giorgio agamben - o que é o contemporâneo e outros ensaios.pdf

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Assocfaçlo BrasileIra • das EdItoras Unlversltárlas I " . Giorgio Agamben o que é o contemporâneo? e outros ensaios Tradução Vinícius Nicastro Honesko 2 8 Reimpressão-20IO edllora da Unochapecõ Cbapecó,2010

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Page 1: Giorgio Agamben - O que é o contemporâneo e outros ensaios.pdf

Assocfaçlo BrasileIra •das EdItoras Unlversltárlas

I

"

. Giorgio Agamben

o que é o contemporâneo?e outros ensaios

Tradução Vinícius Nicastro Honesko28Reimpressão-20IO

edllora da Unochapecõ

Cbapecó,2010

Page 2: Giorgio Agamben - O que é o contemporâneo e outros ensaios.pdf

::.

~ 2008 nouetempo srlTitulo original: Che cos'e il contemporaneo?~ 2006 nouetempo srlTitulo original: Che cos'e un dispositivo?@ 2007 nouetempo srlTitulo original: L'amico@ 2009 da tradução brasileira: Editora ArgosEste livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem

autorização escrita do Editor.

Sumário

r.-/)UNOCHP.PECO

REITOR: Odilon Luiz PoliVICE-REITOR DE PESQUISA, EXTENSAOE POS-GRADUAçAO: Claudio Alcides Jacoski

VICE-REITOR DE ADMINISTRAÇAO: Sady MazzioniVICE-REITORA DE GRADUAçAO: Maria Luiza de Souza Lajús

320.01A259q

Agamben, GiorgioO que é o contemporâneo? e outros ensaios 1 Giorgio

Agamben; [tradutor Vinicius Nicastro Honesko]. -Chapecó, SC: Argos, 2009.

92 p.

Apresentação I7O que é um dispositivo? 125

O que é o contemporâneo? 155O amigo 177

Tradução de: Che cos'e il contemporaneo?Che cos'e un dispositivo?L'amico

CDD 320,01

Catalogação Daniele Lopes CRB 14/989Biblioteca Central Unochapecó

1. Ciência politica - Filosofia. 2. Filosofia italiana.

I. Titulo.

ISBN: 978-85-7897-005-5

.dl1oro do Unochopec6

COJ'selho Editorial: Elison Antonio Paim (Presidente); Antonio Zanin;Arlene Renk; Claudio Alcides Jacoski; Darlan Christiano Kroth; Edilane Bertelli;lône Inês Pinsson Slongo; Jacir Dal Magro; Jaime Humberto Palacio Revello;

Leonardo Secchi; Maria dos Anjos Lopes Viella; Mauro Dali Agnoll;Neusa Fernandes de Moura; Valdir Prigol; Paulo Roberto Innocente;

Ricardo Brisolla Ravanello; Rosana Badalotti

Coordenador: Valdir Prigol

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..•.~.

o que é um dispositivo?l

1 Giorgio Agamben apresentou uma primt:ira versão deste ensaio como)uma das conferências que realizou no Brasil em setembro de 200S; uma'dessas conferências foiproferida na Universidade Federal de Santa Catarina.O autor cedeu o texto da conferência, que foi traduzido do originai emitaliano por Nilcéia Vadati, para a edição do númeroS da Revista OutraTravessia,cujo 'título é A exceção e o cx:cesso.Agamben&BataiJ/e,~i.-zado em comemoração pela passagem do ffiósofo italiano por aquelauniversidade.

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-

1.As questões terminológicas são importantes na

filosofia. Como disse uma vez um filósofo peio qualtenho o maior respeito) ~ o momen-

\

to 'poético do pensamento. Isso não significa que osfilósofos devam necessariamente a todo instante de-finir os seus termos técnicos. Platão nunca defi-niu o mais importante dos seus termos: ideia. Ou--tros) ao contrário) como Spinoza e Leibniz,preferemdefinir more geom~!Jjco as suas terminologias.

A hi ótese que retendo ro or-lhes é ue apalavr~;pósitivo» eja um termo técnico decisivo--- ..."-n~ estratégia do pensamento de Foucault. Ele o usacom frequência) sobretudo a partir da metade _4.9sanos setenta.! qu~~do começa a se ocupar daquilo

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que chamava de "governabilidade" o~._9-e"governodos homens': Embora nunca tenha elaborado propria-mente a definiÇão,ele se aproxima de algo como umadefinição numa entrevista de 1977:

Aquilo que procuro individualizar com este nomeé, antes de tudo, um conju!1to absolutamente he-terogêneo que implica discursos, instituições, es-truturas arquitetônicas, decisões regulamentares,leis, medidas administrativas, enunciados científi-cos, proposições filosóficas, morais e filantrópicas,em resumo: tanto o dito como o não dito, eis oselementos do dispositivo. O dispositivo é a rede~e se estabelece entre estes eIemento~ [...][... ] com o termo dispositivo, compreendo umaespécie - por assim dizer - de formação que num

'{certo momento histórico teve como função essen-cial responder a uma urgê~çia. O dispositivo te~,portanto, uma função emmentemente estratégIca[...]Disse que o dispositivo tem natureza essencialmen-te estratégiql, que se trata, como conseqüência, deuma certa manipulação de relações de força, de

\

uma intervenção racional e combinada das relaçõesde força, seja para orientá-las em certa direção, seja

, para bloqueá-las ou para fIXá-las e utilizá-las. Q..dispositivo está sempre inscrito num jogo de go-

l)der e, ao mesmo tempo. sempre ligado aos limites

(~ do$r, que deriva~ desse~, na .~esma med!da,condicIOnam-nQ. AsSIm, o diSPOSItiVOé: um con-junto de estratégias de relações de força quecondicionam certos tipos de saber e por ele sãocondicionados. (Dits et écrits, v. IH, p. 299-300).

