geraldi, c.m.g. cartografia do trabalho docente

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Pág: 1 CARTOGRAFIA DO TRABALHO DOCENTE GERALDI, C.M.G (Org). Campinas/SP, Mercado das Letras, 2000. PREFÁCIO : Roseli Pacheco Scnetzler Num momento em que é comum ouvir dizer que as mazelas da educação são resultado da incompetência dos docentes, este livro se contrapõe às supostas verdades, com estudos que buscam compreender o trabalho escolar com novos olhares. A obra procura abrir novos caminhos que vão além das práticas homogeneizadoras. Critica a implantação dos parâmetros curriculares, programas de “treinamento” à distância, intervenção por meio de avaliações e outros propostos pela área governamental que excluem a participação dos professores, que, no entanto são culpabilizados pela baixa qualidade da educação.Ao escamotear os baixos salários e condições de trabalho, a lógica neoliberal vem propondo medidas simplistas para o desenvolvimento profissional dos professores, situando-os fora das decisões, concebendo-os como meros executores das idéias gestadas por outros. PARTE I 1) PESQUISA EM AÇÃO: Conceitos, políticas e práticas (Menga Lüdke). Segundo Menga Lüdke, o desenvolvimento da pesquisa em educação, ao desprender-se da metodologia das ciências exatas, tem se aproximado mais do campo específico da educação e mostrado dados importantes sobre a ação educativa. Do ponto de vista político, a Autora registra um desencontro de interesses entre as propostas oficiais e a pesquisa em educação. A prática dos educadores em pesquisa ainda é incipiente, caminha muito vagarosamente. 2) QUE SENTIDO HÁ EM SE FALAR PROFESSOR-PESQUISADOR NO CONTEXTO A TUAL? Contribuições para o debate (Adriana Dicket) De acordo com a Autora, a pesquisa na escola pública, poderia vir a tornar-se a possibilidade de o professor ter em suas mãos a direção do próprio trabalho e comprometendo-se com a busca de uma sociedade justa, torná-lo capaz de despertar em seus alunos a capacidade de inventar um mundo melhor. Fazendo um breve retrospecto histórico, a Autora aponta o séc. XVIII como o de maior expansão: veio carregado de aspirações - liberdade, igualdade e fraternidade. A escola tornou-se pública, laica, gratuita e universal (FRIGOTTO) e a burguesia recorria à educação do povo, para aumentar seus aliados e contrapor-se à igreja, ao feudalismo e ao poder absolutista da monarquia. ENGUITA, entretanto, reconhece que, a aliança entre a burguesia e o povo, se desfez logo após a ascensão: a intenção era de não se educar demasiadamente o povo, para que ele não se tornasse exigente, com ambições indesejáveis e começasse a questionar o novo governo. Em seguida, nos séc. XIX e XX, à medida em que o mundo do trabalho passava a ser administrado pelo taylorismo/fordismo, cujo trabalho está centrado na sua divisão, a escola tem por papel moldar o trabalhador, tanto em termos de atitudes, como de conhecimentos (FRIGOTTO) para obedecer melhor seus patrões. Hoje, o modelo político neoliberal e o avanço tecnológico nos fazem reconhecer que a escola tentando conciliar as exigências, torna-se reprodutora da sociedade em suas desigualdades e iniqüidades. Nesse contexto parece ser impossível falarmos de professor-pesquisador. Segundo ENGUITA, alguns determinantes podem ser apontados como responsáveis pelas relações sociais no interior da escola-preparam o indivíduo para aceitar e se incorporar às relações de produção dominantes: a) submissão à ordem, como se o sujeito

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Page 1: Geraldi, c.m.g.   cartografia do trabalho docente

Pág: 1

CARTOGRAFIA DO TRABALHO DOCENTE

GERALDI, C.M.G (Org). Campinas/SP, Mercado das Letras, 2000.

PREFÁCIO: Roseli Pacheco Scnetzler Num momento em que é comum ouvir dizer que as mazelas da educação são resultado da incompetência dos docentes, este livro se contrapõe às supostas verdades, com estudos que buscam compreender o trabalho escolar com novos olhares. A obra procura abrir novos caminhos que vão além das práticas homogeneizadoras. Critica a implantação dos parâmetros curriculares, programas de “treinamento” à distância, intervenção por meio de avaliações e outros propostos pela área governamental que excluem a participação dos professores, que, no entanto são culpabilizados pela baixa qualidade da educação.Ao escamotear os baixos salários e condições de trabalho, a lógica neoliberal vem propondo medidas simplistas para o desenvolvimento profissional dos professores, situando-os fora das decisões, concebendo-os como meros executores das idéias gestadas por outros. PARTE I 1) PESQUISA EM AÇÃO: Conceitos, políticas e práticas (Menga Lüdke).

