geraÇÃo de energia solar descentralizada · própria energia é descontada pelo preço de varejo,...

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1 Para obter mais informações sobre este tópico, acesse bcgperspectives.com GERAÇÃO DE ENERGIA SOLAR DESCENTRALIZADA CENÁRIOS E IMPLICAÇÕES PARA O SETOR NO BRASIL Por Jean Le Corre, André Pinto, Ricardo Simas, Georges Almeida, Luis Daniel Viana, Damien Delaunay e Daniel Gorodicht E nergia solar, em um país famoso por seu clima ensolarado, parece inevitável. Em grande escala, a geração de energia fotovoltaica já é uma realidade no Brasil e, apesar de representar menos de 1% da matriz de energia elétrica, leilões recentes a colocaram em temos competitivos com outras fontes de energia e a expectativa do governo é que ela cresça significativamente ao longo dos próximos 10 anos. Como fonte de geração de energia bastante intermi- tente, ela exige uma abordagem diferente para o pla- nejamento e a operação de sua capacidade, em um sistema que até recentemente estava acostumado à quase total flexibilidade operacional das usinas hi- drelétricas. No entanto, ela ainda é uma fonte de energia centralizada, o tipo de fonte para o qual o sis- tema atual e a regulamentação foram projetados. Este artigo trata da natureza potencialmente disrupti- va da geração solar distribuída. Uma revisão recente das regras do sistema de com- pensação de energia elétrica (net metering) pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) e a in- trodução de novos planos de incentivos pelo governo ativaram um segmento de mercado que poderá rapi- damente crescer para uma porcentagem significativa da capacidade instalada de geração no Brasil. A pers- pectiva é que este segmento avance rapidamente, po- dendo chegar até 5% da capacidade instalada, com impactos desproporcionais em empresas de energia elétrica e em suas economias -- assim como aconteceu em outros mercados. Cenário Local O Brasil desfruta de muitos dos elementos que condu- ziram um crescimento significativo do uso de energia solar em outros países. A alta radiação solar, as tarifas de eletricidade cobradas em uma base puramente va- riável e um crescimento esperado no consumo de energia em longo prazo colocam o Brasil entre os mais promissores mercados de energia solar do mun- do. Desde que a ANEEL revisou as regras de net metering em dezembro de 2015 (ver Quadro 1), a grande maio- ria dos estados brasileiros alcançou a paridade de rede, isto é, quando a fonte de energia alternativa tem o custo inferior ou igual ao preço de compra dire- tamente de uma concessionária de energia elétrica. Isso resultou em um aumento de quatro vezes mais em instalações de energia solar até setembro de 2016, indo de aproximadamente 1.150 a 5.000. Ao mesmo tempo, diversos fatores podem atrasar a adoção e crescimento do mercado: Custo dos sistemas de geração solar distribuí- da: Apesar de os custos terem caído globalmente, impulsionados pela crescente demanda, as taxas, tarifas e custos de importação no Brasil afetam o preço total do sistema, que chega a ser aproxima-

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1Para obter mais informações sobre este tópico, acesse bcgperspectives.com

GERAÇÃO DE ENERGIA SOLAR DESCENTRALIZADA CENÁRIOS E IMPLICAÇÕES PARA O SETOR NO BRASILPor Jean Le Corre, André Pinto, Ricardo Simas, Georges Almeida, Luis Daniel Viana, Damien Delaunay e Daniel Gorodicht

Energia solar, em um país famoso por seu clima ensolarado, parece inevitável. Em grande escala, a

geração de energia fotovoltaica já é uma realidade no Brasil e, apesar de representar menos de 1% da matriz de energia elétrica, leilões recentes a colocaram em temos competitivos com outras fontes de energia e a expectativa do governo é que ela cresça significativamente ao longo dos próximos 10 anos.

Como fonte de geração de energia bastante intermi-tente, ela exige uma abordagem diferente para o pla-nejamento e a operação de sua capacidade, em um sistema que até recentemente estava acostumado à quase total flexibilidade operacional das usinas hi-drelétricas. No entanto, ela ainda é uma fonte de energia centralizada, o tipo de fonte para o qual o sis-tema atual e a regulamentação foram projetados.

Este artigo trata da natureza potencialmente disrupti-va da geração solar distribuída.

