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Globalização e Educação

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ANTÓNIO TEODORO

Globalização e EducaçãoPolíticas educacionais e novos modos de governação

Coleção Prospectiva

vol. 9

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GLOBALIZAÇÃO E EDUCAÇÃO: políticas educacionais e novos modos de governaçãoAntónio Teodoro

Capa: DACPreparação de Originais: Liege MarucciRevisão: Jaci DantasComposição: Dany Editora Ltda.Coordenação editorial: Danilo A. Q. Morales

Por recomendação do Autor, foi mantida a ortografia vigente em Portugal.

Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa doautor e do editor.

© 2003 by Autor

Direitos para esta ediçãoCORTEZ EDITORA INSTITUTO PAULO FREIRERua Bartira, 317 — Perdizes Rua Cerro Corá, 550 — Cj. 22 — 2º andar05009-000 — São Paulo — SP 05061-100 — São Paulo — SP — BrasilTel.: (11) 3864-0111 Fax: (11) 3864-4290 Tel.: (55 11) 3021-5536 Fax: (55 11) 3021-5589E-mail: [email protected] E-mail: [email protected] Home-page: www.paulofreire.org

Impresso no Brasil — junho de 2003

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Coleção “Prospectiva”Coordenação: Carlos Alberto Torres (UCLA, Los Angeles), Francis-co Gutiérrez (ILPEC, Costa Rica), José Eustáquio Romão (UFJF, Juizde Fora), Moacir Gadotti (USP, São Paulo) e Walter Esteves Garcia(UNESCO, Brasília)

Equipe técnica do IPF: Ana Maria do Vale Gomes, Ângela AntunesCiseski, Paulo Roberto Padilha, Sônia Couto, Valdete AparecidaArgentino.

Conselho Internacional de Assessores do IPF

Presidente: Rosa María Torres (EUA) · Vice-presidentes: Budd Hall(Canadá) e Heinz Peter Gerhardt (Alemanha) · Membros: AdmardoSerafim de Oliveira (Brasil) · Adriana Puiggrós (Argentina) · AdrianoNogueira (Brasil) · Ana Maria Freire (Brasil) · Antonio Faúndez(Suíça) · Antonio João Mânfio (Brasil) · Antonio Monclús Estella(Espanha) · Arturo Ornelas (México) · Balduino Antônio Andreola(Brasil) · Bartolomeo Bellanova (Itália) · Beno Sander (Argentina) ·Birgit Wingenroth (Alemanha) · Carlos A. Arguello (Brasil) · CarlosRodrigues Brandão (Brasil) · Celso de Rui Beisiegel (Brasil) ·Donaldo Macedo (Estados Unidos) · Eduardo Demenchonok(Rússia) · Elizabeth Protacio-Marcelino (Filipinas) · Francisco VioGrossi (Chile) · Frank Youngman (Botsuana) · Genoino Bordignon(Brasil) · Heinz Schulze (Alemanha) · Henry Giroux (Estados Uni-dos) · Hiroyuki Nomoto (Japão) · Ira Shor (Estados Unidos) · IsabelHernández (Argentina) · João Francisco de Souza (Brasil) · JürgenZimmer (Alemanha) · Luís Eduardo Wanderley (Brasil) · MarcelaGajardo (Chile) · Marcos Guerra (Brasil) · Michael Welton (Cana-dá) · Maria Teresa Sirvent (Argentina) · Martin Carnoy (EstadosUnidos) · Olga Goldenberg (Costa Rica) · Orlando Fals Borda (Co-lômbia) · Peter McLaren (Estados Unidos) · Peter Park (EstadosUnidos) · Pierre Furter (Suíça) · Sergio Martinic (Chile) · SylviaSchmelkes (México) · Torbjön Stockfelt (Suécia) · Virginia Guzmán(Peru).

INSTITUTO PAULO FREIRE

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Sumário

Prefácio ...................................................................... 9José Eustáquio Romão

Nota introdutória ..................................................... 17

CAPÍTULO 1

Políticas educacionais: a transdisciplinaridadede um campo de estudo.......................................... 25

CAPÍTULO 2

As novas formas de regulação transnacional daspolíticas de educação, ou uma globalização debaixa intensidade ..................................................... 45

1. Educação Comparada e organizaçõesinternacionais: entre o mandato e alegitimação ....................................................... 51

2. Legitimação e mandato nas políticaseducativas de um país da semiperiferiaeuropeia ............................................................ 55

3. Novas formas de regulação transnacional ouuma globalização de baixa intensidade ...... 83

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4. Globalizações hegemónicas e contra-hegemónicas: por uma pedagogia dapossibilidade na implementação de políticasemancipatórias no campo educacional ....... 95

CAPÍTULO 3

A perspectiva do sistema mundial moderno e oconceito de semiperiferia ....................................... 105

CAPÍTULO 4

Ética e Educação: a acção do professor e da escolacomo tempo e espaço de possibilidade ............... 137

Bibliografia ................................................................ 157

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Prefácio

José Eustáquio Romão*

Este livro do Professor António Teodoro1 é umbrinde à inteligência relativa a algumas das questõesque mais nos afligem neste final de século. E aindaque suas reflexões resultem de pesquisas realizadasem Portugal, elas são aplicáveis a outras partes domundo, mormente ao Brasil, por uma série de razões,dentre as quais cabe destacar duas. Primeiramente,pelos laços histórico-culturais que nos uniram porquase quatro séculos e que acabaram por gerar, em

* Fundador e Diretor do Instituto Paulo Freire. Professor dosMestrados em Educação do Centro Universitário Nove de Julho(UNINOVE), de São Paulo, e do Centro de Ensino Superior de Juiz deFora (CES/JF), em Minas Gerais.

1. O Professor Doutor António Teodoro é Coordenador doMestrado em Educação da Universidade Lusófona de Humanidades eTecnologias, com sede em Lisboa e com ação espalhada em vários paí-ses, especialmente aqueles que estão unidos pelos laços culturais da“lusofonia”.

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ambos os países, relativas proximidades e semelhan-ças, como, por exemplo, na estrutura, funcionamen-to, mazelas e conquistas dos sistemas educacionaisrespectivos. Em segundo lugar, o processo de globa-lização, que manteve Portugal na “periferia do siste-ma europeu” e o Brasil na periferia do Capitalismo,gerou lá, como aqui, problemas de agenda político-pedagógica que podem ser abordados de perspecti-vas e com instrumental teórico muito semelhantes.

De importantes pensadores do final do séculoXX e do início deste, como Boaventura de Sousa San-tos e Immanuel Wallerstein, António Teodoro extraiconceitos e instrumentos analíticos poderosos, opor-tuna e consistentemente aplicados a objetos educa-cionais. É o caso, por exemplo, do conceito de “regu-lação”, que ele capta no primeiro, para enfocar aagenda globalizada imposta aos sistemas nacionaisde educação, a partir de sutis estratégias (de investi-gação e disseminação de seus resultados pelo mun-do) desenvolvidas por agências multilaterais, comoa Organização para a Cooperação e DesenvolvimentoEconômico (OCDE). Aliás, seu artigo sobre esta ques-tão configura o capítulo II (As novas formas de regula-ção transnacional das políticas de educação, ou uma glo-balização de baixa intensidade), sem dúvida, o maisdenso e de maior empenho investigativo deste livro.Nas palavras do próprio autor, na “Nota Introdutó-ria”, “constitui o núcleo central do livro, do qualdecorre, aliás, o próprio título escolhido”.

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“Regulação” e “emancipação” constituem osdois pólos da tensão epistemológico-política do quepoderíamos chamar “Escola de Boaventura de SousaSantos”. Esta tensão é, talvez, o fio condutor axialdo pensamento deste sociólogo e de seus colabora-dores, que aproximam a primeira do colonialismo ea segunda da descolonização. Para nós, trata-se davelha relação entre opressor e oprimido, na qual oprimeiro sempre está limitado pela eterna tentativade imposição de um conhecimento e uma ordem so-cial alienada e alienante. As pautas da regulação sãoas pautas da apropriação privada de tudo, inclusivedos outros seres humanos. Nesta relação, o oprimi-do ou reage buscando a emancipação apenas emmomentos e contextos específicos de correlação deforças históricas favoráveis — e o que estamos vi-vendo parece-nos um deles —, porque, nos demais,acaba por “naturalizar” a regulação, caindo no fata-lismo ou, no desespero do sofrimento, assumindo a“consciência fanatizada”, a que se referia PauloFreire.

A forma como António Teodoro aborda a ques-tão enche-nos de esperança, porque a “globalizaçãode baixa intensidade” — conceito também elabora-do pelo grupo que cerca o sociólogo Boaventura deSousa Santos, no Centro de Estudos Sociais, da Fa-culdade de Economia, da Universidade de Coimbra— abre espaço para a formulação independente eautônoma, pelos sistemas nacionais, de políticas edu-

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cacionais próprias, mais consentâneas com as neces-sidades de cada país.

A explicação das razões da ocorrência de uma“baixa intensidade” da globalização, em determina-dos campos da ação hegemônica na contemporanei-dade, é dada em outras obras desse grupo, especial-mente na coleção “A Sociedade Portuguesa Peranteos Desafios da Globalização”, dirigida por Boaven-tura de Sousa Santos2, para a qual, inclusive,coloborou António Teodoro, em seu volume 6.

2. Esta coleção consiste num conjunto de oito livros, nos quais fo-ram publicados os resultados principais do projeto de pesquisa “A So-ciedade Portuguesa Perante os Desafios da Globalização: Moderniza-ção Económica, Social e Cultural”. Financiado pela Fundação para aCiência e a Tecnologia e, também, pela Fundação Calouste Gulbenkian,trata-se do projeto mais ambicioso até agora realizado no Centro deEstudos Sociais, quer pela amplitude das áreas temáticas, quer pelotamanho e densidade interdisciplinar da equipe de investigação. EmPortugal, foram publicados os seguintes títulos: 1 — Globalização: fata-lidade ou utopia?, coordenado pelo próprio Boaventura de Sousa San-tos; 2 — A Economia em curso: contextos e mobilidades, organizado porJosé Reis e Maria Ioannis Baganha; 3 — Risco social e incerteza: pode oestado social recuar mais?, Pedro Hespanha e Graça Carapinheiro (orgs.);4 — A teia global: movimentos sociais e instituições, José Manuel Pureza eAntónio Casimiro Ferreira (orgs.); 5 — Enteados de Galileu? A semiperi-feria no sistema mundial da ciência, João Arriscado Nunes e Maria EduardaGonçalves (orgs.); 6 — Transnacionalização da educação: da crise da educa-ção à “educação da crise”, Stephen R. Stoer, Luíza Cortesão e José A.Correia (orgs.); 7 — Projecto e circunstância: culturas urbanas em Portu-gal, Carlos Fortuna e Augusto Santos Silva (orgs.); 8 — Entre ser e estar:raízes, percursos e discursos da identidade, Maria Irene Ramalho e AntónioSousa Ribeiro (orgs.). No Brasil, a Editora Civilização Brasileira edi-tou, em 2002 e 2003, três volumes da coleção, com o nome de“Reinventar a emancipação social”.

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De Immanuel Wallerstein, ele lança mão do con-ceito de “sistema mundial” para caracterizar os con-certos globalizadores de homogeneização histórica,recuperando o prestígio das grandes narrativas, natradição de historiadores-sociólogos ou sociólogos-historiadores, como Arnold Toynbee, FernandBraudel e, mais recentemente, o próprio Boaventurade Sousa Santos.

Tanto no capítulo II do livro quanto no primei-ro, o autor preocupa-se com a utilização do que osportugueses gostam de denominar “constructos”(epistemológicos) que vão ao encontro das maisavançadas discussões que se travam, hoje, nas ciên-cias sociais contemporâneas: a possibilidade de cons-trução de “racionalidades omnilaterais” (que enfo-cam o objeto de todos os ângulos) — impropriamen-te denominadas “interdisciplinares” — e que incor-poram até mesmo as formas de conhecimento antesexcluídas e banidas pela arrogância epistemológicados cientistas; e o resgate da educação de uma dis-cussão meramente “pedagogista”, lançando-a nointerior das matrizes e paradigmas científicos deoutras disciplinas. Neste aspecto, pensamos que oautor, que tão bem destacou no livro a saída da edu-cação do espaço doméstico para o universo maisamplo das relações sociais, acaba por extraí-la deoutra domesticidade: a do confinamento no pensa-mento pedagógico que, de uma forma ou de outra,lhe confere uma espécie de localismo tecnicista es-

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treito. Insere-a, felizmente, no “olho do furacão” dadiscussão do estatuto e da legitimidade das ciênciascontemporâneas, sob o viés sempre atento e atuali-zado de uma sociologia histórica e de uma históriasociológica, próprio dos analistas mais conseqüen-tes e consistentes em relação ao paradigma científi-co emergente.

Se os mandatos político-pedagógicos escapamdos limites da governabilidade nacional e são esta-belecidos por institucionalidades supranacionais,como explica António Teodoro, somente comunida-des políticas pactuadas continental ou subcontinen-talmente poderão fazer frente a este colonialismo sembandeiras.

É interessante observar que um pesquisadorarguto como António Teodoro, nos dois outros capí-tulos que constituem o livro, volte-se para o concei-to de semiperiferia do sistema mundial — certamenteaí situando seu país — e para as relações entre éticae educação. O autor aí formula, consciente ou incons-cientemente, uma convergência, já que a educação,exatamente por estar na semiperiferia das preocu-pações das agências hegemônicas, passa a constituirum campo de globalização de “baixa intensidade”— e, portanto de baixa regulação — oportunizandoações contra-hegemônicas de emancipação. Não ve-ria, ele, a mesma possibilidade em países da semipe-riferia do sistema mundial de correlação de forças

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políticas? Esta é uma questão que deixamos para oleitor deduzir da leitura que fará desta provocativaobra.

António Teodoro colabora ainda para o resgateda escola como espaço de organização da reflexãosobre as possíveis intervenções qualificadas nas de-terminações naturais e sociais, na medida em quesupera o niilismo crítico e o messianismo pedagógi-co, vendo nessa organização instituída a possibili-dade de ela vir a ser um dos instrumentos instituin-tes de uma nova ordem social.

Este é um livro que interessa não somente aoseducadores, mas a todos os pesquisadores e pesqui-sadoras, a todos os educadores e educadoras, enfim,a todas as cidadãs e cidadãos deste início de milênioque estejam preocupados com a construção de con-sensos emancipadores comprometidos com a realtransformação social, em benefício da construção deum mundo mais freiriano e, portanto, menos feio.

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Nota introdutória

A educação, de um obscuro domínio da esferadoméstica, tornou-se, progressivamente, um temacentral nos debates políticos nacional e internacio-nal. Essa passagem da educação da esfera domésticapara a esfera pública, com a centralidade que lhe éatribuída nos processos de desenvolvimento huma-no, coloca problemas complexos ao estudo das polí-ticas educacionais.

A escola, como fenómeno global que é, tem vis-to o seu desenvolvimento e afirmação fortemente in-fluenciados pela localização dos países e das regiõesno sistema mundial. Como todos os fenómenos glo-bais, a escola tem uma raiz local. Trata-se de ummodelo que se desenvolveu na Europa e que, paula-tinamente, se torna universal, decorrendo a sua for-ça precisamente da capacidade demonstrada em seafirmar não como o melhor sistema, mas como oúnico possível e imaginável.

A progressiva expansão da escola a todas as ca-madas e grupos sociais conduziu à consolidação de

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modelos de organização escolar e de organizaçãopedagógica capazes de abranger um sempre crescen-te número de alunos. Com esse propósito, desde oséculo XIX, desenvolveu-se uma gramática da escola,que tem procurado responder ao desafio de ensinara muitos como se fosse a um só, transformando a escolanum elemento central de homogeneização linguísticae cultural, de invenção da cidadania nacional e, con-sequentemente, de afirmação do Estado-nação.

Mas essa massificação da educação coincidecom uma mudança de forma da escola. Os valoresconsolidados ao longo de mais de um século, as re-gras e os objectivos que presidiram à construção daescola, tal como a conhecemos no nosso percursoescolar, estão definitivamente em crise. A escola paratodos, ao abrir as suas portas a novos públicos esco-lares, não apenas no ensino elementar, como o fezno passado, mas agora no ensino médio e até, ten-dencialmente, no ensino superior, significa uma rea-lidade qualitativamente distinta, com a qual osdecisores políticos, os professores, os estudantes esuas famílias, a opinião pública em geral têm umamanifesta dificuldade em entender.

Em traços muito gerais, na esteira da análise deHabermas sobre o capitalismo contemporâneo, pode-se afirmar que a escola vive uma dupla crise: de re-gulação, porque não cumpre eficazmente o seu papelde integração social; de emancipação, porque não pro-

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duz a mobilidade social aguardada por diversas ca-madas sociais para quem a frequência de um cursoconstituía a melhor “ferramenta” que podiam legaraos seus filhos.

O esforço para estabelecer uma racionalidadeque permita guiar, em cada país, a acção reformadorano campo da educação tornou-se o centro de inúme-ras iniciativas — seminários, congressos, workshops,estudos, relatórios, exames —, que permitiram a cria-ção de vastas redes de contactos, de financiamentose de permuta de informação e conhecimento entreautoridades político-administrativas de âmbito na-cional, peritos dessas organizações internacionais,actores sociais e investigadores universitários.

O propósito central da presente obra é precisa-mente o de debater alguns destes problemas.

No capítulo I — Políticas educacionais: a trans-disciplinaridade de um campo de estudo — apre-sentam-se os pressupostos metodológicos do autorna análise das políticas educacionais. É um textodidáctico, apresentado em inúmeros seminários demestrado e doutoramento em Portugal e no Brasil,onde se pretende sublinhar o carácter de constructodas políticas educacionais e, consequentemente, anecessidade de recorrer a uma abordagem descons-trucionista para o seu entendimento e compreensão,que mobilize o conjunto de campos disciplinares dasCiências Sociais (História, Sociologia, Antropologia,

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Economia, Ciência Política). Aí se insiste numa abor-dagem sistémica das políticas educacionais que te-nha em conta não apenas as políticas públicas for-muladas a partir do Estado (discurso político, práti-cas legislativas), mas igualmente as mudanças so-ciais, as expectativas dos vários grupos que compõemo tecido social nas suas demandas contraditórias econflituais, as lógicas de acção dos actores sociais quese movimentam no campo educacional (sindicatosestudantis e de professores, conselho de reitores,entidades instituidoras privadas, igrejas, burocraciasestatais, partidos políticos).

O capítulo II — As novas formas de regulaçãotransnacional das políticas de educação, ou uma glo-balização de baixa intensidade — constitui o núcleocentral do livro, do qual decorre, aliás, o próprio tí-tulo escolhido. Aí se procede a uma análise das rela-ções entre as organizações internacionais (de natu-reza intergovernamental) e a formulação das políti-cas de educação a nível nacional, tomando como baseuma pesquisa empírica realizada em Portugal — umpaís semiperiférico no contexto europeu — duranteo período que medeia entre o final da Segunda Guer-ra Mundial e a adesão à União Europeia, em meadosdos anos 1980. Defende-se que, nesse período de cer-ca de trinta anos, o recurso ao estrangeiro funcionousobretudo como um elemento de legitimação de op-ções assumidas no plano nacional pelos sectores

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dominantes, ou que aspiravam a tal. Mas, simetrica-mente, as constantes iniciativas, estudos e publica-ções de organizações internacionais desempenharamum papel decisivo na normalização das políticas edu-cativas nacionais, estabelecendo uma agenda que fi-xou não apenas prioridades mas igualmente as for-mas como os problemas se colocavam e equaciona-vam, o que constituíu uma forma de fixação de ummandato, mais ou menos explícito consoante as cir-cunstâncias históricas.

Na parte final do capítulo, argumenta-se que,com o esgotamento do projecto desenvolvimentistae modernizador, tendo no Estado-nação o seu espaçoprivilegiado, e a afirmação de um projecto de desen-volvimento global — a globalização —, emergemnovas formas de regulação transnacional no campodas políticas educacionais, que têm como centronevrálgico os grandes projectos estatísticos internacio-nais, designadamente os desenvolvidos no seio daOCDE. Porque a globalização resulta de uma cons-trução supranacional, e não de uma imposição deum país sobre outro, os efeitos nas políticas de edu-cação são indirectos, pois, ao agirem por mediaçãodos Estados nacionais, permitem que novas e distin-tas regras possam ter diferentes interpretações, o queem geral acontece em função da localização de cadapaís no sistema mundial. Em contraponto a outrossectores, onde o recuo do Estado nacional é quase

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total, designa-se por globalização de baixa intensidadeesse modo de regulação dominante nas políticas edu-cacionais, o que pode reforçar as condições para aafirmação de um projecto emancipatório.

O capítulo III — A perspectiva do sistema mun-dial moderno e o conceito de semiperiferia — é cons-tituído por um texto didáctico, igualmente utilizadoem seminários de mestrado e doutoramento, sobre aperspectiva teórica do sistema mundial moderno,que tem no sociólogo (e historiador) ImmanuelWallerstein a sua primeira e principal referência. Estaperspectiva teórica, desenvolvida depois da revolu-ção de 1968, representa o culminar de uma reacçãogeral contra o positivismo ideológico e o apoliticismofáctuo que exprime, no campo específico da ciênciasocial, a visão do mundo própria da hegemonia nor-te-americana. Constituindo uma crítica impiedosa àteoria da modernização e às teorias funcionalistas, aperspectiva do sistema mundial moderno teve pro-fundas repercussões no plano epistemológico, lide-rando, nestes tempos de crise paradigmática, o pró-prio debate sobre a reestruturação e o futuro das Ciên-cias Sociais, como é bem perceptível pelo impactomundial do Relatório da Comissão Gulbenkian, Paraabrir as Ciências Sociais (1996).

O capítulo IV, e último — Ética e Educação: aação do professor e da escola como tempo e espaçode possibilidade, é constituído pela versão escrita de

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uma palestra proferida no II Fórum Mundial de Edu-cação, realizado em Porto Alegre em Janeiro de 2003,que tinha como tema de partida Ética e Educação.Nesse texto, depois de uma breve referência ao sig-nificado mundial do paradoxo da eleição do Presi-dente Lula da Silva, desenvolve-se uma reflexão so-bre a acção do professor e da escola como espaço etempo de possibilidade. Apelando ao pensamentode esquerda para que ultrapasse um criticismonegativista que, num passado recente, facilitou ahegemonização da direita no discurso político e naspolíticas públicas, propõe-se um entendimento doprofessor como (i) um militante de justiça social e(ii) um pesquisador de sala de aula, e apela-se paraque a escola possa ser entendida como um espaçopúblico democrático, aberto à experimentação insti-tucional. Defende-se, em síntese, que esse pode serum caminho susceptível de conduzir à progressivaconstrução de uma outra gramática da escola, quematerialize esse simples desígnio no qual assentatoda a capacidade de viver juntos: temos direito aser iguais quando a diferença nos inferiora; temosdireito a ser diferentes quando a igualdade nosdescaracteriza.

A necessidade de reencantamento do mundo, uti-lizando uma conhecida expressão de Ilya Prigoginee Isabelle Stengers, constitui uma das prioridades daCiência Social. Este contributo, com os seus eviden-tes e notórios limites, procura desocultar e dar inte-

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ligibilidade a diferentes aspectos do processo deconstrução das políticas de educação no mundo con-temporâneo. E aqui, como disse um dia o grandematemático português (e cidadão exemplar) Bentode Jesus Caraça, se não receio o erro é porque estousempre disposto a corrigi-lo.

Aroeira, Fevereiro de 2003

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Capítulo 1

POLÍTICAS EDUCACIONAIS:a transdisciplinaridade de um campo de estudo

O mundo está cheio de respostas. O quedemora é o tempo das perguntas.

José Saramago, Memorial doConvento (1982).

Num tempo histórico relativamente curto, aeducação, de um obscuro domínio da política domés-tica, tem vindo a tornar-se, progressivamente, umtema central nos debates políticos, a nível nacional einternacional. Esta passagem da educação do domí-nio doméstico para o domínio público, com a cen-tralidade que lhe é atribuída presentemente nos pro-cessos de desenvolvimento humano, coloca proble-mas complexos ao estudo das políticas educacionais.

O campo de estudo das políticas de educaçãotem sido marcado por uma evidente ambiguidade,consequência, em grande medida, da diversidade depreocupações e de metodologias que o têm atraves-

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sado. Nas suas origens, figura o que W. L. Boyd eD. N. Plank (1994) designam “macro-mach” approach,uma versão da análise política que acreditava queos grandes problemas nacionais, da defesa à segu-rança social, eram susceptíveis de encontrar soluçõesa partir de análises económicas, baseadas na inter-secção entre teorias económicas, estatísticas, mode-los computacionais e grupos de experts (think tanks).Acreditava-se que estes modelos podiam integrar acomplexidade dos problemas e identificar as políti-cas alternativas mais eficientes, procurando-se numaespécie de engenharia social respostas para os proble-mas da sociedade.

