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GEOGRAFIA ECONÔMICA Anais de Geografia Econômica e Social Dossiê Ásia/China Organizadores: Armen Mamigonian José Messias Bastos

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  • GEOGRAFIA ECONMICAAnais de Geografia Econmica e Social

    Dossi sia/China

    Organizadores:

    Armen MamigonianJos Messias Bastos

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  • UNIVERSIDADE FEDERALDE SANTACATARINA

    Reitor: lvaro Toubes Prata

    Vice-Reitor: Carlos Alberto Justo da Silva

    CENTRO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    Diretora: Maria Juracy Filgueiras Toneli

    Vice-Diretora: Roselane Neckel

    DEPARTAMENTO DE GEOCINCIAS

    Chefe: Joo Carlos Rocha GrSub-Chefe: Jos Messias Bastos

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM GEOGRAFIA

    Coordenador: Carlos Jos EspndolaSub-Coordenador: lson Manoel Pereira

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTACATARINA

    GEOGRAFIA ECONMICAAnais de Geografia Econmica e Social

    UFSC

    ISSN 1983-4543

    GEOGRAFIA ECONMICA Florianpolis Edio n1 - Revisada 349 p. julho 2008

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  • GEOGRAFIA ECONMICA Anais de Geografia Econmicae Social uma publicao do Grupo de Pesquisa Formao Scio-Espacial: Mundo, Brasil, Regies, vinculado ao CNPq.

    Patronos:Andr CholleyIgncio RangelMarc Bloch

    Comisso Editorial:Antnio Alfredo Teles de Carvalho (UNEAL Arapiraca/AL)Armen Mamigonian (USP/UFSC)Bernadete M. de Azambuja (UNIJUI/RS)Carlos Jos Espndola (UFSC)Csar Martins (FURG Rio Grande/RS)Domingos Svio Corra (Doutorando USP)Elias Jabbour (Doutorando USP)Fbio Napoleo (UDESC)Fernando Sampaio (UNIOESTE Francisco Beltro/PR)Francisco Capuano Scarlato (USP)German Wettstein (Montevidu Uruguai)Gervsio Rodrigo Neves (UFRGS)Humberto Marinho de Almeida (UECE)Isa de Oliveira Rocha (UDESC)Jos Messias Bastos (UFSC)Marcos Aurlio da Silva (UFSC)Maria Auxiliadora da Silva (UFBA)Maria Graciana E. de Deus Vieira (UDESC)Marlon Clvis Medeiros (UNIOESTE Francisco Beltro/PR)Marta da Silveira Luedemann (UNESP Ourinhos)Maycon Neykiel Bastos (Mestrando UFSC)Miguel Gimenez Benitez (UNESP Presidente Prudente)Mnica Arroyo (USP)Paulo Cirino Mouro (UNESP Ourinhos)Raquel Maria Fontes do Amaral Pereira (UNIVALI /SC)Roberto Lobato Corra (UFRJ)Tnia Maria Fresca (UEL - Londrina)Zeno Crocetti (UNIBEM/PR)

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  • NOTA EDITORIAL

    GEOGRAFIA ECONMICA Anais de GeografiaEconmica e Social, uma revista do Grupo de Pesquisa FormaoScio-Espacial: Mundo, Brasil, Regies, vinculado ao CNPq.Dedicado temtica sia/China, com colaboraes no somente degegrafos, este primeiro nmero foi iniciativa conjunta com o Ncleode EstudosAsiticos NEAS da UFSC, vinculado ao Departamentode Geocincias. Este ncleo nasceu incentivado pelo embaixadorAmaury Porto de Oliveira, que fez grande doao de revistas e livrosespecializados e tem nos visitado periodicamente. Agradecemos atodos que colaboraram com artigos, notas, resenhas, tradues e nospreparativos deste nmero, como Maria Graciana E. Deus Vieira eFbio Napoleo, professores da UDESC, Marcos Aurlio da Silva,professor da UFSC, Raquel do Amaral Pereira, professora daUNIVALI e da Ps Graduao em Geografia da UFSC, alm deMaycon Bastos e Toms Fontan, alunos da UFSC.Aorganizao dopresente nmero esteve a cargo de Armen Mamigonian e JosMessias Bastos. O prximo nmero da revista versar sobre temasde Teoria da Geografia, em especial de geografia econmica e serorganizado pelo LABEUR-UFSC e pelo Grupo de PesquisasDinmica Econmica e Formao Scio-Espacial da UNIOESTE,Campus Francisco Beltro/PR.

