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GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS elaboração de um plano de exploração de água de nascente Susana BARBOSA Mestre em Ordenamento e Valorização de Recursos Geológicos, Departamento de Ciências da Terra, Universidade do Minho, 4710- 057 Braga, Portugal, [email protected] Alberto da Silva LIMA Doutor em Hidrogeologia, Centro de Investigação Geológica, Ordenamento e Valorização de Recursos, Departamento de Ciências da Terra, Universidade do Minho, 4710-057 Braga, Portugal, [email protected] Resumo De acordo com dados oficiais do INE e da DGEG relativos ao ano de 2008, o sector das Águas Minerais Naturais e das Águas de Nascente representa cerca de 3% do conjunto da indústria portuguesa alimentar, assegurando, direta ou indiretamente, mais de 10 000 postos de trabalho. O desenvolvimento desta atividade económica baseia-se na exploração de recursos hídricos subterrâneos, muitas vezes realizada de uma forma não controlada, tendo como consequência o aumento dos custos de produção e colocando em causa a sustentabilidade das explorações. Em Portugal, o Decreto-Lei nº 84/90 de 16 de Março desenvolve os princípios orientadores do exercício das atividades de prospecção, pesquisa e exploração de águas de nascente, com vista ao seu racional aproveitamento técnico-económico e valorização. No âmbito daquele diploma, faz-se, no presente estudo, a avaliação das características hidráulicas de uma captação de água de nascente, com monitorização da qualidade da água durante as fases de extração, visando estabelecer um plano de exploração sustentado e fornecer indicações sobre medidas a tomar em caso de necessidade de modificação pontual do regime de exploração. Com este propósito, realizaram-se ensaios de caudal, tendo sido monitorizada a qualidade da água, através da caraterização da carga em suspensão. Da interpretação dos dados obtidos, determinou-se um valor de transmissividade de 0,22 m 2 /dia, tendo sido também identificadas correlações entre o regime de exploração e a qualidade da água. Em função destes resultados, definem-se as condições específicas de exploração da captação, de forma a garantir a sustentabilidade da exploração, quer ao nível quantitativo, quer no que respeita à qualidade da água, principalmente em termos da carga em suspensão. Palavras-chave: águas de nascente; exploração; qualidade da água.

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GESTO DE RECURSOS HDRICOS SUBTERRNEOS elaborao de um plano de explorao de gua de nascente

Susana BARBOSA Mestre em Ordenamento e Valorizao de Recursos Geolgicos, Departamento de Cincias da Terra, Universidade do Minho, 4710-

057 Braga, Portugal, [email protected]

Alberto da Silva LIMA Doutor em Hidrogeologia, Centro de Investigao Geolgica, Ordenamento e Valorizao de Recursos, Departamento de Cincias da

Terra, Universidade do Minho, 4710-057 Braga, Portugal, [email protected]

Resumo

De acordo com dados oficiais do INE e da DGEG relativos ao ano de 2008, o sector das guas

Minerais Naturais e das guas de Nascente representa cerca de 3% do conjunto da indstria portuguesa alimentar, assegurando, direta ou indiretamente, mais de 10 000 postos de trabalho. O desenvolvimento desta atividade econmica baseia-se na explorao de recursos hdricos subterrneos, muitas vezes realizada de uma forma no controlada, tendo como consequncia o aumento dos custos de produo e colocando em causa a sustentabilidade das exploraes. Em Portugal, o Decreto-Lei n 84/90 de 16 de Maro desenvolve os princpios orientadores do exerccio das atividades de prospeco, pesquisa e explorao de guas de nascente, com vista ao seu racional aproveitamento tcnico-econmico e valorizao. No mbito daquele diploma, faz-se, no presente estudo, a avaliao das caractersticas hidrulicas de uma captao de gua de nascente, com monitorizao da qualidade da gua durante as fases de extrao, visando estabelecer um plano de explorao sustentado e fornecer indicaes sobre medidas a tomar em caso de necessidade de modificao pontual do regime de explorao. Com este propsito, realizaram-se ensaios de caudal, tendo sido monitorizada a qualidade da gua, atravs da caraterizao da carga em suspenso. Da interpretao dos dados obtidos, determinou-se um valor de transmissividade de 0,22 m2/dia, tendo sido tambm identificadas correlaes entre o regime de explorao e a qualidade da gua. Em funo destes resultados, definem-se as condies especficas de explorao da captao, de forma a garantir a sustentabilidade da explorao, quer ao nvel quantitativo, quer no que respeita qualidade da gua, principalmente em termos da carga em suspenso. Palavras-chave: guas de nascente; explorao; qualidade da gua.

1. Introduo

O Decreto-Lei n 84/90 de 16 de Maro desenvolve os princpios orientadores do exerccio das atividades de prospeco, pesquisa e explorao de guas de nascente, com vista ao seu racional aproveitamento tcnico-econmico e valorizao. De acordo com este diploma legal, o licenciamento das exploraes de nascente implica, entre outros elementos, a realizao de um estudo hidrogeolgico da rea da ocorrncia e circulao da gua, que dever incluir a descrio das captaes, a indicao, para cada captao, dos respectivos caudal e temperatura, bem como a apreciao da vulnerabilidade da zona envolvente poluio e proposta de criao de uma rea de proteo.

O regime de explorao das captaes de guas de nascente normalmente contnuo, mas os caudais de explorao so geralmente definidos a partir de ensaios de caudal, um mtodo de anlise das captaes de guas subterrneas e dos aquferos onde esto implantadas, permitindo obter-se informao sobre as caractersticas hidrulicas das captaes e dos respectivos aquferos (Martinez e Lopez, 1984; Rubio et al., 1998). Nestes ensaios, no so normalmente controladas as caractersticas fsico-qumicas das guas em funo dos caudais de extrao e dos rebaixamentos piezomtricos. Por outro lado, o controlo analtico previsto no diploma j mencionado feito, usualmente, em condies de equilbrio hidrodinmico, obtido a partir de bombagem de longa durao a caudal constante, atingindo-se um nvel hidrodinmico praticamente estabilizado. Estas condies, todavia, raramente so verificadas em situaes reais de explorao industrial de captaes. Com efeito, constrangimentos de diversa ordem conduzem, frequentemente, a alteraes do regime normal de explorao das captaes, com repercusses diretas sobre o equilbrio piezomtrico e, indiretamente, sobre a qualidade da gua, no s ao nvel das substncias dissolvidas mas, tambm, sobretudo, ao nvel da matria em suspenso. De facto, as fases transitrias dos regimes de explorao em equilbrio podem conduzir a fluxos turbulentos que, funo das caractersticas intrnsecas dos aquferos, aumentam a carga em suspenso na gua. Estes fenmenos, para alm de alterarem as caractersticas das captaes e diminurem o seu tempo de vida til, podem ter repercusses industriais graves nas unidades de engarrafamento.