Uma revisão recente das regras do sistema de com-pensação de energia elétrica (net metering) pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) e a in-trodução de novos planos de incentivos pelo governo ativaram um segmento de mercado que poderá rapi-damente crescer para uma porcentagem significativa da capacidade instalada de geração no Brasil. A pers-pectiva é que este segmento avance rapidamente, po-dendo chegar até 5% da capacidade instalada, com impactos desproporcionais em empresas de energia

elétrica e em suas economias -- assim como aconteceu em outros mercados. Cenário Local

O Brasil desfruta de muitos dos elementos que condu-ziram um crescimento significativo do uso de energia solar em outros países. A alta radiação solar, as tarifas de eletricidade cobradas em uma base puramente va-riável e um crescimento esperado no consumo de energia em longo prazo colocam o Brasil entre os mais promissores mercados de energia solar do mun-do.

Desde que a ANEEL revisou as regras de net metering em dezembro de 2015 (ver Quadro 1), a grande maio-ria dos estados brasileiros alcançou a paridade de rede, isto é, quando a fonte de energia alternativa tem o custo inferior ou igual ao preço de compra dire-tamente de uma concessionária de energia elétrica. Isso resultou em um aumento de quatro vezes mais em instalações de energia solar até setembro de 2016, indo de aproximadamente 1.150 a 5.000.

Ao mesmo tempo, diversos fatores podem atrasar a adoção e crescimento do mercado:

• Custo dos sistemas de geração solar distribuí-da: Apesar de os custos terem caído globalmente, impulsionados pela crescente demanda, as taxas, tarifas e custos de importação no Brasil afetam o preço total do sistema, que chega a ser aproxima-

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damente 30% mais alto que na Alemanha – apesar da renda média no Brasil ser cerca de um terço da renda média desse país. Em razão disso, clientes podem ser desencorajados pelo tamanho do investimento inicial.

• Ambiente macroeconômico: A atual crise econômica do Brasil junto com as altas taxas de juros impactam negativamente na confiança do consumidor, no empréstimo pessoal e no investi-mento;

• Incerteza sobre os preços futuros de eletricida-de: O investimento em um sistema de telhado solar é, em sua essência, uma aposta sobre um eventual aumento do preço da energia. No entanto, é muito difícil prever o aumento ou redução dos valores para o consumidor final em razão do contexto complexo e instável do país, o que tende a desencorajar investimentos. Um exemplo disso é que após 5 anos de aumento regu-lares de preços, duas empresas de distribuição de energia em São Paulo - CPFL Piratininga e EDP Bandeirante - reduziram os preços para clientes residenciais em aproximadamente 20% em 2016.

Além desses fatores de mercado, algumas disposições na regulamentação atual também podem limitar a atratividade de investimento em um sistema solar fo-tovoltaico:

• Limite máximo no porte do sistema solar: A capacidade instalada não deve exceder o pico de

consumo de carga do local ou da demanda contratada. Isso tem efeito de fato na limitação do uso de sistemas de energia solar descentralizada para o consumo próprio, ao invés de maximizar o potencial de geração e exportações para a rede, em particular para grandes consumidores comer-ciais e industriais

• Revenda direta não permitida: Além de não poder ser remunerado por exportar à rede mais energia do que o consumo atual, também não é permitido ao proprietário a venda de energia para terceiros.

Mesmo assim, diversas novas empresas e modelos de negócios surgiram no Brasil, geralmente com a promessa para clientes residenciais desfrutarem dos benefícios dos sistemas de geração solar ao mesmo tempo em que reduzem os riscos associados com o in-vestimento inicial.

Além das tradicionais opções de arrendamento e fi-nanciamento, há, por exemplo, alternativas em que os custos são arcados pela empresa que então garante uma redução na conta de energia elétrica, dos quais uma comissão mensal é devolvida pelo cliente. Em outros países, o aluguel do espaço do telhado e a revenda direta também auxiliam a atenuar o proble-ma de investimento pela pessoa física.