    O presente nmero dedicado ao professor Carlos Augustode Figueiredo Monteiro, um dos fundadores da FaculdadeCatarinense de Filosofia, implantada sob a direo do professorHenrique da Silva Fontes. Carlos Augusto lecionou vrios anos nosnossos cursos de graduao e ps-graduao em Geografia eparticipou ativamente da AGB e da UGI, tendo estado no Japovrias vezes, desde 1980. Da ltima vez lecionou cultura brasileirana Universidade de Tenri (Nara), no binio 1995-97, quando teveoportunidade de visitar China e Taiwan, Coria do Sul, Indonsia,Filipinas, Vietn, ndia e Nepal e nos deixou um interessante registro:Este & Oeste mesmidade ou mudana nas relaes e feies destesgrandes lugares do homem no Mundo atual? publicado na RevistaGEOSUL, n 26, vol 13, julho/dezembro (1998).

    Comisso Editorial

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  • Universidade Federal de Santa CatarinaCentro de Filosofia e Cincias Humanas

    RevisoTcnica: Marcos Aurlio da SilvaMaria Graciana E. Deus VieiraRaquel Maria Fontes doAmaral PereiraToms Figueiredo Fontan

    Projeto Grfico e Diagramao: Jane Mary Carpes Gonzaga

    Capa: Marcelo Perez Ramos

    Endereo para correspondncia e assinaturaMailing address subscriptionsUniversidade Federal de Santa CatarinaCentro de Filosofia e Cincias HumanasDepartamento de GeocinciasLaboratrio de Estudos Urbanos e RegionaisCampus Universitrio Trindade88.040-900 Florianpolis SCTelefone: (00 XX 55) 48 3721-8637E-mail: [email protected] - [email protected]

    GEOGRAFIAECONMICAAnais de Geografia Econmica e Social. Grupode Pesquisa/CNPq Formao Scio-Espacial: Mundo, Brasil, Regies; Ncleode EstudosAsiticos. Universidade Federal de Santa Catarina Florianpolis:Impresso no Departamento de Geocincias, Julho de 2008.

    ISSN1983-4543

    1. Geografia 2. Peridico I. Universidade Federal de Santa Catarina.

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  • Sumrio

    Apresentao.................................................................................09

    Artigos.....................................................................................................................15

    As origens da civilizao chinesa(Henri Maspero) ..........................................................................17

    As bases naturais e sociais da civilizao chinesa(Armen Mamigonian) ...................................................................41

    Japo: revoluo passiva e rivalidade imperialista(MarcosAurlio da Silva).............................................................67

    Segunda viagem China (janeiro de 2007)(Elias Jabbour)..............................................................................99Introduo ao comrcio varejista na China.(Jos Messias Bastos) ................................................................123

    Brasil e China nos fluxos globais de investimento direto externo(LucianaAcioly da Silva).............................................................141

    Uma anlise da agenda liberal para a China(Bernardo Kocher)......................................................................177

    Indstria de tecnologia da informao no Brasil e na Coria do Sul(Mee Joung Lee).........................................................................195

    As transformaes recentes na produo mundial de refrigeradores ecompressores(Isa de Oliveira Rocha)...............................................................210

    A sia e o fim do oligoplio automobilstico dos EUA(Marta da Silveira Luedemann)...................................................237

    POSCO: a lder sul-coreana na siderurgia mundial(Priscila Helena Lee)...................................................................265

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  • Desenvolvimento econmico e estratgias de expanso deempresas na sia(Domingos Svio Corra)............................................................279

    Notas.........................................................................................293

    O Vietn volta a estar em foco)..................................................295(AmauryPorto de Oliveira)

    Vietn: o tigre vermelhoArmen Mamigonia...................................................................... 305

    A terra e o povo da China(Pearl Buck)................................................................................311

    Notas sobre o agronegcio de carne na China(Carlos Jos Espndola)...............................................................315

    Notas sobre a produo e comrcio de gros na sia(Marlon Clvis Medeiros)...........................................................323

    Resenhas........................................................................................331

    Chutando a escada(Ha-Joon Chang).......................................................................334

    China: infra-estruturas e crescimento econmico(Elias Jabbour)............................................................................335

    Mao: a histria desconhecida(Jon Halliday e Jung Chang)........................................................339

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  • APRESENTAO

    No lanamento de GEOGRAFIA ECONMICA Anaisde Geografia Econmica e Social achamos til fazer algumasobservaes sobre o percurso da cincia geogrfica ao longo dossculos XIX e XX no Brasil e no Mundo.