Resumamos brevemente os três pontos:a. É um conjunto heterogêneo, linguístico e

não-linguístico, que inclui virtualmente qualquercoisa no mesmo título: discursos, instituições, edifí-cios,leis:me~dãSde ~olicia,:eões filosóficasetc. O dISPOSItiVOem SI mesmá' ~ue se esta.-belece entre esses elementos.--_._ ..

b. O dispositivo tem sempre uma função estra-l (tégica concreta e se inscreve sempre ~uma relação de \poder. ~

c. Cº-..rnotal, resulta do cruzamento de relaçõesde poder e de relações de saber.

2.Gostaria agora de tentar traçar uma sumária "

(jgenealogia deste termo, inicialmente no interior da,)obra de Foucault e, posteriormente, num contexto 'j'

histórico mais amplo.No final dos anos sessenta, mais ou menos no

momento em que escreveA Arqueologia do saber, paradefinir o objeto de suas pesquisas Foucault não usa otermo dispositivo, mas o termo, etimologic3rmenteJpróximo, "positivité'~também desta vez sem defini-lo.

Frequentementeme perguntei onde Foucaulttinhaencontrado este termo, até o momento em que, não

... -_._" ..__ ."-~ ..,-

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muitos meses atrás, reli o ensaio de Jean Hyppolite,Introduction à La phi1osophie de l'histoire de Hegel.Provavelmente os senhores conhecem a forte 'relaçãoque ligava Foucault a Hyppolite, a quem às vezes defi-ne como "o meu mestre" (Hyppolite foi efetivamenteseu professor durante a khâgne no liceu Henri IV e de-pois na École Normale).

O capítulo terceiro do ensaio de I-iyppolite levao título: Raison et histoire. Les idées de positivité etde destin (Razão e história. As ideias de positividade~ de destino). Ele concentra aqui a sua análise sobreduas obras hegelianas do assim chamado período deBerna e Frankfurt (1795-1796): a primeira é "O espí-rito do cristianismo e o seu destino'~ e a segunda -

'- aquela da qual provém o termo que nos interessa - «A~ositividade da religião cristã" (Die Positivitãt der

christliche Religion). Segundo Hyppolite, "destino" er:~ositividade" são dois conceitos-ch.ave do pensamen--~ hegeliano. Em particular, o termo "positividade" tem

\

em Hegel o seu lugar próprio na oposição entre "reli-gião natural" e "religião positiva'~Enquanto a religiãonatural diz respeito à imediata e geral relação da razãohumana com o divino, a religião positiva ou históricacompreende o conjunto das crenças, das regras e dosritos que numa determinada sociedade e num de-terminado momento histórico são impostos aos

301

indivíduos pelo exterior. "Uma religião positiva'~ es-creve Hegel numa passagem que Hyppolite cita, "im-plica sentimentos que vêm impressos nas almas pormeio de uma coerção e comportamentos que são oresultado de uniã relação de comando e de obediência

"

e que são cumpridos sem um interesse direto'~2Hyppolite mostra como a oposição entre natureza

e positividade corresponde, nesse sentido, à dialéticaentre liberdade e coerção e entre razão e história. Numapassagem que não pode não ter suscitado a curiosidadede Foucault e que contém algo mais que um presságioda noção de dispositivo, Hyppolite escreve:__ o

Vê-se aqui o nó problemático implícito no concei-to de positividade e as tentativas sucessivas de Hegelem unir. dialeticamente - uma dialética que nãotomou amda consciência de si mesma - a pura ra-

)~ão (teórica e, sobret.udo,. prática) e a Positividade,)~to é, o elemento hIstónco. Num certo sentido apositividade é considerada por Hegel como dmobstáculo à liberdade humana, e como tal é con-denada. Investigar os elementos positivos de umaIreligião, e se poderia já acrescentar, de um estado'social, sign~ficadescobrir aquilo que nestes é impos-to por melO de uma coerção aos homens, aquilo

2 J. ~Y!'polite, Introduction à La philosophie ]'histoire de Hegel, Seuil,Pangl1983, p. 43 (1. ed. 1948).

131

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que torna opaca a pureza da razão; mas, num ou-tro sentido, o que no curso do desenvolvimentod nto hegeliano acaba por prevalecer, a