Essencialmente, esse recente ecossistema nasceu da premissa que a economia continuará a ser favorável para a adoção de sistemas solares fotovoltaicos, e que

• Expande o programa net metering, permitindo que geradores de até 5 Megawatts (MW) compensem suas contas de energia elétrica com créditos provenientes da energia que eles inserem na rede

• Estabelece que agora os créditos obtidos pelo produtor são válidos por até 60 meses

• Introduz o conceito de energia solar comparti- lhada/comunitária, que permite que diversos clientes compartilhem dos benefícios de uma única instalação de geração de energia solar como um único cliente

Em novembro de 2015, a ANEEL emitiu a Resolução nº 687 que altera e modifica as regras previamente estabelecidas e define uma estrutura para permitir a distribuição de energia solar em uma escala mais ampla e com um potencial melhorado de retorno financeiro aos investidores. Os principais componentes da nova resolução são os seguintes:

• Permite que os clientes participantes distribuam os créditos de net metering entre diversas contas de serviços de energia elétrica, por exemplo, em uma propriedade comercial de vários inquilinos ou em um prédio residencial

• Permite que os créditos de net metering não utilizados por uma instalação geradora compen-sem o excesso de consumo de energia em outros locais contanto que (I) o proprietário de ambos os locais seja o mesmo; e (II) os locais estejam na mesma área de concessão

Quadro 1 | Net Metering Regras Atuais

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o setor continuará a crescer.

Os Motivos para a Adoção

Há bons motivos para acreditar em uma perspectiva positiva para a geração solar distribuída. Em dezem-bro de 2015, o governo brasileiro anunciou um pro-grama de incentivo nacional (ProGD) para o desen-volvimento da geração de energia por meio de fontes distribuídas, com um foco especial nos sistemas so-lares fotovoltaicos. Os incentivos fiscais incluem:

• Isenção de ICMS e PIS/COFINS sobre a energia injetada na rede elétrica - é importante ressaltar que a maioria dos estados, desde então, já ratifica-ram a isenção do ICMS da energia elétrica.

• A redução de 14% para 2% na alíquota do Imposto de Importação incidente sobre bens de capital destinados à produção de equipamentos de geração solar fotovoltaica até o final de 2016. Espera-se que isso seja estendido para os próximos anos.

Além disso, e talvez mais importante, o programa es-tabelece as bases para a futura venda direta de ener-gia excedente no mercado liberalizado, sujeito a um estudo de viabilidade e impacto, e propõe a criação e expansão de linhas de crédito para projetos de

geração distribuída, abordando um tópico para o desenvolvimento do mercado.

Com a continuação da atual agenda de estímulos - seja ela explícita, como as isenções fiscais menciona-das, ou implícita, incorporada na estrutura variável da tarifa (ver Quadro 2) - e com a inovação contínua dos fabricantes e prestadores de serviço deste ecossistema melhorando sua oferta, parece quase inevitável que a geração distribuída não surja como uma significativa fonte de produção de energia na próxima década.

Possíveis Cenários Para avaliar o futuro desenvolvimento e penetração da geração distribuída de energia solar, criamos três cenários de crescimento, considerando as possíveis combinações de alavancas regulatórias e políticas para apoiar o desenvolvimento do mercado, que in-cluem a manutenção dos incentivos mencionados para reduzir os custos de financiamento, a redução das taxas de importação para equipamentos de geração solar fotovoltaica e a isenção do ICMS e PIS/COFINS sobre a eletricidade inserida na rede da dis-tribuidora. Eles incluem até, em um cenário mais otimista, a introdução de créditos fiscais para novas instalações e a isenção do ISS para as instalações de sistemas de energia solar fotovoltaica (ver figura 1). No entanto, para efeito do nosso estudo,

1.Para residência e pequenas unidades comerciais apenas 2. ISS: Imposto Sobre Serviços 3. Caso de 21 dentre os 27 Estados. 4. Comparado ao caso Moderado.Fonte: Análise BCG

Figura 1

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Quadro 2 | Estrutura do preço da energia solar varia muito entre os países

Observação: Considera-se tarifas de baixa tensão para demanda de potencia de 6 kW e consumo anual de 3500 kWh com base em tarifas sem postos tarifários; California PGE possui uma taxa mensal mínima de US$ 10 para taxas de entrega.Fonte: Portugal – EDP; Espanha – Iberdrola; Reino Unido – EDF energy; Italia – Enel; França – EDF Energy; Alemanha – eOn; California – PGE; Análise BCG

Como tal, há um subsídio implícito em qualquer modelo de net metering em um contexto de tarifas totalmente variáveis, uma vez que a parcela do custo correspondente à manutenção e operação da rede também é descontada da conta de eletricidade, juntamente com a parcela correspondente à energia elétrica. Além disso, essa parcela da própria energia é descontada pelo preço de varejo, de modo que o cliente está, em essência, vendendo energia a um preço de varejo quando injeta sua energia na rede elétrica, reduzindo o lucro da concessionária.

