comunidade e globalização

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Junto com algumas teorias sociológicas clássicas produzidas entre os séculos XIX e XX,o texto começa problematizando a constituição histórica do “social estatal-nacional”. Analisamseos processos em curso que marcam sua “desconversão”. As palavras-chave desses processos são“comunidade” e “ globalização”. A partir desta premissa teórica, conclui-se, fazendo uma reflexãosobre algumas das realidades sócio-educacionais do presente.

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    Pro-Posies, v. 19, n. 3 (57) - set./dez. 2008

    Comunidade, globalizao e educao:um ensaio sobre a desconverso do social1

    Pablo de Marinis *

    Resumo: Junto com algumas teorias sociolgicas clssicas produzidas entre os sculos XIX e XX,o texto comea problematizando a constituio histrica do social estatal-nacional. Analisam-se os processos em curso que marcam sua desconverso. As palavras-chave desses processos socomunidade e globalizao. A partir desta premissa terica, conclui-se, fazendo uma reflexosobre algumas das realidades scio-educacionais do presente.

    Palavras-chave: comunidade; globalizao; polticas educacionais

    Community, globalization and education: an essay about deconvertingthe social instance

    Abstract: Taking some of the classical sociological theories produced between the 19th and the20th centuries, the text starts with the questioning of the historical constitution of a constructnamed lo social-estato-nacional. The current processes which evidence its desconversin arethen analyzed. The key words of these processes are community and globalization. With abasis on this theoretical premise, conclusions are drawn on some of the socio-educationalrealities of the present times.

    Key words: community; globalization; educational policies.

    * Doutor em Filosofia pela Universitt Hamburg, Alemanha, 1997. Professor de Teoria Sociolgicana ctedra de Sociologia na Facultad de Ciencias Sociales da Universidad de Buenos Aires(Flacso). Professor do Mestrado em Cincias Sociais, com orientao em Educao, e do Doutoradoem Cincias Sociais na Flacso, Argentina. Investigador do CONICET, com sede de trabalho noInstituto de Investigaciones Gino Germani da Facultad de Ciencias Sociales de la Universidad deBuenos Aires. Algumas de suas publicaes: Gobierno, gubernamentalidad, Foucault y losanglofoucaultianos (Un ensayo sobre la racionalidad poltica del neoliberalismo). In: RAMOSTORRE, Ramn e GARCA SELGAS, Fernando (Org.). Globalizacin, riesgo, reflexividad. Trestemas de la teora social contempornea. Madrid: Centro de Investigaciones Sociolgicas, 1999.pp.73-103. berwachen und Ausschlieen. Machtinterventionen in urbanen Rumen derKontrollgesellschaft. Pfaffenweiler, Alemanha: Centaurus Verlagsgesellschaft, 2000. 16 comentariossobre la(s) sociologa(s) y la(s) comunidad(es). Papeles del CEIC Centro de Estudios sobre laIdentidad Colectiva (CEIC), Universidad del Pas Vasco, Espaa, n. 15, enero, 2005. Disponvelem: . [email protected].

    1. Traduo: Rosiver Pavan ([email protected]). Reviso tcnica: Nora Rut Krawczyk

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    Introduo

    Muitos dos discursos polticos e cientfico-sociais vigentes mantm-se pre-sos a esquemas analticos que envelheceram irremediavelmente. luz das im-portantes transformaes das ltimas trs dcadas ainda sustentvel uma con-tundente diviso analtica entre Estado e Sociedade? Pode caracterizar-se oEstado atual como uma fbrica central de governabilidade, ou mudaram suasfunes e as caractersticas que assumem as relaes que estabelece com outrosatores? A sociedade possui ainda as caractersticas do todo orgnico que algunsdos socilogos clssicos do final do sculo XIX e incio do XX souberam carac-terizar? Se houve recentemente mudanas qualitativas importantes, que formasassumiram e como impactaram as formas de governar o social? E, focalizandonos assuntos trabalhados neste dossi: como influram sobre as formas de ca-racterizar e governar os sistemas educacionais?

    Todas estas perguntas so de grande alcance, e os problemas que colocamdeveriam ser explorados em mbitos empricos delimitados. Aqui se desenvol-vero apenas algumas reflexes tericas de carter geral que podem servir parasustentar essa tarefa.

    Depois desta introduo, na qual se apresentam as perguntas centrais dotrabalho, no segundo item ser explicado o processo histrico e social que con-duziu construo do social estatal-nacional, recuperando algumas teorizaessociolgicas clssicas produzidas entre os sculos XIX e XX que caracterizaramaquele processo por meio de recursos conceituais, entre outros, o da frmulacomunidade-sociedade.

    No terceiro item sero apresentados alguns delineamentos tericos paracaracterizar os processos que esto na base da desconverso do social estatal-nacional, em curso atualmente. Duas sero as palavras chaves: globalizao(3.1) e comunidade (3.2).

    Ao final, sero apresentadas algumas concluses fragmentrias e tentativas,a partir do desdobramento dos desenvolvimentos tericos anteriores, para pro-duzir uma reflexo sobre algumas das realidades scio-educativas do presente.

    A era do social estatal-nacional

    A modernidade ocidental surgiu marcada por imensas e vertiginosas trans-formaes. Giddens (1993, p. 18) afirma que as formas de vida introduzidaspela modernidade arrasaram de maneira sem precedentes todas as modalida-des tradicionais da ordem social, acelerando o ritmo e expandindo o mbitoda mudana. Foram dois os principais conceitos cunhados para explicar estasimportantes mudanas: revoluo industrial e revoluo democrtica.

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    Sob o primeiro termo englobaram-se, sobretudo, as transformaes da eco-nomia, a consolidao do capitalismo como modo de produo dominante, osprocessos de urbanizao, o predomnio dos mecanismos de mercado e a gene-ralizao do trabalho assalariado.

    Por sua vez, a revoluo democrtica no caracterizvel de maneira tohomognea, dado que sob este conceito incluram-se a revoluo inglesa dosculo XVII; a francesa, de 1789; a Declarao da Independncia dos EstadosUnidos, em 1776; e, inclusive, os processos de independncia das naes lati-no-americanas do sculo XIX. Em qualquer desses casos, a revoluo democr-tica implicou um grande impulso para a constituio de alguns regimes polti-cos fundados na soberania popular.

    A cincia poltica moderna (pelo menos a partir do contratualismo), a eco-nomia poltica clssica, o marxismo e a sociologia, aproximadamente nessa or-dem cronolgica, foram responsveis pela maior parte dos conceitos com osquais ainda hoje temos que trabalhar. Neste trabalho, sero focalizados os de-senvolvimentos tericos realizados pela sociologia.

    Para explicar os processos que deram passagem modernidade ocidental,alguns membros da segunda gerao de pais fundadores da sociologia2 outor-garam centralidade analtica ao par conceitual Gemeinschaft Gesellschaft, co-munidade sociedade. Tendo esses conceitos ou outros similares em mos,socilogos como Ferdinand Tnnies, Max Weber, Emile Durkheim e GeorgSimmel, ao mesmo tempo, propuseram-se vrios objetivos3. De um lado, cap-tar os traos mais salientes da mutao histrica qual estavam assistindo emsua poca, recolhendo evidncias acerca das ambivalentes conseqncias dasduas revolues acima mencionadas. De outro, construir tipos ideais de rela-es sociais para descrever formas particulares de agregao de indivduos egrupos, no mesmo diapaso da vocao cientfico-emprica da disciplina nas-cente.

    Para alm das particularidades de cada autor, observa-se em todos eles umesforo por captar os complexos perfis da mutao histrica fundamental quearrasou a sociedade tradicional e abriu passagem sociedade moderna. Dessaforma, comunidade e sociedade apareceram como tipos histricos, comodescritores dos perfis peculiares do que estava deixando de ser e do que estavacomeando a se constituir. De um lado, o natural, o orgnico, a vida em co-mum sobre a base de origens e sentimentos compartilhados. De outro lado, a

    2. Faz-se com isso referncia gerao que atuou nos finais do sculo XIX e comeos do XX.3. Estes autores aparecero aqui apresentando uma posio compartilhada, porm, bvio que

    tambm existem diferenas significativas entre eles. Para aprofund-las, veja-se, por exemplo, deMarinis (2005a; 2006) e a bibliografia citada nesses trabalhos.

