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Gestão Contemporânea, Porto Alegre, ano 10, n. 13, p. 71-95, jan./jun. 2013 Disponível em: <http://seer2.fapa.com.br/index.php/arquivo> 71 Gestão dos resíduos sólidos hospitalares: estudo de casos em hospitais do Rio de Janeiro e de São Paulo Mariana de Paula Kopp 1 Claudia Affonso Silva Araujo 2 Kleber Fossati Figueiredo 3 Resumo O tratamento inadequado dos resíduos hospitalares pode provocar acidentes, transmissão de doenças e a contaminação do solo e de lençóis freáticos. Tendo em vista a relevância do te- ma, o presente trabalho visa analisar o processo de gestão dos resíduos sólidos por hospitais do Rio de Janeiro e de São Paulo. De maneira mais específica, este artigo busca descrever as práticas de gerenciamento de resíduos sólidos nos hospitais, identificar as principais dificul- dades deste gerenciamento e identificar potenciais benefícios percebidos pelos gestores de um programa de gestão bem estruturado. Como embasamento conceitual, adotou-se o pro- cesso proposto por Pruss et al. (1999), composto por oito etapas: minimização de resíduos, geração, segregação e embalagem, armazenamento intermediário, transporte interno, arma- zenamento centralizado, transporte externo, tratamento e disposição final. Com base na lite- ratura foram acrescentadas outras duas etapas: treinamento das pessoas envolvidas no pro- cesso e auditoria dos resíduos. Como o conhecimento acumulado sobre a gestão de resíduos hospitalares no Brasil é incipiente, o método de pesquisa escolhido foi o estudo de casos, analisando-se, em três hospitais, as etapas dos fluxos integrados desde a geração de resíduos até seu descarte. Os resultados revelam grandes dificuldades no correto gerenciamento do processo e a falta de consciência dos gestores quanto aos impactos ambientais de suas ações, enxergando os recursos despendidos no processo de gestão dos resíduos como custos e não como investimento. Palavras-chave: Resíduos sólidos. Hospitais. Meio ambiente. Hospital solid waste management: a case study in hospitals in Rio de Janeiro and São Paulo Abstract Inadequate management of hospital waste can lead to accidents, disease transmission and contamination of soil and groundwater. Given the importance of the topic, this paper 1 Mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Email: [email protected]. 2 Doutora em Administração pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Mestre em Administração pela mesma Universidade. Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. 3 Doutor em Administração pelo Instituto de Estúdios Superiores de la Empresa – Espanha. Mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Professor Associado da mesma Universidade.

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Gestão Contemporânea, Porto Alegre, ano 10, n. 13, p. 71-95, jan./jun. 2013Disponível em: <http://seer2.fapa.com.br/index.php/arquivo>

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Gestão dos resíduos sólidos hospitalares: estudo de casos em hospitaisdo Rio de Janeiro e de São Paulo

Mariana de Paula Kopp1

Claudia Affonso Silva Araujo2

Kleber Fossati Figueiredo3

ResumoO tratamento inadequado dos resíduos hospitalares pode provocar acidentes, transmissão de doenças e a contaminação do solo e de lençóis freáticos. Tendo em vista a relevância do te-ma, o presente trabalho visa analisar o processo de gestão dos resíduos sólidos por hospitais do Rio de Janeiro e de São Paulo. De maneira mais específi ca, este artigo busca descrever as práticas de gerenciamento de resíduos sólidos nos hospitais, identifi car as principais difi cul-dades deste gerenciamento e identifi car potenciais benefícios percebidos pelos gestores de um programa de gestão bem estruturado. Como embasamento conceitual, adotou-se o pro-cesso proposto por Pruss et al. (1999), composto por oito etapas: minimização de resíduos, geração, segregação e embalagem, armazenamento intermediário, transporte interno, arma-zenamento centralizado, transporte externo, tratamento e disposição fi nal. Com base na lite-ratura foram acrescentadas outras duas etapas: treinamento das pessoas envolvidas no pro-cesso e auditoria dos resíduos. Como o conhecimento acumulado sobre a gestão de resíduos hospitalares no Brasil é incipiente, o método de pesquisa escolhido foi o estudo de casos, analisando-se, em três hospitais, as etapas dos fl uxos integrados desde a geração de resíduos até seu descarte. Os resultados revelam grandes difi culdades no correto gerenciamento do processo e a falta de consciência dos gestores quanto aos impactos ambientais de suas ações, enxergando os recursos despendidos no processo de gestão dos resíduos como custos e não como investimento.Palavras-chave: Resíduos sólidos. Hospitais. Meio ambiente.

Hospital solid waste management: a case study in hospitals in Rio de Janeiro and São PauloAbstractInadequate management of hospital waste can lead to accidents, disease transmission and contamination of soil and groundwater. Given the importance of the topic, this paper

1 Mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Email: [email protected].

2 Doutora em Administração pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Mestre em Administração pela mesma Universidade. Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

3 Doutor em Administração pelo Instituto de Estúdios Superiores de la Empresa – Espanha. Mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Professor Associado da mesma Universidade.

Mariana de Paula Kopp, Claudia Aff onso Silva Araujo e Kleber Fossati Figueiredo

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aims to analyze the process of solid waste management by hospitals of Rio de Janeiro and São Paulo. More specifi cally, this paper aims to describe the practices of solid waste management in hospitals, identify the main diffi culties of management and the potential benefi ts perceived by managers of a well-structured management program. As a conceptual basis, the procedure proposed by Pruss et al. (1999) was adopted. It consists of eight steps: minimization of waste generation, segregation and packaging, intermediate storage, internal transportation, centralized storage, external transport, treatment and disposal end. Based on the literature, two steps were added: training of the people involved in the process, and audit waste. As the accumulated knowledge on the management of hospital waste in Brazil is incipient, a case study method was chosen with the intent of analyzing the process from waste generation to disposal in three hospitals. The results indicate that managers face great diffi culty in following the correct management process. They also suggest a lack of awareness on the part of managers about the environmental impacts of their actions. Managers tend to see the money spent on the improvement of the process as costs, instead of investment.Keywords: Solid waste. Hospitals. Environment.

Introdução

A conscientização da sociedade atual em relação aos impactos am-bientais vem crescendo a cada ano e, neste contexto, a gestão de resíduos tem sido amplamente discutida na sociedade, na mídia, e no poder legis-lativo. Os resíduos são percebidos como um problema, em função do es-gotamento de aterros sanitários, da necessidade de altos investimentos para soluções equivalentes, da carência de novas propostas para evitar sua geração e da necessidade de estímulo para a prática da reciclagem. Mais especifi camente, os resíduos hospitalares são de alta criticidade pe-los riscos ainda maiores que podem oferecer ao meio ambiente e à socie-dade. O tratamento inadequado destes materiais pode provocar acidentes com materiais perfurocortantes, transmissão de doenças, contaminação do solo e de lençóis freáticos, dentre outros.

Assim, considerando a relevância e atualidade do tema, e seu im-pacto na saúde da população e no meio ambiente, o objetivo desta pes-quisa é investigar e analisar como são gerenciados os resíduos sólidos de serviços de saúde (RSSS) por hospitais localizados no Rio de Janeiro e em São Paulo. Desse modo, a pergunta geral que rege este estudo é: Como são gerenciados os resíduos sólidos de serviços de saúde nos hospitais no Rio de Janeiro e em São Paulo, e quais são as principais caracterís-ticas de suas práticas? De maneira mais específi ca, este trabalho busca descrever as práticas de gerenciamento de resíduos sólidos nos hospi-tais; identifi car as principais difi culdades deste gerenciamento, tanto no

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nível estrutural quanto gerencial; e identifi car potenciais benefícios per-cebidos pelos hospitais de um programa de gestão bem estruturado.