    Humboldt e Ritter, dois gnios do pensamento alemo,criaram a geografia moderna na primeira metade do sculo XIX.A reao francesa hegemonia alem tardou a ocorrer, masadquiriu dinamismo com as iniciativas de P. Vidal de La Blache,que fundou em 1891 os Annales de Gographie, revista queestimulou os debates entre as concepes francesas e alemes.Marc Bloch e Lucien Febvre, dois historiadores com slidaformao geogrfica, influenciados pela vitalidade desta revistae pelo marxismo criaram, em 1929, os Annales dHistorieconomique et sociale e as duas revistas tornaram-se importantesveculos de produo de conhecimentos geogrficos e histricos.Os Annales de Gographie tornou-se a mais avanada revistageogrfica mundial em meados do sculo XX, sob as lideranasde Andr Cholley e Max Sorre. possvel que o Encontro daUGI no Rio de Janeiro em 1956 tenha sido o auge da Geografia,tanto mundial como brasileira, mesmo com o ostracismo impostoa nomes como A. Cholley e Josu de Castro.

    Assentadas as bases da viso de mundo e das metodologiaspor Humboldt e Ritter, herdeiros de Kant e Hegel, possvel dizerque as controvrsias ocorridas depois no mudaram os rumos daGeografia at meados do sculo XX. Entretanto, a vitria darevoluo socialista na URSS estimulou os estudos de idiasmarxistas nas universidades europias nos campos da filosofia, dahistria, da geografia, etc, com aproximaes entre geografia emarxismo na Alemanha (Wittfogel e Chrystaller) e na Frana (J.Dresch e P. George) e ganhou novo impulso com a vitria soviticana Segunda Guerra Mundial. Assim sendo, altura de 1950 naEuropa ocidental o marxismo era chamado a dialogar no s coma geografia e as demais cincias, mas tambm com os cristos,sobretudo com a ala esquerda do catolicismo, dando origem Teologia da Libertao na Amrica Latina.

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    As idias de combinaes geogrficas que A. Cholleydesenvolveu nos anos 40 e 50, foram heranas dos zoneamentosaltimtricos e geogrficos constatados por Humboldt nos Andes ecorresponderam s idias de mltiplas determinaes de Marx,que visavam decifrar as causalidades dos acontecimentos humanose foram fundamentais, no dizer de G. Bertrand elaborao dasidias de geo-sistemas. Em outras palavras, as idias de geo-sistemas j estavam implcitas nas pesquisas de campo deHumboldt. Como Kant, Humboldt enxergava a existncia de doissistemas intimamente relacionados, mas distintos, o sistema naturale o sistema social. A formao scio-espacial de M. Santos, porexemplo, privilegia o sistema social. Esta continuidade virtuosada Geografia, incluindo a emulao entre geografia alem egeografia francesa, desde incios do sculo XIX aos meados dosculo XX comeou a ser erodida logo depois.

    Antes que essa eroso ocorresse, o Brasil viveu nos anos40 e 50 o perodo de ouro na feliz expresso de M. Alves de Lima.No caso paulista, P. Monbeig desempenhou papel fundamental,pois mesmo sem ter grandes conhecimentos de Geografia fsicaincentivou os estudos de Aziz AbSaber em geomorfologia e os deAri Frana em climatologia dinmica, alm de pesquisar as frentespioneiras do caf, muito influenciado pelas idias de Marc Blochsobre os desbravamentos germnicos na Idade Mdia e orientarM. C. Vicente de Carvalho (Litoral Paulista e o Porto de Santos) eNice L. Muller (Stios e sitiantes do Estado de So Paulo), alm deestimular pesquisas de Caio Prado Jnior sobre as implicaesurbanas do stio e da situao da cidade de So Paulo.Assim sendo,nos anos 50 foi possvel publicar a monumental geografia daCidade de So Paulo. Como se v tratavam-se de estudos sobre anatureza e a sociedade, agora subestimados em favor dos estudosdo espao, resultando em textos fragmentados, como apareceu empublicao recente sobre a Metrpole paulistana, da USP, quelembra um verdadeiro samba do crioulo doido. Deve-se dizerque a doena espaciolgica muito maior na Geografia humanado que na Geografia fsica, o que empobreceu nossa viso dasociedade. Assim, a Geografia brasileira, que havia alcanado nosanos 50 e 60 a maturidade e por vezes ultrapassava o que se faziano centro do sistema, com Aziz, CA. Figueiredo Monteiro, Milton

