giddens o que é ciência social

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 -e  I '  .. @ 1996 Polit y Press Títul o origino I em inglês: In Defence  of Sacio/agy. Essoys, tnterpretatio~ s  & Rejoinders @ 200 0 do tradução brasi leiro: Fundação Edi tom do UNESP (rEU) Praço d a Sê, 108 010 01- 900 - São Pau lo - SP Tel.,  (0) 0<11) 3242- 71 li fo" (0,,11)3242-7172 Horn e poge:  WVNl.  ediloro.unesp.br E-moil:  [email protected] I I I I ' I ~ ~ ! f I f  Sumário Título original: In Defe nce of Socio\cgy. Essoys,Interpretotions & Rejoinders. ISBN RS-7139-363-X Dado s Internaci onais de Catalo gcção no Publi cação (eIP) (Câmara Bros ilei ra do  livro,  SP,Brasil) Gidd ens, Anlh ony Em defes o da sociolog ia. Ensai os, interpr etaçõe s e tréph cos / Anth ony Giddens; trad ução Roneide Venoncio Majer , Klauss Brandini Gerho rdt. - São Pau lo: Eqitor o  UHESp'  2001. 1. So ciologia I. Títul o. 01-2942 ---  CDD-301 I I f I I ; I 1 Fo nt es e agra de ci me nt os 7 Prefácio 9 I Em defe sa da so cio lo gia 11 2 A vida em uma soc ied ade s-t rad ici onal 3 O qu e  é  ci ên ci a soci al ? 97 4 Fu-ncionalismo:  apres la l u tt e 115 5 A "bri ta ni da de " e ?_sc nc ia s soci ai s 161 21 índic e poro caiál ogo siste máti co: 1. So ci ol ogia 30 1  6 O futu ro da antro polo gia  17 3 7 Qua tr o mi tos na hi st ór ia do pe ns amento soci al 18 1 8 Aug us te Co mt e e o po si ti vi smo 21 7 Editoro afiliado: s..lI.EI:)  A",'d :ltii,, "  ,11: Edil<>r~"I\.s LIli\'\'p"il&I"" lt\' o\":~ r1,';l 1~1t1 nn y  d Cõl Tilw ~ ~ i l l ,\"," wl"I"' " Il.-.L",II"I• •, ,I, Edl1nr.1S L-nlwr.;lJ;lrlas O•.~101"~" .,'t'~ "f:' ,~ 9 r  1 ;;~~\  1 L ' l\. ~ :I > ~ .• .... ~ ... " '? ¥ .'~ ~ '~ '" - " " •.•• ~to""'<!'  .;;.!. 9 O problema do sui cíd io na so cio log ia francesa 10 Razã o sem revo luçã o?:  Teoria da ação comunicativa,  de Habe rmas 245 5 22 9

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..@ 1996 Polity Press

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ITtulo origino I em ingls: In Defence of Sacio/agy. Essoys, tnterpretatio~s@

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2000 do traduo brasileiro: Editom do UNESP (rEU)

Fundao

Prao da S, 108 01001-900 - So Paulo - SP Tel., (0)0o O modelo de cincia natural emprcgad0 E-elo consenso ortodoxo era essencialmente empirista, t!Ondo como a mais elevada aspirao da cincia a criao de sistemas de leis de natureza dedutiva. A meu ver, no se consegue encontrar um nico filsofo dacincia renomado que ainda acredite na concepo de cincia natural a que muitos cientistas sociais aspiraram. A cincia natu-

ral, tal como claramente demonstrado na filosofia da cincia pskuhniana, consiste ~m esforos hermenuticas ou interpretativos. Sem dvida, e}."istem leis nas reas de cincias naturais, contudo

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quais seriam as implicaes para efeito de anlise emprica. A polifonia de vozes com que deparamos hoje , sob determinados aspectos, mais aparente do que real. Certamente conhecemos os mritos e as limitaes dessas perspectivas antagnicas e temos noo das principais linhas de desenvolvimento c;ue nascemos debates realizados. No creio que se possa atribuir a isso a criao de uma nova ortodoxia. Caso tenha alguma empatia por qualquer das vises antagnicas que acabo de descrever, ser mais pela primeira do que pela segunda. Acredito que haja algo que se possa contestar,100

a.>.Ieistm de ser interpretadas, e isso deve ocorrer no mbito de sistemas tericos. A cincia natural, portanto, envolve sistemas interpretarivos de sigrficado, e a natureza da cincia encoo-

tr~-se envolvida na criao de grades tericas. Com efeito, o enquadramento do significado demonstra-se mais importante do que a descoberta de leis. Uma primazia indevida foi dada desco"na de leis como elementos constitutivos da "cincia" nos mo.f'lostradicionais da cincia natural, e os cientistas sociais, ingenuamente, aceitaram essa condio.'