Tendo em vista que para responder a perguntas do tipo como e por que, o método mais adequado é o estudo de casos (YIN, 2010), foi reali-zado um estudo de três casos (dois no Rio de Janeiro e um em São Paulo). Em cada um dos hospitais, foram realizadas entrevistas em profundidade com os gestores responsáveis pelo processo de gestão dos resíduos, to-mando-se o cuidado de realizar a triangulação de fontes.

Assim, este estudo é útil para os gestores, por revelar as práticas adotadas, assim como os benefícios e difi culdades enfrentados pelos di-rigentes de hospitais do Rio de Janeiro e de São Paulo, na gestão dos resíduos. De acordo com pesquisa da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais [ABRELPE] (2010), que mostra diferentes padrões de geração de resíduos nas regiões brasileiras, a re-gião Sudeste, onde estão situadas as duas principais metrópoles brasilei-ras, é responsável por quase 70% de todo o volume gerado no país, o que reforça a importância de se revelar as práticas adotadas pelos hospitais desta região. Do ponto de vista teórico, a análise dos casos ajuda no de-senvolvimento de teoria sobre um assunto relevante para a sociedade e o meio ambiente.

O artigo está estruturado em sete itens. Após esta introdução (item 1), o item 2 apresenta a revisão de literatura, que serviu de embasamento para a formulação do esquema conceitual, que é apresentado no item 3. O item 4 é dedicado à metodologia da pesquisa, seguido pela análise dos resultados (item 5), conclusões (item 6) e, por último, as limitações da pesquisa e sugestões para pesquisas futuras, que constituem o item 7.

1 Revisão de literatura

Como o foco de análise deste estudo são os materiais descartados, na revisão de literatura são apresentadas práticas relacionadas ao trata-mento de resíduos, em especial os resíduos dos serviços de saúde.

1.1 Resíduos Sólidos dos Serviços de Saúde (RSSS)

De acordo com a Organização Mundial de Saúde [OMS], os resíduos sólidos dos serviços de saúde (RSSS) incluem todos os resíduos gerados

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pelos estabelecimentos de saúde, centros de pesquisa e laboratórios. Para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária [ANVISA] (2006), são aqueles que se originam de qualquer atividade de natureza médico-assistencial hu-mana ou animal, farmacologia e saúde, medicamentos vencidos, necroté-rios, funerárias, medicina legal e barreiras sanitárias.

Como estes resíduos apresentam uma natureza heterogênea, a clas-sifi cação adequada dos resíduos gerados em um estabelecimento de saúde permite que seu manuseio seja mais efi ciente, econômico e seguro, de acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde [OPAS] (1997). Os RSSS podem ser classifi cados em resíduos infectantes – cultura, vacina vencida, sangue e hemoderivados, tecidos, materiais resultantes de cirur-gia, agulhas, animais contaminados, resíduos que entraram em contato com pacientes (secreções, refeições etc.); resíduos especiais – rejeitos radioativos, medicamento vencido, contaminado, interditado, resíduos químicos perigosos; e resíduos comuns – não entram em contato com pacientes (material de escritório, restos de alimentos etc.).

Os resíduos gerados especifi camente em hospitais são reconheci-dos como um problema grave, que pode ter efeitos prejudiciais para o ambiente e para a saúde dos seres humanos, pelo contato direto ou indi-reto. Assim, a coleta, o transporte e a eliminação destes resíduos precisam ser regidos por normas claramente formuladas e defi nidas (ASKARIAN; VAKILI; KABIR, 2004). Além disso, adotar uma forma de classifi cação clara e bem disseminada no estabelecimento dos RSSS é imprescindível para que estes possam ser separados adequadamente de acordo com essa classifi cação, evitando prejuízos à sociedade e ao meio ambiente e cus-tos desnecessários relativos ao tratamento e descarte dos RSSS (LEE, ELLENBECKER; MOURE-ERSASO, 2004; MARTINS, 2004).

Na literatura, não foram encontradas muitas referências à atribuição de responsabilidades organizacionais referentes aos resíduos em hospitais. No entendimento da OPAS (1997), o diretor do estabelecimento de saú-de é quem tem a máxima responsabilidade pelo manuseio interno dos re-síduos sólidos gerados em seu estabelecimento.

1.2 Etapas da gestão do fluxo dos resíduos sólidosde serviços hospitalares

Para Pruss, Giroult e Rushbrook (1999), o processo integral do ge-renciamento dos RSSS compreende oito etapas principais: minimização

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de resíduos, geração, segregação e embalagem, armazenamento interme-diário, transporte interno, armazenamento centralizado, transporte externo, tratamento e disposição fi nal. Alguns autores consideram ainda o treina-mento de todas as pessoas envolvidas no processo dos RSSS, direta ou indiretamente, como parte essencial do gerenciamento, englobando mé-dicos, enfermeiras, responsáveis pela limpeza e transporte dos resíduos, dentre outros (LEE; ELLENBECKER; MOURE-ERSASO, 2004, SAWALEM; SELIC; HERBELL, 2009; NEMATHAGA; MARINGA; CHIMUKA, 2008; SILVA et al., 2005; ALMUNEEF; MEMISH, 2003). Além disso, Almuneef e Memish (2003) observaram, em estudo na Ará-bia Saudita, que a auditoria dos resíduos também pode levar a signifi -cativas reduções no volume de resíduos infecciosos.

Devido à importância de cada etapa do processo para um gerencia-mento efi caz e correto de todo o fl uxo dos RSSS, cada uma destas etapas será desenvolvida a seguir.

Minimização de resíduos: Este primeiro passo vem antes da produ-ção de resíduos e visa a reduzir o máximo possível a quantidade de RSSS que serão produzidos. A minimização pode ser alcançada através de mo-difi cações nos procedimentos adotados ou pela busca de uma maior efi -cácia, substituindo materiais, adotando políticas efi cazes de aquisição e um bom gerenciamento de estoques (ANDRADE; SCHALCH, 1996, PRUSS et al., 1999). Shaner e McRae (2002) afi rmam, por exemplo, que a gestão de resíduos hospitalares se benefi ciaria se os hospitais eli-minassem produtos e tecnologias baseadas na utilização de mercúrio, já que existem tecnologias (digital e eletrônica) que tornam possível a substituição destas ferramentas de diagnóstico. Além disso, desde que haja uma segregação adequada dos resíduos, parte dos RSSS, como em-balagens e materiais de escritório, pode ser reciclada, trazendo de volta ao ciclo produtivo materiais que, de outra forma, seriam descartados (PRUSS et al., 1999; GARCIA; ZANETTI-RAMOS, 2004).