Assim sendo, para garantir a qualidade da gua captada e a adequada gesto da explorao do aqufero, dever investir-se no conhecimento hidrogeolgico do sistema aqufero em questo, sendo fundamental que estes estudos estabeleam, desde o incio da atividade de explorao, um modelo de funcionamento do sistema aqufero, que permita fundamentar uma adequada gesto da explorao, evitando situaes de sobreexplorao e de risco de contaminao das guas subterrneas, face ao grau de vulnerabilidade do aqufero e a potenciais focos de contaminao. O modelo hidrogeolgico, ento definido, dever ser ajustado e melhorado durante a fase de explorao regular da captao e do aqufero (Graa, 2002).

O presente trabalho tem como objecto de estudo a captao PS1, situada no concelho da Chamusca, distrito de Santarm. Tratando-se de uma captao para a explorao de gua de nascente destinada indstria do engarrafamento, fundamental o estabelecimento de um modelo de funcionamento do sistema aqufero que permita, como referido anteriormente, uma adequada gesto da explorao. Neste sentido, o presente trabalho tem como objectivo primordial a elaborao de um plano de explorao da captao PS1, tendo em considerao os aspectos quantitativos e qualitativos da gua captada, de tal forma que a extrao de gua no altere o regime de funcionamento do aqufero, nem mesmo as suas propriedades, prolongando-se, assim, o tempo de vida da captao e a sustentabilidade do recurso. 2. Hidrogeologia regional

A rea de estudo integra-se na Bacia Terciria do Tejo-Sado, abreviadamente designada por Bacia do Tejo-Sado, uma das grandes divises geotectnicas do territrio continental portugus. Esta Unidade Hidrogeolgica compreende o maior sistema aqufero do territrio nacional, tendo os seus recursos hdricos subterrneos constitudo um importantssimo factor de desenvolvimento, pois tem assegurado numerosos abastecimentos urbanos, industriais e agrcolas (Almeida et al., 2000a).

Como se pode observar pelo corte geolgico longitudinal da Bacia do Tejo-Sado (Figura 1), esta constitui uma depresso alongada na direo NE-SW, sendo marginada a W e N pelas formaes Mesozicas da Orla Ocidental, a NE e E pelo substrato Hercnico e a S comunica com o Oceano Atlntico, na Pennsula de Setbal. O enchimento desta grande bacia sedimentar compreende sedimentos Cenozicos, nomeadamente, depsitos Paleognicos e Neognicos, recobertos em grande parte por depsitos Quaternrios. A espessura total dos depsitos Cenozicos da bacia pode atingir os 1400 m, entre Benavente e Coruche, podendo o Neognico alcanar os 1200 m (Figura 1) (Almeida et al., 2000a; Almeida et al., 2000b).

A estrutura da bacia relativamente simples, apresentando-se as formaes que a preenchem sempre sub-horizontais, coincidindo os bordos com falhas normais, ativas durante a subsidncia da bacia. Segundo Ribeiro et al. (1979), somente no bordo NW, os terrenos Mesozicos cavalgam o Tercirio.

Figura 1 Corte geolgico longitudinal da Bacia do Tejo-Sado. Adaptado de Almeida et al. (2000b).

De acordo com Almeida et al. (2000a), na Bacia do Tejo-Sado podem ser considerados quatro

sistemas aquferos: Sistema Aluvionar do Tejo, Bacia de Alvalade, Margem Direita e Margem Esquerda. Esta diviso da Bacia nos seus quatro sistemas aquferos encerra algo de artificial ( exceo da Bacia de Alvalade), dado no existirem fronteiras bem definidas entre eles. Contudo, existem diferenas evidentes nas sries sedimentares, resultantes de diferenas nos ambientes de deposio, traduzidas, sob o ponto de vista hidrogeolgico, em diferenas na produtividade e no quimismo das guas (Almeida et al., 2000a). Segundo Almeida et al. (2000b), as Aluvies do Tejo devero ser as reas de descarga dos sistemas aquferos subjacentes, sendo o Rio Tejo o eixo drenante principal da bacia, constituindo-se, assim, como uma divisria hidrulica que justifica a separao entre sistemas aquferos da Margem Direita e Margem Esquerda.

O sistema aqufero da Margem Esquerda, onde se insere a rea em estudo, formado por vrias camadas porosas, geralmente confinadas ou semiconfinadas, sendo frequentes as variaes laterais e verticais nas fcies litolgicas, que provocam mudanas significativas nas condies hidrogeolgicas. Dada esta complexidade, ocorrem camadas aquferas alternadas com outras de baixa ou muito baixa permeabilidade, existindo locais com predomnio de uma ou outra classe de formaes hidrogeolgicas. As caractersticas do sistema variam em funo da importncia das camadas Pliocnicas e da constituio e espessura das formaes Miocnicas (Almeida et al., 2000b).

Para a caracterizao dos principais aspectos da produtividade e qualidade das guas do sistema

aqufero da Margem Esquerda do Rio Tejo, sero considerados, separadamente, os aquferos que tm como suportes principais: o Pliocnico, o Miocnico com caractersticas marcadamente continentais (Arenitos de Ota) e o Miocnico francamente marinho (Srie calco-gresosa marinha).

De um modo geral, estas formaes aquferas dominantes so constitudas por: areias, com intercalaes lenticulares de argilas, no caso do Pliocnico; arenitos com algumas intercalaes de argilas, no Miocnico com caractersticas marcadamente continentais; e arenitos calcrios e margas, com espessuras superiores a 450 m, no Miocnico francamente marinho (Almeida et al., 2000b).

A produtividade mediana das captaes implantadas no Pliocnico de 15,5 L/s, enquanto que nas

formaes Miocnicas com caractersticas marcadamente continentais o valor mediano de produtividade desce para 9,7 L/s, o valor mais baixo encontrado no sistema aqufero da Margem Esquerda. Por sua vez, nas formaes Miocnicas francamente marinhas, a produtividade encontrada a mais elevada deste sistema aqufero, atingindo um valor mediano de 35,0 L/s (Almeida et al., 2000b).