A partir dos anos sessenta, tornaram-se eviden-tes as dificuldades dos modelos construídos nestaperspectiva teórica. Como reconhecem Boyd e Plank(1994, p. 1836), para desânimo dos analistas, “a com-plexidade triunfou sobre as aspirações dos modelosanalíticos”1. Em pouco tempo, e após um período deconfusão e de polémica, esta abordagem macro foiconfrontada com uma outra perspectiva, onde oincremental surgia como o oposto da mudança radi-cal, a análise do pequeno substituía os grandes pro-blemas, a descentralização e a inovação a partir daperiferia tomava o lugar da centralização e da deci-

1. Todas as traduções do inglês e do francês são da responsabili-dade do autor.

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são de cima para baixo. A análise política tornava-semais uma arte ou um ofício do que uma engenhariaou mesmo uma ciência. Por contraste, esta perspecti-va tendia a ser fortemente marcada por problemasparticulares, instituições particulares, contextos polí-ticos particulares, em particulares períodos de tempo.

Trabalhos publicados nos anos noventa2 vieramapontar outra perspectiva para esse campo da análi-se das políticas educacionais, que se situam no que sepode designar de educação comparada e que preten-dem abarcar no seu objecto de estudo tanto o localcomo o global. Este duplo movimento é marcado poruma presença crescente das questões educacionaisna criação de identidades locais, definidas não tantonuma perspectiva geográfica, mas no sentido de umapertença a certas comunidades discursivas e por“uma reorganização dos espaços educativos, atravésde regulações económicas e políticas que atravessamas fronteiras dos diferentes países” (Nóvoa, 1994, p.105). Isso conduz a que o conceito de comparaçãoadquira novas conotações, “deslocando-se da referên-cia tradicional inter-países para dimensões simulta-neamente intra e extranacionais, isto é, centradas nas

2. E.g.: Arnove & Torres (1999); Charlot & Beillerot (1995); Elmore,Wells, Serna, Weiss, & Nieto, (1996); Fuller & Rubinson, (1992);Ginsburg (1991); Nóvoa (1998); Nóvoa & Popkewitz (1992); Nóvoa &Schriewer (2000); Popkewitz (1994).

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comunidades de referência dos actores locais e nosprocessos de regulação ao nível internacional”, comodefende António Nóvoa (1994, p. 105).

Assumindo este contexto de análise, importa su-blinhar a estreita ligação entre os conceitos de políti-ca e de poder. Ao definir-se política como os meiospelos quais o poder é empregue, de modo a influen-ciar a natureza e os conteúdos da acção governativa(Giddens, 1997), ou como uma questão de fixaçãoautoritária de valores, constituindo declarações ope-racionais e intencionais com uma intenção prescriti-va, inserindo-se em contextos sociais bem determi-nados e pretendendo projectar imagens de um idealde sociedade (Ball, 1990), o que se tem sempre pre-sente é um complexo e heterogéneo conjunto de ele-mentos, pelo que importa tanto conhecer as prescri-ções e orientações como os compromissos, as des-continuidades ou as omissões.

Ambos os conceitos de política chamam a aten-ção para a centralidade do poder. Centralidade quenão significa que uma política possa ser entendidacomo uma resposta simples e directa aos interessesdominantes, mas antes como o resultado, sempreprovisório, de um processo de negociação assimé-trico entre grupos e forças económicas, políticas esociais potencialmente conflituais. Esta perspectivasignifica que um ponto de partida necessário para oestudo da política educacional seja uma teoria críti-

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ca do poder e do Estado, como defendem RaymondMorrow e Carlos Alberto Torres (1995, p. 313):

[...] uma teoria crítica do poder e do Estado é umponto de partida necessário para o estudo da políti-ca educativa — deslocando assim a análise da estri-ta dimensão da escolha e da preferência individuaismodeladas pelo comportamento organizacional parauma abordagem de carácter mais histórico-estrutu-ral, no qual os indivíduos têm escolhas mas são obri-gados ou constrangidos pelas circunstâncias histó-ricas, pelos processos conjunturais e pelas diferen-tes expressões do poder e da autoridade (aos níveismicro e macro) através de regras concretas de ela-boração de políticas. [...] qualquer estudo da educa-ção enquanto política pública deve abordar as ques-tões do contexto organizacional no qual o poder (en-quanto expressão de dominação) é exercido.

Antoine Prost vai mais longe ao apelar para quese pensem as políticas educacionais como históriasde estratégias plurais de actores, eles próprios plurais.Recusando o paradigma unidimensional do decisorsolitário, Prost (1992, p. 216) considera que o concei-to de estratégia apresenta sobre o conceito de políticavárias vantagens:

O conceito de estratégia, emprestado pela sociolo-gia, apresenta sobre o de política várias vantagens.Engloba primeito a análise que cada actor, indivi-

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dual ou colectivo, faz das questões em debate, dospontos críticos, das soluções possíveis, das decisõesdesejáveis e, destas, vizinhas ou contrastadas, queatribui aos mesmos actores. Mas a noção de estra-tégia não se limita às soluções propostas para umdado problema: como a escolha de uma solução de-pende dos objectivos perseguidos, a análise de umaestratégia supõe a identificação da pluralidade deobjectivos que perseguem os actores, e da hierarquiaque estabelecem entre esses objectivos, hierarquiaela própria mutável em função dos actores e dascircunstâncias.

Neste contexto teórico, as políticas de educaçãosão entendidas como uma construção, e não comouma simples dedução, em resultado de um trabalhode ajustamento ou de adequação das estruturas e dosmeios da educação às evoluções demográficas oueconómicas (Charlot & Beillerot, 1995). As políticasde educação, sobretudo nas sociedades contempo-râneas, são construídas em meios marcados pela he-terogeneidade e pela complexidade, sujeitas a pro-curas sociais nem sempre compatíveis e muitas vezescontraditórias, e que obrigam a definir prioridades, aexcluir caminhos e a ultrapassar compromissos.

Dito de outro modo, a construção das políticas deeducação e de formação é bem um acto político, nosentido forte do termo. Não releva somente do queem inglês se designa de policy (linha de conduta,

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modo de implementar, estratégia), mas também depolitics (que supõe uma visão, a procura de grandesfinalidades). Estabelecer prioridades não é produ-zir a harmonia pela adequação de demandas diver-sas; é antes gerir relações de força entre demandasincompatíveis (democratização e selecção, centraçãosobre as “bases” e “abertura” da escola, etc.). Aspolíticas de educação e de formação dizem (ou maisexactamente exprimem, porque assentam sobre mui-to de não-dito) o modo como uma sociedade se pen-sa a ela própria, se afirma, se projecta no futuro.Exprimem também as relações de força numa socie-dade — a dominação socio-económica mas igual-mente a dominação simbólica e cultural. Este jogodas relações de força é tanto mais complexo quantotodas essas forças não dispõem de uma igual capa-cidade para formular as demandas de educação ede formação. (Charlot & Beillerot, 1995, p. 13)

Assumindo que as políticas envolvem acção, oua sua ausência, na definição de valores e na distri-buição de recursos, e que a sua elaboração se traduzno exercício do poder político através da linguagemque é utilizada para as legitimar, John A. Codd (1988)defende que o estudo das políticas constitui um pro-cesso de pesquisa que pode proporcionar tanto umabase de informação sobre a qual as políticas são cons-truídas como uma apreciação crítica sobre as políti-cas existentes. No primeiro caso, os objectivos do-minantes situam-se ao nível de proporcionar infor-

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mação que apoie o processo de elaboração das polí-ticas e de produzir recomendações para a sua imple-mentação prática, enquanto, no segundo caso, pre-dominam objectivos centrados na análise dos pro-cessos que influenciam ou determinam a construçãodas políticas e os seus efeitos sobre determinadosgrupos sociais, bem como os valores, os pressupos-tos e as ideologias que estão na base da construçãodas políticas educacionais.

Num esboço de tipologia sobre os estudos depolítica de educação (education policy), Roger Dale(1986) defende que estes podem ser divididos em trêsgrupos, conforme o seu projecto dominante: (i) oprojecto de administração social (social adminis-tration); (ii) o projecto da análise política (policyanalysis); e (iii) o projecto da ciência social (socialscience).

No primeiro grupo, o projecto de administraçãosocial, a preocupação dominante situa-se em propos-tas para melhorar o funcionamento de um dado as-pecto do sistema educativo, concentrando-se em pro-blemas práticos e localizados. Dale (1986) apontadiversas implicações desta perspectiva teórica: umafocalização em políticas nacionais e em problemasespecíficos; uma abordagem intervencionista e pres-critiva; um empiricismo acentuado, ou seja, a con-centração de esforços em factos, mais do que em teo-rias e interpretações teóricas; uma focalização nos

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problemas do Estado Providência e da análise dasnecessidades sociais.

O segundo grupo, o projecto da análise política,apresenta um nível de preocupações mais vasto, nãose centrando na melhoria dos resultados de uma de-terminada política social, antes procurando encon-trar caminhos seguros para uma efectiva e eficienteformulação e implementação das políticas sociais,independentemente do seu conteúdo concreto. Osestudos que se situam nesta perspectiva teórica dãouma particular ênfase aos aspectos da decisão polí-tica e à procura de novas políticas alternativas, aoplaneamento estratégico e à reflexão prospectiva, aosmétodos qualitativos e ao reconhecimento da com-plexidade e da interdependência das finalidades edos processos de decisão.

O terceiro grupo, o projecto da ciência social, as-senta nas próprias características do trabalho doscientistas sociais, mais preocupados em descobrircomo as coisas funcionam do que em as pôr a traba-lhar. Contudo, Dale (1986) defende que este projectonão é homogéneo, distinguindo nele dois propósi-tos principais, em função da atitude dominante quese toma face às relações de poder nas instituições ena sociedade em geral. A um designa de teoria daresolução de problemas (problem-solving theory); aooutro, de teoria crítica (critical theory).

Uma tal classificação, por rigorosa ou aleatóriaque seja, não pode jamais fazer esquecer que o co-

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nhecimento é uma prática política (Popkewitz, 1997) eque as teorias e conhecimentos produzidos no âm-bito das ciências sociais não são somente quadros dereferência, mas constituem também “intervençõesmorais na vida da sociedade, cujas condições de exis-tência procuram clarificar” (Giddens, 1996, p. 8).

O estudo das políticas de educação, como todaa ciência social, está ainda muito marcado pela in-fluência do positivismo, que tem constituído a basedominante da epistemologia contemporânea. Segun-do essa perspectiva, o objecto de estudo situa-se,primordialmente, na identificação das variáveis in-dependentes e das variáveis dependentes, procuran-do, desse modo, encontrar as relações que as ligamnum contexto de causalidade. Aqui, o observador,ou o investigador, deve abstrair-se completamenteda sua subjectividade, observando de fora o campode estudo e procurando submeter as suas verifica-ções à prova do rigor e da precisão matemática.

O relatório apresentado pela Comissão Gulben-kian para a Reestruturação das Ciências Sociais cha-ma precisamente a atenção para os problemas sérioscriados pelas ciências sociais que tomaram as ciên-cias naturais como modelo, alimentando expectati-vas que, “na sua formulação universalista, se reve-laram impossíveis de alcançar: a expectativa da pre-visibilidade e a expectativa do controlo, ambas as-sentes, por sua vez, na expectativa do rigor e da quan-tificação” (Wallerstein et al., 1997, p. 76).

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A aposta na ideia de que as ciências sociaisnomotéticas seriam capazes de produzir um conhe-cimento universal foi de facto — vemo-lo agora re-trospectivamente — muito arriscada. E isso porque,ao invés do mundo natural tal como é definido pe-las ciências naturais, as ciências sociais constituemum domínio em que não só o objecto de estudo en-globa os próprios investigadores, como também aspessoas estudadas podem entrar em diálogo ou mes-mo em competição com os próprios investigadores.(Wallerstein et al., 1997, p. 77)

O impasse criado pelo positivismo tem geradomúltiplos e ricos debates sobre o futuro das CiênciasSociais. No relatório citado, são apontadas três ques-tões teórico-metodológicas fulcrais em torno dasquais se poderá construir novos consensos heurísti-cos capazes de fazer com que o conhecimento registenovos e frutuosos avanços. A primeira diz respeito àrelação do investigador com a investigação. Socor-rendo-se dos trabalhos de Prigogine e Stengers(1986), os autores do relatório apelam ao reencanta-mento do mundo por meio de um “desmantelamentodas fronteiras artificiais existentes entre os seres hu-manos e a natureza, ao reconhecimento que ambosfazem parte de um universo único enformado pelaflecha do tempo” (Wallerstein et al., pp. 107-108). Asegunda questão, que está no cerne das propostasdos fundadores da teoria crítica, é a de saber “comoreintroduzir os factores tempo e espaço por forma a

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fazer deles variáveis constitutivas internas das nos-sas análises e não meras realidades físicas imutáveisonde o universo social existe” (p. 108). A terceira eúltima questão, particularmente significativa para oestudo das políticas de educação, trata do modo“como ultrapassar as divisões artificiais erigidas noséculo XIX entre os domínios supostamente autóno-mos do político, do económico e do social (ou docultural, ou do sociocultural)” (p. 108).

As políticas educacionais constituem um cam-po de estudo privilegiado, onde se podem ultrapas-sar muitas das divisões artificiais criadas entre dis-ciplinas e campos científicos. Já Émile Durkheim, noque à História e à Sociologia respeitam, o defendiaem 1904-1905, a abrir o seu curso da Sorbonne sobreA evolução pedagógica em França:

É uma ideia muito difundida que alguém que sepreocupe com a prática se deve afastar em parte dopassado para concentrar no presente todas as forçasda sua atenção. Porque o passado já não é mais, por-que não podemos nada sobre ele, parece que nãopode ter para nós senão um interesse de curiosida-de. É, crê-se, o domínio da erudição. Não é o que foi,mas o que é, que é preciso conhecer e, melhor ainda,é o que tende a ser que é preciso procurar prever, demodo a se poder satisfazer as necessidades que tra-balhamos. Fixei-me, na última lição, em mostrarquanto este método é decepcionante. O presente, comefeito, no qual somos convidados a nos fecharmos, o

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presente não é nada por si próprio; não é senão oprolongamento do passado, do qual não pode serseparado sem perder em grande parte todo o seusignificado. O presente é formado por inúmeros ele-mentos, tão estreitamente encavalitados uns nosoutros que nos é muito árduo apercebermo-nos ondeum começa, ou outro acaba, o que é cada um deles,quais são as suas relações; não temos, pois, por obser-vação imediata, senão uma impressão turva e con-fusa. A única maneira de os distinguir, de os disso-ciar, de introduzir um pouco de clareza nessa con-fusão, é a de procurar na história como eles vieramprogressivamente a se acrescentar uns aos outros, ase combinar e a se organizar. [Durkheim, 1990 (1938),p. 22]

Na linha de Durkheim, Antoine Prost (1992) su-blinha a importância da complementaridade entreabordagens históricas e sociológicas no estudo daspolíticas de educação. Segundo Prost, na abordagemsociológica há uma centração prioritária nos cons-trangimentos, nas condições e mesmo nas determi-nações que encerram a acção dos actores; na aborda-gem histórica, por seu turno, privilegiam-se os mo-mentos de crise, de desestabilização e de ruptura,bem como as decisões que tomam os actores em fun-ção das suas intenções face aos acontecimentos. As-sumir uma e outra abordagem é, na feliz síntese deAntoine Prost (1992, p. 214), combinar a eficácia pró-pria dos actores e a força das coisas.

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A superação dessas fronteiras disciplinares con-duz à recusa de todas as formas de monismo ou abso-lutismo metodológico, como defende Pierre Bourdieu.Considerando que todo o acto de investigação é si-multaneamente empírico e teórico, Bourdieu sustentaque a organização e a prática da colecta — ou me-lhor, como precisa, da construção dos dados — estãotão intimamente imbricados na construção teórica doobjecto de estudo que não podem ser reduzidas ameras tarefas técnicas. Bourdieu designa esta con-duta de investigação de reflexividade (ver, e.g.,Bourdieu & Wacquant, 1992).

Ao reduzir-se a influência do positivismo, ocampo de estudo das políticas de educação tem vin-do a afirmar-se pelo recurso a um paradigma compre-ensivo, assente na interdependência do objecto e dosujeito de investigação. Tal significa que as caracte-rísticas da démarche de investigação, nesse campo, setêm vindo a aproximar muito das descritas comodistintivas da investigação qualitativa. ConformeA. Mucchielli (1996, pp. 197-8) esclarece no seu di-cionário, a investigação qualitativa envolve as seguin-tes démarches:

1. a investigação conduzida compreende qua-se sempre um contacto pessoal e prolongadocom um meio ou pessoas, e uma sensibilida-de aos seus pontos de vista (ou perspectiva,experiência, vivência etc.);

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2. a construção da problemática permanece lar-ga e aberta;

3. o desenho metodológico não está jamais com-pletamente determinado antes do início dainvestigação enquanto tal, mas evolui, pelocontrário, em função dos resultados obtidos,da saturação atingida, do grau de aceitaçãointerna obtido etc.;

4. as etapas de colheita e de análise dos dadosnão estão separadas em fatias, sobrepondo-se mesmo por vezes (como na etnologia, et-nometodologia, análise de conteúdo qualita-tivo por teorização etc.);

5. o principal utensílio metodológico reside nopróprio investigador, em todas as etapas dainvestigação;

6. a análise dos dados visa a descrição ou a teo-rização de processos, não estando amarradaa “resultados”;

7. finalmente, a tese ou o relatório de investiga-ção inserem-se num espaço dialógico de desco-berta e de validação de processos e não deuma lógica de prova.

“Método é o caminho feito depois de percorri-do”, defende Mark Ginsburg (1993) a propósito dosestudos de política educacional. A estratégia de in-vestigação assenta então, seguindo a recomendação

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de Ginsburg, no recurso a diversas técnicas de reco-lha e de análise qualitativa, com destaque para astécnicas documentais e, obviamente, para a obser-vação interna e participante.

Nesse contexto teórico, o estudo das políticaseducacionais, em particular os situados nos camposda análise política ou da ciência social, segundo atipologia de Roger Dale (1986), só tem a ganhar coma diversificação das fontes documentais, facilitandoo recurso às técnicas de validação por triangulação,tanto na recolha e construção dos dados como nospercursos metodológicos e na elaboração teórica.

Num interessante trabalho sobre metodologiasde investigação das políticas de educação (Walford,1994), que reúne alguns dos mais representativos in-vestigadores de língua inglesa neste domínio parti-cular das Ciências da Educação, o seu editor distin-gue dois grandes tipos de investigação, em funçãodos grupos-alvo dominantes no objecto de investi-gação e da sua relação de poder com os investigado-res. Num primeiro tipo, que designa de researchingdown, inclui toda a investigação conduzida funda-mentalmente em relação às crianças e aos professo-res (e à formação de professores), grupos com ummenor poder que os investigadores. Num segundotipo, que designa de researching up, inclui os admi-nistradores da educação e os decisores políticos, nosseus vários níveis, grupos que, em geral, são possui-dores de maior poder que os investigadores.

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Na introdução a esse trabalho, Walford (1994)sublinha, referindo-se aos Estados Unidos e ao Rei-no Unido, que, historicamente, a investigação edu-cacional tem sido dominantemente do tipo resear-ching down, verificando-se que só depois das expe-riências governativas da direita política, materiali-zadas no thatcherismo e no reaganismo, houve umassinalável incremento de projectos de investigaçãodo tipo researching up, conduzidos normalmente porinvestigadores que se situam na esquerda política.Embora Walford questione a motivação de muitosdesses projectos, o que pode tornar problemático essetipo de investigação3, é inquestionável que a inves-tigação no campo das políticas de educação não podeprescindir de metodologias que interroguem o modode construção das políticas e que tornem os decisorespolíticos, the powerful, eles próprios objecto de inves-tigação.

Esta metodologia pode ser integrada numa daspráticas que Kathleen Casey (1995) designa narrativeresearch, em que se procura recriar os contextos das

3. “Muitos académicos investigam os poderosos não simplesmenteporque acham isso interessante, mas porque desejam compreender anatureza do seu poder e como alcançaram os seus objectivos. Na men-te de muitos académicos, um dos objectivos para a investigação é queeles, ou outros com ideias similares, podem ficar numa melhor posi-ção para influenciar uma futura política, porque incrementaram ummelhor conhecimento dos poderosos.” (Walford, 1994, p. 3)

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tomadas de decisão, de imergir na cultura políticado decisor, de procurar compreender as suas racio-nalidades, de “estar por dentro” (get inside), comodiz Stephen Ball (1994) a propósito de investigaçõesque realizou sobre as políticas educativas inglesasdos anos 1980. Esses depoimentos constituem, mui-tas vezes, importantes fontes documentais que, emgeral, conduzem a fontes primárias (algumas ape-nas existentes em arquivos pessoais) e permitem arecolha de informação sobre instâncias de decisão,cujos actos, na sua maioria ou em parte, não são pú-blicos (ou publicitados), havendo como único registoa memória dos protagonistas4.

Como sublinha Bourdieu (1984), os obstáculosao conhecimento científico provêm tanto de um ex-cesso de proximidade como de um excesso de dis-tância, bem como da dificuldade em instaurar umarelação de proximidade rompida e restaurada com oobjecto de estudo. O que seguramente implica, deforma sistemática e praticamente como um estado deespírito (Mucchielli, 1996), o recurso às técnicas devalidação por triangulação, tanto na recolha e cons-trução dos dados, como nos percursos metodológi-cos e na elaboração teórica.

4. Neste caso, mais do que em outros, torna-se fundamental pro-ceder a uma triangulação com outras fontes, de forma a superar os limi-tes de um discurso exclusivamente de legitimação.

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O recurso a essa metodologia pressupõe o pro-pósito de deslocar a análise da estrita dimensão daescolha e das preferências individuais modeladaspelo comportamento organizacional para uma abor-dagem mais histórico-estrutural, em que os indiví-duos têm escolhas mas são obrigados nem constran-gidos pelas circunstâncias históricas, como recordamR. Morrow e C. A. Torres (1997). Pretende-se, no fun-do, associar essa perspectiva às avisadas recomen-dações de António M. Hespanha, particularmenteimportantes quando se trabalha, como é o caso, nocampo da história das ideias.

Uma das ideias ocorrentes na nova historiogra-fia, sobretudo na história das ideias, é a de que a his-tória não deve ser uma paráfrase, mas uma descodifi-cação; ao historiador não compete reviver ou repetiro discurso histórico, mas dar a voz ao que não foidito, ao que não podia ser dito, ao subjacente, oumesmo ao inconsciente. Mais do que o sentido ma-nifesto dos textos (dos factos), interessa o sentidoimplícito que esses textos (esses factos) cobram quan-do relacionados com outros textos (outros factos) —por vezes aparentemente muito distantes — em fun-ção de um certo esquema explicativo. O discurso dasfontes é, assim, posto em suspeição e o primeiro cui-dado do historiador deve ser o de não se deixar en-cantar pela aparente evidência do sentido que elasmanifestavam. (Hespanha, 1982, p. 64)

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Michel Foucault, em As palavras e as coisas, in-siste que “o que é próprio do saber não é ver nemdemonstrar, mas interpretar”, o que significa, na suabela expressão, “restituir a grande planície das pala-vras e das coisas”, “fazer falar tudo”, “fazer nascer,por sobre as marcas, o discurso ulterior do comentá-rio” [1991 (1966), p. 95]. Trabalhar os discursos, ashistórias de vida, conhecer os contextos das decisões,analisar as decisões (e as não-decisões) políticas e assuas implicações e consequências constituem instru-mentos imprescindíveis da démarche própria do saber.

O que é inequívoco nesse tipo de pesquisa deresearching up, nessa recolha do que dizem e pensamos poderosos sobre a acção política que desenvolve-ram, em particular no campo educativo e nos mo-mentos em que julgaram que podiam mudar o nos-so destino, é o seu valor heurístico na produção deum conhecimento que, como lembra Hespanha, nãodeve ser uma paráfrase, mas antes uma descodificação.

A escrita é uma jornada intelectual de descoberta e dediálogo, testemunha Carlos Alberto Torres a propósi-to da elaboração de um texto seu (Torres, 1995). Aredacção de uma pesquisa no campo das políticaseducacionais, decorrendo directamente da própriaproblemática e das hipóteses formuladas, deve elaprópria ser construída nesse vaivém constante entre arecolha, a análise dos dados, o debate e a sua apresen-tação escrita, de forma a potenciar esse processo de des-coberta e de diálogo apontado por Carlos A. Torres.

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Capítulo 2

AS NOVAS FORMAS DE REGULAÇÃOTRANSNACIONAL DAS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO, OU

UMA GLOBALIZAÇÃO DE BAIXA INTENSIDADE

Durante três séculos, a sociedade ocidental cele-brou a cura mágica da escolarização de massas.Qualquer que fosse a maleita económica ou social— uma progressão lenta na produtividade, a ero-são da organização comunitária, injustiças intra-táveis, ou mesmo discriminação sexual —, aparen-temente tudo podia ser remediado por mais edu-cação. Deus não está morto, vive encarnando a fi-gura dos ministros da educação.