Geração, segregação e acondicionamento: Trata-se da etapa na qual os resíduos são produzidos. A rotulagem clara, a descrição das caracte-rísticas de cada tipo de resíduo e o despejo separado dos mesmos, de acordo com a classifi cação escolhida, podem contribuir para a redução de custos com tratamento e descarte de RSSS (PRUSS et al., 1999; LEE; ELLENBECKER; MOURE-ERSASO, 2004). Para incentivar a segrega-ção na origem, recipientes específi cos devem ser colocados o mais próximo possível do ponto de geração (PRUSS et al., 1999). Para o Centro Pan--Americano de Engenharia Sanitária e Ciências do Ambiente [CEPIS]

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(1997), o correto acondicionamento dos resíduos possui as funções de isolá-los do meio externo para evitar contaminações, identifi cá-los e mantê--los agrupados, para que seja facilitado o seu fl uxo. As legislações munici-pais determinam cores, de maneira geral baseadas em uma codifi cação global, para o arranjo dos resíduos. Em estudo realizado no Zimbábue, Taru e Kuvarega (2005) observaram falhas na separação de resíduos infectantes daqueles que não oferecem riscos, levando à incineração de materiais que não necessitavam deste tipo de tratamento e, portanto, encarecendo o processo. De acordo com pesquisa desenvolvida por Sil-va et al. (2005), os hospitais do Rio Grande do Sul utilizavam unidades de medidas diferentes para calcular a quantidade de resíduos gerada, difi cultando a comparação dos resultados.

Armazenamento intermediário: A área de armazenamento inter-mediário, onde os recipientes maiores são mantidos antes da remoção pa-ra a área de armazenamento central, deve estar próxima às enfermarias e não deve ser acessível a pessoas não autorizadas, tais como pacientes e visitantes. Além disso, para evitar o acúmulo e decomposição dos resíduos, os RSSS devem ser recolhidos em uma base diária regular (PRUSS et al., 1999). A OPAS (1997) determina que as áreas de armazenamento inter-mediário possuam as seguintes características: acessibilidade – acesso rápido e seguro aos carros de coleta interna; exclusividade – utilizado apenas para o armazenamento temporário dos resíduos; segurança – reunir condições físicas estruturais que evitem que a ação do clima (sol, chuva, ventos, etc.) cause danos ou acidentes e que pessoas não autori-zadas, crianças ou animais ingressem facilmente no local; higiene e segurança – ter boa iluminação e ventilação, andares e paredes lisas e pintadas com cores claras, sistema de abastecimento de água fria e quen-te, com pressão apropriada para executar operações de limpeza rápidas e efi cientes, e um sistema de esgoto apropriado. No Irã, apenas quatro dos quinze hospitais pesquisados por Askarian, Vakili e Kabir (2004) pos-suíam uma área de abrigo temporário de resíduos que fosse segura e limpa e três hospitais sequer apresentavam uma área de abrigo temporá-rio para os RSSS, sendo os resíduos depositados em uma parte do quin-tal até o momento da coleta. Na África do Sul, Nemathaga et al. (2008) observaram que a maioria das enfermarias dos hospitais estudados pos-suía um cômodo de armazenamento temporário para resíduos infectantes, sendo utilizados contêineres.

Transporte interno: O transporte para a zona central de armazena-mento é geralmente realizado através de contêineres, que devem ser fáceis

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de carregar, descarregar e limpar, e não devem possuir arestas que pos-sam danifi car os invólucros. Além disso, devem ser totalmente fechados para evitar qualquer derramamento durante o transporte. Idealmente, de-vem ser marcados com a cor correspondente à sua codifi cação (PRUSS et al., 1999). O transporte de resíduos comuns deve ser realizado separada-mente da coleta de resíduos infectantes para evitar a contaminação cruza-da potencial ou a mistura dos mesmos (GARCIA; ZANETTI-RAMOS, 2004) e a coleta deve seguir rotas específi cas através do estabelecimento de saúde para reduzir a passagem de contêineres carregados por alas ou áreas limpas. Shinee, Gombojav, Nishimura, Hamajima e Ito (2008) alertam que práticas inadequadas de empacotamento de resíduos perfu-rocortantes e de resíduos químicos e infecciosos em hospitais podem au-mentar muito os riscos ocupacionais e ambientais dos profi ssionais que manuseiam estes materiais.

Armazenamento centralizado: A área central de armazenamento e a frequência da coleta devem ser dimensionadas de acordo com o vo-lume de resíduos gerados. A instalação não deve estar situada perto de restaurantes ou áreas de preparação de alimentos e seu acesso deve ser sempre limitado a pessoas autorizadas; deve ser fácil de limpar, ter boa iluminação e ventilação, e deve ser idealizada para evitar a entrada de roedores, insetos ou pássaros. Além disso, deve ser claramente separa-da da área central de armazenamento utilizada para os resíduos comuns, a fi m de evitar a contaminação cruzada. O tempo de armazenamento não deve exceder 24 horas, ou 48 horas em locais refrigerados, especial-mente em países que apresentam um clima quente e úmido, como é o caso do Brasil (PRUSS et al., 1999; GARCIA; ZANETTI-RAMOS, 2004). Taru e Kuvarega (2005) afi rmam que, no hospital estudado no Zimbábue, não havia instalações adequadas de armazenamento de resí-duos, gerando uma epidemia de ratos e insetos, com risco de transmis-são de doenças.

Transporte externo: O transporte externo dos RSSS deve ser rea-lizado através de veículos dedicados unicamente a esta tarefa e deve ser sempre devidamente documentado, com todos os veículos levando um documento de acompanhamento do ponto de coleta à estação de trata-mento (PRUSS et al., 1999). Askarian, Vakili e Kabir (2004) relatam que, no Irã, em treze dos quinze hospitais pesquisados, esse transporte era executado por caminhões especiais, enquanto em dois era utilizado um caminhão convencional.

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Tratamento: Em geral, o problema da gestão dos resíduos hospita-lares não tem uma solução única e alguns métodos são utilizados em conjunto, considerando suas vantagens para cada tipo de resíduo (DIAZ; SAVAGE; EGGERTH, 2005; NEMATHAGA et al., 2008). No método de autoclaves, a desinfecção de materiais é realizada através do vapor d’água e acontece em ciclos. Após a desinfecção através deste método, não são esperadas mudanças signifi cativas na morfologia dos objetos, mas, em função da utilização de vapor d’água no processo, pode ocorrer um aumento de massa. Para provocar uma redução do volume, alguns fabricantes de autoclave incorporam dispositivos mecânicos de compres-são. Além de tratar os resíduos sólidos, as autoclaves produzem também resíduos líquidos e gasosos que devem ser adequadamente tratados antes de serem lançados no meio ambiente O forno de micro-ondas também pode ser utilizado, já que o vapor produzido pela exposição do material promove a destruição dos organismos patogênicos. Assim sendo, o trata-mento do lixo hospitalar por micro-ondas também requer a adição de água. Este método é economicamente melhor, se comparado com a inci-neração, mas possui uma aplicabilidade limitada e uma capacidade inade-quada de esterilização (LEE; ELLENBECKER; MOURE-ERSASO, 2004). O tratamento por desinfetantes químicos baseia-se nas proprieda-des particulares dos agentes químicos para tornar inativos os agentes patológicos. A efi cácia de um determinado agente químico depende da temperatura, pH e da possível presença de outros agentes, que podem produzir um efeito negativo ou positivo. A esterilização é obtida através da utilização de diversos compostos químicos na forma gasosa, que po-dem ser altamente tóxicos. A incineração é outro processo empregado na desinfecção hospitalar, que possui várias formas, e utiliza a combustão como método de desinfecção. De acordo com Lee, Ellenbecker; Moure-Ersaso, (2004), cerca de 60% dos RSSS são tratados através de incinera-ção. Qualquer que seja o método empregado na incineração de resíduos sólidos, são produzidos três tipos de descargas: sólidas, líquidas e gaso-sas. As grandes vantagens deste método são: uma considerável redução da massa e do volume dos resíduos; a não-identifi cação do resíduo após a incineração; ser aplicável para o tratamento de todos os tipos de resí-duos; ter potencial de recuperação energética; e não apresentar odores. Em contrapartida, emite partículas poluidoras e requer o tratamento des-sas emissões, como alerta a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) (2010).