Segundo Menga Lüdke, o desenvolvimento da pesquisa em educação, ao desprender-se da metodologia das ciências exatas, tem se aproximado mais do campo específico da educação e mostrado dados importantes sobre a ação educativa. Do ponto de vista político, a Autora registra um desencontro de interesses entre as propostas oficiais e a pesquisa em educação. A prática dos educadores em pesquisa ainda é incipiente, caminha muito vagarosamente. 2) QUE SENTIDO HÁ EM SE FALAR PROFESSOR-PESQUISADOR NO CONTEXTO A TUAL? Contribuições para o debate (Adriana Dicket) De acordo com a Autora, a pesquisa na escola pública, poderia vir a tornar-se a possibilidade de o professor ter em suas mãos a direção do próprio trabalho e comprometendo-se com a busca de uma sociedade justa, torná-lo capaz de despertar em seus alunos a capacidade de inventar um mundo melhor. Fazendo um breve retrospecto histórico, a Autora aponta o séc. XVIII como o de maior expansão: veio carregado de aspirações - liberdade, igualdade e fraternidade. A escola tornou-se pública, laica, gratuita e universal (FRIGOTTO) e a burguesia recorria à educação do povo, para aumentar seus aliados e contrapor-se à igreja, ao feudalismo e ao poder absolutista da monarquia. ENGUITA, entretanto, reconhece que, a aliança entre a burguesia e o povo, se desfez logo após a ascensão: a intenção era de não se educar demasiadamente o povo, para que ele não se tornasse exigente, com ambições indesejáveis e começasse a questionar o novo governo. Em seguida, nos séc. XIX e XX, à medida em que o mundo do trabalho passava a ser administrado pelo taylorismo/fordismo, cujo trabalho está centrado na sua divisão, a escola tem por papel moldar o trabalhador, tanto em termos de atitudes, como de conhecimentos (FRIGOTTO) para obedecer melhor seus patrões. Hoje, o modelo político neoliberal e o avanço tecnológico nos fazem reconhecer que a escola tentando conciliar as exigências, torna-se reprodutora da sociedade em suas desigualdades e iniqüidades. Nesse contexto parece ser impossível falarmos de professor-pesquisador. Segundo ENGUITA, alguns determinantes podem ser apontados como responsáveis pelas relações sociais no interior da escola-preparam o indivíduo para aceitar e se incorporar às relações de produção dominantes: a) submissão à ordem, como se o sujeito