B. Fuller e R. Rubinson (1992, p. ix)

A escola e a escrita, sem ser necessário estabe-lecer laços implicativos absolutos, são duas invençõeshumanas que procedem de condições similares. Aoconsagrar a superioridade da escrita sobre a culturaoral, do trabalho intelectual sobre o trabalho manual,do espírito sobre a mão, o sistema escolar obteve uma

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das suas maiores vitórias, tornando-se um dos luga-res centrais no processo de construção da moderni-dade.

A relação entre a afirmação da escola e da escri-ta e a construção da modernidade tem sido equacio-nada por diversos autores (e.g. Petitat, 1984). A pro-pósito da história da alfabetização, Justino Magalhães(1994) interrogou a ligação entre alfabetização e de-senvolvimento histórico, ou, dito de outro modo, se atransição da oralidade à escrita se traduziu numaalteração profunda do pensamento humano. Comoresposta, Magalhães avança a hipótese de que a al-fabetização, não sendo suficiente para originar mo-vimentos globais de mudança, surge no entantocomo um meio facilitador. Se entre o oral e o escritopodem existir zonas de dicotomia e de ruptura, hásobretudo uma interacção e passagens sucessivas, oque conduziu, a que a escrita reduzisse a capacidadede representação da palavra, substituísse a memóriae permitisse uma distanciação entre sujeito e objecto;ou seja, a escrita apela à intelectualização; a oralida-de, ao sensorial.

Apesar de fazer uma leitura crítica do mito daliteracia, Justino Magalhães suporta a posição de queo principal contributo da alfabetização para o desen-volvimento histórico foi o de criar uma predisposiçãopara a mudança e para a mobilidade em sentido ge-nérico.

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[...] a escrita é uma tecnologia, proporcionando no-vas formas de comunicação, administração e arqui-vo, bem como inovações ao nível das actividadeseconómicas, políticas e culturais. O reforço davalência da escrita contra a oralidade assenta numconjunto de pressupostos, alguns dos quais de difí-cil comprovação: b1) é a escrita e não a oralidadeque marca a ruptura com o arcaísmo na evoluçãodas sociedades humanas; b2) é pela escrita que pas-sa a clivagem dicotómica entre povos desenvolvi-dos/cultos e povos primitivos; b3) a escrita é sinóni-mo de acção, dinamismo, transformação; b4) a es-crita e não a oralidade permite operações racionaiscomplexas. (Magalhães, 1994, p. 76)

A instituição escolar foi a grande responsávelpela difusão da escrita. Apesar de múltiplas dificul-dades práticas e de diferentes ritmos de expansão, aescola assumiu-se, desde cedo, como um fenómenoglobal, que se desenvolveu por isomorfismo no mun-do moderno (ver, e.g., Ramirez & Ventresca, 1992).Como todos os fenómenos globais, a escola dos nos-sos dias tem uma raiz local, tratando-se de um mo-delo construído no contexto europeu, só depois, pro-gressivamente, universalizado, à medida que se foiprocedendo à integração dos diferentes espaços naeconomia mundo capitalista.

A consolidação do modelo escolar entre os sécu-los XVI e XVIII, em detrimento dos modos antigos deaprendizagem, é fruto de um longo processo, produ-

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zido no seio de um jogo complexo de relações sociaise de modificações das representações e das orienta-ções normativas respeitantes ao mundo e aos homens,como aponta António Nóvoa (1994), compreensívelnum quadro em que igualmente emerge (i) o desen-volvimento de uma nova concepção de infância; (ii) ainstauração de uma civilização dos costumes, que im-põe um ideal de adulto civilizado em contraponto àcondição natural da criança; (iii) o estabelecimento deuma ética protestante do trabalho; e (iv) a implantaçãode uma sociedade disciplinar, que tem como consequên-cia o encerramento das crianças em espaços próprios.

É sob a sombra tutelar da Igreja que o modeloescolar se burila e aperfeiçoa nesses três séculos for-temente influenciados pela Reforma e pela Contra-Reforma. Mas o século XVIII, ou das Luzes, com assuas profundas transformações económicas, sociaise políticas, exige rupturas importantes no campoeducativo e na organização da vida social1. Em mui-tos países, o Estado toma o lugar da Igreja no con-trolo da educação, por meio de processos nem sem-pre pacíficos, e vai-se tornar o mais importante agen-te de expansão da instituição escolar.

1. A maior das quais é, seguramente, protagonizada pela Revolu-ção Francesa, em 1789. Sobre as suas consequências no plano ideológi-co, com a emergência do liberalismo enquanto cimento ideológico daeconomia do mundo capitalista, e com a afirmação, no plano do po-der, do povo que se torna soberano (ver, e.g., Wallerstein, 1995).

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Ao longo de todo o século XIX, a escola é trans-formada num elemento central de homogeneizaçãolinguística e cultural, de invenção da cidadania na-cional, em suma, de afirmação do Estado-nação.Como não se cansam de sublinhar os autores queperfilham a perspectiva do sistema mundial moder-no, a expansão da escola encontra-se intimamenteligada à construção dessa realidade imprescindívelao novo estádio da economia mundo capitalista, oEstado-nação.

A própria ascensão do Estado-nação foi alimentadapela economia capitalista mundial. A nação-Estado,como um modo de organização política, envolve aformação de cidadãos e confere a estes o estatuto deindivíduos. Cidadania e individualidade associam-se não meramente pelo Estado como uma organiza-ção burocrática, mas, muito mais importante, pela“comunidade imaginada” que os Estados nacionaisesperam vir a encarnar. A escola de massas torna-seo conjunto central de actividades através das quaisos laços recíprocos entre os indivíduos e as nações-Estados são forjados. (Ramirez & Ventresca, 1992,pp. 49-50)

A progressiva expansão da escola a todas ascamadas e grupos sociais conduziu à consolidaçãode modelos de organização escolar e de organiza-ção pedagógica capazes de abranger um número de

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alunos cada vez maior. Com esse propósito, desdeo século XIX que se tem vindo a desenvolver umagramática da escola2, capaz de dar resposta ao desa-fio de ensinar a muitos como se fosse a um só (Barroso,1995).

O modelo de escola desenvolvido inicialmentena Europa vai tornar-se não apenas universal, masquase o único possível ou mesmo imaginável (Nóvoa,1998). A análise de como esse modelo de escola seafirmou e consolidou nos diferentes espaços mun-diais tem constituído o campo de estudo privilegia-do da Educação Comparada. Sendo uma disciplinadas Ciências da Educação que pode remontar ao iní-cio do século XIX3, foi todavia após a Segunda Guer-ra Mundial que a Educação Comparada teve grandedesenvolvimento e significativa expressão no con-junto das Ciências da Educação.

2. David Tyack e Larry Cuban (1995) definem gramática da escola(grammar schooling) como o conjunto persistente de características or-ganizacionais e de estruturas que, para além de todas as reformas emudanças, se vai mantendo como características do modelo escolar.

3. Os estudos comparativos em vários campos científicos, parti-cularmente no seio das ciências biológicas, mas também no campo doDireito, da Linguística ou da Pedagogia, tiveram, no início do séculoXIX, um forte impulso. Na Pedagogia, deve-se a Marc-Antoine Juliende Paris, e ao seu Esquisse et vues préliminaires d’un ouvrage sur l’éducationcomparée, publicado em Paris em 1817, o impulso fundador do que veioa constituir o campo da Educação Comparada.

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1. Educação Comparada e organizações internacionais:entre o mandato e a legitimação

A criação de um vasto sistema de organizaçõesinternacionais de natureza intergovernamental, tantono plano das Nações Unidas — para além da pró-pria ONU, foram criadas organizações especializa-das como a Unesco, nos campos da educação, ciên-cia e cultura, ou o FMI e Banco Mundial, no campofinanceiro e da ajuda ao desenvolvimento — como noplano da cooperação económica num determinadoespaço geográfico — a OCDE, por exemplo —, deuforte impulso à internacionalização das problemáti-cas educacionais4. A formulação das políticas edu-cativas, particularmente nos países da periferia (e dasemiperiferia) do sistema mundial, começou a de-pender, cada vez mais, da legitimação e da assistên-cia técnica das organizações internacionais, o quepermitiu, nos anos 1960, uma rápida difusão das teo-rias do capital humano e da planificação educacio-nal, núcleo duro das teorias da modernização, tãoem voga nesse período de euforia, onde a educaçãose tornou um instrumento obrigatório da auto-reali-zação individual, do progresso social e da prosperidadeeconómica (Husén, 1979). O esforço para estabelecer

4. Ver o imprescindível capítulo de Joel Samoff, InstiotutinalizingInternational Influence [Institucionalizando a influência internacional],in Arnove & Torres (Eds.), 1999, pp. 51-89.

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uma racionalidade científica que permitisse formu-lar leis gerais capazes de guiar, em cada país, a acçãoreformadora no campo da educação esteve no cen-tro das inúmeras iniciativas — seminários, congres-sos, workshops, estudos, exames — realizadas por to-das essas organizações internacionais, permitindocriar vastas redes de contactos, de financiamentos ede permuta de informação e conhecimento entreautoridades político-administrativas de âmbito na-cional, actores sociais, experts e investigadores uni-versitários.

O desenvolvimento dessas redes assentou numaconcepção de Educação Comparada centrada, segun-do António Nóvoa (1995), em torno de quatro as-pectos essenciais: a ideologia do progresso, um conceitode ciência, a ideia do Estado-nação e a definição do méto-do comparativo. O primeiro aspecto, a ideologia do pro-gresso, manifesta-se na equação educação = desenvol-vimento, ou seja, na convicção de que a expansão e amelhoria dos sistemas educativos asseguram inelu-tavelmente o desenvolvimento socio-económico. Osegundo aspecto, um conceito de ciência, assenta noparadigma positivista das ciências sociais construí-das a partir da segunda metade do século XIX, queatribui à ciência — nesse caso, à Educação Compa-rada — o papel de estabelecer leis gerais sobre o fun-cionamento dos sistemas educativos, legitimando aretórica da racionalização do ensino e da eficácia das

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políticas educativas, apontada como o cerne de todaa acção reformadora. O terceiro aspecto, a ideia doEstado-nação, decorre da assunção da nação como acomunidade privilegiada de análise, o que conduz,em geral, a estudos nos quais se procura sublinhar,sobretudo, as diferenças e as similitudes entre doisou mais países. O quarto e último aspecto, a defini-ção do método comparativo, tem na retórica da objecti-vidade e da quantificação a sua dimensão princi-pal, o que põe o problema da recolha e da análisedos dados e raramente (ou nunca) essa outra ques-tão, mais decisiva, que é a própria construção dosdados e dos enquadramentos teóricos que lhessubjazem.

Talvez por essas suas origens, a Educação Com-parada, no seu paradigma vulgarizado pela genera-lidade das organizações internacionais, tem produ-zido um conhecimento muito limitado, servindoantes, sobretudo, para as autoridades nacionais le-gitimarem as suas políticas. Prevalece aí um positi-vismo instrumental, que conduz ao que ThomasPopkewitz e Miguel A. Pereyra (1994) designam defalácias epistemológicas da investigação comparativa.

Nesta perspectiva, a hipótese que aqui se de-fende é que o recurso ao estrangeiro funciona, priori-tariamente, como um elemento de legitimação de op-ções assumidas no plano nacional, e muito pouco

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como um esforço sério de um conhecimento contex-tualizado de outras experiências e de outras realida-des5. Mas, simetricamente, pode-se também consi-derar que as constantes iniciativas, estudos e publi-cações das organizações internacionais desempe-nham papel decisivo na normalização das políticaseducativas nacionais, estabelecendo uma agenda quefixa não apenas prioridades, mas igualmente as for-mas como os problemas se colocam e equacionam, eque constituem uma forma de fixação de um manda-to, mais ou menos explícito, conforme a centralida-de dos países.

5. Um dos estudos clássicos de Educação Comparada, do alemãoBernd Zymek (Das Ausland als Argument in der pädagogischenReformdiskussion. Schulpolitische Selbstrechtfertigung, Auslandspropaganda,internationale Vertändigung und Ansätze zu einer VergleichendenErziehungswissenschaft in der internationalen Berichterstattung deutscherpädagogischer Zeitschriften, 1871-1952, Ratingen: Aloys Henn Verlag,1975, citado por Miguel A. Pereyra, La comparación, una empresarazonada de análisis. Por otros usos de la comparación, Revista deEducación, Extaordinario: Los usos de la comparación en CienciasSociales y en Educación, 1990, pp. 23-76), sustentava já essa hipótese,com base num trabalho empírico sobre a discussão das reformas edu-cacionais realizadas no seu país, entre 1871 e 1952. Com base nas refe-rências internacionais aparecidas em revistas pedagógicas alemãs,Zymek mostra que a atenção dedicada aos sistemas educativos estran-geiros não foi resultado de uma curiosidade científica neutral ou deuma investigação sistemática dos pedagogos desses países. Foi, antes,marcada por um interesse político-escolar e escolar-prático, procuran-do argumentos para justificar as teses da política oficial de cada mo-mento, apresentando-os como isentos de reprovação partidária e, aomostrar o seu carácter internacional, respondendo a interesses gerais enecessários.

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Jurgen Schriewer (1997) designa essa forma demandato, difuso mas presente, de construção semân-tica da sociedade mundial.

Um contexto de reflexão, delimitado por fronteiraspolíticas e/ou por laços linguísticos, externaliza ou-tros contextos de reflexão que, por sua vez, fazem ain-da referência a outros contextos, o que tem como con-sequência que representam, uns e outros, modelos epotenciais de estimulação. Uma rede de referênciasrecíprocas nasce então desta acumulação de observa-ções entre nações. Esta rede adquire a sua própriaautonomia, que veicula, confirma e dinamiza a uni-versalização planetária das representações, dos mo-delos, das normas e das opções de reformas. Uma talrede de referências torna-se um elemento constitutivode uma semântica transnacional, talvez compreendi-da como o correlato de um processo evolutivo trazi-do pela dinâmica de uma diferenciação funcional desistemas sociais, ao mesmo tempo que reage, comoconstrução semântica da sociedade mundial, sobre asestruturas sociais, transformando-as, uniformizan-do-as e harmonizando-as. (Schriewer, 1997, pp. 23-4)

2. Legitimação e mandato nas políticas educativas de umpaís da semiperiferia europeia

Essa relação entre as políticas educativas nacio-nais e as iniciativas de assistência técnica de organi-zações internacionais, assumindo o carácter simul-

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taneamente de legitimação e de mandato, pode bemser ilustrada por uma situação como a de Portugal,país semiperiférico no contexto europeu6, no perío-do compreendido entre o pós-guerra e a adesão àComunidade Económica Europeia/União Europeia(CEE/UE), em 1º de Janeiro de 1986.

Nesse período, podem localizar-se relações pri-vilegiadas das autoridades portuguesas com distin-tas organizações internacionais com intervenção nocampo educativo, que prefiguram essa dupla rela-ção de legitimação e mandato: primeiro com a OCDE,até 1974; depois com a Unesco, no período de criserevolucionária, em 1974-1975; após a normalização daRevolução, com o Banco Mundial, entre 1976 e 1978;e, por último, novamente com a OCDE, no períodoque antecede a integração na CEE/UE. O Quadro 1(pág. 103) apresenta, de modo esquemático, esse per-curso de relações privilegiadas.

A OCDE e o Projecto Regional do Mediterrâneo: crescimentoeconómico, industrialização e expansão educativa

A participação de Portugal no European RecoveryProgram, o conhecido Plano Marshall de ajuda nor-

6. Sobre a localização de Portugal no sistema mundial, ver, entreoutros, Boaventura de Sousa Santos (Ed.), 1993. Sobre as consequên-cias dessa localização de mais de três séculos no desenvolvimento eexpansão da escola de massas, ver António Teodoro, 2001.

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te-americana à Europa do pós-guerra, reflecte, nassuas hesitações e ambiguidades, as contradições daposição do Estado Novo e de Salazar face à nova or-dem internacional saída da Segunda Guerra Mun-dial7. Tendo manifestado cedo o seu apoio às decla-rações iniciais do Secretário de Estado norte-ameri-cano, general George Marshall, que estiveram naorigem do plano com o seu nome, e tendo participa-do nas conferências que o puseram em marcha, oGoverno de Salazar vai, contudo, numa primeirafase, recusar o auxílio financeiro norte-americano, ar-gumentando não ser necessário para a reconstruçãoda sua economia.

Essa posição, apresentada como uma posiçãofilantrópica da parte portuguesa, pois permitiria queo auxílio financeiro se deslocasse preferencialmentepara os países destruídos pela guerra, tinha subja-cente uma fortíssima oposição de Salazar a alguns

7. As reticências de Salazar, associadas a um provincianismo quenunca largou, estão bem presentes nesta irónica afirmação, proferidaem Novembro de 1947: “Separa-nos de outros grande distância do juí-zo que fazemos do momento presente, mas não constituímos estorvo aqualquer apaziguamento ou ideia de colaboração internacional, e den-tro da nossa modéstia pretendemos ser para todos e em toda a parteelemento construtivo e útil. Por isso não nos recusamos a andar emvertiginosas correrias pelo Mundo a tomar parte nas reuniões, confe-rências e congressos promovidos por numerosíssimas e activíssimasorganizações” (Oliveira Salazar, Miséria e medo, características domomento actual, Discursos e Notas Políticas, 1943-1950, Coimbra: Edi-tora Coimbra, 1951, v. 4, p. 302).

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dos pressupostos económicos e políticos do PlanoMarshall: a liberalização do comércio mundial, aunião política da Europa e a posição dos EstadosUnidos face aos territórios coloniais das fragilizadaspotências europeias8. A alternativa de Salazar pas-sava por continuar a considerar a nação como “nú-cleo primário, vivaz, irredutível e inassimilável, semdúvida disposto a colaborar, mas pronto a autono-mizar-se em caso de necessidade ou conflito”9 e adesenvolver uma política económica privilegiandonão apenas as relações com as colónias africanas, ochamado espaço económico português, mas igualmenteas relações com o Brasil e a Espanha e, com estesdois países, criar o que um ministro da Economia

8. Franco Nogueira, um dos mais influentes ministros dos Negó-cios Estrangeiros e principal biógrafo de Salazar, expressa bem os re-ceios do ditador português: “Tem o chefe do governo suspeitas dosobjectivos americanos: receia que a penetração dos Estados Unidos nosentido da Europa constitua, mais do que um auxílio a esta, um desíg-nio imperial de Washington; teme que uma preponderância económicae financeira americana no Ocidente Europeu seja apenas uma formade acesso às posições europeias no continente africano; e apavora-o aideia de que a vulnerabilidade das estruturas portuguesas possa tor-nar estas presa fácil de um credor poderoso, que para mais se julgapredestinado ao exercício da hegemonia global” [Franco Nogueira,Salazar. O Ataque (1945-1958), Porto: Livraria Civilização Editora, 1986,p. 89, v. 4]. A esses factores, determinantes, acresce os receios em di-vulgar alguns dados estatísticos sobre a situação financeira de Portu-gal, nomeadamente sobre as suas reservas em ouro, pois ainda estavapendente o problema do ouro recebido da Alemanha nazi.

9. Oliveira Salazar, Discursos e notas políticas, 1943-1950, Coimbra:Editora Coimbra, 1951, v. 4, p. 58.

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de Salazar designava bloco ibero-americano, que fos-se, ao lado da Comunidade Britânica, um novo es-paço que evitasse o alargamento da hegemonia nor-te-americana.

Apesar da decisão inicial de rejeitar o auxíliofinanceiro norte-americano, Portugal continuou aparticipar, embora assumindo um papel bastanteapagado, das reuniões e actividades das estruturascriadas para gerir o Plano Marshall, que culmina-ram com a constituição da Organização Europeia deCooperação Económica (OECE), decidida na 2ª Con-ferência de Paris, em 194810. Contudo, por razões denatureza diplomática e de natureza financeira e cam-bial, a posição de Salazar e do governo portuguêstornou-se insustentável, originando uma das maisimportantes inversões de política externa levada acabo durante a vigência do Estado Novo. No espaçode um ano, entre Setembro de 1947 e Setembro de1948, assistiu-se à passagem de uma posição de re-jeição a uma corrida ao auxílio financeiro norte-ame-ricano, que veio a ser conseguido, num primeiromomento, após a apresentação, em Novembro de

10. Inicialmente, os Estados Unidos e o Canadá eram apenas mem-bros observadores da OECE, que integrava formalmente apenas paí-ses europeus. Só em 1961, com a decisão de transformar a OECE emOrganização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico(OCDE), os Estados Unidos e o Canadá passaram, formalmente, a sermembros de pleno direito da OCDE.

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1948, de um programa de financiamento, estimadoem 625 milhões de dólares, destinado a um plano defomento de larga envergadura, e, num segundo mo-mento, com a candidatura ao programa específicopara 1949-1950, que colocava a ênfase na compra deequipamentos ao exterior em cinco grandes áreas,dentre as quais figurava já a educação (Rollo, 1994).

Acompanhado, no plano interno, pelo aumen-to de influência dos industrialistas na condução desectores-chave da política nacional, a participação dePortugal no Plano Marshall, e nas organizações quedele decorreram, em particular na OECE/OCDE,assumiu uma importância decisiva na viragem dapolítica educativa do Estado Novo, legitimando osesforços e as posições daqueles que se mostravamsobretudo preocupados com as carências de quali-ficação da mão-de-obra e da consequente necessi-dade de uma rápida expansão da oferta escolar. Essaparticipação veio pôr fim ao isolamento a que o sis-tema educativo estivera votado nos anos 1930 e gran-de parte dos anos quarenta, permitindo a responsá-veis políticos e da administração o acesso a fórunsde debate e de intercâmbio de informação e de pers-pectivas, que se mostraram determinantes na evolu-ção das concepções que marcaram as políticas deeducação a partir dos anos cinquenta.

As preocupações da OECE/OCDE com a edu-cação decorrem directamente da esfera económica.

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A convenção de 1948, que constituiu a OECE, esti-pulava que as partes contratantes utilizarão do modomais completo e racional a mão-de-obra disponível.A necessidade de dar conteúdo a essa cláusula fezcom que, logo em 1953, fosse criada, ainda no seioda então OECE, a Agência Europeia de Produtivi-dade e, mais tarde, em 1958, que se constituísse, deforma permanente, o Bureau do Pessoal Científico eTécnico. Em 1970, ainda sob o impacte do lançamentopela URSS do primeiro satélite artificial, o Sputnik,foi criado o actual Comité de Educação da OCDE,em resultado da fusão de vários organismos ligadosà ciência e à formação dos quadros científicos e téc-nicos. No cerne dessas decisões, estava a convicçãode que a ciência era a força-motriz do progresso, eque a superação da penúria de investigadores e deengenheiros qualificados teria consequências, a lon-go termo, nos sistemas educativos, levando a modi-ficações consideráveis não apenas no ensino univer-sitário, mas sobretudo na formação geral de nível bá-sico e secundário.

A emergência no seio da OECE/OCDE da edu-cação como questão determinante para o crescimentoeconómico acompanha o nascimento, e posterior di-fusão, da teoria do capital humano, enunciada em 1960por Theodore Schultz e precisada dois anos depoisno suplemento do Journal of Political Economy, Inves-timento em Seres Humanos. Ela já incluía outros es-

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tudos pioneiros, nomeadamente o que Gary Beckerveio a publicar em Human Capital (1964) e que, desdeentão, tem servido como locus classicus do assunto. Ateoria do capital humano torna-se omnipresente nostrabalhos da OCDE, assumindo o estatuto de legiti-mação científica (e económica) do clima de euforia, naexpressão de Húsen (1979), que marca a expansão dossistemas educativos nos anos sessenta e setenta.

Inspirando-se no hábito, desde cedo existente noâmbito da política económica, a OECE/OCDE iniciou,em 1958-1959, a realização de exames anuais com oobjectivo de avaliar a situação geral do ensino cientí-fico e técnico, preocupação dominante na época, bemcomo outros problemas particulares que se punhama cada país-membro. A técnica utilizada consistia emenviar a cada país uma pequena equipa de peritosindependentes, que se devia encontrar com os respon-sáveis da administração e os representantes de ou-tros sectores interessados. A partir dessas entrevis-tas, a equipa de peritos estabelecia um relatório queera estudado numa reunião de confrontação realizadana sede da OCDE, em que responsáveis de alto níveldo país em análise respondiam às diversas questõesque lhes eram colocadas pelos examinadores e pelosmembros do Comité Director da OCDE.

Foi precisamente na sequência do exame à po-lítica de educação de Portugal, realizado em 1959-1960, que a OCDE vai pôr em marcha o mais impor-

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tante — em termos financeiros, políticos e de aten-ção crítica, conceptual e metodológica — programaoperacional da sua história, o Projecto Regional doMediterrâneo (Papadopoulos, 1994). A iniciativadeste projecto partiu do ministro português da Edu-cação que, preocupado com a necessidade de traçar“um PLANO DE FOMENTO CULTURAL, sem oqual não tem significado nem eficiência um Planode Fomento Económico”11 decidiu pedir a ajuda téc-nica e financeira da então OECE para estabelecer osobjectivos do sistema de ensino, de forma a satisfa-zer as necessidades de mão-de-obra correspondenteàs finalidades económicas de longo prazo do país12.Considerada uma iniciativa que poderia interessar aoutros países do Sul da Europa, igualmente mem-bros da OECE/OCDE, o Projecto Regional do Medi-terrâneo veio a incluir a Espanha, a Grécia, a Itália, aTurquia e a Jugoslávia, para além de Portugal.