O gráfico a seguir representa as múltiplas partes de uma conta com base em um cliente hipotético que reside em Minas Gerais e os impactos no Custo Nivelado de Energia (“LCOE”) ao remover os subsídios implícitos na atual estrutura de net metering:

No Brasil, diferentemente de muitos outros países, a conta para clientes residenciais é avaliada em uma base puramente variável, conforme ilustrada no gráfico abaixo:

Efeito no LCOE de subsídios ocultos

Premissas: Cliente utilizando toda a produção do painel (400kWh/mês), que seria equivalente a 60% de suas demandas. Tarifa inclui transporte de energia e encargos setoriais e energia usando o valor de referência da ANEEL para o estado. LCOE pagando pela rede presume uma medição de rede 1:1, que paga pela rede se o cliente ainda estiver pagando pelo transporte de energia (para toda a energia gerada) e com preços no atacado estaria recebendo créditos no atacado em oposição ao valor de varejo da energia (para toda a energia consumida da rede).Fonte Análise BCG

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consideramos apenas os cenários Conservador e Moderado, uma vez que é provável que a ANEEL não permita que ocorra um crescimento descontrolado sem ajustar rapidamente as regras de net metering.

Dado o grande interesse de empresas de tecnologia verde que estão recentemente expandindo operações no Brasil para a fabricação de módulos de células PV solares e o crescente mercado para prestadores de serviço de energia solar, não esperamos, em qualquer cenário, nenhum obstáculo da cadeia de suprimentos para o crescimento do mercado.

Resultados No cenário moderado, o nosso estudo sugere que a geração solar distribuída poderá crescer mais rápido do que o previsto pelas autoridades do setor e repre-sentará quase 5% da nova capacidade instalada no Brasil até 2024, atingindo cerca de 3 GW de capaci-dade instalada e cobrindo cerca de aproximadamente 2% do pico de demanda – crescimento a partir de uma base quase inexistente em 2016.

Dividindo esse crescimento por região, observamos que São Paulo, apesar da irradiação solar comparati-vamente menos favorável, será o principal estado na capacidade instalada de geração até 2024. Isso é expli-cado em grande parte por níveis de renda média su-

periores aos nacionais, o que contribui decisivamente para a decisão de um investimento tão alto. A taxa de adoção pode chegar a aproximadamente 1,5% da de-manda total do estado, alinhado com a média espera-da no Brasil.

Rio de Janeiro e Minas Gerais serão os próximos esta-dos a terem maior capacidade instalada de geração solar distribuída, de acordo com os nossos estudos. Ambos desfrutam de alta irradiação solar e preços de varejo de eletricidade relativamente altos. Assim, es-peramos que até 2024 instalem uma capacidade total de 0,5 GW e 0,2 GW de geração solar distribuída e al-cancem taxas de adoção de cerca de 3% e 2% da de-manda total, respectivamente. Esses cenários não levam em consideração as pos-síveis revisões das regras de net metering, que a ANEEL já sinalizou que poderiam ser consideradas no caso de rápida aceitação da tecnologia, nem a elimi-nação dos estímulos à geração solar distribuída no curto prazo. De fato, sem o plano de net metering atualmente em vigor, praticamente nenhuma região do Brasil estaria em paridade de rede. Incentivos fis-cais, sejam por meio da remuneração da energia in-jetada na rede ou por meio da redução dos custos de importação de equipamentos de geração solar fotovol-taica, são cruciais para o futuro da energia solar dis-tribuída no país. De acordo com os nossos estudos,

Observação: para a carga de pico de 2015 de ~86 GW, aqui assumimos um aumento estável da carga de pico com um CAGR de 4%. LCOE calculado com base no modelo apresentado. O fator de capacidade varia de estado para estado e também é baseado no modelo LCOE. Lei de adoção usando o modelo de Bass e parâmetros da experiência dos EUA. Para residencial, o máximo potencial foi calculado pela estimativa do consumo das classes A e B no Brasil, que usam as casas, com um fator de correção de 70% (deixando 30% de fora). Para comercial, 50% da carga do pico considerada o máximo da carga atingível, e a carga de pico considerada proporcional à demanda de energia. Fonte: Relatório final PDE 2024 ; Relatório de demanda de energia EPE 2014; IBGE ; ANEEL; Análise BCG

No cenário moderado, a geração solar distribuída com capacidade instalada pode atingir aproximadamente 2% do pico de demanda em 2024

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esses incentivos são equivalentes a um desconto de 20% no custo nivelado de eletricidade a partir de fon-te solar.