Os valores de transmissividade mais frequentes do sistema aqufero da Margem Esquerda situam-se entre os 100 m2/dia e os 700 m2/dia, sendo que as trs formaes apresentam diferenas significativas entre si. As formaes Miocnicas com caractersticas marcadamente continentais exibem os menores valores de transmissividade. Contrariamente, so as formaes Miocnicas francamente marinhas que apresentam os valores mdios mais elevados.

Em termos hidrogeoqumicos, os dados analticos utilizados por Almeida et al. (2000b) datam da dcada de noventa, tendo sido obtidos, na maior parte, em captaes de abastecimento pblico, correspondendo a colheitas realizadas em diferentes anos, mas para o mesmo ponto de gua.

Para captaes instaladas no Pliocnico, as fcies das guas encontradas so cloretadas sdicas e clcicas, com algumas fcies bicarbonatada calco-magnesiana. Este tipo de fcies bicarbonatada, tambm se encontra nas guas provenientes das formaes do Miocnico francamente marinho. J no caso das formaes Miocnicas com caractersticas marcadamente continentais, as fcies encontradas so

bicarbonatada sdica e clcica, o que demonstra bem o carcter predominantemente carbonatado destas formaes (Almeida et al., 2000b).

Relativamente qualidade da gua para consumo humano, as guas no apresentam, de um modo geral, teores incompatveis com este uso. Contudo, os valores de cloretos, sdio e condutividade excedem os valores legalmente estabelecidos, em vrios casos (Almeida et al., 2000a).

3. Hidrogeologia local

3.1. Localizao

A rea onde se insere a captao PS1 situa-se na freguesia de Ulme, concelho da Chamusca, distrito de Santarm, estando coberta pela folha n 342 da Carta Militar de Portugal escala 1/25 000. Esta rea situa-se nas proximidades da Ribeira de Alpiara, comummente designada por Ribeira de Ulme, curso de gua que nasce na localidade de Aranhas de Cima, concelho de Abrantes, altitude de cerca de 200 m, e prolonga-se por cerca de 65 km, at sua confluncia com o Rio Tejo, na localidade de Benfica do Ribatejo, a uma cota da ordem dos 10 m (Figura 2).

Figura 2 Localizao da captao PS1 numa base topogrfica escala 1/25 000. Mapa elaborado com base nas folhas 342 e 354 da Carta Militar de Portugal escala 1/25 000, do Instituto Geogrfico do Exrcito. O smbolo a vermelho representa a captao PS1. Referenciao Hayford-Gauss, ponto central.

Desde a nascente at Chamusca, a Ribeira de Ulme corre, sensivelmente, segundo a orientao geral E-W, assumindo posteriormente um traado NE-SW a NNE-SSW, subparalelo ao Rio Tejo. Esta ribeira apresenta numerosos tributrios que se encontram tanto na margem direita, como na margem esquerda, sendo que junto de um destes afluentes da margem esquerda que se situa a captao PS1 (Figura 2).

Apesar de no se encontrar muito distante do centro demogrfico da freguesia de Ulme, a captao em estudo localiza-se fora do aglomerado populacional, a uma cota aproximada de 50 m. Para sul, os terrenos encontram-se despovoados, existindo apenas um complexo desportivo, a poucos metros da captao, e uma unidade industrial de cermica e outra de engarrafamento de gua, ambas um pouco mais distantes.

3.2. Geologia A rea de implantao da captao PS1 encontra-se coberta pela folha 27-D (Abrantes) da Carta

Geolgica de Portugal escala 1/50 000. Porm, situando-se no limite SW desta folha, o contexto geolgico desta rea fica melhor descrito se se considerar, tambm, a folha 31-B (Chouto) da referida carta (Figura 3).

Aluvies (Holocnico)

Arenitos e conglomerados (Pliocnico)

Depsitos de terraos fluviais (Plistocnico)

Formao argilo-arentica do vale do Ulme (Miocnico superior-Pliocnico)

Granitos de duas micas, porfirides.

Figura 3 - Enquadramento geolgico da captao PS1. Mapa elaborado com base nas folhas 27-D (Abrantes) e 31-B (Chouto) da Carta Geolgica de Portugal Escala 1/50 000. O smbolo a vermelho representa a captao PS1. Referenciao Hayford-Gauss, ponto central.

Como se pode constatar na Figura 3, a rea em estudo essencialmente constituda por terrenos do Cenozico, cuja idade se estende desde o Miocnico at atualidade. Alm destas formaes cenozicas, pode identificar-se, ainda, um pequeno retalho de rochas hercnicas, que correspondem a granitos alcalinos e calco-alcalinos de duas micas, porfirides, representados na parte mais a Norte da Figura 3.

As rochas mais recentes, do Holocnico, observam-se ao longo dos principais cursos de gua da regio e correspondem a aluvies que se encontram mais desenvolvidos no troo inferior do vale do Tejo, entre Vila Nova da Barquinha e Chamusca, onde o vale alarga. Estas aluvies so constitudas, maioritariamente, por areias e cascalheiras com algumas intercalaes argilosas e com espessura de apenas alguns metros (Gonalves et al., 1979).

O Plistocnico encontra-se representado por depsitos de terraos fluviais, cuja maior extenso se observa ao longo do vale do Tejo, encontrando-se outros depsitos mais reduzidos, nos vales afluentes, sobretudo nos do Rio Torto e da Ribeira de Ulme. Estes depsitos de antigos terraos fluviais encontram-se escalonados, em degraus, ao longo dos principais vales da regio e so constitudos, essencialmente, por areias acastanhadas, saibros mais ou menos grosseiros e cascalheiras, podendo conter algumas intercalaes argilosas (Gonalves et al., 1979; Zbyszewski et al., 1979).

Os terrenos do Pliocnico ocupam os pontos altos da topografia da regio, formando uma srie de relevos residuais mais ou menos desenvolvidos, particularmente na margem esquerda da Ribeira de Ulme. Trata-se de depsitos do antigo esturio (pr-Tejo), um conjunto Pliocnico Superior e, provavelmente, Vilafranquiano, de origem continental, constitudo por cascalheiras de planalto, arenitos argilosos avermelhados e acastanhados, areias e conglomerados com algumas intercalaes argilosas acinzentadas. Em diversos locais da regio, a cobertura Pliocnica assenta sobre os terrenos Miocnicos subjacentes, ravinando-os (Gonalves et al., 1979; Zbyszewski et al., 1979).