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Disposição fi nal: A disposição fi nal dos resíduos em terra pode ser realizada através de três métodos: lixões, aterros controlados e aterros sanitários. Os lixões são os mais comuns em países em desenvolvimen-to, mas são os que apresentam os maiores riscos para a saúde e o meio ambiente, devendo deste modo ser prontamente rejeitados e transfor-mados em aterros controlados, ou ainda em aterros sanitários (DIAZ et al., 2005). Além destes métodos de descarte, há ainda a queima de resíduos hospitalares em fossas especiais, que é recomendada em unida-des de saúde localizadas em áreas rurais, com características apropriadas e com baixa densidade populacional. Essas fossas devem ter dimensões específi cas e ser revestidas de argila, cimento ou outro material imper-meável. Este método não deve ser utilizado quando a composição dos resíduos contiver um alto teor de agulhas e seringas. Por último, o en-capsulamento é um procedimento amplamente empregado na gestão de resíduos nocivos e pode ser utilizado no tratamento de materiais perfu-rocortantes. Neste processo, os materiais são colocados em caixas de papelão ou metal, que podem variar de 1 a 100 litros e, quando as caixas estão preenchidas até determinado nível, um material imobilizante, como cimento, argila, resina ou revestimento plástico, é adicionado ao recipiente. Assim que o imobilizante enrijecer, este recipiente deve ser selado e o material pode ser depositado em um aterro, ou incinerado. De acordo com pesquisa da ABRELPE (2010), 32% dos municípios brasi-leiros que, total ou parcialmente, prestam serviços de coleta de RSSS, incineram os resíduos; 28% utilizam aterros; 15%, lixão; 15%, autocla-ves; 8%, micro-ondas; e 2%, vala séptica. Ainda de acordo com esta pesquisa, as normas federais aplicáveis aos RSSS estabelecem que de-terminadas classes de resíduos precisam de tratamento antes da sua desti-nação fi nal. Entretanto, alguns municípios encaminham tais resíduos para os locais de destinação sem mencionar a existência de tratamento prévio dado aos mesmos.

Treinamento: Em países em desenvolvimento, geralmente poucos indivíduos no quadro de pessoal das unidades de saúde estão familiari-zados com os procedimentos necessários para um programa de gestão adequada de resíduos. Além disso, a gestão de resíduos normalmente é delegada aos trabalhadores com baixa escolaridade, que executam a maioria das atividades sem a devida orientação ou com proteção insufi -ciente (DIAZ et al., 2005). Assim, educação e treinamento adequados devem ser oferecidos a todos os trabalhadores, dos médicos aos assisten-tes, funcionários e catadores, para assegurar a compreensão dos riscos

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intrínsecos aos resíduos, ensinar como se proteger e como gerenciar resíduos e, em especial, como minimizar os resíduos e realizar a segre-gação corretamente (SHANER; McRAE, 2002; DIAZ et al., 2005). A ANVISA (2006) estabelece que é necessário comprovar a realização de treinamentos anuais dos funcionários da limpeza, em função dos riscos a que estão submetidos. Programas de educação e formação devem ser de-senvolvidos para promover mudança no comportamento das pessoas (SHANER; McRAE, 2002). Garcia e Zanetti-Ramos (2004) afi rmam que o treinamento dos funcionários para a correta segregação dos resíduos é bastante compensador, pois resulta no encaminhamento para coleta, tra-tamento e disposição fi nal especial apenas os resíduos que realmente necessitam desses procedimentos, reduzindo as despesas com o trata-mento. Silva et al. (2005) mencionam que, para assegurar melhorias e continuidade nas práticas de gerenciamento dos resíduos, as instituições de saúde devem desenvolver planos e procedimentos, sendo necessário, portanto, realizar treinamentos de rotina e processos de educação conti-nuada para os funcionários.

Auditoria: Hussein, Mavalankar, Sharma e D’Ambruoso (2011) afi rmam que o gerenciamento inadequado dos resíduos é evidente, desde o ponto de coleta inicial até o descarte fi nal. Um dos motivos apontados pelos autores é a falta de um efetivo controle do processo. A atividade de auditoria interna tem se destacado como um instrumento de gestão e fi scalização adequado às necessidades de gerenciamento das informa-ções no ambiente hospitalar e pode ser utilizada tanto para reduzir custos como para fornecer subsídios para decisões e planos de ações, melhorando os procedimentos utilizados na instituição (BRITO; FER-REIRA, 2006). A auditoria interna também é considerada pelo Manual Brasileiro de Acreditação Hospitalar (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002) como um dos requisitos necessários para a obtenção da acreditação. Os resultados da pesquisa desenvolvida na Arábia Saudita por Almuneef e Memish (2003) indicam que, depois da introdução de um plano de ge-renciamento de resíduos que incluía educação, treinamento obrigatório e auditoria do tipo e do volume de lixo gerado em cada departamento, houve uma redução de mais de 58% do volume de resíduos infectantes. Inicialmente, as auditorias revelavam que mais de 50% do conteúdo dos sacos de resíduos infectantes na realidade não eram infectantes, com base na classifi cação adotada; ao fi nal, houve uma economia de mais de 50% com combustível para o incinerador, mão de obra e manutenção.

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2 Esquema conceitual proposto

A partir da literatura revisada, é possível afi rmar que, para o cor-reto gerenciamento dos RSSS, é preciso controlar de forma efi ciente oito etapas que fazem parte do processo: minimização de resíduos (ANDRA-DE; SCHALCH, 1996; PRUSS et al., 1999; SHANER; McRAE, 2002; GARCIA; ZANETTI-RAMOS, 2004); geração, segregação e embalagem (CEPIS, 1997, PRUSS et al., 1999, LEE; ELLENBECKER; MOURE--ERSASO, 2004, TARU; KUVAREGA, 2005); armazenamento interme-diário (OPAS, 1997; PRUSS et al., 1999, ASKARIAN; VAKILI; KABIR, 2004, NEMATHAGA et al., 2008); transporte interno (PRUSS et al., 1999; GARCIA; ZANETTI-RAMOS, 2004; SHINEE et al., 2008); arma-zenamento centralizado (PRUSS et al., 1999, GARCIA; ZANETTI--RAMOS, 2004; TARU; KUVAREGA, 2005); transporte externo (PRUSS et al., 1999; ASKARIAN; VAKILI; KABIR, 2004); tratamento (LEE; ELLENBECKER; MOURE-ERSASO, 2004; DIAZ et al., 2005; NEMATHAGA et al., 2008; FIESP, 2010); e disposição fi nal (DIAZ et al., 2005, ABRELPE , 2010). Além disso, é importante dar treinamento e educação continuada a todos, em relação a todas as atividades que são atribuições dos funcionários do hospital (SHANER; McRAE, 2002; GARCIA; ZANETTI-RAMOS, 2004; SILVA et al., 2005; DIAZ et al., 2005; ANVISA, 2006). O processo se completa com a auditoria interna do processo como um todo, que tem se mostrado efi ciente na redução do volume de resíduos infectantes e para fornecer subsídios para decisões e planos de ações (ALMUNEEF; MEMISH, 2003, BRITO; FERREIRA, 2006; HUSSEIN et al., 2011). Assim, a literatura revisada dá subsídio para propor o esquema conceitual apresentado na Figura 1 e que serviu de base para a análise dos casos.