\..ositividade eve estar conciliada com r~;>:)}ue

. perde então o seu car ter abstrato e se a apta à•'t»riqueza concreta da vida. Desta forma, compreen-., Ide-se como o conceito de positividade está no cen-

tro das perspectivas hegelianas.3

-ecCpositividade"o nome que, segundo Hyppolite,

o jovem Heg ao elemento OOtó$o, com toda suacarga de regras, ritos e instituições impostas aos indiví-duos por um poder externo, mas que se torna, por as-sim dizer, interiorizada nos sistemas das crenças e dossentimentos, então Foucault, tornando emprestadC?este termo (que se tornará mais tarde ((dispositiw,:),

---==----===:;:::;;::==::;::::==-:--_.toma posição em relação a um problema decisivo, queé também o seu problema mais próprio: a relação entreos indivíduos como seres viventes e o elemento histó-..rico, entendendo comeste termo o conjunto das insti-r-..... . .... ....__...._...._... _tuições, dos processos de subjetivaçãq e das regras._~m.- '---~-----~--- '--que ~e concretizam as relações de poder. O objetivorúltimo de Foucault não é, porém, como em Hegel,L~'!':e!e~e recond!iar ()~dois element;gs."E nemmesm--;'

3 Ibidem. p. 46.

o de.~nfutizar ~ ~9nflito entre e~s. Trata-se para ele, '\antes, de investigar os modos concretos em que aspositividades (ou os dispositivos) tg;~nas relações~ )-nos mecanismos e nos ((jogos"de poder .-------~ ,-----_ ..."._--_.".~.."._-_. __ ._-_.- .._.~

3.Deveria agora estar.claro. em que sentido propus]

como hipótese que o termo ((dispositivo" é um ter-

mo téCniCO'::= do p=nto de Foucault. Nãose trata d~ rmo particul que se refere somente aesta ou àwreJa tecnologia do poder. É um termo ~l,

,_."'---que tema mesma amplitude que, segpnd9_.Hyp~olite, \((.positividade"t~~~ra o jovem Hegel e, naestr~~_é- .~a de ~~..?ca1!!t,este v~.t.!?:2.~~parq lugar daq~~i~s que '1.;:'" ..ele define criticamente como ((os universais" (lesuniversaux). Foucault, como sabem, sempre recusoua se ocupar daquelas categorias gerais ou entes da ra- ,Izão que chama de ((os universais': como o_E_stado,a (~.:,.\~

1..Sober~~ ~ Lei, o n~?~~!:Mas~..~~.~._.~ão ~nifi.ca q~ (o" 1'"~o _h..~la,no .seu ento, ~~~~~_lt~soperativos J!.e Q~~

:caráter g~ral. s dispositiyo são precisamente o que r:t:na estratégia foucauItiana toma o lugar dosuniver-s~: n~.? simplesmente esta ou aquela medida de..se-g~rança, est~_?-u_~q~.~!atecnologia do poder, e n..~l}lmesmo uma maior!_~_~~ti<!é!__E.~!__~bst!ª.Ção: antes,.-._,. __ .. -_._---_.- '._._-

321/33

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(como dizia na entrevista de 1977, "a rede (le réseau)J' lj.ue se estabelece entre estes elementos".Se tentarmos agora examinar a definição do ter-

mo "dispositivo" que se encontra nos dicionários fran-ceses de uso comum, veremos que estes distinguemtrês significados para o termo: --

~ a. Um sentido jurídico estrito: f'(~ dispositivo aparte de um juízo que contém a d~~isao separa_~a-m~nte da Qlotiva£ão". Isto é, a parte da sentença (oude uma lei) que decide e dispõe.

__ ._.~ b. Um significado tecnológico: "O modo em queestão dispostas as partes de uma máquina ou de ummecanismo e, por extensão, o próprio mecanismo:'

~------1c. Um significado militar: "O conjunto dos meiosdispostos em conformidade com um plano:'

(- Todos os três significados estão, de algum modo,{yresentes no uso foucaultiano. Mas os dicionários,

em particular aqueles que não têm um caráter his-tórico-etimológico, operam dividindo e separandoos vários significados de um termo. Essa fragmenta-ção, no entanto, corresponde em geral ao desenvolvi-mento e à articulação histórica de um único signifi-cado original, que é importante não perder de vista.

.•..;i&£-)Qual é, n~ caso do termo "dispositivo", este signifi-tftf;l ;-ll:ado? Certamente o termo, no uso comum c0E!.-0

6'/ ------------------.F ~ucaulti3!l-O, p,!,ece~ um cojunto de

341

1l?

£ráticas e mecanismos (ao mesmo tempo linguisticosi e não-linguisticos, jurídicos, técnicos e militares) quetêm o objetivo de fazer frente a uma urgência e de#,obter um efeito mais ou menos imediato. Mas e~qual estratégia de práxis ou de pensamento, em qualcontexto histórico o termo moderno teve origem?