A formao argilo-arentica do Vale de Ulme e de quase todos os vales da regio constitui um complexo Miocnico continental sujeito a variaes laterais de fcies. Em determinados casos, a parte superior, greso-arenosa com seixos, carrega-se de nveis de conglomerados, os quais ravinam as camadas subjacentes e do passagem s cascalheiras Pliocnicas dos planaltos, tornando difcil a separao das duas formaes. Esta formao argilo-arentica do Miocnico a dominante na rea de implantao da captao PS1 e em toda a regio de Ulme (Figura 3) (Gonalves et al., 1979; Zbyszewski et al., 1979).

As rochas mais antigas aflorantes na rea em estudo correspondem a granitos alcalinos de duas micas, porfirides e ocorrem, apenas, no sector Norte da rea em estudo (Figura 3) tratando-se de uma mancha isolada, de dimenso hectomtrica, localizada prximo do vrtice geodsico de Figueiras. Para Norte da rea representada na Figura 3, estes afloramentos gneos tornam-se mais expressivos, principalmente nas margens do Rio Tejo, revelando a presena do soco Hercnico a pequena profundidade.

3.3. Hidrogeoqumica A caracterizao fsico-qumica da gua da captao PS1 apresentada neste trabalho baseou-se em

oito relatrios de anlises fsico-qumicas relativas a amostras colhidas regularmente durante o ano de 2008. Na Tabela 1 apresenta-se uma sntese da composio maioritria da gua da captao PS1, atravs dos valores de alguns parmetros estatsticos.

Tabela 1 Dados estatsticos da composio qumica (componente maioritria) da gua da captao PS1. Concentrao dos anies, dos caties e da slica em mg/L; condutividade em S/cm, a 25C; dureza em mg/L de CaCO3; resduo seco em mg/L. Dados obtidos em Lima (2008).

N = 8 Mediana Desvio padro padro

Coef. Var. pH 6,30 0,10 0,020 Condutividade 144 2,28 0,015 Dureza 14,0 2,21 0,154 SiO2 61,8 2,71 0,044 Resduo seco 145 3,06 0,021 F- 0,18 0,071 0,357 Cl- 23,8 0,81 0,034 HCO3- 43,3 0,53 0,012 SO42- 3,6 0,21 0,060 H2PO4- 1,20 0,062 0,053 NO3- 0,52 0,059 0,117 Na+ 26,5 0,35 0,013 K+ 2,2 0,083 0,038 Mg2+ 2,3 0,142 0,062 Ca2+ 1,4 0,044 0,031

Como se pode constatar, relativamente sua componente maioritria, a gua da captao PS1 dominada pelo bicarbonato e pelo cloreto, no que respeita aos anies, e pelo sdio, no caso dos caties. Globalmente, a generalidade dos parmetros demonstra uma elevada estabilidade composicional da gua, sendo que as maiores disperses ocorrem nos parmetros que surgem em menores concentraes.

Na projeo da composio qumica das amostras de gua da captao PS1 no diagrama de Piper,

no possvel a individualizao dos oito pontos projetados, devido quase total sobreposio dos mesmos (Figura 4). Tal facto ilustra claramente a estabilidade composicional da gua ao longo do perodo de monitorizao, aspecto que enfatizado quando se projetam os dados no diagrama de Schoeller. Neste, constata-se somente uma tnue disperso nos teores de magnsio e de sulfato, favorecida pela escala mais discriminante (Figura 5).

Os diagramas apresentados mostram que a gua da captao PS1 pode ser classificada como

bicarbonatada-cloretada sdica, dada a predominncia destes ies. Os elevados teores em slica conferem singularidade a esta gua, de tal forma que a gua da captao PS1 fica melhor classificada como sendo uma gua bicarbonatada-cloretada sdica, siliciosa.

Alm da componente qumica principal, nas amostras de gua foram pesquisados, por ICP-MS, trinta e trs elementos vestigiais, sendo somente dez os elementos que em todas as amostras de gua surgiram com concentraes acima dos limites de quantificao (Tabela 2).

Tabela 2 Dados estatsticos da composio qumica (componente vestigiria) da gua da captao PS1. Concentraes em g/L. Dados obtidos em Lima (2008).

N = 8 Mediana Desvio padro Coef. Var. Li 23,5 1,98 0,09 B 8,0 0,35 0,05 Al 2,4 1,57 0,57 V 0,71 0,12 0,16 Zn 1,3 96,6 2,54 As 4,20 0,23 0,05 Rb 0,70 0,13 0,17 Sr 22,4 0,52 0,02 Ba 7,1 0,82 0,12 U 0,10 0,01 0,06

Figura 4 Projeo da composio qumica das amostras da captao PS1 no diagrama de Piper.

Figura 5 Projeo da composio qumica das amostras da captao PS1 no diagrama de Schoeller.

Da anlise dos resultados obtidos pode-se concluir que, relativamente componente vestigiria, a gua da captao PS1 no tem qualquer limitao de ordem composicional para a sua utilizao como gua de consumo humano. Da mesma forma, tambm a sua estrutura qumica principal favorvel a esta utilizao.

3.4. Parmetros hidrulicos

Com o intuito de se determinarem os parmetros hidrulicos do aqufero foi realizado um ensaio de caudal, a 22 de Maro de 2010, com a durao de 6h30 (390 min), sendo que a captao esteve em repouso por um perodo de aproximadamente dois dias e meio. Aps este perodo de repouso, a profundidade do nvel hidrosttico do aqufero era de 6,25 m. No decorrer do ensaio foram medidos os rebaixamentos provocados pela bombagem de gua, recorrendo a uma sonda de nvel porttil (marca SEBA, modelo KLL) e foram controlados os caudais de extrao, com auxlio de um bido de 130 L.

Os dados obtidos encontram-se representados no grfico da Figura 6. Como se pode constatar, aps iniciado o ensaio de caudal, ocorre uma rpida e acentuada descida da profundidade do nvel piezomtrico, atingindo-se um rebaixamento de 17,25 m aos 20 min de ensaio. Posteriormente, o nvel piezomtrico continua a descer, mais lentamente, atingindo-se o valor mximo de rebaixamento de 18,22 m aos 210 min, revelando-se uma tendncia de pseudoestabilizao. Aos 211 min, a gua extrada passou a ser encaminhada para o enchimento de depsitos, originando uma diminuio dos valores de rebaixamento. Porm, aps esta quebra inicial, constata-se uma nova pseudoestabilizao do nvel piezomtrico, a que corresponde um rebaixamento de 17,43 m.

Figura 6 Evoluo do rebaixamento no decurso do ensaio de caudal realizado a 22 de Maro de 2010.