Representando embora um exercício de planea-mento quase académico, com muito pouca influên-

11. Despacho do ministro da Educação de Portugal, de 21 de No-vembro de 1959. A utilização da maiúscula está conforme o original.

12. O referido despacho do ministro da Educação, de 21 de Outu-bro de 1960, fixava as finalidades desse estudo nos seguintes termos:“Pareceu não só fundamental mas indispensável proceder-se ao estu-do sobre as nossas necessidades em mão-de-obra especializada, acom-panhando-o de inquéritos às necessidades de pessoal, em face da mu-tabilidade da técnica e da nossa adaptação ao crescimento económicomundial”.

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cia directa na acção política reformadora, o ProjectoRegional do Mediterrâneo deu, todavia, um contri-buto decisivo para a consolidação da viragem na po-lítica educativa portuguesa dos anos sessenta e se-tenta, permitindo a participação regular de um vas-to conjunto de técnicos e de quadros político-admi-nistrativos nacionais nas actividades da OCDE e re-cebendo a consultoria técnica de peritos internacio-nais, na generalidade dos novos projectos lançados13,precisamente nesse período da idade de ouro do cres-cimento do ensino, impulsionado por uma crença,quase sem limites, no valor económico da educação,primeiro da educação técnica e do ensino científico,depois também da educação de base e geral. Ao que-brar o isolamento de Portugal e ao obrigar à elabora-ção regular de relatórios detalhados sobre a situaçãoeconómica e educativa, que mostravam, de formabrutal, a distância a que o país se nos encontrava deoutros seus parceiros, essa participação activa nostrabalhos da OCDE permitiu a difusão de uma ideo-logia educativa que Sacuntala de Miranda (1981)designou ocdeísmo, e que vai representar a mais im-

13. Dentre outros, a criação do Gabinete de Planeamento Educa-tivo no Ministério da Educação, o lançamento do ensino pela televisão(Telescola), a modernização da administração pública da educação e areforma do ensino superior, com a criação de novas universidades,organizadas departamentalmente, e de uma nova via, de carizpolitécnico.

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portante fonte de mandato e de legitimação para asposições e propostas dos sectores desenvolvimentis-tas. Estes, progressivamente, foram ganhando in-fluência nos departamentos económicos e nos gabi-netes de planeamento educativo e de formação demão-de-obra.

A Unesco e Portugal ou a procura de legitimação internacionalem tempos de crise revolucionária

Desde cedo, a Revolução Portuguesa de 1974, aRevolução dos Cravos, que iniciou o fim das ditadu-ras no Sul da Europa14, assumiu uma orientação an-

14. Samuel Huntington (1991, p. 3) vai mesmo mais longe: “Aterceira vaga de democratização no mundo moderno começou,implausível e involuntariamente, vinte e cinco minutos depois da meia-noite, 5ª feira, 24 para 25 de Abril de 1974, em Lisboa, Portugal, quan-do uma estação de rádio tocou a canção Grândola, Vila Morena. A difu-são dessa canção foi o sinal de partida para as unidades militares dosarredores de Lisboa, pondo em marcha os planos de um golpe de Esta-do que tinha sido cuidadosamente preparado por jovens oficiais doMovimento das Forças Armadas (MFA). O golpe foi conduzido efi-cientemente e com sucesso, havendo uma resistência pequena da polí-cia de segurança. As unidades militares ocuparam ministérios-chave,estações de rádio e televisão, correios, aeroportos e estações telefónicas.Pela manhã, multidões enchiam as ruas, acarinhavam os soldados ecolocavam cravos nos canos das suas espingardas. Pela tarde, o de-posto ditador, Marcello Caetano, tinha-se rendido aos novos líderesmilitares de Portugal. No dia seguinte, voou para o exílio. Morreu en-tão a ditadura que nascera de um golpe militar similar em 1926, e quefoi dirigida durante trinta e cinco anos por um austero civil, AntónioSalazar, trabalhando em estreita colaboração com os soldados portu-

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ticapitalista ou, no mínimo, antimonopolista. AOCDE, que desempenhava papel de primeiro planona assistência técnica à expansão do sistema escolarportuguês (e de legitimação política das opções sub-jacentes), apresentava-se, no contexto internacional,como a organização por excelência dos países capi-talistas desenvolvidos, com uma opção muito mar-cada, no campo das suas recomendações sobre políti-ca educativa, pela ligação dos sistemas de educaçãoàs necessidades do crescimento industrial e, em ge-ral, ao desenvolvimento da economia (capitalista).

A Revolução, depois de um primeiro momentoem que, em algumas instâncias do poder político-militar, ainda se acreditava ser possível uma certacontinuidade com o regime anterior, rapidamente seencaminhou em outro sentido, tentando acompanhara pressão dos movimentos sociais populares que, naperiferia, exigiam rupturas com o passado, represen-tado, no sector da educação, por um regime que re-legara o desenvolvimento educativo para plano se-cundário ao temer os seus efeitos nos processos demobilidade social.

Coincidindo o processo revolucionário com a fa-se final de um ciclo de procura optimista da educação

gueses”. Ainda segundo Huntington, a primeira longa vaga de democra-tização desenvolveu-se no período compreendido entre 1828 e 1926,tendo a segunda curta vaga de democratização desenvolvido-se entre 1943e 1962 (1991, p. 13-26).

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(S. Grácio, 1986), as políticas educativas dos gover-nos provisórios vão centrar-se no que Stephen Stoere Helena Araújo (1991) designam eixo educação-de-mocracia-cidadania. E, na revolução portuguesa, de-mocracia (e cidadania) vão-se tornando, progressi-vamente, sinónimos de socialismo, como o “novonome da liberdade dos povos” e o “instrumento dalibertação dos explorados e oprimidos”15.

A organização internacional que, nos meadosdos anos setenta, encontrava-se, nos planos da edu-cação e da cultura, em melhores condições para res-ponder aos anseios de procura de uma via (original,ou não) para o socialismo era, inequivocamente, aUnesco, apostada, à época, em dar conteúdo, nos seuscampos de intervenção, às deliberações no sentidoda construção de uma nova ordem económica interna-cional (NOEI)16.

15. A expressão, que sintetiza todo um período da história portu-guesa, é de Rui Grácio (1981, p. 123).

16. Num plano próximo, essas deliberações resultaram da inicia-tiva da 4ª Conferência dos Países Não Alinhados, que se realizou emArgel, em Setembro de 1973, em que se decidiu solicitar ao secretário-geral das Nações Unidas a convocação de uma sessão extraordináriada Assembleia-Geral para estudar os “problemas relativos às maté-rias-primas e ao desenvolvimento”. Essa sessão, que se realizou de 9de Abril a 2 de Maio de 1974, aprovou, por consenso, a Declaraçãorespeitante à instauração de uma nova ordem económica internacional e umprograma de acção [resoluções 3201 (S-VI) e 3202 (S-VI), de 1º de Maio].Essas duas resoluções foram completadas a 12 de Dezembro de 1974,com a aprovação, com 6 votos contra e 10 abstenções, da Carta dosdireitos e deveres económicos dos Estados [resolução 3281 (XXIX)].

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A estratégia política que estava por detrás da inicia-tiva da NOEI era terceiro-mundista: identificava osubdesenvolvimento no Terceiro Mundo como o resul-tado de condições históricas. Em vez de se respon-sabilizar a vítima, os porta-vozes do Terceiro Mun-do queriam que a comunidade internacional reco-nhecesse a desigualdade na organização da econo-mia mundial. Esta estratégia tinha as suas raízes noterceiro-mundismo do movimento de descoloniza-ção, onde o colonialismo era responsabilizado peladesigualdade global. (McMichael, 1996, p. 121)

As relações de Portugal com a Unesco foram,durante o Estado Novo, muito ténues primeiro, econflituosas depois. Tendo ratificado o ActoConstitutivo da Unesco apenas em Março de 1965,Portugal anunciara em Junho de 1971 a decisão deabandonar essa organização do sistema das NaçõesUnidas, na sequência de diversas tomadas de posi-ção condenando Portugal e do apoio político e ma-terial aos movimentos de libertação nacional quecombatiam o colonialismo português. Após a Revo-lução, Portugal vai retomar de novo o seu lugar demembro da Unesco, em Setembro de 1974, num con-texto já marcado pelo reconhecimento, por parte doEstado Português, do direito dos povos vivendo nosterritórios ultramarinos sob administração portugue-sa à autodeterminação e independência.

Embora Portugal nunca tenha deixado de par-ticipar, no campo da educação, nas actividades re-

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gulares da OCDE — e do seu Center for EducationalResearch and Innovation (Ceri) —, prosseguindo mes-mo alguns projectos existentes com a assessoria téc-nica dessa organização, será a Unesco que produzi-rá o trabalho mais significativo de legitimação daacção governativa neste período de 1974-1975, aoresponder ao desejo das autoridades portuguesas dereorientar o sistema de educação no sentido “de umaverdadeira democratização e de a tornar um instru-mento real de desenvolvimento dos homens, no seiode uma comunidade que escolhera o reforço da suaindependência nacional e a via socialista de desen-volvimento” (Unesco, 1975, p. 1), enviando uma mis-são, organizada no âmbito da sua Divisão das Políti-cas e da Planificação da Educação, que visitou Por-tugal entre Maio e Junho de 1975.

O relatório produzido na sequência dessa visi-ta, Éléments pour une politique de l’éducation au Portu-gal, rapidamente ultimado, manifesta uma grandeempatia com o que se passava em Portugal nesse pe-ríodo revolucionário, e uma significativa concordân-cia com as grandes linhas de acção política adoptadasno plano governamental, situadas na perspectiva doestabelecimento de uma sociedade socialista e do re-forço da independência nacional. Sublinhando o factode ainda não se constatar a existência no campo edu-cativo de um projecto global, integrado e coerente, emmanifesto atraso face a outros sectores de actividade,insistia na necessidade de se definir uma estratégia,

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que os peritos da Unesco propunham que se fun-dasse sobre a ideia de uma educação permanente, o quecomportaria as seguintes consequências:

(i) democratização real da escola, graças a medidascompensatórias tomadas em proveito de camadasdesfavorecidas da população, à recuperação do po-tencial humano aniquilado pelo sistema elitista pre-cedente, e também à intervenção de todos na elabo-ração da política educativa;(ii) formação dos quadros técnicos e culturais de to-dos os níveis necessários ao desenvolvimento dopaís, formação estreitamente ligada às realidadesnacionais e centrada sobre as necessidades econó-micas e sociais;(iii) procura de uma maior eficacidade, graças a umesforço de racionalização das actividades, a umamelhor organização administrativa e financeira e auma descentralização efectiva. (Unesco, 1975, p. 15)

Como todos os relatórios de organizações in-ternacionais, Éléments pour une politique de l’éducationau Portugal terminava com um conjunto de propos-tas, abarcando não apenas os diferentes sectores eníveis de educação formal, mas igualmente a forma-ção profissional, incluindo os sectores dependentesdo então designado Ministério do Trabalho. Preo-cupados em contribuir para um projecto global, coe-rente e integrado, os peritos da Unesco, na boa tradi-ção da planificação educativa dos anos sessenta e se-

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tenta, dedicavam um largo espaço aos trabalhos deplanificação da reforma. Assim, defendiam uma defi-nição dos objectivos da educação a partir das previ-sões de emprego, insistiam numa requalificação doGabinete de Estudos e Planeamento do Ministérioda Educação, de forma a transformá-lo no “instru-mento da animação e coordenação dos trabalhos deplanificação” no seio do Ministério (Unesco, 1975,p. 66), e terminavam propondo, com minúcia, a cria-ção de uma instituição responsável pela elaboração ea mise en oeuvre da reforma.

A apresentação do relatório em Agosto de 1975,no auge do período de confrontos político-militarespela definição do futuro da Revolução, poucoimpacte teve já na condução da política educativaportuguesa, salvo, provavelmente, no campo da edu-cação permanente. Mas representou, inequivoca-mente, um importante factor legitimador, no planointernacional, das mais significativas opções entãotomadas no plano da política educativa portuguesanesses tempos de crise revolucionária17.

O Banco Mundial e a normalização da política educacional

Normalizada a revolução — pela transposiçãopara o interior do Estado dos impasses na constru-

17. A expressão é de Boaventura de Sousa Santos (1990).

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ção de uma hegemonia social e política, que antes severificavam no exterior, nas organizações de base eno Movimento das Forças Armadas (MFA) — e assu-mida a integração na Comunidade Europeia comodesígnio nacional, uma organização como a Unesco,então dominada pelos países do Terceiro Mundo edo chamado campo socialista, não apresentava, se-guramente, as credenciais necessárias para servir deelemento legitimador às opções dos vencedores dacrise revolucionária. Fruto de circunstâncias exte-riores ao campo da educação, foi o Banco Mundial aconstituir a primeira instituição internacional a res-ponder por esse papel legitimador das novas orien-tações traçadas para a política educativa a partirda constitucionalização dos órgãos de poder saídosda Revolução, em 1976.

A desvinculação temporária entre as políticassociais e as políticas de acumulação, verificada em1974 e 1975, associada ao primeiro choque petrolífe-ro, conduziu a um importante desequilíbrio nas con-tas públicas, o que gerou grandes dificuldades naobtenção dos financiamentos internacionais que abalança de pagamentos reclamava. Sendo o BancoMundial uma das principais instituições do sistemafinanceiro internacional responsável por aquilatar dasaúde financeira dos países, com o objectivo óbviode verificar a capacidade destes em cumprir os com-promissos assumidos, tornou-se então frequente, ain-

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da mesmo durante o período de crise revolucionária,a vinda de missões desse Banco dirigidas aos maisdiversos sectores de actividade.

A presença do Banco Mundial na política edu-cacional portuguesa após 1976 surge num contextopreciso: por um lado, em resposta à necessidade deencontrar, no plano internacional, uma respeitávelfonte de legitimação para a opção de substituir a po-lítica pelo planeamento, numa ocasião em que a ques-tão do ingresso no ensino superior constituía, noâmbito da opinião pública e da acção governativa, oproblema-chave da política educacional; por outro,num quadro de significativo abrandamento da des-pesa pública e de cortes nas áreas sociais18, a possibi-lidade de encontrar programas de financiamentoexterno para os projectos de reforma consideradosprioritários para a concretização de um desígniomodernizador do sistema educativo, que tinha naformação dos recursos humanos uma das chaves daresposta ao desafio europeu. O Banco Mundial esta-va, então, nas condições ideais para responder àsnecessidades do governo português, pois, diferen-temente da OCDE ou de outra organização interna-

18. Ver, sobre este assunto, o imprescindível artigo de José Reis(1995) sobre a evolução da despesa pública, no quadro dos ciclos po-líticos e dos ciclos económicos, no período compreendido entre 1958e 1993.

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cional, associava consultoria com ajuda, sob a formade empréstimos financeiros.

Embora nunca tenha participado de projectosanteriores em Portugal, vinha, desde 1962, o envol-vimento do Banco Mundial na área da educação,considerada, na boa tradição funcionalista das teo-rias do capital humano, pelo respectivo Sector PolicyPaper, uma necessidade humana básica que sustém eacelera o desenvolvimento global.

A educação desempenha diferentes papéis. Primei-ro, prepara e treina trabalhadores especializadospara gerir o capital, a tecnologia, os serviços e a admi-nistração em cada um dos sectores da economia. Aexperiência tem repetidamente mostrado que osprojectos de desenvolvimento não são bem imple-mentados salvo quando o investimento de capital ea transferência de tecnologia são acompanhadas porum adequado conhecimento humano e as correspon-dentes competências profissionais. Diversos estudostêm também mostrado que o retorno económico doinvestimento em educação parece, em muitas cir-cunstâncias, exceder os retornos em modos alterna-tivos de investimento, e que os países em desenvol-vimento obtêm mais elevados retornos que os paí-ses desenvolvidos. Segundo, através do pessoal for-mado, de metodologias desenvolvidas e da consoli-dação de instituições, a educação facilita o avançodo conhecimento em campos de ciência pura ou apli-cada. Terceiro, no que respeita à gestão do meio

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ambiente, à sua conservação, ao uso da energia e aoalcançar um equilíbrio entre população humana erecursos naturais disponíveis, da educação espera-se que eleve a consciência das pessoas e propicieconhecimentos, competências técnicas e mão-de-obraformada para lidar com os problemas ambientais.Quarto, o rápido crescimento económico, o avançotecnológico e a mudança social transformam as re-lações entre o indivíduo e a sociedade, e podem rom-per os sustentáculos tradicionais que antes forneci-am a organização social ao indivíduo. (The WorldBank, 1985, pp. 13-14)

Após uma avaliação sumária da situação edu-cativa portuguesa, o Banco Mundial propõe comoprincipal medida de reforma educativa a criação elançamento de um ensino superior de curta duração,voltado para a formação de quadros qualificados denível intermédio (The World Bank, 1978). A propos-ta, vigorosamente defendida pelos peritos do BancoMundial, era a de implementar um ensino essencial-mente técnico e centrado numa formação prática eespecializada, de banda estreita, na terminologia cur-ricular, onde as actividades de investigação, enquan-to processo heurístico caracterizador de uma forma-ção de nível superior, estavam explicitamente ausen-tes. Essas propostas do Banco coincidiam por intei-ro com a opinião dos responsáveis político-adminis-trativos portugueses de então, que defendiamacerrimamente uma política centrada no planeamen-

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to da formação de recursos humanos, que travasse acrescente procura de ensino universitário e a condu-zisse para formações tecnológicas mais curtas e pro-fissionalmente direccionadas.

A participação do Banco Mundial nesse projectoculminou com a aprovação de empréstimos, quetotalizaram 47,9 milhões de dólares, que se destina-dos à construção e à aquisição de equipamentos dasescolas dos novos institutos politécnicos, cuja redefora entretanto fixada, bem como a um programa deformação pós-graduada dos seus futuros docentesnos Estados Unidos. Posteriormente, na década deoitenta, essa ligação privilegiada com o Banco Mun-dial veio a manter-se no campo das políticas do en-sino superior, sendo de salientar o programa de refor-ma global para esse sector de ensino apresentado em1989 (The World Bank, 1989).

Alguns anos depois, num interessante debatesobre as estratégias e as prioridades do Banco Mun-dial, Joel Samoff (1998) destacava o facto de, nos re-latórios dessa instituição, não existirem, de formaexplícita, valores ou objectivos; simplesmente umdiagnóstico standardizado como ponto de partida.Stephen Stoer (1982, 1986), que dedicou a esta inter-venção do Banco Mundial em Portugal alguns dosseus principais trabalhos na década de oitenta, de-fendera antes, em apenas aparente contradição, quea intervenção do Banco na educação portuguesa foramais ideológica que instrumental.

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Isto quer dizer que o que contava mais era o apoiodado pela instituição à redefinição e ao restabeleci-mento do Estado (ou seja, a sua contribuição para oprocesso de normalização). Em termos concretos, istoincluía não só o proporcionar de um modelo para odesenvolvimento educativo, baseado na teoria téc-nico-funcional, mas também o patrocínio de umapoio externo a um Estado extremamente necessita-do de refazer a sua imagem para se reabilitar face àcomunidade capitalista internacional. No processode contribuir para a “credibilidade” de Portugal, oBanco Mundial contribuiu igualmente para a ruptu-ra instigada pelo processo de normalização com o“Portugal em transição para o socialismo”. (Stoer,1986, pp. 246-7)

De novo a OCDE: o novo vocacionalismo justificado pelomandato europeu

O retorno da OCDE a um papel dominante naeducação vai verificar-se no início da década de oi-tenta, na sequência da decisão de solicitar a integra-ção de Portugal no grupo de países da OCDE queparticipavam no programa do exame às políticas edu-cativas nacionais. O objectivo expresso era o de, noâmbito dos estudos preparatórios para a elaboraçãode uma lei de bases, considerar esse exame como umaespécie de auditoria externa à situação da educaçãoque fosse complementar de outro exercício de obser-

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vação e reflexão, constituído por um conjunto de con-tributos parcelares sobre a situação e perspectivasdo sistema educativo apresentados por um conjun-to de especialistas portugueses.

O exame realizado pelos peritos da OCDE, noinício dos anos oitenta acabava por centrar-se, prati-camente, numa única questão: a crítica à forma comoas políticas nacionais tinham negligenciado a forma-ção profissional e técnica dos jovens. Defendendoque o ensino técnico e profissional deveria ser umaprioridade capital da política educativa portuguesa, aOCDE recomenda a rápida criação de vias de for-mação profissional a partir dos 14 anos de idade, acres-centando, de modo possivelmente crítico face a an-teriores opções governamentais, propostas ou assu-midas pelo Banco Mundial, de que o “alargamentodo acesso aos institutos politécnicos não é uma ques-tão prioritária” (OCDE, 1984, p. 82).

A selecção de prioridades é particularmente relevan-te quando há planos ambiciosos que podem ser frus-trados por escassez de recursos. Aqui há um primeirodilema ligado à dualidade do país. Insiste-se muitoactualmente no desenvolvimento do interior mais doque na expansão da indústria já lançada. Será queisso implica uma prioridade semelhante em termosde formação profissional? Tendo em conta que odesenvolvimento regional exige qualificações mo-destas dos indivíduos, requerendo períodos curtos

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de formação, possivelmente no trabalho, então tal-vez se devesse dar prioridade à aquisição de qua-lificações industriais especializadas. (OCDE, 1984,p. 87-88)

Esta posição da OCDE correspondia inteiramen-te ao que o poder político nacional do início dos anosoitenta queria escutar. Num contexto ainda muitomarcado pelo eixo educação-democracia, dominante noperíodo de crise revolucionária (ver Quadro 1, pág.103), o exame da OCDE tornou-se o documento in-ternacional legitimador dessa “prioridade das prio-ridades” que foi a (re)criação dos ensinos profissio-nal e técnico-profissional, numa matriz curricularabertamente fordista. Embora com especifidades pró-prias a cada realidade nacional, essa prioridade cor-respondeu a uma tendência verificada também emoutros países europeus, caracterizada por diversosautores como um novo vocacionalismo19.

19. Ver, e.g.: I. Bates (Ed.), Schooling for the Dole? The NewVocationalism, London: Mac Millan, 1984; R. Dale, The State and Educa-tion Police, Milton Keynes, Philadelphia: Open University Press, 1989;R. Moore, “Education and the Ideology of Production” (British Journalof Sociology of Education, n.º 2 (8), 1987, pp. 227-242); G. Rees, H.Williamson and V. Winckler, The New Vocationalism: Further Educa-tion and Local Labour Markets, Journal of Education Policy, n.º 3 (4),1989, pp. 227-44. Segundo, por exemplo, R. Moore, a característica quedistingue e dá significado ao novo vocacionalismo é o modo como o con-teúdo e a organização curricular, e a sua pedagogia, decorrem de umaespecialização comportamental das necessidades da indústria, no que sesupõe serem as perícias exigidas pelos empregos. Essas necessidades

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A convicção subjacente a essa orientação, nocaso português, como sublinham Stoer, Stoleroff eCorreia (1990, p. 11), era a de que “a oferta de recur-sos humanos com qualificações adequadas é essen-cial para a modernização da economia e de que mes-mo numa situação de desemprego intenso existemempregos potenciais que permanecem vagos em con-sequência da falta de mão-de-obra qualificada”. OEstado, segundo esses autores, assume-se como actormodernizador, atribuindo ao sistema educativoobjectivos e funções relacionados com a mudança tec-nológica e a modernização da economia, ou seja, legi-timando o papel económico da escola democrática.

A tendência para uma profissionalização/vocacio-nalização do ensino está presente na política educa-tiva de muitos dos países europeus onde se desen-volveu a escola de massas. No entanto, a elaboraçãode um discurso legitimador das mudanças ineren-tes a esta política assume uma especificidade con-forme às características próprias de cada um deles.Qualquer reflexão que pretenda restituir o sentido

são, ainda segundo Moore, mera retórica destinada a funcionar sobre-tudo como uma forma particular de representação ideológica. No con-texto do seu país, o Reino Unido, Moore argumenta que o novo vocacio-nalismo consiste, prioritariamente, numa forma conservadora alterna-tiva de controlo do sistema educacional, com o propósito de lhe dimi-nuir a sua autonomia e tornando-se uma ideologia da produção regu-lando a educação, mais do que uma ideologia educacional servindo àprodução.