4.Nos últimos três anos, fui me envolvendo numa

pesquisa. cujo fim apenas agora começo a entrever eque poderei definir, com alguma aproximação, SQillQuma genealogia teológica da economia. Nos primeirosséculos da história da Igreja- digamos, entre o segundoe o sexto séculos -, o termo grego oikonomia d~~!?pe-nou na teologia uma função d~a. Oikonomia sig- I

I

nifica el!! grego a administração do Oik05, (té!~, e, {mais geralmente, gestão, management. Trata-se, como

..... _ - .._~ .~--_..---'::'::;~ ,--~ ,.,._.~

diz Aristóteles (Poi. 1255b 21), não de um paradigmaep!~êmico, mas de uma práxis, de uma atividade prá-tica que deve de quando em quando fazer frente aum problema e a uma situação particular. Por que os 1\

, padres sentiram a necessidade de introduzir este ter-~ mo na teologia? Como se chegou a falar de uma "eco-

nomia divina"?

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5.Penso também que, através desta expo~ição su-

ímária, vocês tenham se dado conta da centralidade eda importância da função que a noção de oikonomia

lA;desenvolveuna teologia cristã. Já a partir de clemen-Ite de Alexandria esta se funde com a noção de provi-

, ciência, .e passa a significar ~ governo salvífico do~ Â.

,p I J: &'vZ o/,?/!/-It .---r o t--I'~,,(l 137

~ ~a salvação (por isso, em c~gumas seitas gnósticas, \Cnsto acaba por se chamar o homem da economia':ho anthr6pos tés oikonomias). Os te9IogQ~~e habi- <ê:--------, .

t~aram pouco a pouco a d~s~uir :cDtreum._.CCdis.sur-( ,#!,':!

so - ou Jogos ...:da teoloiRa e um Jogos da econo- y! i. J,

i!iia': e a oik~~omia torna-se assim o dispositivo--;'e- fd.~te o.q~alo do~a t~hí!i(Le a ideiade um-;;~.:-\ O;~o,IO,~1verno diVIno providencial do mundo foram intro)duzidos na fé cristã, '

Mas, como frequentemente acontece,~~e íos-.!eólog~sprocurar e modo evitar e remover Ie!DDeus sob o lano se eaparece na forma de uma )cesura uese arae De" se {a ~!1~e~.A ação (a economia, mas também a política) não tem

~

c:nhum furl.~~ffito no ~r: esta é a eSqUizOfreni:;jaue ~a doutrina teológica da oikonomia deixa como heran-ça à cultura ocidental. -

. " ...361

£ Tratava-se, com precisão, de um problema extre-mamente delicado e vital, talvez, da questão decisivana história da teolo~ cristã~ Quando01odecorrer do segundo século, começou-se a discutirsobre uma Trindade de figuras divinas, o Pai, o Filho eo Espírito, houve, como era de se esperar, no interi~~da Igreja uma fortíssima resistência por parte dos seus~tores que pensavam com temor ~, deste modo,!e arriscava a reintroduzir o politeísmo e o paganismona fé cristã.,Para convencer estes obstinados adversá-

. O ~ Irios (que depois foram definidos eemonarquianos': isto'/Q~f'u\ i é, partidários do governo de um só), teólogos como\ .. ~ Tertuliano, HiEólito, lrineu e muitos outros não en-

contraram melhor maneira do que se servirem do ter-mo oikonomia. O argumento d~~te era mais ou me-nos o seguinte: eeDeus,quanto ao seu ser e à sua subs-'tânciá:é, certamente, Y!l9; m~ quanto à sua oikonomia,isto é, ao modo em que administra a sua casa, a sua~. ---~d~ e o..'mundo que criou, é, ao contrário, tríplic~Como um .bom pai pode confiar a-º-.filho o desen---~- .-........• ~"'-'-_ ..~. __ .._~- ._-vºlyj_~~~?,4~_.ç~.I1.~~.fu!!çQese d~ certas tarefas, s~~.~~j~~o_p_~~~~~_~_~~,!...~~e~ e a sua unidade, assimQ~~confi~ a Crist~..ª- ee.Ç9J)...2.mia~a a~!ni~tração e ogoverno da história dos homens:' O termo oikonomia....._-----_._----_._ •..•.... -..._---foi assim se especializan~? ara significarde modo par-ticular a encarnaçã do Fp1lo , a economia da redenção

---.I

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'V/' - - • /

381

..-------

/ OV6. I~)/Um dos princípios metodológicos que sigocons- tA~

tantemente em minhas pesquisas é o d~di~d~ .nos ~ e no~m que trabalho o queFeuerbach definia ÇQ;;'110 o elemento filosófico, ou seja,

/,,_ponto da sua Entwick1ungsfáhigkeit (literalmente, i'Lt>capacidade de desenvolvimento), o locus e o momento . \

em que estes são passíveis de desenvolvimento. To-davia, quando interpretamos e desenvolvemos nestesentido o texto de um autor, chega o momento emque começamos a nos dar conta de não mais poderseguir além~transgredir as regras mais elementares4-- T 1 139

Ge-stell significa comumente "aparato" (Geriit), masque ele entende com este termo "o recolher-se daque-le (dis)por (Stellen), que (dis)põe do homem, isto é,exige dele o desvelamento do real sobre o modo do

!ordenar (Bestellen)", a proximidade deste termo coma dispositio dos teólogos e com os dispositivos de Oi V:'Foucault é evidente. Comum a todos esses termos é a'\ V?#referência a umaoikonomia, isto é, a um conjunto de rrpráxis, de saberes, de medidas, de~Miç.ões cujoobjetivo é~erir. governar, controlar e orientar, .num----. sentido que ~~upõe útjl, os g~~t.<:>~~ensament<?sdos homens.