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    racionalidade, a reflexividade, o individualismo, a artificialidade, os mecanis-mos impessoais, os contratos. O primeiro pode ser associado imediatamente vida camponesa, aldeia medieval, aos laos da famlia ampliada, em suma, sordens tradicionais. O segundo pode ser vinculado ao anonimato e impessoalidade das grandes urbes, ao industrialismo, em suma, aos principaistraos da vida social moderna4.

    Alm desses tipos histricos, a sociologia cunhou tambm alguns tipos ide-ais de comunidade e sociedade para identificar as modalidades que pode assu-mir a agregao coletiva. Tal o caso de Max Weber. Para o caso da comunida-de, Weber realou o sentimento subjetivo de pertencimento comum por partedos membros de um coletivo; para o segundo caso, sublinhou o maior pesoque tem o ajuste de interesses motivados racionalmente, valorativamente e/oucom relao aos fins.

    Para alm de todos esses tecnicismos sociolgicos, a respeito dos quais mui-to mais foi dito e ainda se poderia dizer5, encontra-se uma preocupao com-partilhada por diferentes fraes das classes dominantes da poca e assumidacomo desafio terico-poltico pelos prprios socilogos. Muito resumidamen-te, temia-se que a rpida generalizao das refrigeradas relaes que a Gesellschaftvinha trazendo consigo por meio da racionalizao do domnio poltico, daburocratizao das instituies, da formalizao e despersonalizao das rela-es sociais, da autonomizao das esferas funcionais, etc. terminasse deglu-tindo, subsumindo, arrasando todos os contextos clidos, tranqilos, de rela-es cara a cara, de intensa emotividade, mbitos seguros e familiares da interaoe das redes de proteo prxima. Portanto, temia-se a destruio total da co-munidade pela sociedade com as conseqncias, consideradas por eles pernici-osas, que isso podia acarretar, pois, se na comunidade reinava uma ordem eexistiam garantias de identidade para seus membros, sob condies de socieda-de, ambas as coisas poderiam ser colocadas em risco.

    Para esses socilogos, a irrupo da sociedade trouxe consigo vrios avanos:eficincia organizacional, produtividade econmica, racionalidade formal noexerccio do poder, espao livre para o uso da razo, etc. A velha comunidade

    4. As coisas no so to simples nem to polarmente opostas, nem sequer para um autor comoTnnies, acusado injustamente de nostlgico em relao ordem pr-moderna (cf. Nisbet,1996). Para ele, por exemplo, as cidades modernas ainda admitem algum espao para ascomunidades, e o Estado (claro exemplo do plo da sociedade) no deixa de apelar a sentimentosnacionais na hora de convocar seus cidados a matar os inimigos da Nao (bvio expoente doplo comunitrio).

    5. Estas questes esto sendo analisadas num projeto de pesquisa coordenado pelo autor destetrabalho, desenvolvido no Instituto de Pesquisas Gino Germani da Universidade de BuenosAires, que tem, entre seus objetivos, a explorao reconstrutiva do pensamento dos autoresclssicos da sociologia em torno do tema da comunidade.

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    dava certezas, construa identidades estveis, porm era tremendamente opres-siva e, no aspecto crtico da comunidade tradicional, esses autores mostravamsua sensibilidade modernizante. Por tudo isso, eles ficaram muito longe depretender a simples reabilitao da velha Gemeinschaft.

    Contudo, tambm compreenderam que as novas oportunidades vinhaminfestadas de riscos. A racionalizao do domnio pblico havia acabado com ashierarquias de base estamental, mas poderia conduzir a novas formas de despo-tismo e demagogia; a burocratizao do Estado, dos partidos e das empresas,embora tivesse provado ser o melhor instrumento para a administrao de coi-sas e corpos, poderia gerar novas formas de servido e reforar as grades dagaiola de ferro. A crescente formalizao e despersonalizao das relaes sociaise o individualismo haviam arrasado o opressivo mundo dos status adscritos,porm poderiam intensificar-se o egosmo, a solido e o anonimato. A urbani-zao era a condio do progresso, mas por sua vez poderia converter-se nofermento da sedio poltica, o crime, as epidemias, o suicdio; a diviso dotrabalho social sob condies de solidariedade orgnica havia demonstrado suamaior eficcia e eficincia, porm poderia assumir formas patolgicas; as rela-es sociais prprias do capitalismo industrial haviam posto por terra um mundoprodutivo atrasado, porm poderiam levar a intolerveis condies de explora-o, alienao e fetichismo; a laicizao e o racionalismo haviam acabado comas supersties religiosas, mas poderiam tornar intolervel a existncia dos in-divduos em um mundo desencantado e esvaziado de sentidos transcendentais,etc. Em suma, as antinomias da sociedade moderna abriam passagem a tudoisso de uma vez: a concretizao de formas avanadas de convivncia coletiva ede realizao individual e pessoal, porm a possibilidade de recada na dissolu-o, no caos e na desintegrao sociomoral6.

    Assim como o capitalismo e a industrializao deram uma estocada de mor-te Gemeinschaft no que diz respeito s bases materiais, os direitos civis epolticos e j nos finais de sculo XIX os partidos polticos, os sindicatosde massas e a educao pblica fizeram o mesmo no que se refere a suas dimen-ses polticas, sociais e culturais.

    Alm das mencionadas revolues industrial e democrtica, em processos aelas colaterais e, inclusive, inserindo-se propriamente como parte delas ,poder-se-iam mencionar muitos outros fenmenos que marcaram essa grandetransformao que se operou ao longo de todo o sculo XIX. Aqui haveria de semencionar a crescente e vertiginosa urbanizao. Outro fenmeno importante

    6. A mistura de afirmaes de marca marxista, weberiana, simmeliana e durkheimiana feita coma finalidade de localizar uma problemtica compartilhada, para alm das diferenas de nfase ede interesses terico-polticos.

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    foi a burocratizao do Estado e das organizaes de todo tipo, desde as empre-sas at os sindicatos, os partidos polticos e as universidades.7 Tambm aquelafoi uma poca em que os Estados assumiram fortemente, entre suas iniciativasde poder, a inveno ou a promoo de dispositivos de produohomogeneizadora e normalizadora de cidados. Sob esta rubrica, poderiam sermencionados dispositivos tais como: o servio militar obrigatrio, os sistemasde escolarizao pblica e de massa, as instituies criadas para enfrentar osproblemas derivados da questo social, os aparatos punitivos e, tambm, a seumodo, a famlia nuclear8.

    O surgimento de todos estes dispositivos obedece a mltiplas causas. Devi-do a isso, embora se tenha sublinhado aqui a centralidade do Estado em todosesses processos, a anlise no deveria se reduzir exclusivamente a ele. Muitasdestas iniciativas (por exemplo, as vinculadas educao) articularam de formacomplexa as aes do Estado e as de diversos agentes no estatais, mas ineg-vel a centralidade do Estado em todo esse processo.

    Por exemplo, no que tange especificamente constituio dos sistemas edu-cacionais nacionais, Ramrez e Boli (1999) sustentam que o desenvolvimentodos sistemas educacionais nacionais obedeceu a causas mltiplas que no sepodem reduzir a uma mera resposta s necessidades de fora de trabalho daeconomia industrial, nem tampouco a uma simples maneira de tratar os con-flitos de classe. Em sntese, esses autores afirmam que os diversos estados euro-peus embarcaram na empresa de conformar uma poltica nacional unificada e,graas a essa poltica, os indivduos conseguiram uma identificao com a na-o e envolveram-se em projetos nacionais.

    Em poucas palavras, essa poca pode ser denominada como a da invenodo social9. Em especial, considerando-se os diversos dispositivos acima men-cionados, dever-se-ia propriamente falar-se do social estatal-nacional, umamodalidade de articulao entre Estado-Nao e sociedade instituda lenta-mente ao longo do sculo XIX.

    No sculo XX, essa articulao conseguiu consolidar-se efetivamente, masexperimentou complexas vicissitudes. Assim, a era da governabilidade liberal,concomitantemente ao surgimento de o social, foi lentamente cedendo passa-gem a outras novas racionalidades de governo que ficaram conhecidas comoestado de bem-estar ou estado benfeitor, keynesianismo, etc. Embora houvesse

    7. Urbanizao e burocratizao so palavras-chave de rotina que atravessam boa parte da obra deSimmel e de Weber, respectivamente.