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do debate que, durante a década de 80, se tem pro-duzido em torno da reestruturação do sistema edu-cativo em Portugal, confrontar-se-á com um conjun-to diversificado de discursos apelando para as cha-madas “necessidades da modernização”. Este apeloà modernização é, com efeito, o elemento dominan-te no discurso sobre o sistema educativo, e consti-tui um chavão que se avança para realçar a neces-sidade de estreitar as relações entre a escola e a vidaactiva, sem que haja necessidade de se explicitar oque se entende por vida activa ou a natureza dasrelações em causa. (Stoer, Stoleroff & Correia, 1990,p. 46-7)

A adesão formal à CEE/UE, com a consequenteparticipação nas instâncias comunitárias, nos planostécnico e político, só veio reforçar a legitimação in-ternacional desse deslocamento de prioridade napolítica educacional. As políticas de educaçãoeuropeias construídas a partir de Bruxelas assenta-ram em duas perversões: a primeira decorreu da so-bredeterminação da educação pelo contexto econó-mico e pelo mundo do trabalho, resultante, em gran-de parte, de se ter chegado às políticas de educaçãoa partir do alargamento do conceito de formaçãoprofissional; a segunda resultou da situação de se-miclandestinidade vivida pela Comunidade no domí-nio da educação, por os seus tratados fundadores nãopreverem uma intervenção neste campo, impedin-do um verdadeiro debate e controlo democrático e

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originando uma intervenção fortemente baseada nalógica dos peritos e em critérios de estreita racionali-dade económica (Nóvoa, 1996). Assumindo que odesenvolvimento do sistema de educação, enquan-to aspecto determinante da construção da moderni-dade, assentou num equilíbrio entre regulação sociale emancipação social, o discurso das instituiçõeseuropeias no campo educacional nesse período as-sentou, dominantemente, numa racionalidade preo-cupada com a regulação social.

A integração nas estruturas da CEE/UE, no pla-no formal, a partir de Janeiro de 1986, acentuou aparticipação em projectos, redes e formas de inte-racção transnacional que favoreceram a afirmaçãode linguagens e de categorias de pensamento co-muns, que vão estar no centro do discurso sobre areforma educacional, verdadeiro alfa e ómega de todaa política nacional no último terço dos anos 1980.Como argumentei em outros trabalhos (Teodoro,1994, 1995), o discurso sobre a reforma educacionalassumiu as categorias de ritual e de retórica, desti-nado a legitimar uma imagem de progresso e de mo-dernização da escola. A reforma educacional assu-miu, então, o estatuto de reforma estrutural, passan-do a ser apresentada como o meio por excelência quepermitiria ao sistema de ensino responder aos desa-fios da integração europeia e da construção do mer-cado único, dando um contributo decisivo para a

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esfera económica por meio da rápida elevação daqualificação dos recursos humanos.

3. Novas formas de regulação transnacional ou umaglobalização de baixa intensidade

Enquanto uma persistente ideia europeia, comraízes tanto na concepção prometaica da progressi-va domesticação humana da natureza como na afir-mação de uma economia-mundo capitalista tendo aEuropa como centro, o projecto do desenvolvimentoassentou em dois pilares principais: a transferênciatecnológica e a educação (McMichael, 1996). Se os des-tinatários do desenvolvimento, os países da perife-ria e da semiperiferia, ainda podem ter recebido comalguma ambiguidade as promessas dos países cen-trais de transferência tecnológica, quanto ao pilar daeducação este foi, em geral, unanimemente conside-rado a base do desenvolvimento social e da constru-ção da nação, mesmo quando conduziu a uma rejei-ção e a um empobrecimento das culturas locais, con-sideradas pré-modernas e um obstáculo à racionali-zação do desenvolvimento económico.

O projecto de desenvolvimento encetado apósa Segunda Guerra Mundial teve, no Estado-nação, oseu espaço privilegiado. Esse projecto, onde a mo-dernização era assumida como ideal universal, ofere-cia uma perspectiva optimista para o desenvolvimen-

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to económico nacional assentado em programas deassistência, de carácter bi ou multilateral, normalmen-te conduzidos pelas organizações internacionais en-tretanto criadas. Nesta perspectiva, as iniciativas dedesenvolvimento resultavam de um processo onde,apesar de os planos nacional e internacional se apre-sentarem interligados, era o espaço nacional queconstituía a unidade política fundamental para amobilização das populações e para se atingir o idealda modernização.

Contraditoriamente (ou não), esse projecto dedesenvolvimento nacional conduziu a uma integra-ção económica global, que, de forma decisiva a partirda crise da dívida pública dos anos oitenta, a décadaperdida de Philip McMichael (1996), fez deslocar ostermos do desenvolvimento de uma questão domi-nantemente nacional para uma questão progressi-vamente global. O desenvolvimento deixa de ser umprojecto capaz de ser conduzido no quadro do Esta-do-nação, na base dos tradicionais estímulos ao mer-cado nacional, para depender cada vez mais do mer-cado mundial, sob a condução de um gerencialismoglobal (global managerialism), que tem no chamado“consenso de Washington” os seus dez mandamentos:disciplina fiscal, prioridades na despesa pública, re-forma fiscal, liberalização financeira, taxas de câm-bio, liberalização do comércio, investimento estran-geiro directo, privatização, desregulação e direitosde propriedade.

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O gerencialismo global refere-se à realocação dopoder de gestão económica dos Estados-nação paraas instituições globais. Pode não ser uma realocaçãoabsoluta, mas também não é um jogo de suma nula,onde o “global” e o “nacional” apresentam-se comomutuamente exclusivos. Cada um funde-se no ou-tro. Mais importante, as instituições nacionais abra-çam os objectivos mundiais. Isso não é claramentecompreendido porque os Estados-nação ainda exis-tem, e os seus governos ainda fazem política. Aoobservador casual, se o Estado existe, então tambémdeve existir o projecto nacional. Nesse contexto glo-bal, não é necessariamente o caso. Os governos es-tão, muitas vezes, fazendo política em nome degestores globais — funcionários de instituições mul-tilaterais, executivos de corporações transnacionaisou banqueiros globais. (McMichael, 1996, p. 132)

Esse projecto de desenvolvimento global — ouglobalização, na expressão consagrada — pode serentendido como algo mais do que a mera continua-ção do sistema mundial, como defende Giddens(1997a), ou apenas como o acelerar da idade de transi-ção, como advoga Wallerstein (1999)20. Entendido

20. Nesse texto, Wallerstein assume uma violenta crítica ao dis-curso da globalização: “Este discurso é, de facto, uma gigantesca mis-tificação da realidade actual — uma desilusão que nos é imposta porgrupos poderosos e, pior ainda, uma interpretação a que nos subordi-namos, muitas vezes desesperadamente. É um discurso que nos con-duz a ignorar os problemas reais antes de nós e a não compreender a

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num ou noutro sentido, esse novo projecto de desen-volvimento tem, todavia, como pilares fundamen-tais, por um lado, uma estratégia de liberalização e,por outro, a afirmação do axioma das vantagens com-petitivas, tendo subjacente uma nova concepção dedesenvolvimento adjectivado de sustentável, que aca-ba por trazer novamente para primeiro plano a teo-ria neoclássica do capital humano.

Não admira, então, que Roger Dale (1998) ar-gumente que os mais claros efeitos da globalizaçãonas políticas educacionais sejam consequência dareorganização das prioridades dos Estados em setornarem mais competitivos, nomeadamente de for-ma a atrair os investimentos das corporações trans-

crise histórica em que nos encontramos. Atravessamos, no entanto, ummomento de transformação. Mas não é já um novo e estabelecido mun-do globalizado com regras claras. Preferentemente, estamos localiza-dos numa idade de transição, uma transição não meramente de unspoucos países atrasados que necessitam alcançar o espírito da globali-zação, mas uma transição na qual a totalidade do sistema-mundo ca-pitalista se deve transformar em alguma coisa diferente. O futuro, lon-ge de ser inevitável e sem alternativa, está sendo determinado nestatransição por uma grande incerteza quanto aos seus efeitos”. Emboratomando em devida nota a crítica de Wallerstein, utilizo neste capítu-lo o conceito de globalização, ou melhor, de globalizações, no sentidoda proposta de Boaventura de Sousa Santos (2001) de que vivemos noque designa de sistema mundial em transição (SMET): “O sistema mun-dial em transição é constituído por três constelações de práticascolectivas: a constelação de práticas interestatais, a constelação de prá-ticas capitalistas globais e a constelação de práticas sociais e culturaistransnacionais” (p. 63).

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nacionais para os seus territórios. Mas, acrescenta,se a globalização pode mudar os parâmetros e adirecção das políticas estatais no campo educacio-nal, tal não significa inevitavelmente que tenha dese sobrepor, ou mesmo de remover, as particulari-dades nacionais (ou sectoriais) dessas políticas. Emprimeiro lugar, porque a globalização não resulta deuma imposição de um país sobre outro, possivelmen-te apoiada na ameaça de uma acção militar bilateral,mas antes, e muito mais, o efeito de uma construçãosupranacional21. Em segundo lugar, porque os efei-tos nas políticas educacionais são indirectos, agindopor mediação dos Estados nacionais, pelo que asnovas e distintas regras podem ser interpretadas di-ferentemente, o que em geral acontece em função dalocalização de cada país no sistema mundial. Tal nãosignifica, acrescenta Dale (1998), o enfraquecimentoou a dissipação do poder dos Estados já poderosos,mas antes o reforço da sua capacidade para respon-der colectivamente às forças que nenhum deles pode,por si, jamais controlar individualmente.

Como corolário da argumentação expendida,Dale (1998) avança duas hipóteses: (a) é possível dis-

21. Muito interessante é a distinção que Dale (1998) faz entre glo-balização e imperialismo ou colonialismo: “o que acontecia somente aoTerceiro Mundo ou aos países colonizados está agora acontecendo aosEstados mais poderosos, antes iniciadores mais do que receptores depressões externas nas suas políticas nacionais”.

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tinguir os efeitos da globalização nas políticas deeducação dos decorrentes das tradicionais formas deintervenção das organizações internacionais no qua-dro do anterior modelo desenvolvimentista; e (b) osefeitos da globalização nas políticas nacionais apre-sentam-se mais diversos e multifacetados do quehomogéneos e uniformes.

No projecto desenvolvimentista, a assistênciatécnica das organizações era (é) activamente procu-rada pelas autoridades nacionais, sobretudo comoforma de legitimação de opções internas; por outrolado, os múltiplos e variados relatórios produzidospelas organizações internacionais constituíam(em)uma forma de mandato, mais ou menos explícito, deacordo com a centralidade dos países. No projectode globalização — e esta é a hipótese que se avançaneste capítulo, a agenda globalmente estruturada22 faz-se sobretudo tendo como centro nevrálgico os gran-des projectos estatísticos internacionais e, muito em par-ticular, o projecto Ines23, do Centre for EducationalResearch and Innovation (Ceri) da OCDE. E, nessesprojectos estatísticos, a escolha dos indicadores consti-tui, seguramente, a questão determinante na fixação des-sa agenda global.

22. O conceito é de Roger Dale (1998).23. Indicators of Educational Systems (Indicadores dos Sistemas

Educacionais).

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Pelo seu impacte nas políticas de educação dospaíses centrais (e em muitos países situados na se-miperiferia dos espaços centrais), o projecto centradoem torno da construção e recolha dos indicadoresnacionais de ensino assume uma particular relevân-cia. Tendo como expressão pública mais conhecidaa publicação anual de Education at a Glance [Um olharpara a Educação], este empreendimento da OCDEfoi decidido na sequência de uma conferência reali-zada em Washington, em 1987, por iniciativa e a con-vite do Ministério da Educação dos Estados Unidose do secretariado da OCDE, em que participaramrepresentantes de 22 países, bem como diversos pe-ritos e observadores convidados. O ponto principalda agenda da OCDE no campo da educação era, nes-sa época, a qualidade do ensino, que serviu como ques-tão de partida para o lançamento do projecto INES,possivelmente a mais significativa e importanteactividade dessa organização internacional em todaa década de 1990.

Reconhecendo que o problema mais complexonão era tanto o cálculo de indicadores válidos mas aclassificação dos conceitos, os representantes dospaíses-membros da OCDE e os peritos convidadosexaminaram um conjunto de mais de 50 indicadoresnacionais possíveis, tendo acabado por reuni-los emquatro categorias: (i) os indicadores de input (entra-da) (ii) os indicadores de output (resultados), (iii) os

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indicadores de processo e, (iv) os indicadores de re-cursos humanos e financeiros (Bottani & Walberg,1992).

A concretização desse projecto permitiu àOCDE estabelecer uma importante base de dados deindicadores nacionais de ensino, que alimenta a pu-blicação, desde 1992, do Education at a Glance. Nes-ses olhares, para além dos tradicionais indicadores— como sejam as diferentes taxas de escolarização,os vários índices de acesso à educação, as despesascom a educação, as qualificações do pessoal docente— figura um conjunto de novos indicadores, que têmprofundas consequências na formulação das políti-cas de educação no plano nacional24. Esses novosindicadores são apresentados pela OCDE de uma for-ma particularmente significativa:

Para responder ao interesse crescente da opinião edos poderes públicos face aos resultados do ensino,mais de um terço dos indicadores apresentados nes-ta edição tratam dos resultados, tanto sobre o planopessoal como face ao mercado de trabalho, e a ava-liação da eficácia da escola. Os indicadores que seinspiram no primeiro Inquérito Internacional sobrea Alfabetização dos Adultos dão uma ideia do nível

24. Ver, e.g., os dois campos privilegiados pela OCDE no finaldos anos 1990: a avaliação do funcionamento das escolas e a avaliaçãoexterna das aprendizagens.

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de proficiência das competências de base dos adul-tos e dos laços existentes entre essas competências ealgumas características-chave dos sistemas educati-vos. A publicação compreende, ainda, uma sériecompleta de indicadores sobre os resultados em Ma-temática e em Ciências, que cobre a quase totalida-de dos países da OCDE e inspira-se no Terceiro Es-tudo Internacional de Matemática e Ciências. Alémdisso, os indicadores tirados do primeiro inquéritosobre as escolas do projecto INES contribuem para oalargamento da base dos conhecimentos disponíveissobre a eficácia da escola. (Ceri, 1996, p. 10)

Porém, mais significativas ainda são as priori-dades futuras apresentadas para esse projecto, cons-tituindo uma verdadeira agenda global para as refor-mas próximas, ou em curso, nesta transição de sécu-lo e de milénio nos sistemas de educação dos dife-rentes países:

Em primeiro lugar, as informações classificadas so-bre a aprendizagem para a vida e os seus efeitos so-bre a sociedade e sobre a economia estão cruelmen-te em falta. Sendo um dado adquirido que os paísesnão podem mais contar unicamente com a expansãoprogressiva da formação inicial para satisfazer ospedidos de novas qualificações de alto nível, novosindicadores devem ajudar os decisores a melhoraras bases da aprendizagem para a vida. Para isso, épreciso criar fontes de dados sobre a formação em

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empresa, a formação contínua e a educação de adul-tos e sobre outras formas de aprendizagem que sesituam fora da escola. Os factores que influem nosperfis da aquisição dos conhecimentos ao longo davida estão em risco de serem difíceis de apreender.Os dados sobre a literacia dos adultos [...] são umprimeiro passo nessa direcção, porque fornecem in-formações sobre as relações entre os programas es-colares e as competências requeridas pelos adultos,e entre a aprendizagem e o trabalho dos indivíduosde todas as idades.A evolução da necessidade de informação exige tam-bém uma expansão da base dos dados sobre os re-sultados, nomeadamente os dos alunos e os das es-colas. As fontes de informação deverão passar desimples constatações dos resultados relativos dospaíses e tentar identificar as variáveis que influemnesses resultados. (Ceri, 1996, p. 11)

Os efeitos práticos desse projecto estão bem pre-sentes nas políticas educacionais do final dos anosnoventa em diferentes países, onde se verifica notá-vel similitude de opções assumidas pelos Estadosnacionais. Mas esses efeitos, em países centrais oupertencentes a espaços centrais, fazem-se sentir, so-bretudo, pela fixação de uma agenda global, não tan-to pela afirmação de um mandato explícito25, como,

25. Sublinha-se que essa afirmação reporta-se apenas para os paí-ses centrais ou situados em espaços centrais. Nos países do Terceiro

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a título de exemplo, se verifica em sectores como osda actividade financeira, do comércio mundial, doturismo, da cultura de massa ou dos media.

Pode-se, então, falar em graus de intensidadeda globalização. Definindo globalização como “con-juntos de relações sociais que se traduzem na inten-sificação das interacções transnacionais, sejam elas

Mundo, como mostra Joel Samoff, existe uma real institucionalização dainfluência internacional na mais pública das políticas públicas, a educa-ção: “O seu número é verdadeiramente assustador: milhares de pági-nas, muitas delas de quadros, de figuras e de mapas. Esses estudos,externamente realizados sobre a educação em África durante os anosnoventa são impressionantes nas suas similitudes, não obstante a suadiversidade — de país, de agência responsável, de assunto específico.Com poucas excepções, esses estudos têm uma estrutura comum, umaabordagem comum e uma metodologia comum. Dado que os seus pon-tos de partida são partilhados, as suas descobertas comuns não sãosurpreendentes. A educação em África está em crise. Os governos nãopodem enfrentar com êxito a crise. A qualidade deteriorou-se. Os fun-dos são mal utilizados. A capacidade de gestão é pobre e a administra-ção é ineficiente. Da Mauritânia predominantemente islâmica, no Saaraocidental, até à herança colonial, política e cultural mestiça dasMaurícias, no Oceano Índico, as recomendações são sempre similares:Reduzir o papel do governo central na oferta de educação. Descentra-lizar. Aumentar as comparticipações das famílias nos custos do ensi-no. Expandir a escolarização privada. Reduzir o apoio directo aos es-tudantes, nomeadamente no ensino superior. Introduzir regimes du-plos de funcionamento e classes com vários níveis. Atribuir elevadaprioridade aos materiais didácticos. Favorecer a formação em serviçodos professores em vez da sua formação inicial. A abordagem parti-lhada desses estudos reflecte uma metáfora médica. Equipas de peri-tos expatriados fazem um diagnóstico clínico e depois prescrevem. Opaciente (i.e., o país) deve ser encorajado, talvez pressionado, a engo-lir o amargo medicamento receitado”. (Samoff, 1999, p. 51)

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práticas interestatais, práticas capitalistas globais oupráticas sociais e culturais transnacionais” (Santos,2001, p. 63), Boaventura de Sousa Santos propõe adistinção entre globalização de alta intensidade para osprocessos rápidos, intensos e relativamente mono-causais de globalização, e globalização de baixa inten-sidade, para os processos mais lentos e difusos e maisambíguos na sua causalidade, acrescentando:

A utilidade desta distinção reside em que ela permi-te esclarecer as relações de poder desigual quesubjazem aos diferentes modos de produção de glo-balização e que são, por isso, centrais na concepçãode globalização aqui proposta. A globalização debaixa intensidade tende a dominar em situações emque as trocas são menos desiguais, ou seja, em queas diferenças de poder (entre países, interesses,actores ou práticas por detrás de concepções alter-nativas de globalização) são pequenas. Pelo contrá-rio, a globalização de alta intensidade tende a domi-nar em situações em que as trocas são muito desi-guais e as diferenças de poder são grandes. (Santos,2001, p. 93)

Na educação, a mediação obrigatória dos Esta-dos nacionais na formulação das respectivas políti-cas, condicionados em geral por fortes movimentossociais internos, conduz a que possa argumentar queestamos perante um possível caso paradigmático deuma globalização de baixa intensidade.

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4. Globalizações hegemónicas e contra-hegemónicas:por uma pedagogia da possibilidade na implementaçãode políticas emancipatórias no campo educacional

Insistindo que não existe uma genuína globali-zação, pois o que geralmente é designado por globa-lização é sempre uma globalização bem-sucedida dedeterminado localismo, Boaventura de Sousa San-tos (1995, 1997, 2001) distingue quatro modos de pro-dução da globalização que dão origem a outras tan-tas formas, dos quais duas são dominantementehegemónicas, impondo-se de cima para baixo —como são os casos do localismo globalizado e doglobalismo localizado —, e outras duas apresentam-secomo dominantemente contra-hegemónicas, afir-mando-se de baixo para cima — como são o que de-signa de cosmopolitismo e de património comum da hu-manidade.

A globalização pressupõe sempre a localização.A razão principal por que se prefere um termo sobreoutro é porque “o discurso científico hegemónico[tende] a privilegiar a história do mundo na versãodos vencedores” (Santos, 1997, p. 15). Procurandoalternativas às respostas hegemónicas para a criseda teoria do desenvolvimento, Philip McMichael(1996) propõe, a partir de um estudo de caso sobreos rebeldes de Chiapas, a noção de localismo cosmo-polita, como forma possível de fazer a ligação com

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sucesso entre a luta por direitos locais e o contextohistórico mundial26.

Para ser sustentável, uma comunidade global devesituar as suas necessidades comunitárias no contex-to histórico-mundial que as envolve. Isso significacompreender não somente como essa comunidadeintegrou-se no contexto dos processos e das relaçõesglobais (como os mercados instituídos), mas tambémcomo é que os seus membros se podem empoderar(“empower”) a si próprios através desse mesmo con-texto. E isso inclui assegurando que o empoderamen-to (“empowerment”) da sociedade significa igual-mente o empoderamento dos indivíduos e das mino-rias nessas comunidades. Significa também tomarconsciência de que existem outras comunidades comnecessidades similares, precisamente porque foramurdidas em condições histórico-mundiais similares.(McMichael, 1996: 256-7)

As sociedades contemporâneas atravessam umperíodo de mudanças profundas — de bifurcação, naexpressão de Prigogine e Stengers (1986) —, em queo espaço-tempo nacional tem vindo a perder, paulati-

26. Sendo um acontecimento mais recente e constituindo um im-portante ponto de viragem no entendimento do papel das NaçõesUnidas na nova ordem mundial, seria interessante a realização de umestudo de caso semelhante sobre a luta do povo de Timor Leste e oprocesso que conduziu ao reconhecimento internacional do seu direi-to à autodeterminação e independência.

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namente, desde os anos setenta, a primazia em rela-ção à crescente importância dos espaços-tempos globale local, conduzindo à crise do contrato social nacional,que esteve na base do moderno desenvolvimento dosEstados centrais, enquanto paradigma de legitimi-dade de governação, de bem-estar económico e so-cial, de segurança e de identidade colectiva. Enten-dendo-se a globalização como algo mais do que amera continuação da expansão da economia-mun-do capitalista, como insiste Giddens, ou apenas comoo acelerar da idade de transição, como advogaWallerstein, importa, de qualquer modo, repensar oprojecto de desenvolvimento que esteve no centro daconstrução da modernidade.

Boaventura de Sousa Santos (1998, p. 46) defen-de a necessidade de formular um novo contrato social,bastante diferente do da modernidade, mais inclusi-vo, abrangendo “não apenas o homem e os grupossociais, mas também a natureza”, o que passa, emsua opinião, por uma redescoberta democrática do tra-balho. Neste último sentido vai também AlainTouraine (1998), quando se bate contra a ideia dofim do trabalho e da sua substituição por uma socieda-de do lazer, pois, como justifica, o que as últimas dé-cadas têm mostrado é o recuo crescente da socieda-de da produção e o seu domínio pela sociedade domercado. Em contraponto a esta visão, Touraine ar-gumenta que estamos a entrar numa civilização do

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trabalho, onde as fronteiras entre o próprio trabalho,o jogo e a educação se poderão vir a esbater progres-sivamente.

Em conclusão, deve-se admitir que saímos de umasociedade de produção inspirada pelo grandeprojecto de dominar a natureza, mas isso não é ra-zão para nos abandonarmos à ideia que a nossa so-ciedade não é senão um conjunto de mercados, e queos actores não são mais do que consumidores, cujocomportamento é determinado pela sociedade demassas. Assistimos, pelo contrário, depois de umafase de desenvolvimento propriamente capitalista,ao renascimento de uma sociedade de produção, nãomais industrial mas informacional, na qual a tecno-logia desempenha um papel muito maior do que emqualquer outra sociedade passada e onde, conse-quentemente, os problemas do trabalho, longe de setornarem secundários, tornam-se mais directamentecentrais do que na sociedade industrial. (Touraine,1998)

Um novo contrato social implica também atransformação do Estado nacional no que AlainTouraine e Boaventura de Sousa Santos designamde novíssimo movimento social. Uma tal proposta par-te da constatação de que existe uma erosão da sobe-rania do Estado nacional e das suas capacidadesregulatórias, pois assume que o poder se exerce “emrede num campo político mais vasto e conflitual”,

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através de “um conjunto de organizações e de flu-xos”, onde “a coordenação do Estado funciona comoimaginação do centro” (Santos, 1998, p. 66). Ao con-siderar que esta nova organização política não temcentro, Boaventura de Sousa Santos defende, então,que o Estado-articulador — cuja institucionalizaçãoestá ainda por inventar, acrescenta — deve assumir-se como um novíssimo movimento social que esti-mule a experimentação de desenhos institucionaisalternativos, que não se confinem à democracia re-presentativa e afirmem o que classifica de democra-cia redistributiva. O novo Estado de bem-estar, concluiBoaventura de Sousa Santos (1998, p. 67), “é um Es-tado experimental e é a experimentação contínua comparticipação activa dos cidadãos que garante a sus-tentabilidade do bem-estar”.