Figura 1 – Esquema conceitual proposto

Auditoria Interna

Treinamento e educação continuada

Minimização

de resíduos

Armaz.

Intermediário

Armaz.

Centralizado Tratamento

Geração

Segregação

e Embalagem

Transporte

Interno

Transporte

Externo

Disposição

Final

Fonte: Elaborada pelos autores.

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2 Metodologia

A pesquisa que gerou este trabalho teve como objetivo responder à seguinte pergunta: Como são gerenciados os resíduos sólidos de servi-ços de saúde nos hospitais do Rio de Janeiro e de São Paulo e quais são as principais características de suas práticas? De maneira mais especí-fi ca, este trabalho descreve as práticas de gerenciamento de resíduos sólidos nos hospitais; identifi ca as principais difi culdades deste gerencia-mento, tanto no nível estrutural quanto gerencial; e identifi ca potenciais benefícios percebidos pelos hospitais de um programa de gestão bem estruturado.

Trata-se, portanto, de uma pesquisa qualitativa de caráter explora-tório, já que o conhecimento acumulado sobre a gestão de resíduos hos-pitalares no Brasil é ainda incipiente. A busca dos artigos que compõem a revisão de literatura deste estudo foi feita nas bases de dados Emerald, Proquest, Ebsco, Google Acadêmico e Science Direct, através das se-guintes palavras-chave em inglês: “resíduo hospitalar”, “resíduo sólido”, “gerenciamento de resíduos hospitalares” e “saúde pública”. Foram con-siderados apenas os artigos publicados a partir de 1990.

O método de pesquisa escolhido foi o estudo de casos, por permitir a investigação empírica de algo contemporâneo, dentro do seu contexto, e por ser a mais adequada para estudos que buscam responder questões do tipo “como” ou “por que” (YIN, 2010). Foram analisados três hospitais: dois localizados no Rio de Janeiro e um em São Paulo. A pedido dos ges-tores, os nomes dos hospitais e dos entrevistados foram preservados. Como neste método deve haver seleção criteriosa dos objetos de estudo (YIN, 2010; WOODSIDE, 2010), foram escolhidos hospitais que atendessem aos seguintes critérios:a) elevado número de atendimento, para que gerassem um volume de

resíduos signifi cativo;b) fi zessem parte de grupos hospitalares distintos, para que adotassem

políticas diferentes;c) atribuíssem diferentes níveis de importância ao tratamento dos resí-

duos, para que a diversidade dos casos trouxesse riqueza para o es-tudo;

d) fossem localizados em cidades distintas, pois precisam obedecer a legislações municipais distintas. Além disso, levou-se em conside-ração a abertura para realizar entrevistas, verifi car documentos e fa-zer observações de campo.

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Como a entrevista em profundidade é uma das principais fontes de informação quando se utiliza o método de estudo de casos (YIN, 2010), foram realizadas entrevistas com os responsáveis pela gestão de resí-duos, tendo em vista a maior familiaridade dos mesmos com a operação. Além disso, considerou-se importante que os entrevistados possuíssem registro da memória institucional, de modo a resgatar as mudanças ocorridas ao longo do tempo. No hospital A (HA), foi entrevistado ape-nas o Engenheiro de Manutenção, que atua na instituição há oito anos; no B (HB), foram entrevistadas a Diretora Geral e a Coordenadora da comissão responsável por administrar os RSSS gerados; no hospital C (HC), os entrevistados foram a Gerente de Hospedagem e o Coordena-dor de Sustentabilidade. No caso do hospital A, apenas o Engenheiro de Manutenção foi entrevistado, por ter sido considerado o único empre-gado do hospital capaz de comentar as mudanças ocorridas ao longo do tempo na instituição. As entrevistas foram orientadas por um roteiro, composto de perguntas abertas sobre o tema, baseadas nas etapas do pro-cesso integral do gerenciamento dos RSSS, conforme esquema concei-tual proposto no item 3 deste artigo. Durante os encontros, procurou-se estimular os entrevistados a contribuir livremente com informações rela-tivas ao tema, para que fosse possível compreender a ótica do informan-te (WOODSIDE, 2010).

Cada entrevista durou cerca de uma hora e todas foram gravadas e posteriormente transcritas, de modo a manter a fi delidade do que foi de-clarado pelo entrevistado. Para realizar as triangulações propostas na lite-ratura (YIN, 2010; WOODSIDE, 2010) foram analisadas informações de jornais, websites das empresas e de fontes idôneas. Adicionalmente, visitas às instalações foram realizadas com o intuito de coletar e com-plementar as informações fornecidas pelos entrevistados. As principais características dos hospitais pesquisados estão resumidas na Figura 2.

Figura 2 – Principais características dos hospitais pesquisados

Atributos Hospital A (HA) Hospital B (HB) Hospital C (HC)

Especialidade Alta complexidade OncologiaAlta Complexidade

/ Diagnóstico

Público ou Privado? Privado Público Privado

Localização Niterói, RJ Rio de Janeiro, RJ São Paulo, SP

Área Construída 10.000 m2 33.000 m2 100.000 m2

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Atributos Hospital A (HA) Hospital B (HB) Hospital C (HC)

Ano Fundação 1953 1957 1965

Func. (Próprios/Terceir.) 950/300 1.500/500 3.600/800

Número de Leitos 186 208 330

Nº Médio de Atendim. 20.000/mês 14.500/mês 210.000/mês

Vol. Resíduos Gerados 12.000 litros/dia 24.000 litros/dia 7.900 kg/dia

AcreditaçãoOrganização Nacional de

Acreditação (ONA)

Joint Commission International (JCI)

Joint Commission International (JCI)

Fonte: Elaborada pelos autores.

3 Resultados e análises

O processo de logística de resíduos possui um fl uxo defi nido nos três hospitais. Neles, esses materiais passam pelas etapas básicas do pro-cesso sugeridas pela literatura. A responsabilidade do processo é atribuída a diferentes áreas e estruturas dos hospitais pesquisados. No HA, a res-ponsabilidade pelo gerenciamento de resíduos é do Gerente de Manu-tenção; no HB, de uma Comissão Multidisciplinar; já no HC, da Gerente de Hospedagem. Nos três casos, percebe-se que a área responsável por gerir os resíduos está relacionada com a importância atribuída pela direção ao assunto e com o envolvimento dos diversos departamentos dos hospitais. No HA, como os resíduos são responsabilidade do Ge-rente de Manutenção, este processo está mais afastado da assistência ao paciente, que é o foco da instituição, e a importância atribuída pela alta direção é secundária. Já no HB, onde a gestão do processo é de res-ponsabilidade de uma Comissão Multidisciplinar, percebe-se um engaja-mento maior dos funcionários com o destino dado aos resíduos. São feitas reuniões mensais, em que são levantados e discutidos problemas relacionados a este processo e sugeridas formas para solucioná-los, além de sugestões de oportunidades de melhorias. No HC, como os resí-duos são gerenciados pela área de hospedagem, diretamente relacionada à assistência, que é tida como prioridade pela instituição, a pessoa respon-sável pelo processo tem autonomia para tomar decisões e implementar melhorias, e seu domínio abriga, além do gerenciamento de resíduos, a parte de rouparia do hospital.