    8. Sobre estes ltimos pontos so referncias inelidveis os textos de Foucault em torno dosconceitos de sociedade disciplinar e biopoder (1976;1987; 1996; 2000; 2006).

    9. A expresso inveno do social usada no sentido que lhe outorgou Donzelot nos finais dosanos 1980 (2007).

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    significativas diferenas regionais e temporais, o Estado de Bem-Estar tornou-se uma realidade evidente em boa parte do mundo ocidental, inclusive, tam-bm, em alguns pases latino-americanos, em verses peculiares que, emboracomo tendncia, compartilharam traos importantes com os casos da Europa edos Estados Unidos (peronismo na Argentina, varguismo no Brasil, cardenismono Mxico, etc.), participando dessa leva de marca keynesiana caractersticadas dcadas posteriores crise dos anos 1930. Dentre esses traos destacam-sea centralidade do Estado nas intervenes de poder, a expanso concomitantede algumas noes de cidadania social10, a consolidao do estatuto do traba-lho assalariado11, etc.

    A seguir, tentar-se- demonstrar que a histria acabou brincando com aque-les socilogos clssicos. Muitos de seus temores resultaram, a posteriori, serparcialmente exagerados.

    Primeiro: como j se disse, umas poucas dcadas depois de que foram escri-tos aqueles textos fundacionais da disciplina, mais que uma dissoluo da co-munidade e uma inexorvel destruio de toda a ordem, consolidou-se melhoroutro tipo de ordem, marcado pelo estado de bem-estar12. Dentro do congela-dor da cidadania social, ficaram afiadas, ao menos por um tempo, as mais pun-gentes arestas do conflito social do perodo anterior. Assim, o social continuoucertamente vivo algumas dcadas depois de sua inveno.

    Segundo: h aproximadamente trinta anos, esse poderoso edifcio do socialvem experimentando uma intensa corroso de seus fundamentos. Praticamen-te todos os dispositivos institucionais que se inventaram ou consolidaram sob osigno de o social esto atravessando uma crise profunda, da famlia at o traba-lho assalariado, passando pelo sistema educacional e pelos sistemas de proteosocial.

    So dois os processos que esto na base da desconverso do social estatal-nacional e que sero analisados neste trabalho. De um lado, a to clebreglobalizao. De outro lado, a comunidade que no desapareceu como temiamos socilogos clssicos, mas, ao contrrio, est experimentando um impressio-nante renascimento nos ltimos tempos. Cabe tambm antecipar que no exatamente a velha comunidade pr-moderna a que est reaparecendo, masalgumas comunidades ps-sociais13 com perfis inovadores. Estes temas serotratados no prximo item.

    10. Veja-se, por exemplo, Castel (2004) sobre a sucesso histrica de tipos de cidadania.11. Sobre a histria do trabalho assalariado, pode se consultar Castel (1997).12. O qual, por sua vez, tambm se revelaria como uma ordem transitria, como se ver na

    continuao.13. O conceito de ps-socialidade desenvolvido em de Marinis (2000).

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    A desconverso do social estatal-nacional: globalizao e comunidade na eraneoliberal

    Nesta seo, caracterizar-se- a desconverso do social estatal-nacional atu-almente em curso. O foco ser colocado sobre alguns processos de transforma-o da relao Estado-sociedade ou, como o temos chamado antes, do socialestatal-nacional. Os processos implicados tanto na reinveno da comunidade(que operam de baixo e de dentro) como na globalizao (que operam de cimae de fora) parecem estar na base de um fenmeno marcado pela desconverso,pela desvalorizao, pela corroso ou pela ressignificao do poder e da sobera-nia dos Estados nacionais. A teoria social e poltica deve necessariamente passarrecibo disso: o esquema analtico Estado-sociedade ou pblico-privado, que jtem um par de sculos de vigncia, ressente-se significativamente ante as novasevidncias que a realidade atual aponta. Isto exige revisar, renovar e reconstituiro arsenal conceitual de que dispomos para nossas pesquisas.

    Poder-se-ia utilizar uma palavra-chave para caracterizar a situao atual, tam-bm chamada neoliberal: a economizao dos meios de governo que o Estadoefetua crescentemente. Assim, mais que uma separao contundente entre duasentidades (Estado versus Sociedade), conforma-se em realidade uma complexarede em cujo marco se planificam, desenham, executam e avaliam polticas,planos e programas de governo. Essa densa estrutura est integrada tanto pordependncias formalmente estatais como por entidades subestatais e supraes-tatais, Ongs, organismos internacionais, think tanks, meios de comunicao,partidos polticos, organizaes sociais e comunitrias de diversos tipos, etc.

    Como meio ou tambm como efeito dessa nova situao, verifica-se umaeconomia dos meios de governo do Estado. O Estado economiza, racionaliza eotimiza cada vez mais suas energias, aproveitando-se, servindo-se de e apelan-do energia dos prprios governados para govern-los melhor. A imagem daeconomizao que aqui se sustenta parece ser muito mais adequada que a con-vencional meno a retirada, retrocesso, extino ou desapario do Estado,habitual em grande parte da bibliografia crtica do neoliberalismo.Economizao, pois, remete a um novo formato adelgaado da atividade esta-tal, que deve lidar por cima com os processos de globalizao e, por baixo, coma exploso de formas particularistas de subpoltica, que s vezes levam o nomede comunidade. Nos tpicos abaixo sero considerados ambos os processos,comeando pela globalizao.

    A desconverso do social estatal-nacional de cima e de fora:a globalizao

    A globalizao tem estado na fala de todos, especialmente a partir dos anos1990. Por isso, h disponvel uma abundncia de definies. Aqui se pretende

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    apresentar alguns argumentos para discutir com lugares-comuns recorrentes,muitas vezes enviesados, unilaterais e parcialmente falsos. Entre esses: que aglobalizao um fenmeno recente e preponderantemente econmico; quearrasa totalmente com o poder e a soberania dos Estados nacionais e se desen-volve a expensas deles, sem distino de Estados nem de mbitos de atividadedentro deles; que um processo quase natural, como se carecesse de sujeito, econduz a efeitos necessariamente homogeneizadores e desdiferenciadores dasdiversas regies do mundo. Sem dvida, h algo certo em tudo isso, porm, estasafirmaes deveriam ser matizadas, e seu alcance investigado empiricamente,atendendo s particularidades nacionais e regionais envolvidas.

    Primeiro, h que dizer que o capitalismo foi desde seus primrdios um fen-meno intrinsecamente globalizador, como bem o soube ver Marx prematuramen-te14. A globalizao no ento um fenmeno necessariamente recente, aindaque alguns processos tenham intensificado seu ritmo nas ltimas dcadas. possvel identificar etapas na globalizao, e a atual combina tanto elementos decontinuidade como de ruptura em relao a momentos anteriores.

    Vrios exemplos reforam essa afirmao: a expanso da economia globaldurante os anos 1990, logo aps as crises dos anos 70 e 80, a derrocada dosocialismo real entre 1989 e 1991; o crescimento dos Estados Tigres e o novopapel da China, que ofende o significado histrico do Terceiro Mundo; a am-pliao das desigualdades Norte-Sul, o mesmo de outras desigualdades regio-nais e intranacionais; a consolidao relativamente pacfica da Unio Europia,mesmo com a presena em seu seio de situaes conflitivas (terrorismo, fortesdesvalorizaes do status de cidadania para jovens, trabalhadores migrantes erefugiados, etc.); a Guerra do Golfo que deu passagem a uma noo de guerrarealmente global, afirmando o poder dos Estados Unidos como garantidor danova ordem mundial; o ataque s Torres Gmeas de New York, que traounovos limites entre conceitos tais como segurana interior e segurana exterior.Nesses exemplos podem ver-se tanto expanses quantitativas como modifica-es qualitativas de desenvolvimentos anteriores.