Se esse novo contrato social implica uma redefini-ção do papel do Estado (e das teorias sobre ele), podeimplicar, igualmente, a substituição do próprio mo-delo de contrato. Habermas (1997, p. 479) sustenta quea fonte de legitimação das ordens jurídicas modernassó pode ser encontrada na ideia de autodeterminação:“é preciso que os cidadãos podem conceber-se, a todoo momento, como os autores do direito ao qual estãosubmetidos enquanto destinatários”. Isto conduz, ain-da segundo Habermas, a que o modelo da discussão ouda deliberação venha a substituir o do contrato — a co-munidade jurídica não se constitui através de um con-

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trato social, mas sim em virtude de um acordo esta-belecido através da discussão.

A cidadania, construída na base da ideia de au-todeterminação de Habermas e não contendo em sias exclusões do projecto da modernidade, pode trans-formar-se na enzima do desenvolvimento de umagovernação democrática comprometida com a eman-cipação social27. Num contexto como este, o sistemade educação escolar pode afirmar-se como um lugarcentral de afirmação da cidadania, numa sociedadecomunicacional gerida de um modo dialógico, em-bora tendo sempre presente que a escola é um localde luta e de compromisso, que não muda por decre-to ou discurso retórico, como lembrava Paulo Freire.

O reforço do investimento na educação pelosEstados nacionais, sendo uma condição necessária,não é, todavia, condição suficiente para uma políti-ca emancipatória que considere a educação um dosmais importantes factores de empowerment, tanto aonível dos indivíduos como no plano comunitário.Nos termos do debate actual, marcado, de um lado,pela desintegração tanto do pensamento socialistacomo do pensamento conservador, e, do outro, pelaafirmação impante do neoliberalismo, enquanto ex-pansão indiscriminada de uma sociedade de merca-

27. Este conceito de enzima é desenvolvido em Grupo de Lisboa(1994).

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do (Giddens, 1997b), uma política emancipatória paraa educação implicará, na opinião partilhada comRaymond Morrow e Carlos Alberto Torres (1998),um posicionamento de resistência à racionalização daeducação, tornada objectivo hegemónico com o pre-texto da dinamização do desenvolvimento económi-co, ou, no caso português, da necessidade de alcan-çar o pelotão da frente da integração europeia.

Por outras palavras, resistência ao facto de os temasda equidade e da formação cultural terem dado lu-gar a estratégias orientadas para a resolução de exi-gências económicas, aparentemente mais urgentes.Neste contexto, as teorias críticas da educação vi-ram-se forçadas a incorporar um elemento de conser-vação, senão mesmo de conservadorismo, na defesade funções e de objectivos mais tradicionais da edu-cação. (Morrow & Torres, 1998: 129)

Nesta época de transição paradigmática, o Es-tado deve-se transformar num campo de experimen-tação institucional. Admitindo que a escola tem algu-mas características de lugar estrutural28, poderá en-

28. O conceito de lugar estrutural foi desenvolvido por Boaventu-ra de Sousa Santos em Toward a New Common Sense: “Num nível bas-tante abstracto, um modo de produção da prática social é um conjuntode relações sociais cujas contradições internas asseguram uma dinâ-mica endógena específica” (Santos, 1995: 420). Aí, Boaventura de SousaSantos identifica seis lugares estruturais: doméstico, trabalho, mercado,comunidade, cidadania e mundial.

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tão defender-se que constitui um espaço público deexperimentação institucional, no qual se podem do-tar as futuras (e actuais) gerações com novos modosde pensar a construção de um mundo mais justo. Ummundo, no simbolismo da expressão de Paulo Freire(1993, p. 46), “mais ‘redondo’, menos arestoso, maishumano, e em que se prepare a materialização dagrande Utopia: Unidade na Diversidade”.

Talvez por isso, torna-se não apenas possívelcomo necessário, numa perspectiva de justiça e deequidade social, adoptar uma agenda educativa preo-cupada com a construção de uma educação demo-crática e de cidades educadoras enformadas pela par-ticipação e pela democracia29. Uma tal agenda, alter-nativa a uma pretensa racionalização das estruturase das práticas educativas, imposta pela mercadori-zação do direito à educação e que tem na compara-ção internacional da avaliação dos resultados esco-lares o referente legitimador de toda a sua acção, teráseguramente como cerne a transformação do Estadonacional em movimento social, apostado no reforçoda democracia redistributiva e participativa.

29. Ver a introdução deste conceito na Declaração de Porto Ale-gre do II Fórum Mundial de Educação, de 22 de Janeiro de 2003.

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Quadro 1 — Organizações internacionais e políticas educativas nacionais. O caso de Portugal, 1955-1986

Organização internacionaldominante na assistênciatécnica

Base política nacional deapoio

Ideologia educacionaldominante

Principais intenções/medidas de políticaeducativa

1955 — 1973 1974 — 1975 1976 — 1978 1979 — 1986

Sectores industrialistas,tecnocratas e liberaisdo Estado Novo (em con-traponto aos sectores ru-ralistas, principal apoiodo regime nos anos 1930e 1940)

Poder político-militar re-volucionário + esquerdasocialista, comunista e re-volucionária

Partido Socialista Nova Direita (AD) e Blo-co Central (PS + PSD)

Ocdeísmo Educação — democracia —cidadania, como sinónimode socialismo

Normalização da políticaeducativa, como condi-ção de uma democraciarepresentativa

Novo vocacionalismo eformação de recursoshumanos, como resulta-do do mandato europeu

Expansão da escolarida-de obrigatória pós-primá-ria, planeamento educati-vo, modernização da ad-ministração, criação denovas universidades e re-forma do ensino superior

Gestão democrática dasescolas (autogestão), de-mocratização do sucessoeducativo, educação per-manente, superação da di-visão social do trabalho noacesso e na organização dosistema de ensino

Ensino superior de cur-ta duração, contingenta-ção do acesso ao ensinosuperior (numerus clau-sus), reforço dos poderesda administração centralda educação

(Re)criação do ensinotécnico e profissional

© António Teodoro, 2000.

OCDE Unesco Banco Mundial OCDE

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Capítulo 3

A PERSPECTIVA DO SISTEMA MUNDIAL MODERNO EO CONCEITO DE SEMIPERIFERIA

Não há senão uma só via de conhecimento: é ado estudo da singularidade das situações his-tóricas a partir da especificidade das suas con-tradições e dos constrangimentos que lhes im-põem as estruturas globais de que fazem parte.

Balibar e Wallerstein (1997, p. III)

Assumindo a construção da escola de massascomo um fenómeno global e isomorfo, importa, en-tão, precisar, num quadro teórico coerente, oscondicionalismos que subjazem às diferentes formas(e ritmos) que marcam a sua difusão em diferentesespaços, em que se incorporam tanto o quadro geo-gráfico e cronológico como as próprias transforma-ções sociais. A análise dos sistemas-mundo1, ou do

1. Respeitando a opinião de I. Wallerstein, utilizo análise, ou pers-pectiva, e não teoria dos sistemas-mundo: “Da minha parte, resisti sem-

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sistema mundial moderno, tal como formulada porImmanuel Wallerstein a partir da sua obra O SistemaMundial Moderno [v. I, 1990 (1974); v. II, 1994 (1980);v. III, ed. org. 1989], pode então constituir um suporteteórico fundamental para a compreensão das realida-des nacionais, no campo específico da construção e daconsolidação do sistema de educação de massas.

A análise dos sistemas-mundo começou a to-mar forma nos anos setenta, respondendo, de certomodo, a um conjunto de condições que foram ama-durecendo no sistema mundial. Segundo a revisão dopróprio Wallerstein (1996b), o factor primordial naorigem dessa perspectiva pode situar-se na revolu-ção mundial de 1968, seja nos acontecimentos em simesmos, seja nas condições que lhes estiveram sub-jacentes.

A ciência social dos anos cinquenta e sessentatinha descoberto a realidade da contemporaneidadedo Terceiro Mundo. Esta descoberta geopolítica teveo efeito de questionar a construção da ciência social

pre a usar o termo teoria dos sistemas-mundo, frequentemente usado paradescrever o que deve ser arguido, especialmente pelos não profissio-nais; tenho insistido em chamar ao nosso trabalho análise dos sitemas-mundo. É também muito cedo para teorizar em algum caminho sério,e quando insisto nesse ponto é porque considero que deve ser a ciênciasocial a ser teorizada e não os sistemas-mundo. Encaro o trabalho dosúltimos vinte anos e alguns outros que hão-de vir como um trabalhode desbaste, se queremos construir ferramentas mais úteis para a Ciên-cia Social” (Wallerstein, 1996b).

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do século XIX, que tinha criado teorias e disciplinasseparadas para o estudo da Europa e da América doNorte, por um lado, e do resto do mundo, por outro.Depois do final da Segunda Guerra Mundial, a ciên-cia social começou — ou foi forçada a começar, comosublinha Wallerstein (1996b) — a falar de um pontode vista geograficamente integrado, com um conjun-to de sociólogos, historiadores e cientistas políticosa investigar na e sobre África, Ásia ou América Lati-na. Foi essa era dos estudos por áreas (area studies)que conduziu a uma mudança na organização daciência social, primeiro nos Estados Unidos e, depois,na maior parte do mundo. Esses cientistas sociaisforam confrontados com um dilema epistemológicofundamental: por um lado, queriam argumentar queas teorias da Ciência Social aplicavam-se a todas aspartes do mundo, mas, previamente, essas teoriastinham sido, de facto, apenas resultado do conheci-mento do moderno mundo civilizado, ou seja, da Eu-ropa e da América do Norte; por outro, não podiamaplicar ao Terceiro Mundo as generalizações previa-mente desenvolvidas apenas na Europa e nos Esta-dos Unidos.

Foi a procura de uma solução para esse aparen-te dilema que conduziu à formulação da teoria da mo-dernização que, de uma forma simples e plausível,como reconhece Wallerstein (1996b), postula que to-das as sociedades caminham através de um conjunto de

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estádios definidos tendo como destino a modernidade.Nessa teoria, a definição operacional de sociedade erao Estado, apresentado como membro soberano dosistema interestatal ou como colónia destinada a tor-nar-se, um dia, membro soberano desse sistema. Osnomes dos estádios de desenvolvimento variavamconforme os teóricos, mas a ideia geral era comum.O ponto de teorização estava em calcular como osEstados deslocavam-se de um estádio para outro, emser capaz de indicar em que estádio estavam os Es-tados nesse momento e em ajudar esses mesmos Es-tados a chegar à modernidade.

Immanuel Wallerstein apresenta, de forma su-cinta, uma listagem das vantagens e das limitações deuma tal teoria, rapidamente adoptada e difundidapor organizações internacionais como a OCDE, oBanco Mundial e o FMI.

As vantagens epistemológicas da teoria eram gran-des. Todos os Estados deviam caminhar pelos mes-mos e idênticos estádios, por razões idênticas. Mastodos os Estados eram também diferentes, pois, na-quele momento, estavam em estádios diferentes, e otempo dos movimentos de cada um de estádio paraestádio era específico. As vantagens políticas da teo-ria eram grandes como se vê. A teoria capacitavatodos e permitia a alguns encarar a aplicação da teo-ria a situações práticas, aconselhando os governossobre o melhor processo de agir para evoluir ao lon-

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go desses estádios. A teoria também justificou o con-siderável incremento da atribuição de fundos gover-namentais (mais ou menos por todo o lado) para oscientistas sociais, especialmente para aqueles queafirmavam estar a trabalhar em “desenvolvimento”.As limitações da teoria eram também fáceis de dis-cernir. A teoria da modernização tinha como propó-sito basear-se em sistemáticas comparações de ca-sos independentes, e isso pressupunha uma dúbia enão totalmente provada premissa, a de que cadaEstado operava autonomamente e não era substan-cialmente afectado por factores externos às suas fron-teiras. A teoria presumia uma lei geral do desenvol-vimento social (os chamados estádios), um processoque, além disso, ainda se supunha progressivo; am-bos os argumentos estavam igualmente não demons-trados. E, para esse fim, a teoria predizia que aque-les Estados que atravessassem precocemente os es-tágios de desenvolvimento podiam e deviam che-gar a um ponto final no qual se transformavam emclones de algo que era considerado pelos teorizadorescomo o(s) mais “avançado” Estado ou Estados.(Wallerstein,1996b)

As implicações políticas da teoria da moderni-zação eram igualmente óbvias e claras: se um Esta-do dito pouco desenvolvido se queria juntar a outroou a outros Estados em estádios ditos de desenvol-vimento avançado, o melhor caminho seria, segura-mente, copiar o caminho percorrido por esses Esta-

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dos ditos desenvolvidos, seguindo os seus conselhose os ensinamentos da sua anterior experiência. E, noquadro da retórica da guerra fria, aos Estados ditosmenos desenvolvidos perfilavam-se dois modelos:o dos Estados Unidos e o da URSS. Wallerstein su-blinha, com veemência, que eram essas implicaçõespolíticas que os revolucionários de 1968 recusavam.Assim, a intenção original da análise do sistemamundial era protestar contra a teoria da moderniza-ção, nas suas premissas epistemológicas e nas suasconsequências políticas.

A análise dos sistemas-mundo foi, possivelmen-te, o culminar de uma reacção geral contra o positi-vismo ideológico e o apoliticismo fáctuo, que expri-mia, no campo específico da ciência social, a visãodo mundo própria da hegemonia norte-americana.Esta perspectiva não foi, seguramente, a única a fa-zer uma crítica impiedosa à teoria da modernizaçãoe às teorias funcionalistas dominantes nos anoscinquenta e sessenta. Mas foi a que levou mais longea sua crítica, rompendo com a própria ciência socialdo século XIX. Em dois textos espaçados de seis anos,na sua publicação original, Wallerstein (1995b,1996b)2 reúne o que considera os impulsos maioresda perspectiva dos sistemas-mundo.

2. Relativamente ao primeiro texto, trata-se de Impenser la sciencesociale (1995b), tradução francesa de Unthinking Social Science. The Limits

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O primeiro impulso foi o da globalidade. No es-tudo do comportamento social, a unidade de análiseadoptada passou a ser o sistema-mundo em vez de asociedade-Estado. A teoria da modernização insiste emcomparar sistematicamente os Estados, nunca abor-dando um sistema mundial como um todo; a suaunidade de análise é o Estado e a sociedade nacio-nal. A análise do sistema mundial insiste em ver to-das as partes do sistema-mundo como partes de ummundo, sendo impossível compreendê-las separan-do a sua análise. Por outras palavras, a novidadedessa perspectiva situa-se na recusa de considerarque o Estado-nação representa, de uma maneira oude outra, uma sociedade relativamente autónoma,que se desenvolve com o decorrer do tempo.

O segundo impulso foi o da historicidade. Se osprocessos são sistémicos, então a história total do sis-tema — em contraponto à história das subunidadestomadas separada e comparativamente — é o ele-

of Nineteenth-Century Paradigms, cuja primeira edição é de 1991. Con-tudo, o capítulo 20, “A Segunda Fase da Análise dos Sistemas-mun-do”, que segui mais de perto nesta revisão bibliográfica, foi original-mente publicado na Review (2, XII, Primavera 1990) do Centro FernandBraudel, de que I. Wallerstein é director. Quanto ao segundo texto,“The Rise and Future Demise of World-Systems Analysis” (1996b),constitui uma comunicação apresentada ao encontro anual daAmerican Sociological Association, em 16 de Agosto de 1996, disponí-vel na Internet, no site do Centro Fernand Braudel, da Universidadede Binghamton [http://fbc.binghamton.edu/papers.htm].

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mento crucial para a compreensão do estado presentedo sistema. O objectivo geral é o de empurrar a análi-se histórica, centrada quase exclusivamente nos pe-ríodos contemporâneos, ou cobrindo apenas os sé-culos XIX e XX, para a longa duração defendida porFernand Braudel e pela escola dos Annales. A longaduração é para o sistema-mundo a contrapartida tem-poral da sua especificidade espacial, o que significasublinhar que os sistemas-mundo formam sistemashistóricos, ou seja, que as suas estruturas não são imó-veis, nascem, vivem e morrem, existindo transiçõesentre um sistema histórico e o, ou os, que lhe suce-dem. Como diz Wallerstein (1995b), é o casamentorealizado entre o espaço de um mundo e o tempo deuma longa duração, que constituem um determinadosistema histórico.

O terceiro impulso foi o da unidisciplinaridade, queveio pôr em causa a fórmula trinitária da acção social:a economia ou o mercado, o político ou o Estado, asociedade ou a cultura. Esse impulso, que Wallersteinrecusa que possa ser confundido com multidiscipli-naridade, significa que toda a actividade económicapressupõe regras e escolhas socioculturais, que, porsua vez, implicam constrangimentos políticos — “osmercados são criações sociopolíticas”, pois não é pos-sível, por exemplo, que a fixação de um preço se pos-sa abstrair da sua base política e social (Wallerstein,1995b, p. 307). A estreita imbricação desses três cam-

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pos na análise dos sistemas-mundo tem profundasconsequências no plano do método: para apreender arealidade, as duas epistemologias tradicionais,nomotética e ideográfica, perdem pertinência, e a “úni-ca epistemologia verdadeiramente convincente encon-tra-se ao meio, nas areias movediças do conceito desistema histórico” (Wallerstein, 1995b, p. 307).

Decorrendo dos impulsos anteriores, o quartofoi o holismo. Os argumentos da análise do sistemamundial conduziram os seus defensores a questio-nar e, mesmo, a opor-se às linhas de fronteira exis-tentes nas ciências sociais, historicamente construí-das no período de 1850 a 1945. Esse impulso condu-ziu, inclusive, a que se pudesse repensar, como umaconstrução histórica, a grande divisão entre as ciên-cias naturais, as humanidades e as ciências sociais.Se é ainda cedo para afirmar que essa divisão estásuperada, é facto que tal divisão já não soa tão óbviacomo no passado. As ciências sociais “deixaram deser um parente pobre, de algum modo dividido en-tre dois clãs polarizados: as ciências naturais e ashumanidades”, para, pelo contrário, se tornarem oespaço da sua reconciliação potencial, como defende aComissão Gulbenkian para a Reestruturação dasCiências Sociais (Wallerstein et al., 1996, p. 99).

No século XIX, as ciências sociais, enfrentadas pelas“duas culturas”, internalizaram essas lutas como umMethodenstreit. Havia os que se inclinavam para as

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humanidades e utilizavam o que era designada porepistemologia ideográfica. Enfatizavam a particula-ridade de todos os fenómenos sociais, limitavam autilidade das generalizações, sublinhavam a neces-sidade de uma compreensão empática. E havia osque se inclinavam para as ciências naturais e utili-zavam o que era designada por epistemologianomotética. Enfatizavam o paralelismo lógico entreos processos humanos e todos os outros processosmateriais. Procuravam associar-se à física na buscado universal, de leis simples que vigorassem atra-vés do tempo e do espaço. A ciência social estavacomo alguém que estivesse amarrado a dois cavalosgalopando em direcções opostas. A ciência social nãopossuía uma postura epistemológica própria e esta-va esfacelada pela luta entre esses dois colossos, asciências naturais e as humanidades.Hoje, encontramo-nos numa situação muito diferen-te. Por um lado, os estudos de complexidade(complexity studies) vêm enfatizando a direcção do tem-po, tema sempre central para a ciência social. Enfati-za-se a complexidade e admite-se que os sistemas so-ciais humanos são os mais complexos de todos os sis-temas. E enfatiza-se a criatividade na natureza, esten-dendo a toda a natureza o que estava previamentepensado como uma característica única do homo sapiens.Por outro lado, os estudos culturais vêm enfatizandoo contexto social, no qual todos os textos e todas ascomunicações são feitas e recebidas. Estes estão utili-zando um tema sempre central na ciência social. En-

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fatiza-se a não-uniformidade da realidade social e anecessidade de apreciar a racionalidade do outro.Esses dois movimentos oferecem à ciência social umaoportunidade incrível para superar o seu própriocarácter derivado e dividido, colocando o estudo darealidade social no contexto de uma visão integradado estudo de toda a realidade material. Em vez deesfacelada por cavalos galopando em direcçõesopostas, vejo os estudos de complexidade e os es-tudos culturais movendo-se na direcção da ciênciasocial. Em certo sentido, o que estamos a assistir éa “socialcientifização” de todo o conhecimento.(Wallerstein, 1996a)

A perspectiva do sistema mundial modernoteve profundas repercussões no plano epistemoló-gico, liderando, nesta transição de século, o própriodebate sobre a reestruturação das ciências sociais,como é bem perceptível pelo impacto mundial doRelatório da Comissão Gulbenkian, Para abrir as Ciên-cias Sociais (Wallerstein et al., 1996). Mas, no campoespecífico do presente trabalho, importa reter, commais detalhe, as implicações da recusa em conside-rar que o Estado “é quem faculta as únicas balizaspossíveis e/ou primárias dentro das quais se desenro-la e se deve analisar a acção social” (Wallerstein et al.,1996, p. 110). Tal conduz a que tenha de retomar ostrabalhos pioneiros de I. Wallerstein, da década desetenta, que permitiram formular a perspectiva deanálise dos sistemas-mundo e, em particular, des-

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crever as características e o modo de articulação en-tre os diferentes espaços do sistema mundial moderno.

O ponto de partida de Wallerstein para descre-ver as origens e o funcionamento de um sistemamundial foi a formulação do próprio conceito de sis-tema-mundo, que o identificou como um sistema so-cial: “o que caracteriza um sistema social [...] é o fac-to de a vida no seu seio ser em grande medidaautocontida, e de a dinâmica do seu desenvolvimentoser em grande medida interna” (Wallerstein, 1990,p. 337). Na base deste critério, Wallerstein consideraque a maior parte das entidades normalmente des-critas como sistemas sociais — tribos, comunidadesou nações-estado — não podem ser apresentadascomo sistemas totais:

Pelo contrário, de facto argumentamos que os úni-cos sistemas sociais reais são, por um lado, as eco-nomias de subsistência que não façam parte de sis-tema algum que exija tributos regulares, e, por ou-tro lado, os sistemas mundiais. É preciso, evidente-mente, distinguir estes últimos das primeiras, por-que são relativamente grandes; isto é, constituem,em linguagem familiar, verdadeiros “mundos”. Maisprecisamente, todavia, são definidos pelo facto de asua auto-inclusão como entidade económico-mate-rial estar baseada numa divisão extensiva do traba-lho e de conterem no seu seio uma multiplicidadede culturas. (Wallerstein, 1990, p. 338)

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Baseado nestes pressupostos, Wallerstein defen-de que, até ao momento, só existiram verdadeiramen-te duas variedades de sistemas mundiais: (i) o quedesigna de impérios-mundo e, à falta de outro termo,reconhece, (ii) de economia-mundo. Os impérios-mun-do foram uma constante na história da humanidadedurante 5000 anos, existindo em diferentes períodose em diferentes partes do mundo. A força desse sis-tema mundial, como sublinha Wallerstein, decorriado facto de garantir, pela força e pelas vantagens domonopólio do comércio, os fluxos económicos da pe-riferia para o centro. A sua fraqueza resultava doexcessivo peso da burocracia (administração e exér-cito) exigida pela estrutura política, que tendia a ab-sorver uma parte excessiva dos lucros dessa transfe-rência de riqueza, sobretudo nos momentos em quea repressão e a exploração originavam aumentossubstanciais das despesas militares. Mas, particular-mente interessante, até para compreender outras for-mas de dominação, como a colonial, ImmanuelWallerstein defende que os impérios políticos são ummeio primitivo de dominação económica.

Dito de outra forma, é uma realização social domundo moderno o ter inventado a tecnologia quetorna possível aumentar o fluxo de excedentes dosestratos mais baixos para os estratos superiores, daperiferia para o centro, da maioria para a minoria,

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pela eliminação de “desperdícios” de uma superes-trutura política tão pesada. (Wallerstein, 1990, p. 26)

Até ao século XV, esta era a única forma conhe-cida de sistema mundial. Com base num imenso tra-balho empírico, Wallerstein mostra que, a partir dasegunda metade do século XV e dos inícios do séculoXVI, se vai constituir, tendo como centro a Europa,um moderno sistema mundial que, embora partilhan-do aspectos comuns com os impérios-mundo, apre-senta características novas e marcadamente distintas:(i) é uma entidade económica mas não política, con-tendo no seu interior não um mas múltiplos sistemaspolíticos; (ii) é um sistema mundial, não porque abar-casse todo o mundo, mas porque era mais amplo doque qualquer unidade política juridicamente consti-tuída; e (iii) é uma economia-mundo, porque as liga-ções entre as partes do sistema são fundamentalmen-te de natureza económica, embora reforçadas, porvezes, nos planos cultural e político (Wallerstein,1990). Esse moderno sistema mundial, em que aindahoje vivemos passados mais de 500 anos, e que teve aparticularidade, simultaneamente, a força, de não setransformar em império-mundo3, é designado porWallerstein de economia-mundo capitalista.

3. Para Wallerstein (1990), essa particularidade resultou do factode o capitalismo ter sido capaz de florescer contendo, dentro dos seuslimites, não um mas múltiplos sistemas políticos, como antes se referiu.