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    Santos entre outros, passou a sofrer vrias ondas de recolonizao,com a quantitativa, o marxismo de fachada e o ps-modernismo.

    Voltando Geografia europia, interessante lembrar queela preservou sua vitalidade at meados do sculo XX, em grandeparte, pelo seu apego s razes e pelo seu conservadorismo,sobretudo no caso francs. Enquanto a Histria foiexcessivamente histria poltica no sculo XIX e foi rejuvenescidapelos Annales dhistorie economique et sociale, a Geografia deHumboldt e Ritter nasceu fortemente com ps na terra, isto ,com razes nas bases naturais e no trabalho dos homens econtinuou com estas caractersticas, aperfeioadas pelasinfluncias marxistas acima referidas. No aps guerra (1945), asdivergncias na Histria passavam a ser principalmente deinterpretao dos fatos, enquanto a Geografia foi envolvida porvendavais maiores e mais perigosos. A eroso da Geografiacomeou na Europa durante os chamados Trinta anos gloriosos,correspondentes aos milagres econmicos da Alemanha,Frana, Itlia, etc, ao mesmo tempo em que tambm se iniciou aeroso do marxismo ocidental dos filsofos e socilogosacadmicos, como observou Perry Anderson. O crescimentoeconmico permitiu a elevao do nvel de vida popular e criouuma sociedade de consumo de massas, que s existiaanteriormente nos EUA, e que provocou o crescenteaburguesamento dos trabalhadores, o enfraquecimento dosmovimentos polticos, sociais e culturais, alm do surgimentoda sociedade do espetculo, na qual a verdade cede lugar aparncia e se faz o jogo para agradar a platia, agoraconsumista e no mais crtica.

    Os milagres econmicos europeus (1948-1973) se apoiaramem planejamentos keynesianos, que supervalorizavam osconhecimentos dos economistas e usavam de maneira subalternaos conhecimentos geogrficos. Assim, nos anos 50 P. Georgeencaminhou alguns discpulos ao Ministrio da Construo francspara estudos de redes urbanas, enquanto J. Tricart nos anos 60realizou estudos geomorfolgicos para uso da construo derodovias, para citar dois exemplos de fragmentao. Diante destanova realidade, a cincia geogrfica no enfrentou os desafios deaprofundar sua viso terica de si mesma (geo-sistema e formaoscio-espacial como paradigmas interpenetrados, etc). Os avanos

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    GEOGRAFIA ECONMICA - Florianpolis - Edio n.1 - Revisada 349 p. - Julho 2008

    das especializaes tornaram impossvel, dada a enorme variedadede campo de estudos, abarc-la individualmente, como foi possvela Humboldt e at recentemente a J. Tricart e alguns outros. Umafalsa sada foi embarcar no empirismo abstrato da quantitativa,usada para ajudar o planejamento, na qual o natural e o social foramreduzidos simples organizao do espao, em uma espaciologiapauprrima. No interior da sociedade do espetculo, gegrafossubalternos ao poder poltico e s cincias mais agressivas, eanimados por um dinheirinho extra, foram procurando novassadas conforme a direo dos ventos e das modas (marxismode fachada, por exemplo), abandonando as ultrapassadasexperincias positivas acumuladas at meados do sculo XX. Naverdade, so elas que devem ser retomadas numa proposta derejuvenescimento da nossa cincia, como discutiremos adiante.