~undo e da histº-ria dos homens. Pois bem: qual é atradução deste fundamental termo grego nos escritosdos padres latinos? DisposJ!jo.

O termo latino dispositio, do qual deriva o nos-<so termo "dispositivo", vem, portanto, para assumir-------em si toda a complexa esfera semântica da oikonomiateológica. Os "dispositivos" de que fala Foucault es-

(tãO de algum modo conectados com esta herança teo~~gica, podem ser de alguma maneira reconduzidos àQra~que divide e, ao mesmo tempo,~emDeus ser e práxis, a natureza ou essência e a operação-por meio da qual ele administra e governa o mundodas criaturas. O termo dispositivo nomeia aquilo emq!le e por meio do-9,ual se realiza uma pura atividadede governo sem nenhum fundamento no sg. Por isso._-------

\lloSdispositivos devem sempre implicar um processo]/lJ!Lde subjetivação, isto é, devem produzir o seu sujeito.

À luz desta genealogia teológica, os dispositi-vos foucaultianos adquirem uma riqueza de signifi-cados ainda mais decisiva, num contexto em que es-tes se cruzam não apenas com a "positividade" do jo-vem Hegel, mas também com a Gestell do últimoHeidegger, cuja etimologia é análo(;a àquela da dis-positio, dis-ponere (o alemão stellen corresponde aolatim ponere). Quando-Heidegger, em Die Technikund die Kehre (A técnica e a volta), escreve que

?~fí{w-/~e4R

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da hermenêutica. Isso significaque o desenvolvimen-to do texto em questão alcançou um ponto deindecidibilidade no qual se torna impossível distin-guir entre o autor e o intérprete. Embora estesejaparaqjptérprete um momento particularmentefeliz,elesabe_que é o,momento de abandonar o texto que está anali",d s~o e de proceder por conta própria.

\ Cqnvido-os, portanto, a abandonar o contextob (11 da fJlOIO~iafo caultiana em que nos movemos ~é

;;7kl/1P"agora e situar s dispositivos num novo contexto.\I\'-=-- '--...;;---- _Proponho-lhes nada menos que uma geral e ma-

é'X/fíl-r-!!.. ciça divisão do existente em dois grandes gruQos~cf ~~ cl~s:de um lado, os seres viventes (ou, as substân-up,.

~.):ilY $~:;'cias),e, de outro, os dispositivos em que estes são in-< ce~ntement~p:u~s. Isto é, de um lado, paraI retomar a terminologia dos teólogos, a ontologia das~lÍot°' criaturas, e, do outro, a oikonomia dos dispositivos

DJ}J).1 ~lV} que procuram governá-las e guiá-las para o bem.:;i~/~:rvt Generalizando posteriormente a já bastante am-

o,í'ipla classe dos dispositivos foucaultianos, chamarei" - .OrrO)) literalmente de dispositivo qualquer coisa que tenha/1111 ,11 de algum modo a capacidade de caQturar, orientar,

]...:ê determinar, interceptar, mqdelaf2controlar e asseg,u-/\(1 r~ros gesto~ as~_ondutas,as opiniões e ~ discursos,l7.. d,!"ser~sviv~tes~N~-, p()r.umto~~

N7~\~~mamcôml~~~~nóptí~~s, ~~,, ..... -.-..•.-."_._--_.,-_ ..- ._-..-.~.._.----- .

401

0\!á~(~~_ diSC~~~~.:~ida~)~~íd~~~~~~\ cUJaconexão com o poder é num certo sentido evi-19dent@ambém a ~a, a escritura, ~literatura'_é!

fi1~a, a agricultura, osigarro, a navegação, os COIJJ.-p:!tado~s, os telefones celulares e - p~ão -=- ap.-:.óprialinguagem, que ta.~~~~_é o mais antigo dos

~disposwvos, ~~ que há milhares e milhares de anosum primata - provavelmente sem se dar conta das- .consequências que se seguiriam - ~evea inconsciên-

c!ad;::~:an~~~:o::im duasgrandesclas:Jyt".ses, os seres viventes (ou as substâncias) e os disposi-tivos. E, entre os dois, como terceiro os sujeito Cha..----6~o sQ-jeitoo que resulta da relação e, p ssrm dizer,do corpo a corpo entre os viventes e os dispositivos.

i

Naturalmente as substâncias e os sujeit~, como navelha metafísica,parecem ~~rep_~;;5!TIas não com-_:eletamente. Neste sentido, por exemplo, um mesmoindivíduo, uma mesma substância, pode ser o lugar10s múltiplos E,rocessosde subjetivação: o usuário'de telefones celulares, o navegador na internet, o es-critor de contos, o apaixonado por tango, o não-glo-bal etc.€ili~ c!.escimentodos dispositivos non~sso tempo corresponde uma igualmente dissemi-nada proliferação de processos de subjetivação. Issopode produzir a impressão de que a categoria da

JUL0 j ~~ rjttJ1V/llet-l/q OL...----b j)tr,/Q"1 I . 141

I" i t"r .(J

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subjetividade no nosso ~~p~e l:.erde consis.:tência; mas se trata, para ser preciso, não de um cance-Tãmento ou de uma superação, mas de uma dissemi-nação que leva ao extremo o aspecto de mascaramentoque sempre acompanhou toda identidade pessoal.

