além disso, necessidades e valores incontroláveis, tais como uma grande cobiça por dinheiro e o desejo de se exibir e de viver suntu- osamente, também podem ter conduzido alguns indivíduos para suas carreiras criminosas.

Muitos sociólogos concordam que o comportamento criminoso é normalmente aprendido com amigos, colegas e através de leituras. Aprendemos a maior parte de nossos valores, atitudes e definições com outras pessoas. Mas há também alguma evidência de que as tendências para o crime possam ser herdadas. Atualmente não se sabe exatamente como os genes influenciam o comportamento criminoso; mas a ge­nética e o ambiente podem interagir de maneira complexa. Certos comportamentos criminosos parecem inclusive ter um componente neurológico.

Os homens que se envolvem em crimes violentos são, na maior parte, jovens, tipicamente com 18 anos ou um pouco mais velhos. Os níveis de testosterona alcançam o nível mais alto por volta desta idade. Por outro lado, os golpistas são quase sempre mais velhos, porque jovens dificilmente conseguiriam ter sucesso nessa exigente “profissão”.

A personalidade dos golpistasSegundo os professores David Putwain e Aidan Sammons, distúrbios

de personalidade e distorções cognitivas podem levar as pessoas a ado­tarem um comportamento delinquente, criminoso. As mais importantes dessas distorções cognitivas estão descritas na tabela a seguir. Elas envol­vem distúrbios de personalidade e mecanismos psicológicos de defesa, tais como sentimentos de inferioridade, necessidade de poder e controle, mentiras e fantasias relacionadas a um comportamento antissocial. Es­sas distorções desembocam em uma falta de consideração para com os outros e em ações que podem causar danos à sociedade, por exemplo, o uso de drogas, a prostituição, incidentes de violência verbal contra certos grupos sociais e sexuais.

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Distorções cognitivas de personalidades criminosasTraços de personalidade

Distorçõescognitivas

automáticasDistorções

associadas com atos criminosos

Sentimentos de inferioridade Tomadas de decisão inadequadas

Fantasias de comportamento

antissocialNecessidade de poder e controle Falta de confiança Otimismo exagerado

Perfeccionismo Incapacidade de assumir compromissos

MentirasFonte: Segundo Yochelson e Samenow, citado em Putwain e Sammons.

Muitos criminosos parecem ser otimistas incuráveis. Eles fazem pouco caso do risco associado aos seus crimes e imaginam que podem se safar graças ao seu pensamento rápido e à sua esperteza. Os criminosos também exibem um grau mais baixo de julgamento moral do que cidadãos obedientes à lei, uma vez que o crime representa uma escolha por ações imorais.

A aparência dos fraudadores não é apenas normal, mas, mais do que isso, ela é excelente, diz Stanton E. Samenow em seu livro, Inside the Cri­minal Mind (No interior da mente criminosa). Eles não cometem crimes porque precisam do dinheiro ou porque odeiam a humanidade ou porque tiveram uma infância terrível. O que há de comum entre os diferentes golpistas é que eles têm uma autoestima que aumenta e diminui à custa dos outros. Seus traços de personalidade podem até ser comparados com aqueles de assassinos em série.

“Desde muito cedo, o oxigênio da vida de um criminoso consiste na busca do prazer através da prática de atos proibidos”, afirma Samenow.

Por que eles fazem isso quando têm tanto a perder? Muitos golpistas parecem ter uma personalidade do tipo Jekyll e Hyde, transitando entre a respeitabilidade e o crime. A maior parte deles provavelmente teria se dado bem em um emprego honesto, como é o caso de Madoff, que tinha uma eminente carreira de sucesso como corretor de ações. A resposta simples parece ser: eles querem ter lucros enormes, algo grande, extraordinário, para exibir para o mundo, para desfrutar do sentimento de ser superior.

O filósofo inglês John Locke publicou sua grande obra, Ensaio acerca do entendimento humano, em 1690. Ele pensava que a “inquietação” é a força

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propulsora que está por trás de todos os empreendimentos humanos. Não é o que as pessoas têm que as impulsiona, mas o que lhes falta. Isso cria uma sensação de descontentamento, uma interminável busca de satisfação através do dinheiro e das riquezas, entre outras coisas. Em minha opinião, o pensamento de Locke explica também os motivos ocultos dos golpistas: esforçar-se constantemente por atingir um ponto cada vez mais alto, como foi o caso de Madoff.

Ao planejar seus esquemas da maneira mais racional possível, muitos golpistas apelam para a clonagem de crimes - crimes que duplicam outros ocorridos anteriormente. De fato, muitos dos criminosos descritos neste livro certamente ouviram falar ou leram sobre golpes anteriores pareci­dos. Carlo Ponzi provavelmente tirou a ideia de seu famoso esquema em pirâmide da pirâmide simples desenvolvida em 1898 por um pequeno contador de Nova Iorque chamado William Miller (ver cap. 10). Acho que a pirâmide de Ponzi pode também ter servido de exemplo para a pirâmide finlandesa da WinCapita e até mesmo para Madoff.

Sem dúvida, os golpistas temem constantemente o desmascaramento e a prolongada batalha legal, a censura social e a punição decorrentes. Mesmo assim, tomam a decisão de roubar. Uma vez escolhido este caminho, eles continuam até serem pegos ou conseguirem fugir, como Robert Vesco, o trapaceiro inteiramente amoral.

Alguns psicólogos acreditam que o comportamento criminoso pode ser resultado de uma escolha racional: que a decisão de cometer um cri­me pode ser instintivamente baseada na consideração de que os ganhos materiais compensam o tempo e o dinheiro gastos no planejamento e na execução do golpe, o risco de ser pego, a perda da reputação e a severidade de qualquer possível punição.

Mas o processo de decisão dos criminosos não pode, é claro, ser com­pletamente racional, uma vez que ele é limitado por fatores que são, em parte, desconhecidos, tais como o tempo disponível, as reações da polícia, de outras autoridades, da mídia ou das vítimas, ou até mesmo a boa ou a má sorte.

Resumindo: em primeiro lugar, o golpista deve ter razões econômicas para iniciar sua operação. Em segundo lugar, ele deve estar seguro de que tem tanto a oportunidade quanto a habilidade e o know-how necessários para executar o crime. Em terceiro lugar, nas palavras do Dr. Donald R. Cressey, registradas no livro de Norman Jaspan, The Thief in the White Collar (O ladrão de colarinho branco), ele deve superar o último obs­táculo: a sua consciência. Nesse processo, ele pode lançar mão de uma

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série de justificativas, como, por exemplo, que ele não será pego, que ele está “somente emprestando o dinheiro e irá devolvê-lo” ou que “o país, as pessoas ricas, todos os investidores, estão em dívida comigo”.

Mas a questão principal fica em aberto: o que leva um homem, cuja educação enfatizara o respeito pela lei e que se dera bem profissionalmente, a violar a lei e a se arriscar a ser exposto à vergonha, se a infração for revelada, como nos casos de Kreuger e Madoff? Isso continua sendo um mistério.

Os golpistas são, frequentemente, sociopatasOs golpistas financeiros parecem ser, tipicamente, sociopatas ou, segun­

do a antiga terminologia, psicopatas não violentos. Um sociopata sofre de distúrbios comportamentais antissociais. De acordo com a American Psychiatric Association, tais distúrbios envolvem

[...] um padrão generalizado de desconsideração para com os outros e de desrespeito dos direitos alheios, que se inicia na infância ou no começo da adolescência e continua na idade adulta.

Estima-se que, nos Estados Unidos, três por cento dos homens e um por cento das mulheres são classificados como sociopatas. Nas prisões os números são muito mais altos, chegando, talvez, a 30 por cento ou mais entre os homens.

Principais características dos sociopatas• Simpatia superficial1 e inteligência acima da média• Forte autoestima, egocentrismo e egoísmo• Paranóia e tendência a nada revelar de sua própria vida• Mentira patológica e desonestidade• Dificuldades recorrentes com a lei, após ludibriar outros para obter

vantagens pessoais ou por prazer• Falta de solidariedade• Falta de remorso ou sentimento de culpa

1 No original, superficial charm, uma das características atribuídas à personalidade sociopá- tica. A “simpatia superficial” pode ser definida como a capacidade para atrair e seduzir as pessoas à sua volta, pela fala fácil, por um falso interesse pelos outros, pela facilidade de convencimento, enfim, pelo uso da sedução no exclusivo interesse próprio, sem qualquer preocupação genuína pelo outro.

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• Comportamento antissocial• Sentimentos superficiais• Estilo de vida parasitário• Sentimento de que eles próprios são vítimas (da sociedade, da família,

etc.), sentindo-se, portanto, livres para usarem os outros para seus próprios propósitos

• Incapazes de assumirem a responsabilidade por suas ações• Inconsequência

As duas características particularmente proeminentes em muitos gol­pistas, egocentrismo e impulsividade, foram confirmadas em um estudo sobre 30 criminosos britânicos confinados na prisão Leyhill, tal como descrito no livro Criminology in Transition (Criminologia em transição). Outras características impressionantes desses criminosos eram “sua am­bição, sua tenacidade, seu desejo de se juntar a pessoas de nível social mais alto do que o deles, de colocar seus filhos em escolas privadas de alto custo, e sua disposição a assumir os riscos financeiros envolvidos em todo esse processo”.

Alguns criminosos têm medo de sociopatas que são, ao mesmo tem­po, psicopatas, tal como expressado no filme Cães de aluguel, dirigido por Quentin Tarantino:

O que você deve fazer é agir como um puta profissional.Um psicopata não é um profissional. Você não consegue trabalhar com um psicopata, porque você não sabe o que esses filhos da puta vão fazer em seguida.

Apesar de sua simpatia superficial, muitos sociopatas têm dificuldades em manter amigos e relacionamentos tais como o casamento ou em lidar com figuras de autoridade, como inspetores financeiros, fiscais da receita ou pessoas que trabalham no sistema jurídico.

Enquanto os autores de fraudes violam a lei porque acreditam que isso vai lhes trazer mais prazer e menos dor do que outras linhas de ação que lhes estão disponíveis, alguns deles podem também ser motivados pelo medo de perder o que eles já têm, tal como ocorreu com Madoff.

As mulheres são menos frequentemente golpistas ou vítimasHistoricamente, tanto na literatura quanto na sociedade, as mulheres

têm sido ou idolatradas ou difamadas. De acordo com Joy Pollock, citado

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no livro de Lee H. Bowker, “as imagens da mulher têm percorrido toda a gama que vai desde modelos de virtude a diabólicas sedutoras”.

Por um longo tempo, a criminalidade feminina não foi considerada como assunto importante o suficiente para atrair a atenção dos pesqui­sadores. Um dos primeiros trabalhos sobre o assunto foi um livro do professor italiano Cesare Lombroso e de seu colega Guglielmo Ferrero, La donna criminale (A infratora feminina), publicado em 1894. Antes disso, Lombroso havia publicado seu primeiro grande trabalho, L’uomo delinquente (O homem criminoso), em 1876.

A base da excêntrica teoria de Lombroso era de que o homem crimi­noso constituía um recuo biológico a uma linhagem primitiva do homem. Tipos criminosos podiam, assim, ser reconhecidos por várias características físicas atávicas e degenerativas, tais como uma fronte baixa, pelo excesso de cabelo facial e mandíbulas fortes.

A medida que o interesse de Lombroso voltou-se para a mulher cri­minosa, a tese de que os criminosos eram predispostos biologicamente e reconhecíveis por marcas físicas foi aplicado também às infratoras do sexo feminino. Notou-se que as mulheres criminosas possuíam muitas caracterís­ticas masculinas, tanto físicas quanto mentais. Esta masculinidade suprimia seus impulsos maternos e as induzia ao crime ainda mais que os homens.

De acordo com o peculiar pensamento de Lombroso e Ferrero, todas as mulheres são como crianças grandes, desprovidas de qualquer senso moral e de maturidade. As que se mostram obedientes à lei não passam de crianças amorais que só se mantêm na linha em virtude de certas qua­lidades femininas, tais como piedade e sobriedade.

De acordo com Lombroso, as mulheres eram também organicamente conservadoras e passivas. Isso, além de suas qualidades femininas, como a piedade, os instintos maternais e a fragilidade, servia para reprimir tendências criminosas. Fatores físicos e psicológicos também operavam no mesmo sentido.

As teorias de Lombroso sobre criminosos foram severamente criticadas. Ele parecia não ter conhecimento de métodos estatísticos básicos quando fez as entrevistas nas prisões, os tamanhos de suas amostras eram pequenas demais e suas descobertas não eram estatisticamente significativas.

Entretanto, Lombroso e Ferrero salientavam que as mulheres cometem muito menos crimes do que os homens. Em prisões estaduais e federais dos Estados Unidos e da maioria dos países da Europa Ocidental, a porcentagem de mulheres prisioneiras é mínima: tipicamente, de quatro a sete por cento.

Entretanto, quando se mede a quota global de crimes femininos registra­dos, ela é muito mais alta do que a porcentagem de mulheres prisioneiras:

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nas décadas de 1980 e 1990, ela era por volta de 16 a 20 por cento na Grã-Bretanha, França e Alemanha, ou seja, de três a cinco vezes mais do que a porcentagem de mulheres prisioneiras.

Estatísticas recolhidas em prisões tendem a subestimar o crime fe­minino. Em primeiro lugar, os policiais, em geral, não gostam muito de prender mulheres, por preferirem ostentar a pose de “perfeitos e heroicos cavalheiros”, de acordo com The Oxford Handbook. Em segundo lugar, parece haver alguma relutância dos tribunais em aplicar às mulheres penas tão severas quanto a de condená-las à prisão.

No contexto dos sistemas judiciários, as mulheres são consideradas como indivíduos que precisam de proteção, e não de punição, e frequen­temente se beneficiam do respeito próprio do cavalheirismo. Os manuais de criminologia usualmente afirmam que as mulheres têm menos chance de serem mantidas em custódia no estágio anterior ao julgamento, menos chance de serem condenadas e, se condenadas, têm mais chances do que os homens de evitar a prisão.

Parece, assim, que uma proporção substancialmente maior de mulheres do que homens recebe sentenças de prisão que são, em seguida, suspensas, em parte graças, talvez, à atitude paternalista de muitos juízes. Por outro lado, se o crime apresenta características extremamente não femininas (por exemplo, assassinato violento), os tribunais reagem severamente.

Nos últimos anos, em muitos países, as mulheres infratoras vêm, na verdade, mudando seus modelos de crime, em direção a estilos mais “mas­culinos”. Elas têm se tornado mais agressivas e violentas.

Mas, normalmente, as mulheres tendem a cometer crimes menos sé­rios do que os homens. Por exemplo, mulheres ladras geralmente roubam menos objetos e produtos menos caros do que seus “colegas” masculinos. Em grandes fraudes e outros grandes crimes, elas, em sua maioria, não são as responsáveis únicas, mas parceiras, cúmplices ou conspiradoras que detêm um papel secundário.

As mulheres raramente executam assaltos ou invadem casas sozinhas. Elas raramente são parte de grupos do crime organizado. Em relação à mais severa punição nos Estados Unidos — a pena de morte —, 1.189 homens foram executados desde 1976, em comparação com apenas 11 mulheres (menos de um por cento). A última vez que uma mulher foi executada nos Estados Unidos foi em 24 de setembro de 2010, quando Teresa Lewis foi morta — após um intervalo de cinco anos sem execuções de mulheres.

Minha análise pessoal da criminalidade feminina está resumida no quadro a seguir:

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Por que as mulheres são menos inclinadas ao crime do que os homens?

• Os fatores mais importantes da identidade feminina, como o lar, o amor, os filhos, a família, os amigos e boa saúde não podem ser satisfeitos através do crime.

• As mulheres não idolatram o dinheiro tão ardentemente quanto os homens.

• As teorias criminalistas salientam as pressões que os indivíduos sofrem para terem sucesso na sociedade a qualquer custo. Essas pressões podem ser menos dominantes na identidade feminina. As ambições por altos salários e a necessidade de se exibir, menos

frequentes nas mulheres, fazem com que os homens sejam mais atraídos para o crime do que as mulheres.

• As mulheres mais socialmente ativas podem ter um senso de vergonha maior do que os homens: o que possivelmente as crianças, os parentes, os amigos e outros pensariam delas se elas fossem pegas?

• A maior prudência que é biologicamente inerente às mulheres significa que elas estão menos propensas à agressividade e a correr riscos, fatores que são elementos propulsores essenciais do crime — enquanto os níveis mais altos de testosterona dos homens tendem a encorajá-los a assumir tais linhas de ação.

• As mulheres tendem a ser realistas e a não cair na típica armadilha do otimismo excessivo de muitos criminosos homens ao avaliarem as possibilidades de sucesso ou os riscos de serem pegos.

• A porcentagem de sociopatas com inclinação a cometer crimes é muito menor entre as mulheres do que entre os homens.

A esmagadora porcentagem de 98 por cento dos que foram acusados de fraudes contra as leis antitruste e de valores mobiliários e de violações de outros regulamentos da Securities and Exchange Commission, em meados dos anos 1980, era constituída por homens. Entretanto, enquanto apenas 20 por cento das pessoas presas nos Estados Unidos eram mulheres, estas, segundo Coleman, faziam parte dos 35 a 40 por cento daqueles encarcerados por desvio de dinheiro e mais de 40 por cento daqueles presos por outros tipos de fraude. A porcentagem de mulheres presas por roubo de mercadorias de lojas é também bastante alta.

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No que toca às mulheres enquanto vítimas de golpes, seu compor­tamento parece ser mais cauteloso do que o dos homens. Por exemplo, na suspeita pirâmide da WinCapita na Finlândia, estimou-se que apenas 20 por cento das vítimas eram mulheres. Tenho também a impressão de que a proporção de mulheres atingidas pelo golpe de Madoff era muito menor do que a de homens.

Uma das explicações pode ser que, na maior parte dos lares, os homens são tipicamente o principal assalariado e se ocupam com os investimentos da família sempre que grandes decisões são necessárias.

Em segundo lugar, as mulheres são claramente mais cautelosas do que os homens - as mulheres não se arriscam na corda bamba — e são talvez menos crédulas quando lucros fabulosos lhes são exibidos.

Finalmente, os investimentos feitos por homens em esquemas frau­dulentos podem muito bem fazer parte da necessidade masculina de se exibir ou podem ser uma manifestação de inveja por terem ouvido dizer que outros tiveram grandes lucros.

A porcentagem mais baixa de vítimas femininas pode também ser resultado do fato de que os vendedores de esquemas de pirâmide tendem a fazer menos contato com mulheres por desconfiarem que as mulheres fazem perguntas mais difíceis ou investem menos do que os homens, os quais, normalmente, tomam decisões rápidas e impulsivas. Os vendedores podem também temer que mulheres que falam muito possam espalhar suas suspeitas pela vizinhança, causando obstáculos para seus esforços de venda.

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6. O espectro das maiores fraudes financeiras do mundo

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A longa história de fraudes financeiras propicia narrativas quase ina­creditáveis, especialmente na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Muito antes da fraude monumental de Bernard Madoff, dois britânicos, Sir John Blunt da South Sea Company e General MacGregor, planejaram sofisti­cadas fraudes financeiras. Outro notável criminoso financeiro foi Charles Ponzi, o inventor dos esquemas em pirâmide.

O checo Victor Lustig pode ser classificado como o campeão mundial das fraudes financeiras “criativas”. Ele conseguiu, inclusive, vender a Torre Eiffel para um crédulo vendedor de sucata parisiense. Mais tarde, ele trapa­ceou centenas de pessoas e iniciou uma ampla operação de falsificação de dinheiro nos Estados Unidos — que finalmente lhe custou uma sentença de 20 anos de prisão em Alcatraz.

O rei mundial dos fósforos Ivar Kreuger foi um dos mais celebrados industriais suecos e, no final, também um dos mais desprezados. Quando seu império mundial desmoronou, ele se suicidou em seu apartamento luxuoso em Paris. O ilustre Bernard Cornfeld com sua brilhante invenção do Fundo-dos-Fundos foi o enfant terrible do mundo financeiro.

“O incomparável rei dos financistas fugitivos”, Robert Vesco, e o mal-afamado executivo-chefe da gigantesca Enron, Kenneth Lay, surripia­ram bilhões de dólares de milhares de pessoas. Na Finlândia, o esquema em pirâmide da WinCapita está sob investigação por ter cometido fraude de milhões de euros contra milhares de pessoas.

Os 10 maiores golpes da história• O esquema da South Sea, em Londres, 1717-1721• O golpe da nação-fantasma do General MacGregor, na Inglaterra e

na França, 1821-1826• As fraudes de Victor Lustig, “o campeão mundial dos golpistas ”, nos

anos 1920 e 1930• O inovador golpe da pirâmide de Charles Ponzi, nos EUA, em 1920• A ascensão e queda do rei dos fósforos sueco Ivar Kreuger, 1912-1932• O golpe do playboy Cornfeld por meio da International Overseas• As fraudes do “trapaceiro mais famoso da América ”, Robert Vesco,

a partir do final de 1960• A falcatrua de um bilhão de dólares da Enron, 1990-2001• O suspeito esquema em pirâmide da WinCapita na Finlândia,

2005-2008• O criminoso financeiro do século XXI, Bernard Madoff, 1995-2008

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Muitos dos grandes golpistas mundiais encontraram seu destino na esteira das súbitas quedas nos ciclos de negócios, como ilustrado no diagrama no início deste capítulo. Não é de se estranhar que o economista John Kenneth Galbraith tenha escrito que, “ironicamente, as recessões pegam o que os auditores deixam escapar”!

Por exemplo, Ivar Kreuger caiu depois da Quinta-Feira Negra de 1929, e a Grande Depressão causou sua monumental desgraça financeira em 1929-1932. O fundo de investimento de Bernard Cornfeld entrou em colapso em 1969-1970, numa época em que o mercado de ações se mostrava altamente instável. E a fraude de Bernard Madoff, de proporções quase bíblicas, veio à tona em 2008, na esteira do início da crise dos bancos e da bolsa de valores.

Embora dois dos dez maiores golpes tenham acontecido há cerca de 200 ou 300 anos, eles poderiam muito bem ter acontecido ontem - de tão semelhantes que são as bases psicológicas desses golpes, numa demonstração da verdade do provérbio francês que diz que “plus ça change, plus c’est la même chose (quanto mais muda, mais igual fica)”.

A cobiça humana por dinheiro tem permanecido constante pelos últimos dois mil anos, e a reação psicológica das pessoas em questões de dinheiro segue padrões antigos. Tampouco mudaram muito as regras bási­cas seguidas nos mercados financeiros. Especuladores especulam, golpistas golpeiam, e indivíduos pouco afeitos ao risco investem com cuidado.

De acordo com Kindleberger, em Manias, Panics and Crashes (Euforias, pânicos e colapsos), muitos booms especulativos — e os golpes subsequentes— começam com estímulos econômicos e ciclos econômicos de supe­raquecimento, como foi o caso após as grandes descobertas geográficas no século XVI, a Revolução Industrial na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, a ebulição da bolsa de valores anterior à crise econômica nos Estados Unidos em 1929-1930, a explosão da tecnologia da informação nos anos 1990, ou o explosivo crescimento econômico anterior à crise econômica, entre 2007 e 2009.

A história das euforias e dos pânicos está repleta de exemplos das reações desestabilizadoras que se produzem como resposta a choques exógenos tais como os descritos no parágrafo anterior e que se propagam à maneira de uma teia de aranha. No início, os bancos, as empresas e os investidores captam sinais fortes e positivos do surgimento de uma nova e favorável situação, seguindo-se, então, uma onda de altas espetaculares nos preços das ações, o que atrai antigos e novos investidores para o mercado de ações. Inebriados pela euforia, investidores dos mercados de imóveis e de valores mobiliários perdem a capacidade de fazer julgamentos sensatos.

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Os objetos de especulação variam enormemente de uma euforia para a outra, desde as ações domésticas e estrangeiras de vários tipos, até o câmbio estrangeiro, derivativos, energia, terras, propriedades, ouro, etc. As empresas tiram vantagem da euforia emitindo um grande volume de ações. Muitos investidores multiplicam os lucros impulsionando seus investimentos através de derivativos ou de empréstimos de ações.

No auge desse ciclo, a especulação torna-se crescentemente ambígua e propaga-se para diferentes tipos de investimentos. Quando se aproxima do fim, a especulação tende a se desvincular de objetos com valor real e a voltar-se para objetos de valor ilusório.

As pessoas procuram enriquecer sem terem uma real compreensão dos processos envolvidos (por exemplo, em transações bancárias, no setor de tecnologia de informação ou em derivativos mais ou menos complexos). Isso contribui para a constituição de um terreno fértil para os golpistas e suas promessas de fabulosos lucros especulativos. Eles entram em cena para explorar a ganância em aceleração.

Tudo isso irrompe em virtude daquilo que Adam Smith,no século XVIII, descreveu como “loucura, negligência [...] velhacaria e esbanjamento”.

Em algum momento, entretanto, os primeiros investidores começam a vender os seus papéis e a converter os seus lucros em dinheiro vivo. Fi­nalmente, o sinal específico que inicia o colapso geral pode ser a falência de um banco ou de uma grande empresa ou uma queda abrupta das ações supervalorizadas.

Os gritos de “Cada um por si e Deus por todos”, “Sauve qui peut” (“Salve-se quem puder”),“Die Letzen beissen die Hunde” (“Os cães pegam os que se retardaram”) são sinais de uma situação de pânico. Multiplicam- se os bancos em falência e o castelo de cartas desaba.

Os alemães utilizam, apropriadamente, a expressão Torschlusspanik, “o pânico do fechamento do portão de ingresso”, para se referirem ao pânico que se estabelece à medida que as pessoas se aglomeram diante dos portões para passar antes que eles sejam fechados. Nem todos conseguem entrar.

Em sintonia com o crescente e excessivo endividamento dos bancos, das empresas e das pessoas físicas, um país após o outro começou a ter sérios problemas financeiros a partir de 2007. Uma crise evidente e um declínio econômico vieram a seguir, com a Grécia, a Irlanda e Portugal como as vítimas mais atingidas. No devido tempo, talvez até a Espanha corra o risco de fazer parte dessa “lista de atingidos”.

As crises comerciais e financeiras estão estreitamente vinculadas a tran­sações que ultrapassam os limites da lei, dos regulamentos e da moralidade,

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ainda que esses limites sejam, às vezes, obscuros. A inclinação a cometer uma fraude ou a figurar como vítima de uma delas vai de mãos dadas com a inclinação a especular durante um boom.

Os colapsos e os pânicos, com o seu lema “cada um por si e Deus por todos”, servem para estimular um número ainda maior de pessoas a trapacear para salvar a própria pele. O sinal para começar a debandada está ligado também, às vezes, com a revelação das grandes fraudes.

Daniel Defoe comparou, com perspicácia, no século XVIII, diferentes tipos de crime. Ele achava que o malfeito do especulador do mercado de ações era “dez mil vezes pior” do que o do salteador de estrada, porque o especulador roubava de pessoas que ele conhecia e não corria nenhum risco físico. Defoe certamente teria denunciado os golpistas de pirâmide de hoje muito mais severamente do que os especuladores de sua época.

Há países em que a especulação é mais provável do que em outros? Os Estados Unidos parecem ser o centro clássico dos pânicos comer­ciais e financeiros, em parte devido a uma tradição de práticas bancá­rias imprudentes e operações de investimento temerárias, como ficou demonstrado pela recente crise bancária.

Os mecanismos para esse ímpeto especulativo podem estar situa­dos no extremo dinamismo da economia americana, em conjunção com instituições de fiscalização complacentes, especialmente após o reaganismo ter reinventado, nos anos 1980, a política do laissez-faire. A década de 1920 nos Estados Unidos tem sido chamada de “a mais importante era de práticas fraudulentas no setor das altas finanças que o mundo já conheceu”.

Mas a última metade dos anos 1990 e o começo do século XXI também produziram uma grande safra de falcatruas, golpes e fraudes.

A Grã-Bretanha também proporciona muitos exemplos de pânicos e euforias, desde o caso da South Sea até a Euforia das Estradas de Ferro na década de 1840, o boom que se seguiu à Primeira Guerra Mundial e o boom da tecnologia de informação dos anos 1990. Alguns observa­dores veem a Grã-Bretanha como um país onde o espírito de aventura e especulação tem resultado em crises e recessões, tal como refletido na febre generalizada por apostas.

Estimou-se que Ivan Kreuger tenha desviado perto de US$ 250 milhões (o equivalente a quase US$ 4 bilhões nos dias de hoje) nos anos 1920 e no início dos anos 1930. De acordo com o livro White Collar Crime, isso é cerca de duas mil vezes maior do que a pilhagem efetuada pelos lista­dos como os primeiros seis inimigos públicos dos Estados Unidos, que

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amealharam a mísera quantia de US$ 130.000 em invasões domiciliares e assaltos em 1938.

Dois tipos de golpistasOs golpistas descritos neste livro podem ser classificados em dois grupos

distintos: aqueles que iniciaram sua carreira de forma honesta, e aqueles que estiveram envolvidos em golpes desde o início da juventude.

No primeiro grupo, encontramos Ivar Kreuger. No início da sua bem- sucedida carreira como engenheiro civil, não há registros de qualquer coisa moralmente suspeita. Os delitos de Kreuger só começaram quan­do o seu império mundial de fósforos ruiu na esteira da Quinta-Feira Negra e do colapso da bolsa em 1929.

Bernard Cornfeld também pode ser incluído neste grupo. Ele era tido como respeitável no início de sua carreira, antes de o conglomerado International Overseas Service enfrentar sérios problemas financeiros no ambiente volátil da bolsa de valores dos anos 1960.

Provavelmente outro Bernard, este com o sobrenome Madoff, tenha começado sua carreira como revendedor/corretor de forma honesta, antes de se envolver em operações fraudulentas que bateram todos os recordes mundiais. Talvez até mesmo o mal-afamado General Gregor MacGregor possa ser incluído neste grupo, assim como Kenneth Lay, o diretor-executivo da Enron, antes de ter iniciado suas tramas e tramóias.

Entretanto, outros dentre os dez maiores golpistas, tal como Victor Lus- tig, para não mencionar Charles Ponzi, RobertVesco e o diretor-executivo da WinCapita, Hannu Kailajärvi, começaram suas fraudes bem cedo em suas vidas.

A partir daqui, o leitor poderá seguir as fascinantes histórias de vida de todos esses homens, sua cobiça por dinheiro, a especulação, os truques, o empobrecimento das vítimas e a pitoresca história do golpe financeiro desde os primeiros tempos até os dias de hoje.

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7. A espetacular bolha da South Sea Company

O então ministro das finanças Robert Harley, primeiro Conde de Oxford, fundou a South Sea Company, em Londres, em 1711. A ideia geral era criar uma companhia de comércio exterior de sucesso, cujos lucros pudessem ser usados para pagar as dívidas do exército e da mari­nha britânicos e estabilizar a situação do déficit público. Os empréstimos do governo haviam gerado uma dívida de £10 milhões (cerca de £1,4 bilhão nos dias de hoje).

A bolha especulativa da South Sea estava estreitamente ligada à privatiza­ção desta enorme dívida estatal. Alguns empresários importantes assumiram a dívida estatal, transferindo-a para o quadro da South Sea Company. Nesse típico “toma lá, dá cá”, os detentores de obrigações do tesouro gradualmente trocariam suas obrigações por ações da South Sea Company. As obrigações do tesouro eram assim convertidas em ações da companhia.

O ministro orgulhava-se muito de seu papel no projeto. De acordo com Charles McKay, os bajuladores chamavam-no de “a obra-prima do Conde de Oxford”. A cada ano a companhia recebia um subsídio de 6% de juros do governo, para poder pagar os juros anuais de £600.000 referentes à dívida do governo para com os bancos.

Em função disso, a South Sea Company recebeu o monopólio do co­mércio com as colônias espanholas dos mares do sul na América do Sul. Para financiar o subsídio da taxa de juros para a companhia, o governo britânico impôs tarifas de importação permanentes em muitas mercadorias coloniais de alta demanda, tais como vinhos, vinagre, produtos indianos, sedas trabalhadas, tabaco, barbatanas de baleia e alguns outros artigos.

A administração da companhia se vangloriava publicamente das enormes riquezas da América do Sul. Era crença geral que as fabulosas minas de ouro

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e prata no Peru e México eram inesgotáveis — e que a companhia só tinha que exportar produtos britânicos finos que seriam vendidos aos nativos por um valor cem vezes maior e devidamente pago em barras de ouro e prata.

O entusiasmo tomou conta da opinião pública quando se espalhou o boato de que a Espanha havia concordado em abrir quatro portos nas costas do Chile e do Peru para as embarcações mercantis britânicas. O interesse de investidores nas ações da South Sea Company espalhou-se como fogo, tendo-se mantido aceso por muitos anos — embora o Rei Felipe V da Espanha não tivesse qualquer intenção de permitir a criação desse mercado livre para os seus concorrentes britânicos.

Após longas e cansativas negociações, a companhia recebeu direitos exclusivos para vender escravos negros para a América do Sul pelos pró­ximos 30 anos. Mas quanto à importação, apenas um navio britânico de tamanho médio por ano poderia fazer comércio com México, Chile e Peru - e mesmo assim sob a condição de que Felipe V recebesse um quarto dos lucros e uma taxa de 5% sobre o restante.

John Blunt, o principal culpadoJohn Blunt foi eleito presidente do conselho da South Sea Company.

Ele era devidamente assistido pelo astuto tesoureiro da companhia, Robert Knight. Blunt era um dos diretores fundadores da companhia e a figura de proa por trás do esquema de conversão da dívida pública.

Blunt era filho de um sapateiro e era ligado à religião batista. Sua profissão original era a de escrivão. Segundo Edward Chancellor, em seu livro Devil Takes the Hindmost (O diabo pega quem fica para trás), Blunt era uma pessoa desagradável: corpulento, impositivo, falador, esperto e com muita vontade de subir na vida.

Blunt era da opinião de que as pessoas não deveriam saber demais sobre os negócios da companhia: quanto mais confusão, melhor. Uma vez que a conversão do déficit estatal em ações da companhia era particularmente vantajosa para a South Sea Company, ele a promoveu com determinação a fim de acelerar a alta do valor de suas ações. Seu principal objetivo era enriquecer de qualquer maneira, lícita ou ilicitamente.

A companhia foi de vento em popa e já em 1717 seu capital social aumentou de £10 milhões para £12 milhões. Essa emissão de ações ex­cepcionalmente grande dirigida ao público geral foi efetuada com sangue frio, embora o tão enormemente festejado comércio com a América do Sul não houvesse produzido quase nenhuma renda para a companhia.

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O sucesso da South Sea Company foi reforçado com a doação de ações para um grupo de pessoas importantes - até mesmo para o Rei George e sua corte e, é claro, para muitos ministros do governo e membros do parlamento - que imediatamente começaram a apoiar a companhia de diferentes maneiras. Acumular riquezas pessoais era muito mais interessante para eles do que tentar arrefecer quaisquer excessos na bolsa de valores.

No parlamento, Robert Walpole, estadista, ministro das finanças depois de 1721 e mais tarde primeiro-ministro, opôs-se fortemente ao excessivo e inescrupuloso apoio à companhia. Ele alertou que a companhia iria falir, “levando a um descontentamento geral e à ruína da nação”.

Mas o fiador mais veemente da companhia, o ministro das finanças John Aislabie, que tinha nela um enorme interesse pessoal, foi mais forte. Wal­pole foi rotulado de “falso profeta”, uma Cassandra predizendo tragédias.

Especulação desvairada na Bolsa de Valores de LondresA Bolsa de Valores de Londres, espalhada pela Exchange Alley, a ruela

de Londres cujos cafés serviam, então, de local para a troca de mercado­rias e de valores, fervia de tanta agitação. Na primavera de 1720, o preço das ações da South Sea Company havia mais do que dobrado de valor: de £130 para ,£300. Os diretores, e especialmente o diretor do conselho, John Blunt, fizeram tudo o que podiam para manipular o preço das ações, mantendo-o em alta.

Blunt chegou a afirmar publicamente que a companhia seria a mais rica que o mundo já vira e que cada £100 investidos iriam produzir, a cada ano, centenas de libras para o investidor.

A companhia emitiu novas ações oferecendo condições extremamente vantajosas, como, por exemplo, a exigência, na operação de compra de ações, de um depósito em dinheiro de apenas 20 por cento do total da compra. Além disso, concedia-se aos compradores um prazo longo — 16 meses — para o pagamento do saldo devedor.

A companhia também concedeu empréstimos generosos para os acio­nistas, tendo as ações como garantia. Esses empréstimos eram financiados com novas emissões de ações, o que significava que o dinheiro entrava por uma porta e saía pela outra. O único objetivo da direção era inflar o preço das ações tendo em vista os seus próprios interesses.

A impressão geral era de que todos, no país, haviam se transformado em especuladores financeiros. Multidões bloqueavam a Exchange Alley e era impossível atravessar a Cornhill Street, na London City, o centro

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financeiro e comercial de Londres, por causa dos engarrafamentos causa­dos por uma quantidade imensa de carruagens. “Não havia tolo que não aspirasse ser um trapaceiro” era uma das frases repetidas por toda a cidade, segundo Charles McKay.

Outras companhias envolvidas em bolhas especulativasNa esteira do rápido progresso da South Sea Company sob a

proteção especial do governo, um grande número de novas e imagi­nativas companhias do tipo bolha foi criado. Seu propósito principal era roubar as pessoas, desaparecendo, depois, como fumaça no ar, com o resultado do saque. Quase todas essas companhias estavam assentadas em bases frágeis, numa espécie de alquimia financeira.

Uma das lendárias companhias desse tipo foi fundada para “levar adiante um empreendimento extremamente lucrativo mas que ninguém sabe o que é”. O folheto que anunciava a venda de ações afirmava que o capital necessário era de £500.000, dividido em cinco mil ações de £100 cada uma.

O depósito a ser pago por cada signatário era menor, somente £2 por ação. Tendo feito o pagamento inicial, cada participante teria direito, por ação, a £100 em lucros a cada ano. O emissor prometia anunciar detalhes completos sobre a companhia dentro de um mês, quando as restantes £98 por ação deveriam ser pagas.

As nove horas da manhã seguinte ao anúncio, o fundador da companhia abriu um escritório em Cornhill. A entrada estava bloqueada por pessoas que haviam corrido para comprar ações da companhia. Quando o escritório fechou às três da tarde, mil ações e depósitos haviam sido subscritos e pagos.

Em apenas seis horas, o fundador havia recolhido £2.000, uma soma equivalente ao salário de muitos anos. Ele ficou satisfeito com isso e fugiu para o continente europeu com o seu saque. Nunca mais se ouviu falar dele.

Outras companhias do tipo bolha foram fundadas: para a com­pra e venda de cabelo humano, para vender apólices de seguros, para aumentar a sorte das crianças e para desenvolver “um meca­nismo de movimento perpétuo”. Uma companhia do campo da alquimia propôs extrair prata do chumbo. Outra foi criada para extrair grandes volumes de salitre, extraindo-o de todos os “lugares necessários”, ou seja, dos sanitários, em toda a Inglaterra.

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Outro folheto de anúncio de vendas circulou na bolsa de valores, propondo levantar fundos para uma companhia “para drenar o Mar Vermelho, em busca de ouro e joias deixados pelos egípcios em sua passagem, em perseguição aos israelitas”. Um homem apresentou uma estranha invenção, uma bomba de ar para fortificar o cérebro humano.

Somente 4 das 190 companhias do tipo bolha fundadas em 1720 sobreviveram. Duas destas eram companhias de seguros, a Royal Exchange e a London Assurance, que mais tarde vieram a florescer.

A maior parte das companhias do tipo bolha executava os seus golpes tirando proveito da credulidade e da tendência à desonesti­dade daqueles que compravam suas ações, segundo Edward Chan- cellor. Alguns especuladores não compravam ações de companhias desse tipo como investimentos a longo prazo, mas o faziam com a intenção de vendê-las em seguida, com um bom lucro, para tolos ainda maiores.

Eles logo ficaram sabendo que não havia ninguém mais tolo no mercado do que eles mesmos.

O preço das ações atinge o auge e Blunt ganha título de nobreza

Para acelerar o aumento do preço das ações ainda mais, o conselho corrupto da companhia decidiu, em 1720, pagar um custoso “dividendo de alta estação” de dez por cento. O presidente do conselho, Blunt, tinha, é claro, se adiantado a esse presente da companhia, comprando opções de compra do dividendo de alta estação.

Chocado com o desvario das bolsas de valores, o banqueiro holandês, Crellius disse, em 1720, que, na Exchange Alley, “parecia que todos os lunáticos haviam escapado do hospício de uma única vez”.

Com o objetivo de canalizar o máximo de dinheiro especulativo possível para sua South Sea Company, John Blunt persuadiu seus amigos no governo e no parlamento a aprovarem o Bubble Act (A Lei da Bolha). Essa lei tornava ilegal fundar companhias sem permissão parlamentar. Para deixar tudo perfeito, ela proibia as companhias já existentes de exercerem atividades não especificadas na licença de funcionamento.

No mesmo dia, 9 de junho de 1720, o Bubble Act foi aprovado no par­lamento e John Blunt recebeu o título de barão do Rei George I - que tinha, ele próprio, interesses substanciais na South Sea Company.

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Algumas semanas mais tarde, a companhia anunciou que o enorme dividendo anual seria de 30 por cento, ou seja, £30 sobre o valor da ação nominal de £100. Ao mesmo tempo, a companhia aventurou-se a afirmar que ela garantia um dividendo anual de 50 por cento por 12 anos.

Em maio de 1720, a direção havia conseguido elevar o preço das ações para £500. Um total de dois terços dos detentores da dívida do estado havia trocado — ou seja, privatizado - os títulos seguros de obrigações do tesouro, com sua borda dourada, por ações de risco da South Sea Company.

No início de junho, o preço das ações quase explodiu, chegando perto das £900. Nesse momento, muitos dos investidores, especialmente os que faziam parte da corte do Rei George e os da alta sociedade a ela associada, se deram conta da situação e decidiram colher os seus lucros vendendo suas ações.

Thomas Guy, um dono de papelaria avarento que havia acumulado uma fortuna comprando “bilhetes de marinheiros” (notas de crédito emi­tidas pela poderosa marinha como pagamento do soldo) com enormes descontos, rapidamente vendeu as suas ações. Elas haviam lhe custado inicialmente £54.000 e o impressionante preço de venda foi de £234.000.

Mais tarde, Guy arrependeu-se de sua vida de avareza. Ele usou parte de sua fortuna para fundar um hospital que tem o seu nome. Trata-se do grande e prestigioso Guy's Hospital, no centro de Londres.

Erros fatais de Isaac Newton e do Rei George IO renomado Sir Isaac Newton, um dos maiores gênios cientí­

ficos de todos os tempos, era Mestre da Casa da Moeda na época.Ele também decidiu vender suas valiosas ações da South Sea Company por £7.000. Entretanto, tendo tido um grande lucro, ele logo mudou de ideia e fez um novo investimento de consideráveis proporções na companhia, depois das ações já terem chegado ao auge. Quando o valor despencou, ele perdeu uma grande quanti­dade de dinheiro: £20.000 (quase £3 milhões nos dias de hoje).

A amarga perda aborreceu tanto Newton que quando alguém lhe pedia seu conselho sobre a bolsa de valores, sua resposta era: “Consigo calcular os movimentos dos corpos astrais, mas não a loucura das pessoas.”

Em junho de 1720, o ministro das finanças, John Aislabie, tentou convencer o Rei George I a vender suas ações da South Sea pelo maior preço possível naquele momento. O ganancioso

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rei ignorou o seu conselho e vendeu somente algumas ações para conseguir dinheiro o suficiente para comprar ainda mais ações na próxima emissão. A história não conta a que preço de venda o rei finalmente livrou-se de suas ações.