Desta maneira, esperamos um crescimento vigoroso de 40 a 50% ao ano em média da geração solar dis-tribuída, resultando em uma penetração significativa em uma década e na consolidação de um “ecossiste-ma solar” no Brasil.

Essa penetração afetará vários aspectos do atual con-texto energético. As empresas de energia elétrica tradicionais podem estar entre as mais impactadas.

O Impacto da Geração Distribuída Nas Em-presas do setor

As distribuidoras de energia enfrentam uma série de ameaças pela proliferação da energia solar distribuí-da em suas áreas de concessão. A primeira é derivada da queda das receitas de varejo e distribuição prove-nientes da geração distribuída de energia solar. Cada unidade de energia gerada por um sistema solar descentralizado reduz a demanda na rede de energia proveniente de fontes centrais de geração (conhecidas como “carga líquida total”). No Brasil, com uma tarifa quase puramente variável para clientes residenciais, uma carga líquida mais baixa significa que as conces-sionárias terão uma redução na receita das tarifas de energia elétrica destinada a pagar os custos de ma-nutenção e operação da rede elétrica e da geração, que são tipicamente fixos.

Uma segunda ameaça potencial está associada com o aumento da volatilidade da carga induzida pela geração distribuída de energia solar e a tensão opera-cional que ela pode criar na rede. Quando a produção de energia descentralizada excede o consumo local, a energia reflui para as redes, resultando em sobrecarga e flutuações de tensão, para as quais essas redes po-dem não estar adequadamente projetadas. Além dis-so, os níveis acentuados de flutuação da demanda da rede perto das horas de pico levantam problemas de equilíbrio do sistema elétrico que nem sempre são facilmente resolvidos pelas tecnologias tradicionais de controle centralizado.

Podemos estar longe de um cenário em que haja um risco significativo, considerando os níveis de pene-tração da geração distribuída que estamos antecipan-do, mas é algo a se manter em mente à medida que as empresas de energia planejarem seus futuros in-vestimentos, especialmente se houverem concen-trações regionais de geração distribuída solar.

Para lidar com esses desafios, que se tornarão mais frequentes e graves conforme o aumento da pene-tração de energia distribuída, serão necessários inves-timentos na rede elétrica. No entanto, com o atual modelo de net metering, um número cada vez menor de consumidores irá contribuir para esses investimen-tos.

Acreditamos que será uma questão de tempo até que as empresas brasileiras de energia elétrica brasileiras enfrentem esses desafios. Neste contexto, é essencial que elas desenvolvam uma abordagem proativa em relação à energia descentralizada, considerando não apenas os desafios operacionais e regulatórios, mas também as pressões e oportunidades de negócio.

Lições de Outros Países A experiência em outras regiões sugere que as empre-sas de energia elétrica estão em melhor situação quando antecipam o crescimento da energia solar dis-tribuída.

Com a diminuição das receitas, empresas de energia elétrica tendem a buscar a recuperação de seus cus-tos, pedindo um aumento nas tarifas de energia para os consumidores convencionais. Isso cria um subsídio cruzado implícito entre os dois grupos de consumi-dores, os que produzem energia descentralizada e os que não, e aumenta ainda mais a relativa atratividade dos sistemas de energia solar descentralizados, ali-mentando um ciclo vicioso. Em uma escala grande o suficiente, as companhias elétricas terão mais dificul-dade em persuadir as agências reguladoras e o gover-no a protegerem as suas receitas à custa dos consumi-dores convencionais.

Em outros mercados, especialmente nos Estados Uni-dos, algumas companhias tiveram uma abordagem de confronto, buscando ativamente medidas regulatórias contra a geração distribuída. Diversas empresas ten-taram se opor ao net metering, implementar limites de tamanho do sistema solar ou reduzir a compensação líquida da energia inserida na rede elétrica. Outras tentaram medidas mais amplas, como o aumento da parcela fixa na estrutura de tarifas ao cliente final ou na introdução de tarifas de energia solar específicas para geradores distribuídos.

Se expandirmos essa discussão para termos mais am-plos, a noção de venda de kWh pode ser intuitiva para as empresas de distribuição e agências regulado-ras, mas, do ponto de vista do cliente, o que está real-mente sendo comprado é a luz, o conforto. Como tal,

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mecanismos de formação de preços alternativos poderiam ser explorados, como é o caso de alguns players internacionais que optaram pela estratégia de introduzir tarifas totalmente fixas, principalmente quando a geração em sua maioria é por custo fixo (por exemplo, energias renováveis e nuclear).