I

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Io ltimo

Anlhony Giddens

Em defeso do sociologia

reduto do consenso ortodoxo enconrca-se nos livros metodolgicos das cincias 30ciais. Abra um desses livros e provavelmente ainda ir encontrar, logo nas primeiras pginas, a idia de que a "explicao" a deduo de um evento oriundo __ ~-de-l.iffldIdou d \m sistema deleTS;cujs reja6es aprese~ta;"~--~ elevado grau de complexidade. Trata-se simplesmente de uma falsa viso da maioria das formas de explicao no campo das cincias naturais e, por mais de um motivo, de um rr_odelointil para ser adotado nas cincias sociais. A segunda limitao do consenso ortodoxo resiia no fato de que a cincia social cannica implicava uma falsa interpretao da empresa humana. Para o consenso ortodoxo, conforme j mencionado, a empresa humana deve ser explicada em termos de causao social. Como atores sociais leigos, podemos pensar que sabemos o que estamos fazendo ao reali:zar nossas aes, por.J!l o cientista social pode nos demonstrar que, na realidade, somos conduzidos por influncias das quais no temos conscincia. O que a cincia social ortodoxa fez foi trdrar-nos como se nosso comportamento fosse resultado de causao estrutural ou limitao estrutural, como se derivasse diretamente de ioras sociais. O que temos de fazer na teoria social recuperar a nao do agente humano conhecedor. Ou seja: as cincias sooais devem concentrar sua ateno em fenmenos que, em nossa vida cotidiana, reconhecemos como caractersticas bsicas da ao humana, mas que, como cientistas sociais, tambm tendemos a negligenciar. Os cientistas sociais se esquecem de que a maior parte de nossas aes como seres humanos inte;]cional, e de que estamos cientes das razes que nos levam a pratic-las. Todos os agentes humanos dispem de bastante conhecimento acerca das condies de sua atividade, e tal conhecimemo no est condicionado ao que fazem, mas pode ser entendido como elemento constitutivo dessas aes. Nossa capacidade de conhecimento sempre delimitada. Encontra-se delimitada institucionalrP..entc, e ainda existe a necessi.102

J.

~

dade de estudar tais limites (restries estruturais). Contudo, a recuperao da noo do ag-,-~tehumano conhecedor revela-se fundamental para a reformulao da resposta sobre o objeto das _~cincias sociais. Tal recuperao deve basear'sn iiaaecOr;Sir;'. cia prtica. Por "conscincia prtica" entendo uma noo que vem s~ndo "descoberta" em diversas tradies de pensamento. Foi iaentificada por Wittgenstein na filosofia, surge como uma preocupao emprica na etnometodologia e se encontra documentada naobra de Goffman. O conceito refere-se a todas as coisas conhecidas por ns como atores sociais e que, de fato, devemos conhecer para fazer que a vida social acontea, mas s quais nem sempre conseguimos dar urr a forma discursiva. Por exemplo, falar e entender um idioma como o ingls, com correo gramatical, envolve o conhecimento de um conjunto altamente complexo de regras sintticas, tticas de uso da linguagem, dicas contextuais, e assim por diante. Precisamos saber tudo isso para poder falar ingls; porm, se algum nos solicitasse uma anlise discursiva dessas coisas que sabemos, encontraramos grande dificuldade em faz-lo. Poderamos apenas falar de forma muito supertlcial sobre o que realmente sabemos - e devemos saber - como falantes de uma lngua para que ela simplesmente possa existir. Ni\.oh nenhuma contradio em afirmarmos que oJlngista estuda "o que j sabemos". Eis a razo pela qual as indagaes propostas pelos cientistas ortodoxos e as respectivas respostas foram, muitas vezes, concebidas erroneamente: partiu-se da premissa de que aconscincia discursiva - a exposio discursiva de motivos e anlises _ teria esgotado a capacidade de conhecimento dos age.ntes humanos. Assim, o investigador passaria ao estudo de causas estruturais. No entanto, todos sabem muito mais sobre as razes pelas quais tomam este ou aquele curso de ao do que efetivamente as expressam de modo discursivo. A conscincia prtica demonstrase fundamental no que concerne s 'armas com que tornamos o mundo social previsvel. A previsibilidade do mundo social no103