Com o rei mostrando o caminho, as pessoas foram atrás. Em 24 de agosto de 1720, a companhia promoveu uma quarta e astronô­mica emissão de ações no formidável valor de £75 milhões. Para sustentar a corrida da bolsa, a companhia concedia empréstimos de mais de £12 milhões para compradores de ações da South Sea. Elas podiam até ser usadas como garantia para os empréstimos.

A queda do preço das ações leva a uma onda de suicídios

No final do verão de 1720, à medida que muitos dos investidores vendiam suas cotas, o valor das ações despencava. Os membros do con­selho fizeram compras massivas de ações para estabilizar o preço, que se recuperou por um curto período, chegando a £1.050. Em menos de seis meses as ações haviam, portanto, subido oito vezes.

Vazou, entretanto, o segredo de que o presidente da companhia, o agora Barão Blunt, e alguns membros do conselho da companhia haviam vendido as suas ações. Consequentemente, o preço caiu para £700.

Com o dinheiro que havia conseguido com suas vendas massivas de ações, Blunt começou a comprar terras, registrando-as em seu próprio nome. Na verdade, ele até vendeu um número maior de ações do que as que tinha porque estava convencido de que, passado algum tempo, ele conseguiria comprar as ações que ele na realidade não tinha por um preço menor do que aquele pelo qual ele as estava vendendo.

Investidores estrangeiros importantes, incluindo investidores do cantão de Berna na Suíça, venderam suas posições de ações e repatriaram seus lucros. Em um esforço para estabilizar o preço das ações, Blunt instruiu cada membro do conselho a comprar ações da South Sea Company por alguns milhares de libras. Porém, a velha raposa não seguiu seu próprio conselho: ele mesmo comprou apenas uma quantidade mínima.

Em meados de setembro, o preço da ação caiu ainda mais, chegando a £400, pois vários investidores que haviam comprado, a crédito, ações frias de uma companhia do tipo bolha foram forçados a venderem suas

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ações da South Sea para cobrir as suas dívidas. Além disso, poucas pessoas acreditavam na promessa de Blunt de que a companhia iria conseguir pagar um dividendo de 50 por cento nos próximos anos.

No início do outono a companhia havia esgotado todas as suas medidas de socorro, e não havia nenhuma notícia positiva sobre seus negócios. Sem nenhum poder para mudar o curso do processo, a companhia ficou limitada a presenciar o colapso inevitável do valor de suas ações.

A falência do Sword Blade Bank representou outro golpe severo para a companhia. Ele havia funcionado como seu banco de preferência e co­meteu o erro básico de conceder enormes quantias em empréstimos tendo as ações crescentemente “desvalorizadas” da South Sea como garantia. No fim de setembro, o preço das ações havia caído para £200, após ter sofrido uma queda vertiginosa de 75 a 80 por cento em quatro semanas.

Centenas de investidores arruinados cometeram suicídio, milhares foram à falência. Muitos outros se tornaram mendigos. Alertados por esta tragédia financeira e humana, o Rei George I e sua entourage retornaram rapidamente de Hannover, e o parlamento foi convocado.

Em uma reunião da South Sea Company, um investidor declarou que a ruína era tão generalizada que “era considerado quase fora de moda não estar falido”.

No parlamento, Robert Walpole relembrou aos parlamentares os seus graves alertas sobre a situação, enfatizando que, tal como ele havia suspeitado, a grande bolha especulativa havia agora estourado. As milha­res de famílias arrastadas para a completa pobreza agora clamavam por punições severas contra o conselho da companhia e contra o Barão Blunt em especial.

O orador mais veemente no parlamento era o irlandês Lorde Mo- lesworth, que, segundo Edward Chancellor, declarou:

Crimes extraordinários pedem punições extraordiná­rias. Os juristas romanos não haviam predito a possí­vel existência do parricídio. Mas tão logo o primeiro monstro apareceu, ele foi colocado dentro de um saco e jogado de ponta-cabeça em um rio; e ficarei feliz em infligir o mesmo tratamento aos autores da nossa presente ruína.

Evidentemente o bom Lorde pensou que o Tâmisa seria o local mais apropriado para tal propósito.

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Os culpados são presos ou fogemAs investigações oficiais revelaram que o ministro das finanças, John

Aislabie, havia recebido um grande número de ações como presente. Ele foi forçado a renunciar.

O presidente Blunt e cinco outros membros do conselho foram en­carcerados na temida prisão da Torre, acusados de uma enorme fraude e de abuso de confiança. A opinião geral era de que, desde o início, Blunt havia sido o autor e o executor de um enorme esquema de fraude.

Porém, nem todos os responsáveis foram presos. O mal-afamado te­soureiro da companhia, Robert Knight, conseguiu fugir. Aproveitando-se da escuridão da noite, ele embarcou, disfarçado, em um pequeno bote no rio e seguiu para Calais na França. Além de levar com ele uma razoável quantidade de dinheiro, viajou com seus livros de contabilidade e outros documentos secretos da companhia. Considerando seu papel importante como cúmplice no golpe, uma alta recompensa de £2.000 foi oferecida pela captura do “nobre”, num decreto assinado pelo próprio rei.

Durante as audiências parlamentares, Blunt já havia dado um jeito de “es­quecer” a maior parte dos negócios da companhia ou se recusava a comentá-los. Entretanto, foi provado que, entre seus inúmeros delitos, a companhia sob sua liderança havia criado um grande número de ações fictícias.

Uma vez que essas ações eram realmente inexistentes e uma vez que nenhum dinheiro havia sido desembolsado em pagamento por elas, pois tinham sido doadas para ministros do governo, parlamentares e autoridades do alto escalão, acredito que essas ações representavam um tipo de opção de ações: quando o preço das ações subia, os detentores conseguiam colher os seus lucros em dinheiro vivo.

Os subornos eram excessivamente generosos, de £10.000 a £250.000 (por volta de £35 milhões nos dias de hoje), dependendo da posição e da influência da pessoa.

Não é preciso dizer que os agraciados com tais presentes magníficos tinham um forte interesse em promover a companhia de todas as maneiras possíveis para facilitar a alta do preço de suas ações.

O dia da prestação de contasOs diretores da South Sea Company receberam sentenças severas,

embora nenhum deles tenha sido colocado dentro de um saco e jogado no Tâmisa, como desejara o Lorde Moleswort. Uma quantidade imensa de bens foi confiscada, somando cerca de £2 milhões (esta soma pode ser

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comparada com o total da dívida governamental em 1711: £10 milhões). Restou-lhes muito pouco dinheiro, dependendo da extensão de sua culpa.

O maior culpado, Blunt, pôde manter míseros £5.000, equivalente a apenas três por cento do valor total de seus bens (£183.000). Outros culpados puderam ficar com um pouco mais, a maior parte com £10.000. Em comparação com seus estilos de vida do passado, essa soma significava que eles se juntariam às fileiras dos pobres para o resto de suas vidas.

Aislabie, o ministro das finanças, que fora apropriadamente rotulado como o outro grande culpado, ao lado de Blunt, foi também punido se­veramente. Além de ser expulso do parlamento e atirado no cárcere, sua gigantesca conta bancária de £800.000 (cerca de £110 milhões hoje) foi confiscada e distribuída entre as vítimas da bolha da South Sea.

Alguns dos maiores especuladores perderam quantidades de dinheiro quase inimagináveis. Sir Justus Beck, um dos diretores do Banco da In­glaterra, perdeu £347.000. O extremamente rico Duque de Sandos teve que dizer adeus a £700.000 de sua fortuna.

As bolhas racionais e o momentum investingTirando proveito das vantagens de uma visão retrospectiva, podemos

ver, tal como enfatizado por Edward Chancellor, que a maioria dos inves­tidores da South Sea Company agiu sem pensar. Em primeiro lugar, após o preço das ações ter subido vertiginosamente, havia suficiente informação pública sugerindo que os preços das ações estavam muitíssimo acima do que valiam. Em segundo lugar, aqueles que compraram ações após a alta exagerada do preço não podiam esperar mais do que uma valorização limitada e, mesmo assim, com um altíssimo risco. Finalmente, as previsões de longo prazo sobre o futuro da companhia não haviam mudado muito durante o ano de 1720 e não havia nenhuma razão econômica real para a alta no preço das ações.

Os investidores suíços e holandeses e os ricos negociantes londrinos se deram melhor do que o investidor comum, porque venderam suas ações no tempo certo.

A chamada teoria da bolha racional, que tenta explicar a especulação na bolsa de valores, não parece ser nada mais do que a estratégia de in­vestimento conhecida como a estratégia do “mais tolo”. O argumento é que os especuladores deliberadamente compram ações que têm o seu preço inflado na esperança de que algum tolo (o mais tolo) esteja disposto a pagar ainda mais por elas antes que a bolha estoure.

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Os adeptos da teoria da bolha racional não reconhecem que a sua aplica­bilidade estratégica depende totalmente da liquidez dos mercados de valores mobiliários, ou seja, de que tanto compradores quanto vendedores estejam ainda ativos nos mercados. Numa situação de crise os compradores podem, entretanto, retirar-se dos mercados no exato momento em que aqueles que acreditam na teoria da bolha racional gostariam de vender suas ações.

O método do “mais tolo” tornou-se popular nos Estados Unidos no boom das bolsas de valores nos anos 1990. Ele ganhou um novo nome: momentum investing (investir de acordo com a tendência), significando adaptação rápida às circunstâncias cambiantes nos mercados de ações.

Os investidores atentos ao momentum, à tendência, compram ações que parecem subir mais rápido do que a média das bolsas de valores e as vendem quando o movimento de alta parece diminuir. As bruscas flu­tuações de curto prazo nos preços de muitas ações devem-se, em grande parte, à popularidade do momentum investing.

Assim, muitos investidores nas ações da South Sea tentaram, há quase 300 anos, aplicar os princípios do momentum investing, embora a maioria vendesse suas ações tarde demais, após o preço já ter caído drasticamente, em última instância, não valendo mais do que 15 por cento do preço de quando estava no auge.

Embora milhares de investidores tenham perdido suas fortunas e, naturalmente, sua confiança no investimento, o declínio que se seguiu à bolha da South Sea não foi prolongado nem profundo. As falências das companhias britânicas (com a exceção das companhias que eram pura bolha), durante o ano de 1721, não se generalizaram, e a economia foi se recuperando gradualmente.

A bolha foi lembrada até a Grande Febre das FerroviasNos círculos da bolsa de valores, a bolha da South Sea foi lembrada por

muito tempo. Mais de cem anos se passaram até a Inglaterra testemunhar outra enorme onda especulativa, a Grande Febre das Ferrovias (the Great Railway Mania), entre 1845 e 1846.

Ela seguiu o padrão de sempre: no início, a Revolução Industrial havia produzido uma grande prosperidade, incluindo uma classe média muito mais rica. As ferrovias anunciavam uma nova era, pois ela podia transportar, eficientemente e de maneira barata, tanto carga quanto pessoas.

Uma rede ferroviária que cobria o país inteiro abria novas e promis­soras perspectivas para uma Grã-Bretanha em desenvolvimento. Portanto,

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as ações de várias empresas de transporte ferroviário subiam de maneira espetacular à medida que investidores comuns e grandes especuladores aumentavam suas apostas.

A febre ferroviária chegou ao seu auge em 1846. As primeiras vítimas do otimismo excessivo foram as famílias de classe média que haviam investido uma grande parte de todas as suas economias em ações das companhias ferroviárias pioneiras. Elas perderam milhões diante da queda dos valores mobiliários e das inevitáveis falências. A situação é até certo ponto parecida com o boom da tecnologia de informação nos anos 1990, ou seja, 150 anos depois.

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8. O inventor do estado fantasma de Poyais, o General Gregor MacGregor

A carreira de golpista do “presidente” do estado fantasma de Poyais, General Gregor MacGregor, parece inicialmente quase inconcebível. Mas há alguma evidência escrita, principalmente em jornais ingleses da década de 1820, documentando o seu esquema - ainda que as várias ver­sões, como ocorre frequentemente em casos similares, sejam levemente diferentes entre si.

Tudo começou em 1820, quando o bravo General MacGregor liderou uma pequena patrulha militar de reconhecimento, encarregada de cobrir uma área que se estendia da Venezuela até o Golfo de Honduras. A região pantanosa pobre e suja era conhecida como a Costa do Mosquito, em acordo com o nome da tribo local. A área específica no Caribe era cha­mada de território de Poyais.

Na verdade, ele já havia se tornado um protetorado britânico em 1655. Entretanto, seus poucos colonizadores europeus deixaram o lugar logo depois, extremamente desapontados. Mas agora o chefe indígena local, “Rei” George Frederic Augustus I, havia concordado, após um delicado trabalho de convencimento, em fazer uma considerável doação de terras a MacGregor, permitindo-lhe vender direitos territoriais na área costeira a novos colonizadores europeus.

Gregor MacGregor nasceu em 1786 em Edimburgo, filho de Daniel MacGregor e Ann Austin. Ele se juntou à marinha britânica em 1803, aos 17 anos. De acordo com costume comum à época, ele também serviu como mercenário em outros locais, nos exér­citos portugueses e espanhóis, e retornou a Edimburgo em 1810.

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O herói da independência da Venezuela, Simón Bolívar, visitou Londres em 1811 para solicitar ajuda em sua luta contra os espanhóis. Ouvindo falar sobre sua visita, MacGregor, que havia se adaptado bem à vida militar e era aventureiro, vislumbrou aí sua oportuni­dade. Ele se alistou como voluntário no exército de Bolívar.

Quando MacGregor chegou a Caracas, ele foi colocado sob o comando do General Francisco de Miranda. Acredita-se que MacGregor ficara sabendo do sonho de Miranda de criar um novo estado inca, o que, talvez, lhe tenha dado a ideia de fundar o seu próprio “estado”.

O General Miranda desertou, passando para o lado dos es­panhóis, mas foi capturado e morreu em uma prisão de Cadiz. MacGregor continuou leal a Bolívar e teve um papel importante em sua vitória sobre os espanhóis em Araure, oeste de Caracas. Ele foi condecorado por bravura e promovido a general no exército de Simón Bolívar.

O Príncipe de Poyais chega a LondresA economia britânica prosperava após a guerra contra Napoleão, ten­

do, em 1825, a vitória em Waterloo como seu clímax. A Grã-Bretanha dominava os mares e possuía colônias vastas e ricas.

Muitos britânicos haviam tido grandes lucros na Bolsa de Valores de Londres, liderados pelos Rothschild. As guerras estimulavam os mercados, o que ocorreria novamente muitas vezes. Um ditado francês diz: “Achétez aux canons, vendez aux clarions” (“Compre ao estrondo dos canhões, venda ao som dos trompetes”). Após a primeira onda de pânico que se seguiu ao início da guerra, as ações podiam ser frequentemente compradas por preço baixo e vendidas mais tarde por um preço alto após o restabelecimento da paz, tal como ocorre depois de Waterloo.

A Revolução Industrial na Grã-Bretanha estava gradualmente co­meçando. Londres havia emergido como o principal centro bancário do mundo, e o dinheiro estava fluindo por toda parte. Os negociantes britâ­nicos estavam mais do que ávidos para entrar no mercado sul-americano que a Espanha lhes havia negado.

Inesperadamente, Sua Alteza Real, o Cacique de Poyais, chegou a Londres em 1821. Cacique era o título, equivalente ao de príncipe, dado aos chefes nas áreas indígenas das regiões espanholas da América do Sul.

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O príncipe que apareceu em Londres não era, entretanto, um príncipe genuíno por nascimento. Sua Alteza o Cacique de Poyais era originalmente um soldado escocês e seu nome era Gregor MacGregor. Este aventureiro e conquistador colonial havia simplesmente obtido o título de príncipe indígena através de seu comércio de cavalos com o governante local, George Frederic Augustus I.

MacGregor deu o nome de Principado de Poyais ao seu feudo. Era o local que ele havia visitado como líder de sua expedição. O principado compreendia 32.400 quilômetros quadrados.

McGregor explorou habilmente tanto o imenso interesse em investir dinheiro em qualquer tipo de projeto quanto a ignorância do público sobre o mundo exterior, que era muito pouco conhecido, especialmente a distante América Central.

Não demorou muito para que MacGregor adotasse o novo e ainda mais impressionante título oficial de Gregor I. Em suas exageradas narra­tivas, o fim de mundo sujo, pobre e torrado pelo sol, Poyais, era retratado como um paraíso, cercado por altas montanhas ricas em ouro. Arvores de mogno e cedro cresciam por toda a parte, e a terra fértil fornecia pastos excelentes para grandes rebanhos. Em Poyais, assim ele contava, pratica­mente qualquer tipo de planta crescia, incluindo algodão, cana-de-açúcar, milho e frutas tropicais.

O circo publicitário de MacGregor também anunciou que a capital do país possuía um parlamento, palácios, uma casa de ópera, uma catedral, boulevards, pontes, bancos e um movimentado porto. Ele estava localizado na boca do Rio Negro, que corria através de Poyais.

O governo era supostamente democrático. O parlamento tinha, es­tranhamente, três câmaras. O chefe de estado era, obviamente, Gregor I.

Essas histórias espetaculares não eram questionadas de maneira alguma. Acreditava-se talvez em suas histórias por ele ser um general interessante, que relembrava vividamente suas batalhas vitoriosas na América do Sul. Acompa­nhado por sua esposa hispano-americana, Josefa, ele era bem-acolhido pela alta sociedade londrina. Por exemplo, em 1822, o Prefeito de Londres, Christopher Magnay, deu uma grande recepção oficial em honra a Gregor I no monu­mental Guilhall de Londres, centro cerimonial e administrativo da prefeitura.

Fazendo propaganda das maravilhas do estado fantasmaEm Londres, Gregor I foi apresentado ao Major William John Richard-

son. Não demorou muito para que Richardson fosse nomeado representante

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diplomático de Poyais. Até mesmo o Rei George IV recebeu Richardson em audiência oficial. O reconhecimento diplomático de Poyais provavel­mente ocorreu com a ajuda de alguns subornos discretos.

O vigoroso MacGregor logo publicou um guia completo de 350 páginas sobre o seu país. O nome do livro era Sketch of the Mosquito Shore, including the Territory of Poyais (Um esboço da Costa do Mosquito, incluindo o Território de Poyais). Seu suposto autor era um capitão com o peculiar nome de Thomas Strangeways. Mais tarde suspeitou-se que o livro havia sido escrito por um ghost writer— ou seja, o próprio chefe de estado, Gregor I.

No guia, Poyais era retratado de uma forma excepcionalmente favo­rável. Enfatizava-se que os colonizadores ingleses haviam já fundado St. Joseph, a capital de Poyais, na década de 1730. Portanto, Poyais era um país particularmente anglófilo, com uma infraestrutura bem-desenvolvida (estradas e portos), minas de ouro e prata inexploradas, e terras férteis à espera de quem as colonizasse.

O livro chamava a atenção, em particular, para os enormes lucros ga­rantidos pelos ricos recursos naturais do país. Para completar, os leitores eram assegurados de que a região estava livre de doenças tropicais — na verdade, tratava-se de uma descrição incrível para um local cujo nome era Costa do Mosquito!

Como convinha a seu alto nível social e político, Gregor I mudou-se para o esplêndido Oak Hall em Essex, que pertencia ao seu representante diplomático, o Major Richardson. A legação de Poyais foi inaugurada na City of London, o centro comercial e financeiro de Londres, em Dowgate Hill. Escritórios da legação foram abertos em Edimburgo e Glasgow.

O chefe de estado de Poyais fortaleceu ainda mais sua posição, ofere­cendo vários banquetes requintados em Oak Hall. Entre os dignitários convidados havia ministros do governo, embaixadores e oficiais militares de alta patente.

Direitos territoriais à venda e empréstimo da cidadeO projeto de colonização de Poyais começou em Edimburgo, a cidade

natal de MacGregor. Ele vendou direitos territoriais em Poyais, inicialmente por um pouco mais de três shillings por acre e, mais tarde, por quatro. O preço inicial equivalia a cerca de £40 por quilômetro quadrado.

O preço parecia bastante favorável. O salário de um trabalhador naqueles dias era de cerca de £1 por semana, com o qual era possível comprar por volta de seis acres da terra fértil anunciada.

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Direitos territoriais foram vendidos rapidamente em números crescentes porque muitas pessoas queriam começar uma vida nova em um novo país. Essas transações eram normalmente feitas na presença de famílias inteiras.

O vigoroso Gregor I malhava em ferro quente. Em nome do governo de Poyais, ele conseguiu extrair um enorme empréstimo do público. O empréstimo totalizava £200.000 (quase £15 milhões nos dias de hoje), e o intermediário nesta transação era um banco da afluente City of London. O propósito deste empréstimo era anunciado como sendo “estabilizar as finanças do estado de Poyais”.

O empréstimo foi estabelecido na forma de títulos ao portador vendidos ao público, com o rendimento de seis por cento ao ano para os portadores. O valor nominal de 2.000 títulos era de £100 por título.

O empréstimo foi gerenciado pelo banqueiro londrino, Sir John Sperring. Estranhamente, este experiente banqueiro não questionou por que o em­préstimo estava sendo assegurado somente pelos “recursos gerais do estado de Poyais”, um ente totalmente desconhecido nos círculos bancários. Sua credulidade pode ter resultado do fato de o Rei George IV ter aprovado o projeto ao receber o representante de Poyais, Major Richardson.

Com uma taxa de juros tentadora, os títulos foram subscritos por in­vestidores crédulos. Esgotaram-se em um curto espaço de tempo; subse­quentemente o dinheiro foi transferido para a conta bancária de Gregor I.

A partida das primeiras vítimasEm seguida, da palavra à ação. A legação de Poyais fretou o navio Hon­

duras Packet, cuja tripulação conhecia MacGregor de tempos passados. Eles conseguiriam manter as bocas caladas. Cinco negociantes londrinos receberam contratos para prover esse e navios subsequentes com alimentos e munição.

O navio partiu do porto de Londres em setembro de 1822 com 70 passageiros, dentre eles um médico, um advogado e um banqueiro, a quem havia sido prometida uma posição adequada na administração estatal de Poyais. Alguns dos passageiros haviam pagado certa quantia a MacGregor em troca de cargos de oficiais no exército de Poyais.

Os supostos colonizadores também incluíam agricultores que haviam vendido suas terras para comprarem direitos territoriais em Poyais e paga­rem a travessia oceânica. Além disso, havia alguns artesãos, cuja situação de trabalho havia se deteriorado graças à produção em massa que caracterizava a nascente Revolução Industrial.

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A carga também incluía um cofre fortemente guardado cheio de dóla­res de Poyais. O inventivo MacGregor havia providenciado para que esses dólares fossem impressos na Escócia. Muitos dos passageiros cometeram o fatídico erro de trocar as suas valiosas libras britânicas pelos dólares de papel comum e sem nenhum valor de Poyais.

Um choque terrível à chegadaA chegada do Honduras Packet ao seu destino representou um choque

terrível para os passageiros. Tudo o que eles encontraram foram costas vazias, mata virgem, montanhas secas queimadas pelo sol e alguns nativos curiosos. Não havia sinal algum da capital imponente, St. Joseph. Apenas algumas ruínas na costa, uma triste lembrança da tentativa de colonização pelos britânicos em um passado distante.

Para tornar a situação ainda pior, um furacão levou o Honduras Packet de volta ao alto-mar. Os supostos colonizadores viram-se isolados como náufragos sem alimentos ou abrigo.

O próximo navio, muito maior, o Kennersley Castle, partiu do porto de Leith na Escócia no dia 22 de janeiro de 1823. O navio chegou ao seu destino em 20 de março com 200 passageiros, um tanto atrasado, pois havia procurado em vão pelo suposto porto por dois dias.

Os recém-chegados encontraram os imigrantes exaustos do Honduras Packet num estado lamentável. As doenças tropicais já haviam começado a fazer as suas vítimas e uma delas havia cometido suicídio. O Kennersley Castle retornou rapidamente para a Escócia.

Muitos dos imigrantes desesperados morreram antes da notícia sobre seu sofrimento ter chegado às Honduras Britânicas, centenas de quilôme­tros ao norte de Poyais. Um navio de resgate vindo de Belize, o Mexican Eagle, chegou no último momento e salvou muitos dos passageiros de uma morte certa.

Um último desastre os aguardava. Na presença do Rei George Frederic Augustus I, o Coronel Tenente Hector Hall, nomeado futuro governador de Poyais, lamentou informar aos supostos colonizadores que o rei havia revogado seu decreto de concessão de terras, no qual os direitos territoriais vendidos para os colonizadores eram baseados. A razão dessa reviravolta era que MacGregor havia declarado que a área se tornara independente.

Alguns navios britânicos saíram ao mar para interceptar sete outros navios que estavam a caminho de Poyais e acompanhá-los para portos próximos ou dirigi-los para a Inglaterra ou a Escócia.

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Mais tarde, informações revelaram que mais de 180 supostos coloniza­dores dos primeiros dois navios faleceram durante as provações em Poyais ou em hospitais nas Honduras Britânicas. Mais colonizadores morreram durante a exaustiva viagem de 72 dias de volta para casa. Menos de 50 retornaram vivos à Grã-Bretanha. Seu navio, o Ocean, aportou em Londres em outubro de 1823.

O triste retorno à Grã-BretanhaOs jornais britânicos publicavam relatos terríveis do escândalo de Poyais,

à medida que sobreviventes revoltados retornavam humilhados para casa para narrar seus tristes destinos e ir atrás dos responsáveis pelo golpe.

O interessante é que, apesar do sofrimento, muitos sobreviventes recusavam-se a acreditar que MacGregor fosse o principal responsável. Um dos viajantes, tendo perdido dois de seus filhos, vitimados por do­enças tropicais, escreveu um livro sobre a viagem do Kennersley Castle. Ele culpava os colaboradores de MacGregor pelo fracasso do projeto de colonização e os jornais por espalharem informações falsas.

Alguns dos participantes até assinaram uma declaração. Eles acredi­tavam que se MacGregor em pessoa houvesse participado da viagem, as coisas teriam sido diferentes. O Major Richardson processou os jornais por injúria e defendeu seu amigo MacGregor contra as acu­sações de fraude.

O golpe de MacGregor teve continuidade na FrançaNaquele estágio, MacGregor já havia fugido com seu saque para a

França, para continuar o seu golpe em terra virgem. Ele havia, antecipa­damente, contratado uma casa de comércio francesa chamada Compagnie de la Nouvelle Neustrie, concordando em dar-lhe direitos exclusivos para o projeto de colonização na França.

Em agosto de 1825, MacGregor publicou a nova constituição de Poyais. Ele transformou-o em uma república, da qual ele se tornou o presidente autoproclamado.

La Nouvelle Neustrie começou a recrutar colonizadores franceses para Poyais na condição de que eles comprassem ações da companhia por 100 francos. As notícias sobre o triste destino dos emigrantes ingleses e escoceses não haviam ainda chegado à França, pois o fluxo de informações entre a Inglaterra e a França era lento e escasso naqueles tempos.

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As autoridades francesas estavam, entretanto, alertas. Elas notaram que um número de pessoas havia obtido passaportes para viajar para um país de que nunca haviam ouvido falar. Elas confiscaram um navio da Nouvelle Neustrie, que aguardava no porto de Le Havre.

Alguns dos franceses que haviam se inscrito no projeto e pagado pela viagem também perceberam que nem tudo estava em ordem. Eles soli­citaram uma investigação oficial das atividades da Nouvelle Neustrie e de MacGregor.

Assim, Gustavus Butler Hippisley, um amigo de MacGregor dos tempos do exército, e Thomas Irving, seu secretário, foram presos e transportados para a prisão La Force em Paris. MacGregor estava foragido. Mas, após dois ou três meses, ele também foi preso e enviado para a mesma prisão. Posterior­mente, os prisioneiros foram transferidos para a prisão parisiense de Bicetre.

O julgamento começou em 6 de abril de 1826. Com a ajuda de um advogado de defesa de primeira linha, MacGregor foi absolvido em julho de 1826. Hippisley e Irving também foram libertados. Entretanto, Monsieur Lehuby, que era um dos diretores de La Nouvelle Neustrie, foi sentenciado a 13 meses na cadeia por fazer falsas promessas.

O finale pouco grandiosoAssim que o furor sobre esses casos arrefeceu um pouco, o ousado

MacGregor retornou a Londres. Ele foi preso logo após a sua chegada e levado à prisão de Bridewell em Tothill Fields no distrito de Westminster, Londres. Ele foi solto em menos de uma semana.

O general abriu um novo escritório de Poyais no número 23 da Threadneedle Street, perto do Banco da Inglaterra, localizado na mesma rua. Mais uma vez ele tentou levantar um empréstimo substancial, mas, desta vez, os investidores estavam alertas contra o “golpe de Poyais”, e o projeto de empréstimo se transformou em um fracasso total.

MacGregor voltou à Escócia em 1834. Lá ele teve que conceder no­vos títulos de direitos territoriais para Poyais como garantia pelos títulos expirados e não resgatados. Na prática, esses documentos não tinham valor algum.

Pouco a pouco, MacGregor foi ficando sem dinheiro. Em 1839, permitiu-se que ele voltasse à Venezuela, onde solicitou e recebeu uma pensão de general, uma vez que ele tinha sido um veterano notável da guerra de libertação.

MacGregor morreu pobre em Caracas em dezembro de 1845.

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9. Victor Lustig e a venda da Torre Eiffel

Victor Lustig, ou Conde von Lustig, como ele preferia ser chamado, foi certamente uma das personalidades mais despudoradas, mas, ao mesmo tempo, mais inventivas da história das fraudes.

Victor Lustig nasceu em 1890, filho do prefeito da pequena cidade checa de Hostinne. O charmoso jovem foi mandado para um colégio interno em Dresden. Estudante talentoso, ele tornou-se fluente em vários idiomas, incluindo alemão, inglês e, mais tarde, francês.

Quando Lustig terminou a escola, seus pais mandaram-no fazer seus estudos superiores em Paris. Mas para sustentar seu estilo de vida extravagante, ele passou a recorrer às apostas. Lustig tornou-se um habilidoso jogador de pôquer, bridge e bilhar. Sua vida como golpista deslanchou com sucesso nos grandes cruzeiros do Oceano Atlântico, entre a França e os Estados Unidos. Ele trapaceava outros passageiros, especialmente americanos ricos, nas mesas de jogo.

A vida criminosa de Lustig foi longa e extravagante. Tendo começado como trapaceiro nos jogos de cartas, ele foi adiante, inventando uma máquina rudimentar para a impressão de dinheiro, vendendo a Torre Eiffel para um comerciante parisiense de ferro velho e trapaceando até o famoso Al Capone.

A vida de um golpista ativo como Lustig não era um mar de rosas. E embora ele tivesse surrupiado milhões de dólares de suas vítimas, ele torrava o dinheiro rapidamente, da mesma maneira que a maioria dos criminosos.

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Lustig também recebeu muitas sentenças de prisão, mas sempre voltava para a sua arriscada profissão.

Farsantes do tipo de Lustig tentam alimentar sua autoestima com uma aparência sofisticada e gastos exagerados, e sempre exibindo notas grandes de dinheiro. Este esbanjamento indiscriminado de dinheiro reflete o seu anseio por experimentarem e exibirem algo grandioso, por desfrutarem da vida e da liberdade ao máximo. Assim, o dinheiro sujo foge-lhes pelos bolsos.

A misteriosa máquina de impressão de dinheiroO primeiro grande golpe de Victor Lustig ocorreu no início da dé­

cada de 1920, com a invenção de uma primitiva “máquina de impressão de dinheiro”. A cena da trapaça foi a afluente Palm Beach na Flórida — a mesma cidade que se mostraria, cerca de 80 anos mais tarde, uma das mais lucrativas áreas para as atividades do golpista detentor do recorde mundial, Bernard Madoff.

Sempre vestido de forma impecável, Lustig se apresentava na região como um milionário europeu. Ele atravessava a cidade em um Rolls Royce cinza-prateado cheio de estilo e conduzido por um chofer japonês uniformizado. O carro era alugado, é claro.

Lustig fizera sua própria “pesquisa de mercado” nesse paraíso dos milionários e conseguira travar conhecimento com algumas pessoas nos hotéis de luxo. Uma noite, enquanto estava sentado no bar de um dos hotéis luxuosos, ele ficou sabendo que o milionário californiano Hermann Loller, que estava na cidade, havia, recentemente, se envolvido em sérias dificuldades financeiras.

Inspirado por essa valiosa informação, Lustig apresentou-se a Loller no salão de café da manhã como um conde austríaco, que após a Pri­meira Guerra Mundial sofrera a perda de suas vastas terras. De forma indireta, ele confidenciou que sabia como notas de dólar poderiam ser clonadas.

Loller não podia, é claro, imaginar que Lustig soubesse de seus problemas financeiros. Discretamente ele começou a buscar mais informações. Após algum tempo, o falso conde admitiu ser o proprietário de um aparato que podia copiar notas bancárias reais de forma perfeitamente fiel.

Logo, os dois cavalheiros foram para a suíte do hotel de Lustig. Lá, ele mostrou uma caixa misteriosa, que tinha duas fendas estreitas dos dois lados. Ajustou os botões, ligou-os e colocou uma nota de cem dólares em uma das fendas, seguida de um pedaço de papel em branco. Ele explicou que o processo de cópia levaria cerca de seis horas.

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Seis horas mais tarde, os dois senhores voltaram para a suíte. Lustig li­gou um dos botões, e, para o espanto de Loller, duas notas de cem dólares completamente idênticas saíram da máquina.

Lustig propôs a Loller que ele visitasse um banco para se assegurar de que a falsificação não seria detectada. Mas ele alertou Loller que não mostrasse ambas as notas ao mesmo banco, pois naturalmente elas tinham exatamente os mesmos números de série (Lustig tinha antecipadamente alterado os números de série em uma das notas, de dois números 3 para dois 8, para torná-los idênticos ao da outra nota).

Neste ponto, Loller já começara a sonhar com o dinheiro fácil que ele poderia ganhar com aquela máquina maravilhosa. Ele rogou, quase que de joelhos, que o conde lhe fizesse o favor de vender-lhe a tal máquina.

Lustig negou-se terminantemente, dizendo que nem queria ouvir falar de tal proposta. Mas finalmente ele cedeu e relutantemente concordou em se desvencilhar da máquina miraculosa por um preço exorbitante: US$ 25.000 em dinheiro vivo (bem acima de US$ 300.000 nos dias de hoje).

Satisfeito, Loller partiu apressadamente para seu banco para sacar a quantidade necessária de dinheiro. Ele contou as notas para Lustig e partiu triunfantemente para seu iate, que estava atracado em um luxuoso porto.

Na cabine do capitão, ele abriu a tampa da máquina maravilhosa com as mãos tremendo, com a absoluta certeza de que ela iria resolver todos os seus problemas financeiros. Dentro dela, ele encontrou dois cilindros de borracha e um pedaço de papel em branco.

Neste momento, Lustig já havia partido para longe, no banco de trás de seu Rolls Royce. E, com medo de perder sua reputação, Loller não teve coragem de entrar em contato com a polícia.

A venda da Torre Eiffel a um negociante parisiense de ferro-velho

A profissão escolhida por Victor Lustig exigia mudanças frequentes de paradeiro tanto por medo de vingança por parte das vítimas ou de captura pela polícia quanto para encontrar novos campos para seus golpes. Assim, após um golpe de sucesso nas apostas de corridas de cavalo em Montreal, ele deixou o Canadá, em 1925, em direção a Paris.

A França já havia se recuperado de suas terríveis dificuldades durante a Primeira Guerra Mundial. A economia estava florescendo, criando um ambiente oportuno para todos os tipos de fraudes.

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Numa certa manhã, Lustig, que era fluente em francês, estava lendo o jornal local em um café. Uma matéria relatava que os custos com a manu­tenção da Torre Eiffel, que havia sido construída para a Exposição Universal de Paris em 1889, eram tão altos que representavam uma carga inaceitável para as finanças do governo francês. A torre já havia enferrujado bastante em algumas partes, e o serviço de pintura custava milhões de francos por ano. Além disso, reformas estruturais de alto custo se faziam necessárias.

O autor da matéria fazia uma audaciosa sugestão: que a Torre Eiffel, que originalmente não havia mesmo sido planejada como uma construção permanente, fosse vendida como uma sucata valiosa. Naquele momen­to, Lustig pensou em uma ideia complexa e ousada para um golpe, que ele desenvolveu em maiores detalhes com seu assistente, Robert Arthur Tourbillon, que carregava o título formal de “secretário particular”. O secretário também atendia pelo nome de Dan Collins.

Lustig então recorreu a um falsificador de primeira linha que trabalhava em uma gráfica, solicitando-lhe que imprimisse papéis de correspondên­cia de alta qualidade com o logotipo oficial do Ministério de Correios e Telégrafos, evidentemente falsos. Além disso, ele encomendou cartões de visita com seu suposto título de conde e o nome do ministro.

Após receber a encomenda, ele fez um rascunho de uma carta “oficial” em nome do ministério para seis conhecidos negociantes parisienses de ferro-velho. Os cavalheiros foram convidados para uma reunião urgente e confidencial no Hotel Crillon, que era, e ainda é, um dos hotéis de maior prestígio em Paris, localizado na Praça de la Concorde. O assunto da reunião era um possível e ótimo negócio com o governo francês.

Os seis homens chegaram pontualmente no hotel. Em nome do Ministério de Correios e Telégrafos, Lustig cumprimentou a todos e se apresentou como um dos vice-diretores-gerais — uma posição quase tão alta quanto a de vice-ministro. Os convidados haviam sido chamados para a reunião por serem homens de negócio honestos e de renome.

O tópico da reunião era a discussão de um problema delicado e ur­gente, que estava sob a responsabilidade do ministério: a Torre Eiffel. Ele lamentava que a manutenção da torre fosse tão absurdamente custosa que não podia mais ser justificada. As autoridades se viam forçadas a venderem a torre, que havia, de fato, sido erigida como algo temporário.

Lustig lembrou aos convidados que a ideia não era inteiramente nova. Em 1909 já havia planos para desmontar a torre e movê-la para outro lugar. Além dos custos exorbitantes com a manutenção, o ministério era da opinião, revelou confidencialmente o vice-diretor-geral, de que uma

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construção de aço tão feia quanto aquela estava em desacordo com as outras construções clássicas de Paris, como a Notre-Dame, o Louvre, a Igreja dos Invalides, o Arco do Triunfo e o Champs-Elysées.

Uma vez que a desmontagem da torre, no entanto, certamente causaria uma comoção pública, o plano deveria ser mantido em segredo até que um acordo quanto aos detalhes fosse estabelecido. Lustig terminou sua introdução afirmando que a tarefa de escolher o negociante mais adequado para realizar o serviço fora atribuída, quase repentinamente, a ele.

Depois disso, os convidados foram levados para um tour de inspeção da Torre Eiffel em uma limusine preta (alugada, é claro). O motivo subjacente à visita era dar a Lustig uma oportunidade de sondar qual dos negociantes seria a vítima mais ávida e crédula.

Para evitar que fossem feitas checagens detalhadas, ele induziu os con­vidados a submeterem suas ofertas até a manhã seguinte. Finalmente, ele os lembrou mais uma vez que o assunto deveria ser tratado em segredo absoluto.

Assim que os convidados saíram, Lustig já sabia qual proposta iria aceitar: a de um homem de negócios chamado André Poisson. Poisson era uma pessoa insegura que claramente sentia que não havia ainda conseguido ser introduzido nos principais círculos de negócios de Paris. Aparentemente, ele imaginava que o acordo da Torre Eiffel faria com que ele fosse pro­movido à primeira liga.

Entretanto, quando retornou para casa, sua esposa levantou suspeitas. Ela se perguntou quem era na realidade aquele funcionário público de alto escalão, a razão de tudo ser tão secreto, e o motivo pelo qual o acordo deveria ser feito com tanta pressa.

Na manhã seguinte, o próprio Poisson parecia um tanto apreensivo e nervoso ao telefone, especialmente quando ficou sabendo que Lustig havia aprovado a sua oferta. Tourbillon, o secretário particular, havia então sido instruído a ligar urgentemente, outra vez, para Poisson e a convidá-lo para uma reunião confidencial bilateral com o “ministro” — ou seja, Lustig — no Hotel Crillon, pois o assunto era de natureza tão delicada que eles não poderiam se encontrar no ministério.

Nesta reunião tête-à-tête, Lustig tentou dissipar as suspeitas de Poisson e principalmente de sua esposa “confessando”, com um ar muito cons­trangido, a realidade da situação: embora fosse um funcionário público de alto escalão, ele não ganhava dinheiro o suficiente para desfrutar do estilo de vida de que gostava. Assim, ele precisava encontrar maneiras para suplementar sua renda. Precisamente por esta razão, suas atividades pressupunham absoluta discrição.

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Poisson entendeu a mensagem imediatamente. Ele estava lidando com mais uma autoridade corrupta que estava atrás de um suborno! Em um segundo todas as suas dúvidas desapareceram; no passado ele havia feito muitos acordos com autoridades corruptas como aquela, e ele nunca tivera quaisquer problemas com essas pessoas.

Dentro de algumas horas, Lustig recebeu, em nome do Ministério, uma mala cheia de dinheiro de Poisson. A mala continha não apenas o pagamento pelo negócio da Torre Eiffel, devidamente certificado por um recibo oficial, datilografado no papel timbrado do Ministério, mas também um generoso suborno.

Carregando sua rendosa pilhagem na maleta, Lustig e Tourbillon em­barcaram no primeiro trem para Viena — em primeira classe, é claro. Como Lustig previra, não se ouviu nada de alarmante vindo de Paris, pois Poisson estava mais do que envergonhado para procurar a polícia.

Supostamente, Lustig voltou a Paris um pouco depois e tentou vender a Torre Eiffel mais uma vez, seguindo o mesmo cenário de antes. Desta vez a vítima escolhida foi à polícia antes que o acordo pudesse ser fechado, mas os dois golpistas, Lustig e Tourbillon, deram um jeito de não serem presos.

Até Al Capone foi passado para trásUm dos alvos mais surpreendentes de Lustig foi o notório gângster de

Chicago, Al Capone. Ao mesmo tempo, Lustig também queria conhecer o famoso criminoso, tendo em vista uma possível cooperação futura.

Lustig verificou o local da residência de Capone, que ficava em Chi­cago, no bairro de Hawthorne. Após encontrar o local certo, ele passou algum tempo vagando em frente da casa, que estava protegida por pesadas cortinas. De repente, os guarda-costas de Capone notaram o estranho, correram para fora, arrastaram-no para dentro de casa, revistaram-no e conduziram-no até o chefe.

Como era um cavalheiro de estilo, Lustig causou uma ótima im­pressão em Capone. Lustig lhe confidenciou que a razão de sua visita a Chicago era a elaboração de um plano para a realização de um golpe em Wall Street. Ele podia garantir que cada participante iria dobrar o seu dinheiro em 50 dias.

Tendo refletido sobre a sua proposta, Capone disse que apostaria US$50.000 (cerca de US$ 800.000 nos dias de hoje) no esquema que lhe parecia lucrativo. Ele contou as notas de dólar sobre a mesa. Mas, simultaneamente apertou um botão vermelho em cima da escrivaninha. O painel da parede

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deslizou abrindo-se e por detrás dele surgiu um dos guarda-costas de Capone, com aparência de assassino, segurando uma submetralhadora.

Lustig, na verdade, não tinha qualquer golpe pronto, embora ele tivesse se gabado a respeito diante de Capone. Quando voltava de Chicago para Nova Iorque de trem, Lustig estava deprimido porque sabia que seria desgraça certa se ele perdesse o dinheiro de Capone. Se isso acontecesse, ele poderia se considerar um homem morto.