No entanto, muitos desses esforços tiveram resultados mistos. Algumas empresas enfrentaram reações nega-tivas dos legisladores, e também de clientes: suas posições regulatórias impactaram negativamente na percepção da marca e lealdade do cliente.

Por outro lado, um modo passivo de “esperar para ver” também dificilmente tem sido uma estratégia vencedora. Já que expõe as empresas de energia elétrica ao risco de redução de receitas e “perda” da oportunidade de negócios criada pelo surgimento da geração distribuída solar. Por exemplo, no estado de Nova York nos Estados Unidos, as empresas não responderam claramente às tendências emergentes e tiveram um papel passivo na condução da agenda de políticas regulatórias na presença da crescente pene-tração de energia solar distribuída. Nesse contexto, os reguladores estaduais propuseram a iniciativa de “Reformar a Visão Energética”, com o objetivo de rever os sistemas de geração e distribuição do estado. O objetivo era forçar as empresas de energia elétrica a operar apenas como “plataformas do sistema de distribuição”. De acordo com a estrutura regulamen-tar proposta, as empresas de energia elétrica atuari-am como provedores de plataformas, com a obrigação, mas também com incentivos financeiros, de suportar o uso de sistemas de energia distribuída. Com isso, as empresas teriam oportunidades legais limitadas de possuir sistemas de energia distribuída além do armazenamento de energia para operações do sistema, e podem ter perdido a oportunidade de apropriar-se do valor de um mercado em crescimento e transfomação.

Mais recentemente, empresas na América do Norte e Europa desenvolveram uma abordagem mais equili-brada, reconhecendo os sistemas solares não apenas como ameaças, mas também como oportunidades para participar de novos modelos de negócios, en-trando no mercado como instaladores em pequena escala de energia solar nos telhados do cliente, ou mesmo construindo fazendas solares comunitárias de grande escala. Outras decidiram proativamente apoiar a geração distribuída através da modernização da rede e novos investimentos, como o armazena-mento. Cada vez mais, a geração distribuída está se tornando um incentivo para que as distribuidoras de

energia aumentem sua base de ativos regulados e, portanto, suas receitas.

Possíveis Implicações no Brasil Algumas empresas de energia elétrica no Brasil já es-tão antecipando a tendência, fazendo três séries de perguntas:

• Posicionamento de Negócio: Qual posição tomar na cadeia de valor da geração distribuída?

• Operações: Como preparar a rede para suportar a penetração da geração distribuída em crescimen-to?

• Regulação: Como garantir que o valor seja distribuído de forma justa entre todos os agentes no mercado?

Para desenvolver uma estratégia de geração distribuí-da, as empresas de energia elétrica devem considerar em quais etapas da cadeia de valor elas querem estar presentes. Uma opção seria focar em ativos, como as instalações solares em telhados ou consórcios solares. Elas também poderiam oferecer serviços “por trás do medidor”, como instrumentos avançados de medição ou armazenamento de energia. Além disso, outras opções para as empresas de energia elétrica seriam ser facilitadoras de serviços de terceiros ou competir como prestadores totalmente integrados.

O valor econômico geral de um cliente de energia de-centralizada é muito maior do que o de um cliente convencional, assim que incluído o valor investido no sistema de geração distribuída. As distribuidoras de-vem estar cientes desse fator na hora de decidir qual parte desse valor elas devem se concentrar.

No entanto, antes de desenvolverem a sua estratégia, as empresas de energia elétrica precisam, primeiro, considerar como a introdução de novos modelos de negócios pode afetar as atuais vendas de eletricidade no varejo e como elas podem explorá-las de forma sustentável. Para isso, é necessário considerar uma ligação clara entre sua estratégia de negócios e suas abordagens operacionais e regulatórias para controlar ou permitir a energia descentralizada.

Apesar do aumento da capacidade dos sistemas de geração distribuída, os sistemas de distribuição con-tinuarão sendo peças fundamentais das redes elétri-cas futuras. O aumento da penetração da geração de energia solar intermitente afetará o equilíbrio da rede

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e irá exigir investimentos em recursos de rede flexíveis e inovadores, como soluções de rede inteli-gente, automação da rede, inversores solares avança-dos e outras novas tecnologias.