    A globalizao , alm disso, um fenmeno multidimensional. As dimenseseconmicas sem dvida do o tom das transformaes, porm outras dimenses(sociais, polticas, culturais, epistemolgicas, etc.) tm seu peso prprio. De fato, caracterstico da fase atual da globalizao o papel que ocupa a produo dasempresas transnacionais em um contexto dominado pelo sistema financeiro;alm disso, deve mencionar-se a implementao de processos de produo fle-

    14. Instigada pela necessidade de dar cada vez mais sada a seus produtos, a burguesia percorre omundo inteiro. Necessita aninhar-se em todas as partes, estabelecer-se em todas as partes, criarvnculos em todas as partes. Mediante a explorao do mercado mundial, a burguesia deu umcarter cosmopolita produo e ao consumo de todos os pases (1985, 39).

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    xveis e multilocais, a desregulao das economias nacionais, a preeminncia dosorganismos financeiros multilaterais, etc. (Santos, 2003, pp. 170-173). Essesprocessos desenvolveram-se em todo o mundo, mas seus efeitos foram diferen-tes conforme os pases e as regies no sistema mundial. Parece impressionantea coincidncia das orientaes das polticas econmicas nacionais ou dasexigncias que se desferem sobre elas na base do consenso neoliberal. Assim,tambm segundo Santos, observa-se em toda parte uma abertura ao mercadomundial; polticas monetrias e fiscais orientadas reduo da dvida pblica eao combate inflao; uma privatizao do setor empresarial do Estado; umareduo do peso das polticas sociais no gasto pblico; e uma reduo destas amedidas compensatrias dirigidas aos setores mais pobres.

    Ao referirem-se aos aspectos sociais da globalizao, diversos autores doconta da emergncia de uma nova estrutura de classes, na qual se destaca umaclasse capitalista transnacional, cujo campo de reproduo o globo como tal(Santos, 2003, p. 173). Nas ltimas dcadas, alm disso, produziu-se umaprofundamento da desigualdade na distribuio da renda: um quarto da po-pulao mundial vive em condies de pobreza absoluta. Tambm se podemencionar a liberalizao do mercado de trabalho e a reduo dos direitostrabalhistas, que atinge somente os assalariados; alm disso, tambm se vemexpandindo a proporo de desempregados e marginalizados. Em suma, assis-timos a uma crise do contrato social (Santos, 2005, p. 21 e seg.) em que osmecanismos de excluso ultrapassam os de incluso.

    No que tange aos aspectos polticos da globalizao, houve recentementemudanas relevantes no sistema interestatal. Os Estados hegemnicos e os or-ganismos internacionais que eles controlam reduziram a soberania dos pasessemiperifricos e perifricos. Quijano (2000) chama a este conglomerado BlocoImperial Mundial, integrado pelos estados hegemnicos, pelos organismos decontrole da violncia (como a Otan) e das finanas internacionais (Banco Mun-dial, FMI, BID, etc.) e pelas grandes corporaes globais. Este bloco impe suasdecises sem haver sido eleito ou designado pelos demais estados do mundo,constituindo-se uma espcie de autoridade pblica mundial (2000, p. 9).

    De outro lado, tambm tiveram lugar vrios acordos polticos interestatais(Nafta, Mercosul, Unio Europia, etc.). Estes dois processos (Bloco ImperialMundial e espaos de integrao regional) tm impactos diferentes conformeos pases, mas, devido a eles, todos os Estados-Nao parecem em algumamedida haver perdido sua centralidade tradicional como unidade privilegiadade iniciativa econmica, social e poltica (Santos, 2003, p. 178). Assim, acabaafetada a capacidade dos Estados para conduzir ou controlar fluxos de pessoas,bens, capitais ou idias da mesma forma que haviam conseguido faz-lo nopassado.

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    Outra vez, impem-se as relativizaes: a capacidade estatal no se v redu-zida da mesma forma em todos os pases, conforme sejam hegemnicos,semiperifricos ou perifricos. Tambm se deve afirmar que esse impacto no sed da mesma forma em todos os mbitos de atividade. Em referncia aos paseslatino-americanos, Gudynas (2005) mostra como um Estado, inclusive dentrode um mesmo pas, pode combinar ao mesmo tempo uma presena muitodbil incapaz de garantir mnimos direitos cidados e intervenesmuito enrgicas para proteger empreendimentos orientados exportao egerenciados por empresas estrangeiras. Essa tendencial perda de centralidadedo Estado outro dos aspectos que claramente introduzem umadescontinuidade em relao ao passado, dado que, desde a fundao do siste-ma interestatal moderno, h quatro sculos, o poder do Estado no tinha feitooutra coisa mais que se expandir.

    As dimenses culturais da globalizao parecem ser ainda mais esquivaspara sua anlise. Outra vez seguindo Santos (3003, p. 187 e seg.), possvelperguntar se o que se designa como globalizao no deveria ser conceituadocomo ocidentalizao ou americanizao, pois evidente que so valores einstituies ocidentais os que vm se generalizando nas ltimas dcadas (indi-vidualismo, democracia poltica, racionalidade econmica, direitos humanos,etc.).

    Tambm se poderia refletir se a globalizao implica necessariamentehomogeneizao. Se os aspectos econmicos (consenso neoliberal) e polticos(perda de centralidade do ator estatal) apresentam forte unidade de efeitospara alm dos casos nacionais, no campo cultural o cenrio parece ser muitomais complexo. Pode se falar da recente emergncia de uma cultura global?Pelo menos desde o sculo XVI, a cincia, a economia, a religio e a polticaeuropias alcanaram um nvel de homogeneidade entre as diferentes culturasnacionais. Tambm se pergunta Santos se nos ltimos tempos no surgiramalgumas formas culturais originalmente transnacionais ou cujas origens nacio-nais apaream como relativamente irrelevantes (2003, p. 189). Ainda mais,no a promoo de uma cultura global um dos traos caractersticos do pro-jeto ocidental moderno e no tanto um fenmeno de recente apario?

    Para responder a estas perguntas, requerem-se investigaes detalhadas apartir de uma base emprica definida. Somente se pretendeu sublinhar o con-traste entre essa espcie de isoformismo institucional no econmico e no pol-tico e como ele pode coexistir muito bem com uma intensificao da afirma-o das diferenas e do particularismo (Santos, 2003, p. 188) no plano cultural.

    Pois, mesmo que a globalizao globalize, englobe e submeta entidades eacontecimentos de nveis muito diferentes, ela uma impressionante produto-ra de diferenas que sempre se expressam na esfera local. No seria concei-

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    tualmente correto falar da existncia de uma s globalizao, como um proces-so nico e homogneo, mas de globalizaes, no plural, que podem ser carac-terizadas conforme os diferentes atores e interesses que as impulsionam; o queem cada caso se globaliza; e que tipo de relaes estabelecem.

    Assim, a globalizao est distante de ser um fenmeno linear, monolticoe inequvoco; no se trata de um processo espontneo, automtico, inelutvele irreversvel que se intensifica e avana segundo uma lgica prpria (Santos,2003, p. 192). Na posio que aqui se defende, a globalizao efetivamenteproduzida e, em sua base, h dispositivos ideolgicos e polticos dotados deintencionalidades especficas (ibidem).

    As cincias sociais enfrentam-se faz algumas dcadas com um desafioepistemolgico novo: tendo construdo suas ferramentas bsicas sob as condi-es de uma poca de sociedades nacionais, vem-se confrontadas com o desafiode pensar uma sociedade global. Assim, na falta de conceitos precisos, costu-ma-se fazer uso de uma srie de metforas, tais como a aldeia global, a fbricaglobal, a torre de Babel, a nave espacial, etc. Ianni (1996, p. 4) desenvolveuma anlise a respeito destas e outras metforas, sustentando que elas pare-cem florescer quando os modos de ser, atuar, pensar e fabular mais ou menossedimentados se sentem comovidos15.

    A metfora da aldeia global pretende dar conta de uma espcie deapequenamento do globo pela mo da surpreendente transferncia de elemen-tos visuais, sonoros, informaes. E fornece a imagem de que estariam em cur-so a harmonizao e a homogeneizao progressivas (Ianni, 1996, p. 5). Tal-vez haja alguma verdade em tudo isso. Cadeias televisivas, agncias de notcias,a indstria do entretenimento, etc. evidenciam que estamos enlaados em al-guns nveis transnacionais sem precedentes. Contudo, sem dvida, a quartaparte da humanidade que vive com menos de dois dlares por dia participabastante pouco, defeituosamente16 ou nada desses consumos culturais globais.