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não fosse capaz de tomar decisões, devendo estar sob permanente tutela de uma autoridade; b) burocracia e impessoalidade das relações; c) alienação em relação aos fins e processo do trabalho e aos meios de produção; d) a percepção social e pessoal do tempo; e) trabalho versus atividade livre; f) seleção de traços de personalidade que podem facilitar ou dificultar as relações. ZEICHNER sugere que a partir de algumas pesquisas, notamos aspectos de um ensino bem-sucedido entre crianças pobres: a) expectativas elevadas – criação de um ambiente em que as crianças se sintam valorizadas e capazes de obter sucesso e no qual entre professores e alunos estabeleçam-se laços sinceros de afeto; b) a ponte – uma relação entre o que os alunos já sabem e o que vão aprender; c) o saber – o professor, conhecedor dos conteúdos, deverá organizá-los de modo a estimular a aprendizagem; d) estratégias de ensino adequadas às necessidades dos alunos; e) engajamento em lutas sociais, cujo caráter se situa na busca pela realização de uma sociedade mais justa e humana. Apontando FREIRE, a Autora busca resgatar no professor a esperança, a vontade de aprender, de indignar-se, para apropriar-se da própria ação. E citando ANDERSON, acata as três lições para o surgimento de um novo horizonte: “1a. Não ter nenhum medo de estar absolutamente contra a corrente política do nosso tempo; 2a. não transigir em idéias, não aceitar nenhuma diluição de princípios; 3a. não aceitar nenhuma instituição estabelecida como imutável”. 3. O COTIDIANO DO TRABALHO DOCENTE; Palco, Bastidores e Trabalho Invisível...Abrindo as cortinas (Adair M.Nacarato, Adriana Varani e Valéria de Carvalho). O (a) professor (a): uma imagem que se construiu: “Além de dar aula, você trabalha, professor (a)? Com certeza já ouvimos isso muitas vezes. A “expressão”dar aulas”, oculta um papel de profissional e fortalece a imagem de doação – logo, de um fazer não remunerado. A ideologia impõe limites para se entender o (a) professor (a) como profissional que constrói/produz saberes profissionais. Citando KREUTZ: “professor, o que professa fé e fidelidade aos princípios da instituição e se doa sacerdotalmente aos alunos, com parca remuneração aqui, mas farta na eternidade”. A essa idéia foi-se juntando a feminização do magistério. Há tempos atrás, o professor detinha uma certa autonomia e controle sobre seu trabalho, possuía um saber e era conhecido publicamente como autoridade em muitas comunidades. A expansão da educação faz o professor viver uma tensão que tem de um lado as condições impostas pelas políticas educacionais e de outro os grupos que resistem: a situação representa mais um cabo de guerra. 4. REFLEXÕES SOBRE UMA PRÁTICA DOCENTE SITUADA: Buscando novas perspectivas para a formação de professores (Tadeu Oliver Gonçalves e Terezinha Valim Oliver Gonçalves). Os autores apresentam, segundo SHULMAN, três categorias de conhecimento e três formas de representação ao ensinar: Esses tipos de conhecimento são: 1) conhecimento específico do conteúdo; 2) conhecimento pedagógico do conteúdo; 3) conhecimento curricular. A formas de ensinar são: 1) proposicional (apresentação de fatos, princípios e máximas) em geral sem sentido para o estudante; 2) conhecimento de caso (favorece a articulação entre a teoria e a prática); 3) conhecimento estratégico (o necessário para certas ocasiões). O desafio da formação de professores: sintonizar a teoria e a prática, junto com a pesquisa e além da formação inicial, a continuada. Sugestão dos Autores: construir projetos político-pedagógicos com alunos e professores para uma cultura de formação de professores.

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PARTE II 5. RECOLOCANDO A PESQUISA-AÇÃO EM SEU LUGAR DE ORIGEM (Prof.Dr.John

Elliott) A pesquisa-ação surgiu da colaboração e negociação entre especialistas e integrantes da pesquisa. De início, havia uma tensão acentuada entre os componentes sobre o controle e autonomia do trabalho. Hoje ela beneficia seus participantes, por meio de processos de autoconhecimento e quando enfoca a educação, informa, beneficia a todos e ajuda nas transformações. 6. PROFESSOR COMO PESQUISADOR: O enfoque da pesquisa-ação na prática

docente (Elizabete Monteiro de Aguiar Pereira) Citando ELLIOTT, a pesquisa-ação permite superar as lacunas existentes entre a pesquisa educativa e a prática docente, entre a teoria e a prática e os resultados ampliam as capacidades de compreensão dos professores e suas práticas, por isso favorecem amplamente as mudanças. A Autora pontua que a maior dificuldade está na forma como as escolas estão estruturadas e controladas do ponto de vista administrativo e burocrático. 7. DISCUTINDO A FORMAÇÃO DE PROFESSORAS E PROFESSORES COM DONALD SCHÖN (Silmara de Campos e Valda Inês Fontenete Pessoa)

Nos debates universitários sobre a formação de professores (as), tem ficado evidente a preocupação com os efeitos insatisfatórios da ação docente. Donald Schön vê uma saída na formação de professores reflexivos, tendo por base a teoria da indignação de John Dewey. Filósofo, psicólogo e pedagogo norte-americano, Dewey criticou as práticas pedagógicas que cultivavam a obediência e submissão. Para ele a educação seria um processo contínuo de reconstrução e de experiência concreta, ativa e produtiva de cada um, num ambiente de relações democráticas. Dizia ele que, diante de algum problema sempre distingüimos cinco estágios no ato de pensar: 1)uma necessidade sentida (problema); 2) a análise da dificuldade: as alternativas de solução do problema; 3) as alternativas de solução do problema; 4) a experimentação de várias soluções até que o teste mental aprove uma delas; 5) a ação como prova final para a solução proposta que deve ser verificada de maneira científica. A ênfase da educação passaria, então,a ser o processo de desenvolvimento e não o produto final, aluno pronto. Na ação reflexiva, Dewey distingue três atitudes: abertura da mente, responsabilidade e dedicação. Críticas ao pensamento de Schön: acreditar que a atividade reflexiva é um processo solitário; isolar da reflexão o contexto, pensando no fato em si. As Autoras reconhecem as críticas mas também acreditam nas contribuições de Schön. 8. PARA ALÉM DA DIVISÃO ENTRE PROFESSOR-PESQUISADOR ACADÊMICO (Kenneth M. Zeichner).