Após o tempo combinado, Lustig informou Capone que ele voltaria a Chicago. Diante da mesa, fingiu estar extremamente envergonhado e disse a Capone com uma voz infeliz que o plano não havia funcionado em função de dificuldades imprevistas.

De acordo com o relato de Lustig, Capone teve um ataque de fúria, gritou que o seu dinheiro havia sido perdido e começou lentamente a pro­curar pelo botão vermelho sobre sua mesa. Lustig, entretanto, acalmou-o, contou todos os US$ 50.000 que ele havia recebido de Capone e colocou- os sobre a mesa, se desculpando mais uma vez. Ele disse que certamente gostaria de ter ganhado muito dinheiro para o grande Al Capone. Mas tudo havia dado errado e ele mesmo precisava de dinheiro urgentemente.

Capone acalmou-se e perguntou se Lustig estava realmente sem ne­nhum dinheiro. Quando ele disse que sim, Capone lhe deu um presente de US$ 5.000 e perguntou se aquilo lhe ajudaria.

Com lágrimas nos olhos, Lustig agradeceu teatralmente a Capone, chamando-o de verdadeiro cavalheiro, fez-lhe uma reverência, colocou o dinheiro em sua carteira e partiu. E, então, uma das muitas histórias que Lustig contou durante sua aposentadoria na prisão terminou bem para ele.

A arriscada falsificação de dinheiroA partir daí, as coisas foram de mal a pior para o mestre dos golpistas.

A cooperação de Lustig com a gangue de Capone continuou por vários anos, envolvendo-o em um tipo arriscado de crime que ele havia evitado no passado: a falsificação de dinheiro em larga escala.

Este campo criminoso era extremamente arriscado porque seus pra­ticantes estavam entre os principais alvos do Federal Bureau of Investi- gation (FBI). Naquela época, grande parte dos pagamentos era feita em espécie, e, portanto, a falsificação de papel-moeda minava a confiança do público no dólar como meio de pagamento - e, sobretudo, ela causava muita comoção política e rendia muitas manchetes, o que era um tanto constrangedor para a polícia.

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Por todas essas razões, a polícia de Chicago estabeleceu uma força tarefa especial em 1934, cuja missão específica consistia em levar Lustig e seu comparsa, William Watts, que pertencia à gangue de Capone, ao tribunal e à prisão. A polícia foi simplesmente forçada a interromper o fluxo de dólares falsos profissionalmente produzidos.

De acordo com as estimativas da polícia - que, como reveladas durante o julgamento, estavam muito aquém da realidade —, Lustig e Watts, com seus cúmplices, produziram ao menos US$ 100.000 em papel-moeda falso por mês, uma quantidade enorme de dinheiro para aquela época.

Após grampear os telefones dos dois criminosos por vários meses, a polícia finalmente obteve evidências o suficiente para uma grande bati­da e prendeu Lustig e Watts no final de 1934. Embora Lustig, com sua conhecida esperteza, tenha oferecido revelar o local de impressão para a polícia, em troca, é claro, de sua própria liberdade, ele foi encarcerado na Casa de Detenção Federal da Cidade de Nova Iorque. Entretanto, como um detento experiente, ele conseguiu escapar da maneira clássica no dia anterior ao de seu julgamento — usando uma corda feita de lençóis.

A aposentadoria em AlcatrazSua fuga o levou a Pittsburgh, onde a nova identidade de Victor Lustig

era Robert V. Miller, um aposentado pacato. Mas era o seu destino ser encontrado e, após apenas 27 dias de liberdade, ele se viu por detrás das grades novamente — na verdade, a sua 44a visita à prisão em sua longa carreira de golpes.

O resultado do dramático julgamento foi muito pior do que Lustig poderia ter imaginado. Em dezembro de 1935, o tribunal de Chicago o considerou culpado de imprimir e circular uma soma quase inacreditável de US$ 134 milhões (mais de US$ 2 bilhões nos dias de hoje) em notas falsificadas. A sentença foi de 20 anos de prisão.

Devido à sua considerável ficha criminal, Lustig foi conduzido para a prisão de alta segurança da ilha de Alcatraz, em São Francisco. Dali nem mesmo um vigarista ardiloso como Lustig conseguiria fugir.

Lustig expiou seus pecados em Alcatraz por mais de 11 anos. Tendo contraído pneumonia, ele foi levado para o Centro Médico para Prisionei­ros Federais, em Springfield, Missouri, onde morreu, em março de 1947.

O campeão dos golpistas tinha 57 anos.

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10. Carlo Ponzi — O pioneiro dos esquemas em pirâmide

O método de fraude em larga escala mais conhecido, o esquema em pirâmide ou Ponzi, deve seu nome ao imigrante ítalo-americano Carlo Ponzi. Sua inovadora técnica de fraude permitiu que o seu nome ficasse permanentemente gravado nos anais da história financeira.

Em seu livro - com toques de ficção - sobre Ponzi, Donald Dunn relembra que há nove décadas o nome de Ponzi já evocava memórias de um golpe faraônico: uma multidão sempre crescente de crédulos cidadãos derramando dinheiro de “investimento”, obtido com grande esforço, nas mãos de um indivíduo de fala mansa que fazia a promessa de enormes lucros — para depois verem seu dinheiro desaparecer.

Ponzi começou sua carreira de golpes, em 1920, em Boston, onde mi­lhares de pessoas perderam todas as suas economias ou parte delas devido ao espetacular golpe do grande vigarista. Vários fraudadores copiaram a ideia com grande sucesso.

Até o golpista recordista mundial Bernard Madoff confessou na época de sua prisão que seu fundo gigante de investimento “era apenas um Ponzi em grande escala”.

O aparente golpe da WinCapita parece ter sido parcialmente copiado do pioneiro Ponzi. No início, prometiam-se aos investidores lucros rápidos, com porcentagens que chegavam à casa das centenas. Alguns deles, na ver­dade, receberam esses régios resultados, que provinham dos investimentos dos investidores seguintes, e não de qualquer dos negócios superlucrativos que eram anunciados.

Novos investidores eram atraídos para o esquema através de contatos pessoais de numerosos agentes denominados “patrocinadores”, que, ins­pirados por altas comissões, vendiam o esquema entusiasticamente. Não

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estamos mais na época de Ponzi, quando não havia Internet, nem TV, nem celulares. Os tempos são outros: a Internet e todas as novas tecnologias criaram um enorme campo de ação para fraudes do tipo da cometida por Ponzi, abrangendo círculos muito maiores, inclusive de alcance global.

O italiano Carlo Ponzi nasceu em 1882 em Lugo, próximo a Ravena. Quando jovem, trabalhou como agente dos correios, mas logo se matriculou na Universidade Sapienza em Roma. Ponzi e seus amigos viam seu tempo de universidade como uma longa férias de quatro anos. O charmoso jovem levava uma vida sem preocupações, frequentando bares, cafés e casas de ópera com seus amigos.

Ponzi pode ter recebido seu primeiro estímulo para o seu esquema de fraude de matérias jornalísticas sobre William Miller. Miller era um contador de Brooklyn, em Nova Iorque. Em 1899, ele elaborou um esquema em pirâmide simples, conseguindo sur­rupiar mais de um milhão de dólares de suas crédulas vítimas. Ele foi apelidado de “William 520 por cento Miller”, por causa dos lucros exorbitantes que ele prometia a seus investidores.

A estreia criminal no CanadáCarlo Ponzi chegou a Boston a bordo do S.S.Vancouver, no dia 15 de

novembro de 1903, após perder suas economias no jogo, durante a travessia do Atlântico. Mais tarde, em uma entrevista, ele diria ao The NewYork Times: “Eu cheguei a este país com US$ 2,50 em dinheiro e US$ 1 milhão em esperanças, e essas esperanças nunca me abandonaram.”

O animado Ponzi aprendeu inglês rapidamente. No início, ele teve pe­quenos e ocasionais empregos na Costa Leste, como, por exemplo, lavador de pratos em um restaurante, onde ele dormia no chão no final do trabalho. Aos poucos, conseguiu ser promovido para garçom, mas foi despedido por pequenos roubos e por dar deliberadamente o troco errado aos clientes.

Em 1907, Ponzi mudou-se para Montreal, onde começou como assistente de caixa no Banco Zarossi, recém-aberto. Fundado por Luigi Zarossi, o banco estava voltado para as necessidades bancárias das ondas de imigrantes italianos.

Zarossi pagava seis por cento de juros para os seus depositantes — o dobro da taxa costumeira. Os negócios do banco iam extremamente bem, tendo como ponto forte essa generosidade financeira.

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Ponzi logo descobriu que o banco estava passando por sérias dificul­dades devido à inadimplência de empréstimos imobiliários. Zarossi não pagava as atraentes taxas oferecidas aos seus depositantes com o rendimento auferido com empréstimos empresariais, mas com o dinheiro dos depósitos de novos clientes. O banco faliu, e Zarossi fugiu para o México, levando grande parte do dinheiro do banco com ele.

Ponzi ficou em Montreal e morou na casa de Zarossi por algum tem­po, ajudando a família abandonada. Entretanto, ele passava todo o tempo pensando em voltar para a terra de seus sonhos, os Estados Unidos.

Um pouco antes de sua partida de Montreal, ele caiu em tentação e fez uma falsificação de cheque de pouca importância. Foi preso e recebeu uma sentença de três anos na prisão do Québec. Em uma carta à mãe, na Itália, ele escreveu que trabalhava como assistente especial do diretor da prisão.

Em direção a novas aventuras nos Estados UnidosApós sua libertação, em 1911, Ponzi retornou aos Estados Unidos.

Lá ele se deixou seduzir por um grandioso esquema de entrada ilegal de pessoas no país, ajudando imigrantes italianos a atravessarem a fronteira do Canadá. Ponzi foi preso mais uma vez e novamente condenado à prisão, desta vez por dois anos, na penitenciária de Atlanta.

Ali, ele foi promovido a tradutor do superintendente, que estava in­terceptando cartas de um temido mafioso, Ignazio, “o Lobo”, Lupo. Ali, Ponzi também conheceu aquele que lhe servia de verdadeiro modelo, o milionário Charles W. Morse, que tinha a reputação de realizar operações bem-sucedidas, mas às vezes também suspeitas.

Seu amigo Morse o aconselhou a comer uma grande quantidade de raspas de sabonete e convenceu o velho médico da prisão a acreditar que Ponzi estava seriamente doente, quase morrendo até. Ele foi libertado da prisão de Atlanta.

Ponzi retornou a Boston, onde se casou com uma estenógrafa nascida na Itália, de nome Rosa Maria Gnecco. Tal como evidenciado por registros judiciários posteriores, Ponzi não contou nada a Gnecco a respeito de seus anos na prisão, mas sua mãe revelou os delitos de seu simpático filho em uma carta — o que não impediu a jovem garota apaixonada de se casar com ele.

Contagem regressiva para as trapaças de PonziEm Boston, Ponzi fundou uma pequena firma, que tentou vender

espaço para propaganda para várias empresas em um folheto sintético, a

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ser distribuída para várias empresas. Ponzi não conseguiu vender sua ideia para muita gente, e a firma acabou falindo.

A grande ideia para um golpe começou a tomar forma na cabeça de Ponzi quando ele recebeu uma carta da Espanha solicitando que uma cópia de seu catálogo fosse enviada para lá. No envelope havia algo que Ponzi nunca havia visto antes: um cupom-resposta internacional. Ele coletou mais informações sobre esses cupons e notou um “furo” que, pelo menos em teoria, oferecia esplêndidas possibilidades de ganhos.

A ideia básica do cupom-resposta consistia em cobrir os custos postais envolvidos no envio de resposta a uma carta vinda do exterior. Ou seja, recebia-se uma carta que exigia resposta, mas o remetente já havia pagado antecipadamente, em seu próprio país, o custo do envio da resposta através de um cupom-resposta, que, enviado junto com a carta, podia ser trocado por selos do país do destinatário, que não tinha, assim, qualquer despesa no envio da resposta. O preço, é claro, era estabelecido de acordo com a tarifa postal do país do remetente.

Ponzi notou que se as tarifas postais de dois países diferissem uma da outra, havia uma possibilidade de extrair lucro disso. A galopante inflação na Itália após a Primeira Guerra Mundial havia enfraquecido a taxa de câmbio da lira em relação ao dólar americano - a lira tinha, em outras palavras, se desvalorizado em relação ao dólar as taxas postais italianas eram, assim, bastante baixas, se calculadas de acordo com uma moeda forte como o dólar.

Ponzi desenvolveu sua estratégia da venda em pirâmide com base nessa ideia. A rentabilidade era explicada aos futuros clientes da seguinte ma­neira: com a ajuda dos valiosos dólares transferidos à Itália, agentes locais comprariam, a baixo preço, milhões de cupons-resposta internacionais. Esses cupons seriam remetidos aos Estados Unidos e trocados por selos americanos de maior valor. Finalmente, esses selos seriam trocados por dinheiro, ou seja, dólares.

O esquema era na realidade uma espécie de “arbitragem”, em que o lucro se baseava, neste caso, na diferença entre dois mercados. Ativos seriam comprados por um valor baixo em outro lugar e vendidos no próprio mercado local por um valor mais alto. E o melhor de tudo: era completamente legal.

Nas palavras de Donald Dunn, o pequeno e elegante Ponzi tinha um vocabulário e um jeito que lhe permitiam cativar tanto o povo comum dos bairros de imigrantes de Boston quanto os socialites da bem-educada Back Bay. Seu esquema era simples o bastante, na aparência, para atrair

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os pouco sofisticados e, entretanto, complexo o bastante para interessar aqueles com experiência financeira.

Milhões entram nos cofresO plano parecia lógico e atraente. O popular Ponzi convidou amigos

e parceiros de negócios a investirem no esquema, prometendo-lhes um retorno de 50 por cento dentro de 45 dias. Isto equivalia a um lucro anual de 360 por cento!

Ele lhes explicava que os altos retornos gerados pela troca em cupons-resposta tornariam fácil alcançar esses exorbitantes lucros. Para gerenciar o negó­cio, ele fundou uma nova empresa com um nome bastante convincente, a Securities Exchange Company.

Em sua peça, A morte do caixeiro-viajante, o dramaturgo americano Arthur Miller conta a história do vendedor Willy Loman. Toda manhã Loman ia para o trabalho “com um sorriso no rosto e um sapato bri­lhando”. Charles Ponzi tinha o mesmo sorriso e brilho encantadores de Willy, mas ele oferecia algo mais: ele prometia enriquecimento rápido às pessoas.

Os rumores sobre o investimento excepcionalmente atraente espalha­ram-se como um rastilho, de boca em boca, pela Costa Leste. Ninguém se dava ao trabalho de investigar os detalhes do esquema, pois todos confiavam na palavra de Ponzi. No início, ele contratou dezenas, e mais tarde, centenas de agentes de venda e lhes pagava comissões pelos dólares trazidos para o pool de investimento.

Mais e mais investidores contavam aos seus amigos sobre a “grande barbada”: US$ 1.000 se transformariam rapidamente, em apenas um mês e meio, em US$ 1.500, US$ 10.000, em US$ 15.000, e assim por diante. Os primeiros investidores realmente receberam lucros incríveis, e, com base na força de sua recomendação, Ponzi ganhava mais e mais credibilidade a cada dia. Um frenesi estava se formando.

A companhia estava inundada de dinheiro. Alguns dos investidores eram abastados, mas a maioria era formada por pessoas que economizavam suas modestas aposentadorias ou até mesmo pessoas desafortunadas que viviam perto da linha da pobreza. Elas investiam seus últimos dólares na esperança de ficarem ricas.

Todos confiavam em Ponzi. Como o novo apóstolo da caridade, ele era popularmente chamado de “mago das finanças”. Em alguns meses ele passou do anonimato para o status de milionário famoso aclamado pelo

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público, em uma era em que não existiam TV nem Internet para espalhar a notícia.

O banco utilizado era o Hanover Trust Bank of Boston, um pequeno banco ítalo-americano localizado na Hanover Street, no norte de Boston, região habitada principalmente por imigrantes italianos.

Em apenas alguns meses, entre fevereiro e julho de 1920, o jovem e inexperiente Ponzi conseguiu atrair uma incrível soma, estimada em US$ 10 milhões, com sua novíssima empresa — nos dias de hoje, mais de US$ 100 milhões. Ele operava sua empresa às claras e de maneira eficiente.

Muitos dos moradores de Boston faziam seus investimentos tomando dinheiro emprestado do banco, tendo como garantia a hipoteca de suas casas. Ou as economias guardadas para a velhice. Além disso, a maior parte daqueles que tiveram grandes lucros no início reinvestiu os fundos no traiçoeiro esquema de Ponzi, esperando ganhar ainda mais.

Os primeiros revesesA bolha de Ponzi não durou muito tempo. Até a mais elementar aná­

lise financeira teria revelado que a companhia estava perdendo dinheiro. Desde que novos “investimentos” continuassem a entrar, o dinheiro ne­cessário para pagar os lucros para um investidor vinha dos próximos dois investidores, e o dinheiro para pagar esses dois vinha dos próximos quatro, e assim por diante.

Mas a entrada contínua de novos investimentos era a única fonte de fundos. A firma de Ponzi não gerava nenhuma renda. De fato, ele não se dava ao trabalho de comprar nenhum dos cupons-resposta cuja rentabi­lidade ele tanto alardeava.

Uma bomba-relógio de liquidez começava a contar o tempo da explosão.Por causa de seu estilo de vida extravagante, as finanças pessoais de

Ponzi também estavam à beira da ruína. Ele comprara uma grande mansão em Lexington, Massachussetts, que ostentava algumas características um tanto raras para aquela época: ar condicionado e uma piscina aquecida. Ele trouxera sua mãe da Itália para os Estados Unidos na cabine de primeira classe de um cruzeiro luxuoso. A lista era interminável.

Gradualmente, mais e mais investidores começaram a se perguntar como o playboy de 38 anos conseguira ascender como um cometa, de empresário quebrado sem um único tostão a multimilionário. Aqueles que temiam o pior se apressaram em retirar, em dinheiro vivo, o lucro até então obtido na Securities Exchange Company.

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A inversão do fluxo de dinheiro representou um revés terrível para Ponzi. Ele começou a negociar a venda da empresa, por US$ 10 milhões, para um gângster de Nova Iorque conhecido somente pelo nome de Her- man. O negócio quase foi fechado, mas acabou não ocorrendo quando o jornal de Boston, The Post, começou a publicar, em 20 de julho de 1920, uma série de espetaculares revelações sobre a vida e os negócios de Ponzi.

Para o analista financeiro Barron, algo cheirava malO escândalo chegou ao auge quando o The Post contratou um analista

financeiro experiente para investigar os negócios de Ponzi - Clarence Barron, do Barron’s Financial Paper.

Para seu espanto, ele descobriu que o próprio Ponzi não havia investido um único centavo em sua companhia, apesar de exaltar seus enormes lucros.

A segunda e mais devastadora constatação de Baron foi a de que, para cobrir os investimentos de milhões de dólares feitos na Securities Exchange Company, seriam necessários mais de 160 milhões cupons-resposta em circulação, embora, segundo o serviço postal americano, o número real fosse de apenas 27.000 cupons.

O serviço postal também confirmou que milhões de cupons-resposta não haviam sido comprados na Itália. Embora a porcentagem de margem de lucro bruto de cada cupom-resposta comprado e vendido pudesse ser de fato alta, os custos fixos envolvidos na venda e compra desses cupons baratos (todos eles tinham que ser comprados e vendidos individualmente) teriam consumido todo o lucro imaginado.

Os investidores acorrem em bandosAs revelações do The Post causaram uma corrida ao escritório da

Securities Exchange Company, pois os investidores tinham pressa em tirar seu dinheiro da empresa. Durante três dias, Ponzi negociou com a multidão exaltada do lado de fora de seu escritório e pagou pessoal­mente US$ 2 milhões.

Ele tentou acalmar os investidores, oferecendo-lhes café com rosquinhas e dizendo que não havia razão alguma para se preocuparem. Muitos dos presentes mudaram de ideia e deixaram o dinheiro em suas mãos.

Pouco a pouco, a situação foi piorando. Os investidores não recebiam absolutamente mais nada. Para coroar, o The Post publicou uma nova e espetacular história sobre a sentença de prisão de Ponzi por sua falsificação

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de cheque no Canadá, decorada com uma foto de quando fora fichado pela polícia canadense.

O jornal entrevistou vários investidores desesperados. Em uma história de partir o coração, um gráfico de North End chorava, dizendo que a casa de seus sonhos, a ser comprada com suas economias de US$ 4.600, havia agora “se transformado em uma casa de cachorro”, segundo Donald Dunn.

Um casal que sonhava em retornar à Itália penava por um título de US$2.000 nominais, agora sem nenhum valor. Uma mulher de Beachmont que havia hipotecado sua casa por US$ 8.000 e investido nos cofres sem fundo de Ponzi lamentava, com lágrimas nos olhos, que “não conseguiria pagar sua hipoteca nem até o fim de sua vida”.

Os sinos fúnebres da pirâmide de Ponzi começavam a soar. O novo diretor de informação da Securities Exchange Company, James McMasters, estava horrorizado com a interminável conversa fiada de Ponzi a respeito dos cupons-resposta internacionais e da investigação policial em curso. Ele afirmou ao The Post que Ponzi era um “idiota financeiro”.

Com base na informação de McMasters, o jornal revelou, em 2 de agosto de 1920, que Ponzi estava irreparavelmente falido. No dia 10 de agosto, policiais federais deram uma batida na empresa e fecharam o es­critório da Securities Exchange Company.

Durante a batida, não foi encontrado qualquer sinal dos tão falados cupons-resposta internacionais.

Os portões da prisão se abrem para PonziEm uma reunião com seu auditor, Edwin L. Pride, no início de agosto

de 1920, Ponzi continuava insistindo que tinha capacidade para pagar suas dívidas. Em sua opinião, havia uma conspiração organizada para arruiná-lo, uma conspiração formada pelos banqueiros invejosos de Boston e pelo governo.

De sua parte, o auditor e sua equipe concluíram que Ponzi devia quase US$ 6 milhões. Chmielinsk, o presidente do banco de Hannover, infor­mou que o interventor, Allen, havia decidido fechar o banco de Hannover porque a sua situação financeira não era nada sólida.

Finalmente, em uma reunião em 12 de agosto de 1920 com o auditor Pride, o interventor Allen, o procurador Gallagher e dois detetives, Ponzi confessou que tinha US$ 7 milhões em dívidas e somente US$ 3 milhões em ativos. Pride foi quem primeiro conseguiu abrir a boca, observando que faltavam a Ponzi, então, US$ 4 milhões.

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De acordo com Donald Dunn, Ponzi respondeu com um sorriso que ia de uma orelha à outra: “Poxa, então imagino que não esteja solvente.” Dito isso, ele voltou-se para o agente federal que havia se sentado ao seu lado e disse: “Está bem, sou seu prisioneiro.”

Ponzi havia apresentado à população de Boston uma espetacular peça de trapaça. Nada do tipo havia sido visto antes no mundo americano de investimentos. Cerca de 17.000 pessoas haviam investido alguns bons milhões de dólares com Ponzi.

Muitos dos infelizes investidores continuaram a colocar sua confiança no homem até o amargo fim. Ou se recusaram, inclusive, a admitir sua própria estupidez. Eles ainda consideravam Ponzi um herói.

Os investidores que entregaram seus títulos ao Estado - muitos não o fizeram, agarrando-se à esperança de que Ponzi de alguma forma ainda iria cumprir sua promessa de 50 por cento de lucro - receberam menos de 30 dólares por cada dólar investido.

No julgamento federal, em novembro de 1920, Ponzi confessou sua culpa e foi sentenciado a cinco anos na Prisão Federal de Plymouth por fraude postal. Ele foi libertado, após três anos e meio, para participar de um julgamento em nível estadual em Massachussetts. Neste segundo jul­gamento, ele foi sentenciado a um período adicional de sete a nove anos na Prisão Estadual de Massachussetts.

Libertado sob fiança, enquanto a defesa recorria do veredito, Ponzi viajou apressadamente até a Flórida, numa desesperada tentativa de levantar dinheiro para suas batalhas legais. Como um dos gerentes da Charpon Land Syndicate, ele se uniu a vários outros charlatões vendendo pântanos no condado de Columbia como “propriedades de primeira classe da Flórida” para compradores crédulos. Parte do terreno estava, na verdade, submerso. Logo, um tribunal de Jacksonville o condenou por mais uma fraude.

Ponzi recorreu da sentença da Flórida e, mais uma vez, foi libertado, pagando uma fiança de US$ 1.500. Em maio de 1926, ele ficou sabendo que a Corte Suprema Judicial de Massachussetts havia reafirmado sua condenação anterior. Ele então fugiu para o Texas, sendo procurado pela polícia de dois estados.

Em Houston, juntou-se a um cargueiro italiano como marinheiro. Infelizmente para ele, o navio parou em Nova Orleans a caminho de Gênova. Foi reconhecido apesar da cabeça raspada e de seu novíssimo bigode e retirado do navio.

Ponzi foi mandado de volta a Massachussetts, começando a cumprir sua pena na prisão estadual de Charleston. Várias vezes por mês ele era visitado

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por sua inabalável esposa, Rose, que havia assegurado um emprego como secretária e escriturária em uma boate famosa de Coconut Grove, em Boston.

Durante seus anos de prisão, auditores enviados pelo governo tentaram mergulhar nos complicados relatos de Ponzi. O principal objetivo era calcular quanto dinheiro ele havia acumulado e aonde esse dinheiro teria ido parar.

Um relatório final de falência foi arquivado 11 anos depois, em 1931, após funcionários exaustos terem tentado reconstruir os arquivos incom­pletos e confusos da Securities Exchange Company. A conclusão era que o próprio Ponzi havia ficado inteiramente sem dinheiro.

O retorno de Ponzi, em primeira classe, à ItáliaTendo expiado seus pecados por mais de 12 anos na prisão dos EUA,

durante o período de 1920 a 1934, Ponzi saiu como um homem livre dos portões da penitenciária, em fevereiro de 1934. Sua esposa, Rose, esperava-o do lado de fora.

Mas Ponzi também foi recebido com “boas-vindas”, segundo Donald Dunn, por uma multidão de investidores enfurecidos que haviam perdido muito dinheiro. E por alguns funcionários da imigração armados com um decreto de deportação que o enviava de volta à Itália como estrangeiro indesejável, uma vez que ele nunca tinha se dado ao trabalho de requerer a cidadania americana.

A partida de Ponzi para a Itália foi semelhante a uma festa de despedi­da para uma celebridade. No porto de Boston, ele foi acompanhado por sete inspetores da imigração uniformizados, muitos dos quais carregando sua bagagem. Ele foi levado para o cruzeiro S.S.Vulcania em uma lancha a motor do governo. Vestido elegantemente e abanando seu chapéu em sinal de despedida, ele entrou no navio enquanto câmeras pipocavam e flashes explodiam à sua volta.

Em uma entrevista coletiva dada em uma suíte luxuosa de primeira classe do navio, Ponzi revelou que seus amigos (provavelmente ganhadores felizes da pirâmide) haviam pagado mais US$ 95, além dos US$ 105 que o governo americano havia gasto em uma passagem de terceira classe, para que ele pudesse viajar de primeira classe — mas, é claro, só de ida. O governo também havia lhe dado US$ 500 para comprar liras italianas para ajudá-lo a começar uma nova vida em seu país de origem.

Após desejar ao Presidente Franklin D. Roosevelt sucesso com seu novo programa econômico do New Deal, as famosas últimas palavras de Ponzi para os jornalistas foram: “Eu saí em busca de encrenca e a encontrei.”

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Ao meio-dia, o navio partiu do porto de Boston em direção ao alto-mar. O extravagante deportado foi mantido na área de prisão do navio até o Vulcania ter avançado três milhas mar adentro.

Rose Ponzi ficou em Boston e pediu o divórcio em 1937, alegando que seu marido era um criminoso condenado. Estava evidente, desde o início, que Rose não havia se envolvido com suas atividades ilegais.

Em sua entrevista a Donald Dunn na Flórida, no início da década de 1970, revelou-se que Rose havia se casado novamente, e que morava com seu novo marido em um pequeno apartamento em cima de uma oficina. Ainda trabalhando, aos 70 anos, Rose ajudava o seu marido nas vendas de uma barraquinha localizada numa pista de corrida de cachorros.

Ao telefone, ela respondeu, com voz cansada: “Rica? Quando a polícia o levou embora e fechou todas as contas bancárias, fiquei com nada mais do que uma mãe de 68 anos para cuidar.”

Memórias não publicadasA chegada de Carlo Ponzi a Roma não foi tão espetacular quanto a

sua partida dos EUA. Ele voltou de seu lendário Eldorado com os bolsos quase vazios. Ele finalmente conseguiu encontrar um emprego como es­criturário de uma empresa cinematográfica e, mais tarde, outro, um pouco melhor, como vendedor de materiais de construção.

Seu baixo salário de cerca de US$ 100 por semana quase não era o suficiente para pagar o aluguel em um quarto mobiliado em uma área barata na periferia de Roma. Lá, ele começou a escrever sua autobiografia, A ascensão do Sr. Ponzi. Em uma carta a Rose, ele pedia que ela tomasse dinheiro emprestado de amigos para que ele publicasse o livro.

Para financiar a publicação de suas memórias, Ponzi oferecia cotas de participação — 1.000 cotas a US$ 20 cada uma. Com expressão séria, dizia às pessoas que ele podia prometer 100 por cento de juros porque não era nenhuma ilusão o fato de que 25.000 cópias poderiam ser vendidas só na região da Nova Inglaterra, nos Estados Unidos.

Quando seu plano falhou, ele instruiu um amigo nos Estados Unidos a pedir a uma gráfica do Brooklyn que fizesse 1.000 cópias do livro. Mas a gráfica recusou-se a entregá-las até que uma conta de US$ 235 pela impressão fosse paga.

Como ela não foi paga, toda a edição foi destruída. Apenas uma única có­pia datilografada da autobiografia foi encontrada na Biblioteca do Congresso. Segundo Dunn, o livro é incrivelmente bem-escrito para um imigrante auto­didata cujo nome, após 15 anos nos EUA, tornara-se um “palavrão nacional”.

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As memórias são ricas em nomes, lugares e números. A obra vibrante explode com histórias e comentários humorísticos sobre a credulidade dos seus semelhantes. Entretanto, como foi escrita em Roma em 1937, quase 20 anos após os acontecimentos, há disparidades supostamente grandes entre a versão dele e os relatos jornalísticos.

Destino: Rio de JaneiroUm dos mentores e amigos mais íntimos era seu primo de segundo

grau, Coronel Attilio Biseo da Força Aérea italiana, comandante do Esqua­drão SorciVerdi e piloto pessoal do Primeiro Ministro Benito Mussolini. Biseo dava ao golpista envelhecido dinheiro o bastante para embebedar-se ocasionalmente e apostar em jogos de pôquer no bar da vizinhança.

Após terminar o seu livro, Ponzi finalmente voltou a trabalhar como intérprete para hotéis em Veneza e Roma. Uma nova carreira se abriu para ele em 1939. Liderando seu esquadrão, o Coronel Biseo voou para o Rio de Janeiro para discutir a criação de uma linha aérea entre o Brasil e a Itália. Biseo ofereceu ao seu primo de segundo grau um emprego como gerente de negócios da nova linha aérea, a LATI. Ponzi aceitou prontamente a oferta e partiu para o Rio de Janeiro.

Ele se mudou para um agradável sobrado no centro do Rio e estava todo feliz, com dois serviçais e um motorista à sua disposição. Seus par­ceiros mais próximos eram o embaixador da Itália e o Coronel Vicenze Coppola, que dirigia a linha aérea. Os voos para Roma, realizados duas vezes ao mês, tornaram-se bastante populares entre os homens de negócio e também entre as autoridades do governo.

O início da Segunda Grande Guerra na Europa desencadeou uma investigação sobre as atividades da linha aérea. As autoridades no Rio concluíram que os aviões eram usados para contrabandear diamantes bra­sileiros e materiais estratégicos para as potências do Eixo, e que levavam um tráfico bilateral de espiões, microfilmes e figuras militares fugitivas. Em dezembro de 1941, quando os EUA entraram na guerra após o ataque japonês a Pearl Harbor, o governo brasileiro cortou o fornecimento de gasolina à LATI. Ponzi estava de novo sem emprego.

Toque noturno de recolherComo eterno otimista que era, Ponzi tentou vender sua história sobre

o caso da LATI para vários jornais, mas não encontrou muito interesse.

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Usando suas economias, ele comprou uma pequena pensão, mas foi for­çado a vendê-la, pois os vizinhos reclamaram que suas pensionistas eram principalmente prostitutas.

Depois disso, ele abriu uma barraca de cachorro quente, gabando-se de que abriria uma cadeia delas por todo o país. Mas após apenas alguns meses, Ponzi fechou a barraca e comprou um apartamento decaído na Praia de Copacabana, onde vivia precariamente como professor de inglês e francês.

Ele foi forçado a vender seu apartamento e mudar-se para um quarto alugado na periferia, distante do mar. Ainda assim, ele ganhava US$ 300 por mês como intérprete para uma firma italiana de importação.

Em 1984, Ponzi sofreu um derrame, que o paralisou parcialmente. Ele também ficou cego de um olho e foi transferido para um hospital de caridade no Rio de Janeiro.

No hospital, Ponzi ainda conseguiu dar uma entrevista de despedida a um jornalista americano. Ele forneceu um vívido relato do espetáculo que ele havia proporcionado aos cidadãos de Boston:

Embora eles nunca tivessem ganhado nada com aquilo, a coisa saiu barata para eles. Sem qualquer intenção de fazer mal, proporcionei a eles o melhor espetáculo já encenado no seu país desde a chegada dos primeiros colonos. Evidentemente valia a pena pagar 15 milhões de dólares para me ver pôr a coisa em cena.

O feiticeiro, aventureiro e golpista, que durante toda a vida sonhou com a doce vida de milionário, morreu, no Rio de Janeiro, em 18 de janeiro de 1949, aos 66 anos.

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11. A ascensão e queda do rei mundial dos fósforos, Ivar Kreuger

Eminente engenheiro civil, rei mundial dos fósforos, gênio financeiro, magnata europeu das aquisições, proprietário estratégico de algumas das maiores companhias suecas e, finalmente, após o colapso de seu império empresarial, um golpista cuja vida acabou pelas suas próprias mãos em Paris. Em suma, esta é a pitoresca história de vida do magnata empresarial mais celebrado e, ao final, mais desonrado da Suécia.

Ivar Kreuger nasceu na cidade de Kalmar, no sul da Suécia em 1880. A família havia originalmente emigrado da Alemanha para o norte da Suécia, no final da década de 1600. O pai de Ivar Kreuger, Ernst Kreuger, era um industrial e cônsul russo. Assim, levar uma vida de empresário, como um legado do pai e do avô, era algo natural para Ivar.

Kreuger passou no exame de admissão à universidade com a idade precoce de 16 anos, tendo pulado mais de dois anos letivos.No Instituto Real de Tecnologia de Estocolmo, ele continuou seu ritmo frenético: no período excepcionalmente curto de três anos, ele passou em dois exames de engenharia diferentes, o pri­meiro em engenharia mecânica, e o outro em engenharia civil e hidráulica. O feito do duplo engenheiro de 20 anos era um novo recorde na história do Instituto.

Em seu auge em 1930, a Swedish Match Corporation (STAB) liderada por Kreuger comandava não menos do que 75 por cento dos mercados de fósforos mundiais. Os fósforos eram muito impor­tantes naquela época. Fato menos conhecido no exterior era que

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Kreuger foi fundamental na criação de várias companhias suecas de renome mundial e cotadas na Bolsa de Valores de Estocolmo, das quais foi inclusive o proprietário principal.

Entre estas, havia duas grandes companhias industriais flores­tais, a Svenska Cellulosa Aktiebolaget SCA e a Stora Kopparbergs Ab, a companhia telefônica L. M. Ericsson, as duas empresas mineradoras, a Boliden e a LKAB, e a conhecida produtora de rolamentos de esfera, a SKF.

A sucessora da STAB, a Swedish Match, fundada em 1992, é ativa internacionalmente, sendo cotada na Bolsa de Valores de Estocolmo. A companhia tem 15.000 funcionários nos campos de produtos de tabaco e acendedores.

A exitosa decolagem do engenheiroComo jovem engenheiro e futuro conquistador do mundo, Ivar Kreu­

ger deixou a Suécia logo após a formatura para começar uma carreira no exterior. No início, ele ganhou a vida como corretor imobiliário nos EUA, com atuação nos círculos de imigrantes suecos, e depois disso como engenheiro civil.

Ele foi para o México em 1901, juntamente com nove outros jovens engenheiros, para começar a trabalhar em Vera Cruz, em uma empresa de construção de pontes. Infelizmente para eles, o grupo todo foi atingido pela febre amarela. Somente Kreuger e outro amigo sobreviveram. Após seu retorno para a Suécia para se recuperar, Kreuger alistou-se no serviço militar, mas foi rejeitado por motivos médicos.

As possibilidades de negócios quase ilimitadas nos EUA haviam causado um impacto indelével no jovem Kreuger. O modo de vida americano o fascinara e ele admirava o espírito dinâmico empreen­dedor nos EUA - que mais tarde seria refletido em toda a sua atitude em relação à vida.

Após recuperar-se totalmente da febre amarela, ele decidiu retornar aos EUA, onde trabalhou como engenheiro em alguns projetos de arranha-céus. Como um engenheiro curioso e ativo, Kreuger logo dominou os métodos de construção e trabalho americanos.

No verão de 1903, novos desafios abriram-se para ele. Kreuger conta­tou a firma de consultoria técnica, M. A. Porter, em Londres, que estava lidando com um grande complexo de hotéis em Joanesburgo, na África

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do Sul. Então Kreuger foi contratado para supervisionar a construção do Hotel Carlton.

Quando o projeto do Carlton terminou, o setor de construção ficou um tanto estagnado. Kreuger decidir abrir um restaurante com seu amigo norueguês de longa data, Anders Jordahl. A empreitada foi financiada por um empréstimo de seu pai. O restaurante teve sucesso e após algum tempo foi vendido com um bom lucro.

Kreuger então viajou para a África e a Índia e estudou francês em Paris. Em 1905, o incansável jovem retornou aos EUA, desta vez como engenheiro-chefe de uma companhia de construção, supervisionando grandes projetos de construção na Universidade de Syracuse, entre outras atividades.

No retorno à Suécia, a sorte estava do seu lado. Kreuger havia coope­rado intensamente com a Trussed Concrete Steel Company de Detroit, que havia feito uma invenção pioneira em concreto reforçado com aço, o chamado método Kahn. Antes de seu retorno à Suécia, Kreuger havia assegurado o direito de representar a nova técnica na Suécia e na Alemanha.

Ele escreveu um artigo detalhado sobre a técnica na prestigiosa revista técnica sueca, Teknisk Tidskrift. O concreto reforçado com aço era usado apenas raramente na Suécia, mas a partir de então sua popularidade cres­ceu rapidamente.

Para abastecer o mercado de construção sueco, Kreuger e seu novo amigo, Paul Toll, também engenheiro civil, fundaram uma companhia de construção chamada Kreuger & Toll, em 1908. A companhia teve uma ascensão meteórica, graças à nova técnica de construção.

Em sua lista de méritos, houve muitos grandes projetos, como o Estádio de Estocolmo, que serviu como a arena principal para os Jogos Olímpicos de 1912; a grande loja de departamentos Nordiska Kompaniet; a fábrica de papel Holmen e as fundações da Prefeitura de Estocolmo, tal como apontado no livro sobre a vida de Kreuger, de autoria do banqueiro Lars- Erik Thunholm.

A marcha em direção ao trono de rei mundial dos fósforosEmbora sua história de sucesso na construção continuasse, o hipe-

rativo Kreuger voltou os olhos para a indústria de fósforos em 1912, quando a fábrica pertencente à família foi atingida por algumas dificul­dades financeiras. Um amigo com experiência em finanças aconselhou Kreuger a convertê-la em uma companhia limitada, facilitando seu

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financiamento, uma vez que as ações poderiam assim ser usadas como garantia para empréstimos.

Imediatamente, o ativo Kreuger conseguiu fundir cerca de 20 peque­nas fábricas em uma grande empresa. E ele passou a ser o novo diretor- executivo da firma.

Sem perder tempo, Kreuger iniciou o diálogo com proprietários da maior fábrica de fósforos da Suécia. Após complicadas negociações, ele conseguiu criar uma nova companhia que assumiu a liderança da produção de fósforos, a Swedish Match Company (STAB).

No início da década de 1900, os fósforos eram necessários em todos os lugares e em grandes quantidades, para lareiras, fogões, lâmpadas a óleo e fumo, sem mencionar as velas. Logo, a nova empresa - tendo, é claro, Kreuger como seu diretor-executivo - tornou-se a produtora que liderava a produção mundial de fósforos. Em todo o mundo, fósforos suecos de alta qualidade tinham uma excelente reputação, e 90 por cento da produção era exportada.

Gradualmente, Kreuger conseguiu formar um monopólio, ou ao menos uma posição de comando, nos mercados da Suécia, Finlândia, Noruega e Dinamarca, assim como em outros países europeus e em países populosos de outros continentes.

Nos anos 1920, três quartos da produção de fósforos mundial estava nas mãos de Kreuger. Na Europa, a porcentagem de sua produção era maior do que 90 por cento, proporção que seria, hoje, totalmente inaceitável, sob as regras de competição da União Europeia.

Era o dinheiro que ditava as regras. Ivar Kreuger conquistava os mer­cados de fósforos estrangeiros com a ajuda do dinheiro. Sua estratégia bri­lhante era oferecer “empréstimos amigáveis” atraentes, de bom tamanho, a vários governos que precisavam de maior financiamento - ou seja, França, Alemanha, Itália, Polônia, Turquia, Grécia, Hungria, Iugoslávia, os países Bálticos e Romênia — sob a condição de que a STAB tivesse o monopólio de seus mercados de fósforos.

Como sempre ocorre no caso de monopólios, o fim da competição criou espaço para a alta dos preços, que, é claro, melhorou a taxa de lucro da STAB. Mas os governos e, consequentemente, os pagadores de impostos desses países também se beneficiavam da nova estratégia de Kreuger: por um lado, eles recebiam empréstimos extremamente necessários, sob condições favoráveis, e, por outro, cada governo ganhava sua parte nos lucros do monopólio.

A estratégia de Kreuger funcionava como mágica: não havia como per­der. Todas as partes ficavam felizes, talvez com a exceção dos consumidores,

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que provavelmente tinham que pagar um preço mais alto pelos seus fósforos.

A inovadora estratégia de financiamento de KreugerEsses empréstimos de amigo para amigo e o ritmo febril das aquisições

internacionais afetaram seriamente a situação financeira da STAB, já que a agressiva estratégia global exigia que ela tomasse grandes empréstimos dos bancos suecos. Gradualmente, o teto começou a ruir.

Mas o versátil Kreuger conseguiu abrir um novo e promissor canal de financiamento. Tal canal o ajudou a libertar-se dos entraves dos pequenos bancos de seu próprio país e de seus limitados potenciais de empréstimo. O nome da nova fonte de abundância era Estados Unidos.

Graças aos talentos extraordinários de negociação de Kreuger, o banco Lee Higginson & Co tornou-se o financiador principal da STAB. O banco Higginson estava no topo da lista dos bancos de investimento do quase ilimitado mercado de capital dos EUA.