    A perda do dinamismo da Geografia Humana coincidiucom o enfraquecimento do marxismo ocidental e da esquerdaeuropia nos anos 1960-70 e como a revoluo foi saindo daordem das possibilidades, H. Lefebvre e M. Castels voltaram-separa questes mais amenas, como a reproduo da fora detrabalho (habitao, etc.) e inspiraram os novos estudos degeografia urbana. verdade que M. Castels enveredou, mais tardepor caminhos mais srios. Sob influncia de H. Lefebvre, ageografia urbana deixou de se interessar pelos fenmenoseconmicos importantes, tratados anteriormente. Paraexemplificar, a industrializao ou a desindustrializao passarama ser temas marginais, juntamente com os processos profundosque animam o urbano. Os estudos habitacionais, comocondomnios fechados, conjuntos populares, verticalizao, etc.,passaram a ser mais valorizados, excluindo outros temas.

    Com a subordinao da geografia urbana temtica dareproduo da fora de trabalho possvel entender por que D. Harveyconsiderou todas as grandes cidades do mundo, Nova York ou Rio deJaneiro,LondresouDacca,ParisouDakar, semelhantes, comproblemascomuns, pois todas tm milionrios e ricos, classes mdias, pobres emiserveis. Descartou as formaes sociais distintas e a perspectivamundialcentro-periferiaeassimdesconsiderouasdimensesgigantescasda funo bancria de Londres, hipertrofiada, contrastando com ofechamento da bolsa de valores do Rio de Janeiro, como fenmenosopostos e igualmente importantes para a anlise urbana.

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    O vendaval que assolou a Geografia continua a semanifestar e as fragmentaes afetaram inclusive as antigas boasrelaes entre as Geografias fsica e humana, como se o sistemanatural no incorporasse o social ou a formao social noabrangesse a natureza.Alguns gegrafos da rea humana passarama desconsiderar o natural, antagonizando mesmo a Geografia fsica.Ns acreditamos que a Geografia estuda os fenmenos fsicos,biolgicos e humanos na superfcie da Terra, conectados ecombinados, como plataforma de outros gegrafos (J.A Matthewse D.T Herbert: Unifying geography: common heritage, sharedfuture, 2004), trazidos ao nosso conhecimento por C.A. FigueiredoMonteiro, e foi preocupao de F. Braudel pouco antes de morrer,ao cobrar um retorno antiga grandeza da Geografia. Asdificuldades tambm se situam na mudana da preocupao dosintelectuais com o destino das suas respectivas disciplinas, pois seh um esforo positivo de alguns, tambm h uma crescente posturade individualismo neurotizado de outros. No caso brasileiro surgiuum novo mandarinato de professores subalternos aos rgosgovernamentais de financiamento, constitudo de verdadeirosyuppies que incentiva uma poltica de poder mais do que umapoltica cultural, aceitando produes gastro-intestinais dosamigos, para usar a expresso de M. Santos, e que constitui umenorme obstculo renovao da Geografia.

    Ao longo da segunda metade do sculo XX possvel dizerque a Geografia Econmica tenha sido a mais atingida pelasfragmentaes e mudanas de enfoque da nossa cincia. Entretanto,os desafios existentes devem nos estimular a retomar o antigocaminho aberto pelos fundadores da Geografia. No devemos nosesquecer que Humboldt realizou uma brilhante geografiaeconmica no Ensaio poltico da Nova Espanha (Mxico) e tambmno estudo sobre a ilha de Cuba, com surpreendentes resultados. P.Monbeig, um dos fundadores da Geografia brasileira, fez excelentegeografia econmica em Pionniers et planteurs sobre as frentespioneiras do caf. No devemos nos esquecer dos numerososmestres estrangeiros de meados do sculo XX, como J. Chardonnet,J. Gottman, L. Waibel, Y. Saonchkine (URSS), entre outros e dosmestres brasileiros, como Orlando Valverde, Josu de Castro,Dirceu Lino de Mattos, Manuel Correia de Andrade, entre outros.

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  • A Geografia econmica um enorme cruzamento degeografia, histria e economia e por isto escolhemos como patronos,que nos inspirem na luta, Ignacio Rangel (1914-1994), AndrCholley (1886-1969) e Marc Bloch (1876-1944), que conseguiramreunir, em graus variados geografia, histria e economia edefenderam suas idias e convices mesmo com a morte. Estamoscertos de que os caminhos que eles percorreram e as luzes quelanaram nos ajudaro no percurso que estamos comeando.