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A apresentação dos resultados e as análises serão feitas com base nos dez itens que constituíram o roteiro das entrevistas e que foram apresentados em detalhes no capítulo de Revisão de Literatura deste trabalho.

Minimização de resíduos: A diminuição do volume de resíduos gerados pode ser alcançada por modifi cações nos procedimentos ou pela busca de uma maior efi cácia na gestão do processo (ANDRADE; SCHALCH, 1996; PRUSS et al., 1999). Observou-se que o HC adotou alguns procedimentos para reduzir o consumo de recursos naturais, como a mudança no kit de roupa de cama para acompanhantes, gerando menor quantidade de roupas para lavar. De acordo com um dos gestores do HC, “a revisão de todo o processo de geração de resíduos trouxe em paralelo a revisão do consumo de insumos como água, gás e energia elétrica. Limitadores de vazão na água das torneiras, dos chuveiros e das descargas dos vasos sanitários, por exemplo, permitiu uma economia de 2900 m3 de água por dia”. Quanto a práticas mais efi cazes de gestão, observou-se que os hospitais adotam as mudanças impostas pelas legis-lações municipais e pela ANVISA (2006), que determina que os hospi-tais segreguem corretamente os resíduos e sejam responsáveis pelo seu correto tratamento e descarte. De qualquer forma, as mudanças reduzi-ram o volume de resíduos gerados, especialmente com a classifi cação em comuns e infectantes. Conforme relata um dos gestores do HA, “an-tes [da mudança na legislação] tudo era considerado resíduo infectante. Quando ocorria a mistura de resíduos realmente infectantes com resíduos comuns, no que chamamos de contaminação cruzada, tudo se tornava in-fectante. Não havia controle sobre os volumes gerados. A única preo-cupação era que tudo coubesse no abrigo”. Neste mesmo sentido, um dos entrevistados do HB afi rma que “não há como reduzir o lixo, sua quantidade é constante. Ao se estimular a correta segregação, a classifi -cação desses materiais pode transformar infectante em comum e o co-mum em reciclável”.

Políticas efi cazes de aquisição e uma boa gestão de estoques tam-bém são medidas sugeridas pela literatura para reduzir a geração de resí-duos (PRUSS et al., 1999). Com relação à seleção de fornecedores, nenhum dos três hospitais estudados possui uma política de compras em que a questão ambiental seja relevante. Já a gestão de estoques possui características distintas nos três hospitais, mas as condições de armaze-namento de produtos e medicamentos são analisadas durante as audito-rias para evitar que sejam perdidos, por representarem altos custos para

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a instituição. Outra prática descrita na literatura é a reciclagem (PRUSS et al., 1999; GARCIA; ZANETTI-RAMOS, 2004). Nos três hospitais, observou-se o engajamento dos envolvidos para que os materiais que possam ser reciclados sejam segregados corretamente e tenham seu des-tino adequado.

Geração, segregação e acondicionamento: O conhecimento da quantidade de resíduos gerados pelos hospitais é uma informação im-portante para a gestão, uma vez que, quando não há controles, torna-se mais difícil embasar decisões sobre o processo, como compras, contrata-ção de funcionários, dimensionamento de abrigos e etc. No entanto, obser-vou-se que, à exceção do HC, os hospitais pesquisados não valorizam esta informação. A quantidade de resíduos gerada nos hospitais estuda-dos é signifi cativamente diferente, mesmo sendo ponderadas pelo núme-ro de leitos nos hospitais: o HA gera, por dia, 64 litros/leito; o HB, 115 litros/leito; e o HC, 24 kg/leito. No entanto, assim como no estudo de Silva (2005), analisando hospitais no Rio Grande do Sul, as unidades de medidas utilizadas são divergentes, o que difi culta as comparações. Foi possível ainda notar diferenças no percentual de resíduos infectantes gerados sobre o total: no HA, o percentual de resíduos infectantes é de 33%; no HB, é de 50%; e no HC, de 27%.

Todos os hospitais seguem as determinações de cores estabelecidas pela legislação, embora no HB algumas vezes não tenham sido verifi -cadas as identifi cações através de símbolos dos resíduos contidos nos con-têineres utilizados para o acondicionamento primário. Diferentemente do que propõe a literatura, HA e HB não utilizam materiais informativos que sirvam como referência para a segregação dos resíduos no momen-to da geração, apesar de haver recipientes específi cos para cada classifi -cação, além da codifi cação por cores dos sacos plásticos utilizados como invólucros. Já no HC são utilizados vários materiais nos depósitos de equipamentos e itens de limpeza para que sirvam como reforço das informações passadas nos treinamentos. Nestes informativos, são mos-trados os fl uxos de resíduos dentro da instituição, um resumo da clas-sifi cação constante na legislação, bem como exemplos dos materiais contidos em cada grupo. Conforme observa um dos entrevistados do HC, “pequenas melhorias no processo de gestão dos resíduos permi-tiram reduzir o número de casos de cortes com agulhas esquecidas no meio de compressas ou do número de entupimentos de vasos sanitários por descarte indevido de determinados materiais, diminuindo o risco de contaminação e o impacto no meio ambiente”.

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Armazenamento intermediário: As principais recomendações da literatura para as práticas utilizadas nesta etapa do processo são:a) proximidade dos locais de geração;b) não ser acessíveis a pessoas não autorizadas;c) utilização exclusiva para o armazenamento de resíduos;d) condições físicas estruturais adequadas e sinalização;e) local deve possuir condições higiênicas, tais como boa iluminação,

ventilação;f) devem possuir fácil acesso aos carros utilizados nos transportes.

Avaliados sob tais perspectivas, os casos estudados possuem dife-rentes graus de atendimento a essas recomendações. Percebe-se que, em função de os hospitais terem sido construídos antes das le-gislações e boas práticas de resíduos terem sido elaboradas, estas áreas tiveram que ser adaptadas. No HA, o abrigo temporário de resíduos está situado nos expurgos da instituição, área considerada “suja”. Nela estão também armazenados outros tipos de materiais, como ferramentas utilizadas nos cuidados com os pacientes (coma-dres, recipientes etc.) e roupas sujas. Tal prática contraria o princípio da exclusividade, mas esta adaptação foi aprovada pela ANVISA. Outro problema enfrentado pelo HA é o acúmulo de resíduos mantidos nestes locais, aguardando a coleta. No HB, existe uma área específi ca para o armazenamento de resíduos, separada dos expurgos. Comparando-se os três casos, o HC é o que possui a estrutura mais adequada, de acordo com o apontado pela revisão de literatura. Nos andares estão localizadas duas estruturas distin-tas para acomodar os resíduos: uma para resíduos infectantes e outra para os outros tipos de resíduos. Há ainda um andar com uma sala especifi camente preparada para armazenar os resíduos radioterápicos, até que ocorra o decaimento. Todos estes espaços são isolados por portas, onde se encontram a identifi cação do am-biente e a indicação de acesso não autorizado.Transporte interno: As principais recomendações da literatura

tratam sobre as características dos carros utilizados para este transporte, o estabelecimento de turnos, horários e a frequência de coleta, sinaliza-ção do itinerário, a diferenciação da coleta segundo o tipo de resíduo, e a limpeza e desinfecção dos carros ao fi nal de cada operação. HA e HC realizam a troca de carros, já que os contêineres utilizados para armaze-nar os resíduos nos abrigos são substituídos por carrinhos maiores, para que o transporte seja mais rápido e efi ciente. No HB, os mesmos carros