    Ao introduzir relativizaes, pode-se reconhecer que no h tal coisa comoa globalizao, pois no h forma pela qual algum padro de poder possa ser detodo homogneo, sistmico, mecnico ou orgnico (Quijano, 2000, p. 19).O mesmo afirma Santos, para quem a globalizao um processo por meio doqual uma condio ou instncia local consegue estender seu raio de influnciaao longo do globo e, ao desenvolver esta ao, desenvolve a capacidade de de-signar como local a instncia ou condio social com a qual compete (Santos,2003, p. 86). Dado que h muitas formas distintas de realizar isso, Santos

    15. Ver tambm Ianni (1998).16. Parecem interessantes as referncias de Bauman (2000) a respeito dos pobres como

    consumidores defeituosos.

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    prefere falar de globalizaes, no plural, enfatizando justamente o carterconflitivo que elas tm (em cada uma delas h vencedores e vencidos), asublinhando o carter hegemnico ou contra-hegemnico que podem assumir.

    Em qualquer caso, importante reiterar que no se est fazendo meramentereferncia a processos nos quais o Estado uma mera vtima passiva de fenme-nos que escapam de seu controle. Nisso, necessrio estabelecer novamenteespecificaes. De uma perspectiva latino-americana, Lander fala inclusive domito da diminuio do papel do Estado na sociedade global contempornea(2002, p. 60), um mito que pode estar cumprindo um papel ideolgico deacobertamento de diferenas. Embora

    muitas das funes historicamente associadas idia de Esta-do[...] j no operem dentro dos limites dos espaos territoriaisdas naes [...], estes processos no significam necessariamenteuma reduo da funo estatal, pelo contrrio, podem ser ex-presso do deslocamento de funes e atribuies do Estadopara outras formas estatais supranacionais, sejam regionais outransnacionais. (Lander, 2002, p. 65).

    Da mesma forma, para Santos, a adaptao aos requerimentos do contextointernacional global supe reorganizar massivamente os dispositivos legais einstitucionais nacionais. Assim, afirma que essa desvinculao do Estado nopode ser obtida seno por meio de uma forte interveno estatal. Paradoxal-mente, o Estado deve intervir para deixar de intervir, ou seja, tem que regularsua prpria desregulao (2003, p. 181).

    A desconverso do social estatal-nacional de baixo e de dentro:a comunidade

    Cabe agora considerar outros processos que operam de baixo e de dentro doespao do estado-nacional social e que esto ligados a uma reinveno da co-munidade, atualmente em curso17.

    Para diz-lo esquematicamente, a reinveno da comunidade d-se por meiode um duplo jogo, em que se observar outra vez que no se trata de pensar oEstado como uma mera vtima passiva de fenmenos que no pode comandar.Assim como a globalizao no implica somente um processo inelutvel peran-te o qual os Estados tm necessariamente que se dobrar, globalizando-se, tam-

    17. Para isso, foram consultados (embora no exclusivamente) diversos trabalhos da perspectiva tericaque se conhecem como estudos sobre governamentalidade (governmentality studies), de inspiraofoucaultiana. Veja-se, por exemplo, Rose (1996; 1997; 1999) e Dean (1999). Uma introduogeral e em castelhano a esta perspectiva analtica pode ser encontrada em de Marinis (1999).

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    bm nos processos de reinveno da comunidade podem ocorrer situaes si-milares. Nelas, o Estado pode, por um lado, ser um agente ativo na inveno,constituio ou promoo de comunidades e, em outros casos, deve respondera iniciativas e a demandas de carter comunitrio que estas (ou outras) comu-nidades lhe fazem de baixo. Em qualquer dos casos, continua sempre estandopresente um esforo de economizao de meios de governo por parte do Esta-do, porm no s com a finalidade de retirar-se e desobrigar-se das incumbn-cias que at ento lhe eram inerentes, mas para governar mais e melhor18.

    Assim, tem lugar uma srie de iniciativas de um Estado adelgaado, queconstroem comunidades como objeto especfico de algumas polticas de gover-no as quais, longe de manter as velhas tendncias universalistas outrora domi-nantes, tornam-se crescentemente focalizadas e particularistas. O Estado esti-mula a prudncia dos atores (OMalley, 1996), convoca ao ativismo e participaoe incita assuno de crescentes e diversificadas responsabilidades por partedas comunidades na criao, definio e gesto de seus prprios destinos econdies de existncia. Tudo isso ocorre sem apelar linguagem da cidadaniasocial que impregnou durante dcadas o discurso estatal. A interpelao reali-za-se diretamente s comunidades que passam a ser concebidas como as moda-lidades predominantes de agregao de sujeitos. As novas tecnologias de gover-no neoliberais tendem a governar atravs da comunidade (Rose, 1966).Inclusive nas atividades mais supostamente sociais que ainda se fazem, como oschamados programas de combate pobreza, enquanto se chama a romper coma apatia que havia gerado a providencialidade supostamente dadivosa do Estadode Bem-Estar, tambm se apela s capacidades auto-reguladoras dos indivdu-os e das comunidades. Assim, o apelo participao dos mesmos governadosinscreve-se com maisculas nesses programas19.

    Porm, alm disso, h outra direo neste processo e justamente a queprocede de baixo. Neste caso, trata-se de indivduos, agrupamentos, famlias,tribos (Maffesoli, 1990) que constroem suas identidades particulares, recor-tadas e especficas sobre a base de atributos mais ou menos identificveis evinculadas, por exemplo, crena religiosa, etnia, orientao sexual, ida-de, a alguma forma de consumo cultural, ocupao ou profisso, condiode gnero, disparidade, condio de sobrevivente ou de familiar de vtimade violaes aos direitos humanos, insero em uma localidade, etc. Essas

    18. Talvez convenha aclarar que governar mais e melhor no tem necessariamente a ver comgarantir mais firmemente os direitos cidados.

    19. Trata-se muitas vezes de uma noo muito limitada de participao que costuma apontar apenas gesto ativa e responsvel de sua prpria misria pelos prprios governados. Cf. de Marinis(2005b), quando reflete criticamente sobre o participacionismo no governo da inseguranaurbana.

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    comunidades organizam suas ocupaes vitais, manifestando uma renovadanfase sobre os contextos micromorais de suas experincias, em detrimento doscada vez mais distantes, abstratos e vazios conceitos de cidadania social, nacio-nalidade ou classe social.

    Em sntese, o jogo duplo e revela importantes transformaes nas prticasde governo: o Estado j no apela, pois no mais se dirige ampla e ostensiva-mente ao conjunto da sociedade, ou seja, ao conjunto de cidados de umanao politicamente regulada por ele (como aconteceu at a poca do Estadode Bem-Estar), mas dirige-se diretamente a algumas comunidades especifica-mente recortadas, cuja constituio promove e fortalece e cuja participao emtarefas de governo convoca; do outro lado, as comunidades se (auto) ativampara moldar seus perfis identitrios, recri-los por meio de diversidade de pr-ticas e articular suas demandas a autoridades de diversos tipos.

    Assim, novas identidades emergem, ou velhas identidades so fortementeressignificadas: o vizinho deste ou daquele bairro ou cidade; o consumidor detais ou quais bens ou servios; o usurio de algum programa de poltica pbli-ca. Mesmo quando pode continuar sendo invocada, ressente-se ou transtorna-se a histrica figura do cidado. Em alguns casos, cai-se ou se arremessado,simplesmente, em determinada comunidade, sem demasiadas opes de esco-lha ou resistncia. Em outros casos, a adeso comunidade implica operaescomplexas e construtoras de identificao dos que so como todos e, de talforma, quando o contexto social mais amplo se torna crescentemente frio, dis-tante, hostil, a comunidade converte-se na forma mais adequada de estar chezsoi, um lugar no qual nunca somos estranhos uns para os outros (Bauman,2003, p. 8). Sobretudo nesses casos mais ou menos eletivos, porm tambmem outros mais ou menos compulsivos, no seio dessas comunidades manifesta-se uma espcie de reaquecimento dos vnculos, porm, de um tipo fundado norecolhimento da prpria territorialidade comunitria, sem referncias a totali-dades mais amplas de tipo societrio nas quais se pode incluir (no caso dascomunidades dos que perderam) ou nas quais se deseja participar (no casodas comunidades dos que ganharam)20.