7. --------~Não seri provavelmeJ}.te errado) definir a fase

extrema do des o vunento capitalista que estamosvivendo como uma gigantesca acumulação e prolife-ração de dispositivos. Certamente, desde que apare-

Dceu o homo sapiens havia dispositivos, mas dir-se-ia~ que hoje não haveria um só instante na vida dos in-

divíduos que não seja modeladQ, contaminado 0l!

controlado por algum dispositiv..9.De que modo, en-\. tão,~OS fazer frente a e~ qual a estra-{jf tégia que devemos seguir no nosso quotidiano cor-

lO~~fi po a corpo com os dispositivos? Não se trata s~,n ~'t)\J~ ' .\j)' ::lesmente d~,!;!!~~_ çg.!Jl0s.u:g~!emalguns_U:=:Jngên~~~) de ~~á-l~~~.

Por exemplo, vivendo na Itália, isto é, num país<..Lv~~cujos gestos e compcrtamentos dos indivíduos foram

lY(.~./remodelados de cima abaixo pelo telefone celular (cha-f'0?' mado familiarmente de "telefonino"), ih desenvolvium\ ódio implacável PO! este dispo~) que deixou ainda

\:~~~'~ 421

mais abstratas as relações entre as pessoas.Apesar de ter Ime surpreendido muitas vezespensando em como des-truir ou desativar os "telefoninos" e em como eliminarou ao menos punir e aprisionar aqueles que os usam, /não creio que seja esta a solução justa para o problema.

O fato é que, segundo toda evidência, os dispo- /

\sitivos não são um acidente em que os homens 00- .-Yt e.ep.()

ram por acaso, masJ~m a sua raiz no mesmo processo ~ (00-

~e "hominização" que tornou "humanos" os animaisque classificamossob a rubrica homo sapiens,.O eventoque produziu o humano constitui, com efeito, para ovivente algo como uma cisão que reproduz de àlgum

\ modo a cisão que a oikonomia havia introduzido em~eus entre ser e ação. Esta cisão separa o vivente de si

mesmo e da relação imediata com o seu ambiente, istoé, com aquilo que Uexkühl e depois dele Heideggerchamam o círculo receptor-desinibidor. Quebrando ou \interrompendo esta relação, produzem-se para o vi-vente o tédio - isto é, a capacidade de suspender a I

~

elação imediata com os desinibidores - e o Aberto,isto é, a possibilidade de conhecer o ente enquantonte, de construir um mundo. Mas com essas possi-bilidades é dada imed.iatamente também a possibili-dade dos dispositivos que povoam o Aberto com)instrumentos, objetos, gadgets, bugigangas etecnologias de todo tipo. Por meio dos dispositivos, o

143

..-_.,

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homem procura fazer girar em vão os comportamentos( ~ais que se separaram dele e gozar assim do Aberto

"'" ~ comC?tal, do ente enquanto ente. Na raiz de todo dispo-r- ;~."\!~sitivo está, deste modo, um desejo demasiadamente hu-

V,',:I mano de felicidade, e a captura e a subjetivação deste~Ó,) desejo. numa ~ .~arada, constituem a potência es- /l\ ,~ pecífica do dISPOSItIVO.

8.Isso significa que a estratégia que devemos ado-

tar no nosso Corpo a corpo com os dispositivos nãopode ser simples, já que se trata de liberar o que foicapturado e separado por meio dos dispositivos erestituí-los a um possível uso comum. É nesta pers-

L pectiva. que gostaria. agora de falar-lhes de um con-ceito sobre o qual me oco~eu trabalhar recentemen-te. Trata-se de uml:ermo que provém da esfera do di-, -

I{rl"reit() c _dareligião (direito e religião~~ão.'não apenasO roX~ em Roma, estreitamt4t~ conexos~~\~ \ru Segundo o direito romano, sagraaas ou religio-

sas eram as coisas que pertenciam de algum modo~os deuses. Como tais, eram subtraídas ao livre uso

e ao comércio dos homens, não podiam ser vendi-das, nem penhoradas, cedidas ao usufruto ou grava-das em servidão. Sacrílego era todo ato que violasse

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ou transgredisse esta especial indisponibilidade queas reservava exclusivamente aos deuses celestes (eeram então chamadas propriamente "sagradas") ou .lfI

inferiores (neste caso, chamavam-se simplesmente ((re- ~C(/rligiosas"). E se consagrar (sacrare) era o termo que 1 [!fI

designava a saída das coisas da esfera do direito hu- ~/);o~

mano, ofanar ignificava, ao contrário, r~ituirªo .-livre uso dos homens. ((Profano': podia assiin escre-ver o g~an~ejUrista Trebazio, "diz-se,.e~ sentido pr6-lprio, daquilo que, de sagrado ou relIgIOSOque era, é f

1 " Irestituído ao uso e à propriedade dos homens.~ I fft ~

Pode-se definir religião, nessa perspectiva, como í2- .~.~:./aquilo que subtrai coisas, lugares, animais ou' pessoas /do uso comum e as transfere a uma esfera separada. Não,s6 não há religião sem separação, mas toda separação! 1 .