A interpretao dos resultados obtidos neste ensaio de caudal foi efectuada de acordo com o mtodo de Theis (1935), segundo o qual o rebaixamento dado pela frmula:

! =!4!"

!!

!!!"

!

!

onde: s rebaixamento (m) Q caudal (m3/dia) T transmissividade (m2/dia) u funo auxiliar cujo valor : ! = !

!!!!"

r distncia do poo ao piezmetro de observao (m) S coeficiente de armazenamento t tempo (dias)

Contudo, considerando um aqufero semi-confinado, os dados obtidos em campo foram interpretados pelo mtodo de Hantush (1956). Este pressupe que existe um aqufero superior bem alimentado, separado do aqufero inferior semi-confinado por uma formao semi-permevel, atravs da qual ocorrem fenmenos de drenncia vertical (Figura 7).

Figura 7 Representao esquemtica da drenncia vertical num aqufero semi-confinado. (Imagem adaptada de Martinez e Lopez, 1984).

De acordo com o modelo de Hantush, o rebaixamento dado por:

! = !4!"

!(!, ! !)

onde: s rebaixamento de um ponto situado distncia r do poo de bombagem Q caudal de bombagem constante W(u, r/B) funo de poo para um aqufero semi-confinado

B factor de drenncia = !"!!!

sendo que: b/K resistividade hidrulica, cuja dimenso de tempo (em dias) K/b coeficiente de drenncia, cuja dimenso a inversa do tempo (1/dia) b espessura da formao semi-permevel K permeabilidade vertical da formao semi-permevel

O modo operativo similar ao de Theis: constri-se a curva de campo log s log t e sobrepe-se

curva padro de Hantush que melhor se ajuste. Toma-se um ponto da curva padro e o seu coincidente na curva de campo obtendo-se, assim, cinco valores: W(u, r/B), 1/u, s, t, r/B (Martinez e Lopez, 1984; Rubio e Magn, 1998). Uma vez encontrados estes valores, possvel obter-se os valores de T e S, do seguinte modo:

! =! . ! !, !/!

4!"

! = 4!"

!!. 1 !

A interpretao do ensaio foi efectuada recorrendo ao software AquiferTest, verso 2.55. O melhor ajuste ao mtodo de Hantush est representado na Figura 8.

Figura 8 Sobreposio da curva de campo curva padro de Hantush.

O melhor ajuste da curva de campo a este modelo produz um valor de transmissividade de 1,5110-4 m2/min, ou seja, 0,22 m2/dia. Este valor muito inferior aos encontrados noutros locais das mesmas formaes geolgicas (Almeida et al., 2000b). 4. Plano de explorao

4.1. Eficincia da captao De forma a poder-se avaliar a eficincia da captao PS1, realizou-se um ensaio escalonado. A

metodologia deste tipo de ensaios usual para o clculo dos coeficientes da frmula geral dos rebaixamentos:

! = !" + !!!

sendo que a sua aplicao no necessita de piezmetros de observao (Martinez e Lopez, 1984). Uma vez introduzidos os valores obtidos no ensaio de caudal (Q e s), esta frmula passa a ter somente trs incgnitas: A, B e n, sendo necessrio, pelo menos, a realizao de trs escales, a diferentes caudais e, se possvel, com a mesma durao, para resolver o sistema:

s1 = AQ1 + BQ1n s2 = AQ2 + BQ2n s3 = AQ3 + BQ3n

sendo que AQ representa o rebaixamento terico e BQn representa as perdas de carga. O coeficiente A obtm-se da frmula de Jacob:

! = 0,183 1 ! !"#

2,25 ! !!! !

Conhecidos os caudais e os respectivos rebaixamentos produzidos, possvel a resoluo do sistema de equaes anterior por vrios procedimentos, sendo que o adoptado neste trabalho ser o mtodo de tentativa de valores de n. Aqui, divide-se todo o sistema de equaes por Q e dando a n o valor de 2 e representando s/Q em ordenadas e Qn-1 em abcissas, num sistema de eixos mtricos, podem obter-se duas situaes:

1) uma linha recta com os pares de valores (s/Q, Qn-1), o que significa que n realmente 2. Pode, ento, medir-se sobre o grfico o valor de A (ordenada na origem) e o de B (declive da recta).

2) no se obtm uma linha recta (logo n2) e ter de se proceder tentativa de um novo valor de n (que oscila entre 1 e 3,5).

Os patamares do ensaio escalonado realizado na captao PS1, a 26 de Abril de 2010, tiveram a durao de aproximadamente 2h cada, exceo do ltimo escalo, que somente se realizou por um perodo de tempo de 1h30. No total, foram executados trs escales. A profundidade do nvel hidrosttico no momento anterior ao incio deste ensaio de caudal era de 6,05 m. Convm salientar que os ensaios se realizaram com recuperao parcial dos nveis (uma vez que houve a necessidade de reiniciar a bomba de extrao, na mudana de escalo) e que a gua extrada esteve sempre a ser utilizada para enchimento dos depsitos na unidade de engarrafamento de gua. Os dados referentes a este ensaio esto representados no grfico da Figura 9.

Figura 9 - Evoluo do rebaixamento no decurso do ensaio de caudal escalonado realizado a 26 de Abril de 2010.

Pela observao deste grfico pode constatar-se que os perfis de rebaixamento dos trs escales do ensaio de caudal realizado apresentam a mesma tendncia: numa fase inicial, uma rpida descida do nvel piezomtrico, seguida de uma pseudoestabilizao do nvel. Esta tendncia dos perfis de rebaixamento semelhante ao ocorrido no ensaio a caudal constante. Observa-se, ainda, que alteraes nos depsitos de enchimento, nomeadamente aos 91 min, provocaram quebras nos perfis de rebaixamento.

No grfico da Figura 10 esto representados os valores de caudais mdios em funo dos valores

mximos de rebaixamento obtidos em cada escalo do ensaio de caudal realizado.

Figura 10 Caudais mdios em funo dos rebaixamentos mximos dos trs escales do ensaio de caudal realizado a 26 de Abril de 2010.

Como se pode verificar na Figura 10, a curva caracterstica Q-s uma recta que passa na origem

(R2=0,998), sendo Q diretamente proporcional a s. Como referem Martinez e Lopez (1984), a obteno desta curva caracterstica (uma recta que passa na origem) significa que estamos perante um aqufero

y = 32.472x R = 0.998

0

200

400

600

800

1000

1200

0 5 10 15 20 25 30 35

Cau

dal

(m

3 /d

ia)

Rebaixamento (m)

cativo, sem perdas de carga no poo, facto reforado pelo grfico da Figura 11, em que se expressam os caudais especficos em funo de s. Aqui, a curva caracterstica Q/s-s uma recta subparalela ao eixo dos rebaixamentos.