    Retomando os argumentos do segundo item deste trabalho, possvel afir-mar a boa sade da comunidade; nesse sentido, a temerosa suposio dos soci-logos clssicos de que a Gesellschaft pudesse terminar acabando com todos oscontextos clidos de interao prxima, cara a cara e comprometida afetivamente,no se verificou na realidade. A comunidade continua gozando, de fato, de boasade.

    20. A figura os que perderam versus os que ganharam esquemtica, porm muito plstica paradescrever processos de fragmentao e polarizao social como os atuais. (Cf. Svampa, 2001).

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    Porm, tem sentido continuar usando o termo comunidade quando se ma-nifesta tal diversidade emprica de comunidades realmente existentes, ou seja,quando comunidade parece ser o nome que se pode dar a qualquer tipo deagrupamento humano? Continua sendo de utilidade recorrer a este conceitosociolgico que, de Tnnies em diante, experimentou tal reviravolta semntica?

    Estas interessantes perguntas no sero abordadas neste artigo, porm tra-ta-se de sublinhar a extraordinria persistncia da comunidade (ou do desejoou da necessidade da comunidade) no discurso contemporneo. No h prati-camente nenhuma forma de ao coletiva que em algum momento no recorraa alguma frmula de marca comunitria para recrutar novos membros e definirseus planos de ao, desde coletivos de trabalhadores desempregados que rei-vindicam assistncia do Estado at vizinhos de classe mdia que exigem prote-o policial. No existe quase nenhum programa estatal que prescinda do usode um vocabulrio ou um jargo de marca comunitarista para a definio deseus targets de governo, desde a preveno comunitria do delito at a ateno diversidade das diferentes comunidades educativas.

    Neste sentido, se o termo vai continuar sendo utilizado, ser necessrioespecificar de qual comunidade se trata. Hoje, como ontem, continua sendoinerente aos membros de uma comunidade essa sensao de estar mais oumenos juntos e avanar (ou retroceder) em caminhos comuns de ao sobre abase de certos traos compartilhados (interesses, gostos, riscos, perigos, incli-naes, orientaes ticas ou estticas, afeies, etc.). Em qualquer caso, im-pe-se estabelecer precises sobre as enormes diferenas que, grosso modo,podem se vislumbrar entre as velhas comunidades pr-modernas e as dacontemporaneidade, prprias de uma poca decididamente ps-social21.

    As velhas comunidades eram de inscrio compulsiva. Ao contrrio, as no-vas comunidades esto marcadas por uma espcie de vontade de escolha e tmum cheiro liberdade, ao pr-ativa ou reativa diante das contingncias deum mundo cujos riscos devem ser assumidos individualmente ou no marco decomunidades prximas22.

    Em segundo lugar, a temporalidade. As velhas comunidades enraizavam-seem um passado ancestral que reenviava a alguns mitos fundacionais e eramconsideradas, em princpio, eternas. Porm, as comunidades do presente ca-racterizam-se por sua no-permanncia, por sua evanescncia, por ser apenasat novo aviso, at que satisfaam as necessidades pelas quais surgiram, ou atque percam sua capacidade de manter vivas as motivaes de seus membros.

    21. Esse inventrio de diferenas desenvolvido com maior datalhamento em de Marinis (2005a).22. Tambm certo que existem muitas comunidades muito parecidas com prises, mas com

    territrios a explorar em cursos de ao livres de ataduras.

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    Em terceiro lugar, o territrio. A velha comunidade era a comunidade doterritrio, era-lhe inerente a co-presena. Muitas das comunidades atuais esto(ou so) desterritorializadas, no requerem a co-presena, podendo ser, inclusi-ve, virtuais.

    Em quarto lugar, a velha comunidade era o reino do Uno e somente sepodia pertencer a ela; em troca, as novas comunidades so plurais: os indivdu-os podem aderir a muitas delas ao mesmo tempo, entrar e sair, porque assim odesejam ou porque so expulsos. Os indivduos desenvolvem e encenam ape-nas parte do que so e cada uma das partes pressupe uma pluralidade derequisitos normativos perante os quais devem desempenhar-se23.

    Para concluir estas comparaes: as velhas comunidades constituam umatotalidade orgnica; alis, tratava-se de um todo sem maiores divises interio-res. As novas comunidades estabelecem um arquiplago de partes sem todo,sem borda exterior, sem continente. A sociedade, como realidade e como con-ceito, parece perder a capacidade de construir esse todo, que alguma vez foi, noqual essa pluralidade de comunidades explodidas pudesse estar includa.

    Concluses: globalizao, comunidade, educao

    O velho espao do social estatal-nacional experimenta desde h umas trsdcadas uma forte corroso em seus fundamentos. Globalizao e comunidadeesto na base desta transformao. Neste contexto, no por acaso que osdiversos dispositivos que desempenharam, em sua poca, um papel fundamen-tal no processo da inveno do social estejam atravessando uma profundacrise, das quais se devem destacar as mudanas recentes que vivem os sistemaseducacionais nacionais. Para concluir este trabalho, sero apresentadas algu-mas reflexes (tentativas, fragmentrias) do papel que desempenham neste pro-cesso globalizao e comunidade24.

    Os Estados assumiram uma tarefa ativa e estratgica na hora de instituirseus sistemas educacionais nacionais. Em muitos casos (com variaes interes-santes conforme os pases) privilegiou-se um formato que consistiu numa au-toridade educacional centralizada, relaes hierrquicas normativamente regu-ladas entre os diferentes estamentos do sistema, a burocratizao comomodalidade organizacional predominante e uma orientao poltico-ideolgi-ca eminentemente moralizadora das populaes.

    23. Talvez Deleuze (1995) tenha feito referncia a isto com seus conceitos de divduo e modulao.24. Em de Marinis e Graizer (2004) apresentaram-se alguns destes argumentos, num trabalho

    orientado discusso das reformas educacionais na Argentina dos anos 1990, porm, suasconcluses podem ser estendidas para outras latitudes.

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    Os sistemas educacionais foram constitudos, em geral, como uma pirmi-de hierrquica. Na cpula, uma autoridade educacional nacional ocupou olugar de fbrica principal de governabilidade, traando as margens de atuaopara todo o sistema. Nos estratos mdios, uma srie de instncias de poderregionais e locais, inspetores, etc., com suas relaes recprocas com os atoressuperiores e inferiores, normativamente pautadas, estandardizadas, burocrati-zadas. Na base, as escolas, com seus docentes e alunos, ofereciam o ponto decontato do sistema com as populaes.

    Em alguns pases como Argentina, onde a diversidade sociocultural daspopulaes foi importante, mas tambm em outros lugares com conformaestnicas diferentes, os sistemas educacionais assumiram desde seu incio umamisso civilizadora e normatizadora. Dessa forma, impulsionaram alguns me-canismos que em alguns casos tiveram bastante eficcia, principalmente osorientados a alcanar a integrao social e nacional, impulsionando a mobili-dade social ascendente, transmitindo uma lngua e alguns smbolos funda-mentais de nacionalidade. Puderam, assim, constituir-se como dispositivosuniversalistas de produo do social, de homogeneizao e aplainamento dediferenas sociais e culturais, de disciplinamento do corpo individual e deregulao das populaes, de uniformizao de modos de vida, de distribuiomassiva de competncias e saberes relevantes para a vida coletiva. Esse esquemapiramidal manteve sua vigncia por longo tempo, apesar das numerosas trans-formaes ocorridas.

    A partir dos anos 1980 e particularmente desde os anos 1990, em diversospases latino-americanos disparou-se uma srie de reformas dos sistemas edu-cacionais, as quais colheram uma diversidade de impulsos e influncias, entreeles as crticas vindas de perspectivas ideolgicas muito distintas que previa-mente foram descarregadas sobre os sistemas. Tais crticas incluram desde de-nncias contra a marca autoritria do sistema educacional, realizadas por seto-res de esquerda e progressistas, at preocupaes estritamente oramentrias,animadas pela mera necessidade de reduzir o gasto pblico25. Em qualquercaso, as reformas conseguiram instalar um novo cenrio no qual ainda hoje nosencontramos. Vrias das tendncias fundacionais dos sistemas educacionaisforam questionadas pelas reformas; em outros aspectos, embora no parea,houve enormes continuidades.