O objetivo do texto é discutir questões de poder, privilégio, „voz” e status na pesquisa educacional, bem como a necessidade de eliminar a separação que atualmente existe entre o mundo dos professores-pesquisadores e o mundo acadêmico. Uma das principais razões para o ceticismo dos professores com relação à pesquisa e seus resultados é que a linguagem dos acadêmicos é muito técnica e para os acadêmicos parece ser verdade que quanto mais abstrato o trabalho, mais alto será o status na vida acadêmica e vice-versa. Outro ponto a destacar é que o resultado das pesquisas sempre aponta para o lado negativo da educação: o que ela não faz, o que não está dando certo. Zeichner (autor), sugere três modos de ultrapassar a linha divisória entre professores e acadêmicos pesquisadores: 1) o compromisso com os professores das escolas de realizar ampla discussão sobre o significado e a importância da pesquisa; 2) a colaboração genuína dos professores rompendo com os padrões de dominação acadêmica; 3) dar

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suporte às investigações feitas por professores ou projetos de pesquisa-ação e acolhendo seriamente os resultados desses trabalhos como conhecimentos produzidos. 9. REFLETINDO COM ZEICHNER: Um encontro orientado por preocupações políticas, teóricas e epistemológicas (Geraldi, Maria da Glória Martins Messias e Miriam Darlete Seade Guerra).

Zeichner valoriza a autonomia profissional e acadêmica do trabalho docente contextualizado sociopolítico e culturalmente, contrapondo-se às proposições dominadoras da Reforma Educacional dos Estados Unidos. Também como Dewey, defende a prática reflexiva da realidade. Para Zeichner, a formação de professores reflexivos de suas práticas, implica assumir pressupostos: a) a constituição de uma nova prática vai exigir uma reflexão sobre o cotidiano do professor na escola, suas crenças, posições, valores, imagens e juízos pessoais; b) a formação é um processo sem fim, e que tem início mesmo antes da formação inicial; c) cada docente é responsável pelo próprio desenvolvimento; d) a reflexão deve partir da contextualização sociopolítica cultural. Alguns falsos conceitos sobre a prática reflexiva: 1) a prática reflexiva ou o professor reflexivo parecem significar que o professor universitário ajuda os profissionais que estão na escola; 2) a reflexão só se dá sobre o aspecto técnico da questão; 3) a reflexão acontece individualmente. A pesquisa-ação tem por fundamento, além da autonomia do professor, o entendimento de que ele produz os conhecimentos sobre sua realidade – as teorias práticas do professor. Para chegar a isso precisa: planejar, agir, observar e refletir. PARTE III 10. PROFESSOR REFLEXIVO? Apontamentos para o debate (Junot C. Matos)

Muito tem se falado sobre isso e muitos adjetivos surgiram buscando explicar o que é ser um professor reflexivo. Mas o que é refletir e reflexão? É o distanciamento, ou seja, ver o objeto à distância. Significa conhecer, e a extensão do termo passou por considerações de toda espécie desde os mais antigos pensadores. Conhecer como processo, que tem na escola o cenário das relações sociais e o desenvolvimento das qualidades técnicas do docente mediadas pelo seu trabalho. 11. SABERES DOCENTES: Um desafio para acadêmicos e práticos (Dario Fiorentini,

Arlindo José de Souza Jr. E Gilberto Francisco Alves de Melo). Saberes/conhecimentos dos professores são todos os relacionados à práxis; os

teóricos produzidos por teorias complexas que recortam a realidade, e os produzidos por eles na sua prática. O melhor e mais adequado entrosamento entre a prática e a teoria parece ser a pesquisa. E, dentre as várias possibilidades a pesquisa-ação é apontada como a que melhor dá conta desse empreendimento. Um projeto de pesquisa-ação distingue três gêneros diferentes: a técnica (quando o objetivo é conhecer algo fora da escola); a prática (tem por objetivo desenvolver o raciocínio e o juízo prático dos professores) e a emancipatória. Esta última ocorre quando o grupo de praticantes assume coletivamente a responsabilidade do desenvolvimento/transformação da prática, considerando-a em seu contexto. (R e Kemmis). Tal investigação possui uma epistemologia própria: a epistemologia da prática docente reflexiva-crítica, que requer uma metodologia e uma teoria que somente poderão ser produzidas/criadas e recriadas no próprio processo investigativo da prática pedagógica.