Os bancos de investimento estavam voltados para transações finan­ceiras de grande porte. As maiores empresas americanas recebiam a maior parte de seus financiamentos através desses bancos, que também geriam a carteira de investimentos de milhares das pessoas mais ricas dos Estados Unidos.

O banco Lee Higginson & Co havia sido fundado em 1848 e tinha o respeito amplo dos círculos de investidores por causa de sua administração profissional e conservadora. Os cinco principais bancos de investimento americanos na época eram o J. P. Morgan, o Kuhn Loeb e o Speyer, em Nova Iorque, assim como o Kidder Peabody e o Lee Higginson, em Boston. Graças a uma rede de escritórios espalhada por todo o país, o Higginson era excepcionalmente forte tanto em valores mobiliários quanto em em­préstimos empresariais.

A personalidade de Kreuger causou uma forte impressão no alto escalão do banco Higginson. Durante os dez anos seguintes, o banco agiu como o principal fornecedor de financiamento internacional para Kreuger.

Milhares de investidores privados americanos ricos, bem como um grande número de firmas, logo compraram ações e outros títulos emitidos pela STAB. O canal de financiamento totalmente aberto reduziu con­sideravelmente a dependência de Kreuger dos bancos comerciais suecos menores, que já estavam sobrecarregados com as necessidades financeiras relacionadas com as contínuas aquisições corporativas de Kreuger.

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Para tornar sua companhia mais conhecida do outro lado do Atlântico, Kreuger decidiu fundar uma holding pura nos Estados Unidos, a Interna­tional Match Corporation (IMCO). Ela não estava envolvida em produção ou venda, mas Kreuger reconhecia que uma firma americana (embora fosse de propriedade da empresa maior) preparava o caminho para o capital americano irrigar o conglomerado mundial de fósforos.

Kreuger conseguiu atrair várias personalidades importantes das finan­ças e da indústria para o conselho do IMCO. Embora o conselho não tivesse poder de decisão, ele servia para aumentar a confiança na STAB. O próprio Kreuger, é claro, continuava a tomar todas as decisões financeiras importantes e também era o único responsável pelas estratégias gerais e pelas orientações táticas da empresa.

O auge da carreira de KreugerA carreira de Kreuger como industrial internacional e mágico das

finanças chegou ao auge na primavera de 1929. A história de sucesso de seu conglomerado havia sido impulsionada pelo boom econômico mundial e pelos enormes recursos financeiros que conseguira arregimentar.

As ações da STAB eram negociadas nas bolsas mundiais mais importan­tes como uma das poucas ações de natureza completamente internacional.

O boom econômico gradualmente transformou-se numa verdadeira euforia, numa crença em um processo permanente de enriquecimento. A situação era um pouco semelhante àquela das bolsas do mundo dos anos 1990 e do período 2000-2007.

Lars-Erik Thunholm, um dos historiadores da carreira de Kreuger, es­timou que uma quantia quase inacreditável de 1,4 bilhão de coroas suecas (perto de 40 bilhões de coroas ou € 4 bilhões nos dias de hoje) havia sido emitida em ações, títulos e debêntures em benefício da conta da STAB, IMCO e Kreuger & Toll.

A carga gigantesca que essa dívida representava é ilustrada pelo fato de que o empréstimo a ser saldado com os bancos suecos era de cerca de 4 bilhões de coroas naquela época. Assim, a dívida interna e externa do império dos fósforos de Kreuger era equivalente a um terço do total da dívida bancária sueca — uma imensa concentração de risco financeiro no interior desse sistema.

O conglomerado Kreuger tinha um papel estratégico incrivelmente importante na economia sueca. Sua participação no valor de mercado da Bolsa de Valores de Estocolmo era de quase 50 por cento. Em parte por isso,

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os mercados suecos estavam inundados pelos títulos de Kreuger. Mas nos EUA, a situação era confortável, com milhares de investidores continuando a comprar ações e debêntures de Kreuger, mesmo com os preços em alta.

Em suma, Kreuger havia conseguido algo monumental: seu conglome­rado possuía 250 companhias produtoras de fósforos em 43 países, ele tinha o monopólio em 25 países e produzia três quartos de todos os fósforos do mundo. Ele havia transferido 1,5 bilhão de coroas suecas em empréstimos para 15 países. Este era um feito único na história industrial da Suécia.

A reviravoltaNa primavera de 1929, já havia alguns sinais de que o boom especula­

tivo da bolsa de valores estava arrefecendo. Mas Kreuger não desacelerou, nem deu uma respirada. Apesar dos alertas de seu conselheiro e amigo, o banqueiro Oscar Rydbecjer, Kreuger continuou, no verão de 1929, a incubar mais planos agressivos de empréstimo para financiar novos e ousados negócios em vários países.

Subitamente, em 24 de outubro de 1929, a Quinta-Feira Negra da Bolsa de Valores de Nova Iorque interrompeu a maior bolha especulati­va de todos os tempos, minando completamente a audaciosa estratégia financeira de Kreuger.

As primeiras vítimas foram alguns empréstimos cuidadosamente pla­nejados e extremamente desejados que tinham sido feitos no mercado de capital americano e europeu, num total de 300 milhões de coroas suecas. Kreuger havia lançado os empréstimos no meio do furacão financeiro, e eles acabaram por ser um fracasso total. Apesar das ações de Kreuger com compras de apoio, os empréstimos, em sua maioria, simplesmente não se concretizaram.

Mesmo com a catastrófica situação, Kreuger manteve a calma. Durante o outono desastroso de 1929, ele não hesitou em conceder um enorme em­préstimo ao governo alemão para obter o monopólio de fósforos naquele importante país. As pressões financeiras da STAB foram exacerbadas por acordos anteriores de novos empréstimos, num total de US$ 60 milhões, para a Polônia, a Turquia, a Bolívia, a Guatemala, a Grécia e a Lituânia, países nos quais ele esperava obter o monopólio da produção de fósforos.

Quando o preço das ações da STAB começou a oscilar, Kreuger con­tinuou a sacrificar centenas de milhões de coroas suecas em compras adi­cionais de apoio. Seu efeito estabilizador no mercado provou ser mínimo, e as compras de apoio significaram uma perda total de dinheiro.

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Comemoração de aniversário sem o convidado de honraNo dia 2 de março de 1930, quase toda a Suécia comemorou o ani­

versário de 50 anos de Ivar Kreuger. Os jornais o elogiaram em artigos cerimoniosos, e sua casa em Villagatan, em Estocolmo, foi inundada por telegramas e outras manifestações de parabéns.

Mas o aniversariante fugiu dos festejos e viajou para um destino igno­rado no exterior. Teria ele tido, talvez, uma premonição de que logo não teria mais o que comemorar?

A natureza introvertida de Kreuger é ilustrada pelo seguinte fato: ao saber que seus amigos haviam escrito um livro com recordações de ani­versários em sua homenagem, Kreuger proibiu a distribuição do livro e providenciou para que toda a edição fosse destruída. Resta hoje apenas uma cópia, aparentemente aquela que, de acordo com o costume, fora en­viada diretamente à Kungliga Biblioteket, a Biblioteca Nacional da Suécia.

A corda apertaEm abril de 1931, os prognósticos financeiros do conglomerado tor­

naram-se absolutamente críticos. O Skandinaviska Banken, que Kreuger controlava, emprestou, muito relutantemente, mais 135 milhões de coroas.

O império Kreuger devia agora um valor recorde de 275 milhões de coroas ao Skandinaviska Banken. Isso representava a soma excepcional de um terço do estoque total de crédito do banco. Tal concentração im­prudente de risco em uma única companhia não estava de acordo com quaisquer práticas bancárias sólidas.

Além disso, o banco central da Suécia, o Riksbanken, concordou, após muita hesitação, em oferecer ajuda, dando um limite de redesconto de 20 milhões de coroas ao Skandinaviska Banken.

Em sua busca desesperada por mais financiamentos, Kreuger conti­nuou a viajar pelos EUA. O Presidente Herbert Hoover o recebeu na Casa Branca, uma vez que ele desejava ter o conselho desse globalmente respeitado homem de negócios sobre a melhor maneira de solucionar a assoladora crise econômica.

No outono de 1931, os jornais suíços, sempre alertas, fizeram soar o alarme. A publicação de negócios Schweitzerische Handelszeitung escreveu um artigo crítico sobre o dilema financeiro de Kreuger. Eles estavam obviamente preocupados com o colapso dos preços de suas ações e debêntures.

Em um comentário extraordinariamente direto, o poderoso banco Crédit Suisse chamou Kreuger de “um homem muito perigoso”.

Os suíços tinham, como sempre, uma visão fria e realista da situação.

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O colapso do preço das ações e o estreitamento da liquidezDe acordo com a lista de ações da revista Affàrsvàrlden, o preço das

ações de Kreuger caíra, até dezembro de 1931, incríveis 71 por cento em apenas 12 meses. Diante desse quadro, ele foi obrigado a pedir mais ajuda ao Riksbanken.

Seu indesejado pedido de empréstimo foi rejeitado duas vezes, mas quando o governo começou a exercer, solidariamente, pressão sobre o banco central, este cedeu e concedeu a Kreuger outro empréstimo de 40 milhões de coroas. Mas o Riksbanken concordou com o empréstimo só depois de ter recebido as ações de Kreuger na grande empresa de mine­ração de metal, a Boliden, como garantia.

Diante desse estreitamento de sua liquidez, Kreuger teve uma nova ideia: ele concordou em vender sua parte majoritária na firma telefônica, L. M. Ericsson, para a grande empresa americana ITT por US$ 11 milhões (mais de US$ 170 milhões nos dias de hoje). Porém, após o negócio, a compradora ficou chocada ao descobrir que parte das informações que Kreuger havia fornecido sobre a posição de caixa e as perspectivas de lucro sobre a L. M. Ericsson eram claramente incorretas.

Em particular, a ITT estava incomodada com o fato de que, na contabilidade, o valioso item “dinheiro em caixa e saldos bancários” representava, na realidade, apenas a cobrança de uma dívida da empresa Kreuger & Toll. Assim, a direção da ITT solicitou o cancelamento ime­diato do negócio.

Quando a crise da ITT chegou ao seu auge em fevereiro e março de 1932, o já estressado Kreuger teve uma crise de nervos em sua última via­gem aos EUA. O diagnóstico do médico foi de “exaustão mental”. Ele se recuperou rapidamente e voltou à sua frenética rotina de trabalho, pronto para partir para entrevistas de negócios em Paris. Depois de Paris, ele iria a Berlim discutir mais financiamentos vitais com o lendário presidente do banco central sueco, Ivar Rooth (que, a propósito, trabalhou como diretor-executivo da IMF de 1951 a 1956).

Durante a visita, Kreuger foi informado de que a ITT havia conse­guido das autoridades competentes uma proibição para que ele saísse dos EUA a não ser que ele concordasse em cancelar o acordo com a ITT e devolvesse todo o valor da compra, num total de US$ 11 milhões. Como alternativa, ele poderia apresentar um fiador aceitável para o pagamento.

Sem opções, Kreuger assinou o acordo de cancelamento, em 4 de março de 1932. À tarde, ele embarcou no Ile de France, rumo à Europa.

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As últimas mentiras vêm à tonaA bomba-relógio acelerava a contagem regressiva. Após a agradável

travessia de sete dias no oceano, Kreuger chegou em 11 de março ao seu confortável apartamento no centro de Paris, na avenida Victor Emmanuel III. Ele era esperado por alguns de seus tesoureiros, vindos de Estocolmo.

Seus subordinados fizeram algumas perguntas extremamente delicadas, que, sozinho, Kreuger não poderia responder. Elas referiam-se à contabili­dade empresarial relativa ao ano de 1931, que seriam publicadas em breve.

Os contadores estavam acima de tudo intrigados com o item “contas estatais do tesouro italiano”, no contravalor de £25 milhões (o extraor­dinário valor de £1,3 bilhão nos dias de hoje). Kreuger havia se referido a elas como ativos altamente valiosos. Eles agora queriam saber com que meios esses títulos haviam sido pagos, pois nenhum item de gasto corres­pondente havia sido encontrado.

Hesitantemente, Kreuger respondeu que juros haviam sido pagos sobre esses títulos e que eles eram genuínos.

Nessa altura, Kreuger foi para o Hotel Meurice para encontrar-se com seu amigo financeiro de confiança, Oscar Rydbeck. Mas até mesmo esse cavalheiro levantou a questão das contas do tesouro italiano e perguntou se elas não podiam ser vendidas para levantar fundos adicionais. Kreuger rebateu dizendo que ele havia concordado em não vendê-las nem dá-las como garantia.

Rydbeck propôs então uma solução alternativa: vendê-las para o go­verno italiano com desconto. Esta proposta também obteve uma resposta evasiva: Kreuger seria então forçado a viajar à Itália para negociar, e essas discussões exigiriam um tempo demasiado.

Rydbeck concluiu essa delicada discussão propondo que eles se encon­trassem novamente na manhã seguinte, às 11 horas, no Hotel du Rhin. Os diretores do banco Lee Higginson & Co também participariam da reunião.

Depois disso, Kreuger foi para o seu apartamento, onde, tanto quanto se sabe, passou a noite com uma amiga finlandesa.

Um tiro ecoa em ParisNa manhã seguinte, Kreuger recebeu seu colega de longa data, o vice-

diretor-executivo Krister Littorin, em seu apartamento. Littorin informou que na noite anterior os americanos haviam mostrado a ele uma previsão de caixa que o próprio Kreuger havia dado ao banco Lee Higginson. Ele

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havia solicitado que Littorin confirmasse a exatidão dos números, mas ele se recusara a fazê-lo, pois evidentemente eles estavam errados.

Quando Littorin pediu a opinião de Kreuger, ele deu de ombros e disse simplesmente que lhes entregar a previsão de caixa havia sido, desde o início, uma má ideia.

O preocupado Littorin concluiu que Kreuger havia passado, de propó­sito, uma previsão fictícia aos amigos banqueiros americanos. Ele tentou consolar seu querido chefe com as palavras:“Você pode ter feito o que quer que seja, dito o que quer que seja ou escrito o que quer que seja, lembre-se de que apenas os amigos estão do seu lado, e nós desejamos a você nada além do melhor e queremos ajudá-lo a endireitar tudo.” Finalmente, ele lembrou Kreuger da reunião às 11 horas e deixou o apartamento.

No Hotel du Rhin, os suecos e os americanos esperavam paciente­mente, mas o tempo passava e Kreuger não aparecia. Rydbeck tentou ligar para ele várias vezes, sem nenhum resultado, e finalmente sugeriu que alguém fosse verificar se Kreuger ainda estava em seu apartamento. Littorin partiu um pouco depois da uma hora, acompanhado da secre­tária, Karin Bõkman.

Quando a governanta, a Sra. Barrault, abriu a porta, eles foram avisados de que Kreuger estava em sono profundo — foi o que a Sra. Barrault viu quando deu uma olhada em seu quarto. Littorin bateu à porta, abriu-a e entrou. As ansiosas mulheres esperavam do lado de fora quando de repente ouviram a voz aterrorizada de Littorin:“Il ne dort pas, il est mort!” (Ele não está dormindo, ele está morto!).

Kreuger estava deitado em sua cama totalmente vestido, exceto pelo paletó e pelo colete desabotoado. O sangue havia passado pela camisa, na altura do coração. A pistola estava sobre a cama, do lado direito do corpo, aos seus pés. Sobre a escrivaninha havia algumas cartas. Um tanto surpre­endentemente, ele havia escrito a Littorin em inglês:

Fiz uma bagunça tal que acredito ser esta a melhor solução para todos os envolvidos - Agora adeus e obri­gado. I.K.

As armas não eram nenhuma novidade para Kreuger. Durante seus anos escolares, ele havia praticado tiro ao alvo e se tornado um bom atirador. Ele havia comprado uma pistola pesada de calibre 9 mm de um negociante de armas, perto de seu apartamento, na noite anterior ao suicídio.

Com base em seus motivos, na posição do corpo, nas cartas de despedi­da e na compra da pistola, as investigações da polícia francesa concluíram

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que fora um suicídio. Mas é interessante observar que algumas pessoas, incluindo o irmão de Kreuger, Torsten Kreuger, utilizando argumentos mais ou menos convincentes, concluíram que Kreuger havia sido assassi­nado pelos seus inimigos.

Seu corpo embalsamado foi enviado por trem, em um caixão lacrado, da estação Gare du Nord a Estocolmo, aonde chegou em 19 de março de 1932. O lacre francês foi aberto na presença de parentes, e o caixão foi levado à igreja GustafVasa para a preparação da cerimônia funerária, que seria realizada em 22 de março.

Após uma curta cerimônia, assistida apenas por familiares e por Littorin, o caixão foi levado ao crematório de Norra Kyrkogärden. Milhares de pessoas assistiram, em silêncio, ao cortejo fúnebre.

O suicídio foi manchete nos principais jornais do mundo ocidental. A conclusão geral era de que Kreuger havia entrado em colapso como resultado da crise de liquidez e do crash econômico mundial. O diário conservador Svenska Dagbladet concluiu: “A bala que extinguiu a vida de Ivar Kreuger não apagou suas grandes conquistas.”

A revista econômica Affärsvärlden enfatizou que “Kreuger era um es­peculador ousado, mas ele construiu sua obra sobre fundações que teriam sido seguras em circunstâncias menos excepcionais”.

O economista mais influente do século XX, John Maynard Keynes, concluiu em seu discurso comemorativo em difusão radiofônica da BBC: “Era um homem com, talvez, a maior das inteligências empresariais de sua época...”

As trabalhosas investigações e a falsificação fatalO inventário começou sem mais demoras. O relatório da firma de

contabilidade, Price Waterhouse, revelou muitos fatos chocantes. Ele mostrou que Ivar Kreuger havia manipulado e até mesmo falsificado as contas da STAB. As contas e as análises comparativas financeiras haviam sido significativamente “maquiadas”. Para ampliar os lucros de 1930, foram utilizados inclusive alguns itens fictícios.

O nome de Ivar Kreuger, entretanto, adquiriu uma perspectiva intei­ramente nova quando se verificou que as tão faladas contas do tesouro do governo italiano, que apareciam na contabilidade como importantes ativos da companhia, eram na realidade falsificadas.

A Price Waterhouse — e, antes dela, algumas outras firmas de auditoria — havia começado a suspeitar de falsificação, pois não havia sinal nos livros de

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contabilidade da empresa nem nas correspondências de Kreuger de que oenorme valor da compra de £ 25 milhões fora de fato pago ao governo italiano.

Na realidade, o próprio Kreuger havia pedido à gráfica Börtzell em Estocolmo que imprimisse esses títulos. Ele havia fornecido pessoalmente a cópia modelo para o gráfico-chefe. Após ter recebido os “títulos”, Kreu­ger havia falsificado, grosseiramente, a assinatura de Mosconi, o ministro italiano das finanças.

Para certificar-se da falsificação, um juiz da Suprema Corte Sueca, Johannes Hellner, foi enviado a Roma. O embaixador da Suécia organizou uma reunião com o primeiro-ministro Benito Mussolini. Hellner mostrou a Mussolini a conta do tesouro italiano encontrada nos documentos de Kreuger.

Quando Mussolini viu a assinatura de Mosconi, ele exclamou imedia­tamente que se tratava de uma falsificação. O primeiro-ministro chegou a mostrar uin documento com a verdadeira assinatura. Mussolini admitiu que seu governo havia discutido um acordo de monopólio com Kreuger, mas as negociações haviam terminado no outono de 1929.

A vergonhosa falsificação de títulos estrangeiros governamentais destruiu completamente, de uma só vez, a boa reputação do mais vene­rado industrial sueco de todos os tempos. A queda do grande Kreuger transformou-se subitamente no golpe do pérfido Kreuger!

A revelação levou a uma chocante caça às bruxas na Suécia. Entre abril e maio de 1932, a polícia sueca interrogou um grande número de pessoas e prendeu vários suspeitos. Ao final, penas pesadas foram aplicadas contra vários diretores e altos executivos do conglomerado.

Mais de meia dúzia de indivíduos, incluindo membros do conselho, re­ceberam sentenças de prisão e tiveram que enfrentar pedidos astronômicos de indenização pelos danos causados. Algumas das sentenças podiam ser certamente questionadas, pois era impossível provar que os condenados haviam de fato agido de má-fé ou até que houvessem tido qualquer razão para suspeitar que seu estimado Kreuger tinha qualquer ideia ilegal em mente.

A atitude dos juízes foi claramente influenciada pelo clamor público, que quase chegou ao ponto de uma psicose em massa. As pessoas exigiram a apresentação de bodes expiatórios e foram atendidas, embora várias fontes bem-informadas soubessem muito bem que Kreuger havia sido o único responsável por todas as decisões da empresa.

A falência da empresaA falência era inevitável. Os administradores estimavam que o déficit

de capital fosse de 271 milhões de coroas suecas, e uma vez que o próprio

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capital do conglomerado havia sido de 878 milhões de coroas, a perda de capital chegava a aproximadamente 1,15 bilhão de coroas (cerca de 31 bilhões de coroas, ou € 3,4 bilhões nos dias de hoje).

Grande parte das estimativas da perda de capital era, entretanto, resul­tante do fato de que os administradores haviam eliminado alguns itens fictícios ou de que alguns itens haviam sido registrados duplamente na folha de balanço de 1930. Nas contas manipuladas, alguns bens imóveis valiosos tinham, por exemplo, sido registrados como ativos do Banque de Suède et de Paris, mas, ao mesmo tempo, também como ativos da empresa- mãe, Kreuger & Toll. Parte do déficit de capital era também resultado do declínio nos preços das holdings de ações e títulos do conglomerado, na esteira da crise econômica global.

O patrimônio privado de Kreuger tinha uma enorme dívida, totali­zando 1,17 bilhão de coroas. Comparativamente, seus ativos eram bastante pequenos, apenas 98 milhões. O déficit excedia um bilhão de coroas.

Essas dívidas enormes resultavam principalmente de compras de apoio de última hora de ações da STAB, e, talvez, em menor grau, de propinas pagas a variados ministros e partidos políticos para acelerar as negociações de monopólio.

Os gestores da massa falida só conseguiram fechar os livros de contabi­lidade após nove anos de trabalho. Com base nos ativos restantes do patri­mônio falido, os credores não preferenciais receberam uma indenização de 42% da soma reivindicada. Os proprietários de debêntures de participação não receberam nenhuma indenização. O resultado final era, entretanto, bastante razoável e claramente ultrapassava as expectativas originais.

Embora o valor da carteira de investimentos de Kreuger em ações e títulos tivesse caído consideravelmente, ele teria acabado por se mostrar bastante alto em longo prazo, já que compreendia ações de empresas como, por exemplo, a STAB, a L. M. Ericsson, a Svenska Cellulosa Ab e a Böliden. Estimativas subsequentes sugerem que milhares de indivíduos enfrentaram a falência devido à venda feita às pressas, ou até mesmo em estado de pânico, das ações de Kreuger.

Na verdade, a STAB sobreviveu ao colapso, apesar de suas pesadas dí­vidas. Ela ainda era lucrativa. O império dos fósforos, que constituía, acima de tudo, a vida e o trabalho de Kreuger, continuava de pé.

O banco americano de investimento de Kreuger entra em falência

No setor financeiro americano, o fato de que um único banco de primeira linha, o Lee Higginson & Co, tivesse, inteiramente sozinho, se encarregado de

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prover as ilimitadas necessidades financeiras de Kreuger no exterior provou ser uma catástrofe. As próprias perdas do Higginson e de seus proprietários chegaram a US$ 8 milhões, mas, acima de tudo, a empresa se arrependeria amargamente por ter se deixado enganar por Kreuger.

Como o único emissor dos títulos de Kreuger, o Higginson foi ime­diatamente acusado de enganar seus clientes investidores de portfólio. As audiências no senado dos EUA concluíram que a firma não havia observado princípios normais de prudência ao recomendar a compra de tais títulos.

O Higginson foi acusado de causar grandes perdas a milhares de ame­ricanos ricos que haviam comprado os títulos de Kreuger em boa-fé. Seus investimentos totais chegavam à enorme soma de US$ 250 milhões (quase US$ 4 bilhões nos dias de hoje). O Higginson foi acusado, em particular, de nunca ter solicitado (ou realizado) uma auditoria independente sobre o conglomerado de Kreuger.

O colapso de Kreuger foi um golpe mortal para o Lee Higginson. Seu maior trunfo havia sido sua sólida reputação como uma empresa prudente, confiável e administrada profissionalmente. Essa boa reputação estava agora completamente destruída. A firma tinha que ser liquidada, pois ninguém iria mais confiar-lhe seu dinheiro. A ruína de Kreuger levou com ela também a holding americana, IMCO.

O primeiro-ministro da Suécia é demitidoA queda de Kreuger também selou o destino do primeiro-ministro

da Suécia, C. G. Ekamn. Após encontrar notas misteriosas nos diários de Kreuger, os gestores da massa falida começaram a suspeitar que uma grande soma de dinheiro havia sido paga ao primeiro-ministro, em duas ocasiões.

O dinheiro que fora pago a Ekman foi imediatamente ligado ao seu forte apoio ao financiamento buscado desesperadamente por Kreuger para conseguir administrar a crise, antes do crash. Além disso, a soma em questão era significativa: 100.000 coroas (cerca de 2,8 milhões de coroas ou € 300.000 nos dias de hoje).

Inicialmente, o primeiro-ministro negou tudo. Porém, após ser confron­tado com evidências escritas, ele recuperou sua memória e relutantemente admitiu que uma certa soma havia de fato sido paga ao seu Partido Liberal.

Como o partido não tinha nenhum arquivo detalhado relativo aos fun­dos e seus usos, concluiu-se que muito provavelmente parte do dinheiro havia ficado nos bolsos de Ekman.

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Ekman devolveu a soma total à massa falida de Kreuger, mas era tar­de demais. Ele foi forçado a renunciar ao cargo de primeiro-ministro, tornando-se um homem morto politicamente.

Os vencedores: a família WallenbergHouve também vencedores. O importante banco da família Wallen­

berg, o Enskilda Banken, foi então recompensado por sua atitude cau­telosa em relação a empréstimos de dinheiro ao conglomerado Kreuger. A forte posição de liquidez do banco devia-se, em parte, a isso, segundo Lars-Erik Thunholm.

Com base na força de seus amplos recursos financeiros, o grupo Wallenberg pôde, após os acontecimentos relatados, comprar uma grande quantidade de ações a baixo preço nas indústrias mais valiosas de Kreuger, como a L. M. Ericsson, a SKF e a Gränsgesberg.

O colapso de Ivar Kreuger fortaleceu a influência econômica dos Wallenberg também de outra maneira: uma vez que as ações no Skandi- naviska Banken haviam servido de garantia para alguns empréstimos que lhe tinham sido concedidos pelo Enskilda Banken, o banco Wallenberg tornou-se imediatamente o acionista mais importante de seu competidor, o Skandinaviska Banken.

O mistério de KreugerComo foi possível que um industrial inteligente, competente, sério,

respeitado no mundo inteiro e um expert em finanças como Kreuger pudesse ter se rebaixado a ponto de utilizar práticas desonestas desse tipo? Como pôde ele falsificar a contabilidade em tão alto grau e apelar até para a fraude? O que ele realmente pensava e como podia imaginar que iria se safar de tudo isso? Como ele conseguiu enganar não só seus colaboradores mais próximos, mas também toda a instituição financeira sueca e internacional, analistas financeiros, as bolsas de valores do mundo ocidental e muitos investidores ricos? Estas questões feitas por Thunholm são dignas de reflexão.

No início de sua carreira como líder dinâmico de uma emergente empresa de construção, nada suspeito foi registrado em relação às suas práticas de negócio e princípios de contabilidade. Foi apenas depois que as engrenagens do mundo econômico deixaram parcialmente de rodar, logo após a Depressão econômica de 1929, que ele caiu em tentação, maquiando as contas e até mesmo utilizando métodos fraudulentos.

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A maquiagem da contabilidade empresarial não era algo completamente isolado na época. Era uma prática ocasionalmente utilizada também em círculos empresariais de outros lugares.

Mesmo quando a crise financeira mundial se intensificou, entre 1929 e 1931, Kreuger conseguiu se virar com a ajuda de novos empréstimos um tanto imprudentes. Ele também tinha o generoso apoio do banco central sueco e do governo.

Mas depois que começou a falsificar títulos estatais italianos, ele se rebaixou ao nível da pura fraude. Kreuger pode ter imaginado que con­seguiria, mais uma vez, o monopólio da produção de fósforos na Itália, e que ele talvez pudesse tirar proveito das contas do tesouro falsificadas e contabilizadas como “ativos” da empresa. Em sua mente confusa, aquilo serviria para equilibrar a situação.

A habilidade de Kreuger em cobrir seus rastros era quase inacreditável. Isso se devia, em parte, à excepcional confiança que sua personalidade inspirava, o que explicava a fidelidade quase canina de seus colegas. Ele cativava a todos com o seu carisma.

Ao refletir sobre o mistério de Kreuger, deve-se ter em mente que o mundo já viu grandes golpistas tanto antes quanto depois dele, como se demonstra neste livro. Na Roma antiga, o filósofo Petrônio resumiu isto em uma frase: “Mundus vult decipi, ergo depiciatur” (O mundo quer ser enganado, então que seja enganado.) Até Martin Luther King costumava dizer “Mundus vult decipi”.

Como ele era o filho de um pequeno país que conseguira chegar ao palco da economia mundial, utilizando nada mais, praticamente, que suas mãos vazias, todas as suspeitas se desvaneciam, e todos competiam para receber seus favores.

Mesmo em dezembro de 1931, apenas três meses antes de seu suicídio em Paris, o Svenska Handelsbanken respondera à solicitação sobre a in­formação de crédito feita pela banco francês Paribas da seguinte maneira: “ Considere absolument bonne pour ses engagements” que se pode traduzir como “Avaliação de crédito perfeitamente boa.”

Kreuger também possuía outras qualidades pessoais extraordinárias: era jeitoso, confiável e discreto. Ele também esperava o mesmo de seus subordinados. Quando o jornalista Isaac Marcosson, do Saturday Evening Post, quis saber qual o segredo de seu sucesso, Kreuger respondeu: “Dis­crição, mais discrição e ainda mais discrição.”

Ele, evidentemente, pensou que era necessária uma discrição extrema nas delicadas negociações em torno da obtenção de monopólio, nas quais políticos importantes de muitos países estavam envolvidos.

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A personalidade fria e os motivos de carreiraExcepcionalmente reservado, Ivar Kreuger é ainda um enigma, um

mistério, embora cerca de 70 livros tenham sido escritos sobre sua vida, incluindo a abrangente obra de Thunholm.

Kreuger se absorvia totalmente em seu trabalho. Não tinha vida pes­soal normal nem confidentes. Não mantinha nenhum diário regular nem escrevia notas, e não se envolvia em nenhuma correspondência pessoal que expusesse seus pensamentos íntimos. Mas absolutamente todos que o encontravam admiravam sua excelente memória.

Não era amante dos prazeres da mesa e só usava o álcool moderada­mente. Não tinha gosto por vinhos, talvez com a exceção de um bom champanhe.

Após uma boa refeição, ele podia apreciar um copo de um bom co­nhaque, mas durante a semana normalmente não bebia nada além de água mineral. Fumava cigarros, mas com moderação. Nunca fumou charutos.

O líder do conglomerado mundial tinha um roteiro de viagens bastante carregado. Kreuger foi um dos primeiros magnatas empresariais da Suécia a usar aviões particulares em viagens a negócios dentro da Europa. Ele normalmente carregava sua própria mala.

Por detestar ficar em hotéis, Kreuger tinha seus próprios apartamentos em Paris, Berlim, Nova Iorque e Varsóvia. Suas decorações não refletiam nenhum gosto pessoal. Em todos os lugares, ele contratava uma governanta, mas nenhum outro serviçal.

Passatempos, esportes e outras formas de diversão não tinham lugar na vida agitada de Kreuger. Ele possuía mansões de férias no arquipélago sueco, mas raramente as visitava. Tinha uma saúde excelente, apesar da pressão da carga de trabalho e da falta de lazer.

Ivar Kreuger sempre mantinha o controle e obviamente tinha nervos de aço - com a exceção da crise de nervos de um dia durante sua última viagem a Nova Iorque, em 1932. Ele nunca mostrou sinais de agitação em situações de negócio, nem mesmo na hora que antecedeu seu suicí­dio. Muitas pessoas o consideravam insensível: sem amigos íntimos, sem hobbies, sem confissões.

A mesma frigidez emocional era sentida em suas relações com as mulheres. Ele nunca se casou nem formou uma família. Por outro lado, havia rumores de que era um verdadeiro mulherengo, “com uma mulher em cada porto”.

Isso provava que ele gostava da companhia relaxante das mulheres - nada mais. Até mesmo sua última noite foi passada na companhia de uma mulher.

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Quais eram os motivos de Kreuger? Não se tratava de dinheiro, para dizer o mínimo, pois nem parecia se interessar por riqueza pessoal. Fama? Tampouco, uma vez que detestava publicidade e se sentia pouco à von­tade diante de expressões públicas de apreciação. Ele nunca as buscava, diz Thunholm.

Mas o poder como um instrumento certamente o atraía. Ele o ajudava a atingir muitos dos ambiciosos objetivos que buscava na vida. Portanto, seu modo de atuação era certamente autocrático, embora ele nunca tenha agido despótica ou cruelmente em relação aos seus colegas.

Ivar Kreuger tinha apenas uma única e grande visão: estabelecer um império industrial de alcance global. Ele buscou atingir esse objetivo através de uma vida de trabalho implacavelmente dura. Este objetivo abrangente ocupava todo o seu coração, suprimindo qualquer outra coisa — e isso, ao final, o levou à ruína, à morte e à desonra.

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12. A trapaça de um bilhão de dólares do playboy Cornfeld

Em 1995, o obituário do NewYork Times descreveu Bernard Cornfeld como “uma das figuras mais extravagantes e controversas que já passaram pela indústria americana de fundos mútuos”. Ele era um verdadeiro enfant terrible do mundo das finanças.

O pai de Bernard Cornfeld era um ator romeno-judeu, e sua mãe viera de uma família russo-judia. Bernard nasceu em 1927 na Turquia mas a família imigrou para os Estados Unidos e se estabe­leceu no Brooklyn, em Nova Iorque, quando ele tinha quatro anos.

O pai morreu dois anos mais tarde e, após a escola, o jovem Bernard tinha que trabalhar em uma venda de frutas e como garoto de recados. Ele mostrou-se um talento natural como vendedor, apesar de sua gagueira.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Cornfeld serviu na ma­rinha dos EUA, a qual treinava a tripulação e oficiais navais para a marinha mercante. Após a guerra, ele estudou no Brooklyn College, em Nova Iorque, e formou-se em psicologia. Além disso, tinha um mestrado da prestigiosa Columbia University.

Surpreendentemente, Cornfeld iniciou sua vida profissional como assistente social, trabalhando em bairros pobres, em conso­nância com seu aprendizado socialista inicial. Mas logo ele iniciou uma nova carreira, numa firma, vendendo ações de fundos de investimento para investidores selecionados.

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Nesse novo emprego, Cornfeld percebeu que o espectro de serviços prestados pelas firmas de investimentos podia ser expan­dido e oferecido para um público maior e, assim, então imaginou, o homem comum também poderia ficar rico. Ele chamou isso de “capitalismo do povo”.

Alguns leitores devem ainda se lembrar do famoso fundo de inves­timento International Overseas Services (IOS), nos anos 1960, e de seu triste destino. Foi um dos primeiros grandes escândalos de investimento do pós-guerra, relatado em detalhes no livro Do You Sincerely Want to Be Rich? (Você quer sinceramente ficar rico?).

O International Overseas Services de Bernard Cornfeld era um enorme fundo especializado em investimentos e gerenciamento de portfólio. Seus serviços eram também atrativos porque ofereciam a possibilidade, para seus clientes internacionais, de investimentos em paraísos fiscais.

O campo de jogo de Cornfeld eram seus numerosos fundos de inves­timentos. Os jogadores constituíam uma organização imensa que incluía uma força de vendas vasta e extremamente leal, movida por generosas comissões. Os alvos eram as economias feitas por pessoas de qualquer parte do mundo.

Milhares de investidores que confiaram seu dinheiro ao império de Cornfeld perderam no total o que equivaleria a bilhões de dólares nos dias de hoje, enquanto ele próprio conseguiu se safar de seu esquema sem qualquer pena de prisão prolongada.

Um fundo de investimento florescenteEm 1955, Cornfeld mudou-se de Nova Iorque para Paris. Ele co­

meçou a vender investimentos principalmente no Dreyfus Fund, que naquela época era pequeno, um fundo de menos de US$ 2 milhões. Bernard Cornfeld e Jack Dreyfus, além de sócios, eram amigos muito próximos, e Cornfeld comprou uma participação acionária de dez por cento no fundo.

Depois que a máquina de venda de Cornfeld começou a funcionar a todo vapor, ele ajudou a expandir o Dreyfus Fund, canalizando várias centenas de milhões de dólares de investimentos para suas mãos. O suces­so estava garantido, graças aos instintos superiores de investidor de Jack Dreyfus, às brilhantes habilidades de venda de Cornfeld e a campanhas

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publicitárias eficientes. Os retornos do investimento do Dreyfus Fund frequentemente ultrapassavam os lucros de outros fundos similares.

Perto do fim dos anos 1950, Cornfeld havia acumulado dinheiro su­ficiente para estabelecer seu próprio fundo. O objetivo de seu Overseas Investors Services era, para dizê-lo um tanto ingenuamente, se tornar a “mais importante força econômica do mundo livre”.

A passagem de Cornfeld pelo Serviço Marítimo dos EUA mostrou-se útil, na medida em que podia concentrar naturalmente sua energia em alvos fáceis: no início sua firma trabalhou com fundos de investimentos para centenas de milhares de pessoas das forças armadas americanas esta­belecidas na Europa e em outros lugares, e para outros expatriados. Graças a suas firmas de investimento offshore localizadas em vários paraísos fiscais, esses clientes podiam normalmente evitar impostos americanos, europeus e outros. O incentivo fiscal tornou esses investimentos muito populares.

Cornfeld acabou por contratar cerca de 25.000 vendedores altamente motivados. A tarefa desses assim chamados “conselheiros econômicos” era tomar as economias do maior número possível de pessoas localizadas em qualquer lugar do mundo. O dinheiro que entrava era, então, colocado em empresas e fundos de propriedade da IOS.

Os melhores vendedores tornaram-se milionários, uma vez que ob­tinham altos rendimentos com as comissões das vendas aos seus clientes. Eles formavam a nata do grupo.

O plano de ação de Cornfeld consistia em estabelecer vários tipos dife­rentes de fundos em paraísos fiscais. Além de minimizarem seus impostos, os investidores podiam evitar outras limitações legais estabelecidas pelos seus países de origem. Além de numerosos fundos, suas firmas offshore também incluíam bancos, empresas de seguros, firmas imobiliárias, etc. Cornfeld possuía inclusive um banco suíço secreto. O slogan era: “O serviço financeiro completo da IOS”.

No total, Cornfeld estabeleceu 18 fundos de investimentos, cujos produtos e serviços eram vendidos com grande sucesso para centenas de milhares de clientes. Eles investiam principalmente somas pequenas e mé­dias, especialmente na Europa e, o que era mais importante, na Alemanha. Cornfeld e seus vendedores martelavam continuamente a frase “Você quer ficar rico?”, com um encantador sorriso em seus rostos.

O achado de Cornfeld O maior achado de Cornfeld foi o seu próprio “fundo dos fundos”,

estabelecido em 1962. A ideia do fundo dos fundos deslanchou como um

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foguete. Não é de se estranhar tenha sido (e ainda é) amplamente copiada no mundo do investimento.

A ideia básica consistia no seguinte: no passado, os investimentos eram vendidos de forma racional, com o argumento de que na complicada bolsa de valores, tal como em outros mercados, um investidor comum precisava do conselho de um expert para investir seu dinheiro com rentabilidade.

Sua ideia pioneira ia mais longe: um investidor comum precisava de profissionais para escolher os profissionais que alocariam seus investimentos naqueles fundos cujos valores subiriam mais rápido.

Os clientes de Cornfeld ficaram excitados com a ideia de que, nos mercados globais de investimentos voláteis, o fundo dos fundos colocaria em equilíbrio seus riscos graças à ajuda de numerosos profissionais, espe­cialmente nos mercados instáveis dos anos 1960.

Havia também um motivo inconfessado e egoísta por trás do fundo dos fundos. Cornfeld inverteu a estratégia de investimentos de sua firma. O novo fundo dos fundos evitava investir dinheiro, como antes, em vários fundos de investimentos externos, direcionando os investimentos principal­mente para os seus próprios fundos individuais, que eram completamente gerenciados pela IOS.

Consequentemente, o capital, os lucros e as taxas pagas pelos investi­dores não iam para fundos externos, de propriedades de outras empresas. Tudo era canalizado para os cofres da própria IOS. Na prática, esta agia como um fundo centralizado de captação de dinheiro, no qual os milhões e, mais tarde, bilhões de dólares entravam e eram colocados em seus pró­prios subfundos ou eram destinados a outros propósitos de seu interesse.

Investidores esfoladosCornfeld esfolava seus clientes através de múltiplas comissões e taxas.

Em primeiro lugar, comissões sobre o investimento capital inicial na IOS; em segundo, comissões para a colocação de dinheiro em seus fundos sub­sidiários; e, finalmente, taxas de administração de portfólio.

As taxas eram absurdas. Estima-se que pelo menos para os menores investimentos de US$ 3.000, as taxas iniciais para abertura da conta e depósito poderiam consumir até 18 por cento do valor inicial do inves­timento. Como se isso não fosse o bastante, havia ainda taxas anuais de assessoramento, comissões e taxas de administração de portfólio.

Os preços das ações tinham que realmente subir acintosamente para que esses pequenos investimentos pudessem começar a se tornar mais

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lucrativos do que um depósito em um banco comum em qualquer lugar, pois, após a dedução das comissões e taxas, os US$ 3.000 iniciais do pequeno investidor diminuíam para minguados US$ 2.460 a serem investidos nas bolsas.

Para completar, os clientes eram esfolados através da recomendação para fazerem apólices de seguros de vida na companhia offshore de seguros de vida da IOS. Ganhos adicionais eram gerados a partir do uso de bancos da própria IOS.

Durante os anos 1960, a IOS conseguiu acumular uma soma quase inacreditável de US$ 2,5 bilhões em investimentos, que nos dias de hoje equivaleria a quase US$ 15 bilhões. Em seu auge, a IOS tinha 750 mil clientes em 110 países. A riqueza pessoal de Cornfeld chegou a mais de US$ 100 milhões (mais de US$ 600 milhões nos dias de hoje).

Muitas das práticas comerciais de Cornfeld chegavam suficientemente perto dos limites estabelecidos pelas leis federais de regulamentação para chamar a atenção da Securities and Exchange Commission. Iniciou-se uma investigação sobre a legalidade das operações de Cornfeld, e, em 1965, Cornfeld e sua companhia foram acusados de infringir as leis americanas de valores mobiliários.

Depois de dois anos de deliberações, a IOS chegou a um acordo com a SEC; suas operações americanas teriam de ser finalizadas ou vendidas. Com relação ao fundos dos fundo de Cornfeld, foi acordado que podia comprar não mais que três por cento de qualquer fundo mútuo americano. Este era um limite máximo, imposto federalmente.

A IOS também tinha outras práticas duvidosas. O capital dos inves­tidores, que deveria ficar com a IOS para as contas dos clientes, era na realidade “emprestado” para financiar as operações de negócio da própria IOS ou de seus diretores e agentes de venda. Ela também exagerava a performance de seu maior fundo de investimento e acrescia centenas de milhões de dólares em investimentos para reforçar sua imagem, superes­timando os lucros de 1969.