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Em texto posterior, Wallerstein enuncia um con-junto de doze princípios e de teses que, em seu en-tender, permitem descrever uma economia-mundocapitalista, alertando para o facto de estes não pode-rem ser entendidos como “um conjunto de verda-des, e ainda menos um credo universal” (Wallerstein,1995a, p. 303), pelo que permanece como absoluta-mente necessário continuar a realizar um grosso tra-balho empírico.

11. A acumulação incessante do capital comoprincipal força motora.

12. Uma divisão axial do trabalho, que implicauma tensão entre o centro e a periferia, detal modo que se manifesta, recortando a di-visão espacial, como uma forma de trocadesigual.

13. A existência, inerente à estrutura, de umazona semiperiférica.

14. A necessidade permanente do trabalho não-remunerado, em concorrência com o traba-lho assalariado.

15. Em termos limites, a convergência da econo-mia-mundo capitalista e de um sistemainterestatal constituído por Estado soberanos.

16. A origem da economia-mundo capitalistaremonta bem para lá do século XIX, prova-velmente ao século XVI.

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17. A ideia que a economia-mundo capitalistainiciou-se numa parte do globo (antes detudo na Europa) e que, em seguida, se es-tendeu ao mundo inteiro por um processode “incorporações” sucessivas.

18. A existência no sistema-mundo de Estadoshegemónicos, mas cujos períodos de hege-monia total e incontestada são, no entanto,relativamente breves.

19. A importância secundária dos Estados, dosgrupos étnicos ou dos espaços domésticos:estes renovam-se perpetuamente por cria-ção e renovação.

10. A importância fundamental do racismo e dosexismo, como princípios organizadores dosistema.

11. A emergência de movimentos anti-sistémi-cos, que, simultaneamente, fragilizam e re-forçam o sistema.

12. Um modelo constituído por ritmos cíclicose tendências seculares, que encarna as con-tradições inerentes ao sistema e permitecompreender a crise sistémica que atraves-samos hoje. (Cf. Wallerstein, 1995a, p. 303)

Segundo esta perspectiva, um sistema mundialdefine-se por uma divisão extensiva do trabalho, que

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não é meramente funcional ou ocupacional4, pois,antes de tudo, é uma divisão geográfica. Ou seja,como explicita o próprio Wallerstein (1990), a gamade tarefas económicas não está distribuída unifor-memente por todo o sistema mundial, sendo, na suamaior parte, “função da organização social do traba-lho, que aumenta e legitima a capacidade de certosgrupos dentro do sistema explorarem o trabalho deoutros, isto é, receberem uma maior parte do exce-dente” (p. 339). Assim, um sistema mundial contémsempre Estados centrais e áreas periféricas, e, entre unse outros, o que designa de áreas semiperiféricas. NosEstados do centro, desenvolvem-se, em regra, pode-rosos aparelhos de Estado ligados a uma forte identi-ficação nacional, ou integração, que, para Wallerstein(1990), mais não são do que um mecanismo que ser-ve “para proteger as disparidades surgidas no inte-rior do sistema mundial e como máscara ideológicajustificadora da manutenção de tais disparidades”(p. 339). Nas áreas periféricas — Wallerstein subli-nha o facto de, aqui, não utilizar o conceito de Estado— o Estado é muito débil, por ser inexistente, no casoda situação colonial, ou por ter um escasso grau deautonomia, como se verifica na situação neocolonial.

4. Mesmo no plano ocupacional, a divisão de uma economia-mun-do supõe uma hierarquia de tarefas, estando reservados para as áreasmais bem posicionadas os níveis de maior qualificação e de capitaliza-ção (Wallerstein, 1990).

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As áreas semiperiféricas são apresentadas como es-tando numa posição intermédia entre o centro e aperiferia, num conjunto de dimensões como a com-plexidade da actividade económica, a força do apa-relho de Estado ou os factores de integração nacio-nal. Reconhecendo, possivelmente, a fragilidade des-ta caracterização, Wallerstein acrescenta:

Contudo, a semiperiferia não é um artifício de pon-tos de coorte estatísticos, nem uma categoria resi-dual. A semiperiferia é um elemento estrutural ne-cessário numa economia-mundo. Estas áreas têm umpapel paralelo ao representado, mutatis mutandis,pelos grupos comerciantes intermédios num impé-rio. São pontos colectores vitais, com frequência po-liticamente impopulares. Essas áreas intermédias(como os grupos intermédios num império) desviamparcialmente as pressões políticas que os grupos lo-calizados primariamente nas áreas periféricas pode-riam noutro caso dirigir contra os estados do centroe os grupos que operam no interior e através dosseus aparelhos de Estado. Por outro lado, os interes-ses localizados basicamente na semiperiferia acham-se no exterior da arena política dos estados do cen-tro, e é-lhes difícil prosseguir os seus fins através decoligações políticas que poderiam estar abertas paraeles, se estivessem na mesma arena política.(Wallerstein, 1990, p. 339)

A economia-mundo moderna que se desenvol-ve a partir do século XVI, tendo a Europa como cen-

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tro, é a economia-mundo capitalista5. Esta economia-mundo tem a sua origem na integração dos proces-sos de produção e conduz ao estabelecimento deautênticas cadeias de mercadorias, que vêm a abrir,quase sempre, as fronteiras políticas. Nesse proces-so, a distribuição das mais-valias produzidas não sefaz de modo equitativo, fazendo-se, pelo contrário,de modo bem desproporcionado. As áreas periféricassão as que perdem nessa distribuição desigual damais-valia, que se vai orientar de modo privilegiadopara as zonas do centro. No início desse processo his-tórico, as diferentes áreas geográficas conheciam umasituação sensivelmente igual, bastando um séculopara que a circulação das mais-valias pudesse criaruma distinção visível entre o centro e a periferia, quese afirmou segundo três critérios: (i) a acumulaçãodo capital; (ii) a organização social da produção lo-cal; e (iii) a organização política dos Estados em for-mação (Wallerstein, 1995a).

5. A economia-mundo capitalista não foi a primeira economia-mundo. Antes existiram outras economias-mundo (China, Pérsia,Roma), mas que se transformaram em impérios. A economia-mundomoderna, escreve Wallerstein, “poderia ter ido na mesma direcção —na realidade pareceu esporadicamente que assim aconteceria — masas técnicas do capitalismo moderno e a tecnologia da ciência moder-na, que estão, como sabemos, ligadas por alguma forma, permitiramque esta economia-mundo prosperasse, produzisse e se expandissesem a emergência de uma estrutura política unificada” (Wallerstein,1990, p. 26).

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Uma das características principais dessa econo-mia-mundo tem sido o alargamento constante dassuas fronteiras em busca de novas forças de traba-lho a custos mais reduzidos e de novos mercadospara a venda dos seus produtos. Tendo a sua origemna Europa do século XVI, as fronteiras da economia-mundo capitalista alargaram-se consideravelmentenos séculos seguintes, a partir da iniciativa pioneirade Portugal e da sua expansão atlântica, de tal modoque Wallerstein (1995b, p. 264) pode afirmar que, nosfinais do século XIX, “a economia-mundo capitalis-ta acabou por se estender à totalidade do planeta,absorvendo todos os outros sistemas históricos exis-tentes”, o que acontecia pela primeira vez na histó-ria da humanidade e constituía um situação estrutu-ral completamente inédita.

Acrescente-se que, como os factos o vieram ademonstrar, Wallerstein sempre defendeu que a Re-volução Russa de 1917 não iniciou a construção deoutro sistema mundial, em competição com o siste-ma mundial capitalista. Valorizando esse aconteci-mento marcante da história do século XX, Wallersteinconsidera, todavia, que a história do período de 1917a 1989 é, sobretudo, uma elegia ao triunfo “do idealleninista-wilsoniano da auto-determinação das na-ções” (Wallerstein, 1995a, p. 121), pois o notável im-pulso que foi dado à descolonização nesses setentaanos permitiu que o mundo fora da Europa tivessesido integrado às instituições políticas formais do sis-tema interestatal.

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Os líderes da Revolução de Outubro consideravam-se a si próprios como tendo conduzido a primeirarevolução proletária da história moderna. É maisrealista afirmar que conduziram uma das primeiras,e possivelmente a mais dramática, insurreições delibertação nacional na periferia e semiperiferia dosistema mundial. O que, contudo, fez essa insurrei-ção de libertação nacional diferente das outras: umadelas é que foi conduzida por um partido de qua-dros influenciado por uma ideologia universalísticaque, além disso, concretizou o objectivo de criar umaestrutura política mundial sob o seu directo contro-lo; a outra é o fato de a revolução ter ocorrido numpaís particular situado fora da zona central do siste-ma mundial, mas que era o mais forte entre os in-dustrializados e militarizados. A história completado Interlúdio Comunista de 1917 a 1991 derivoudesses dois factos. (Wallerstein 1996c)

O cimento ideológico6 da economia-mundo ca-pitalista foi, desde 1789 — porque não podia ter sidoantes disso, sublinha Wallerstein (1995b) — e até 1989o liberalismo, juntamente com o seu correlativo (masnão derivado) parceiro, o cientismo. Até à RevoluçãoFrancesa, a perspectiva dominante (Weltanschauung

6. Wallerstein usa o conceito de ideologia para significar “uma com-preensiva agenda política de longo termo destinada a mobilizar umgrande número de pessoas. Nesse sentido [...], as ideologias não serãonecessárias nem possíveis antes da transformação da geocultura daeconomia-mundo capitalista, produzida pela Revolução Francesa e suaconsequência napoleónica” (1995a, p. 94).

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ou worldwide) na economia-mundo capitalista era anormalidade da estabilidade política: “a soberania resi-dia no governante e o direito do governante de go-vernar derivava de um conjunto de regulações res-peitantes à aquisição de poder, geralmente heredi-tárias” (Wallerstein, 1995a, p. 94). As convulsõespolíticas iniciadas pela Revolução Francesa, na Eu-ropa e fora da Europa, transformaram radicalmenteessa mentalidade, tendo o povo tornado-se o soberano,na feliz síntese de Wallerstein (1995a).

O liberalismo foi a resposta ideológica ao con-servadorismo. Este último, embora evoluindo deuma rejeição total da mudança, insiste que a mudan-ça normal deve ser tão lenta quanto possível e, cui-dadosamente, só deve ser encorajada para prevenirrupturas na ordem social. O liberalismo surge comoo seu oposto no plano ideológico, pois acredita quea mudança é não apenas desejável, mas é inevitável,em nome do progresso. Será do liberalismo — de-signação no interior da qual se reunia um amplo es-pectro de correntes de pensamento — que irá emer-gir o socialismo como uma ideologia distinta. Am-bas as ideologias acreditam no progresso, estando asua diferença na agenda política.

Os liberais acreditavam que o curso da melhoria so-cial era, ou devia ser, algo seguro, baseado tantonuma avaliação racional feita por especialistas dosproblemas existentes como numa persistente cons-

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ciência intentada pelos líderes políticos na direcçãodessa avaliação, visando introduzir reformas sociaisinteligentes. A agenda dos socialistas era alimenta-da pelo cepticismo de que esses reformistas podiamrealizar mudanças significativas através de boa von-tade inteligente e assentado amplamente neles pró-prios. Os socialistas desejavam ir mais depressa eargumentavam que, sem uma considerável pressãopopular, o processo podia não resultar em progres-so. O progresso só era inevitável porque a pressãopopular era inevitável. Os especialistas, por eles pró-prios eram impotentes. (Wallerstein, 1995a, p. 95-96)

Desse modo, desde meados do século XIX, o sis-tema mundial moderno entrou num período marca-do pela existência de três principais ideologias, ondeo liberalismo “ocupa a representação do centro dohemiciclo político, e os que estão nessa posição ocu-pam também o centro da plataforma (para mudarsuavemente, mas deliberadamente, a metáfora)”(Wallerstein, 1995a, p. 95). Immanuel Wallerstein, ea equipa de investigadores do Centro FernandBraudel têm vindo a defender que os acontecimen-tos de 1989, que conduziram ao fim do interlúdio co-munista, para utilizar uma expressão tão do seu agra-do, são algo mais do que o colapso desse modelo desociedade saído da Revolução de Outubro de 1917.

Entrámos numa nova era em termos de mentalida-des. Por um lado, há um apaixonado apelo por de-

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mocracia. Esse apelo não é, contudo, uma realiza-ção do liberalismo, mas a sua rejeição. É uma decla-ração que o actual sistema mundial não é democrá-tico, porque o bem-estar económico não é igualmen-te partilhado. A desintegração social, e não a mu-dança progressiva, está agora a chegar e a ser vistacomo normal. Além do mais, quando há desintegra-ção social, as pessoas esperam protecção.Como as pessoas já uma vez se voltaram para o Es-tado para tornar a mudança segura, estão agora avoltar-se para os grupos de solidariedade (todo o tipode grupos) para providenciar protecção. É um jogototalmente diferente. Como deve ser jogado nos pró-ximos cinquenta anos não o sabemos, porque nãovimos ainda como funciona, e porque as flutuaçõespossíveis de uma desintegração do sistema mundialsão muito grandes. Seguramente, não devemos sercapazes de navegar muito bem neste período, poisnão é nada claro que as ideologias — ou seja, as agen-das da acção política — que governaram as nossasacções nos últimos dois séculos sejam aproveitáveispara o período que aí vem. (Wallerstein, 1995a, p. 106)

A afirmação da perspectiva do sistema mundialprocessou-se num contexto que Boaventura de SousaSantos designa transição paradigmática, em resultadoda ideia, largamente partilhada, que o paradigma damodernidade estava exausto e que a continuação dasua prevalência como paradigma dominante condu-ziria a uma inércia histórica. Apontei anteriormen-te, socorrendo-me de Wallerstein, os maiores impul-

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sos que a perspectiva da análise dos sistemas-mun-do tem dado à ciência social contemporânea. Toda-via, o vigor deste programa de investigação depen-de, sobretudo, da capacidade que os investigadoresque desenvolvem os seus estudos segundo esta pers-pectiva tiverem para encontrar respostas para umconjunto de contradições e fragilidades, algumasdelas reconhecidas e localizadas.

Giovanni Arrighi (1996), num interessante textode carácter dominantemente histórico, refere dois nãodebates que marcaram o nascimento da perspectiva dosistema mundial e que, em sua opinião, era impor-tante que fossem realizados. São eles, (i) o não debatecom as críticas de Theda Skocpol7 e de Robert Brenner8

e (ii) o não debate com Fernand Braudel9. SegundoArrighi, as críticas de T. Skocpol são, predominante-mente, de carácter metodológico e dizem respeito, emprimeiro lugar, ao poder e à formação do Estado. Porseu turno, a crítica de R. Brenner é principalmente teó-rica, e diz respeito, sobretudo, aos mecanismos quetornam compreensível a própria expansão do capital.Quanto a Braudel, Giovanni Arrighi, depois de subli-

7. Theda Skocpol (1977), Wallerstein’s World Capitalist System:A Theoretical and Historical Critique, American Journal of Sociology, 82(5), 1075-1090.

8. Robert Brenner (1977), The Origins of Capitalist Development:a Critique of Neo-Smithian Marxism, New Left Review, 104, 25-92.

9. Fernand Braudel (1984), Civilisation and Capitalism, ThePerspective of the World, New York: Harper & Row, v. 3.

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nhar algumas convergências deste, no 3º volume deCivilização e Capitalismo, com a teoria do sistema mun-dial, chama a atenção para as diferentes conceptuali-zações de capitalismo em Braudel e Wallerstein e parao facto de Braudel localizar o aparecimento do capita-lismo não no século XVI e no Norte da Europa, comoo faz Wallerstein, mas antes no século XIII, na Itália.Arrighi defende neste texto que a análise do sistemamundial só tem a ganhar com uma vigorosa discus-são de pontos de vista10, pelo que termina colocandoem debate uma questão central na análise do moder-no sistema-mundo:

Nesta explicação, a pressão competitiva que promo-veu e sustentou a transformação capitalista e a inter-minável expansão da economia-mundo europeia éestrutural e sistémica mais do que local e conjuntural.Além disso, o seu vigor incrementa constantementeexcedentes, provocando crises sistémicas recorren-tes e rupturas no processo de desenvolvimento, que

10. Em publicações portuguesas, apenas se referenciou o artigode Rui Pena Pires, “Semiperiferia versus polarização?”. Os equívocosdo modelo trimodal (Pires, 1990), em que o autor considera que a pers-pectiva do sistema mundial “radica numa postura positivista, a qualnão só contribui, ao contrário do sugerido pelos seus defensores, paraum empobrecimento da tipologia criticada, como amplifica os riscosde deslize funcionalista latentes naquela perspectiva teórica” (p. 81).Todavia, a exemplificação apresentada para criticar o conceito de se-miperiferia — os fluxos migratórios para Portugal — parece-nos, pelocontrário, constituir um excelente exemplo das características própriasde um país semiperiférico.

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proporcionaram ao sistema mundial eurocêntrico asua própria globalização. Do meu ponto de vista,essa explicação é a mais importante e válida crítica àteoria de Wallerstein do sistema mundial moderno,sem ser necessário fazer alguma concessão aosdetractores da perspectiva do sistema mundial. Aminha única esperança é que esse desejo não se tor-ne objecto de outro não-debate. (Arrighi, 1996)

O próprio Wallerstein, num texto que significa-tivamente intitula The rise and future demise of World-Systems Analysis (Wallerstein, 1996b), sistematiza trêsdas contradições maiores da análise do sistema mun-dial. A primeira resulta imediatamente do facto denão ser uma teoria ou um modo de teorizar, mas an-tes uma perspectiva e uma crítica de outras perspecti-vas. A segunda decorre da tendência para esquecer oponto de partida da análise do sistema mundial res-pondendo a tudo o que com ela parece rivalizar, oque traz evidentes riscos tanto para a tarefa críticacomo para a tarefa da reconstrução. A terceira, é queesta perspectiva assenta num conhecimento que foisendo construído na base da crítica às teorias que pre-tendem explicar o mundo moderno e aos próprioscaminhos de construção desse conhecimento, quan-do, provavelmente, o problema é bem mais fundo.

Como condição de superação destas contradi-ções, Wallerstein rejeita que a perspectiva da análisedo sistema mundial se torne um movimento intelec-tual, pois, inevitavelmente, isso conduziria a um fe-

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chamento de perspectivas e a uma diminuição radi-cal do seu impacto. O caminho que propõe vai antesno sentido da análise do sistema mundial se moverpara o verdadeiro centro da ciência social, não comomovimento mas como uma premissa consensual11, o quepressupõe que os investigadores que trabalham se-gundo esta perspectiva coloquem no centro das preo-cupações da ciência contemporânea um conjunto dequestões que Wallerstein considera fundamentais.

1) Qual é a natureza identificativa da arena doconhecimento a que podemos chamar Ciên-cia Social, se há uma? Como definimos os seusparâmetros e o seu papel social? Em particu-lar, em que direcções, se existirem, distingue-se o seu campo do das humanidades, de umlado, e das ciências naturais, do outro?

2) Qual é, teoricamente, a relação entre ciênciasocial e movimentos sociais? Entre CiênciaSocial e estruturas de poder?

3) Há múltiplos tipos de sistemas sociais (prefi-ro o conceito de sistemas históricos) e, se exis-tirem, quais são as marcas definidoras da suadistinção?

11. Não é outro o sentido da aceitação por parte de ImmanuelWallerstein da responsabilidade de presidir à Comissão Gulbenkiansobre a reestruturação das Ciências Sociais. O relatório produzido(Wallerstein et al., 1996) incorpora, inequivocamente, o essencial daperspectiva do sistema mundial moderno.

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4) Tais sistemas históricos têm ou não uma his-tória natural? Se a têm, pode essa história serdesignada de história evolutiva?

5) Como é que o tempo-espaço é socialmenteconstruído, e que diferenças isso origina nasconceptualizações que ligam a Ciência Socialà actividade social?

6) Qual é o processo de transição de um siste-ma histórico para outro? Que tipos de metá-foras são plausíveis: auto-organização, cria-tividade, emergência do caos?

7) Qual é a relação teórica entre a procura daverdade e a procura de uma sociedade justa?

8) Como podemos conceber o nosso actual sis-tema histórico (sistema-mundo)? E o quepodemos dizer acerca dos seus êxitos, dassuas estruturas, dos seus futuros legados, nalinha das respostas às nossas outras questões?(Wallerstein, 1996b)

O propósito primeiro do presente projecto deinvestigação não é propriamente o de participar nestedebate epistemológico. Todavia, a perspectiva dosistema mundial moderno constitui um programa deinvestigação particularmente relevante para quempretende estabelecer um quadro teórico inteligívelsobre as raízes do atraso na construção da escola demassas, enquanto aspecto dominante de uma afir-mação tardia da modernidade em Portugal.

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Desta perspectiva, emerge como particularmen-te significativa para a formação social brasileira oconceito de semiperiferia. Boaventura de Sousa San-tos, que dedicou alguns dos seus mais representati-vos trabalhos à teorização desse conceito, defendeuque o conceito de semiperiferia, tal como inicialmenteformulado por Wallerstein, era um conceito teorica-mente pouco consistente, pois, acrescentava, “não tempassado de um conceito descritivo, vago e negati-vo” (Santos, 1985, p. 870). Os seus trabalhos (Santos,1985, 1990, 1993), conjuntamente com o de outros,de que é justo salientar Carlos Fortuna (1987, 1993),centraram-se então no propósito de dar uma mate-rialidade a esse conceito no contexto europeu, toman-do como referência a formação social portuguesa, nasua comparação com outras formações sociais, comoa espanhola, a grega e a irlandesa.

O conceito de semiperiferia em Wallerstein su-blinha as funções de intermediação entre o centro ea periferia do sistema mundial moderno desempe-nhado por certas sociedades, as sociedades semipe-riféricas. Em Boaventura de Sousa Santos, o concei-to de semiperiferia é explorado numa outra direcção,centrando-se sobretudo na análise do carácter dedesenvolvimento intermédio que caracteriza essasmesmas sociedades, o que, para o objecto da presen-te investigação, afigura-se de maior interesse.

Seguindo essa direcção, Boaventura de SousaSantos e uma vasta equipa de investigadores do Cen-

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tro de Estudos Sociais (CES) da Universidade deCoimbra procederam a um aprofundado trabalho dereconstrução teórica do conceito de semiperiferia,para o qual recorreram igualmente a conceitos e ins-trumentos de análise da teoria da regulação. O pon-to de partida desse programa de investigação foi ode considerar que as sociedades semiperiféricas secaracterizam por uma descoincidência articuladaentre as relações de produção capitalista e as rela-ções de reprodução social, descoincidência que semanifesta em dois factores: (i) uma estrutura de clas-ses onde não se verifica uma forte presença das clas-ses médias, como nos países centrais, mas que pos-sui diferentes classes de suporte que amortecem osconflitos entre o capital e o trabalho e asseguram oavanço relativo das relações de reprodução social; e(ii) a centralidade do Estado na regulação da econo-mia e no conjunto dos processos de regulação social(Santos, 1985, 1990).

As sociedades semiperiféricas garantem a satisfa-ção relativamente adequada aos interesses imedia-tos de amplos sectores da população [...] à luz dosmodelos de consumo dominantes. Tal, porém, nãose deve a altos níveis de produtividade do traba-lho nem à grande institucionalização formal da re-lação capital/trabalho semelhante à que existe nospaíses centrais. Resulta, em geral, de um complexotecido social em que esta última relação se desen-rola, o qual, por seu lado, cria mecanismos infor-

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mais compensatórios do atraso das relações de pro-dução e, por outro lado, pulveriza os conflitos en-tre o capital e o trabalho. Esta atenuação dos con-flitos não se liga assim à forte presença das classesmédias [...], mas antes à presença de estratos so-ciais e fracções de classe localizados ao lado ou abai-xo do operariado e funcionando como suportes so-ciais deste. [...]O funcionamento destes mecanismos pressupõecomplexos processos de arbitragem social que, nãopodendo caber nem ao capital nem ao trabalho, nema ambos conjuntamente, dada a relativa descentraçãodas relações entre eles na estrutura social e o baixonível de corporativização dos seus interesses [...], sãocometidas ao Estado, que, assim, tende a assumir umpapel central na regulação social. Os Estados semipe-riféricos são, em geral, bastante autónomos na definiçãodas políticas (ainda que não necessariamente nas acçõespolíticas que delas decorrem) e tendem a ser internamentefortes, sem que, no entanto, a força do Estado se convertafacilmente em legitimação do Estado (como sucede, emgeral, nos países centrais), independentemente da legitimi-dade dos regimes democráticos do momento, assentes sem-pre em equilíbrios precários. (Santos, 1990, pp. 109-10,grifo do autor)

Esta caracterização das sociedades semiperifé-ricas contém um importante conjunto de hipótesesde trabalho, que podem, designadamente, ajudar acompreender as razões do atraso na construção daescola para todos no Brasil.

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Capítulo 4

ÉTICA E EDUCAÇÃO: a acção do professor e da escolacomo tempo e espaço de possibilidade*

Quando eu penso em história, penso em possibili-dade, pois a história é o espaço e o tempo de pos-sibilidade. [...] Fazendo história escolhemos e rea-lizamos possibilidades. E fazendo história come-çamos por ser feitos pela história.