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utilizados para o abrigo interno seguem para o transporte e são substi-tuídos por outros limpos no momento da coleta. Nos hospitais B e C, há nos abrigos um elevador exclusivo para o trânsito de resíduos. Em relação às condições estruturais, a situação mais crítica é a do HA, que tem apenas um elevador de serviço, que é utilizado para diversos fi ns, como o transporte de resíduos, roupa e alimentação, exigindo mais desta etapa em função da necessidade de limpeza e maiores riscos de conta-minação. Observou-se que a frequência média de coleta utilizada nos hospitais está diretamente relacionada com a geração de resíduos e com o espaço dimensionado para a acomodação dos mesmos no abrigo interno: no HC, a coleta é realizada duas vezes por turno; no HB, três vezes por turno; e no HA, quatro vezes ao dia. Nos três hospitais, foi percebida a utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) adequados pelos funcionários que realizam este transporte. Assim como o indicado por Shinee et al. (2008), esta etapa do processo está sujeita aos riscos impostos por etapas anteriores, como mau empacotamento de resíduos perfurocortantes, que podem representar riscos ocupacionais para os profi ssionais responsáveis por esta tarefa.

Armazenamento centralizado: Nos três casos analisados, nota-se que os abrigos utilizados como armazém central foram reestruturados com as mudanças impostas pela Resolução da Diretoria Colegiada n. 306 (ANVISA, 2004), e reforçadas nas auditorias realizadas pela Vigi-lância Sanitária. Outra similaridade observada é a limitação do acesso a esses abrigos, que estão fi sicamente afastados dos locais de maior cir-culação de pessoas, em conformidade com a literatura (PRUSS et al., 1999; GARCIA; ZANETTI-RAMOS, 2004). O HA conta com três am-bientes distintos: um para resíduos comuns; outro para os infectantes; e outro para os químicos. Os materiais recicláveis são dispostos em um ambiente próximo destes abrigos, mas não conta com uma estrutura tão preparada como a dos outros resíduos. O HB também conta com três ambientes separados para a armazenagem de resíduos comuns, infectantes e químicos. Outra similaridade encontrada entre estas duas instituições é a restrição de capacidade de armazenagem: os espaços alocados para este fi m abrigam adequadamente os volumes gerados ao longo de um dia. Caso haja atrasos ou problemas na coleta realizada pelos terceiros, os hospitais enfrentarão difi culdades para contornar a situação, estando mais suscetíveis a riscos. Já no HC, o espaço alocado para os resíduos é signifi cativamente maior e pode abrigar o volume gerado em até cinco dias, sem que isso cause transtornos para o processo.

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Transporte externo: De acordo com a literatura, esta etapa do pro-cesso deve atentar para a adequação do método de transporte ao tipo de resíduo, para a periodicidade e para a documentação do veículo. Os três hospitais estudados passaram por modifi cações impostas pela legisla-ção, especifi camente municipal. Com as mudanças, os centros de saú-de passaram a ser responsáveis pelos resíduos gerados, mesmo após serem coletados, o que antes era atribuição da prefeitura. No HC, um terceiro realiza esta coleta, mas é a prefeitura que determina que empre-sas podem realizar este serviço e o tratamento dos resíduos. HA e HB, por sua vez, são responsáveis pela escolha dos terceiros, mas a responsa-bilidade das instituições não termina no momento da coleta, sendo necessário acompanhar todo o processo, até que os resíduos sejam efeti-vamente descartados. Assim como nos resultados do estudo de Askarian, Vakili e Kabir (2004), a coleta dos resíduos comuns e infectantes é realizada diariamente pelos hospitais, em veículos dedicados, como de-termina a OMS (PRUSS et al., 1999). Os resíduos químicos, cujo volu-me gerado é signifi cativamente menor, são coletados semanalmente.

Tratamento: Nos três casos, esta etapa do processo é realizada fora dos hospitais devido à sua complexidade e dissociação com as ativi-dades primárias dos hospitais. Assim como descrito na etapa de coleta, os tratamentos de resíduos antes das mudanças nas legislações munici-pais eram executados pelas prefeituras. Nos três casos, a tecnologia utilizada para o tratamento de infectantes era a incineração, sob condi-ções inadequadas, método criticado pela emissão de gases tóxicos na atmosfera (FIESP, 2010). Após os ajustes às novas regras, cada hospital adotou um tipo de tratamento diferente para os resíduos infectantes, como apontado na literatura (DIAZ et al., 2005, NEMATHAGA et al., 2008). Em função da determinação municipal, o HC utiliza a desativa-ção eletrotérmica, enquanto o HA adota a autoclavação e o HB o descarte em células especiais para resíduos de saúde no aterro sanitário, que dispensa o uso de tratamento. Para os resíduos químicos, o método utilizado pelos três continua sendo a incineração, pelas características desses resíduos. Para ressaltar a importância de acompanhar o processo relacionado aos resíduos, mesmo quando não estão mais em suas pos-ses, é ilustrado o ocorrido com o HB, que foi autuado pela Vigilância Sani-tária em função da empresa contratada não estar efetivamente tratando os resíduos, mantendo-os armazenados em um galpão, junto com os resíduos de outros estabelecimentos.

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Disposição fi nal: Nos casos estudados, os resíduos são correta-mente descartados, com os documentos exigidos e assinados pelos responsáveis pela recepção dos resíduos no Rio de Janeiro, e também pelo controle da prefeitura em São Paulo. Como não é uma etapa reali-zada pelos funcionários dos hospitais, cabe aos responsáveis apenas con-trolar a exigência de requisitos e certidões ambientais. Os três hospitais, por estarem localizados em regiões mais desenvolvidas, possuem recur-sos e/ou acesso a aterros sanitários, reduzindo a utilização de lixões que, segundo Diaz et al. (2005), são comuns em países em desenvolvimento.

Treinamento: Dois dos três hospitais pesquisados não adotam os procedimentos prescritos na literatura de oferecer treinamento na admis-são, ou educação continuada através de treinamentos periódicos. O HA não realiza treinamento na admissão e tampouco periódico; o HB, apesar de não realizar treinamento na admissão, faz treinamentos periódicos para os profi ssionais de enfermagem, que são terceirizados. Apenas o HC oferece programas de treinamento na admissão, onde são passadas noções sobre resíduos, e possui um programa de treinamento periódi-co para oferecer educação continuada a seus profi ssionais de hospeda-gem. Mesmo assim, o HC não está alinhado com a literatura, pois os treinamentos deveriam ser oferecidos a todos os funcionários do hospi-tal, para assegurar a compreensão dos riscos intrínsecos aos resíduos e dos métodos adequados para manuseá-los (SHANER; McRAE; 2002, DIAZ et al., 2005). Os gestores do HB acreditam que todos os colabo-radores deveriam ser treinados, mas tal prática não é operacionalizada. Para os entrevistados do HA, como a rotina dos profi ssionais, em especial de enfermagem, é extremamente corrida, a disponibilidade para partici-par de treinamentos é signifi cativamente limitada. Com isso, os hospitais estudados não estão obtendo os benefícios advindos do treinamento da equipe, citados por Garcia e Zanetti-Ramos (2004).