    Para s mencionar algumas daquelas crticas: rechao das escolas a seu am-biente comunitrio mais prximo; carter velho dos contedos curriculares e

    25. A apropriao em cdigo neoliberal das crticas ao sistema educacional provenientes da esquerdaest muito bem tematizada por da Silva (1995). Tambm por Rose (1997), embora em umcampo muito mais amplo do que o educacional.

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    das metodologias de ensino; desprofissionalizao do trabalho docente; rigidezburocrtica; excessiva centralizao das decises; escassez de informao confivelsobre o funcionamento do sistema; escassa incorporao das novas tecnologiaspela escola; homogeneizao aplainadora de diferenas; ausncia de vinculaocom o mundo do trabalho; etc. As reformas, por sua vez, orientaram-se pordefrontar todos esses problemas de uma vez, conseguindo impor nas mentali-dades dos atores uma espcie de novo senso comum educacional, construdoem torno de um punhado de novas palavras-chave: descentralizao, flexibili-dade, abertura comunidade, democratizao, profissionalizao, accountability,gesto, diversidade, etc.26.

    No se pretende avaliar aqui o impacto destas reformas. Apenas se pretendeconectar os temas educacionais desta seo do artigo com os temas terico-sociolgicos que foram apresentados nas sees anteriores (desconverso do so-cial-estatal nacional, globalizao e comunidade). Isto ser apresentado na for-ma de argumentos que pretendem sugerir, modestamente, algumas possveisdiscusses para a agenda do debate terico e da pesquisa emprica em educa-o27.

    Partir-se- da seguinte pergunta: se os sistemas educacionais foram consti-tudos em uma poca de auge do que chamamos aqui o social estatal-nacional,o que pode ocorrer com esses sistemas na atualidade, quando esta configuraose desconverte, confrontada de cima e de baixo pela globalizao e pelareinveno da comunidade?

    1) Muito longe de haver se retirado, o Estado nacional cumpriu um ativopapel no desenho e na implementao das reformas dos sistemas educacionais,to importante como o que havia desempenhado nos tempos de sua fundao.Parafraseando outra vez Santos, o Estado foi um ator preponderante nadesregulao de seus prprios mecanismos de regulao da educao. Um bomexemplo disso so os processos de descentralizao dos servios educacionaisdas instncias estado-nacionais para as instncias inferiores, processos que fo-ram realizados em geral de cima, e no como resposta a demandas ou exignci-as de baixo. Existem diferentes tipos de descentralizao, animados por prop-sitos tambm diferentes. Uma coisa uma descentralizao que empodera28

    26. No casual que sejam estas mesmas palavras que desembarcaram em campos muito distintosdo educacional. Tampouco casual que se trate de palavras que tm ressonncias em geralpositivas, com as quais dificilmente se pode estar em desacordo.

    27. No se pretende que os temas sejam novos, embora talvez possam s-los os pressupostostericos dos quais se parte aqui.

    28. O termo no muito feliz, mas aqui se utiliza porque faz parte da discursividade educacionalvigente, na forma de uma traduo literal do verbo ingls to empower ou do substantivo empowerment.Algumas reflexes interessantes sobre o conceito de empowerment podem ser lidas em Cruikshank(1996).

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    efetivamente as instncias inferiores e outra, bem diferente, um processo dedelegao e transferncia (conservando, por sua vez, importantes instrumentosde poder nas instncias centrais), sem contemplar de forma acabada a disponi-bilidade de recursos que tornem vivel a descentralizao, mantendo nveisadequados de financiamento e qualidade dos servios.

    2) Para alm desses processos de delegao e transferncia aparente de po-der, o Estado ocupa ainda um lugar relevante em questes de educao, semanular nem tampouco minimizar seu poder, mas reconfigurando-se diante denovas formas, definveis por meio de palavras-chave como pluralizao de ato-res de governo e economizao de meios de governo29.

    3) Com efeito, pluralizao indica que, junto aos tradicionais atores esta-tais-nacionais, aparecem outros atores no necessariamente novos, porm queat ento no tinham estado diretamente implicados no governo da educao.Alm disso, isto significa que os velhos atores tm necessariamente que redefinirsuas tarefas em relao queles. De outro lado, economizao, que anda de modada com pluralizao, significa que o Estado deixa de investir, compartilha,delega, transfere pores de seu poder, conservando-o em alguns meios estrat-gicos. Este processo, chamado por alguns autores como recentralizao, longede habilitar os nveis locais para o exerccio autnomo de seu prprio governo,em geral terminou por reforar a modalidade de controle e governo centralizadorpreviamente existente (Tiramonti, 1988).

    4) Em qualquer caso, o velho esquema piramidal do sistema educacionalcambaleia porque supunha um ator estatal unificado, onipresente, massivo ecoerente. Agora, no governo da educao intervm um complexo conglomera-do integrado (como sempre) por elementos da burocracia estatal, porm tam-bm por muitos outros atores30.

    5) Em lugar de destaque entre esses atores, poderiam ser mencionados di-versos organismos internacionais, tanto de carter financeiro (por exemplo, oBID), como os vinculados ao sistema Naes Unidas (como o PNUD). Elestm tido crescente interveno em questes educacionais, seja por meio deemprstimos, seja por meio da assistncia tcnica que costuma acompanh-los.Isso conecta estreitamente os temas educacionais (que at h relativamentepouco tempo constituam questes de poltica interior) aos fenmenos vincu-lados globalizao que foram discutidos anteriormente.

    29. Esses conceitos foram tomados de diversos trabalhos que pertencem perspectiva terica dosgovernmentality studies, a qual j foi mencionada mais acima (ver nota 16).

    30. A questo da diversificao de atores nos mbitos que Bernstein (1998) definiu como campo derecontextualizao oficial e campo de recontextualizao pedaggico foi retomada em diversostrabalhos de Graizer (por exemplo, 2003 e no prelo).

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    6) Tambm adquiriram um novo papel as universidades pblicas e privadasque nos ltimos anos se envolveram, de maneira mais marcante que antes, emdiferentes tarefas vinculadas ao desenho e implementao da reforma educa-cional (reconverso e capacitao docente, organizao de ciclos de comple-mentao curricular, etc.), assim como na elaborao de estudos diagnsticos.

    7) Tambm importante o lugar que alguns think tanks e fundaes vmocupando. Eles tm colaborado no apenas com os conhecimentos produzidosem suas pesquisas, mas tambm com seus prprios quadros tcnico-polticos,analistas simblicos e consultores, para integrar-se diretamente tanto nos gabi-netes educacionais como em outras reas de governo31.

    8) Um papel significativo desempenharam as empresas editoriais de livrosde texto e de outros materiais escolares, chegando inclusive a influir de manei-ra indireta na definio de contedos curriculares oficiais.

    9) Os mencionados processos de descentralizao e a implementao dasreformas em nveis estaduais e municipais outorgaram um renovado papel srespectivas direes polticas.

    10) Em suma, assistimos constituio de um novo diagrama de poder noque diz respeito s questes educacionais, com uma pluralizao de atoresintervenientes para dentro do sistema, com uma forte ingerncia externa defora dele, porm dentro do espao nacional, e tambm, inclusive, de fora doprprio espao nacional. O cenrio educacional, anteriormente ocupado demodo quase excludente por docentes, pedagogos e burocratas ministeriais, co-meou a encher-se aos poucos de figuras que at no muito tempo eram consi-deradas extra-educacionais: economistas e consultores, dirigentes polticos,agentes do mercado, funcionrios internacionais, etc.

    11) Dito de maneira sucinta, sob o velho diagrama de poder, o Estado noatendia demanda educacional da sociedade, mas simplesmente encarregava-se de administrar a oferta, definindo de cima abaixo em que devia consistir e aquem e de que forma devia alcanar32. O correlato de suas intervenes era emmaior ou menor grau uma sociedade de cidados, que se pretendia homognea eunificada, embora nunca o tenha sido de todo. Em qualquer caso, a marca oua orientao dominante dessas intervenes estatais em educao era decidida-mente homogeneizante e normatizante.