    Armen MamigonianJos Messias Bastos

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  • ARTIGOS

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  • AS ORIGENS DA CIVILIZAO CHINESA

    Henri Maspero*

    Resumo: Balano das diferentes idias acerca das origens dacivilizao chinesa.Palavras-chave: China; Origens da Civilizao; Interpretaes.The origins of Chinese civilization.Abstract: Balance of the different ideas concerning the originsof Chinese civilization.Keywords: China; origins of civilization; interpretations.

    Em geral se diz que a civilizao chinesa nasceu noNoroeste da China, no que forma hoje o centro da provncia deChen-si e o Sudoeste da de Chan-si: nesse local, nas margens dorio Amarelo e sobre o curso inferior dos rios Wei e Fen, seusafluentes, entre a cadeia do Tsin-ling, ao Sul, e os ltimoscontrafortes do planalto de Ordos, ao Norte, ela teria seu bero;de l, ousados pioneiros descendo o rio Amarelo teriam partidopara conquistar e colonizar a grande plancie oriental, aquela ondese estendem hoje as provncias de Tche-li, Chang-tong e Kiang-su, assim como as pores Norte e Leste do Ho-nan e o Norte doNgan-huei. Esta hiptese, que nada justifica e que tudo parececontradizer, consagrada por um longo hbito: com efeito, teve achance de ser constantemente reforada pelos preconceitossucessivos dos diversos autores que por trs quartos de sculo sededicaram s origens chinesas.

    *Henri Maspero (1883-1945), filho de egiptlogo francs, estudou Geografiae Histria, Direito e Chins na cole des Langues Orientales (Paris). Foicontemporneo de outro sinlogo famoso, M. Granet (1884-1940) e escreveuem 1927 La China antique (reed. PUF, 1965) e Le Taoisme et les religionschinoises (reed. Gallimard, 1990). Faleceu no campo de concentrao nazistade Buchenwald. Seu artigo Les origines de la civilization chinoise nos Annalesde Gographie, 1926 (p.135-154) foi traduzido por Mnica Martins Figueiredoe Maria ngela Villela com reviso tcnica de Yadir A. Figueiredo e MariaHelena G. Mamigonian.

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    GEOGRAFIA ECONMICA - Florianpolis - Edio n.1 - Revisada 349 p. - Julho 2008

    O primeiro e o melhor tradutor dos Livros Clssicos, oReverendo James Legge, fazia recuar sua teoria at a Torre deBabel: Os chineses comearam seu movimento em direo aoLeste, desde as regies entre o Mar Negro e o Mar Cspio, poucodepois da Confuso das Lnguas; continuando entre as cadeiasAltaica, ao Norte, e a Turica, com seus prolongamentos ao Sul,mais aproximando-se tanto quanto possvel do sul ensolarado emais agradvel, a tribo encontrou-se, cerca de 2.000 anos antes danossa era, entre 40o e 45o latitude Norte, seguindo paralelamenteao rio Amarelo na parte mais setentrional do seu curso ela decidiuseguir o rio, voltou ao Sul com ele, andou sobre sua margemoriental e foi parada por seu ngulo em direo ao Leste. Assim oChan-si atual tornou-se o bero do imprio chins.1

    Por seu lado, Richthofen, persuadido de que os trs grandespovos civilizadores do Velho Continente indo-europeus, semitase chineses deviam ter um habitat comum na sia Central emtorno do planalto do Pamir, os primeiros a Oeste, os ltimos aLeste, na bacia do Tarim, do lado de Yarkand e de Khotan, seguiamos chineses em sua marcha em direo a Leste, etapa por etapa,primeiro no Kan-su atual, em seguida, de l, em uma pocaindeterminada, anterior a 3000 a.C., no vale do Wei, em Chen-si2. Desse lugar, que era para ele tambm o bero da civilizaochinesa, uma hiptese nova lhe permitiu seguir seus movimentosulteriores, graas a uma interpretao pessoal do Tributo de YuYu kong, opsculo que forma um captulo de um dos LivrosClssicos, o Chu king: ele acreditou encontrar ali a descrio dasestradas de migrao chinesas, do habitat primitivo no Chen-siem direo ao Leste, na parte baixa do rio Amarelo, e em direoao Sul, at o rio Azul3. Esta interpretao, se bem que engenhosa, demasiado arbitrria para poder ser aceita.