Os diretores e certos funcionários de alto escalão emprestaram tanto dinheiro da empresa que eles quase a levaram à falência, prejudicando, assim, os interesses de milhares de clientes.

O império da IOS entra em colapsoNenhuma felicidade dura para sempre. Quando o Dow Jones e muitos

dos outros índices das bolsas de valores do mundo caíram, em duas ondas

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especulativas, no fim dos anos 1960, tornou-se impossível para a IOS pagar os dividendos prometidos.

No início, a direção começou a sacar o capital - em outras palavras, o fundo de Cornfeld se transformou em uma espécie de esquema em pirâmide, em que os lucros dos investidores existentes eram pagos usando o capital dos novos investidores. A IOS estava consumindo o seu capital.

Na segunda queda abrupta no final dos anos 1960, muitos investidores entraram em pânico e venderam suas ações. Como resultado, o preço das ações da IOS caiu ainda mais, de US$ 18 para US$ 12 por ação, na primavera de 1970.

O império da IOS, sediado em Genebra, na realidade, estava com problemas já há algum tempo. Enquanto Cornfeld cuidava de seus inte­resses pessoais - especialmente vinhos, mulheres e a cobertura da coluna de fofocas, segundo Arthur Herzog -, a IOS havia se desmantelado. A empresa-mãe estava perdendo dinheiro, e muitos dos seus fundos mútuos haviam sofrido com o acentuado declínio da bolsa de valores.

Em uma tentativa para remediar a situação, Cornfeld formou um pool de investimento com alguns investidores. Porém, eles perderam muito dinheiro, pois a ação despencou para apenas US$ 2. Até mesmo os funcio­nários da IOS e os administradores de portfólio acabaram por vender tudo.

Mais tarde, Cornfeld culpou alguns bancos alemães pela queda, alegando que eles teriam acelerado a situação, com vendas a descoberto e venda de futuros, na crença de que as ações seriam compradas novamente mais tarde por um preço menor (o que, é claro, acabou acontecendo).

Antes do último suspiro da IOS, o notório demolidor de empresas, RobertVesco (veja o próximo capítulo), também em dificuldades finan­ceiras, ofereceu sua “ajuda” a Cornfeld. Vesco conseguiria sair com mais de US$ 200 milhões do dinheiro da IOS quando tentava salvar sua própria International Controls Corporation. Quando foi descoberto pela Securities and Exchange Commission, Vesco fugiu para as Bahamas.

Bernard Cornfeld fez tudo o que pôde para salvar seu desmantelado império. Mas ele foi expulso do conselho da IOS em maio de 1970. Todo o grupo IOS desmantelou-se no ano seguinte, levando consigo alguns pequenos bancos americanos e europeus. Até o fim de sua vida, Cornfeld culpou Vesco, o falsário exilado, pelo colapso.

Em 1973, 300 empregados da IOS acusaram Cornfeld de fraude por vendei-lhes ações de uma empresa em estado precário. O processo resul­tou em uma sentença de prisão de 11 meses para Cornfeld, na Suíça. O julgamento final ocorreu somente em 1979. Ele durou três semanas, após

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as quais Cornfeld foi absolvido. Processos civis conseguiram recuperar algum dinheiro para os investidores de fundos.

O doce estilo de vida de Cornfeld continua em Hollywood

Bernard Cornfeld desfrutou da boa vida. Em seus dias de glória, ele tinha uma mansão em Genebra, um castelo do século XIII na França, uma casa no chique bairro de Belgravia, em Londres, uma mansão que mais parecia um palácio em Hollywood e uma suíte permanente em um hotel de Nova Iorque. Em seu auge, ele também possuía vários aviões.

Em uma entrevista a um jornal, Cornfeld se gabava de sua vida luxu­osa: “Eu tinha mansões por todo o mundo. Eu dava festas extravagantes. E morava com 10 ou 12 garotas ao mesmo tempo.”

No outono de sua vida, Cornfeld mudou-se para Los Angeles e com­prou a imponente Greyhall Mansion em Berveley Hills. Ela havia sido construída em 1909 e fora por algum tempo o lar do lendário herói do cinema mudo, Douglas Fairbanks.

Em Los Angeles, Cornfeld misturava-se à nata das personalidades de Hollywood. Numa tentativa de desacelerar sua vida agitada, ele se casou com uma modelo, Loraine, ainda que, de quando em quando, filosofasse que “a poligamia é consideravelmente mais simples que a monogamia e muito mais divertida”.

O milionário, que durante a maior parte da vida viveu extravagan­temente, era, ocasionalmente, avarento na vida privada. Em 1976, um tribunal da Califórnia considerou Cornfeld culpado de fraude por usar um aparelho eletrônico para interferir no processo de tarifação de ligações internacionais. Ele foi sentenciado a três meses na prisão.

Durante seus últimos anos, Bernard Cornfeld transformou-se em ma­níaco por comidas saudáveis, abandonou a carne vermelha e dificilmente bebia álcool.

O enfant terrible sofreu um derrame e morreu de aneurisma cerebral, em Londres, em fevereiro de 1995. Ele tinha 67 anos. Uma vez que seu casamento com Loraine terminara em divórcio, sua filha Jessica Cornfeld herdou o que restara do império destruído. Ela publicou um artigo no jornal conservador britânico The Mail on Sunday, em junho de 2003, inti­tulado “Meu pai, o playboy que nunca conseguia ter amantes o suficiente”).

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13. Robert Vesco, o trapaceiro mais famoso da América

Milionário aos 30 anos graças a aquisições agressivas

Robert Vesco foi um financista americano de má fama que se envolveu em muitos investimentos de alto risco e em transações creditícias suspeitas até fugir do país ao ser acusado pela Securities and Exchange Commission de fraude de valores mobiliários. Em 1986, a revista Fortune o apelidou de “o trapaceiro mais famoso da América”.

Vesco nasceu em Detroit, Michigan, em 1935. Seu pai era ítalo-americano, funcionário da empresa automobilística Crysler. Vesco abandonou a Cass Technical High School quando tinha pouco mais de 20 anos. Depois disso, foi trabalhar em uma firma de investimentos.

Na fase seguinte, ele passou a trabalhar por conta própria, começando por um negócio em que fazia a intermediação entre compradores e vendedores no mercado de alumínio. Mais tarde, lembraria ter tido três objetivos na vida: “Sair o mais rápido possível de Detroit, ser presidente de uma empresa e tornar-me milioná­rio.” Ele conseguiu comprar a International Controls Corporation (ICC) com apenas 30 anos e logo se tornou o milionário que sonhava ser.

Participou do boom de Wall Street nos anos 1960, fazendo pesados empréstimos e maquiando a contabilidade. Graças a expansões agressivas e a aquisições pouco amistosas de empresas endividadas, a ICC cresceu rapidamente. Ele também usou as

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ações da ICC para comprar empresas maiores. Em 1968, Vesco já era proprietário de uma linha aérea e de várias indústrias. Ele também era proprietário de ações, cujo valor chegava a US$ 50 milhões.

Diz-se que o diretor da ICC Larry Richardson teria afirmado: “Ele podia convencê-lo a entregar-lhe suas roupas ou obrigá-lo a isso ou, então, você podia acabar descobrindo que outra pessoa era o dono delas.”

Vesco foi um notório golpista por toda a sua vida. Ele até tentou comprar uma ilha chamada Barbuda, no Caribe, com a intenção

de estabelecê-la como um estado independente. De lá ele conseguiria continuar livremente com suas atividades suspeitas e esconder-se com segurança, sem nenhum risco de ser extraditado para os Estados Unidos para ser julgado.

A oferta de compra agressiva da IOS feita por VescoNuma oferta de aquisição para “ajudar” Bernard Cornfeld em sua

luta para salvar a International Overseas Services em 1970, Vesco fez uma proposta de aquisição da empresa, tal como mencionado no capítulo anterior. O fundo de investimento IOS tinha, na época, holdings de US$ 1,5 bilhão. Como Cornfeld havia tido problemas com a Securities and Exchange Commission e sua firma estava com dificuldades financei­ras, nenhum investidor “amigável” queria se envolver na batalha entre Cornfeld e Vesco.

Vesco percebeu a oportunidade e começou uma batalha prolongada para assumir o controle da empresa, sob a oposição de Cornfeld e de outros. Explorando a falsa crença dos apavorados diretores de que a IOS precisava de dinheiro, Vesco negociou um pacote de empréstimo de “resgate” de apenas US$ 5 milhões, empréstimo este que ele mesmo havia feito.

Com base nisso, foi eleito para o conselho de diretores da IOS, em setembro de 1970. A parte de Cornfeld foi comprada em janeiro de 1971 por outros US$ 5,5 milhões emprestados. Logo, grande parte dos ativos da IOS começou a ser transferida para empresas e bancos controlados por Vesco.

A batalha ficou séria. Cornfeld foi enviado para a prisão na Suíça, e Vesco foi acusado de saquear centenas de milhões de dólares da empresa.

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Muitas figuras importantes dos negócios mundiais, das finanças e da realeza estavam envolvidas nesta confusão, recebendo dinheiro de um lado ou de outro, em troca de apoio.Vesco foi acusado de colocar fundos pertencentes a investidores da IOS em empresas que serviam de “testa de ferro”. Uma delas tinha um endereço em Amsterdã e foi, mais tarde, vinculada ao Príncipe Benhard da Holanda.

A fuga para o CaribeEnquanto Vesco era processado nos EUA por saquear a IOS e por

fraude, ele fugiu para o Caribe e, segundo o The New York Times, levou consigo cerca de US$ 220 milhões em ativos (cerca de US$ 1,1 bilhão nos dias de hoje). Ele viveu uma boa vida nas Bahamas e especialmente na Costa Rica. Lá doou US$ 2,1 milhões à Sociedad Agrícola Industrial San Cristobal S.A., fundada pelo Presidente José Figueres.

Vesco viveu ostentosamente sob a proteção de Figueres por seis anos. Ele tinha, segundo Arthur Herzog, uma mansão em San José, uma grande fazenda no interior, uma frota de veículos e vários seguranças armados.

Em agradecimento, Figueres ajudou a aprovar uma lei garantindo que Vesco não pudesse ser extraditado para os Estados Unidos. O mandato constitucional de Figueres terminou em 1974. Vesco continuou na Costa Rica até 1978, quando o Presidente Rodrigo Carazo revogou aquela que era popularmente chamada de “Lei do Vesco”. Ele já havia, na verdade, mais do que ultrapassado seu período de boas-vindas.

Vesco voltou às Bahamas em 1978. Depois de fazer negócios com seu vizinho, o rei do cartel de drogas colombiano Carlos Lehder, ele foi forçado a deixar o país em 1981.

Os sandinistas deram asilo a Vesco na Nicarágua em 1982. Mais tarde, eles também facilitaram sua passagem por Cuba.

Para variar, Vesco também morou temporariamente em Antígua. Ele foi bem-recebido aí, pois o país esperava que ele doasse dinheiro para seus vários projetos de desenvolvimento.

Vesco tinha gostos caros — casas, iates, carros e aviões. Ele dava festas suntuosas, fumava sem parar e falava alto. Além dele, apenas o presidente dos EUA também tinha um Boeing 707 particular, mas o Air Force One não tinha uma discoteca e uma sauna, ao contrário do “Silver Phyllis”, o avião de Vesco. Norma Levy, uma garota de programas, uma vez contou como Vesco e um bando de prostitutas se divertiam no alto enquanto o Boeing 707 dava voltas pelos céus da Europa.

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O incontestável rei dos financistas fugitivosGraças à grande fortuna acumulada, Vesco apareceu várias vezes na

lista da revista Forbes dos 400 americanos mais ricos. Sua ocupação era descrita como “ladrão”. Um artigo na revista Slate rotulava Vesco de “o incontestável rei dos financistas fugitivos”.

O nome de Vesco também estava vinculado com o Presidente Richard Nixon. Pouco antes de fugir para o Caribe, na esperança de interrom­per as investigações da Securities and Exchange Commission sobre suas atividades, Vesco canalizou contribuições substanciais a Richard Nixon, através de seu sobrinho, Donald A. Nixon.

O hiperativo Vesco também foi investigado por uma suposta contribuição secreta de US$ 200.000 feita à campanha para a reeleição de Nixon, em 1972. Como conselheiro da International Controls Corporation, o advogado de New Jersey Harry L. Sears teria entregado a contribuição a Maurice Stans, o diretor de finanças do Comitê para a Reeleição do Presidente.

Vesco aparentemente esperava que o Procurador-Geral John N. Mitchell intercedesse em seu favor junto ao presidente da Securities and Exchange Commission, William J. Casey. Quando Vesco fugiu do país, Stans, Mitchell e Sears foram indiciados por obstrução da justiça, mas as acusações contra os três foram, mais tarde, retiradas.

Primeiro, Cuba Libre; depois, a prisão de CastroEm sua eterna luta para evitar a extradição para os EUA, Vesco mudou-

se para Cuba em 1982. Permitiu-se sua entrada por razões “humanitárias”. Ele havia também organizado alguns negócios para driblar as sanções americanas ao país. Além disso, Cuba era um país que poderia oferecer tratamento para sua dolorosa infecção urinária.

As autoridades cubanas aceitaram Vesco e concordaram em não extraditá-lo para os EUA, sob a condição de que ele não se envolvesse com quaisquer negócios financeiros. Ele vivia com uma mulher cubana, Lidia Alfonsa Llauger.

Entretanto, o velho criminoso não conseguia ficar longe de atividades criminosas lucrativas. Em 1989, Vesco foi indiciado por tráfico de drogas, mas foi absolvido.

Nos anos 1990, Vesco envolveu-se novamente com Donald A. Nixon quando este visitou Cuba procurando um parceiro para o governo em testes clínicos de uma substância que, segundo ele, contribuía para aumentar

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a imunidade, chamada trixolan ou TX. Vesco apresentou Nixon a Fidel Castro e a seu irmão Raul Castro, e o governo cubano concordou em oferecer instalações laboratoriais e médicos para realizar os testes.

Os resultados dos estudos foram supostamente positivos, mas, ao final, descobriu-se que o TX era uma droga milagrosa de mentira. Em maio de 1995, Vesco supostamente tentou ludibriar Nixon e Raul Castro. As autoridades cubanas assumiram o controle do projeto e prenderam um Vesco abatido e pálido e a mulher com quem era civilmente casado, Lidia Alfonsa Llauger. Donald Nixon foi detido para interrogatório, mas foi solto 30 dias mais tarde.

Na época da prisão de Vesco, o Ministério das Relações Exteriores cubano anunciou que ele havia sido detido sob custódia “com a suspeita de ser um provocador e um agente de serviços especiais estrangeiros” - ou seja, de agências de inteligência. Ele foi formalmente acusado de “fraude e atividade econômica ilícita” e “atos prejudiciais aos planos econômicos e contratos do estado”.

Em 1996, o governo condenou Vesco a 13 anos de prisão no terrível sistema carcerário cubano sob acusações ligadas ao escândalo.

Entretanto, informou-se que Vesco morreu de câncer do pulmão em novembro de 2007 e que foi enterrado no Cemitério Colon em Havana. Sua esposa cubana, Lidia, fora condenada por acusações mais leves e foi solta em 2005. Ele deixava Pat, a esposa que ele havia abandonado, e cinco filhos.

Stanley Gaze, um dos assistentes de Vesco na IOS, forneceu um epi­táfio adequado para Vesco. Em sua pouco lisonjeira caracterização, ele o descreveu como

[...] um desgraçado que prejudicou, denegriu ou corrom­peu todas as pessoas com as quais entrou em contato.

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14. O monumental escândalo

corporativo da

Enron

O mais importante escândalo corporativo de nossa épocaDe acordo com o historiador Joel S. Seligman, que trabalha com a

história da legislação sobre valores mobiliários, o caso da Enronfoi o mais importante escândalo corporativo de nossa época. Ele foi uma das causas imediatas da mais signi­ficativa reorientação da atitude corporativa de que se tem lembrança.

A história do presidente e diretor-executivo da Enron, Kenneth Lay, é certamente impressionante: ele saiu de uma família batista pobre para ir parar no topo de uma das maiores empresas de energia do mundo, que foi à falência em 2001, em uma emaranhada rede de fraudes.

O escândalo da Enron também causou a queda da renomada firma de contabilidade e consultoria ArthurAndersen, cuja rede mundial empregava110.000 pessoas.

Kenneth Lay nasceu em 1942. Estudou economia na Univer- sity of Missouri e fez seu Ph.D. em economia na University of Houston, no Texas, em 1970.

Após formar-se, ele foi trabalhar na Exxon. Depois, tornou-se funcionário do governo na agência reguladora do setor de ener­gia. No próximo estágio de sua carreira, foi guindado ao cargo de subsecretário no Departamento do Interior.

Ele retornou, depois, ao mundo dos negócios, agora como executivo da Florida Gas. Quando o setor de energia deixou de

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ser regulado nos anos 1980, Lay já era um executivo estabelecido em uma empresa de energia. Ele tirou vantagem dos novos ares liberais, quando a Internorth, sediada em Omaha, comprou a sua empresa, Houston Natural Gas, e mudou seu nome para Enron. Maior, melhor capitalizada e mais diversificada, a Internorth foi então utilizada para promover a transformação da Enron.

O versátil Lay foi nomeado presidente da Enron em 1986. Sob seu comando, a enorme empresa embarcou em uma estratégia inteiramente nova, estabelecendo numerosas subsidiárias em pa­raísos fiscais. Elas eram desavergonhadamente usadas para maquiar a contabilidade da companhia e também para fugir dos impostos americanos. As subsidiárias também facilitavam a livre transferência de moedas estrangeiras, bem como o completo anonimato.

Através desses meios, as cifras relativas aos lucros informados pela empresa podiam ser continuamente manipuladas para provocar uma elevação acentuada no preço das ações. Se uma unidade incorria em perdas, essa informação não era mostrada publicamente, mas camuflada das mais diferentes maneiras.

No período em que Lay comandou a empresa, a Enron parecia substancialmente mais lucrativa do que realmente era, mas isso deu início a um círculo vicioso. No ambiente econômico aquecido dos anos 1990, os tão ansiosamente esperados resultados corpora­tivos tinham de ser manipulados o tempo todo através de truques financeiros cada vez mais criativos.

A direção da Enron criou a ilusão de lucros de bilhões de dólares, embora, na realidade, a empresa perdesse dinheiro o tempo todo.

A ascensão da Enron ao estrelato começou na primeira metade dos anos 1990. Ela foi impulsionada pela decisão do Congresso americano de liberar os mercados de eletricidade. Nesse ambiente mercadológico livre, a Enron tirou proveito das violentas flutuações de preço da eletricidade.

A companhia tinha elos próximos com políticos com poder de decisão, incluindo dois presidentes, Bush pai e filho. Ela contribuiu ativamente para o financiamento de suas campanhas eleitorais. Essa eficiente atividade de lobby se encaixava maravilhosamente na estratégia da empresa. A expansão estratosférica da Enron parecia não ter mais fim e, em 2000, ela já havia se tornado a sétima maior empresa dos EUA.

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A aparência rósea da Enron — e a verdadeO alto escalão da Enron estava, é claro, totalmente ciente do papel

decisivo que as firmas offshore tinham no escamoteamento de prejuízos. Mas os investidores, os bancos, a mídia e os analistas da bolsa não haviam ainda suspeitado de nada. Quando a revista Fortune publicou sua lista das 500 maiores empresas dos EUA, a Enron figurava entre as dez primeiras.

As práticas desonestas de contabilidade estavam obviamente concen­tradas, em particular, em elevar o preço das ações para níveis cada vez mais altos. Lay e outros diretores da empresa não tinham pudores em usar informações internas em seus lucrativos negócios particulares com as ações da Enron.

Lay cuidou para que ele se tornasse um dos diretores-executivos mais bem pagos dos EUA. Em 1999, ele recebeu um principesco pacote de gra­tificação de US$ 42,4 milhões (cerca de US$ 55 milhões nos dias de hoje).

Em seu auge, Lay era altamente estimado em amplos círculos, che­gando, inclusive, a ser mencionado, em dezembro de 2000, como possível candidato a secretário do tesouro do gabinete do Presidente George W. Bush. O rumor era prova dos excelentes contatos políticos de Lay e de suas generosas doações ao Partido Republicano.

Os espertos cúmplices de Kenneth LayUm dos colaboradores mais próximos de Lay era Andrew Fastow, que

atuava como Chief Financial Officer (Diretor Financeiro) da Enron. Ele era responsável pela intrincada rede de operações financeiras que eram deixadas fora do balancete da empresa e manipulava os lucros de transações dos quais ele mesmo, sua família e amigos embolsavam centenas de milhões de dólares, à custa da empresa para a qual trabalhava e dos seus acionistas.

Fastow certamente não era nenhum santo. Antes de se transferir para a Enron, ele havia inventado um novo esquema de aquisição de capital no Continental Illinois National Bank and Trust Company, localizado em Chicago.

O banco começou a levantar capital adicional, vendendo valores mobi­liários a investidores, calçado em empréstimos de risco — de forma similar ao que havia ocorrido anteriormente, na recente crise bancária dos EUA. A nova ideia também prosperou em outras partes do setor bancário. O banco retirava ativos do balancete, sem deixar de gerar renda. Ao mesmo tempo em que reduzia a folha de balanço, ele conseguia capital em con­dições favoráveis.

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O Continental Bank teve problemas precisamente em decorrência dessa prática duvidosa, em parte porque alguns dos empréstimos de risco falharam. Foi a maior instituição financeira a desaparecer do mapa ban­cário americano durante a crise bancária americana, na virada dos anos 1980 para os 1990.

Outro subordinado duvidoso de Lay era Jeffrey Skilling, diretor-executivo da EnronOnline, fundada em 1999. Era uma empresa baseada inteira­mente na Internet e era utilizada por quase todas as empresas americanas fornecedoras de energia.

Como principal arquiteto do plano de ação agressivo da empresa, Skilling fez da Enron a maior vendedora de gás e eletricidade dos Estados Unidos. Durante o melhor trimestre de 2000, suas vendas chegaram a impressionantes US$ 27 bilhões.

Skilling introduziu um modo de pensar completamente novo dentro da Enron: em seu balancete não havia necessidade de grandes ativos. Sob esta prática nova e discutível de contabilidade, os lucros estimados de vendas futuras eram registrados prematuramente, como se já tivessem sido pagos. Nessa base, a Enron também registrou lucros provenientes de dados incertos, ainda que, ao final, eles pudessem ser fontes de prejuízo ou simplesmente não se concretizar.

A restauração da saúde financeira da Enron foi deixada totalmente de lado, e o foco principal continuava sendo a crescente elevação do preço das ações durante o boom da tecnologia de informação de Wall Street, no final dos anos 1990. Graças à subida constante de suas ações, dinheiro novo entrava na Enron em um fluxo contínuo, vindo tanto de investidores quanto de bancos.

Envolta em dívidas, a Enron ia em frente, na crista dessa onda de di­nheiro. A direção da companhia sabia, entretanto, que se o preço das ações caísse, o castelo de cartas iria desmoronar.

O preço das ações despenca e os investidores fogemNo final dos anos 1990, as ações da Enron haviam atingido novos picos

fenomenais, entre US$ 80 e US$ 90. Até então apenas uns poucos obser­vadores haviam se preocupado com a peculiar falta de transparência nas contas, mas, pouco a pouco, os analistas financeiros começaram a ficar alertas.

Ainda assim, em julho de 2001, nas alturas, a meteórica Enron registrou US$ 50,1 bilhões de renda relativamente aos 12 meses anteriores. Isto representava um enorme progresso em comparação com o ano anterior. Apesar disso, a margem de lucro da empresa não passou da decepcionante

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porcentagem de 2,1 por cento, e as suas ações caíram 30 por cento a partir do verão de 2000.

Os reveses da Enron continuaram a se acumular. Ela teve grandes problemas operacionais, dentre outras coisas, com a logística da unidade de vendas, que era operada por banda larga, e com a gigantesca estação de geração de energia Dabhol Power, na índia. A diretoria estava também envolvida em tentar acalmar o clamor público contra a empresa, na Cali­fórnia, durante a crise de energia nos anos de 2000 e 2001.

O primeiro a cair fora, em agosto de 2001, foi o executivo-chefe da Enron, Jeffrey Skilling. Ele havia trabalhado para a Enron por apenas seis meses. Rumores do mercado davam conta de que Skilling havia vendido pelo menos 450.000 ações nos meses anteriores à sua saída. O preço de venda dessas ações era de cerca de US$ 33 milhões. Ele ainda tinha mais de um milhão de ações.

O presidente Kenneth Lay tentou acalmar os analistas da bolsa asseguran- do-os, com uma expressão na face que sugeria seriedade, que “não haveria mudanças no desempenho ou no prognóstico futuro da empresa”. Ele também afirmou que não havia “absolutamente nenhum problema com a contabilidade, nenhum problema com as vendas, nenhum problema com as reservas, nem tampouco quaisquer problemas anteriormente ignorados” que pudessem ser apontados como a causa da saída de Skilling. Simultaneamente, Lay anunciou que ele assumiria novamente o cargo de diretor-executivo.

Apesar das palavras tranquilizadoras, os investidores continuaram a se livrar das ações da Enron, causando uma nova e acentuada queda nas ações. Nesta situação, os analistas ficaram cada vez mais alarmados, pois nem os negócios da empresa nem as suas contas eram revelados para observado­res externos. Era impossível decifrar se a Enron tinha lucro ou se perdia dinheiro. As ações estavam sendo negociadas no escuro.

Confiante, Lay admitiu que as operações da poderosa Enron eram um tanto complicadas. Mas isso se devia, principalmente, à sua sofisticada estratégia fiscal, assim como às estratégias utilizadas para proteger a taxa de juros e outras posições contra riscos.

Em outubro de 2001, a diretoria da Enron foi finalmente forçada a anunciar notícias estarrecedoras: a empresa havia se exposto a perdas enormes de mais de US$ 1 bilhão no terceiro trimestre, devido a perdas de investimento, em conjunto com vários encargos; Lay também anunciou que algumas novas perdas de investimento estavam à vista.

Com essas más notícias, os analistas da bolsa simplesmente enlouque­ceram. Para completar, a Securities and Exchange Commission anunciou

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que começaria a investigar alguns dos negócios suspeitos feitos pela Enron. As ações despencaram para US$ 20.

Lay convocou rapidamente uma entrevista coletiva em que anunciou que o Diretor Financeiro Andrew Fastow havia sido demitido “para res­tituir a confiança do investidor”: o mesmo Fastow que havia sido um dos confidentes mais próximos de Lay.

Lay enfatizou que por muitos anos uma das melhores firmas de conta­bilidade do mundo, a Arthur Andersen, havia examinado detalhadamente as práticas financeiras e contábeis da Enron e que não havia encontrado nenhuma razão para sérias preocupações.

As táticas de protelação e a falênciaNum esforço para desfazer todas as dúvidas sobre a situação financeira

da Enron, a empresa começou a readquirir todos os seus papéis comerciais de curto prazo, avaliados em cerca de US$ 3,3 bilhões. Ela financiou as reaquisições recorrendo a linhas de crédito em vários bancos.

O círculo vicioso rapidamente transformou-se numa catástrofe. A caça às bruxas havia começado. Numerosas empresas que tinham contratos com a Enron começaram a temer que tivessem sérios problemas caso a classificação creditícia da Enron fosse rebaixada. Quando duas das prin­cipais agências classificadoras do mundo, a Moods e a Standard & Poors, realmente rebaixaram a classificação da Enron, o choque foi quase mortal, pois clientes, investidores e bancos começaram a abandonar a Enron. O colapso das ações simplesmente acelerou e, em novembro de 2001, elas despencaram para apenas US$ 7.

Desesperados, Lay e seus subordinados tentaram encontrar um com­prador para a empresa. As negociações preliminares com uma companhia menor de energia, a Dynergy, haviam sido promissoras, mas nenhum acordo final foi alcançado. A classificação creditícia da Enron caiu para o nível de alto risco ou pior. Cada vez menos companhias estavam dispostas a correr o risco de fazer negócios com a Enron.

A credibilidade e a reputação da diretoria da empresa pioraram ainda mais por causa de novas revelações: antes da crise, o próprio Lay e vários diretores haviam vendido ações por várias centenas de milhões de dóla­res — embora Lay houvesse calorosamente recomendado as ações aos seus funcionários algum tempo depois disso.

Milhares de empregados da Enron ficaram desolados ao verem suas economias da aposentadoria, que eram constituídas principalmente por

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ações da Enron, desvalorizadas em 90 por cento em apenas um ano. A perda mais avassaladora, de um único funcionário, chegou a mais de US$ 800.000.

Finalmente, em novembro de 2001, o alto escalão da Enron foi força­do a admitir que a situação era desesperadora, uma vez que a assombrosa quantia de US$ 9 bilhões em dívidas tinha que ser amortizada antes do final de 2002. Tal dívida quase inimaginável “era excessivamente grande”, em comparação com o dinheiro disponível.

A chama se atiçou ainda mais quando as negociações com a Dynergy fracassaram, e Lay teve que admitir que todo o dinheiro emprestado recentemente (incluindo as somas alocadas para a reaquisição de papéis comerciais) havia sido usado em apenas 50 dias.

A Securities and Exchange Commission anunciou que havia registrado uma queixa de fraude civil contra o auditor da Enron, Arthur Andersen. Como se isso não fosse o bastante, temendo os riscos relacionados à Enron, a maior parte dos clientes remanescentes começou a abandoná-la para investir em firmas concorrentes.

As ações caíram para 61 centavos de dólar: no auge, elas valiam US$ 90. As dívidas da Enron somavam estarrecedores US$ 23 bilhões (cerca de US$ 28 bilhões nos dias de hoje). Dois grandes bancos em particular, o Citigroup e o J. P. Morgan, correram sérios riscos de a Enron não saldar as dívidas relativas a empréstimos, na medida em que seu ativos estavam, em sua maior parte, comprometidos, por terem sido dados como garantia a outros credores.

O resultado final foi a mais cara falência da história dos Estados Unidos. Além disso, 4.000 pessoas perderam seus empregos.

Para tornar as coisas ainda piores, os desolados empregados tiveram ape­nas 30 minutos para guardar seus pertences e deixar a central de Houston após o anúncio da má notícia.

As pesadas acusaçõesO inventário do patrimônio, feito pelos gestores da massa falida, e o

balanço das acusações consumiram vários anos. O julgamento começou apenas em janeiro de 2006. Os principais acusados foram o presidente do conselho, Kenneth Lay, o executivo-chefe (por um breve período) Jeffrey Skilling, e o diretor financeiro, Andrew Fastow.

Kenneth Lay teve que ouvir uma longa lista de acusações. Um impres­sionante indiciamento de 11 páginas incluía 11 acusações de fraude de

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valores mobiliários, fraude eletrônica, afirmações falsas e enganosas, lavagem de dinheiro, conspiração e uso de informações privilegiadas. Calculava-se que, no geral, ele receberia uma sentença de prisão de pelo menos 25 ou 30 anos. A Securities and Exchange Commission exigiu mais de US$ 90 milhões em danos, além das multas.

Lay negou todas as acusações. Ele insistiu no argumento de que havia sido enganado pelos colegas e, que era vítima de uma “conspiração”, conduzida por especuladores de venda a descoberto, por executivos mal- intencionados e pela mídia.

Em maio de 2006, ele foi julgado culpado de seis acusações de conspiração e fraude por um júri de oito mulheres e quatro homens. A sentença estava programada para setembro de 2006. Lay, entretanto, morreu, aos 64 anos, de ataque cardíaco, quando estava em férias no Colorado, em julho de 2006.

Apesar de sua curta passagem pela Enron, o executivo-chefe Jeffrey Skilling foi punido severamente com 24 anos e quatro meses de prisão. Além disso, ele foi condenado a pagar US$ 24 milhões em danos ao fundo de pensão da Enron.

O escorregadio Andrew Fastow, que também havia sido o cérebro por detrás do esquema de empresas offshore e de práticas contábeis questionáveis, apresentou-se voluntariamente para ajudar o promotor e as autoridades. Como testemunha principal contra seu antigo chefe e colegas, ele conse­guiu escapar com apenas seis anos de prisão, tendo sido libertado em 2011.

Kenneth Lay havia sido casado por 22 anos com sua segunda mulher, sua antiga secretária Linda Lay. Eles tinham dois filhos, três filhos adotivos e 12 netos. Durante o julgamento, descobriu-se que a esposa havia vendido cerca de 500.000 ações da Enron apenas alguns minutos antes da notícia sobre o colapso da firma ter sido publicada. Nenhuma acusação foi feita contra ela.

As conexões políticas e a queda da Arthur AndersenRevelações posteriores confirmaram que a Enron havia sido inten­

samente ativa em lobbies políticos, com o intuito de colocar a legislação de energia e a supervisão das autoridades na “direção certa” do ponto de vista da Enron. Estima-se que, após 1990, a empresa tenha investido cerca de US$ 7 milhões em política.

O Partido Republicano recebeu a maior parte das doações substanciais de Lay e da Enron. Ninguém ficou surpreso em saber que uma multidão incrível de 1.200 pessoas, incluindo o antigo presidente George W. Bush, esteve presente à cerimônia fúnebre de Lay, em 2006, em Houston.

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Durante os mandatos de Bill Clinton, a Enron e Kenneth Lay doaram um total de US$ 900.000 ao Partido Democrata. Além desta ajuda em dinheiro que podia legalmente ser utilizado para qualquer propósito pelo partido, a companhia doou em 1999 e 2000 a soma de US$ 362.000 na forma de soft money, ou seja, dinheiro que, segundo a legislação america­na, só pode ser usado para fazer propaganda geral do partido, mas não de candidatos individuais.

Outra grande baixa no escândalo da Enron foi a Arthur Andersen. Em 2002, a Arthur Andersen foi julgada culpada por obstrução da justiça, pois havia destruído grande parte dos documentos relacionados ao seu trabalho de auditoria da Enron.

A história de sucesso global da grande empresa Arthur Andersen tinha chegado ao fim. Sua rede tinha 28.000 empregados somente nos EUA, e85.000 em outras partes do mundo. Após o escândalo, a legislação sobre contabilidade e auditoria tornou-se mais rigorosa em muitos países.

Em seu auge, muito antes da falência, o valor de mercado da Enron, uma das maiores empresas de energia do mundo, havia sido de incríveis US$ 68 bilhões. Muitos acionistas da Enron perderam quase tudo e mi­lhares de funcionários perderam pelo menos US$ 1 bilhão das economias de suas pensões.

Os investidores que iniciaram processos contra a Enron estimaram que os crimes relativos a fraudes contábeis representavam um prejuízo de, no mínimo, US$ 25 bilhões.

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15. A pirâmide multimilionária

da WinCapita

O Clube de investimento WinCapita vinha sendo investigado pelo De­partamento Nacional de Investigação (o FBI da Finlândia) desde março de2008. Suspeitava-se de um extensivo esquema de fraude envolvendo cerca de 10.000 pessoas que, no total, investiram mais de € 100 milhões (cerca de US$ 130 milhões). Os prejuízos estimados são de mais de € 41 milhões.

O caso WinCapita tem provocado grande interesse público, pois parece envolver uma clássica e engenhosa pirâmide, o maior golpe no estilo Ponzi de pirâmide já feito em países nórdicos.

O principal suspeito, Hannu Kailajärvi, nasceu na Finlândia em 1962. Ele se formou em um instituto técnico com um diploma em ciência da computação. Em 1989, abriu um restaurante com sua esposa, mas foi à falência quatro anos mais tarde. Seu próximo negócio foi um bar com música, que mais tarde foi transformado num restaurante erótico.

O incansável empresário transferiu-se para um novo campo em 1997, iniciando sua firma de webmarketing, a Nefernet, que tam­bém vendia cartões telefônicos. Ela anunciava a venda de ligações telefônicas por metade do preço das grandes empresas telefônicas. O restaurante foi declarado insolvente em 2000 e faliu em 2002.

Kailajärvi e outros de seus colaboradores começaram seu pri­meiro clube de investimento, o WinClub, em 2005. Suas atividades podem ter sido afetadas negativamente pela sentença de prisão (que foi, depois, suspensa), por seis meses, dada ao seu fundador, Kailajärvi, em 2006, por quebra de confiança e crimes contábeis.

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Como também havia algumas reportagens na TV que criticavam o WinClub, o nome foi mudado em 2007 para WinCapita, pro­vavelmente com o intuito de recomeçar com uma ficha comple­tamente limpa.

A construção gradual da pirâmideA fraude da WinCapita, até então apenas suspeitada, tornou-se públi­

ca em março de 2008. O Departamento Nacional de Investigação havia monitorado as vendas pela Internet e a atividades de investimento da WinCapita por algum tempo, mas só naquele momento a polícia sentiu que tinha provas suficientes de que a WinCapita não havia posto em prática nenhuma das superlucrativas transações de câmbio anunciadas, através das quais os investidores receberiam grandes retornos. A polícia concluiu que o clube de investimento WinCapita provavelmente representava atividades criminosas.

Seu antecessor, o WinClub, tinha, por volta de 2005, fundado uma empresa estrangeira de fachada, a Worldwide Investment Company, primeiro na Flórida e, mais tarde, como uma empresa offshore no Pa­namá. Ela deveria, supostamente, desenvolver os produtos e serviços do WinClub.

Deve ser enfatizado que, nos casos dos esquemas em pirâmi­de, os suspeitos, os queixosos e as testemunhas frequentemente contam “verdades” bastante diferentes nas investigações policiais, pois estão envolvidas grandes somas em dinheiro, assim como acusações de crimes bastante graves.

As pirâmides são difíceis de serem investigadas, pois milhares de pessoas têm que ser interrogadas, e as técnicas de fraude são bastante sofisticadas. Normalmente, elas envolvem tanto firmas domésticas quanto internacionais, bem como transferências de dinheiro para paraísos fiscais. Frequentemente, os testemunhos apresentados em tribunais são igualmente contraditórios. Além da fraude de valores mobiliários, também são cometidos crimes fiscais, contábeis e cambiais.

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Para reforçar a credibilidade do clube, o WinClub supostamente abriu uma conta bancária no grande Crédit Suisse. Em seguida, sua página na web foi transferida para o servidor da Root e Solutions, uma provedora de serviços de Internet localizada em Luxemburgo, difícil de ser rastreada. As transferências de dinheiro do clube eram administradas pela Money- bookers, uma firma britânica de comércio eletrônico.

O caso WinCapita pode, sob vários aspectos, ser comparado com a estrutura em pirâmide de Ponzi. Este prometia grandes lucros para seus investidores, não fazia nenhum dos negócios anunciados, e as vendas eram feitas por um exército motivado de agentes de venda movidos por comissões.

Ponzi argumentava que ele podia produzir seus enormes retornos através da compra e venda de cupons-resposta internacionais, enquanto o WinClub e a WinCapita afirmavam que os grandes lucros provinham de uma troca especulativa de divisas. Na realidade, nenhum dos dois (e tampouco Ponzi) fazia qualquer negócio genuíno, exceto coletar dinheiro dos investidores sob falsas pretensões.

Agentes movidos por comissões a fim de trabalhar a todo vapor

Tanto a WinCapita quanto o seu antecessor, o WinClub, foram habil­mente planejados para parecerem o mais atraentes possível. Graças a um “brilhante” modelo de especulação de transações de câmbio que alegavam ter inventado, eles davam aos investidores a esperança de lucros de 260 a 400 por cento ao ano.

Num esforço para manter pessoas indesejadas (como talvez jornalistas, analistas da bolsa ou profissionais do mundo das finanças) tão longe quanto possível, apenas pessoas recomendadas pelos numerosos agentes de venda conhecidos como patrocinadores ou por outros membros podiam per­tencer ao clube. Os agentes exerciam um papel crucial na construção do esquema e eram estimulados por generosas gratificações pela apresentação de novos membros ou pela participação nos lucros dos membros.

Os primeiros aderentes recebiam enormes “lucros de investimento” diretamente em suas contas bancárias. Ao se vangloriarem de retornos tão altos, chegando ao ponto de exibirem extratos de banco que confir­mavam o ganho, eles criavam uma imagem convincente do clube. Até os mais céticos podiam ver que, sem nenhuma dúvida, o sistema funcionava maravilhosamente e que era uma “barbada”.

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A gratificação dada aos patrocinadores pela apresentação de novos mem­bros era certamente um dinheiro bastante fácil, desde que eles conseguissem atrair uma boa quantidade de novos membros. Um folheto publicitário atribuído ao WinClub dizia que se um membro patrocinador registrasse cinco novos membros, ele receberia 20 por cento de seus lucros. Se ele então convencesse esses cinco indivíduos a investirem € 10.000 cada, e se cada um deles realmente recebesse o retorno previsto de € 13.000 em seis meses (de acordo com a taxa de 200 por cento por ano proposta no documento), a quota do patrocinador era de 20 por cento do total de € 65.000, ou seja, € 13.000.

Muito provavelmente, vários patrocinadores e membros não deixavam seus lucros nas contas bancárias pessoais porque, tendo testemunhado o fluxo constante de “lucros”, eles estavam bastante convencidos da su­perioridade do esquema de investimento do WinClub e da WinCapita. Quando a ganância aumentava, eles tipicamente reinvestiam seus lucros e taxas no clube para acumular ainda mais retornos. Por esta razão, os lucros e gratificações pagos a eles não representavam um peso para a liquidez do clube.

Embora os mais de € 100 milhões de investimentos no WinClub e, mais tarde, na WinCapita, fossem, em sua maior parte, diretamente depositados nas contas bancárias dessas empresas, alguns investidores evidentemente pagaram seus investimentos em dinheiro aos agentes de vendas, talvez, em parte, para esconder a origem verdadeira do dinheiro. Poderia ser dinheiro “escuso” que não fora registrado na declaração de impostos, dinheiro de drogas ou lavagem de dinheiro. Os agentes de venda podem até mesmo nem ter feito a transferência para os clubes, tendo eles próprios embolsado o dinheiro.

Como sempre ocorre nos esquemas em pirâmide, a maior parte dos “lucros” ia para um número relativamente pequeno de pessoas. Dos 10.000 membros, apenas 350 contas receberam transferências de dinheiro de mais de € 50.000. Desses mesmos 350 investidores, apenas metade (175 no total) foram afortunados o bastante para ganhar mais de € 100.000, enquanto apenas seis ganharam mais de € 1 milhão.

Os 500 investidores que registraram os maiores ganhos receberam juntos € 68 milhões de um total de € 94 milhões pagos para todos os membros durante o período 2005-2008. Consequentemente, apenas cinco por cento de todos os membros receberam mais de 70 por cento do total do dinheiro pago aos membros.

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A psicologia do golpeEm nosso estranho mundo, inúmeras pessoas sentem que são especiais,

mais capazes, mais espertas do que a média. Elas honestamente pensam que merecem algo melhor da vida, algo melhor do que as outras.

A mensagem da WinCapita certamente jogava com o egoísmo ine­rente ao homem: eles pensavam que era fantástico que alguém contatasse expressamente a você, oferecendo a você lucros enormes, uma promessa personalizada de um enriquecimento rápido e bem-merecido.

Segundo Hannu Lauerma, médico-chefe do Hospital da Prisão para Doentes Mentais, em Helsinque, as pessoas se sentem lisonjeadas por se­rem convidadas a fazerem parte de um círculo seleto, de uma sociedade privada fechada. A sensação de pertencimento infla a estimativa que as pessoas têm de sua própria importância. Além disso, um membro de uma sociedade privada é alguém que, supostamente, sabe mais.

O sucesso dos golpistas dos esquemas em pirâmide deve-se também ao fato de que eles não têm que convencer grandes massas de pessoas, muitas das quais podem ter uma atitude crítica. Ainda que apenas um por cento caia na armadilha, ou até mesmo apenas uma em mil pessoas, eles conseguem recolher milhões.