    31. Devido a isso, boa parte das equipes dirigentes da educao argentina dos ltimos anos procededestes espaos, inclusive o atual Ministro de Educao da Nao. Uma caracterizao geral dosperfis do analista simblico como uma personificao possvel da relao entre conhecimentoe poltica pode ser encontrada, entre outros no pioneiro trabalho de Reich (1993). Vejam-setambm as reelaboraes que realizaram, entre outros, Aronson (2001), Braslavsky/Cosse(1996), Brunner (1993), Tenti Fanfani (1994), Camou (1997), Centeno/Silva (1998).

    32. Isso, independentemente da importncia da educao de gesto privada que em diferentespases teve grande peso desde muito antes que esses processos aqui descritos tivessem lugar.

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    12) Em contraste, no esquema de poder emergente, o Estado deixou de tercomo correlato uma sociedade homognea, ou seja, aquele velho espao socialque outrora esteve mais ou menos unificado e soldado por um conjunto designificaes simblicas mais ou menos compartilhadas por diversos grupossociais, cujo prprio sistema tinha a misso de difundir e inculcar. Com o queo Estado se defronta agora uma sociedade polarizada, fragmentada, atravessa-da por fraturas de difcil recomposio. Esses diversos fragmentos nos quaisficou dividida a experincia vital recebem amide o nome de comunidades, ouassim se identificam eles mesmos na hora de perfilar suas identidades e deestabelecer suas demandas (tambm as educacionais).

    13) Dadas as crescentes diferenas de posse de capital econmico, social,cultural e simblico que cada comunidade pde acumular previamente, juntocom a noo de sociedade, destroa-se inclusive a prpria noo de sistemaeducacional. Em um sentido raso e convencional, sistema remete a um todocom partes integradas, reciprocamente interdependentes e interpenetradas.Porm, atualmente, parecem perfilar-se antes uma srie de circuitos educacio-nais fortemente diferenciados, com diferentes velocidades e qualidades que di-ficilmente se consolidam em um nico sistema, integrado e unificado, embo-ra, ao menos em um sentido formal, este continue existindo.

    14) Mesmo diante da evidncia crescentemente consolidada da existnciadesses circuitos educacionais heterogneos e incomensurveis, o Estado conti-nua sustentando um discurso homogeneizador e nivelador de condies soci-ais. No se conhece Estado no mundo que possa renunciar a faz-lo, ao menosabertamente. Entretanto, parece orientar suas preocupaes prioritrias que-les que vivem em comunidades que ocupam espaos perifricos de sociabilida-de, para aqueles que no podem enfrentar por si mesmos suas prprias opes,escolhendo no mercado o que consideram mais adequado, tendo em vista oque percebem como um futuro crescentemente competitivo, no qual deveroviver seus filhos e para o que a seus olhos parece imperioso municiar-se.

    15) Isto que aqui se est postulando em referncia estrita a questes educa-cionais poderia perfeitamente ser transportado para outros campos da experi-ncia vital atual dos indivduos e suas famlias, para os quais (tanto ou mais doque para o campo educacional) os bens ou servios, que anteriormente tinhamcarter social ou eram providos de maneira pblica, mercantilizaram-se de modosignificativo. Mesmo assim, algumas comunidades podem encontrar no mer-cado aquilo que usam para satisfazer suas necessidades; um mercado que, almdisso, revelou-se muito flexvel na diversificao de suas ofertas, graas a ummarketing refinado que consegue identificar claramente os diversos nichos deconsumidores ou clientes.

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    16) Na poca em que os mecanismos de integrao social (tambm os queo prprio campo educacional mobilizava) conservavam ainda certa vigncia,vrias perspectivas crticas haviam-nos denunciado, fazendo referncia a seucarter autoritrio, aplainador irrestrito das diferenas. Alm disso, tambm sequestionava que, por trs desse aparente igualitarismo sociocultural, o que ha-via na realidade eram alguns mecanismos de opresso e de promoo do con-formismo e da apatia. Apoiando-se em parte naquelas crticas, emergiram pos-teriormente palavras de ordem tais como ateno diversidade, um slogan quecirculou profusamente nos ltimos tempos no debate educacional e com oqual, em princpio, como com tantos outros termos que circulam hoje, nocusta nenhum esforo simpatizar.

    17) Tais tipos de palavras de ordem so interessantes para a anlise porqueesto atravessadas por profundas ambivalncias. De um lado, na mesma linhaque haviam esboado anos antes as perspectivas crticas e contratuais do siste-ma educacional, palavras de ordem dessa natureza podem implicar uma posi-o decididamente emancipatria, impulsionada justamente pelas reivindica-es particularistas de certas comunidades que exigem sejam atendidos demaneira especfica seus direitos tambm especficos, respeitando suas culturas,suas tradies, suas necessidades. Porm, tambm podem ter como resultadoprtico a conteno, o encurralamento de certas outras (ou das mesmas) comu-nidades em espaos perifricos e degradados de sociabilidade, longe de qual-quer noo que implique um registro substantivo de cidadania, como quer queseja definida.

    18) Dessa forma, assistimos a uma forte tenso entre demandas de sinaiscontrapostos. De um lado, diversos atores sociais e polticos continuam apre-sentando suas reivindicaes de um tratamento igual para populaes desi-guais e o fazem invocando e partindo de uma noo universalista de algunsdireitos de cidadania social que, de sua perspectiva, devem necessariamente sergarantidos pelo Estado. Por outro, aparece outro tipo de posies para as quaiso que se exige um tratamento desigual para populaes desiguais. Neste caso,o panorama muito mais difcil de caracterizar porque engloba posies bemdiferentes que pouco ou nada podem ter em comum: de um lado, esto aque-les que sustentam posies particularistas de defesa dos direitos de uma cida-dania diferenciada (tal o caso, por exemplo, de certas comunidades e movi-mentos sociais). Porm, tambm esta posio pode muito bem ser sustentadapor posies abertamente favorveis a solues de mercado, ou seja, posiespelas quais se pretende reconverter os direitos de cidadania em direitos parti-culares de um determinado tipo de consumidores ou clientes que defendemcom unhas e dentes a liberdade de escolha que restringida pela prepotnciaestatal.

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    19) Isso projeta fortes dilemas, quase uma armadilha, para aqueles que pre-tendem sustentar posies crticas e emancipatrias, embora convenientemen-te remoadas para afrontar as problemticas do presente. Por isso, necessrioadvertir que qualquer das perspectivas esboadas no ponto anterior encerragraves perigos. A reivindicao irrestrita da igualdade poderia conduzir a umaplainamento autoritrio das diferenas culturais, como aquela que de fatoconduziu no passado tendncia homogeneizadora do sistema educacional eque foi por isso, em seu momento, justamente criticada. De outro lado, aveemente reivindicao da diferena poderia conduzir tambm a uma situaode carter marcadamente anmico e anti-solidrio, terreno mais que propciopara que se desatem tendncias sobrevivncia do mais apto, posto que nemtodas as comunidades se encontram nas mesmas condies de formular de-mandas ao Estado e de faz-las valer ou de satisfazer autonomamente suasprprias necessidades. Como fazer, nesse contexto, para imaginar um mundoonde possamos ter direito a ser iguais cada vez que a diferena nos inferioriza33?

    20) Comunidade e globalizao no so em si mesmas palavras inocentes,porm, nem por isso deveriam ser demonizadas ou louvadas de maneira incon-dicional. Trata-se de fenmenos produzidos, impulsionados por racionalidadespolticas variadas. Os diversos grupos sociais lutam por impor-lhes determina-da conotao diante de outras possveis e por dar-lhes determinada orientao.Por isso, a direo que todas essas tendncias possam tomar est, em princpio,aberta extrema contingncia das lutas sociais.

    21) Sem hastear pretenses iluministas ou vanguardistas, talvez seja a ima-ginao sociolgica um apoio importante para a caracterizao do cenrio atuale tambm um relevante estmulo para uma imaginao poltica mormenteempobrecida e degradada para a tarefa, de curto prazo, de tapar buracos. Umaimaginao poltica que, mais que a nostlgica reabilitao dos tempos irreme-diavelmente perdidos (como lamentavelmente acontece em boa parte do cam-po crtico do neoliberalismo), poderia assumir o desafio de imaginar novosespaos-tempos para contribuir com a reinveno da cidadania, da democra-cia, da comunidade e da emancipao.

    (Buenos Aires, julho de 2007)

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    33. As frases entre aspas pertencem a Santos (apud de Marinis, 2005c, p.11

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