Os mesmos autores referem ainda que, quando se admite que n=1, depreende-se da equao geral dos rebaixamentos que o rebaixamento proporcional ao caudal, no sendo possvel separar cada um dos coeficientes A e B. Nesses casos, o regime laminar e as perdas de carga, embora possam existir, tm efeitos prticos depreciveis, tendo em conta que A muito maior que B.

Assim, tratando-se de um aqufero cativo sem perdas de carga a funcionar em regime laminar (n=1), o termo BQn anula-se e o rebaixamento fica a depender unicamente do caudal de extrao. Ao expressarmos graficamente s-Q (Figura 12), obtm-se uma recta de equao s=0,0308.Q, sendo que o declive dela corresponde ao valor do coeficiente A.

A captao PS1 , neste sentido, uma captao de gua eficiente, sem perdas de carga lineares e

no lineares significativas. Comparando os valores de caudais especficos obtidos em ambos os ensaios de caudal realizados,

constata-se que a mdia dos caudais especficos obtidos no ensaio escalonado (Q/s=32,24 m3/dia/m) ligeiramente inferior ao caudal especfico obtido no ensaio a caudal constante (Q/s=36,63 m3/dia/m). Esta diferena poder estar relacionada com o facto de no ensaio escalonado os valores de caudais serem obtidos atravs da leitura dos depsitos, nomeadamente, atravs das variaes de volume de gua nos depsitos. J no caso do ensaio a caudal constante, as condies de realizao do ensaio (bombagem de gua sem aproveitamento para enchimento de depsitos) permitiram a obteno de dados mais fidedignos.

4.2. Qualidade da gua 4.2.1. Concentrao dos slidos em suspenso

A determinao da concentrao dos slidos suspensos nas amostras de gua recolhidas nos

ensaios realizados teve como principal objectivo a avaliao da evoluo da concentrao dos slidos suspensos no decurso dos ensaios de caudal, assim como, a sua relao com a piezometria.

Para tal, foram recolhidas amostras de gua (para garrafes de 5 L) em todos os ensaios de caudal realizados. Posteriormente, procedeu-se filtrao destas amostras usando-se membranas filtrantes de 0,10 m, 0,22 m e 0,45 m, previamente pesadas, numa balana de preciso (sensibilidade 0,0001 g) e colocadas em caixas de Petri.

As filtraes no se procederam de igual modo para todas as amostras, devido a diversos factores, entre eles, as condies laboratoriais distintas. De facto, as amostras de gua referentes ao ensaio a caudal constante foram filtradas no laboratrio da unidade industrial. Este possua uma rampa de filtrao com capacidade para trs filtraes em simultneo, mas sem possibilidade de recuperao da amostra filtrada para posterior filtrao em membranas filtrantes de menor dimetro. Assim sendo, optou-se por dividir a amostra de gua (5 L) em partes iguais de modo a que uma das partes passasse nos filtros de 0,22 m e a outra nos de 0,45 m. Uma vez filtradas todas as amostras, as membranas filtrantes foram colocadas numa estufa temperatura de 25C durante, aproximadamente, dois dias. Posteriormente, pesaram-se as

y = 0.0747x + 30.419 R = 0.96252

0

5

10

15

20

25

30

35

10 15 20 25 30 35

Cau

dal

esp

ecf

ico

(m

3 /d

ia/m

)

Rebaixamento (m)

y = 0.0308x R = 0.99778

0

5

10

15

20

25

30

35

400 600 800 1000 1200 R

ebai

xam

ento

(m

) Caudal (m3/dia)

Figura 11 Caudais especficos em funo dos rebaixamentos para cada escalo do ensaio de caudal realizado a 26 de Abril de 2010.

Figura 12 Variao dos rebaixamentos em funo dos caudais de extrao, considerando que no existem perdas de carga.

membranas filtrantes, de forma a determinar-se a quantidade de slidos suspensos. Estas membranas foram, ainda, colocadas num exsicador durante uma semana e voltadas a pesar.

No grfico da Figura 13 pode-se observar a evoluo da concentrao total de slidos suspensos e dos rebaixamentos no decurso do ensaio de caudal. Numa primeira anlise, verifica-se que os picos de concentrao total de slidos suspensos apresentam um atraso relativamente fase transitria do perfil de rebaixamento, que termina por volta dos 20 min. Os picos mximos de concentrao de slidos suspensos ocorrem aos 39 min e aos 64 min de ensaio, quando o perfil de rebaixamento j se encontra pseudo-estabilizado. A partir dos 120 min de ensaio, deixam-se de evidenciar picos de concentrao, verificando-se uma diminuio progressiva dos teores de slidos suspensos na gua.

Figura 13 - Evoluo do rebaixamento e da concentrao total de slidos suspensos, ao longo do ensaio de caudal realizado a 22 de Maro de 2010.

O desfasamento entre os dois perfis (rebaixamentos e concentrao total de slidos suspensos) dever-se- ao facto da bomba arrancar em modo progressivo e a gua demorar alguns minutos at chegar unidade de engarrafamento de gua, onde as amostras de gua foram recolhidas. Assim, o aumento da concentrao total de slidos suspensos na gua, provocado pelo aumento progressivo do caudal, s vai ser evidenciado aps alguns minutos de ensaio. Alm disso, o aqufero apresenta uma determinada elasticidade que lhe permite, nos primeiros minutos de ensaio, ajustar-te s alteraes provocadas pela bombagem de gua, no havendo arrastamento de materiais do aqufero. Contudo, com o aumento progressivo do caudal, observa-se um aumento acentuado de slidos suspensos na gua.

No caso das amostras de gua recolhidas durante o ensaio escalonado, as filtraes foram realizadas no Laboratrio de guas do Departamento de Cincias da Terra, da Universidade do Minho. Aqui, o sistema de filtrao permitia a recuperao da gua filtrada, tendo-se optado por filtrar, primeiramente, a amostra numa membrana filtrante de 0,45 m e depois numa de 0,22 m. Devido elevada quantidade de slidos suspensos em algumas amostras de gua, houve a necessidade de se usarem vrias membranas filtrantes de 0,45 m e, por vezes, de 0,22 m para a mesma amostra (at seis membranas filtrantes de 0,45 m/amostra). A secagem destas membranas filtrantes foi mais morosa que as do ensaio anterior, uma vez que, na ausncia de estufas a 25C, a sua secagem foi efectuada no exsicador por um perodo de 3 semanas.