Independentemente de sua opção estratégica, as em-presas terão de se adaptar e desenvolver novos pla-nos de investimento para melhorar a rede e reduzir o risco de ativos improdutivos à medida que a deman-da liquida da rede elétrica diminui. Isso exigirá uma abordagem ativa desde o início para determinar as futuras necessidades e rever os planos de investimen-to com as agências reguladoras e consumidores, com o objetivo de garantir que todos estejam cientes dos próximos desafios e custos.

O papel da gestão regulatória será crucial e deve con-siderar os impactos sobre o valor da marca e fideli-dade dos clientes. Ao invés de lutar contra a geração distribuída, é mais aconselhável que as distribuidoras de energia procurem uma estrutura da tarifa que reflita com mais precisão seus custos e que evite sub-sídios cruzados entre os clientes.

A tarifa totalmente variável no Brasil para os domicílios beneficia aqueles que instalam por conta própria a geração distribuída à custa de todos os outros consumidores que ainda dependem exclusiva-mente da rede. As distribuidoras de energia devem exercer a sua influência para um desenho de tarifas que evite subsídios cruzados e mantenha em um valor mínimo a tarifa de energia, enquanto continua a permitir uma maior integração da geração distribuí-da na rede.

Há uma série de abordagens para atingir esses objeti-vos, tais como contas de eletricidade com um valor mínimo de consumo, taxas de acesso à rede ou mes-mo modalidades tarifárias com tarifas diferenciadas de consumo de acordo com a horas de utilização que incentivam o uso de energia em momentos em que energia solar é mais produtiva. De forma menos con-troversa, as companhias de energia elétrica podem pressionar por regras técnicas mais rigorosas para no-vas instalações distribuídas que facilitarão a operação da rede, como padrões avançados de inversores so-lares.

A adoção rápida de novas fontes distribuídas e a evolução das tecnologias transformarão o setor

de energia elétrica. A crescente ameaça competitiva agora está em telhados de todo o Brasil. As empresas de energia elétrica tradicionais enfrentarão um ambiente mais complexo com novas tecnologias,

serviços e estruturas de tarifas. Novas respostas, capacitações e modelos de negócios serão necessári-os, com maior foco nos clientes e inovação.

Como ponto de partida, acreditamos que há uma série de movimentos de baixo risco “sem arrependi-mento” que as empresas de energia já podem realizar para se preparar para essa potencial dis-rupção:

• Buscar a excelência operacional para ganhar eficiência, reduzir custos, maximizar receitas em seus negócios tradicionais - garantindo preparo operacional e econômico para melhor encarar os diversos desafios impostos pela geração distribuí-da solar;

• Pressionar por uma estrutura tarifária mais justa que ajude a recuperar os custos da rede e a reduzir os subsídios cruzados, potencialmente incluindo um componente fixo;

• Identificar potenciais ativos de geração em risco para que eles não fiquem “encalhados” na próxima década à medida que a demanda líquida eletricidade se reduz. Antecipamos que as usinas termelétricas a gás natural, relativamente mais caras, possuem maior risco de perder posição de mérito;

• Revisar os planos de investimentos na rede para incorporar o perfil em mudança da carga líquida da rede.

Pensando no futuro, as distribuidoras de energia tam-bém devem se engajar em uma reflexão profunda so-bre seu posicionamento no espaço da geração dis-tribuída, as vantagens competitivas que elas desfrutam ou podem desenvolver - começando pelo acesso ao capital, o valor da marca, experiência operacional e conhecimento de seus clientes - e como melhor impulsioná-las para maximizar o valor da revolução da geração distribuída para elas e seus acionistas.

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Sobre os Autores

Jean Le Corre é sócio sênior e diretor executivo no escritório de São Paulo. . Você pode contatá-lo pelo e-mail [email protected].

André Pinto é sócio e diretor executivo no escritório do Rio de Janeiro. Você pode contatá-lo pelo e-mail [email protected].

Ricardo Simas é principal no escritório do Rio de Janeiro. Você pode contatá-lo pelo e-mail [email protected].

Georges Almeida é principal no escritório do Rio de Janeiro. Você pode contatá-lo pelo e-mail [email protected].

Luis Daniel Viana é consultant no escritório de São Paulo.

Damien Delaunay é associate no escritório de São Paulo.

Daniel Gorodicht é senior knowledge analyst no escritório do Rio de Janeiro.

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