A credibilidade da WinCapita era reforçada pelo fato de os patrocina­dores que vendiam as cotas de investimentos serem frequentemente pessoas respeitadas do lugar ou até mesmo membros da família, amigos, compa­nheiros de crença, sócios ou pessoas que tinham os mesmos hobbies. Ou, então, pelo fato de que os patrocinadores davam como referência pessoas bem conhecidas que já haviam colocado dinheiro no esquema e, talvez, até mesmo embolsado alguns lucros apreciáveis.

Os pais recomendavam investimentos aos filhos, ou filhos aos pais, os colegas de trabalho aos colegas, os crentes a outros crentes, os vizinhos aos seus vizinhos. Muitos também aderiam porque sentiam inveja de vi­zinhos, após saberem que o cara da casa ao lado havia conseguido grandes lucros e estava gozando sua boa sorte em ensolaradas praias estrangeiras.

Os antecedentes das vítimas da WinCapitaA WinCapita recolhia dinheiro de pessoas que demonstravam uma

ganância moderada, que sonhavam com uma vida melhor. Muitas delas também eram viciadas em jogo a dinheiro e em apostas.

Os membros da WinCapita vinham de todas as esferas da sociedade. Eles incluíam agentes de seguros, carpinteiros, obstetras, donos de postos

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de gasolina, fazendeiros, empresários que haviam vendido seus negócios e vários pentecostalistas e outros crentes.

Segundo o jornalista financeiro Antti Mikkonen, os agentes de venda da WinCapita falavam mal dos bancos, afirmando que “os bancos mentem para seus clientes”. A imagem era psicologicamente contagiante. Com isso, a conversa de gerentes de investimento de bancos, com suas ofertas de apenas um ou dois por cento de juros nas contas de depósito, não convencia quando um irmão, amigo, primo ou colega gabava-se de seus lucros de 100 por cento.

Milhares de investidores de todas as partes do país debandaram para a WinCapita. A maior parte havia recebido informações sobre a WinCapita pessoalmente, de alguém de suas relações, uma vez que as regras do clube estipulavam que os membros estavam proibidos de dar informações para a mídia sem a permissão por escrito do clube de in­vestimento. Até mesmo páginas e fóruns de discussão da web estavam incluídos nessa proibição.

As taxas de adesão e o sistema de sinais no mercado de moedas estrangeiras

O material de informação distribuído pelo WinClub aos seus mem­bros e investidores parecia ser bastante incoerente. O grande jornal diário Aamulehti descobriu um folheto do esquema com uma apresentação que parece ter apenas um objetivo: atrair o máximo de novos investimentos para a pirâmide, sem que nenhuma pergunta seja feita.

Segundo as regras do clube, a taxa de adesão era de € 3.000. Este era o investimento mínimo. Porém, o “mínimo sensato” recomendado era de € 5.000 (cerca de € 6.500 nos dias de hoje). Para a maior parte dos pequenos investidores essas somas eram bastante significativas, mas, por outro lado, uma taxa de adesão relativamente alta dava uma imagem pro­fissional ao clube.

O investimento mínimo dava direito ao título básico de associado, a fazer investimento no mercado de moeda estrangeira e a recomendar novos membros (com gratificações significativas). Muitos membros investiam muito mais do que o mínimo.

O texto ia mais longe: “Há também investidores maiores (mais de € 100.000). A participação de grandes investidores dá segurança às ati­vidades; um investidor profissional não entrará com nenhum dinheiro a não ser que tenha certeza de que o esquema decolará.”

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A venda de investimentos em pirâmide está sempre baseada em algo particularmente atrativo, mas ao mesmo tempo difícil de entender. No caso de Ponzi, era a operação de compra e venda dos cupons-resposta. No caso da WinCapita, era um sistema supostamente planejado para fornecer informações que permitissem aos seus membros especular no mercado de moedas estrangeiras. Nesse mercado, um investidor analisa informações provindas de uma série de fontes (contatos, relatórios, analistas, etc.) — os “sinais” que, no jargão do ramo, são conhecidos por Foreign Trader Signals— para especular com a compra e venda de moedas estrangeiras, tirando vantagem das diferenças de flutuações dos valores das diferentes moedas nos diversos mercados de câmbio, visando à obtenção de lucros.

O sistema de Foreign Trader Signals da WinCapita supostamente mostrava sinais (informações, dicas) de compra e venda para o dólar e o euro ao mes­mo tempo. O clube e os seus membros, sugeria-se, podiam tirar vantagem desses sinais em sua própria especulação no mercado de moedas estrangeiras.

Alguns membros achavam que o sistema de Foreign Trader Signals do clube mostrava transações de câmbio realmente feitas pelo clube. Porém, na confissão que Kailajärvi fez à polícia, viu-se que não era isso que acon­tecia. Ele disse que o programa apenas copiava as curvas de transações de câmbio para o euro e o dólar e, com base nessas curvas, simplesmente acrescentava várias sugestões de compra e venda.

Evidentemente, pouquíssimos membros dedicaram tempo, ou tinham a experiência necessária, para se familiarizar com o esquema de um ponto de vista crítico. Uma questão natural teria sido: se o sistema de sinais de moedas era tão engenhoso e hiperlucrativo, por que ele não era usado em outros lugares por grandes bancos e corporações?

Outras perguntas: como era possível que a diretoria da WinCapita, que evidentemente tinha pouca ou nenhuma experiência no mercado de moedas estrangeiras, tivesse conseguido desenvolver tal máquina de movimento perpétuo de ganhos, quando experts globais no mercado de moeda estrangeira não haviam sido capazes de fazer o mesmo? Por que o clube não vendeu tal invenção, que poderia até ganhar o Prêmio Nobel, por uma fortuna, para o mundo?

Uma última pergunta: se a WinCapita estava realmente em posse de uma tal invenção financeira revolucionária, por que seus agentes de venda se davam ao trabalho de vagar pelo campo, de casa em casa, para coletar o dinheiro do vovô e da vovó?

Nos interrogatórios iniciais da polícia, o acusado principal, Kailajärvi, já havia confessado que a própria empresa não lidava com transações de

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câmbio, embora elas devessem ser a fonte de tal lucro atraente. Era tudo uma farsa.Todo o discurso sobre tal especulação lucrativa no mercado de moedas estrangeiras não passava de uma isca para atrair o dinheiro dos membros.

Tratava-se, basicamente, do mesmo método usado pelo golpista de bilhões de dólares, Bernard Madoff, nos EUA.

Informações de marketing confusasOutras informações de marketing, na Internet, proclamavam que um

membro VIP podia negociar em quatro categorias diferentes por meio do sistema de Foreign Trader Signals: A, B, C e X. Da taxa de associação de €3.000 do membro VIP, € 1.000 era o investimento básico; o investimento mínimo em troca de divisas era de € 1.000; e os últimos € 1.000 davam ao membro o direito de recomendar outros membros.

O leitor era informado de que durante os últimos dois anos, o WinClub havia conseguido atingir cerca de cinco por cento em lucros semanais em suas transações de câmbio — que, em termos diretos (sem reinvestimentos), equivaleria a 250 por cento por ano.

Qualquer um com alguma experiência no mercado de moedas estran­geiras certamente saberia que é praticamente impossível conseguir tais lucros, continuamente, semana após semana, no ambiente real e de alto risco da especulação com moedas estrangeiras - isso só era possível no fantasioso material de marketing do WinClub. O próprio WinClub não tinha sequer um escritório apropriado para essa finalidade; muito menos a maioria de seus membros.

Mais informações estranhas que eram passadas aos investidores:“O valor da conta conjunta de retorno dos investimentos dos mem­

bros VIP (que chamaremos de X) determina a máxima percentagem de investimento para as compras de ações licenciadas da série X. O número é calculado a cada 13 semanas (sic). Há também uma fórmula para calcular a percentagem do investimento: P = Z = (C/20.000), onde P é a percen­tagem do novo investimento, Z a percentagem do investimento anterior, e C é o valor da conta de lucros.”

A fórmula parece inteiramente sem sentido, um puro blefe, e é difícil enten­der como qualquer coisa que fizesse sentido poderia ser calculada nessa base.

Ainda que essa fórmula ininteligível pudesse ter levado alguns investi­dores a acreditarem que ela representava uma nova e brilhante invenção, outros podem ter suspeitado de que os gerentes do WinClub e da Win- Capita haviam se divertido muito ao criarem uma “fórmula” tão hilária.

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Segundo o texto, a previsão de lucro do capital inicial de € 10.000, para 12 meses, supondo investimentos regulares, seria de preciosos € 53.257. Consequentemente, o lucro de um ano totalizaria 433 por cento.

Os redatores do texto chegavam à ousadia de dizer que “as transações de câmbio são bastante sustentáveis relativamente aos distúrbios globais econômicos”. Mais uma vez, qualquer um com interesse no mercado de moedas estrangeiras sabe que a volatilidade do mercado é excepcionalmen­te alta e pode resultar em enormes prejuízos, tal como demonstrado pelos escândalos no mercado de derivativos e de moeda estrangeira, envolvendo US$ 1 bilhão e tendo como protagonistas a Baring Brothers, a Société Générale e muitas outras instituições financeiras.

E havia, ainda, outras regras estranhas:“Os membros VIP receberão gratificações ao indicarem novos mem­

bros, tal como se descreve a seguir: 20 por cento do preço de vendas da licença básica para o sistema de sinais, 10 por cento do preço de venda para as ações de licença vendidas aos clientes, 5 por cento do preço de venda para os sistemas autopiloto do mercado de moedas estrangeiras vendidos aos clientes, 2,5 por cento dos lucros sobre as transações de câmbio dos clientes ou dos membros e 20 por cento dos lucros do pool do mercado de moedas estrangeiras, obtidos pelos membros que eles tenham patrocinado.”

Tudo isso pode parecer, à primeira vista, sério. Mas o conceito é es­tranho, pois é improvável que mais do que uns poucos membros tenham feito qualquer transação de câmbio com base no tal sistema autopiloto do mercado de moedas estrangeiras. E, mesmo assim, dificilmente eles teriam relatado seus lucros ao clube. Mais uma vez, parece que a regra não havia sido feita para ser compreensível.

Apesar da incoerência, milhares de investidores acreditaram na enge- nhosidade do sistema, uma vez que lhes eram prometidos retornos tão generosos. Eles estavam extremamente dispostos a recomendar o esquema e a garantir a adesão de novos investidores.

Nada de novo sob o sol: o grande golpista mencionado anteriormente, Sir John Blunt, já havia adotado como sua máxima, no esquema South Sea, no século XVIII, a frase: “Quanto maior a confusão, melhor.”

Ganhos e suicídiosUm grupo de pessoas que havia estado envolvido com a WinCapita

encontrou-se em fevereiro de 2009. A mídia informou que esses antigos

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membros esperavam, sinceramente, que as operações do clube reiniciassem o mais rápido possível, e a maior parte deles não achava que havia sido enganada.

Em um programa de notícias, o representante do grupo lamentou que a investigação da polícia fosse “uma conspiração tramada no Ministério do Interior”, que era a repartição governamental encarregada das investiga­ções policiais. Além disso, ele lamentava que as notícias alarmantes sobre a WinCapita “já tivesse levado a oito suicídios”.

A julgar pelos emocionados comentários do encontro, os participantes tinham boas lembranças da WinCapita, porque, por exemplo, eles haviam tido o bom senso de retirar o seu dinheiro a tempo ou porque haviam acumulado algum dinheiro através de gratificações e comissões de venda. Alguns deles podem ter genuinamente achado que a WinCapita era uma boa ideia, mas que tinha sido prejudicada pela intervenção abrupta da polícia.

Nada, na vida humana, muda rapidamente. Da mesma maneira que no golpe do estado fantasma de Poyais, no início do século XIX, no qual parte dos emigrantes enganados acusou os jornais de difamação e de relatos falsos, a reunião da WinCapita, 200 anos mais tarde, criticava a polícia por “informações confusas e imparciais”.

A verdade é que, obviamente, a intervenção policial livrou do prejuízo muitas das prováveis novas vítimas e também algumas das antigas.

Entretanto, na primavera de 2010, antigos membros da WinCapita fi­zeram uma nova reunião e expressaram sua esperança de que o esquema pudesse voltar a funcionar. Evidentemente, os participantes da reunião tinham, em geral, auferido bons lucros no início do esquema.

A profunda investigação policial da WinCapitaAs páginas do WinClub na Internet e, mais tarde, da WinCapita ficaram

ativas por cerca de três anos. Mas, sem qualquer aviso prévio, a página da Win­Capita foi fechada em março de 2008, e a verdade começou a ser revelada.

Aqueles que acreditavam terem sido enganados pelo esquema da WinCapita podiam se inscrever, junto às autoridades, como partes lesadas, em uma ação judicial coletiva, e exigir indenização dos responsáveis por seus danos. Havia mais de dez suspeitos principais, mas alguns juristas acreditavam que alguns patrocinadores (isto é, os membros VIP que rece­biam gratificações por trazerem outras pessoas para o esquema) também podiam ser processados por ajuda e cumplicidade. A polícia prendeu o principal suspeito, em dezembro de 2008, e alguns outros suspeitos, em março de 2009.

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A polícia estimou que o total de investimentos feitos no clube desde 2005 era de cerca de € 100 milhões. A WinCapita pagou € 32.6 milhões entre janeiro e março de 2008. Essas somas foram principalmente para os primeiros membros do clube.

Mas milhares de finlandeses acabaram tendo enormes prejuízos. Na data limite de meados de 2009, cerca de 2.600 pessoas haviam registrado sua queixa na polícia. Os pedidos de indenização por danos chegavam a cerca de € 32 milhões. Os ativos sequestrados pela polícia atingiram a soma de € 17 milhões.

As autoridades fiscais finlandesas concluíram sumariamente que os “investimentos” dos membros na WinCapita não envolveram nenhum investimento real de capital, mas apenas transferências de dinheiro. Portanto, os lamentáveis prejuízos sofridos por milhares de membros provavelmente não seriam dedutíveis em sua declaração de renda como se fossem ganhos de investimento de capital, o que não ocorreria no caso de prejuízos com investimentos em valores mobiliários, por exemplo. Tratava-se de outra má notícia para as vítimas da WinCapita.

O interessante é que apenas um quarto dos 10.000 investidores registrou queixa, embora seja altamente improvável que os outros três quartos não tenham sofrido prejuízos.

Há provavelmente outras razões para isso. Muitos investidores podem não ter querido contatar a polícia porque suas perdas eram pequenas ou porque temiam que as sessões de julgamento pudessem tornar público que eles haviam se deixado enganar. Outros podem não ter querido revelar as origens dos fundos investidos.

A investigação pelo Departamento Nacional de Investigação, assim como os interrogatórios dos suspeitos e dos milhares de investidores, têm consumido um tempo enorme. Comparado com outros crimes, em que há normalmente apenas um ou, no máximo, alguns suspeitos, este caso é completamente diferente, uma vez que há um número enorme de vítimas. A polícia interrogou 3.200 pessoas, e o material acumulado antes do julgamento chega a 5.200 páginas, além de nu­merosas fitas de vídeo.

A polícia também apontou que circulou muito dinheiro em ambas as direções, tanto que os extratos bancários da WinCapita não cabiam em uma caminhonete. Havia também as conexões internacionais.

O julgamento que chamou a atenção da opinião pública começou somente no final de 2010 e continuou durante o ano de 2011. Foi o maior na história da Finlândia. O promotor público pediu uma sentença

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de prisão de pelo menos cinco anos para o suspeito principal, Kailajärvi, que, segundo a promotoria, havia auferido mais de € 6 milhões.

Além de interrogar os suspeitos originais e ouvir um grande número de queixosos, a polícia começou a interrogar várias centenas de investidores que receberam lucros substanciais da WinCapita ou que não solicitaram indenização por seus prejuízos.

Além dos milhares de queixosos e de outros membros da WinCapita, o processo foi acompanhado de perto por dezenas de milhares de membros das famílias e amigos e, é claro, pelo público em geral, na Finlândia e em outros países nórdicos. Em 2 de dezembro de 2011, o principal suspeito do caso, Hannu Kailajárvi, foi considerado culpado de fraude e sentencia­do a quatro anos de prisão. Kailajárvi entrou com pedido de apelação do veredito. Sua cúmplice e antiga companheira, Tiina Wartti, recebeu uma sentença - suspensa — de prisão de um ano.

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16. O criminoso do século

O mundo de hoje é um lugar estranho e confuso. Nem mesmo em sonho alguém poderia imaginar que aquele grande guru americano do investimento, Bernard Madoff, receberia 150 anos de prisão e o duvidoso título de “Criminoso do Século”.

Quando, no final de 2008, Madoff confessou seu golpe em pirâmide no estilo Ponzi, atingindo o recorde mundial nesse tipo de fraude, o mundo dos investimentos ficou estarrecido. Ele simplesmente destruía a confian­ça tradicionalmente colocada nos investimentos sérios de portfólio, que haviam se tornado tão populares durante o boom das bolsas de valores dos anos noventa e início da década de 2000.

Nada será igual depois da maior fraude financeira de todos os tempos nos Estados Unidos, cometida por um superastro do setor de fundos de investimento. Os bem-afortunados investidores de portfólio não esquecerão tão facilmente Madoff, pois, como dizem, o dinheiro tem a memória de um elefante — além da coragem de uma lebre e a velocidade de uma gazela.

Milhares de crédulos, ricos e super-ricos jogaram voluntariamente bi­lhões de dólares no castelo de cartas de Madoff, sem o processo normal e prudente de uma auditoria prévia. Os gestores dos fundos de investimento que alimentavam o ardiloso fundo de Madoff com bilhões estavam, por sua vez, deslumbrados com suas exorbitantes comissões.

O início da vida de MadoffBernard Lawrence “Bernie” Madoff tornou-se extremamente

rico, mas sua origem é bastante simples. Ele nasceu no bairro Queens, em Nova Iorque, em uma família judia, em 1938. Seu pai,

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Raph Z., trabalhou como encanador antes de se tomar corretor da bolsa de valores, e sua mãe, Sylvia Madoff, também trabalhava na pequena corretora da família. A Securities and Exchange Commis- sion investigou a empresa nos anos 1960 por não ter apresentado seu relatório financeiro.

Madoff formou-se na Hofstra University, em outubro de 1960, com um diploma em ciências políticas. Ele também passou em um teste que lhe dava licença para trabalhar com valores mobiliários. Madoff gostava de promover o mito de que ele tinha um diploma de direito, mas ele nunca se formou em nenhuma escola de direito, embora tenha frequentado algumas aulas.

Trabalhando como salva-vidas num balneário e como instalador de sprinklers, o jovem Madoff economizou US$ 5.000. Com este dinheiro e US$ 50.000 (mais de US$ 350.000 nos dias de hoje) emprestados pelos seus sogros, ele fundou uma pequena corretora de ações em Wall Street.

Em 1959, Bernie se casou com Ruth Madoff (cujo sobrenome de solteira era Alpern). Ela tinha um diploma de psicologia do Queen's College e começou a trabalhar com Madoff em sua pró­pria firma. No início, eles não iam bem, mas a firma deslanchou com a ajuda de seu sogro, Saul (Sol) Alpern. Bem-relacionado, o contador recomendou Madoff para seus amigos ricos, que passavam o inverno na Flórida e o verão nas Montanhas Catskill.

A partir daí, a carreira de Madoff foi de vento em popa.Seu apartamento de luxo no East Side de Manhattan valia, em

2009, US$ 7 milhões. Sua casa de verão ficava em Montauk, ao leste da costa atlântica de Long Island.

Madoff também tinha um apartamento de luxo em Cap d’Antibes, na Riviera Francesa, e um iate Leopard de 27 metros de comprimento chamado The Bull. Ele ficava atracado no porto próximo a Port Gallice e estava avaliado em US$ 7 milhões.

Além de tudo isso, os Madoff possuíam uma imponente mansão de quase 900 metros quadrados de US$ 11 milhões em Palm Beach, na Flórida. Ela havia sido anteriormente lar da famosa família Pulitzer.

Madoff e sua mulher eram membros do exclusivo Palm Beach Country Club, frequentado por milionários e outras celebridades. Lá eles jogavam golfe e faziam a sua vida social.

Quando estava a trabalho, Madoff sempre era visto elegantemente trajado com ternos cinza caros e feitos sob medida, e gravatas de seda.

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O empreendedor e brilhante Bernard Madoff percebeu, muito cedo, as oportunidades que se abriam no campo de investimentos com as no­vas tecnologias da informação. Ele começou a usar a tecnologia rápida de transmissão de dados em seu negócio de corretagem, e seus clientes gostavam da informação ágil e das transações pontuais e velozes.

Dessa maneira, Madoff conseguia superar as firmas tradicionais de Wall Street e seu antiquado sistema de leilão de ações. Ele revolucionou os ne­gócios de fundos de valores mobiliários, tornando-os mais democráticos. Ao mesmo tempo, fez vários inimigos entre os grandes corretores, que, zelosamente, protegiam seu território.

Após alguns anos e alguns tropeços iniciais, alguns corretores, incluindo Madoff, fundaram, em 1971, o Nasdaq, a bolsa de valores voltada para a nova tecnologia. Nasdaq significa National Association for Security Dealers Automated Quotations. É hoje um dos maiores veículos de transações financeiras do mundo. A Nasdaq opera em Nova Iorque e trabalha com 3.300 firmas. Muitas delas são novas e crescem rapidamente.

Em dado momento, a firma de Madoff era a maior participante do mercado nos negócios de fundos de valores mobiliários da Nasdaq. Por esse motivo, ele foi eleito presidente do conselho da Nasdaq, fato que, obviamente, fez aumentar sua reputação entre os investidores importantes.

Já nos anos 1970, Madoff teve a ideia de pagar comissões para gestores de fundo externos que dirigiam transações de fundos de valores mobi­liários para sua firma. Era como se fosse um suborno legal: a generosa porcentagem de um por cento, e, mais tarde, de até quatro por cento para alguns fundos alimentadores. Essas comissões deixaram muitos corretores e gestores de fundo ricos, e felizes, por trabalharem com Madoff.

Fazendo uso dessa questionável prática, Madoff conseguiu de 5 a 15 por cento do volume total de transações com fundos de valores mobiliá­rios na Bolsa de Valores de Nova Iorque. Em 2008, ele era o sexto maior operador de mercado de Wall Street.

A maioria dos observadores acredita que a monumental trapaça de Madoff começou em meados dos anos 1990 — tal como ele mesmo afir­mava. Entretanto, alguns investigadores do governo americano insistem que ele já havia iniciado os golpes nos anos 1980.

Por detrás da fachada do escritório centralA central da Bernard L. Madoff Investment Securities estava localizada

no 34° andar do Lipstick Building, exatamente no centro de Manhattan, no número 885 da Third Avenue. Sua empresa ocupava três andares.

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O Lipstick Building era, em parte, propriedade de um amigo de longa data de Madoff, Fred Wilpon. Ele hoje é coproprietário do famoso clube de beisebol New York Mets. Trapaceado por seu amigo íntimo, Wilpon também teve grandes prejuízos.

O próprio Madoff trabalhava no 19° andar, juntamente com seu irmão, Peter, e seus dois filhos, Mark e Andrew, e também uma secretária. Este andar era ocupado, sobretudo, por cerca de 40 ou 50 corretores, que não estavam envolvidos nas atividades escusas de Madoff. Eles negociavam com instituições, enquanto a unidade de consultoria de investimento (mais conhecida como a Ponzi) lidava principalmente com pessoas físicas, segundo o jornalista financeiro Mark Seal, da revista Vanity Fair.

Os negócios com títulos mobiliários legais funcionavam como um cenário cinematográfico, enganando autoridades e investidores com a aparência de que tudo era normal. O enorme golpe em pirâmide foi exe­cutado por detrás dessa fachada. Muitas reuniões com grandes investidores eram feitas tendo a sala onde se faziam as transações como pano de fundo. Eles viam a agitada área onde se faziam as transações com seus próprios olhos e achavam que tudo estava normal.

Ruth Madoff ocupava um grande escritório no 18° andar, que ela visitava algumas vezes por semana. O mesmo andar também alojava ad­vogados, a auditoria interna, equipamentos de informática e uma pequena firma de investimento, a Cohmad Securities, de propriedade de Maurice Cohn. O nome Cohmad fora tirado dos nomes Cohn e Madoff. A firma atraía muitos investidores ricos para a armadilha de Madoff. Ela também servia como banco pessoal para a família de Madoff.

Abaixo, no 17° andar, ficava o grupo da consultoria de investimentos. Ao mesmo tempo que Madoff se tornava um nome importante na revolução no mercado de ações de Wall Street, ele também construía, gradualmente, seu negócio secreto de consultoria. Supostamente, ele cuidava dos investi­mentos dos seus principais clientes privados, registrando os lucros fictícios na contabilidade de seu hedgefund.

A unidade de consultoria era toda constituída por 17 jovens mulheres bastante inexperientes e mal-remuneradas, que não tinham muita instrução, nem experiência no setor financeiro. Elas eram instruídas a escreverem confirmações (tíquetes) para as compras de ações, que na realidade não haviam sido feitas, e faziam o que lhes era mandado. As jovens entrega­vam resumos de “investimentos” fictícios feitos em nome dos clientes de Madoff. A unidade era chefiada por Annette Bongiorno.

Madoff tinha uma atitude despreocupada em relação às autoridades. Ele nem se deu ao trabalho de fazer seu registro como consultor de

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investimento junto à Securities and Exchange Commission antes de o registro se tornar obrigatório, em 2006 — tal registro já se tornara cos­tumeiro e generalizado no campo há muito tempo. Entretanto, ninguém questionou essa omissão.

Talvez uma explicação para essa negligência deliberada estivesse no fato de que a Securities and Exchange Commission devia-lhe muitos favores. O vasto conhecimento que Madoff tinha de mercados era muito admirado e respeitado pelos funcionários da SEC. Já nos anos setenta e oitenta, Madoff havia ajudado a SEC em seu esforço para fazer com que os mercados se tornassem mais competitivos. Seu nome era tão conhecido na SEC que em algumas questões ele provavelmente deve ter influenciado as diretivas estabelecidas por aquela comissão.

Madoff talvez achasse que ele podia se safar com a firma falsa de con­sultoria e o seu hedgefund desde que eles não aparecessem muito. Quase ninguém os viu realmente funcionando. A elogiada repórter investigativa Erin Arvedlund, em seu livro sobre Madoff (fruto, diga-se de passagem, de um excelente trabalho de pesquisa), ao qual faço referência mais adiante neste capítulo, afirma que “ele agia literalmente debaixo dos narizes dos reguladores de mercado da SEC”.

O que é um hedgefund?O hedgefund americano original foi inventado pelo sociólogo

Alfred Winslow Jones, em 1949. Ele apostava em ações e outros títulos cujo preço julgava estar em alta (“posições longas”) e ao mesmo tempo apostava em ações cujo preço estava supostamente em baixa (“posições curtas”). A ideia geral era que, se, globalmente, os mercados subissem, a perda nos ativos vendidos a descoberto seria mais do que compensada pelo ganho extra obtido com os ativos comprados e vice-versa.

O portfólio seria, assim, um hedgefund lucrativo.O crescimento explosivo da indústria dos hedgefunds é ilustra­

do pelo fato de que há hoje cerca de 8.500 firmas de hedgefund em operação, um número que é maior do que o das companhias públicas que operam na Bolsa de Valores de Nova Iorque. Em comparação, em 1985, existiam apenas 85 firmas de hedgefund.

Um gestor de hedgefund cobra, em geral, taxas de administração de “2 e 20”, ou seja, a taxa padrão de administração de 2 por cento

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ao ano do valor líquido do título do fundo mais a taxa padrão de desempenho de 20 por cento do lucro do fundo, incluindo, normalmente, tanto lucros realizados quanto lucros não realizados. Mas no setor dos hedge funds, globalmente considerado, a taxa de administração varia de 1 a 4 por cento ao ano, enquanto a taxa de desempenho vai de 10 por cento até às espantosas porcentagens de 40 e 50 por cento.

Uma vez que não era obrigatório, até 2006, registrar os hedge funds junto à SEC, Madoff pôde por um longo tempo operar li­vremente sem que as autoridades supervisoras questionassem o que ele estava fazendo, dando-lhe, assim, a aparência de exclusividade e discrição de que ele precisava.

As chaves da atração exercida por MadoffMeu resumo pessoal de como a habilidosa estratégia de Madoff diferia

dos rudimentares esquemas do tipo Ponzi (por exemplo, o esquema do próprio Ponzi ou o da WinCapita) é o seguinte:

1. As operações de Madoff tiveram sucesso por tanto tempo porque ele tinha uma excelente reputação em Wall Street como um corretor hábil e por ter sido presidente do conselho da Nasdaq. Ele era admirado tanto por milionários quanto por investidores como um guru inovador no setor de investimentos.

2. Madoff não se vangloriava de lucros altíssimos de 100 a 400 por cento por ano. Ele prometia retornos de 10 a 15 por cento ano após ano, como um relógio, fizesse chuva ou fizesse sol. Essa atitude moderada, combinada com lucros estáveis, atraiu investidores ricos e experientes e reforçou a confiança deles.

3. Madoff tentava convencer pessoas abastadas ou instituições de caridade de uma forma discreta. Em contraste com muitas firmas agressivas, ele nunca forçava a situação, nunca estava abertamente em busca de clientes. Ele escolhia seus investidores cuidadosamente; com frequência se tratava de grandes feeder funds (fundos alimentadores) que suplementavam sua própria base natural de investidores.

4. Seu fundo não estava disponível para as massas. Essa estratégia seletiva apenas reforçou a atração por Madoff. Seu truque de

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rejeitar certos investidores, dando a impressão de não precisar de seu dinheiro, funcionou maravilhosamente. Muitos investidores ricos imploravam abertamente para se tornarem clientes desse fundo exclusivo e desejável.

5. A estratégia do fundo de investimento era protegida como segredo comercial Ela era supostamente sofisticada, consistente e segura, mas “complicada demais para ser compreendida por pessoas de

fora”.6. Inteiramente consciente da avareza de muitas pessoas ricas,

Madoff não cobrava as costumeiras altas taxas e comissões que caracterizam os fundos de investimento. Ele dizia “judeus ganham um desconto”. Os milionários adoravam a prática de Madoff de não cobrar nenhuma taxa. Ele cobrava apenas pequenas comissões de venda. Os clientes acreditavam que a receita de sua firma era proveniente da venda de valores mobiliários.

7. Madoff era um mestre do ilusionismo. Ele conseguiu esconder o seu esquema tipo Ponzi por 15 ou 20 anos, ao contrário da maioria dos outros golpistas, que cometem grandes erros ou seguem a estratégia do “pegar ou largar”.

8. Madoff se apresentava como sendo cauteloso e discreto, o que agradava os investidores ricos. Ao contrário de outros hedge funds, seus clientes tinham que assinar acordos de confidencialidade, concordando em não falarem sobre a firma ou não revelarem que haviam investido com ele.

Um dos investidores de Madoff disse a Erin Arvedlund:Faz parte da mentalidade judaica especialmente a pru­dência financeira, o conservadorismo, o não correr riscos. Madoff era o oposto do risco - ele era o anti-risco... Ele tirava proveito desse sentimento conservador, passando a impressão de que não se tratava simplesmente de um esquema para se tornar rico rapidamente.

Madoff também fez nome em Capitol Hill, como um generoso doador tanto para as campanhas do Partido Democrata quanto para as campa­nhas do Partido Republicano e como um lobista agressivo em favor da reestruturação da bolsa de valores. Ele fez parte de vários conselhos da sua área de atuação.

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A estratégia secreta de investimentoComo esta fraude que ficou registrada como um recorde mundial

foi executada na prática? Como foi possível que milhares de executivos experientes e ricos e outros milionários, muitos fundos de investimento renomados, nos EUA, na Europa, na América do Sul e na Ásia, e gran­des instituições de caridade, que lidam com bilhões de dólares, tivessem caído nela?

A longa e bem-sucedida história de golpe de Madoff é quase inacre­ditável — mas infelizmente verdadeira.

Nos anúncios de marketing da Bernard L. Madoff Investment Securities dirigidos aos investidores, Madoff descrevia sua estratégia de conversão do tipo split-strike da seguinte forma: ele adquiria posições em 30 a 35 grandes ações blue-chip (ações de primeira-linha) americanas cujo desenvolvimento melhor correspondesse ao índice de ações da Standard & Poor e então assinava contratos de opção de compra ou venda dessas ações.

Ele afirmou que vendia direitos de compra (calls) de acordo com o índice e comprava direitos de vendas (puts) também de acordo com o índice, na base daquilo que é conhecido como OPT (out-of-the-money option), ou seja, uma opção de compra em que o preço acordado (strike price) está abaixo do atual preço de mercado da ação subjacente. Os direitos de venda, segundo ele, eram em grande parte financiados pela venda de direitos de compra, o que, supostamente, limitaria o risco de prejuízos de portfólio. O próprio Madoff manteve a sua estratégia em “segredo”. Aos que ousavam pedir detalhes, ele respondia que se “tra­tava de uma estratégia com marca registrada” que ele não permitia que outros copiassem.

Minha suspeita é de que poucos dos milionários investidores entendiam alguma coisa de derivativos sofisticados, incluindo toda a complicação en­volvida nas operações de opções de venda (puts) e opções de compra (calls). Isso não era a área deles. Eles simplesmente confiavam no grande guru.

Alguns analistas da bolsa e dos fundos de investimento tentaram fazer um teste retrospectivo (back-test) da estratégia de investimento de Madoff, utilizando os preços históricos reais das opções das ações e dos índices americanos. Eles não conseguiram, nesses testes, replicar os lucros que ele alegava obter.

Quando questionado sobre isso, Madoff contra-argumentava que “eles não fizeram um bom trabalho”. Estranhamente, esses testes negativos não suscitaram nenhuma reação.

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Após a prisão de Madoff, o gestor nomeado pelas autoridades judiciárias, o advogado Irving Picard, chocou a todos com o anúncio de que Madoff não havia feito, nos últimos 13 anos, nenhuma das numerosas transações que sua estratégia teria exigido. Era tudo ilusório.

Uma vez que Madoff nunca fez nenhum investimento legítimo em ações com o dinheiro de seus clientes particulares, ele provavelmente depositou grande parte daqueles fundos em sua conta corporativa no Chase Manhattan Bank. O Chase e seu sucessor, o JP Morgan Chase, ganharam, segundo o FinancialTimes, aproximadamente US$ 483 milhões com sua conta bancária.

Seguindo a forma costumeira das pirâmides, a maior parte dos inves­tidores não fez grandes retiradas em dinheiro (até 2008) de sua parte nos lucros; em geral, eles ficavam satisfeitos em ver que seus “lucros de papel” apareciam nas contas que mantinham com Madoff. Quando os investidores realmente faziam saques em dinheiro de suas contas, correspondentes aos seus lucros ou ao seu capital, eles eram pagos com o dinheiro que acabava de entrar, trazido por novos investidores e, de uma forma limitada, com os pagamentos dos juros sobre os depósitos bancários auferidos pelas contas de Madoff. O que é certo é que nenhum dinheiro era proveniente da proclamada estratégia de investimento.

Em dado momento, alguns analistas (por exemplo, Clarence Barron) levantaram a suspeita de que Madoff lançava mão, em suas transações de fundos mobiliários, da estratégia conhecida como front running. Trata-se de uma prática ilegal, pela qual um corretor compra ações para a sua própria conta quando ele tem informações de que um cliente entrará com uma grande solicitação de compra. Quando, como resultado da compra do cliente, o preço da ação sobe, o corretor pode vender, com lucro, as suas próprias ações. Mais tarde, entretanto, ficou provado que ele certamente não estava praticando front running, mas, pura e simplesmente, apenas trapaceando.

Lucros suspeitos e sinal vermelhoO experiente analista financeiro e contador americano Harry Marko-

polos já havia registrado uma queixa sobre os negócios de Madoff junto à Securities and Exchange Commission, em 1999, solicitando que eles fossem investigados. O título do longo memorando de Markopolos era “O maior hedgefund do mundo é uma fraude”. Ele listava 29 problemas.

Sua conclusão final: “Bernie Madoff está administrando o maior hedge fund não registrado do mundo. Ele organizou este empreendimento como um hedgefund dos fundos... Se isso não é driblar as regras estabelecidas, eu

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não sei o que seria.” Na opinião de Markopolos, ou era uma pirâmide do tipo Ponzi ou era uma operação de front running. Ele, finalmente, concluiu que, provavelmente, se tratava de um golpe do tipo Ponzi.

Markopolos fez uma análise detalhada dos lucros improvavelmente estáveis do fundo de Madoff. Ele calculou que, para conseguir pagar 12 por cento em lucros anuais aos investidores, Madoff tinha que ganhar continuamente 16 por cento brutos por ano, porque ele pagava quatro por cento para os feeder funds, em retribuição à “ajuda de investimento” que eles davam. Na opinião de Markopolos, os números não batiam.

A Securities and Exchange Commission investigou a Madoff Securities, num período de 16 anos, pelo menos oito vezes. Outros experts financei­ros, além de Markopolos, também fizeram algumas denúncias, às quais se pode acrescentar uma série de outros rumores. A Securities and Exchange Commission, entretanto, não encontrou nada de suspeito.

A Securities and Exchange Commission também se encontrou com Markopolos, em 2001, para discutir sua denúncia de que a firma de Madoff usava métodos fraudulentos. Novamente, nada de criminoso foi detectado. Em 2007, uma equipe de controle de investimentos da Securities and Exchange Commission ainda investigava se Madoff tinha iniciado um esquema do tipo Ponzi, mas novamente nada negativo foi encontrado.

Alguns críticos afirmam, segundo o USA Today, que essas investigações foram conduzidas de maneira incompetente. O próprio Madoff disse ao New York Daily News que ele poderia ter sido flagrado já em 2003, mas os investigadores agiram como detetives desastrados e nunca chegaram a fazer as perguntas certas.

Persistente e profissional, Markopolos lutou por quase dez anos para desmascarar Madoff, mas antes de a crise estourar, colocando Madoff numa difícil e desesperada situação de falta de liquidez, ele pouco havia conseguido. Graças às boas relações de Madoff com a Securities and Ex­change Commission, ninguém investigou suas denúncias em profundidade. Questioná-ló era quase impensável.

De acordo com Arvedlund, um amargurado Markopolos declarou, em seu depoimento ao Congresso, que a Securities and Exchange Commission havia tolerado a fraude de Madoff porque a agência reguladora é “refém do setor que controla e tem medo de iniciar grandes processos contra as firmas maiores e mais poderosas”. Em sua opinião, a maior parte dos fun­cionários da SEC padecia de “incompetência e ignorância financeira”. Em2010, Markopolos publicou um livro sobre sua batalha, com o apropriado título de No One Would Listen (Ninguém ouvia).

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Um suntuoso clube de golfe como local de aliciamentoO elegante clube de tênis e de golfe Palm Beach Country Club, si­

tuado perto de sua imponente mansão à beira-mar, era um dos locais de atuação mais importantes de Madoff. Ele havia sido aceito como sócio desse exclusivo clube da classe alta da costa leste graças à apresentação de seus contatos de Nova Iorque e da Flórida, uma vez que a filiação ao clube é altamente restrita.

Além de extremamente ricos, boa parte dos sócios era constituída por homens de negócios de origem judaica. Por ser irmão de fé, Madoff se dava bem com eles. Muitos deles eram pessoas hábeis em lidar com dinheiro e estavam muito bem-familiarizados com o mundo do investimento e dos negócios. Muitos dos sócios eram donos de uma riqueza que, em termos monetários, chegava à cifra dos nove dígitos.

Os sócios jogavam golfe ou tênis durante a manhã. Alguém insinuou que Madoff trapaceava também no golfe, pois ele parecia atingir sempre o mesmo número de pontos. Nos fins de tarde, havia comes e bebes e, muitas vezes, eventos beneficentes.

Sempre sorridentes, Madoff e sua esposa Ruth eram conhecidos no clube como um casal despretensioso. Eles nunca se vangloriavam de nada, mas se inseriam facilmente em uma comunidade em que carreiristas não eram raros, ainda que desprezados.

Madoff conseguiu levantar uma soma calculada em US$ 1 bilhão, em investimentos recolhidos dos 350 sócios do clube. Ele provavelmente recebeu mais centenas de milhões, ou até mesmo bilhões, de instituições de caridade ligadas a eles.

Em geral, as pirâmides do tipo Ponzi atraem dinheiro de pessoas cré­dulas comuns. Mas desta vez os alvos eram indivíduos que sabiam como fazer dinheiro. Eles estavam fascinados por Madoff, em parte porque ele nunca se rebaixou, apelando para um marketing agressivo.

No Palm Beach Country Club, alguns novos sócios com carteiras re­cheadas pagaram US$ 350.000 de taxa de adesão apenas para conhecerem pessoalmente o guru do investimento e para terem a oportunidade de investir em seu fundo milagroso. Além disso, os investimentos não eram uma insignificância qualquer, mas começavam com um mínimo de US$ 5 milhões, podendo atingir uma cifra que ia de US$ 10 a US$ 100 milhões.

Muito provavelmente, alguns dos investidores mais astutos devem ter suspeitado que Madoff estava trapaceando. Mas, tal como ocorre em muitos outros golpes, eles arriscaram investir, pois ganhavam com a trapaça. Ele

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geria a sua firma há tanto tempo que sentiam que ele representava uma aposta segura.

Além disso, um dos trunfos de Madoff era o de ser conhecido por liberar o dinheiro dos investidores imediatamente, quando solicitado. Em contraste, muitos outros fundos estipulavam que os investidores tinham de manter seus fundos intocados por alguns meses, ou até mesmo por alguns anos, como se fosse um depósito de longo prazo, um lock-up, no vocabulário dos hedgefunds.

Milionários descuidados e administradores de investimentoA credulidade de muitos dos grandes investidores é surpreendente. É

óbvio que a maioria deles esqueceu temporariamente a regra básica do mundo do investimento: uma análise cuidadosa do alvo do investimento, ou seja, a devida precaução. E também a velha regra: “Confie, mas confira.”

Nenhum dos investidores milionários exigiu uma revisão da contabi­lidade do empreendimento de Madoff por alguma firma de contabilidade conhecida, tal como uma das quatro grandes firmas do ramo: a Ernst & Young, a Deloitte Touche Tohmatsu, a KPMG ou a PricewaterhouseCo- opers. O alarme deveria ter soado ao se tomar conhecimento de que o auditor do negócio de Madoff era uma minúscula empresa do interior, a Friehling & Horowitz.

A firma tinha apenas um auditor ativo, David C. Friehling. Já em 1993, ele havia comunicado ao American Institute of Certified Public Accountants (AICPA) que ele não fazia mais auditorias públicas. Apenas em 2007 uma firma de pesquisa e consultoria de hedgefunds, a Aksia LLC, avisou a seus clientes para não investirem mais no empreendimento de Madoff, pois a firma que estava fazendo a auditoria não tinha uma equipe capacitada. Além de tudo isso, o controlador da firma de Madoff morava, prazerosamente, nas Bermudas!

Os investidores não questionavam sua estratégia de investimento nem os limitados recursos humanos e financeiros da empresa. Eles confiavam no guru financeiro que todos conheciam e com o qual jogavam e jantavam. Ele era um deles. Os investidores agiam como um rebanho, seguindo o exemplo de outros milionários de sucesso, seus amigos.

Outro sinal de que havia algo de errado era que os lucros registrados de Madoff eram contínuos e constantes demais. Por exemplo, o Fundo Quantum, de George Soros, que chegou a atingir o valor de US$ 20 bilhões, apresentou anos extremamente lucrativos com retornos de até

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50 por cento. Mas eles foram seguidos por prejuízos acentuados, em anos difíceis. Ele era volátil, e os lucros eram instáveis.