'7 . I r'contém' ou conserva em si um núcleo genuinamente i, ~yl(,J j.,

religioso.O dispositivo que realiza e.regu1~a s:ar~çãO ~~ o sacrifício: por meio de uma séne de_~_~aIs_!!l~~-c~ª, diversos segundo a variedade das culturas, q~eHubert e Ma~ss pacientemente inventariaram, o,,-~acrifí-ci~'~~ci~;;;-~;-~da ~ a passagem de al~a coisa"- ....---------- ",

do profano para o sagr~do, da esferà humana à di~a. ~Mas aquilo que foi ritualmente separado pode ser restj- n t~"t~íci~-~elo rito à esfera profan~. ~ profanação é o 7 ~~o.-;:;:'ntradispositivo que restitui ao.":'0.comum aquilo q~ (o sacrifício tinha separado e dlVldld~ ./

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9.O capitalismo e as figuras modernas do poder

\

parecem, nessa perspectiva, generalizar e levar ao ex-tremo os processos separativos que definem a reli-gião. Se considerarmos a genealogia teológica dosdispositivos que acabamos de delinear, a qual os

,-f\ :,í conect~ ao paradigma cristão da oikonomia, isto é,i{~~\'í/~I\ do governo divino do mundo, veremos que os dis-í~A)1 positivos modernos apresentam, porém, uma diferen--d::r..vI ça em relação aos tradicionais, o que toma particu-~1.JtV\'\r Jh larmente prQbJemática a sua prQfanaç~. De fato, todo00# dispositivo implica um processo de subjetivação, sem~ o qual o dispositivo não pode funcionar como dis-

r\ I positivo de governo, mas se reduz a um mero exercí-~cio de violência. Foucault assim mostrou como, numasociedade disciplinar, os dispositivos visam, atravésde uma série de práticas e de discursos, de saberes ede exercícios, à criação. de corpos dóceis, mas livres,que assumem a sua identidade e a sua «liberdade'~de

:, sujeitos no próprio processo do seu assujeitamento.~ f., Isto é, o dispositivo é, antes de tudo, uma máquina~ que Efoduz subjetivaçõ,!s e somente enquanto tal ~t.1~{lfI" também uma máquina de governo. O exemplo da: confissão é aqui iluminado r: a ..formação da subjeti- .

vidade ocidental, ao mesmo tempo cindida e, no en-~ dona e segura de si, é inseparável da ação

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p!urissecular do dispositivo penitencial, no qual um Inovo Eu se constitui por meio da negação e, ao mes-mo tempo, assunção do velho. A cisão do sujeito ope-rada pelo dispositivo penitencial era, nesse sentido,produtora de um novo sujeito que encontrava a pró-pria verdade na não-verdade do Eu pecador repudia-do. Considerações análogas podem ser feitas para odispositivo prisional, que produz como consequênciamais ou menos imprevista a constituição de um sujei-to e de um milieu delinquente, que se toma o SUjeito)de novas - e, desta vez, perfeitamente calculadas - téc-nicas de governo.

O que define os dispositivos com os quais te-~os que lidar ~a atual fase d6'~i~ que este~ ,;!;,-nao agem maIS tanto pela produção de um sujeito tfU

;]~L.quanto por meio de processos que podemos chamar.Y ~de dessubjetiva~£: Um momento dessubjetivante tiestava certamente implícito em todo processo desubjetivação, e o Eu penitencial se constituía, havía-mos visto, somente por meio da própria negação; mas I

o que acontece agora é que processos de subjetivação ,-.(//,l) {;e processos de dessubjetivação parecem tornar-se re- t![~J Li.?

ciprocamente indiferentes 'e@dão lugar à recom- {tV'1 /vIJ r. - d ,- .• ~ L ./--trr!J20sIçao e'um novo sUJeItQyanão ser de forma larvar S7

~'.por ~ssim,dize~, espectral. Na não-verdade do su- ? JJeIto nao ha maIS de modo algum a sua verdade. .•.