Paulo Freire (1989)1

1.

Vivemos, no mundo de hoje, tempos contradi-tórios e paradoxais. De um lado, acentuam-se as con-

* Versão escrita da Conferência proferida no II Fórum Mundialde Educação, realizado em Porto Alegre, de 19 a 22 de Janeiro de 2003.Com o objectivo de manter a unidade do texto, opta-se por manter oseu registo integral, mesmo com o risco de repetir algumas ideias de-senvolvidas em capítulos anteriores.

1. Prefácio: Making History: Education for the Future, in AntoniaDarder, Reinventing Paulo Freire. A Pedagogy of Love (Boulder Oxford,UK, Westview Press, 2002), p. x. Este prefácio é a transcrição do dis-

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sequências nefastas, em todos os planos da activi-dade humana, das políticas neoliberais consagradasno consenso de Washington. De outro, assistimos,numa das maiores democracias do mundo, o Brasil,à eleição de um presidente operário e sindicalista,que transporta consigo um imenso capital de espe-rança na possibilidade de construção de uma socie-dade mais justa e mais solidária.

No presente contexto mundial, a eleição do Pre-sidente Lula da Silva, e a afirmação do Partido dosTrabalhadores (PT) como a maior e mais representa-tiva força política do Brasil, tem um inequívoco sig-nificado simbólico. Em primeiro lugar, por chamara atenção para a importância da luta de resistênciapopular na afirmação de um pensamento contra-hegemónico. Em segundo lugar, num período mar-cado por um refluxo (e desorientação) mundial daesquerda, por representar uma possibilidade de cons-trução, a partir da (semi) periferia do sistema, denovas alianças sociais, tanto no Brasil como na Amé-rica Latina e no próprio sistema mundial.

As palavras proferidas por Paulo Freire em 1989sobre a história como espaço e tempo de possibili-dade não podiam deixar de ser mais actuais. São,

curso de Paulo Freire na Claremont Graduate University, em 12 deMaio de 1989, aquando da concessão de mais um Doutoramento honoriscausa por essa Universidade norte-americana.

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seguramente, sobre a possibilidade de construir umprojecto utopístico, no sentido que Wallerstein (1998,pp. 1-2) lhe atribui:

Utopística é uma séria avaliação das alternativashistóricas, o exercício do nosso julgamento face auma racionalidade substantiva de uma alternativapossível de sistemas históricos. É a sóbria, racional erealística evolução dos sistemas sociais humanos,com os constrangimentos do seu contexto e as zonasabertas à criatividade humana. Não face do perfeito(e inevitável) futuro. É antes um exercício, simulta-neamente, nos campos da ciência, da política e damoral2.

O Brasil é mais do que um país. É uma imensaregião marcada por profundas assimetrias e desigual-dades económicas e sociais, regionais e étnicas, comum considerável e histórico atraso na construção daescola para todos. Com uma população muito joveme com um assinalável crescimento na última décadada frequência escolar, em todos os níveis de ensino,a educação surge como um dos maiores desafios aonovo poder político, onde irão seguramente coexis-tir múltiplos mandatos, seja pela natural manifesta-ção de interesses dos grupos sociais, seja pela enor-

2. Repare-se na similitude deste conceito com o de inédito viável,de Paulo Freire.

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me permeabilidade às agendas (hegemónicas) mun-diais de educação própria de um país localizado nasemiperiferia do sistema mundial.

Michael Apple tem mostrado, de forma rigoro-sa e analítica, como a direita conseguiu, nas últimasduas décadas, criar um bloco social hegemónico ca-paz de produzir um conhecimento oficial e um novosenso comum que têm marcado as políticas públicasde educação um pouco por todo o mundo. É, no di-zer de Apple (2000, p. xxv-xxvi), “uma díspar com-binação de uma ênfase nos mercados e na liberdadede escolha (Estado fraco), de um lado, e de uma mol-dura regulatória crescentemente intervencionista(Estado forte) centrada em currículos nacionais,standards nacionais e testes nacionais, do outro”.

Sem pôr em causa as circunstâncias objectivase poderosas que permitiram a construção dessa he-gemonia no campo das políticas públicas e dos man-datos sociais dominantes, partilhamos, contudo, aopinião de Apple de que um criticismo negativista daesquerda facilitou essa hegemonização, pois, dema-siadas vezes, “não foi dado ao povo um sentido depossibilidade”3. Esse será, talvez, o maior desafio atodos quantos se situando no campo da esquerda —em particular aos educadores e intelectuais brasilei-

3. Entrevista concedida a Carlos Torres e Raymond Morrow, em1990, publicada em Apêndice a Official Knowledge (Apple, 2000), p. 166.

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ros que têm desenvolvido uma forte actividade crí-tica das políticas públicas dos últimos anos — dese-jam contribuir para a construção de uma agendapolítica utopística, capaz de tornar historicamentepossível alternativas credíveis, que tornem a escolaum espaço público democrático, conscientizador deuma cidadania multicultural e de participação, umespaço onde a consigna freireana da unidade na di-versidade ganhe espaço de afirmação e se torne reali-dade na praxis quotidiana. O caminho que o Brasilagora inicia constituirá seguramente um laboratóriosocial de inequívoco significado. Acompanhemo-locriticamente, mas nunca esquecendo que a política(tal como a pedagogia) é um espaço e tempo de pos-sibilidade.

Não foi, contudo, para falar sobre o contexto eas expectativas criadas pela nova situação políticabrasileira que os organizadores me convidaram paraesta Sessão Especial do Fórum Mundial de Educa-ção. O convite que me dirigiram é debater, com FreiBetto (e todos vós), Ética e Educação4.

Comecemos, então, por clarificar o que se en-tende por Ética, recorrendo para tal à consagrada

4. Compromissos de última hora impediram Frei Betto de estarpresente, pelo que essa sessão do Fórum Mundial de Educação foi fun-dida com uma outra, Fórum Vivemos Juntos: conhecer e viver a Cartada Terra, que contou com a participação, dentre outros, de LeonardoBoff e Moacir Gadotti.

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definição do Dicionário de Língua Portuguesa Contem-porânea: “Parte da Filosofia que se ocupa dos costu-mes, da moral, dos deveres do Homem; ciência quetrata da ambivalência entre o bem e o mal e estabele-ce o código moral de conduta; filosofia moral”5.

Não sendo, decididamente, uma autoridadeneste campo da Filosofia — diferentemente, os meustrabalhos situam-se, antes, nos campos da Sociolo-gia e da História da Educação —, proponho-me de-senvolver uma reflexão sobre a acção do professor eda escola como espaço e tempo de possibilidade,dando, desse modo, o meu contributo para um de-bate sobre o sentido da crise escolar, mas tambémsobre o futuro da escola, que, reconheça-se e subli-nhe-se, tem inequívocas dimensões éticas.

2.

A escola e a escrita, sem ser necessário estabe-lecer laços implicativos absolutos, representam duasinvenções humanas que procedem de condições si-milares. Ao consagrar a superioridade da escrita so-bre a cultura oral, do trabalho intelectual sobre o tra-balho manual, do espírito sobre a mão, o sistema es-colar obteve uma das suas mais significativas vitó-

5. Academia de Ciências de Lisboa, Dicionário de Língua Portugue-sa Contemporâneo (Lisboa, Verbo, 2001), v. 1, p. 2001.

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rias, tornando-se um dos lugares centrais da cons-trução da modernidade.

A instituição escolar foi a grande responsávelpela difusão da escrita. Apesar de múltiplas dificul-dades práticas e de diferentes ritmos de expansão, aescola assumiu-se, desde cedo, como um fenómenoglobal, que se desenvolveu por isomorfismo no mun-do moderno6. A progressiva expansão da escola a to-das as camadas e grupos sociais conduziu à consoli-dação de modelos de organização escolar e de orga-nização pedagógica capazes de abranger um semprecrescente número de alunos. Com esse propósito, des-de o século XIX, desenvolveu-se uma gramática da es-cola7, que tem procurado responder ao desafio de ensi-nar a muitos como se fosse a um só, transformando a esco-la num elemento central de homogeneização linguísticae cultural, de invenção da cidadania nacional e, conse-quentemente, de afirmação do Estado-nação.

Esse modelo de escola, inicialmente desenvol-vido na Europa e progressivamente expandido a to-dos os espaços do sistema mundial moderno8, não

6. Sobre este conceito ver, por exemplo, Bruce Fuller e RichardRubinson (1992).

7. David Tyack e Larry Cuban (1995) definem gramática da escola(“grammar schooling”) como o conjunto persistente de característicasorganizacionais e de estruturas que, para além de todas as reformas emudanças, se vai mantendo como características do modelo escolar.

8. Para precisar este conceito, ver, e.g., a obra de síntese deImmanuel Wallerstein (2000).

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apenas se transformou no modelo de organizaçãodominante, mas quase o único possível ou mesmoimaginável (Nóvoa, 1998). Muito previsivelmente,reflectir sobre as responsabilidades e competênciasque a profissão docente será chamada a desempe-nhar nos próximos anos exigirá que se interrogue seo próprio modelo escolar, desenvolvido no contextoda construção do cidadão nacional e da afirmaçãodo Estado-nação, se encontra esgotado e se é possí-vel começar a delinear contornos de outro modelode escola que responda a outra organização socialque, num contexto de simultânea globalização e lo-calização, possivelmente está a fazer emergir.

Não se considera todavia previsível que, nadécada que inaugura o século XXI, esse modelo deescola seja radicalmente posto em causa pela opiniãopública e pelas autoridades político-administrativasdos diferentes Estados nacionais. O que se acentua-rá, muito provavelmente, será o paradoxo que atra-vessa todos os debates actuais sobre a escola: nuncatantos deixaram de acreditar na escola, nunca tantos adesejaram e a procuraram, nunca tantos a criticaram enunca tantos tiveram tantas dúvidas sobre o sentido dasua mudança (Barroso, 2001).

No passado recente, algumas vezes a respostaà emergência deste paradoxo foi procurada fora daescola — ver, por exemplo, a utopia illichiana. Pos-sivelmente, nos tempos de hoje, a resposta terá de

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ser procurada numa reflexão sobre a escola em simesma, ou seja, sobre os princípios, as funções, asestruturas e as práticas que deram corpo à sua for-ma original, à sua gramática.

Perante esta questão, as organizações interna-cionais e os governos nacionais são normalmentetentados a produzir múltiplos estudos e relatóriossobre o que deve ser a escola. O problema, o nó críti-co da questão, todavia, situa-se em saber como é que aescola pode ser outra coisa.

Nas sociedades contemporâneas, a instituição-escola encontra-se esfacelada entre as duas funçõesbásicas há muito sinalizadas por Durkheim: a socia-lização de crescentes grupos de jovens — no limite,já alcançado ou em via de ser alcançado por algunspaíses europeus, no Canadá ou no Japão, escolari-zando todos os jovens do grupo etário até aos 18 anos;e a credenciação de toda a população, não apenas dapopulação jovem, para o exercício de funções sociais,muito em particular, para o exercício de uma profis-são ou ocupação.

Nesse contexto, a escola, nos seus níveis funda-mental e médio, estrutura-se e organiza-se em fun-ção de dois núcleos polarizadores dominantes: oensino fundamental e o ensino superior. O primeironúcleo polarizador, o do ensino fundamental, privi-legia uma lógica organizacional centrada numa so-cialização comum a todos os cidadãos, onde as nor-

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mas de integração e de inclusão são (pelo menos aonível do propósito legislativo e do discurso político)clara e esmagadoramente dominantes. O segundonúcleo, o do ensino superior, assenta numa lógicade diferenciação e de selecção para os diferentes pa-péis sociais (Azevedo, 2000).

A tendência, já concretizada ou em via de con-cretização em alguns países da União Europeia, noCanadá e no Japão, vai no sentido de alargar a esco-laridade obrigatória a todo o ensino médio (ou atéos 17-18 anos de idade), o que irá seguramente acen-tuar as pressões polarizadoras sobre a escola.

Num sentido figurativo, a escola fundamentale média torna-se um imenso parque de estacionamen-to, onde se encontram jovens com as mais heterogé-neas origens sociais, étnicas ou culturais e os maisdíspares projectos de vida e aspirações pessoais. So-bre esse imenso parque, onde potencialmente se en-contram todos os jovens da faixa etária até aos 18anos de idade, acentuar-se-ão, do lado social, as pres-sões para que a escola seja dominantemente umainstância socializadora, sobretudo numa época mar-cada pela perda de influência, em determinados gru-pos e contextos sociais, de outras instituições bási-cas, como a família e as igrejas, e a emergência dacomunicação social de massas como a mais influen-te instância socializadora. Do lado da economia, dacompetitividade dos países e das regiões na luta pe-

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los mercados mundiais, mas também do neolibera-lismo dominante no plano ideológico, aumentará apressão para que a escola retome o seu papel primei-ro de instância de selecção social, aumentando a pres-são para a realização de constantes avaliações sobre oque designam de eficácia e de qualidade das escolas,com o consequente estabelecimento de rankings entreas instituições escolares construídos a partir, sobretu-do, do resultado dos exames nacionais9.

Este aumento considerável da diversidade depúblicos escolares, no final do ensino fundamental eno ensino médio, originará seguramente políticas dediversificação das respostas escolares. Até aos anossessenta e setenta do século XX essa diversificaçãoassentou em fileiras escolares de desigual valor for-mativo e com uma clara marca de distinção de clas-

9. Essa polarização de posições está bem patente em Portugal nodebate que tem atravessado as páginas de opinião do diário Público, apartir da publicação no início de 1997 de um conjunto de artigos deMaria Filomena Mónica, socióloga e colunista de imprensa, suscitadospela ausência de conhecimentos dos alunos manifestados através dosexames nacionais, reunidos em Os Filhos de Rousseau. Ensaios sobre osexames (Lisboa, Relógio d’Água, 1997). Numa postura fortemente críti-ca das conclusões de Filomena Mónica, salientaram-se nesse debatedois professores e sociólogos, Stephen R. Stoer e António M. Maga-lhães (ver, e.g., Orgulhosamente Filhos de Rousseau, Porto, Profedições,1998). Mais recentemente, no primeiro trimestre de 2001, a propósitoda (não) divulgação da lista de escolas com os melhores resultados narealização das provas aferidas, esse debate foi retomado (Magalhães& Stoer, 2002).

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se na sua frequência, como todos os trabalhos clássi-cos de sociologia da educação o demonstraram. Pos-sivelmente, na primeira década do século XXI, a res-posta deverá ser encontrada numa diversificação e numagestão local do currículo, que permita a passagem deum ensino uniforme, transmissivo e expositivo, in-diferente à diversidade, qualquer que ela seja, paraum ensino centrado na organização e gestão de si-tuações diferenciadas e interactivas de aprendiza-gem, que as novas tecnologias de informação e co-municação não só facilitam como exigem. Tal impli-cará alterações fundamentais nas formas de traba-lhar dos professores, pelo menos nos países onde osistema de educação tem uma forte tradição centra-lizadora, como é inequivocamente o caso do Brasil.

Mas a frequência da escola média por todos osalunos, sem discriminação de ordem económica, so-cial, cultural ou étnica, tem como consequênciadirecta transformar em problemas escolares todos osproblemas sociais, sejam os tradicionais problemasresultantes da pobreza, do desemprego e da polari-zação de classe em sociedades muito desiguais nadistribuição da riqueza, sejam os novos problemasque afectam fortemente as sociedades europeias,como a toxicodependência, a violência juvenil, asdoenças sexualmente transmissíveis, com destaquepara a Aids, a desestruturação social nos subúrbiosdas grandes cidades, a exclusão social de novos gru-pos, incluindo de jovens.

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A resposta à transformação em problemas es-colares das questões sociais tem sido, até agora, a dealargar progressivamente as funções dos professo-res, tendendo cada vez mais a configurar a profissãode professor como a de um trabalhador social. Às antigasfunções de profissional do ensino-aprendizagemsomaram-se todas as outras, de assistente social apsicólogo e sociólogo, de psicoterapeuta a vigilantee polícia, ou, numa imagem violenta mas muito real,de criada (ou criado) para todo o serviço. À escola e aosprofessores tudo se pede que façam e, conseqüente-mente, sobre tudo se pede responsabilidades. Diver-sos estudos têm vindo a mostrar que esse alargamen-to desmesurado de funções e de responsabilidadespode ser apontado como uma das principais causasdos graves sintomas de crise de identidade e de pro-fundo mal-estar, que afectam importantes sectoresdo professorado10.

A superação dessa situação implicará, prova-velmente, uma recentração da especificidade do pa-

10. E.g., o clássico trabalho de José Manuel Esteve, O mal-estardocente (trad. port.: Lisboa, Escher, 1991). Para uma boa revisão de lite-ratura sobre o mal-estar docente (teacher burnout), ver: R. Vandenberghe& A. M. Huberman (Ed.). Understanding and Preventing Teacher Burnout,Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1999, em particular oscapítulos de Barbara Byrne, The Nomological Network of TeacherBurnout: A Literature Review and Empirical Validated Model (pp. 15-37), e de Bernd Rudow, Stress and Burnout in the Teaching Profession:European Studies, Issues, and Research Perspectives (pp. 38-58).

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pel do professor nas actividades de ensino. Todavia,as tendências dos últimos anos são contraditórias.Por um lado, assiste-se ao incremento de expectati-vas quanto ao papel dos professores e das escolas naresolução de todos os problemas sociais, enquanto,por outro, assiste-se, pelo menos no plano legislativo,ao reconhecimento de que as escolas devem possuirnos seus quadros um corpo de profissionais que res-pondam a essas demandas sociais, para além dosprofessores responsáveis pelas actividades de ensi-no. A questão situar-se-á, então, no plano da criaçãodas condições materiais que permitam às escolasdotarem-se de equipas de profissionais que, com osprofessores e nunca perdendo de vista as funções pri-mordiais do sistema de educação, respondam à mul-tiplicidade de solicitações e de responsabilidades queà escola para todos são cometidas pelas sociedadesdos nossos dias, o que implicará seguramente um re-forço de investimentos no capítulo dos recursos hu-manos afectos aos sistemas de educação públicos.

No princípio dos anos sessenta do século XX,num livro então muito divulgado, Georges Gusdorfinterrogava, perante a miríade de transformaçõestecnológicas que se adivinhavam ou que estavam emcurso, Pourquoi des professeurs? [Por que professores?](Gusdorf, 1963). Como resposta, Gusdorf avançavaa sua convicção de que a relação mestre—discípuloscontinuaria a afirmar-se como dimensão fundamen-

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tal do mundo humano. Embora, recorrentemente, seadmita a morte do professor (e.g., Lyotard, 1987), opensamento hegemónico nas sociedades centrais vaiem sentido diverso, ou seja, no do reforço da pre-sença da escola na sociedade com a generalizaçãodo conceito de educação ao longo da vida.

Previsivelmente, o que se acentuará na próximadécada será a contradição entre a forma escolar e oexercício da actividade docente próprias da moderni-dade — uniformização linguística, construção da na-ção, difusão da cultura e dos valores do grupo domi-nante, ensinar a muitos como se fosse a um só — e asnovas exigências de uma sociedade e de uma escolaassentes na diversidade, na heterogeneidade e nainter/multiculturalidade, numa concepção ecológicado mundo, das relações dos humanos entre si e des-tes com a natureza. Tal perspectiva implicará, possi-velmente, a emergência de um novo contrato social, maisinclusivo e mais democrático (Santos, 1998), ou mes-mo a substituição do próprio modelo de contrato11.

11. Essa é, pelo menos, a posição de Jurgen Habermas (1997, p.479) quando sustenta que a fonte de legitimação das ordens jurídicasmodernas só pode ser encontrada na ideia de autodeterminação: “é pre-ciso que os cidadãos possam conceber-se, a todo o momento, como osautores do direito ao qual estão submetidos enquanto destinatários”.Isto conduz, segundo Habermas, a que o modelo de discussão ou dedeliberação venha a substituir o do contrato — a comunidade jurídicanão se constitui através de um contrato social, mas sim em virtude deum acordo estabelecido através da discussão.

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Se esse for o caminho a trilhar pelas nossas so-ciedades neste início de século e de milénio, ser pro-fessor não será seguramente um ofício em risco de ex-tinção12, mas antes uma actividade que poderá(re)assumir a sua centralidade no processo educati-vo, tendo progressivamente como destinatários todaa população e não apenas crianças e jovens.

Porque o pensamento utopístico tem sido deter-minante na actividade humana, defende-se que aspolíticas públicas devem equacionar os professoressegundo dois entendimentos complementares:

(i) o professor como militante de justiça social; e

(ii) o professor como pesquisador em sala deaula.

O primeiro entendimento do que é (ou deve ser)um professor decorre de uma constatação objectiva:é manifestamente impossível ser professor se não sequiser bem aos alunos, como diria Paulo Freire (1997),ou, como defende Juan Carlos Tedesco (1999), se nãose assumir plenamente a convicção de que todos osalunos podem aprender. A assunção desse entendimen-to tem inúmeras consequências práticas nas políti-cas. No plano da formação de professores, por exem-plo, conduzirá, seguramente, ao reforço de todas as

12. Ver, a este propósito, o interessante ensaio de Luiza Cortesão(2000).

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componentes que permitam que o (futuro) docenteseja capaz de ler o mundo13, de compreender e de tra-balhar com a diversidade, seja de ordem física, so-cial ou cultural, de participar na construção de ver-dadeiros projectos de cidadania democrática.

O segundo entendimento pressupõe que osprofessores dos ensinos fundamental e médio nãopodem mais ser entendidos como meros traduto-res ou difusores de saberes construídos por outros,seja nos campos científicos das disciplinas queleccionam, ou no campo específico das ciências daeducação. A preocupação justificada das autorida-des político-administrativas com a definição denovos perfis para o exercício profissional da acti-vidade docente e com a formação para novas com-petências, em domínios como as novas tecnologiasde informação e de comunicação, a gestão e partici-pação nas comunidades educativas, ou a pedago-gia diferenciada, exige um entendimento do pro-fessor como um pesquisador em sala de aula, capaz deconhecer os alunos (e a comunidade) com que traba-lha, de construir estratégias de diferenciação peda-gógica, de trabalhar em equipa, de produzir quoti-dianamente inovação, de mediar o contacto críticodos seus alunos com a beleza do conhecimento e daaventura humanas.

13. A expressão é novamente de Paulo Freire.

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Tem-se consciência do carácter controverso dosentendimentos aqui enunciados. Mas, se existe umaverdadeira intenção de criar condições para a pro-fissão docente sair do seu comportamento defensi-vo face às mudanças que atravessam a escola, hojeaberta a todos e durante toda a vida, não chega me-lhorar as condições de trabalho e aumentar a forma-ção técnica dos professores. Exigirá, seguramente,uma ruptura com as concepções de professor-funcio-nário e/ou de professor-técnico, que estiveram na ori-gem da profissão docente e que continuam a mar-car, na contemporaneidade, as políticas públicas.

Implicará também, possivelmente, a progressi-va construção de outra gramática da escola, capaz dematerializar esse simples desígnio no qual assentatoda a capacidade de viver juntos: temos direito a seriguais quando a diferença nos inferioriza; temos direito aser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.

Para essa época de transição paradigmática,Boaventura de Sousa Santos (1998, p. 66) advoga queo Estado se deve transformar “num campo de expe-rimentação institucional”. Admitindo que a escolatem algumas características de lugar estrutural14, po-

14. O conceito de lugar estrutural foi desenvolvido por Boaventu-ra de Sousa Santos (1995, p. 420): “No seu grau mais abstracto, ummodo de produção da prática social, é um conjunto de relações sociaiscujas contradições internas são asseguradas por uma dinâmicaendógena específica”. Nessa obra, Boaventura de Sousa Santos identi-

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derá então defender-se que constitui um espaço pú-blico no qual se podem dotar as futuras (e actuais)gerações com novos modos de pensar a construçãode um mundo mais justo. O Relatório da ComissãoInternacional sobre a Educação para o século XXI,Educação: um tesouro a descobrir, coordenado porJacques Delors (1996), defende que será na educa-ção, na formação e no conhecimento que se encon-trará o tesouro capaz de abrir caminhos para a cons-trução de um mundo, no simbolismo da expressãode Paulo Freire (1993, p. 36), “mais ‘redondo’, me-nos arestoso, mais humano, e em que se prepare amaterialização da grande Utopia: Unidade na Diver-sidade”.

É esta também a nossa convicção, e a nossa ba-talha moral, científica, cívica e política.

fica seis lugares estruturais: doméstico, trabalho, mercado, comunidade,cidadania e mundial. Luiza Cortesão, partindo do conceito de B. S. San-tos, defende como hipótese que “se podem identificar na educação [es-colar] algumas características de lugar estrutural” (Luiza Cortesão,Práticas educativas face à diversidade e investigação-acção, Relatório dasprovas de agregação não publicado, Porto: Faculdade de Psicologia eCiências da Educação da Universidade do Porto, 1998, p. 25).

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