Madoff, por outro lado, alegava ter tido apenas o inacreditável perío­do de cinco meses de queda desde 1996. Charles Gradante, da firma de pesquisa de hedgefunds Hennessee Group, afirmou que “você não pode atravessar entre 10 e 15 anos com apenas três ou quatro meses de queda. É simplesmente impossível”.

Os fundos de investimento naturalmente favorecem os hedgefunds de baixa volatilidade porque todos os investidores odeiam perdas. Mas os lucros absurdamente regulares de Madoff deveriam ter suscitado mais questões.

Outro sinal suspeito era que, apesar de Madoff ser um pioneiro em tran­sações eletrônicas, ele se recusava a fornecer aos seus clientes acesso on-line às suas contas. Ele enviava extratos de contas apenas pelo correio, enquanto a maior parte dos hedgefunds costuma enviar extratos por e-mail para que fossem facilmente analisados pelos investidores e, talvez, também por experts em valores mobiliários — algo que Madoff certamente desejava evitar.

Como Madoff se recusava a discutir quaisquer detalhes de sua estra­tégia de investimento (o que agora se compreende, pois era inteiramente forjada), ele não aceitava profissionais de gerenciamento de ativos como clientes. Eles poderiam criar problemas.

Com a vantagem proporcionada por uma visão retrospectiva, vemos que o gigantesco golpe de Madoff também levanta uma série de questões delicadas a respeito da responsabilidade moral dos grandes gestores de ati­vos. Eles devem agir como fiéis depositários e fiscais de seus investidores. As taxas e comissões extremamente generosas de Madoff evidentemente cegaram de uma tal maneira muitos dos feeder funds americanos e europeus que eles remeteram bilhões de dólares de seus investidores para o fundo de Madoff sem uma pesquisa mais profunda ou sem a devida precaução.

Por exemplo, um dos maiores desses feeder funds era o Access International, fundado pelo nobre francês René-Thierry Magon de La Villehuchet. Ele co­brava dos clientes de seu fundo, o Luxalpha SICAV-American Selection Fund, uma taxa de adiantamento de 5 por cento (!), uma taxa de gerenciamento de 0,8 por cento e uma taxa de desempenho de 16 por cento. Seus investimentos totais no fundo de Madoff eram de impressionantes US$ 1,4 bilhão.

Um último sinal de que havia algo de errado: é interessante notar que, aparentemente, nenhum dos milionários se queixou de que seu dinheiro era mantido em custódia pela própria firma de Madoff. Como observa Arvedlung, não havia um depositário independente, como, por exemplo, um banco. Ao contrário, a Madoff Securities tinha acordos de corretagem

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com controle total e administrava os ativos livremente, tudo em um único pacote, o que constituía um claro conflito de interesses e um enorme risco para o investidor.

Os bancos como intermediáriosAlgumas firmas de advocacia europeias contratadas por grandes in­

vestidores iniciaram, segundo o Financial Times, um processo em Nova Iorque e Luxemburgo contra o banco suíço UBS e contra o HSBC. Acredita-se que, quando alguns feeder funds canalizaram bilhões de dólares para o fundo do próprio Madoff, esses bancos agiram como os maiores depositários europeus para os valores mobiliários ou fundos ligados a Madoff.

No final de 2010, o interventor nomeado pela justiça no caso Ma­doff, Irving Picard, também processou o importante banco suíço UBS e algumas outras instituições, exigindo uma compensação de mais de US$ 2 bilhões. O UBS foi acusado de colaboração com o gigantesco esquema Ponzi de Madoff por patrocinar feeder funds internacionais que enviavam dinheiro para Madoff, contribuindo, assim, para “emprestar uma aura de legitimidade” às suas atividades.

Além de estar ciente dos indícios das atividades impróprias da Madoff Securities, o UBS “optou por tornar possível a fraude de Madoff, em seu próprio benefício”, disse o interventor. Ele afirmou que o “esquema de Madoff não poderia ter tido sucesso se o UBS não tivesse feito vistas grossas”. Os acusados no caso UBS incluem pessoas afiliadas ao Access International Advisers e ao Luxalpha Sicav.

No início de dezembro de 2010, Picard também processou o grande banco HSBC, exigindo uma compensação de US$ 9 bilhões. Buscando recuperar fundos em nome das vítimas de Madoff, ele fez 24 acusações de fraude e conduta inapropriada contra o banco por colaborar com o esquema de Madoff através da criação de uma rede internacional de feeder

funds. Um processo similar foi iniciado contra o JP Morgan Chase, no valor de US$ 6 bilhões.

A peça de acusação argumentava que os acusados estavam inteiramente cientes dos sinais de fraude por parte da firma de Madoff, os quais, de resto, eram amplamente conhecidos. “Se o HSBC e os acusados tivessem respondido apropriadamente a tais alertas e a outros sinais óbvios de fraude [...] o esquema Ponzi de Madoff teria desabado muitos anos antes e muito antes que bilhões de dólares tivessem sido tragados pelo esquema, fazendo

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um número incontável de vítimas”, disse Picard, segundo o serviço de notícias da BBC.

Supostamente, o HSBC teria solicitado, em duas ocasiões, a contadores da firma KPMG que investigassem problemas com a firma de Madoff e, nas duas ocasiões, a KPMG relatou sérios riscos, de resto já conhecidos do próprio HSBC.

O HSBC afirmou que estava se defendendo “energicamente” no que dizia respeito às acusações feitas contra Madoff. O banco considerava que as acusações de má conduta contra Madoff feitas pelo interventor eram infundadas.

Além disso, Picard registrou queixas em 9 de dezembro de 2010 con­tra outras sete instituições financeiras globais: o Citibank, o Natixis AS, o Fortis, o ABN Amro Bank, o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, o Nomura e o Merril Lynch, hoje propriedade do Bank of America.

No total, até 11 de dezembro de 2010, Picard havia iniciado cerca de 30 processos para tentar recuperar entre US$ 40 bilhões e US$ 50 bi­lhões dos bancos e dos feeder funds que canalizavam dinheiro para Madoff. Os vários acusados parecem ter ganhado várias centenas de milhões de dólares em taxas com o esquema. Até meados de dezembro de 2010, o interventor havia recuperado cerca de US$ 2,6 bilhões através de acordos e vendas de ativos.

Entretanto, o dia 17 de dezembro de 2010 foi um bom dia para muitas das vítimas de Madoff, as quais não tinham tido muita razão para serem otimistas. Kara Scannel, do Financial Times, escreveu que a administração do espólio de Jeffry Picower, um investidor de longa data de Madoff que, em 2009, foi encontrado morto em sua piscina na Flórida, havia concor­dado em entregar a enorme soma de US$ 7,2 bilhões às vítimas, na maior recuperação de dinheiro do esquema desde que a fraude foi descoberta em 2008. O acordo com os promotores federais e com Irving Picard foi aprovado por um juiz federal, no maior confisco da história do Departa­mento de Justiça dos EUA.

O acordo elevou a recuperação dos fundos de Madoff a quase US$ 9,8 bilhões. Picower havia começado a investir com Madoff nos anos 1970. Suas contas de investimento haviam contribuído com cerca de US$ 619 milhões, tendo recebido “astronômicas” taxas de retorno que chegavam aos três dígitos. Como ele havia sacado US$ 7,8 bilhões antes do colapso, a retirada líquida foi de quase US$ 7,2 bilhões. Sua mulher, que, segundo o interventor, mostrou-se cooperativa e participou das negociações em boa-fé, afirmou que seu marido “não fora, de maneira alguma, cúmplice da

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fraude de Madoff”. Os fundos recuperados começaram a ser distribuídos a vítimas selecionadas em 2011.

Alguns dos fundos de investimento de Madoff começaram a trabalhar com os assim chamados “investidores prejudicados” para tentar liquidar a questão. Em 2010, muitas das vítimas haviam recebido propostas de vários fundos oferecendo até 31 centavos por cada dólar de seus processos de indenização contra Madoff. De acordo com Dam McCrum e Anousha Sakoui, do Financial Times, um dos “investidores prejudicados” afirmou que, incluindo o grande acordo de recuperação já mencionado, o espólio estava perto de cobrir 50 por cento de seus pedidos de indenização.

Um ataque final contra alguns dos bancos e feeder funds suspeitos de envolvimento no triste caso Madoff foi lançado por Irving Picard em 10 de dezembro de 2010. Ele abriu um processo no inacreditável valor de US$ 19,6 bilhões acusando 60 pessoas e instituições, incluindo os prin­cipais bancos da Itália e da Áustria, de terem feito parte de um “esquema ilegal” que durara mais de uma década. Ele visava o retorno dos fundos dos investidores e das taxas bancárias, além de indenização por danos.

O processo, o maior e mais sério processo civil iniciado em conexão com o caso Madoff, segundo Brooke Masters do Financial Times, visava o Bank Medici, o falido Austrian Bank, a sua antiga presidente Sonja Kohn, o Bank Áustria e o UniCredit, proprietários parciais do Bank Medici, por terem supostamente feito parte de uma “conspiração”, canalizando a incrível soma de US$ 9,1 bilhões para Madoff.

A acusação do interventor contra o Bank Medici, discutida mais adiante neste livro, assinalou a primeira vez em que ele abria um processo civil de “extorsão”, uma acusação particularmente séria, que permitia que ele reivindicasse danos triplos. Em sua opinião, Sonja Kohn “havia sido a men­tora de um vasto esquema ilegal [...] não apenas para sustentar a fraude de Madoff, mas também para enriquecimento próprio, de sua família e dos maiores bancos da Áustria e da Itália”.

Sonja Kohn estaria, supostamente, no centro de uma conspiração de 23 anos, embolsando um total de pelo menos US$ 62 milhões em “co­missões”. Picard afirmou:

Em Sonja Kohn Madoff encontrou uma alma-gêmea criminosa, cuja ganância e perversa criatividade com­paravam-se às suas.

A acusação também sustentava que Kohn havia feito um acordo com Madoff já em 1987. Ela receberia uma taxa fixa por trazer clientes para

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a operação dele. Antes de sua confissão de culpa, Madoff supostamente destruiu os registros secretos de suas negociações com Kohn, mas antigos funcionários tinham guardado cópias. Aparentemente, ela recrutou seu primeiro cliente para Madoff em 1989, um contato de negócios de seu marido, uma pessoa que morava em Chicago.

O Bank Medici funcionava essencialmente como uma filial do gran­de Bank Áustria, que possuía 25% de seu total, gerenciava suas contas e portfólios e lhe cedia funcionários, num sistema de rodízio. A acusação alegava que o Bank Áustria recebera US$ 31 milhões em taxas do Me­dici. Ao longo dos anos, os negócios de Kohn abriram filiais na Itália, na Alemanha, em Gibraltar e nas Ilhas Caimã.

O UniCredit é um dos pilares da economia italiana, com mais de US$ 1,3 bilhão em ativos e presença em 22 países. É um dos maiores bancos da Europa. O UniCredit comprou o Bank Áustria em 2005. O processo, no valor de US$ 19,6 bilhões, citava, segundo Rachel Sanderson do Fi- nancialTimes, o nome do antigo executivo-chefe do UniCredit, Alessandro Profumo, juntamente com mais de 50 outros acusados, incluindo o braço de gerenciamento de ativos do UniCredit, o Pioneer. Tendo recebido um arrasador voto de censura por falta de confiança, Profumo deixou o Uni­Credit em 20 de setembro de 2010, após 15 anos como executivo-chefe.

Um advogado do antigo Bank Medici e de Sonja Kohn disse que lutaria contra “acusações inteiramente descabidas”. Além disso, os responsáveis pelo UniCredit declararam que iriam se defender “energicamente”. Nenhum dos acusados no processo do interventor foi criminalmente indiciado.

Os responsáveis pelos bancos processados por Picard antes dessa ação também declararam, em sua maior parte, que refutariam as acusações. Entretanto, um dos supostos grandes perdedores no golpe de Madoff, o Union Bancaire Privée, concordou em pagar até US$ 500 milhões para tentar pôr um ponto final nas acusações.

A razão para iniciar, no final de 2010, um processo contra tantas institui­ções era que o último prazo para apresentar queixas no caso Madoff acabara em 11 de dezembro de 2010, dois anos após a prisão de Bernard Madoff.

O grupo francês de gerenciamento de ativos para pessoas físicas, o Mees- chaert Gestion Privé, decidiu pagar indenizações para os seus clientes preju­dicados pelo esquema de Madoff. Em nome de muitos clientes, o Meeschaert havia feito investimentos no já mencionado fundo Luxalpha, com sede em Luxemburgo, fundo este que, por sua vez, canalizava dinheiro para o de Madoff.

Esse foi o primeiro caso francês em que investidores foram indenizados por seus prejuízos relativos ao caso Madoff. Meeschaert decidiu fazer isso

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para manter a confiança de seus clientes. Ele devolveu a soma do capital total do investimento para eles, mas não os lucros nominais, que, na verdade, eram fictícios, segundo as próprias autoridades.

Os colunistas financeiros Minder e Henriques relataram que um sur­preendente número de 720.000 investidores fora dos EUA que haviam perdido dinheiro no esquema de Madoff fizeram acordo com seus bancos, recebendo US$ 15,5 bilhões no total, de acordo com firmas de advocacia que atuaram em favor das vítimas globais da fraude. Muitos deles eram espanhóis e latino-americanos. A compensação cobriu o capital investido, mas não os lucros forjados. O Banco Santander, um dos maiores bancos do mundo, pagou, sozinho, a soma de US$ 2,33 bilhões. O Santander foi a terceira maior vítima de Madoff no mundo.

O Banco Nacional do Kuwait devolveu US$ 50 milhões para cerca de 20 investidores ricos. Aparentemente, o grande fundo estatal de in­vestimento Abu Dhabi Investment Authority também havia investido, indiretamente, US$ 400 milhões com Madoff.

Nem todos os bancos e investidores caíram na armadilha de Madoff. Por exemplo, o Goldman Sacks e o Crédit Suisse comunicaram aos seus grandes clientes que o fundo de Madoff não estava em sua lista de inter­mediários recomendados.

A razão para a atitude cautelosa do Goldman relativamente ao fundo de Madoff, segundo Arvedlund, pode ter sido a seguinte: embora a estratégia de investimento de Madoff exigisse enormes transações em opções de ações e derivativos, nenhum dos profissionais do setor havia ouvido falar delas nem muito menos as tinha realmente visto na prática. Nem o pregão da bolsa de Chicago nem o chefe da mesa de negociações do Goldman haviam ouvido falar de Madoff. A decisão do Goldman de não fazer negócios com a firma de Madoff, significava um beijo da morte para ele, embora não fosse o único.

O Crédit Suisse fez um apelo para que seus clientes tirassem seu di­nheiro da firma de Madoff, porque eles não conseguiam descobrir como ele fazia dinheiro. Talvez as comissões excepcionalmente altas que Madoff pagava a qualquer um que lhe trouxesse clientes tenham sido vistas como um indício alarmante.

Em 2003, o grande banco francês Société Générale já havia enviado uma carta aos seus clientes de investimento recomendando que evitassem o fundo de Madoff.

Houve também tentativas de atrair o bilionário Donald Trump para o fundo de Madoff. Mas Trump recusou as ofertas, embora Madoff tivesse se tornado sócio do clube de golfe que leva o nome de Trump.

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O mistério de MadoffBernie Madoff era e ainda é um enigma, até mesmo em sua cela solitá­

ria na Carolina do Norte. Como ele realmente conseguiu defraudar tantas pessoas extremamente ricas e instituições de caridade nos Estados Unidos e no exterior? Por que as vítimas não checaram as informações básicas, come­çando pela qualidade da auditoria? Por que confiaram nele tão cegamente?

Talvez ninguém jamais chegue, um dia, a saber exatamente como e quando a lenda de Wall Street começou suas atividades fraudulentas em Nova Iorque, Palm Beach, Hollywood e em outros lugares. Apenas se pode dizer que foi, no mínimo, por volta de meados dos anos 1990.

A cada ano a sua lista de clientes ficava maior, incluindo, cada vez mais celebridades e outras pessoas ricas. Elas não conseguiam recusar os serviços do discreto guru dos mercados, reservados apenas a indivíduos selecionados e que prometiam lucros anuais aparentemente seguros — especialmente porque muitos outros homens de negócios e milionários haviam apontado o caminho.

O amigo de família de longa data, o bilionário têxtil Carl Shapiro, foi de grande ajuda para Madoff. Shapiro era muito respeitado em Palm Beach e seu apoio reforçou a reputação de Madoff.

Shapiro conheceu Madoff no início dos anos sessenta. Ele admirava o ex-salva-vidas e corretor que havia investido seus primeiros dólares em ações. O amigável Shapiro ajudou Madoff a deslanchar, confiando-lhe a quantia de US$ 100.000 (mais de US$ 700.000 em valores atuais) para aplicar em investimentos.

A amizade dos dois homens continuou por quase 50 anos. Madoff tornou-se o filho que Shapiro nunca tivera. Ele era convidado para todas as comemorações, casamentos e aniversários da família de Shapiro. Madoff tornou-se o administrador dos investimentos de seu clã.

Quando, já com 95 anos, Shapiro ficou sabendo, em dezembro de 2008, da prisão de Madoff, ele confessou, em uma entrevista publicada pelo Palm Beach Daily News, que “foi como uma facada no coração”.

Calcula-se que o filantropo e grande doador tenha perdido a enorme soma de US$ 545 milhões com a queda de Madoff, incluindo US$ 250 milhões que ele havia transferido no último instante, após receber um telefonema urgente de Madoff pedindo-lhe ajuda quando ele estava ten­tando se salvar da falência em 2008.

Além do mais, em dezembro de 2010, a família de Carl Shapiro fez um acordo com o interventor e os promotores, concordando em devolver

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US$ 625 milhões dos lucros que Shapiro havia anteriormente recebido de Madoff.

Os enormes prejuízos de americanos ricosAlguns diretores e celebridades de Hollywood, que haviam acumulado

milhões de dólares, constituíam presas fáceis para o grande tubarão finan­ceiro. Um deles foi Steven Spielberg, um dos diretores e personalidades mais influentes do cinema e ganhador de muitos Oscars. Seus filmes de sucesso incluem Tubarão; E. T., o extraterrestre; Indiana Jones; O resgate do soldado Ryan; e A lista de Schindler.

O colega de Spielberg, Jeffrey Katzenberg, também teve prejuízos. Ele é diretor-executivo da Dreamworks, que fundaram juntos, diretor da Walt Disney, bem como produtor do filme de animação Shrek.

Entre as estrelas de cinema que perderam milhões estava Zsa Zsa Gabor, que tinha tido oito felizes casamentos. A mesmíssima Gabor que certa vez filosofou que preferia chorar no banco de trás de um Rolls Royce do que de um Volkswagen contou que estava realmente “muito, mas muito furiosa mesmo”.

Outra vítima que sofreu perdas terríveis foi o popular ator John Malko- vich, protagonista de muitos campeões de bilheteria, como Império do sol, Na linha de fogo, Quero ser John Malkovich e Ligações perigosas.

O roteirista Eric Roth, famoso por Forrest Gump, também estava na lista dos infelizes investidores. Acredita-se que ele perdeu grande parte de suas economias.

Estimativas recentes sugerem que, fora as incontáveis vítimas não- americanas indiretamente atingidas, já mencionadas, houve, no total, 13.500 vítimas da conta individual de investimento de Madoff. Entre elas estava a antiga modelo Carmen Dell' Orifice, de Nova Iorque.

Dell' Orifice era amiga do milionário Norman F. Levy, do ramo de imóveis, que gozava a sua aposentadoria, viajava pelo mundo e fazia doações para instituições de caridade. Ele também “investia positivamente”, com a ajuda de seu bom amigo Bernard Madoff, em companhias e projetos socialmente responsáveis.

Madoff ficava feliz em fazer amizade com pessoas que eram tão ricas quanto ele. “Pessoas comuns” não lhe interessavam.

Segundo revelações do jornalista Mark Seal, da revista Vanity Fair, Levy já havia promovido uma reunião entre Dell' Orifice e Madoff, em 1994, em seu escritório central em Nova Iorque. Sem ela saber, Levy transferiu

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US$ 100.000 para a conta bancária dela e convenceu-a de que constituía uma honra especial para ela ser convidada a investir no fundo exclusivo de Madoff.

Dell' Orifice tornou-se amiga de Madoff. Seu investimento inicial, incluindo algumas grandes infusões adicionais de capital e lucros estáveis, foi aumentando com o tempo, até chegar a milhões de dólares. Levy estava maravilhado com o sucesso de Dell’ Orifice. A todo momento, ele elogiava Madoff com expressões como “Madoff é meu filho”, querendo dizer que ele era seu filho de criação e, portanto, um membro de sua família.

Madoff gostava da companhia de Levy, que era 26 anos mais velho do que ele, e lhe era grato por servir-lhe de “mentor e protetor por mais de 40 anos”. Após a catástrofe, Dell’ Orifice relembrava os constantes e exagerados elogios de Levy a Madoff, como, por exemplo: “Bernie é a pessoa mais respeitável e inteligente que conheço.” Esse episódio é uma prova da extraordinária capacidade de Madoff para enganar até mesmo pessoas inteligentes que haviam passado por todo tipo de experiência.

Ele roubava seus amigos e vítimas com um sorriso no rosto. A amiga da família de Madoff, Dell’ Orifice, perdeu todas as economias que havia feito ao longo da vida.

Quando Levy morreu, em 2005, aos 93 anos, Madoff fez um discurso de homenagem a ele no funeral. Ele deixou um patrimônio de US$ 244 milhões, parte do qual foi doado para uma instituição de caridade voltada para o tratamento do câncer. Os filhos de Levy já haviam recebido sua parte da herança e estabelecido suas próprias doações. Agindo como pro­curador da família, Madoff havia sido responsável pelos investimentos das instituições de caridade que ela patrocinava, as quais, como consequência, tiveram que encerrar suas atividades em dezembro de 2008, por terem perdido todo o seu dinheiro.

Outro rico homem de negócios e também vítima perdeu US$ 50 mi­lhões da noite para o dia. Ele se lamentava a Mark Seal: “Minha instituição de caridade foi destruída, minha fundação foi destruída, o dinheiro reserva­do para a aposentadoria dos meus funcionários simplesmente desapareceu.”

Outros compararam os eventos ao desastre do Titanic: quando as pes­soas tomaram conhecimento das gigantescas perdas, começaram a berrar e a gritar desesperadamente. “Bernie roubou-nos a confiança,” disse um colega de longa data que perdeu a maior parte de suas economias.

Soube-se que, após a catástrofe, alguns sócios do Palm Beach Country Club foram obrigados a vender suas casas na Flórida e seus iates. Ao mesmo tempo que provavelmente se desligaram do clube, com tristes memórias.

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Instituições de caridade também foram roubadasAs instituições particulares de caridade possuem um papel

importante nos Estados Unidos. As cerca de 72.000 instituições doam, em anos normais, bilhões de dólares às suas causas favoritas. Sua riqueza se deve, em parte, à isenção de impostos sobre doações.

As instituições geralmente investiam seus ativos de maneira cautelosa, evitando empreendimentos arriscados, limitando os inves­timentos a um mínimo, como forma de conservar o capital. Talvez elas tivessem julgado que o fundo de Madoff fosse um investimento seguro. Mas a verdade é que muitas delas perderam, juntando tudo, os bilhões de dólares que haviam conseguido com grande esforço.

Entre as que tiveram a infelicidade de cair na trapaça de Madoff estavam instituições de apoio a vítimas do câncer, a pacientes com Alzheimer, a crianças autistas, a mulheres que sofreram violência no lar e a diabéticos, sem mencionar aquelas que ajudavam uni­versidades, estudantes, museus, orquestras e jovens artistas. Algumas, incluindo a Chais Family Foundation, a Robert I. Lappin Cha- ritable Foundation, a Picower Foundation e a JEHT Foundation tiveram até mesmo que fechar suas portas após terem perdido todo o seu dinheiro.

Um dos prejudicados mais importantes foi o vencedor do Prêmio Nobel e sobrevivente do Holocausto Eliel Wiesel. Sua instituição perdeu US$ 15,2 milhões, e a maior parte das econo­mias de sua esposa virou pó.

Wisel disse, em fevereiro de 2009, que ele não era nenhum gênio financeiro, mas que havia se certificado com “os melhores cérebros de Wall Street” de que era seguro investir no fundo de Madoff. “Pensávamos que ele fosse Deus,” disse Wiesel, durante uma conferência. “Confiamos tudo em suas mãos.” Agora Wiesel descreve Madoff como “um ladrão, um trapaceiro e um criminoso”.

O golpe de Madoff tem grandes repercussões na sociedade americana, na medida em que o corte nas doações feitas pelas instituições de caridade atingidas afeta as vidas de centenas de milhares de cidadãos, talvez até mesmo milhões. Até o Comitê Olímpico Internacional estava entre as vítimas do golpe.

É interessante observar que enquanto Madoff saqueava tantas instituições de caridade, a instituição de sua própria predileção,

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a Lymphoma Research Foundation, para a qual ele doara cerca de US$ 6 milhões, não investiu em seu fundo. Seu filho Andrew havia sido diagnosticado com linfoma. Os ativos da fundação privada da família Madoff, no valor total de US$ 19 milhões, foram congelados pelas autoridades judiciárias.

Os milionários europeus trapaceados por MadoffCalculou-se, após a prisão de Madoff, que dúzias de hedgefunds e de

feeder funds concentravam um total de US$ 20 bilhões ou mais nas mãos de Madoff, incluindo o Union Bancaire Privée (UBP), sediado em Genebra, que perdeu cerca de US$ 700 milhões. A firma de Madoff era uma das cinco maiores holdings da UBP.

Além do banco espanhol Santander, outro perdedor foi o Pioneer Alternative Investments que fazia parte do banco italiano UniCredit. É interessante observar que o Banco Santander contribuiu com US$ 235 milhões para o fundo de socorro às vítimas de Madoff.

Uma das primeiras grandes vítimas privadas na Europa foi a principal proprietária da firma mundial de cosméticos L’Oréal, Liliane Bettencourt, de 86 anos. A revista Le Figaro revelou que o seu investimento original com Madoff através do fundo Luxalpha em Luxemburgo chegava a um valor que oscilava entre US$ 400 milhões e US$ 500 milhões. Entretanto, inteligente, a senhora pressentiu algo de errado e sacou a maior parte de seu investi­mento — apenas a insignificante soma de US$ 50 milhões foi ralo abaixo.

Aparentemente, outros investidores europeus atingidos pelo esquema de Madoff foram os fundos de pensão britânicos Merseyside e Hampshire, o fundo de pensão Deutsche Bank Italia, o poderoso fundo de pensão dinamarquês e holandês PFA Pension e o fundo de pensão da Shell. O suíço St. Gallen Kantonalbank também perdeu dinheiro.

Segundo Erin Arvedlund, o banco global HSBC havia emprestado uma quantia estarrecedora de US$ 1 bilhão a investidores que podiam usar seus fundos de investimento Madoff como garantias para seus empréstimos.

Outro grande perdedor, da turma dos que ficaram “muito, mas muito furiosos mesmo”, foi o renomado estilista Daniel Hechter. Ele é consi­derado o inventor das roupas ready-made. Hechter perdeu a maioria de seus ativos como resultado da trapaça de Madoff.

O mundialmente famoso diretor de cinema Pedro Almodóvar também foi afetado pelo esquema de Madoff. Alguns dos seus filmes, vistos por

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centenas de milhões de pessoas, são: Tudo sobre minha mãe, Fale com ela, Maus hábitos e Volver.

O Roubo da Afinidade e a Lista de SwindlerA instituição de caridade do Rabbi Mark Borowitz de Los Angeles

perdeu pelo menos US$ 200.000 no Roubo da Afinidade de Madoff. Ele explorou a inabalável crença de que se pode confiar no seu próprio povo. Borowitz fez o seguinte comentário a Mark Seal:

Não importa se você é latino ou negro ou judeu ou cris­tão, todos querem confiar na sua gente. Bernie Madoff arrebatou a nossa confiança e a violentou... Ele tirou proveito de cada uma de nossas vulnerabilidades, pois ele conhecia os nossos pontos vulneráveis.

O Jewish Journal de Los Angeles publicou um artigo sobre as milhares de vítimas, muitas delas judias. Ele chamava a lista de vítimas feita pelo interventor oficial, Irving Picard, de Swindler's List (A lista do trapaceiro).

O nome fazia alusão à Lista de Schindler, um filme épico americano de 1993, sobre Oscar Schindler e os judeus perseguidos. Schindler era um homem de negócios alemão que salvou as vidas de mais de mil re­fugiados polaco-judeus durante o Holocausto, empregando-os em suas fábricas na Polônia.

Coincidentemente, o filme foi dirigido por Steven Spielberg, uma das vítimas de Madoff destacadas na Swindler’s List.

Investimento seguro?Madoff surripuou seus bilhões de dólares de pessoas que sabiam como

fazer dinheiro. Curiosamente, a maior parte das vítimas via o fundo de Madoff como um investimento prudente no mercado de ações, sustentado por sólidos títulos do tesouro americano - firme como uma rocha.

Alguns dos clientes de Madoff jogavam com o spread (a diferença entre o preço de compra e o de venda de uma ação), um jogo muito perigoso. Um exemplo: alguém que no início da década de 2000 possuía uma casa na Flórida que valesse US$ 15 milhões e não estivesse hipotecada podia facilmente obter um empréstimo de US$ 10 milhões do banco a quatro por cento de juros em cima da hipoteca da casa. O custo dos juros era de US$ 400.000 por ano.

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Se o tomador do empréstimo investisse, então, os seus US$ 10 milhões emprestados do banco no fundo de Madoff a um lucro anual de dez por cento já descontados os impostos, os seis pontos percentuais de diferença entre os custos financeiros e operacionais para o empréstimo e o retorno sobre o investimento rendiam ao proprietário US$ 600.000 de lucro anual.

A semente para a catástrofe estava plantada: o fundo de investimento de Madoff foi liquidado no final de 2008, e o preço dos imóveis despencou. Quando o banco cobrava o empréstimo e o tomador não tinha os US$ 10 milhões para pagá-lo, o banco executava a hipoteca e vendia a propriedade por um preço aviltado, num mercado imobiliário enfraquecido, em geral com um desconto desmedido.

De repente, o arrojado investidor encontrava-se sem dinheiro e sem casa.

O que aconteceu com o dinheiro?Nunca se saberá a exata quantidade de dinheiro perdida pelas vítimas.

Picard calcula a perda dos investidores em US$ 18 bilhões. As estimativas atuais variam entre US$ 12 bilhões e US$ 20 bilhões.

O advogado principal de Picard, David Sheehan, disse, em setembro de 2009, que US$ 36 bilhões tinham sido investidos no esquema, dos quais US$ 18 bilhões haviam sido devolvidos aos investidores e US$ 18 estavam desaparecidos. Aparentemente, cerca de metade dos investidores de Madoff era constituída de “ganhadores líquidos”, ou seja, investidores que ganharam mais do que investiram.

O dinheiro sacado nos últimos seis anos está sujeito a processos judi­ciais de devolução.

A razão para as estimativas incrivelmente menores do que os US$ 65 bilhões mencionados anteriormente é que grande parte do dinheiro desaparecido nunca existiu realmente, a não ser nos extratos forjados que Madoff fornecia aos clientes. Na verdade, ele nunca via os lucros de seus clientes como reais, mas apenas como “lucros de papel”.

Ao longo dos anos, Madoff também despendeu grande parte do di­nheiro investido pagando capital e lucros para aqueles que os solicitavam. Aproximadamente US$ 12 bilhões foram “resgatados” por meio de resti­tuições de capital exigidas por clientes em pânico, em 2008, especialmente durante a aguda crise da bolsa de valores no outono desse ano. Madoff também emprestou dinheiro para sua fracassada firma de corretagem.

Além disso, ele também usou sua empresa como um cofre pessoal. A firma e ele eram uma só e a mesma coisa. Sua família tinha uma vida de

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luxo que era paga pelo dinheiro de outras pessoas. Uma indicação do ambiente de dinheiro fácil em que viviam foram os chocantes US$ 173 milhões em cheques assinados que foram encontrados no escritório de Madoff após a sua prisão, provavelmente destinados ao pagamento de bônus para a sua família e para alguns privilegiados funcionários.

Dentro da firma, ele favorecia os membros de sua própria família. A maior parte dos membros do círculo familiar mais amplo estava na sua folha de pagamento. Empregar a sua própria família era algo seguro e, obviamente, eles estavam inteiramente sob o seu controle.

Ruth Madoff, a esposa, era responsável pelas contas bancárias da firma. Peter, o irmão mais novo, atuava como diretor administrativo sênior e como CCO (Chief Compliance Officer), ou seja, o funcionário encarregado de verificar se a firma está cumprindo as leis e normas oficiais. A filha de Peter, Shana, era a advogada responsável pelos aspectos legais relativos ao cumprimento dessas normas. Até mesmo a esposa de Peter, Marion, ganhava US$ 163.500 por ano, em 2008, segundo o International Herald Tribune, embora não haja nenhuma evidência de que ela tenha realmente trabalhado na firma.

Os dois filhos de Madoff, Mark e Andrew, trabalhavam como corretores, assim como seu sobrinho, Charles Weiner. Sabe-se que Andrew investiu uma grande quantidade de dinheiro no fundo de seu pai, enquanto Mark não era um investidor da firma. As razões disso talvez acabem por se tornar claras.

Além de familiares, estavam na folha de pagamento da Bernard L. Madoff Investment Securities outras pessoas que não trabalhavam propria­mente na firma, tais como pilotos de embarcações marítimas, governantas e outros serviçais. Madoff possuía, em conjunto com seu bom amigo, o magnata imobiliário Eddie Blumenfeld, um iate de luxo e um jato parti­cular, o Embraer Legacy, cujo valor era de US$ 24 milhões. O jato estava pintado com o logo “BM”. Esse amigo também teve grandes prejuízos com o colapso da firma de Madoff.

Aparentemente, suas esplêndidas casas na Flórida, em Long Island, na França e em Manhattan não eram muito usadas para promover os negó­cios da firma.

As atividades de lazer de Madoff eram caras. Ele pagava US$ 471.000 pela utilização da marina de Long Island. As taxas de manutenção dos clubes exclusivos consumiam quase US$ 1 milhão por ano, incluindo o Breakers, em Palm Beach; o Atlantic City Country Club, em Long Island; o Palm Beach Country Club; e o Trump International Golf Club.

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De acordo com uma declaração oficialmente registrada por Madoíf em 13 de março de 2009, ele e sua esposa valiam cerca de US$ 126 mi­lhões, além do valor estimado de US$ 700 milhões por sua participação na Bernard Madoff Investment Securities.

Seus outros principais ativos incluíam: títulos no valor de US$ 45 milhões; US$ 17 milhões em dinheiro em espécie; 50% da BLM Air Charter, avaliados em US$ 12 milhões; um iate Leopard, avaliado em US$ 7 milhões; uma casa em Montauk, avaliada em US$ 3 milhões; uma casa em Palm Beach, avaliada em US$ 11 milhões; uma propriedade em Cap d’Antibes, avaliada em US$ 1 milhão; e US$ 9,9 milhões em móveis, artefatos domésticos e arte.

As casas e embarcações foram levadas a leilão pelo US Marshals Ser­vice, o setor do Departamento de Justiça encarregado de fazer cumprir as decisões judiciais, no final de 2009. Além disso, o Marshals Service organizou vários outros leilões em Nova Iorque e Flórida em 2010 e2011, cobrindo milhares de itens domésticos e de uso pessoal. Entre outras coisas, eles incluíam diversos relógios de pulso e joias, um anel de noivado de diamantes de 10,5 quilates, utensílios de cozinha, sapatos, móveis e camas, livros e um piano de cauda Steinway & Sons usado como decoração. Até mesmo suas luxuosas cuecas estavam à venda, conforme o relato de Thomas Kaplan.

Um par de chinelos com as iniciais de Madoff bordadas em ouro figu­rava entre as maiores atrações. O resultado dessas vendas de itens domésti­cos, totalizando milhões de dólares, estava destinado às vítimas da fraude.

Em suas frequentes viagens para Londres, Madoff ficava no Lanesborough Hotel, um dos mais caros do mundo. Os hóspedes pagam até £8.000 por noite por uma suíte espaçosa e têm um mordomo à sua disposição. Segundo Arvedlund, Madoff deixou um baú de roupas no Lanesborough, que o hotel guardou, lavou, passou e pendurou em sua suíte para sua próxima visita.

Mark Madoff devia a seus pais US$ 22 milhões; e Andrew Madoff, US$ 9,5 milhões. A firma emprestou quase US$ 11 milhões para os dois para a compra de casas, mas a investigação não encontrou nenhum vestígio de devolução do dinheiro emprestado. O irmão, Peter, se beneficiou de um empréstimo de US$ 7 milhões em 2007.

US$ 2,7 milhões em dinheiro pertencentes à empresa foram supostamente usados para comprar uma casa em Nova Jersey para uma antiga funcionária, JoAnn Crup. Ela foi presa em novembro de 2010, juntamente com Annete Bongiorno, líder da unidade (Ponzi)

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de consultoria. Sabe-se que as duas mulheres eram responsáveis pela contabilidade forjada.

O papel da esposaRuth Madoff começou a trabalhar na firma Bernard L. Madoff Invest-

ment Securities em 1960. Além da contabilidade da firma, ela verificava as contas a pagar e fazia os respectivos pagamentos.

Como o pai de Ruth, Saul Alpern, havia tido um papel decisivo no recrutamento de investidores ricos para o fundo de Madoff, algumas pes­soas suspeitavam que ele havia sido o mentor por trás do modelo original de arrecadação de fundos de Madoff. Tendo trabalhado na firma há tanto tempo, Ruth obviamente conhecia o setor de investimentos bastante bem. Segundo Mark Seal, Madoff certa vez comentou com a sua secretária: “Sempre encarreguei a Ruth de verificar os registros contábeis. Ela não deixa escapar nada.”

Por essas razões, surgiram suspeitas sobre a possível participação de Ruth Madoff no golpe. Por que ela correu para o escritório do marido um dia antes de sua prisão para retirar US$ 10 milhões de sua conta pessoal? Aparentemente, ela tinha suspeitas de que ele seria preso. Algum tempo antes, Madoff havia transferido US$ 7 milhões para empresas das quais sua esposa, seus filhos e sua sobrinha eram proprietários.

A esposa sabia da duradoura fraude, e, se sabia, o quanto ela sabia? Bernie Madoff teria assumido toda a culpa para salvar sua própria família, seu irmão e seus parentes?

De qualquer forma, se a esposa não estava ciente do enorme golpe, que constituíra um grande choque para seus filhos, seu comportamen­to após a descoberta foi um tanto estranho. Uma reação natural teria sido a de abandonar o recordista mundial dos golpes que a ludibriara e desonrara e ter ido consolar os filhos do casal, que estavam comple­tamente devastados.

Até mesmo a esposa de seu filho Mark, Stephanie, fez um pedido oficial, em 2010, para mudar seu sobrenome e o de seus filhos para “Morgan”, por causa de supostas ameaças feitas à família. Mas Ruth Madoff continuou, fielmente, ao lado do marido. Aparentemente, ela lutou como pôde para conservar mais de US$ 60 milhões da fortuna da família, que, segundo investigadores do governo, não lhe pertenciam. No verão de 2009, ela chegou a um acordo com o promotor, segundo o qual ela poderia con­servar apenas US$ 2,5 milhões em ativos, enquanto o resto da imensa

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fortuna do casal era transferido para as autoridades americanas. Nenhuma acusação foi feita contra ela.

Até mesmo a irmã de Ruth Madoff, Joan, que morava na Flórida, perdeu US$ 2,7 milhões. Para tornar as coisas ainda piores, seu marido teve US$ 8,7 milhões confiscados. Na verdade, ambas as irmãs haviam colocado o dinheiro que herdaram de seus pais no fundo de Madoff.

A luxuosa vida da esposa do grande golpista sofreu um grande abalo. Dois pequenos exemplos da vida diária: seu cabeleireiro preferido recu- sou-se a oxigenar o cabelo de Ruth Madoff e sua florista de confiança recusou-se a receber sua antiga cliente.

O grande ganhador: o Internal Revenue ServicePor ironia do destino, um dos ganhadores do golpe de Madoff

pode ter sido o órgão do governo responsável pelo recolhimento de impostos, o Internal Revenue Service (IRS). Aparentemente, o IRS conseguiu coletar, ao longo dos anos, centenas de milhões de dólares em impostos de ganhos de capital relativos aos enormes lucros fantasmas do fundo de Madoff.

O maior ponto de desacordo das vítimas de Madoff com o governo era exatamente este, que impostos de ganhos capitais normais haviam sido devidamente pagos sobre o que acabou se revelando serem lucros de papel totalmente falsos, que muitas vítimas não viram em lugar algum, a não ser em extratos de conta forjados, e que, muito menos, haviam recebido em dinheiro vivo.

Além disso, os investigadores do Departamento do Tesouro descobriram que vários dos investidores de Madoff canaliza­ram seu dinheiro para contas offshore, sem registrá-las em suas declarações de renda. Consequentemente, em março de 2009, as autoridades americanas exigiram alguns bilhões de dólares como indenização para dívidas fiscais que haviam se acumulado ao longo de várias décadas. Até março de 2009, cerca de US$ 1 bilhão dessas dívidas tinha sido recolhido.

É provável que o IRS também aplique penalidades severas contra esses sonegadores de impostos por esconderem seu di­nheiro em contas offshore.

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O grande perdedor: o Bank MediciUm dos grandes perdedores foi o Bank Medici, que tinha um

papel central na expansão dos negócios de Madoff na Europa e também na Rússia, e foi processado em dezembro de 2010, como mencionado anteriormente.

Apesar de seu imponente nome, esse banco austríaco nada tinha a ver com os Medici, a família de negócios mais poderosa de Flo­rença entre o século XIII e o XVIII. A família Medici controlava um estabelecimento financeiro e político majestoso, conhecido por toda a Europa durante o Renascimento.

O novo banco, com esse imaginativo nome, foi fundado so­mente, em 1994, em Viena, pela anteriormente mencionada Sonja Kohn, que era proprietária de 75% do banco. O Bank Áustria Creditanstalt, o maior banco do país, e o conglomerado financeiro italiano, UniCredit Group, eram listados como acionistas mino­ritários. A relação com o Bank Áustria reforçava a credibilidade de Kohn.

O Bank Medici conseguiu, em 2003, obter, da autoridade financeira austríaca, uma licença bancária plena. Seus negócios eram dinâmicos e ele tinha um bom relacionamento com outros bancos que faziam o marketing dos fundos de Medici para inves­tidores privados ricos, principalmente na Europa e, em especial, na Rússia. Evidentemente, muitos dos investidores que compraram ações nos fundos do Medici não estavam cientes de que uma de suas destinações finais era um certo fundo denominado Madoff.

Segundo a repórter financeira Erin Arvedlund, ainda em no­vembro de 2008, o Bank Medici ganhou prêmios na Europa por seu “fantástico” desempenho. Seu fundo de ponta, o Herald USA, iniciado em 1996, registrou um retorno de 6,5 por cento por ano, até 28 de novembro de 2008, com ativos de mais de US$ 1,9 bi­lhão. Os concorrentes não conseguiam fazer-lhe frente. A maior parte deles havia perdido, em média, 17 por cento, quando a crise de crédito global afetou os retornos.