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Anthony Giddens

Fm defesa da sociologia

:j

"acontece" simplesmente da mesma maneira que a previsibilidade do mundo natural. ~ger":.c!apelas prticas organizadas com o conhecimento dos agentes humanos. Uma terceira deficincia verificada na concepo tradicional da cincia social foi a idia de que possivel descobrir as leis da vida social, estabelecendo-se uma analogia mais ou menos diretacom as leis existentes nas cincias naturais. No campo das cin-

cias sociais, h dois tipos de generalizao. Podem ser chamados de "leis", se assim se preferir. Porm, cada um desses tipos difere das leis da cincia natural. Tomemos o exemplo, apresentado pelo filsofo Peter Winch, de carros que param no sinal de trnsito. Pod~r-se-ia supor que neste caso existe uma "lei";'Quando o sinal est vermelho, os carros param; quando fica verde, o trfego segue o seu curso. Se voc vem de uma cultura diferente e jamais viu automveis antes, pode imaginar que exista algum tipo de raio entre os sinais Com o poder de parar os carros. Se isso fosse verdade, seria de fato uma iei ao estilo naturalista. Contudo, todos sabemos que o que faz os carros pararem no sinal o conhecimento, por pane dos motoristas, das normas de condutano trnsito e que tais normas e convenes de comportamento

A segunda noo de "lei" est bem mais prxima da viso de generlizaes estabelecida no consenso ortodoxo. Isso diz respeito s conseqncias no-intencionais da ao humana. verdade que todos ns agimos demonstrando conhecimento durante todo o tempo - que todos, de algum modo, sabemos o que estamos fazendo e por qu. Entretamo, conform destacado com muita propriedade por Max Weber, embora todos sejamos atores !'.tencionais, o raio de alcance de nossas aes escapa a todo momento s intenes e finalidades que as induziram. Os proponentes do consenso ortodoxo preocupavam-se com fatores sociais gerados por conseqncias intencionais _ que, obviamente, tambm criam condies para que os agentes pratiquem suas aes na sociedade. O tipo de generalizao que interessava cincia social raturalista depende da premissa de conseqncias no-:,ntencioIlais generalizadas. lILeis", neste contexto,

podem ser compreendidas como uma forma que se aproxima de generalizaes semelhantes a leis na cincia natural. Chamarei as leis dessa categoria de le~_do liRa 9-!S. AS generalizai5es do / .\ ~l"'..,!,:"so as que dependem da observao consciente de regras,e convenes por parte dos atores sociais.

fornecem as razes para o que fazem. Seria bastante desinteressante maior parte dos atores leigosdas sociedades modernas se os cientistas sociais estudassem .;eu

comportamento como motoristas e viessem com a descoberta de que, na maioria das vezes, eles param no sinal de trnsito. Claro, os motoristas j sabem que param no sinal, bem como o motivo disso - porque algo que fazem no uso das convenes por eles aplicadas. Generalizaes desse tipo so absolutamente banais, exceto quando fazem pane de um processo de reconstituio antropolgica. Um dos papis desempenhados por sociiogos e antroplogos o de documentar as diferenas entre culturas, bem como entre convenes, e, portanto, avaliar at que pOnto a previsibilidade em diferentes ambientes culturais est condicionad,~a graus distintos de conscincia das convenes.104

,~i

j~!, "

CI2ro que as generaiizaes do tipo dois de fato existem nas cincias sociais. A bem da verdade, sua revelao deve ser uma das principais ambies do trabalho sociocientifico. Tomemos Como exemplo a existncia de um "ciclo de pobreza". As escolas de reas menos favorecidas dispem de instalaes precrias, os alunos no so motivados quanto importncia dos valores acadmicos, os professores enfrentam problemas disciplinares em sala de aula. Ao sairem da escola, essas pessoas possuem baixa qualificao, conseguem empregos com remunerao relativament'e baixa e moram em reas de baixa renda. Mais tarde, seus filhos freqentam escolas nas mesmas reas, e assim o ciclo se repete. Todavia, as generalizaes do tipo dois jamais podem formar um paralelo p~rfeito com as leis pertinentes s cincias naturais105