Na Figura 14 pode-se observar a evoluo da concentrao total de slidos suspensos na gua com os rebaixamentos obtidos ao longo do ensaio escalonado. Observa-se uma primeira fase mais ou menos estvel relativamente concentrao de slidos suspensos, com valores mdios de 2,38 mg/L, correspondente ao primeiro escalo e a parte do segundo escalo. Neste ltimo, o pico de concentrao total de slidos suspensos ocorre com um atraso, comparativamente com a fase transitria do perfil de rebaixamento, como j tinha ocorrido no ensaio a caudal constante. Aps este pico, dos 200 aos 240 min de ensaio, a concentrao de slidos suspensos reduz-se para valores da ordem dos 7,49 mg/L. No terceiro escalo, como h aumento do caudal de extrao, verifica-se um novo pico de concentrao, atingindo os valores mais altos registados em todos os ensaios.

Figura 14 Evoluo do rebaixamento e da concentrao total de slidos suspensos ao longo do ensaio de caudal escalonado realizado a 26 de Abril de 2010.

Assim sendo, pode-se dizer que variaes de caudais de extrao, at pela simples mudana de depsito de enchimento, afectam o nvel piezomtrico e consequentemente a quantidade de slidos suspensos.

4.2.2. Mineralogia dos slidos em suspenso A caracterizao mineralgica dos materiais retidos nos filtros consistiu em anlises por difrao de

raios X dos slidos suspensos das amostras de gua recolhidas no decurso dos ensaios de caudal realizados. A poro analisada foi obtida por filtrao em membranas de 0,45 m e 0,22 m. Dada a elevada quantidade de membranas filtrantes usadas nos ensaios de caudal realizados, foram selecionadas apenas algumas, consideradas representativas das diversas fases do ensaio.

As anlises por DRX realizaram-se diretamente sobre o papel das membranas filtrantes, usando-se um equipamento Philips XPERT PRO-MPD, com gerador PW3040 de radiao K-Cu a 50 kV e a 40 mA. O passo foi de 0,02 2 e o tempo de contagem foi de 1,25 s. Foi utilizado o software analtico XPert Graphics and Identify, desenvolvido pela Philips.

A estimativa da composio mineralgica por DRX dos slidos suspensos retidos nas membranas filtrantes foi efectuada a partir de picos diagnsticos para as diferentes fases mineralgicas identificadas (Brindley e Brown, 1980; Gomes, 1988; Moore e Reynolds, 1997; Velho et al., 1998). Na Tabela 3 esto apresentados os respectivos resultados.

De um modo geral, as fases mineralgicas identificadas por DRX dos slidos suspensos retidos nas membranas filtrantes englobam quartzo, feldspato potssico, plagioclase, moscovite e, em menor quantidade, minerais argilosos 2:1 (por ex: vermiculite, esmectite, interestratificados vermiculticos) e 1:1 (caulinite), assim como, alguma goethite, entre os xidos de ferro (Tabela 3).

De entre as amostras de slidos suspensos e depositados nas membranas filtrantes, foram escolhidas apenas algumas (das representativas de cada ensaio de caudal) em que a quantidade de slidos era minimamente suficiente para uma anlise por DRX (Tabela 3) tendo em considerao que a anlise foi realizada diretamente sobre o papel das membranas filtrantes. No entanto, a quantidade de amostra era demasiado pequena para a identificao dos minerais argilosos cuja metodologia referida em tratados como Brindley e Brown (1980) e Moore e Reynolds (1997). Por essa razo, na Tabela 3 surgem minerais argilosos 2:1 cujo padro de difrao indica a presena de fases entre 15 e 14 e, tambm, fases vestigiais a cerca de 12 . Estes minerais 2:1 podero corresponder a vermiculites, interestratificados mica-

vermiculite e/ou esmectites. Os minerais 1:1 correspondem, sem qualquer dvida, aos minerais do grupo da caulinite.

Tabela 3 Estimativa (em %) da composio mineralgica por DRX dos slidos suspensos retidos nas membranas filtrantes. Qz - quartzo; FK - feldspato potssico; Pl - plagioclase; Mo - moscovite; 2:1 - minerais argilosos 2:1; 1:1 - minerais argilosos 1:1; Goe - goethite; tr - vestigial; - no detectado. A amostra do ensaio a caudal constante; E amostra do ensaio escalonado (o n junto do E indica o escalo).

4.3. Proposta de plano de explorao

Tratando-se de uma captao em explorao para engarrafamento de gua, fundamental existir um plano de explorao sustentado que tenha em considerao os aspectos quantitativos e qualitativos da gua captada, de tal forma que a contnua extrao de gua no altere o regime de funcionamento do aqufero, nem mesmo as suas propriedades, prolongando-se, assim, o tempo de vida da captao e a sustentabilidade do recurso.

De acordo com o que foi referido anteriormente, os principais problemas com que nos deparamos na explorao da captao PS1 so: variaes dos caudais de extrao devido a efeitos de presso causados pela coluna de gua dentro dos depsitos; oscilaes do nvel piezomtrico e, consequentemente, movimentao de considerveis quantidades de slidos suspensos na gua, resultantes das variaes nos caudais de extrao.

Assim, de forma a eliminar os efeitos de presso sobre a coluna de gua bombeada e que afectam o caudal de extrao, prope-se a colocao de um depsito de recepo de gua, na unidade de engarrafamento de gua. Este ser colocado antes da coluna de filtros, ou seja, receber a gua da tubagem logo que esta chegue unidade de engarrafamento de gua, sendo que a entrada de gua dever ser por cima do depsito, como representado esquematicamente na Figura 15. Desta forma, os efeitos de presso provocados pela carga de gua nos depsitos de enchimento, que atualmente afectam os caudais de extrao, sero eliminados. A partir do depsito de recepo sair gua para a coluna de filtros e daqui para o enchimento dos depsitos de armazenamento de gua.

Em suma, a nica alterao estrutural ser a da colocao de um depsito de recepo, com entrada da gua pela parte superior. Daqui, a gua segue o seu percurso normal, ou seja, passa da coluna de filtros para os depsitos de armazenamento de gua.