Originalmente, foi afirmado que o Bank Medici havia cana­lizado cerca de US$ 3,2 bilhões em investimentos para a firma de Madoff, mas estimativas oficiais apresentadas, mais tarde, pelo interventor Picard chegaram à soma de US$ 9,1 bilhões. Por esses

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serviços excepcionais, o banco recebia taxas e comissões gene­rosas de Madoff.

Após a prisão de Madoff, os funcionários responsáveis pela regulação dos bancos encontraram registros que indicavam que o Bank Medici havia recebido muitos milhões de dólares, a cada ano, por canalizar novos investimentos para a firma de Madoff através da Cohmad Securities. Acreditava-se que, sem dúvida alguma, Sonja Kohn e o Bank Medici estavam entre os mais importantes feeder funds de Madoff na Europa.

Havia também a suspeita de que Sonja Kohn tinha sido duplamente remunerada, em primeiro lugar sob a forma de co­missões do próprio Madoff, mas, em segundo, através das taxas provindas dos investidores que colocavam dinheiro nos feeder funds de Medici e que eram, mais tarde, canalizadas para Madoff. Aparentemente, a própria Kohn se descrevia como uma “ponte para Madoff”.

Uma porção substancial dos investimentos do Bank Medici vinha de bilionários oligarcas russos. Uma vez que Kohn, a prin­cipal proprietária do banco, deixara as luzes dos holofotes para se refugiar nalgum esconderijo, havia rumores de que ela temia uma amarga vingança de seus furiosos “camaradas” de Moscou.

A licença do banco foi revogada, e ele está agora sob a su­pervisão do estado austríaco sob um novo nome: 20.20 Medici AG. Um grupo de clientes do Bank Medici, residentes em Israel, Rússia e Ucrânia, registrou uma queixa na corte criminal de Vie­na, acusando o banco e Kohn de fraude e quebra de confiança.

O Fairfield Greenwich Group: o feeder fund principalO fundo de investimento Fairfield Greenwich Group, localizado em

Manhattan, também atuou como um dos principais fornecedores de Madoff. Ele empregava 150 pessoas em 2008, e seu gerenciamento de portfólio de ativos chegava à impressionante soma de US$ 14,1 bilhões.

O Fairfield Greenwich Group vendia seus investimentos de maneira bastante ativa e orgulhava-se de seu bom relacionamento com Madoff. Além de entregar enormes somas de dinheiro de americanos ricos, o grupo lhe transferia bilhões de dólares de investidores milionários da Europa e da América do Sul.

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O Fairfield Greenwich aparentemente era atraente para Madoff por uma simples razão: o seu capital de investimento vinha de fontes com­pletamente diferentes das costumeiras. O próprio Madoff atuava nos círculos judaicos do nordeste dos Estados Unidos, enquanto Fairfield e seu diretor-executivo, Walter Noel, trabalhavam com círculos cristãos e tinham estreitas relações de negócios na cidade de Greenwich (no estado de Connecticut), onde ele morava, e que é caracterizada como sendo predominantemente WASP (White, Anglo-Saxon, and Protestant — Branca, Anglo-saxã e Protestante).

Noel, com seu diploma de Harvard, era importante para Madoff por­que ele era uma personalidade “aristocrática”, de fora do seu círculo, que sacramentava os negócios de Madoff e lhe dava ainda maior credibilidade, diz Arvedlund.

Como resultado, uma proporção excepcionalmente alta, cerca de metade dos investimentos de Fairfield, era dirigida ao fundo de Madoff. Já antes, em 2004, a concentração de Fairfield no fundo de Madoff podia ser considerada absurda, pois 85 por cento dos seus ativos tinham sido investidos com Madoff.

No setor de gerenciamento de ativos, tal dependência excessiva de um único fundo representava uma acumulação extremamente singular de riscos de investimento. Não estava, de maneira alguma, em harmonia com uma política do fundo dos fundos, cuja ideia principal é a de distribuir os riscos pelos diferentes tipos de ativos.

Curiosamente, o Fairfield se apresentava como um fundo de inves­timento cauteloso e de baixo risco. Em seus prospectos, dava destaque às análises que fazia dos fundos nos quais aplicava e que seriam, suposta­mente, muito mais profundas que as de seus concorrentes. Os inventivos anúncios do Fairfield sobre a sua política de investimento antirrisco não passavam de pura propaganda.

Muito provavelmente, a razão para que a estratégia de investimento do Fairfield Greenwich se concentrasse tão intensamente no fundo de Madoff era que ele não lhes cobrava absolutamente nenhuma taxa de ge­renciamento de ativos. Ao contrário, ele lhes pagava uma porcentagem em comissões pela assessoria dada às operações de investimento. Normalmente, gestores de fundo de investimento como Madoff ficariam com dois por cento anuais sobre o capital e 20 por cento de todos os lucros auferidos por seus clientes. Entretanto, o principal objetivo de Madoff era garantir um fluxo contínuo de entrada de capital para o seu fundo.

Por conseguinte, investir com Madoff significava que o Fairfield econo­mizava bastante em custos e obtinha um razoável bônus, ao mesmo tempo

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que o Fairfield provavelmente cobrava de seus próprios clientes um por cento sobre o capital e 20 por cento sobre os lucros. Além de tudo, fundos do tipo do Fairfield (um feeder fund) cobravam várias taxas de transação. Tudo era extremamente lucrativo para o Fairfield.

Perder parte tão significante de seus portfólios de investimento da noite para o dia foi um choque terrível para os clientes do gerenciamento de ativos de Fairfield. Tanto o estado de Massachusetts quanto o interventor declararam que feeder funds como o Fairfield deviam dinheiro às vítimas.

Após a prisão de Madoff, o pessoal do Fairfield fez tudo o que pôde para fornecer provas da “devida prudência” que, na realidade, jamais tiveram. Um banqueiro de fora desse círculo chegou a confidenciar a Arvedlund: “Eles estão tentando se passar por ingênuos, fingindo serem vítimas. Eles sabiam muito bem das múltiplas questões existentes acerca das operações, dos registros e da contabilidade de Madoff.”

A confissão de Madoff acabou com muitos de seus feeder funds. O Fair- field Greenwich Group continuou com as portas abertas, mas despediu a maior parte de seu pessoal.

A revista Absolute Return observou que os principais feeder funds que fecharam incluíam o Fairfield Sentry Fund, que perdeu, segundo as esti­mativas, US$ 6,9 bilhões, e o Gabriel Capital Group and Ascot Partners, do qual US$ 3,3 bilhões em ativos ligados a Madoff foram confiscados. O conglomerado de fundos Tremont Group Rye perdeu US$ 3,1 bilhões e o Kingate Management, US$ 2,7 bilhões.

Como Madoff conseguiu continuar por tanto tempo?Considerando que o fundo de Madoff não fez nenhum investimento

real em valores mobiliários em favor de seus clientes por pelo menos 13 anos, é incrível como a fraude pôde continuar por tanto tempo. Ele preencheu um número incrível de declarações mentirosas e enviou balanços contábeis e outros documentos forjados para a Securities and Exchange Commission.

Madoff também enviava, pelo correio, extratos mensais forjados da conta da carteira de investimentos para milhares de clientes. Estes extratos não podiam ter se baseado em números aleatórios porque muitos investidores conheciam os mercados capitais bastante bem. Além disso, eles também tinham a consultoria de profissionais da área. Portanto, os extratos tinham que parecer absolutamente genuínos.

Se Madoff, tal como alegou no tribunal, realmente tivesse preparado sozinho todos esses extratos mensais forjados, ele teria sido a pessoa mais

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atarefada de sua geração. Entretanto, mais de um ano após sua prisão, seu lugar-tenente e diretor financeiro desde há muito tempo, Frank DiPascali, confessou que ele tinha ajudado Madoff em todas essas atividades.

DiPascali declarou-se culpado de fraude de valores mobiliários, lavagem de dinheiro e outras acusações que implicam penas potenciais de até 125 anos de prisão. Ele foi solto sob uma fiança de US$ 10 milhões, no início de 2010, e concordou em cooperar com a promotoria e revelar todos os métodos frau­dulentos usados, além de ajudar as autoridades judiciárias de outras maneiras.

DiPascali deu informações preciosas, as quais levaram à prisão de dois importantes programadores (que serão mencionados adiante), do auditor de longa data de Madoff e duas senhoras do escritório da empresa. A decisão de DiPascali em cooperar com as autoridades judiciárias fez com que a sentença relativa à sua declaração de culpa fosse adiada. Ele e sua esposa entregaram praticamente todos os seus ativos, calculados em mais de US$ 6 milhões, para o governo.

Dois programadores que trabalhavam na firma de Madoff foram presos em suas casas, em novembro de 2009. Eles foram acusados, pelo escri­tório da promotoria dos EUA em Manhattan, de ajudar a acobertar seu gigantesco esquema de fraude. Seus nomes são Jerome O’Hara (46 anos de idade) e George Perez (43 anos).

Os dois homens são acusados de fornecer o suporte técnico necessário para produzir todos os documentos forjados e os registros de transações que foram usados para defraudar os investidores. A Securities and Exchange Commission também iniciou, separadamente, um processo civil contra os dois homens, alegando que “sem a ajuda de O’Hara e Perez, a fraude de Madoff não teria sido possível. Eles usaram suas habilidades especiais de computação para criar registros de transação sofisticados, críveis e inteira­mente falsos, os quais foram, por muitos anos, essenciais para o sucesso do esquema de Madoff’’. Segundo Diana Henriques, do International Herald Tribune, quando, em dado momento, os programadores repensaram suas atividades ilícitas, talvez se recusando a continuar mentindo, Madoff instruiu DiPascali a pagar-lhes “o que eles quisessem, para mantê-los satisfeitos”.

Mais tarde, Madoff lançou alguma luz sobre como ele pôde continuar por tanto tempo com seu esquema. Isso ocorreu durante um interrogató­rio na prisão, conduzido pelo inspetor-geral da Securities and Exchange Commission, David Kotz, que estava encarregado de investigar como a Securities fizera (e mal) a supervisão da firma de Madoff ao longo dos anos. Madoff disse que os jovens investigadores que o incomodavam a respeito de pequenos incidentes, tais como os que envolviam mensagens

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de e-mail, deveriam ter verificado as coisas importantes, tais como a sua conta na câmara de compensação de Wall Street e seus negócios com as firmas que supostamente lidavam com suas transações.

“Se você estiver diante de um esquema Ponzi, é a primeira coisa a fazer,” disse Madoff, de acordo com Henriques. Apesar da “incapacidade crônica” da Securities and Exchange Commission, Madoff, na verdade, tinha certeza, em 2003 e 2004 e, novamente, em 2006, de que ele seria flagrado, mas a Securities mais uma vez não investigou direito.

Por que Madoff tornou-se criminoso?Bernard Madoff não precisava ser golpista. Em 1986, a revista

Financial World já incluía Madoff na lista das cem pessoas mais bem pagas de Wall Street, com ganhos estimados em US$ 6 milhões (US$ 12 milhões nos dias de hoje). Ele planejou sua firma para se tornar uma das maiores corretoras de Wall Street.

Como astuto homem de negócios e guru financeiro, ele tinha sucesso, poder e riqueza.

Por que ele construiu um mundo fictício e fraudulento em tor­no de si, quando o mundo real e honesto já havia lhe dado tanto?Por que ele escolheu uma estrada que levava a um beco sem saída, que o arrastou para a desonra e o pôs na cadeia para o resto de sua vida? Um fim que ele confessou ter antecipado em março de 2009.

Uma teoria diz que Madoff havia se dado mal em grandes operações de trading de ações e queria recuperar os monumentais prejuízos lançando mão de um sofisticado esquema Ponzi.

Outra possibilidade é que Madoff, tendo vindo de ambientes modestos e visto todos aqueles milionários à sua volta em sua juventude, decidiu que um dia iria emparelhar com eles, que iria mostrar a eles quem ele era. Seu sucesso inicial pode tê-lo tentado a adquirir ainda mais: casas luxuosas em lugares atraentes, iates, aviões, a boa vida desfrutada em clubes para milionários, riqueza para os membros de sua família, amigos ricos, tudo isso e muito mais - não aos poucos, mas agora, agora, agora.

Eleanor Squillari, secretária de Madoff, certa vez lhe perguntou o que ele achava do prejuízo de US$ 6 milhões que seu amigo, Noel Levine, havia sofrido porque sua secretária lhe roubara essa grande quantia de dinheiro.

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Madoff pensou alto: “Bom, sabe o que acontece, no início a gente pega um pouco, talvez algumas centenas, alguns milhares. A gente se sente confortável com isso e, antes que perceba, torna-se uma bola de neve.”

Levine, proprietário de uma imobiliária, que dividia o espaço do escritório com a firma de Madoff, sofreu prejuízos de dezenas de milhões de dólares com o golpe de Madoff. O velho senhor, de 80 anos de idade, estava petrificado pela nova calamidade.

Como pode ser humanamente possível que os amigos mais próximos da família de Madoff estivessem no topo da lista de ví­timas? Amigos e mentores que, por muitas décadas, haviam feito de tudo para promover sua ascensão à fama e à riqueza.

A mesma pergunta se aplica aos seus colegas mais próximos, de quem ele roubou as economias de uma vida. Que tipo de cons­ciência pode ter um homem que, além de tudo, roubou centenas de instituições de caridade?

Uma das teorias é que a empresa de consultoria de Madoff era, na verdade, seu próprio e caro meio de tomar dinheiro emprestado de gente rica, diz Erin Arvedlund. Pode ser que haja alguma verdade nisso, pois, em certa época, os pedidos de crédito de Madoff haviam sido rejeitados por vários bancos dos Estados Unidos e da Europa.

Através de seu fundo de “consultoria”, ele podia levantar ca­pital para seu negócio legal com a corretora. Ao mesmo tempo, ele evitava o detalhado processo da devida prudência que devia ser seguido por sua empresa como pré-requisito para qualquer banco conceder empréstimos corporativos tão grandes. Ele queria a garantia do segredo e pode ter pensado que “pagar” uma taxa quase fictícia de 10 a 15 por cento por ano de consultoria aos seus clientes era uma “taxa de juros” barata.

Outra possibilidade é que a Securities and Exchange Commission fechara duas das maiores fontes de fundo de Madoff, a Frank Avellino e a Michael Bienes, em 1992, o que pode ter sido decisivo para levar a operação de consultoria a transformar-se num completo Ponzi.

A ganância cede lugar ao medoOs anos 1990 e o início da década de 2000 foram tempestuosos nos

mercados globais de ações. Era o ambiente perfeito para Madoff executar o seu golpe de bilhões de dólares.

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Mas quando as bolsas de valores despencaram em 2008, durante a pior crise financeira em oito décadas, o castelo de cartas de Madoff estremeceu. A ganância dos investidores cedeu lugar ao pânico e a uma verdadeira debandada.

Alguns grandes investidores entraram em pânico e começaram a sacar seus imensos investimentos na Madoff Investment Securities. Cerca de US$ 7 bilhões foram sacados no outono de 2008, além de US$ 5 bilhões que já haviam sido retirados anteriormente naquele ano. Madoff estava num beco sem saída, numa desesperada crise de liquidez.

Pode-se, é claro, especular se Madoff conseguiria continuar desen­volvendo o seu golpe até o final de seus dias, já que ele tinha 70 anos. É óbvio que ele devia pensar que, não fosse a violenta crise das bolsas e dos bancos, ele o conseguiria.

Para sustentar a posição de caixa de sua companhia, Madoff ainda con­seguiu, em dezembro de 2008, obter o empréstimo de US$ 250 milhões de seu velho amigo Carl J. Shapiro, o filantropo e homem de negócios de 95 anos de Boston que tentara livrá-lo da falência. Isso não era, nem de perto, o suficiente. Nas semanas anteriores à sua prisão, ele tentou deses­peradamente obter mais fundos com outros amigos, sem nenhum sucesso. O jogo havia terminado.

Em 10 de dezembro de 2008, Madoff propôs aos filhos, Mark e Andrew, que a empresa pagasse, com dois meses de adiantamento, a surpreendente quantia de US$ 173 milhões em bônus. Aparentemente, os filhos não estavam cientes do iminente colapso da firma e insistiram que seu pai res­pondesse à pergunta: como seria possível que a firma pagasse bônus se ela não conseguia nem pagar aos investidores o dinheiro que eles solicitavam?

Sem opções, Madoff confessou que tudo estava perdido e que seu ne­gócio de consultoria de investimentos, o hedge fund, era uma fraude e um gigantesco esquema Ponzi. Mark e Andrew imediatamente informaram as autoridades judiciárias e a polícia.

Dois agentes do FBI, liderados por Theodore Cacioppi, prenderam Bernard Madoff, em 11 de dezembro de 2008, em seu apartamento de luxo na Park Avenue. Os primeiros interrogatórios começaram. Madoff foi mantido sob prisão domiciliar até março de 2009, vigiado pela polícia. Ele havia solicitado o pagamento de uma fiança de US$ 10 milhões, que fora aprovada pelo tribunal.

Logo após a prisão, o FBI entrou no escritório principal da Madoff Investment Securities. Sua primeira ação foi cortar os cabos das tritura­doras de papel. As investigações policiais consumiram um longo tempo.

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Quase todos os funcionários receberam ordens para deixar o escritório, com exceção daqueles que estavam prestando ajuda aos detetives federais.

Após a falência, a maior parte dos contratos de emprego foi encerrada, e os pagamentos de salários, interrompidos. Os bônus prometidos para 2008 também não foram pagos.

Em março de 2009, algemado, Madoff foi levado para uma audiência no tribunal. Já no início, ele renunciou a seu direito a um julgamento aberto e a ser ouvido por um júri preliminar (grand jury). Ele imediata­mente confessou ser culpado de 11 crimes diferentes. Ele admitiu tudo, incluindo fraude de valores mobiliários, fraude postal, fraude eletrônica, lavagem de dinheiro, declarações falsas e perjúrio.

A solicitação de Madoff para que não fosse levado a um julgamento aberto era, talvez, uma manobra tática para evitar contar toda a história em público e tentar conseguir uma sentença mais curta. Ou para poupar outros, incluindo sua esposa, o irmão, os dois filhos e outros parentes próximos que estavam na folha de pagamento da firma.

A sentença de Bernard Madoff foi anunciada em junho de 2009; um recorde de 150 anos de prisão, teoricamente até 2159. Entretanto, tendo em vista uma recente redução de 20 anos de sua sentença por bom com­portamento na prisão, o idoso de 73 anos seria libertado da prisão em 2139, quando teria, então, teoricamente, 201 anos.

Uma razão para a sentença excepcionalmente severa foi que, segundo o interventor nomeado pelo tribunal, Irving Picard, “Madoff não havia se mos­trado muito disposto a cooperar com as investigações” antes da proclamação da sentença. Com base nas predições de expectativa de vida, seus advogados haviam solicitado que sua pena de prisão fosse reduzida para 12 anos.

O juiz, Denny Chin, qualificou a fraude de “extraordinariamente perversa”, “sem precedentes” e “assombrosa”, e disse que a sentença iria dissuadir outras pessoas de cometer fraudes similares. Depois de a sentença ter sido pronunciada, uma vítima desesperada, Michael Schwartz, gritou: “Só espero que sua cela se torne seu caixão!”

Madoff foi enviado, para expiar seus pecados, para o Butner Federal Correctional Complex, em Burner, Carolina do Norte. Trata-se de uma prisão de segurança mínima, em que os prisioneiros gozam de certas “amenidades” ausentes do sistema prisional americano comum, mas longe de Wall Street e dos clubes de luxo onde ele buscava os seus clientes.

As investigações ainda continuam, sob várias formas, e pelo menos o auditor de Madoff, David C. Friehling, e alguns outros colegas ainda irão enfrentar julgamentos. Friehling declarou-se culpado de fraudes com

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valores mobiliários, de fraudes cometidas na qualidade de consultor de investimento, de apresentar relatórios forjados à Securities and Exchange Commission e de obstruir o Internal Revenue Service, o órgão americano encarregado da arrecadação de impostos.

Em outubro de 2009, o interventor buscou, em um processo, a devo­lução de quase US$ 200 milhões do irmão de Bernard Madoff, Peter, de seus filhos Mark e Andrew e da filha de Peter Madoff, Shana D. Madoff. Ele disse que a firma da família de Madoff havia “funcionado como se fosse um cofre da família”. Os membros da família não tinham sido capazes de detectar e interromper a fraude e “se eles tivessem feito seu trabalho honesta e fielmente, o esquema Ponzi de Madoff nunca teria tido sucesso nem teria continuado por tanto tempo”. Ele exigiu que eles devolvessem quase US$ 200 milhões, a serem distribuídos a investidores ludibriados pelo esquema.

No final de 2010, vários milhares de pedidos de restituição de dinheiro investido, assim como indenizações por prejuízos sofridos, haviam sido feitos ao interventor. A maior parte deles vinha de investidores menores. Os ativos de Madoff foram congelados.

Alguns investidores podem também ter acesso à Securities Investor Protec- tion Corporation (SIPC), um grupo do setor de valores mobiliários formado pelo congresso americano para ajudar clientes de corretoras falidas. O SIPC tem US$ 1,7 bilhão em ativos, US$ 1 bilhão em créditos disponíveis do tesouro americano e outra linha de crédito de vários bancos internacionais.

O SIPC estabeleceu que os investidores podem receber, no máximo, US$ 500.000 da SIPC, mas apenas por dinheiro e valores mobiliários que estão faltando em suas contas e desde que eles tenham sido compro- vadamente roubados. Nos Estados Unidos, os investidores indiretos (por exemplo, os que investiram através de feeder funds) ainda não eram, em meados de 2010, considerados elegíveis para receber indenizações através do SIPC. Entretanto, foram agendadas audiências para mais tarde, para decidir se eles podem se candidatar à ajuda financeira da SIPC.

Madoff se arrepende?Madoff se mostra arrependido de seus terríveis crimes?Há, ao menos até agora, pouca evidência disso. De certa ma­

neira, isto não é surpresa, já que a atitude geral dos criminosos é tentar se dissociar da culpa. Eles temem que, sem isso, seria difícil demais viver com ela.

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Em vez disso, sabemos que a maioria dos criminosos tipica­mente culpa alguma outra coisa, como uma infância difícil, más companhias, uma sociedade dura e imoral, muitas tentações, “as coisas dando errado” ou que eles apenas tentaram ajudar pessoas de sua afeição e assim por diante.

Mas suspeito que Madoff pense diferente. Em sua mente, ele pode culpar pessoas específicas por causar sua queda: políticos incapazes e suas políticas econômicas desorientadas que levam a crises econômicas e bancárias, banqueiros gananciosos e executivos de seguradoras que são responsáveis pelas falências de bancos, in­dustriais ineptos, agências reguladoras incompetentes que deixam passar tudo e investidores estúpidos que entram em pânico.

Foram todos parcialmente responsáveis pela pior crise bancária em oito décadas. Na esteira dessa crise, o colapso da bolsa de valores levou-o à sua própria ruína.

Ele provavelmente sente que ele próprio não tinha más in­tenções e que poderia ter continuado, só Deus sabe por quanto tempo, como um mago financeiro engenhoso e um bom homem de família — um bode expiatório que voluntariamente se ofereceu para carregar toda a culpa em suas costas e tentar salvar sua família do mal.

Além disso, tal como a maioria dos golpistas, ele provavelmente despreza suas vítimas e menospreza seu sofrimento, pensando, talvez, que, “de qualquer maneira, muitos deles ganharam uma fortuna”, “eram todos ricos” e “a estupidez tem um custo”.

Em janeiro de 2009, sem mostrar qualquer arrependimento, Madoff ainda tentou vender joias valendo milhares de dólares, es­condidas em embalagens postais, para seus amigos e filhos. Quando elas foram descobertas, a polícia aumentou a vigilância sobre o “Prisioneiro da Park Avenue”. Sabe-se que Madoff ficou furioso quando soube que seu truque falhara.

É verdade que ele afirmou numa audiência no tribunal, em março de 2009, que ele se arrependia profundamente e estava envergonhado de seus crimes. Na proclamação da sentença de junho, ele voltou ao mesmo tema: “Cometi um erro terrível”, “Vivo atormentado”, “Não conseguia admitir que tinha fracassa­do”, “Estou dolorosamente consciente de que prejudiquei muitas pessoas” e “Deixei um legado de vergonha”.

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Essas afirmações bastante estereotipadas de arrependimento dão a impressão de que ele tenta subestimar seus ignóbeis crimes. É difícil acreditar que representem qualquer tipo de arrependimento genuíno. Não são mais do que os costumeiros trejeitos de quem está tentando conseguir uma diminuição da pena. É possível que seu advogado de defesa e amigo de longa data, Ira Sorkin, estivesse por trás dessas expressões mecânicas.

Um desprezível sociopata?Madoff tem, claramente, dupla personalidade. Por um lado, inteligente,

vigoroso, agradável, até mesmo sedutor, embora levemente introvertido. Por outro, um golpista sorridente e de sangue frio que não estava preocupado por ter destruído as vidas e sonhos de seus amigos e de outras vítimas. Em resumo: um típico sociopata, cujos traços de caráter foram analisados no capítulo 5. “É simplesmente incrível que esse homem fosse um sociopata tão cruel - veio até à nossa comunidade, ao nosso clube de campo, sorriu para todos, apertou-nos as mãos, cumprimentou-nos, sabendo, o tempo todo, que estava roubando nosso dinheiro,” disse, chorando, de acordo com Marc Seal, um sócio do Palm Beach Country Club que perdeu milhões de dólares.

Outra vítima desesperada disse que Madoff “roubava de todo jeito que podia”.

Stephen Raven, o diretor do escritório londrino de Madoff, conside- rava-o como um caso clássico de Jekyll e Hyde. Ele não via no Madoff que era retratado na mídia, após a revelação do escândalo, o Madoff que ele conhecia tão bem.

Diz-se que o Madoff do círculo familiar era completamente diferente do Madoff das relações de negócio. Profissionalmente, ele era o discreto “Tio Bernie”, sempre sorrindo para o mundo. A família, em troca, era controlada pelo medo. Era amor inflexível e medo. As pessoas tinham medo de Madoff quando ele impunha seu poder e revelava seu mau gênio.

Ter uma personalidade do tipo da de Jekyll e Hyde é algo típico entre sociopatas. Eles se comportam de acordo com a situação para conseguir o que querem: sedutores, solertes, duros, mentindo e enganando para obter vantagens pessoais ou por diversão. Eles demonstram uma total falta de consideração, arrependimento e sentimento de culpa. Têm, além disso, um estilo de vida baseado no aproveitamento dos outros.

Madoff explorou habilmente o fato de que a maioria das pessoas é benevolente e confia nos seus semelhantes. Ele via as pessoas ricas à sua

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volta apenas como alvos, prontas para serem exploradas sem qualquer arrependimento.

A maior parte das pessoas sente alguma culpa após uma leve mentira ou trapaça, soltando, internamente e para si mesmas, a exclamação automática: “que vergonha!”. Mas Madoff era diferente. Ele era um trapaceiro com­pulsivo. Para ele, não fazia diferença para quem mentia, quem enganava, se era um amigo de toda vida, companheiro de crença, mentor generoso ou amigo da família, como Levy ou Shapiro, um bobo qualquer ou uma instituição de assistência às vítimas do câncer. Todos eles foram sistemati­camente enganados durante muitos anos e aparentemente sem quaisquer escrúpulos por parte dele.

No seu rastro, Madoff deixou desespero profundo, arrependimento e até mesmo suicídios. O rico aristocrata francês e gestor de ativos, René- Thierry Magon de la Villehucher, chefe da Access International, que havia investido a incrível quantia de US$ 1,4 bilhão de seu próprio dinheiro e do dinheiro de seus clientes no fundo, suicidou-se em dezembro de 2008- cerca de duas semanas após a prisão de Madoff.

Ao contrário de Madoff, ele não pôde suportar a vergonha. Ele tomou remédios para dormir, em seu escritório em Manhattan, e cortou o pulso com um estilete usado para abrir caixas. Em sua carta de despedida, ele escreveu: “Se você arruina seus amigos, seus clientes, você tem que en­frentar as consequências.”

“Se Madoff tivesse consciência, ele já teria cometido suicídio”, escreveu Marie Brenner, uma repórter que esteve nas sessões do tribunal. Seu filho Mark, que era corretor, foi encontrado enforcado em 11 de dezembro de 2010, num aparente suicídio, em seu apartamento em Manhattan. Acredita- se que ele estava profundamente furioso com o que seu pai havia feito com ele, com todos. Essa raiva só crescia, reabrindo constantemente as feridas.

Mas o recordista mundial dos golpes continua vivo e pode, nas pala­vras do poeta irlandês William Butler Yeats, continuar a “pentear os seus cabelos brancos”.

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17. O Fim

As fraudes financeiras têm uma história de pelo menos 2.500 anos- desde que o dinheiro foi inventado. A medida que os países foram ficando cada vez mais ricos, o seu ritmo apenas aumentou, e as fraudes foram se tornando cada vez mais globais e complexas, envolvendo mi­lhares de vítimas.

Os mecanismos que alimentam os fraudadores são os eternos sonhos das pessoas de enriquecerem rapidamente; sua cobiça por dinheiro, em sociedades como a nossa, centradas na vil moeda; a credulidade das vítimas; e a mentalidade da jogatina que penetra o tecido social. O dinheiro manda.

Pessoalmente, calculo que as vítimas de fraude em todo o mundo tenham perdido pelo menos várias centenas de bilhões de dólares na última década. Provavelmente, a tentação para se dedicar à fraude tem sido estimulada pelo fato de que as penas aplicadas têm sido, em geral, leves (com exceção do caso Madoff), quando se leva em conta o enorme sofrimento infligido a milhares de vítimas, cujas vidas e sonhos foram destroçados.

Como funcionam as pirâmides?Os esquemas em pirâmide utilizados pelos grandes fraudadores são

invenções diabolicamente engenhosas. Eles tiram proveito da cobiça ine­rente às pessoas e às suas esperanças de fazer muito dinheiro rapidamente. Para as possíveis vítimas, a maneira como os fraudadores montam esses esquemas é tentadora, complicada e suficientemente invisível para não levantar suspeitas nos estágios iniciais.

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A matriz da pirâmideEstágio 1: Planejamento meticuloso da estrutura da pirâmide e da isca: especulação superlucrativa e oferta de uma riqueza de milhões de dólares.

Estágio 2: Agentes de venda, dotados de uma conversa fácil e motivados por boas comissões, começam a vender investimentos, prometendo lucros rápidos de 15 a 400 por cento por ano.

Estágio 3: Os primeiros investidores realmente recebem os lucros generosos prometidos, servindo, assim, como excelentes referências, para os próximos investidores de que “o esquema funciona bem”.

Estágio 4: Rumores sobre lucros “facílimos” espalham-se como rastilho de pólvora.

Estágio 5: Mais agentes de vendas generosamente recompensados são contratados para fisgar milhões, senão bilhões das vítimas.

Estágio 6: Gradualmente, suspeitas surgem entre os investidores, a mídia e as autoridades. Alguns investidores mais atentos correm para sacar seu dinheiro.

Estágio 7: O fluxo de entrada de dinheiro diminui, os lucros não são mais pagos, os culpados são presos ou fogem, as investigações policiais começam.

Estágio 8: A pirâmide entra em colapso. Os investidores perdem seu dinheiro, parcial ou totalmente.

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Nem todo mundo saiu perdendoTipicamente, os golpistas tentam esconder o seu dinheiro sujo em

paraísos fiscais ou em outros lugares através da lavagem de dinheiro. Se flagrados, parte do saque pode estar esperando por eles depois de terem expiado seus pecados. Não é incomum que o dinheiro desapareça sem deixar rastro.

Apesar de as vítimas de golpes descritas neste livro terem perdido in­contáveis milhões de dólares, nem todos os investidores tiveram prejuízos. Alguns até ganharam quantias razoáveis, se entraram cedo na pirâmide e sacaram seus lucros enquanto ainda continuava entrando dinheiro prove­niente de novos aderentes. Por exemplo, presume-se que cerca da metade dos investidores de Madoff estava nessa situação.

Além disso, muitos dos agentes de venda que atraíram investidores para os esquemas também estavam entre os ganhadores. As firmas de gerenciamento de ativos e feeder funds também ganharam milhões de dólares sob a forma de generosas comissões, como confirma a tragédia de Madoff.

Péssima política, péssimas transações bancárias, péssima sorte — e péssima fiscalização

O dinheiro e os mercados capitais são dinâmicos, complicados e ins­táveis. Por essas razões, sua fiscalização e regulamentação representam desafios enormes, e as falhas cometidas nessas operações facilitam todo tipo de fraudes financeiras, como mostraram os tropeços da Securities and Exchange Commission no caso Madoff.

Historicamente, na tentativa de melhorar a fiscalização de mercados de valores mobiliários, após o choque da Quinta-Feira Negra e da Gran­de Depressão, o Presidente Franklin D. Roosevelt criou a Securities and Exchange Commission e nomeou Joseph P. Kennedy, pai do Presidente John F. Kennedy, como seu primeiro presidente, em 1934.

Por muito tempo, os recursos financeiros e de pessoal da SEC e seu poder de fiscalização eram bastante limitados. Eles estavam concentrados, sobretudo, em um grupo periférico de pequenos operadores, deixan­do que as grandes firmas, já estabelecidas, fossem fiscalizadas através da “autorregulamentação”, o que criava espaço para excessos financeiros e recorrentes crises bancárias, até os dias de hoje, na verdade.

Os anos 1970 foram anos em que muitos líderes de negócios e políticos, especialmente nos Estados Unidos, se dedicaram à análise de seus próprios

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princípios morais. Mas durante a presidência de Reagan nos anos 1980, esse processo sofreu uma reversão, com um retorno da velha visão tipi­camente americana: “O que é bom para os negócios é bom para o país.”

De modo geral, o estabelecimento financeiro tem sido da opinião de que as agências governamentais de fiscalização não devem ser demasia­damente severas na aplicação de medidas reguladoras. Em acordo com essa ideia, o ataque de Reagan contra o sistema regulador culminou em um decreto do executivo que exigia que fosse feita uma análise especial de custo/benefício antes que qualquer novo regulamento fosse posto em prática. O objetivo dessa estratégia era reduzir a “regulamentação des­propositada” e a carga que ela representava para os negócios americanos.

Não demorou muito para que a falta de regulamentação das transações bancárias tradicionais e da indústria de valores mobiliários tivesse conse­quências catastróficas. Obviamente, os lucros de vários bancos submetidos a pouca ou nenhuma fiscalização foram “privatizados”, enquanto os con­tribuintes tiveram ou terão que pagar pelos imensos prejuízos de bancos mal-administrados, como se viu nas recentes crises bancárias.

Tratava-se de uma síndrome com quatro componentes: péssima política, péssimas transações bancárias, péssima sorte e, em alguns casos, péssima fiscalização.

No início da década de 2000, após vários anos de tolerância, foi lançado um ataque contra operações bancárias temerárias e contra as fraudes. Estas eram algumas das medidas adotadas para combater os crimes financeiros: mais poder para a investigação especializada e para as agências de fiscali­zação do cumprimento da lei, mais recursos policiais, maiores orçamentos, leis especiais para facilitar o processo de acusação e julgamento, e tribunais especiais, com juízes treinados para lidar com casos de fraude.

E, finalmente, punições mais severas para crimes de colarinho branco, tan­to na Europa quanto nos Estados Unidos, tal como a pena máxima de prisão dada a Bernard Madoff. Atualmente, a Securities and Exchange Commission, com sede em Washington D.C., tem um quadro de 3.800 pessoas, divididas em 4 divisões, 19 escritórios e 11 escritórios regionais através do país.

Na batalha contra as fraudes financeiras, o emprego de auditores ex­ternos é um recurso pouco explorado. Esses auditores não deveriam ser capazes de fazer soar o alarme se e quando se vissem diante de ilegalidades corporativas sérias ou de práticas duvidosas?

Entretanto, o American Institute of Certified Public Accountants, a associação americana que reúne os contadores habilitados para atuarem nesses casos, juntamente com a maior parte dos profissionais individuais,

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por exemplo, têm tradicionalmente sustentado que “o sistema normal de auditoria não está feito para detectar fraudes e não se pode confiar nele para isso”. Os auditores individuais enfrentam um conflito de interesse inerente porque mesmo que seu empregador seja uma firma de auditoria independente, ela é, ainda assim, remunerada pelas empresas mais ou menos respeitáveis que eles examinam.

Uma firma de auditoria que adquire uma reputação de “zelo exces­sivo” ao verificar ilícitos corporativos pode acabar perdendo clientes importantes. Tal como afirmou, certa vez, James William Coleman, fun­cionário de uma das principais firmas de auditorias americanas: “Nossa responsabilidade, no que a isso se refere, é para com nossos clientes. Ela não inclui informar à Securities and Exchange Commission sobre pa­gamentos não pertinentes se por acaso os encontrarmos. Nós não somos uma polícia a serviço da SEC.”

Os auditores podem não ser policiais, mas eles poderiam, espera-se, ser de alguma ajuda na proteção do público contra fraudes. Os auditores poderiam, talvez, ser até mesmo legalmente convocados para registrarem quaisquer suspeitas de ilegalidade às agências de aplicação da lei em vários países.

A prova da realidadeAs fraudes financeiras têm sido facilitadas por golpistas espertos, con­

vincentes e de fala mansa, mas também pela credulidade de muitas vítimas. Acredito que as inúmeras perdas de milhões de dólares poderiam ter sido evitadas se os investidores de pirâmides tivessem feito algumas perguntas básicas que submetessem as propostas de lucros absurdamente altos à prova da realidade, como as que sugiro na lista de verificação que se segue.

O ABC da prova da realidade• Tente descobrir como esses fabulosos lucros são produzidos (quais

são os mecanismos de investimento?).• Pergunte por que outros gestores de ativos e bancos não usam

métodos de investimento similares, já que eles são tão fantásticos.• Descubra como os investimentos e lucros são tributados.• Pergunte quem é o proprietário da empresa e descubra seus

antecedentes (educação, experiência profissional, avaliação de crédito e, se possível, até seus antecedentes criminais).

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• Que recomendações profissionais os diretores podem apresentar?• Faça uma revisão dos balanços da firma nos últimos anos.• Descubra quem é o auditor da firma e verifique o último relatório

de auditoria (confirme diretamente com a firma de auditoria, pois relatórios de auditoria podem ser forjados).

• Tente analisar como o risco do investimento pode ser avaliado.• Descubra qual banco cuida do fluxo de dinheiro.• Verifique se alguém que não tenha nenhuma ligação com afirma

é o depositário dos ativos investidos (e não, como no caso Madoff, alguém de dentro da própria firma!).

Alerta especial: se os agentes de venda forem muito agressivos, insis­tindo que a decisão para investir precisa ser tomada com urgência, tome cuidado! Os trapaceiros estão sempre com muita pressa, pois temem que os seus antecedentes sejam submetidos a uma verificação.

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O golpe de bilhões de dólares de Madoff e outros golpes menores fo­ram alvos de muita atenção em todo o mundo. A mídia e as más-línguas se deleitaram com a desgraça em que subitamente caíram milionários empobrecidos. Por esta razão, espero que, pelo menos em um futuro pró­ximo, as pessoas sejam um pouco mais cautelosas se, e quando, lhes forem oferecidos lucros rápidos e excepcionalmente altos.

Se alguém de repente dissesse que pode dar um salto à distância de 15 metros quando o recorde mundial é de menos de 9 metros, ninguém acreditaria nele. Mas, no mundo do investimento, os golpistas apresen­tam, repetidamente, propostas tão fabulosas como essa, afirmando que, em vez da minguada taxa de dois ou três ou quatro por cento de juros, você pode ganhar 100 por cento ou até mesmo 400 por cento ao ano.Muitas pessoas caem nessa conversa ou, ao menos, cultivam a esperança de que elas poderão sacar seus lucros o mais cedo possível, antes que o esquema desabe.

As lições de BuffettVoltando à prova da realidade sugerida na seção anterior, gostaria que as

pessoas pensassem nos lucros de longo prazo (em contraste com os lucros

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fáceis e rápidos oferecidos por pessoas como Madoff) que o homem que é considerado o investidor de maior sucesso no mundo consegue obter - o respeitado multibilionário Warren Buffett. Através dos anos, ele gerou uma carteira de ativos de mais de US$ 40 bilhões, que, em grande parte, doou para instituições de caridade ou destinou ao auxílio do desenvolvimento de países pobres.

Buffett não investe em fundos de investimentos milagrosos que ofere­cem lucros de 100 ou 400 por cento e tampouco em nenhum hedgefund. Ele é um investidor que busca o que realmente tem valor. Investe em empresas que considera que são subestimadas, mas que são bem-sucedidas, estáveis, em empresas descomplicadas que têm uma ideia clara e lucrativa dos negócios e com ações cujo preço ele acredita que irão subir — como a Coca-Cola, a enorme rede de lojas de departamento Walmart, a com­panhia de seguros de carro Gelco e o banco Goldman Sachs. Com sua abordagem cautelosa, ele também nunca investiu no setor de tecnologia de informação porque não conseguia avaliar as firmas desse setor.

Buffett acumulou sua riqueza enorme graças a um retorno anual (valorização de capital e dividendos) que, em média, tem ficado na faixa dos 10 a 20 por cento ao ano. Ele está satisfeito com esse fluxo estável de receita, pois, calculando os juros compostos para um retorno anual de 10 por cento, por exemplo, em 20 anos o capital inicial de € 10.000 subiria para € 67.300. Nominalmente, o ativo teria subido sete vezes.

Se nem Buffett conseguiu fazer melhor do que isso, então é quase im­possível que golpistas que podem ser considerados amadores em termos de finança o consigam.

A regra de ouro no mundo dos golpistasNo mundo dos golpistas, muitas pessoas tiveram de pagar por lições

caras e amargas.A fiscalização e a regulamentação frouxas dos mercados financeiros têm

custado caro a investidores audaciosos e contribuído para a crise bancária internacional iniciada em 2007, além de ter possibilitado fraudes como a de Madoff. Talvez devesse haver um cartaz sobre a mais recente crise bancária mundial no qual estivesse estampado: “Made in the USA.”

Na esteira dessa escandalosa crise, tanto nos EUA quanto na Europa, as autoridades felizmente começaram a tornar mais rígida a fiscalização dos “bancos desleixados”, das práticas de investimento suspeitas e dos paraísos fiscais. O esforço de endurecimento da regulamentação pode também ter

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se tornado, agora, mais fácil, porque as autoridades responsáveis pela fisca­lização financeira, os bancos, os gestores de ativos, a mídia e o público em geral estarão provavelmente um pouco mais alertas no futuro se houver suspeita de novos e grandes excessos dos mercados ou de fraudes.

Além disso, a responsabilização fiduciária dos bancos e de outros gestores de ativos no setor de investimento de portfólio em geral e nas assessorias de investimento se tornará maior, numa tentativa de evitar o tipo de comportamento irresponsável por parte dos feeder funds e dos bancos que foi observado no esquema Madoff. Essas generosamente compensadas instituições transferiram, de bom grado, dezenas de bilhões de dólares do dinheiro de clientes que nada suspeitavam para o poço sem fundo de Madoff, sem o esperado processo da prudência devida.

Mas, ainda assim, a incerteza e a volatilidade dos mercados de valores mobiliários continuarão a prevalecer, podendo, talvez, até serem aceleradas, constituindo-se em fatores, que, em conjunto com a prosperidade cres­cente e o inesgotável fascínio pela especulação demonstrado por muitas pessoas, continuarão a oferecer terreno fértil para golpistas profissionais e implacáveis.

Tenha em mente, portanto, a regra de ouro do investimento:Se parece bom demais para ser verdade, provavelmente é bom demais para ser verdade.

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Este livro foi composto com tipografia Bembo e impresso

em papel Pólen Bold 90 g/m2 na Gráfica e Editora Del Rey.