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Anthony Giddens

Em defeso do sociologia

porque as relaes causais que pressupem dependem de conseqncias no-intencionais da ao proposital. Praticamente, todas as generalizaes desse tipo so mutveis no, termos das alteraes na capacidade de conhecimento elos agentes hl' m;tnos. H um~relaointrT~e;;tre generazaes ~j~ tip';~;.;;(;;~ gras e convenes de comportamento) e as do po dois (que dependem de conseqncias no-intencionais). Em um determinado contexto de ao, o que as pessoas fazem cor.1conhecimento luz da conveno sofre transformaes ao longo do tempo, exercendo influncia, assim, sobre as generalizaes do tipo dois. [email protected]:ialno pode ser puramente'~interpretativa". As suposies contrrias a essa afirmao constituram o principal erro daqueles que acred:taram que as generalizaes do tipo um esgotam as possveis contribuies das cincias sociais compreenso do comportamento humano. Por outro lado. a perspectiva naturalista incorreu em erro ao presumir que possvel explicar o comportamento humano de modo abrangente por meio da identificao de leis do tipo dois. Todas as cinci.1s sociais dependem do entendimento, dentro de circunstncias histricas especificas, da relao existente entre as atividades realizadas conscientemente, luz da conveno. e a reproduo social gerada de forma no-intencional. Em conseqncia de suas limitaes lgicas, o consenso ortodoxo sustentou uma viso ptimitiva da natureza da "iluminao" que as cincias sociais podem proporcionar aos leigos. O modelo em que se fundou a perspectiva tradicional derivava, mais uma vez, de uma comparao bastante direta com a cincia natural. As cincias naturais, presumia-se, produzem o Iluminismo ao nos mostrar que muitas de nossas crenas preestabelecida~ sobre o mundo eram falsas. O Iluminismo nas cincias sociais pode ser equiparado crtica de crenas falsas. Essa viso completamente (rrnea ao considerarmos as diferenas entre as generalizaes d0s tipos um e dois. Nas situaes em que o comportamento se manifesta normalmente em106

decorrncia do uso consciente da conveno. existe um sentido lgico segundo o qual tal comportamento no pode estar baseado em crenas falsas. As pessoas precisam saber no s O que esto fazendo mas tambm a porqu de o estarern fazehd:"pai- que normalidades dessa natureza ocorram. Assim, no de surpreender que uma nova descrio pelo cientista social das aes praticadas por essas pessoas seja desinteressante. Tais informaes s sero novidade para os que no pertencem ao meio cultural em que a ao observada acontece. sendo claramente distintas da crtica de uma falsa crena. Lgico, os trabalhos etnogrficos da cincia social so importantes. Tod03 ns vivemos em culturas especficas distintas de outras culturas distribudas em todo o mundo e de outras recupe. rveis por meio da anlise histrica. As cincias sociais, alm disso, podem demonstrar - isto , atribuir uma forma discursiva aaspectos de conhecimento mtuo que os atores sociais leigos empregam de forma no discursiva em sua conduta. O termo "conhecimento mtuo" abrange uma srie de tcnicas prticas de apreender significados 2. partir de atividades sociais. Talvezmais do que qualquer autor. Ervins Goffman deixou bem claro o quo complicados e sutis so os componentes constitutivos do conhecimento mtuo. mas tambm o quanto so administrados com base em rotinas. Aqui, o paralelo com a lingstica bem prximo. A lingstica estuda o que o usurio da linguagem sabe - e deve saber _ pa,a ter condies de falar o idioma em questo, seja ele qual for. Ne entanto. a maior parte do que sabemos para falar uma lngua no conhecida de forma discursiva. A lingstica diz-nos o que j sabemos, mas de uma maneira discursiva bastante distinta dos modos normais em que se expressam tais conhecimentos. A essas formas potenciais de elucidao, devemos acrescentar as influncias das conseqncias no-intencionais. ()s atores s,