    Mais ou menos na mesma poca, Schlegel4, que se deixoulevar por falsas etimologias a acreditar na identidade das razes

    1 Legge, SHoo king, Prolegomena, p. 189. Em seu Chum-tsew, Prolegomena,p. 134, ele situa o primeiro estabelecimento dos chineses no Sudoeste do Chan-si e talvez do outro lado do rio.2 Richthofen, China, 1, p. 414-415, e mapa 3.3 Richthofen, op.cit., 1, p.340-342, e mapa 5.4 Schlegel, Sinico- Aryaca ou Recherches sur les racines primitives dans leslangues chinoise e aryenne, Batavia, 1872.

    AS ORIGENS DA CIVILIZAO CHINESA

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    GEOGRAFIA ECONMICA - Florianpolis - Edio n.1 - Revisada 349 p. - Julho 2008

    primitivas das lnguas chinesa e snscrito, era naturalmenteconduzido a fazer com que os chineses seguissem um caminhoanlogo, do pas primitivo comum a eles e aos indo-europeus, e afaz-los chegar ao seu domnio atual descendo o rio Amarelo.Terrien de Lacouperie acreditara reconhecer a identidade das formasantigas das escrituras chinesa e cuneiforme, e alm dessa, aquelados nomes de Chen-nong e Huang-ti, dois imperadores mticoschineses que teriam reinado em torno do sculo XXX a.C, com osnomes de Sargon, rei de Agade, na Babilnia, e de Kudurnakhunte,rei de Suse. Para ele, os chineses, a quem chama de Tribus Bak,considerando como nome tnico expresso as Cem Famlias5pela qual eles se designavam com freqncia, eram uma tribo deemigrantes, vindos da regio situada a Oeste de Hindu-Kuch, noSudoeste do Mar Cspio e prximo de Elam (Susiane). Ele osseguiu por muito tempo atravs da sia, levantando todos os nomesde lugares onde se encontra a slaba bak para fazer distotestemunhos de sua passagem, Bactres, Bagd, Bagisto, etc.; fezcom que atravessassem o Pamir, descessem para Kachgar e Khotan,enfim, conduziu-os para as margens do rio Amarelo e dos rios Loe Wei, no Chen-si; pretendia at fixar exatamente a data de suamigrao nos anos 2285-2282 a.C6.Assim, fosse qual fosse sua opinio sobre a origem do primeiro doschineses, todos esses autores estavam de acordo a faz-los entrar naChina pelo Noroeste, e a situar seu primeiro estabelecimento no vale doWei. Acreditavam ser autorizados por aquilo que consideravam, emseguida aos chineses, como a histria autntica da China primitiva. Oimperador Yao, que a cronologia oficial situa no sculo XXXIV a.C.teria tido sua capital em Ping-yang7, sobre o rio Fen, no Chan-si; seusucessor Chuen teria estabelecido a sua mais ao Sul, perto de Pu-tcheu,na mesma provncia; a de seu sucessor Yu, no sculo XXII a.C, teria se

    5 Em chins po-sing; a pronncia antiga da palavra po que significa 100 forarecuperada de modo inexato por Terrien de Lacouperie como bak..6 Terrien de Lacouperie, Western Origin of the Chinese Civilization,Londres, 1894, p. 26,27, 302, 305, 309, 321, etc.

    7 Os nomes de um grande nmero de prefeituras e subprefeituras chinesas forammodificados quando da reforma administrativa de 1914; mas como os nomesanteriores a essa reforma so os nicos que se encontram nos mapas europeus,eu os conservei neste artigo.