Auditorias: Todos os hospitais estudados são acreditados e a audi-toria interna é uma prática necessária para os processos de certifi cação. Assim, com o objetivo de acompanhar o fl uxo e identifi car falhas, os gestores dos HA e HC fi scalizam com frequência as atividades nas di-versas etapas do processo, incluindo a forma como está sendo realizada a disposição fi nal. No HB, contudo, não há um acompanhamento organi-zado que vise identifi car as falhas no processo. A enfermeira responsável pelos profi ssionais da limpeza faz orientações e verifi ca inconsistências, mas só atua na instituição por 20 horas semanais. O HB, portanto, não está aproveitando as oportunidades de melhoria dos processos e redução

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de custos, apontadas na literatura (ALMUNEEF; MEMISH, 2003; BRI-TO; FERREIRA, 2006, HOUSSAIN et al., 2011).

Considerações finais

Tendo como base a análise dos casos, relacionando suas práticas com as recomendações da literatura e com a legislação, é possível res-ponder à pergunta geral formulada neste estudo: Como são gerenciados os RSSS nos hospitais do Rio de Janeiro e de São Paulo e quais as principais características de suas práticas?

Todas as instituições pesquisadas passaram por transformações no processo, principalmente para se adaptarem e atenderem a legislações que foram criadas ou modifi cadas. As novas legislações municipais, que atribuem responsabilidade total ao gerador, inclusive das atividades an-teriormente realizadas pelas prefeituras, como a coleta, tratamento e des-carte dos resíduos, foram muito importantes para melhorar os resultados. Como estas atividades passaram a representar custos para os hospitais, o interesse em executá-las corretamente pode ser refl etido em economia de recursos. Todas as instituições relataram que, antes das modifi cações, todos os resíduos eram considerados como infectantes e, em função das novas regras, a segregação de resíduos passou efetivamente a acontecer.

Observou-se a preocupação dos gestores em reduzir desperdícios e minimizar a utilização de materiais. No entanto, estes enfrentam grandes difi culdades neste processo por dependerem das ações das pessoas en-volvidas, já que segregar corretamente os materiais recicláveis, por exemplo, exige mudanças de hábitos e comportamento, e pelo fato de a gestão de resíduos em geral não ser encarada como prioridade pela dire-ção, difi cultando a liberação de recursos para investir em boas práticas. Mesmo no que tange à segregação dos resíduos não aproveitáveis, como comum ou infectante, os funcionários têm certa difi culdade de classifi -cá-los. De acordo com a literatura, práticas como a colocação de lembre-tes posicionados próximos aos locais de geração e o treinamento de todos os funcionários, e não apenas dos profi ssionais de limpeza, pode-riam contribuir para uma segregação mais efi caz dos resíduos. No entanto, os hospitais pesquisados, em geral, não adotam estas práticas. A etapa de descarte de resíduos também é de grande relevância para os riscos ao ambiente e à sociedade e, pelos casos analisados, não é ainda realizada de forma satisfatória pelos hospitais.

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Cabe ressaltar que, ainda que a responsabilidade seja totalmente atribuída às instituições de saúde, parte do processo é realizada por em-presas terceirizadas. Por isso, os processos de seleção dessas empresas e o acompanhamento dos serviços prestados são igualmente importantes para um bom desempenho global do processo. Soma-se a isso a depen-dência de fatores externos às instituições, como os locais disponíveis para o descarte de resíduos e suas condições, que algumas vezes mos-tram-se inadequados.

Importante notar que estas difi culdades não são exclusivas dos hos-pitais estudados neste trabalho, já que os casos apresentados na revisão de literatura, sobretudo aqueles dos países em desenvolvimento, também enfrentam restrições e falhas em seus processos.

Apesar das difi culdades, os três hospitais estudados percebem con-sequências positivas no gerenciamento efi caz de seus resíduos, como os recursos advindos da venda de materiais recicláveis. Apesar de não serem signifi cativos diante das quantias despendidas no processo global, tal retorno justifi ca seus esforços. Adicionalmente, a correta exequibi-lidade do processo permite reduzir custos resultantes de atividades in-corretas, como a classifi cação de resíduos comuns como infectantes, que aumenta o volume e o gasto com tratamento de materiais que não apresentam tal necessidade. Por último, os gestores mencionaram que a gestão efi ciente dos resíduos pode diminuir os acidentes ocupacionais, ligados a lesões com materiais perfurocortantes, os riscos de contami-nação hospitalar e os danos ambientais.

Em suma, os resultados desta pesquisa contribuem para expansão do conhecimento da área de E stratégia, Sustentabilidade Socioambiental e Ética Corporativa por revelar que a gestão dos resíduos hospitalares encontra-se ainda em fase embrionária, limitando-se, em geral, a aten-der o que determina a legislação. Dito de outra forma, os resultados de-monstram a falta de consciência e/ou preocupação dos gestores quanto aos impactos ambientais de suas ações. Em geral, os recursos despen-didos no processo de gestão dos RSSS são interpretados pelos líderes como custos e, como tais, devem ser minimizados. Ficou claro, também, que o cargo ocupado pelo gestor dos RSSS traduz a importância atri-buída pela alta liderança ao assunto: quanto mais afastado da assistência ao paciente for o cargo, menor é a autonomia e o apoio recebido pelo gestor. E como esse assunto permeia toda a organização e requer a mudança de atitude e comprometimento de todos os envolvidos, a falta de apoio institucional difi culta a implementação de boas práticas.

Gestão dos resíduos sólidos hospitalares: estudo de casos em hospitais...

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Importante frisar que este estudo focou em resíduos de serviços de saúde, os quais são especialmente críticos para a saúde da sociedade e do meio ambiente. Trata-se, em última análise, de um assunto de saúde pública e, mesmo assim, foram revelados líderes pouco conscientes de suas responsabilidades ambientais. Assim, abrindo o escopo de análi-se, os resultados desta pesquisa devem alertar a área de Estratégia, Sus-tentabilidade Socioambiental e Ética Corporativa para a necessidade de conscientizar os gestores sobre a importância do tema.

O método do estudo de casos, apesar de ser o mais adequado para os propósitos desta pesquisa, apresenta algumas restrições, como: não permite generalizações dos resultados; existe a possibilidade de intro-dução de viés por parte do pesquisador, através da subjetividade da coleta e análise das informações, e por parte dos entrevistados, em seus de-poimentos. Para reduzir estas limitações, foram realizadas triangulações, através da análise de fontes secundárias e de visitas às instalações pelos pesquisadores. É importante salientar que os resultados aqui obtidos não devem ser generalizados ou interpretados como regra para todo o setor hospitalar brasileiro.

Por ser um tema relativamente recente, diversas são as oportuni-dades de estudos relacionados aos RSSS. Como sugestão, destacam-se os seguintes temas:a) Qual a visão do processo sob a ótica de outros atores da cadeia,

como os terceiros contratados para a realização do tratamento e descarte dos RSSS?

b) Em função da diversidade econômica e social do Brasil, como o processo é tratado em outras regiões do país, principalmente fora do eixo econômico central?

c) Considera-se ainda o aprofundamento em determinadas etapas do processo, como o acompanhamento da geração de resíduos, identi-fi cando como é feita a segregação dos resíduos e os principais mo-tivos que justifi cam os erros cometidos nesta etapa;

d) Estaria o volume de resíduos gerados associado a alguma variável como, por exemplo, o número de atendimentos e a especialidade do hospital?

Recebido em setembro de 2012.Aprovado em dezembro de 2012.

Mariana de Paula Kopp, Claudia Aff onso Silva Araujo e Kleber Fossati Figueiredo

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