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".1\;...-) \ lO (I, --

'f+'/ {f~/ ,2..l/'/ ~/t ,-/ 11 ,. Y\-;}S fv/i" ~J/:;//; ~ ' . . .. cc. í'~'/'}AqUele que se deIXacapturar no dISPOSItIVOtelefo-,

ne celular", qualquer que seja a intensidade do dese-} jo que o' impulsionou, não adquire, por isso, uma

L:J ]nova subjetividade, mas somente um número peloqual pode ser, eventualmen~e, c9~trQl~0; o es~e_c-tador que passa as suas nOl~es dIante da: teleVlsaorecebe em troca da sua dessubjetivação apenas amáscara frustrante do zappeur ou a inclusão no cál-

-'S) culo de um índice de audiência.Aqui se mostra a futilidade daqueles discurs~

, ,~m intenciona~SJQhre ~~cnolggia, que afirmam que\;Lc,o t10 o problema dos dispositivos se reduz àquele de seu uso

!, tJ1.!!. __ ~ correto. Esses discursos parecem ignorar que, se a todo! r.lf Iv cÍispo~itivocorresponde um determinado processo dev.

subjetivação (ou, neste caso, de dessubjetivação), é to-talmente impossível que o sujeito do dispositivo ouse "de modo correto': Aquelesque têm discursos simi-

[lares são, de resto, o resultado do dispositivo midiáticono qual estão capturados. '

10.As sociedades contemporâneas se apresentam as-

\ sim como corpos inertes atravessados por gigantescosprocessos de dessubjetivação que não correspondem anenhuma subjetivação real. Daqui ~da política,

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que £,ressuFunha sujeitos e identidades reais (o JDO-,rimento QEerário,~_ bu~güesia et.s), e o triunfo_4aoikonomia, isto é, de.u!.l?:.ª_puraatividade de governoq~~ visa somente à s~a .£!"..~_~eprodu~o. Qireita eesquerda, que se alternam hoje na gestão do poder,, ---_._--têm por isso bem pouco o que fazer com o contextopolítico do qual os termos provêm e nomeiam sim-plesmente os dois polos - aquele que aposta 'sem es~crúpulos na dessubjetivação e aquele que gostaria, ao(//contrário, de recobri-Ia com a máscara hipócrita doibom cidadão democrático - de uma mesma máqui-na governamental.

Dagui, sobretudo, a singular inguietude do po~der exatamente no momento em que se encontra diante ~d~ c~rpo. social mais ~.9..Eile frfigil jamais c0n.stitu.ído'(na hIstÓria da humamdade. É por um paradoxo ape.:J-~.-.__ _-_.~..----- _'_ ..•- _-_._-----nas aparente que o inócuo cidadão das democraciaspós-industriais (o bloom, como eficazmente se suge-riu chamá-lo), que executa pontualmente tudo o quelhe é dito e deixa que os seus gestos quotidianos, comosua saúde, os seus divertimentos, como suas ocupa-

, çães, a sua alimentação e como seus desejos sejamcomandados e controlados por dispositivos'até nosmínimos detalhes, é considerado pelo poder - talveze~tamente por isso - como um terrorista virtual. En-quanto a nova normativa europeia impõe assim a tod~

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os cidadãos aqueles dispositivos biométricos que Jie--~---------_.senvolvem e aperfeiçoam as tecnologias antropométri.EiS

Udasimpressões digitais à fotografia sinalética) que fo-ram inventadas no século XIX para a identificação

. os criminosos reincidentes, a vigilância por meio('de videocâmera transforma os espaços públicos dasedades em áreas internas de uma imensa prisão. Aosolhos da autoridade - e, talvez, esta tenha razão - n~

\ se ~ssemelha melhor ao terrorista do que o home~',~-

Quanto mais os di~itivos se difundem e dis-seminam o seu poder~!!!9da âmbito da vj4a, t~~.--- '. ---'-' ,.-"-'mais o governo se..~_nç.Q.ptr.:~diante de um elemento...-.•.... _..._.- ..... --_._--_ ...-- '.-. "-._.- .. '.--._-----_.

iIl~p~~~!-1siyd,qu~.p~~~~e fugir d~.su~~apreensão qu~-to mais49.ç:ib.ll~nt~._ª-~t.ª __~~~Q1:>.m~te.Isto não signi-fica que ele representa em si mesmo um el~

~<:'V-º4!f~~o, ~elU que P'~~~.~_~_e~ero~ também so-mente ameaç~X.-ª.Jlláquina ..go.verna~. Ns> lugar"~~-~'---'~.,,.~"-.------ " _----- .

do anunciado fim da história, assiste-se, com efeito,------,---,:~~ . ---'--'- -

ao ince~~~~!.~<!!.._~~yão da máguin-ª, ~e, n~maes.p_~~~~g~~!n~<ii.Qª_~ródi~~!_Q*onql!:lia teológi-c~.Jls~':l!!11.l.l_.S.21?_~~._~i_.~h~~ança de um .&.<?Y:t:fnopro-~~.I?-S!~..~~_ª~~~l}e, ao. invés.qe salvá-lo, o~-duz - fiel, nisso, à originária vocação escatológica daprovidê~a - à catástrofe. O problema d~o

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(~os dispositivos - isto é, da restituição ao uso comum I~aquilo que foi capturado e separado nesses - é, por ~isso, tanto mais urgente. Ele não se deixará colocar cor-retamente se aqueles que dele se encarregam não esti-verem em condições de intervir sobre os processos desubjetivação, assim como sobre os dispositivos, paralevar à luz aquele Ingovernável, que é o início e, ao

mesmo tempo, o ponto de fuga de todap-~!!~!91.

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