Minerais Qz FK Pl Mo 2:1 1:1 Goe Picos

diagnsticos ()

4,25 3,24 3,18-3,20

10 15-14 12 7 4,18

Amostras A-9 9 10 7 61 3 tr 11 -

A-11 27 38 27 5 - - 2 - A-26 12 - - 64 2 tr 22 - A-27 - - 12 71 tr - 17 -

E1-18 13 6 - 54 11 tr 16 tr E1-23 11 11 - 56 9 tr 14 - E1-25 - 26 - 54 7 tr 14 - E2-30 6 10 - 59 10 tr 15 - E2-35 27 18 40 12 tr 0 2 tr E2-41 15 8 46 22 2 tr 7 - E3-43 6 82 - 6 2 tr 4 - E3-44 29 13 19 27 4 tr 8 - E3-48 43 11 41 4 - - 1 -

Figura 15 Esquema representativo da colocao do depsito de recepo de gua e seu encaminhamento para coluna de filtros e, posteriormente, para os depsitos de armazenamento.

Uma vez eliminados os efeitos de presso, resta-nos o problema das oscilaes do nvel piezomtrico e da quantidade de slidos suspensos na gua com elas relacionadas. Como j foi referido, os rebaixamentos do nvel piezomtrico so proporcionais aos caudais de extrao de tal forma que pequenas variaes dos caudais de extrao provocam oscilaes do nvel piezomtrico. Consequentemente, ocorrem movimentaes de considerveis quantidades de slidos suspensos na gua.

Deste modo, para a extrao de gua sem grandes perdas de qualidade da mesma, ou seja, sem arrastamento de considerveis quantidades de slidos suspensos, aconselha-se um caudal de extrao na ordem dos 25 m3/h. No caso das necessidades da unidade de engarrafamento obrigarem a um incremento do caudal de extrao, este no dever exceder os 35 m3/h, uma vez que a gua bombeada ser de menor qualidade.

Em todas as situaes, recomenda-se que, uma vez iniciada a bombagem de gua, devido a paragens propositadas ou no da bomba de extrao, se aguarde entre 70 e 120 min sem aproveitamento de gua para o enchimento dos depsitos, dado que j se ultrapassou, certamente, o pico de concentrao de slidos suspensos (que como vimos, ocorre desfasado da fase transitria do perfil de rebaixamento).

Por ltimo, aconselha-se a realizao de um novo ensaio de caudal aps a aplicao das

recomendaes anteriores, de forma a avaliar-se as melhorias na explorao da captao PS1.

5. Concluses

O presente trabalho de investigao teve como objectivo fundamental a elaborao de um plano de explorao, para a captao PS1, tendo em considerao os aspectos quantitativos e qualitativos da gua captada, de tal forma que a extrao de gua no altere o regime de funcionamento do aqufero, nem mesmo as suas propriedades, prolongando-se, assim, o tempo de vida da captao e a sustentabilidade do recurso.

Neste sentido, foram definidos alguns objectivos operacionais que levaram aplicao de procedimentos distintos, entre eles, a realizao de ensaios de caudal (a caudal constante e ensaio escalonado) e anlises de difrao de raios X.

A caracterizao mineralgica dos materiais retidos nos filtros consistiu em anlises por DRX dos slidos suspensos retidos nas membranas filtrantes, sendo que as estimativas da composio mineralgica foram efectuadas a partir de picos diagnsticos para as diferentes fases mineralgicas identificadas. De um modo geral, as fases mineralgicas identificadas por DRX dos slidos suspensos retidos nas membranas filtrantes englobam quartzo, feldspato potssico, plagioclase, moscovite e, em menor quantidade, minerais argilosos 2:1 (por ex: vermiculite, esmectite, interestratificados vermiculticos) e 1:1 (caulinite), assim como, alguma goethite, entre os xidos de ferro.

Da interpretao dos dados obtidos nos ensaios de caudal, constatou-se que a captao PS1 uma captao eficiente, implantada num aqufero semi-confinado, sem perdas de carga significativas, a funcionar em regime laminar (n=1). Da aplicao do mtodo de Hantush aos dados de campo, no programa AquiferTest, o melhor ajuste da curva de campo obtido, produziu um valor de transmissividade de 1,5110-4 m2/min, ou seja, 0,22 m2/dia, um valor muito inferior aos encontrados noutros locais das mesmas formaes geolgicas.

Investigaram-se os efeitos que pequenas alteraes no regime de extrao de gua tm sobre os caudais de extrao, consequentemente, sobre os rebaixamentos provocados e, em ltima anlise, sobre a quantidade de slidos suspensos transportados desde a captao at aos depsitos.

Da comparao dos perfis de rebaixamento com os perfis da evoluo da concentrao de slidos suspensos, verifica-se que existe um desfasamento, de aproximadamente duas horas, entre ambos. Este, dever-se- ao facto da bomba arrancar em modo progressivo e da gua demorar alguns minutos at chegar unidade de engarrafamento de gua, local onde foram recolhidas as amostras de gua. Alm disso, a transmisso da perturbao induzida pela bombagem a zonas mais afastadas da captao no imediata, o que faz com que alteraes provocadas pela bombagem no provoquem arrastamento de materiais do aqufero nos momentos iniciais.

Apresentando os caudais de extrao relaes bem definidas, quer com os rebaixamentos do nvel

piezomtrico, quer com as concentraes de slidos suspensos arrastados na gua bombeada, de enorme importncia o controlo das suas variaes. Uma vez que estas variaes nos caudais de extrao se devem a efeitos de presso causados pela coluna de gua dentro dos depsitos, prope-se a colocao de um depsito de recepo de gua, na unidade de engarrafamento de gua, com entrada da gua pela parte superior.

Para a extrao de gua sem grandes perdas de qualidade da mesma, isto , sem arrastamento de considerveis quantidades de slidos suspensos, aconselha-se que os caudais de extrao sejam por volta dos 25 m3/h, para que a quantidade diria de slidos suspensos seja baixa, isto , a gua bombeada seja de maior qualidade. No caso das necessidades da unidade de engarrafamento obrigarem a um incremento do caudal de extrao, este no dever exceder os 35 m3/h, uma vez que a concentrao diria de slidos suspensos aumenta consideravelmente, havendo perda da qualidade da gua bombeada.

Em todas as situaes, recomenda-se que, uma vez iniciada a bombagem de gua, devido a paragens propositadas ou no da bomba de extrao, se aguarde entre 70 minutos e 120 minutos sem aproveitamento de gua para enchimento dos depsitos.

Por ltimo, aconselha-se a realizao de um novo ensaio de caudal aps a aplicao das medidas anteriores, de forma a avaliar a eficincia dessas medidas. Referncias Bibliogrficas

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