    Henri Maspero

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    situado no longe dali, em Ngan-yi, mas o feudo de Hia que ele possuaantes era na plancie oriental, perto de Kaifong, e para esta regio queseus descendentes, os imperadores da dinastia Hia, teriam transportadosuas sucessivas capitais, noTche-li e no Chan-tong.Assim o advento dadinastia Hia teria marcado a marcha para frente dos conquistadoreschineses, primeiro confinados no alto do rio Amarelo, e passando dalipara a plancie onde se desenvolve a parte inferior do seu curso. Mas sse obtinha este esquema submetendo a histria tradicional chinesa a umtratamento dos mais violentos. Em primeiro lugar, com efeito, essasmudanas de capital no foram jamais consideradas pelos historiadoreschineses como tendo o carter de uma migrao ou de uma conquista, eestanomaisdoqueumainterpretaotendenciosadossbioseuropeusao procurar uma justificativa para suas teorias pr-concebidas. E, aindamais, esta aparncia de justificativa no era devida a um corte arbitrriodentro da histria oficial chinesa, ao escolher o imperador Yao paramarcar o incio da histria pretensamente autntica, e ao rejeitar tudo oque precede para o campo da lenda. Com efeito, antes desse soberano,a tradio localizava todas as capitais mais antigas na plancie oriental,ao sul do Tche-li, no Chan-tong e no Ho-nan: a do Ti-ku, o pai epredecessor de Yao em Po (Ho-nan), a de Tchuan-hiu, predecessor deTi-ku e av de Yu, em Pu-yang (Tche-li); quanto a Huang-li, o av deTchuan-hiu ebisav deTi-ku, algunsdeclaram queeleno tinhacapitalfixa, outros o fazem residir em Sin-tcheng (Ho-nan); antes ainda dele,situa-se a capital de Chen-nong em Kiufeu (Chang-tong) e a de Fu-hi,o primeiro imperador da histria oficial, em Tchem (Ho-nan).Tudo isso, alis, tem pouca importncia. A histria oficial daantigidade chinesa no passa de uma coleo de lendas: os reinosde Chen-nong, de Huang-li, de Yu so verses diferentes de umamesma lenda mitolgica multiplicada, aquela da arrumao domundo coberto de gua na origem por heris enviados do cu8; deChuen, tudo o que est relatado se reduz a um conto de folclore, oenteado perseguido por sua madrasta e o filho desta, vencendotodas as armadilhas e acabando por desposar as filhas do rei. Quantoa Yao, apenas um nome: ele no tem sequer uma lenda pessoal.Da dinastia Hia, que comea com Yu, nada conhecido, salvo

    8 Henri Maspero, Legendes mythologiques dans de Chou-king (JournalAsiatique, C II, 1924, p.47 e suiv.)

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    alguns relatos mitolgicos espalhados sobre o fundador Yu e seufilho Ki, e tambm sobre um outro heri (uma espcie de Hrculeschins), Yi o excelente arqueiro, grande destruidor de monstros,que foi acrescentado artificialmente. Foi apenas com o fim dadinastia Yin que a histria comea com estes ltimos reis, tornadosconhecidos a partir de inscries, sobre casco de tartaruga,descobertas recentemente, ainda que s abarquem um curtoperodo: os documentos cessam quase imediatamente e s retornamde modo continuado nos ltimos anos do sculo VIII a.C.Foi bem erradamente que se procurou na histria antiga da Chinauma confirmao das teorias que situavam o bero da civilizaochinesa no centro do Chen-si e no sudoeste do Chan-si.Mr.Conrady9, impressionado pela fragilidade desta hiptese, propsprocurar esse lugar de origem dentro do Chan-si meridional e doHo-nan setentrional, a cavalo, pelas duas margens do rio Amarelo:seria da que os colonos chineses teriam enxameado, alguns emdireo ao Wei, outros enfim em direo ao sul, na bacia do rioAzul. Esta regio singularmente pouco propcia ao papel que lheatribuem; no por acaso que, depois de trs mil anos de histria,Chan-si e Ho-nan tenham sempre formado estados ou provnciasseparados: todo o territrio ao Norte dos montes Tchong-tiao eTai-hang, no Chan-si, est voltado em direo ao vale do rio Fene das bacias de aluvio que ele rene; ao contrrio, a partesetentrional do Ho-nan est voltada para o rio Amarelo. Asmontanhas marcam uma linha de separao nitidamente traada, e difcil ver a um centro nico de formao e a seguir de difusode civilizao. A dificuldade aparece ainda maior quando seexaminam as posies relativas das populaes chinesa e brbaranas provncias nos tempos antigos.No incio dos tempos histricos, cerca do sculo VIII, oschineses estavam longe de ser os nicos habitantes da bacia dorio Amarelo: apenas as plancies irrigadas lhes pertenciam, e

    9 Conrady, China, 482 (Pflugk-Harttungs Wellgeschichte). A mesma teoria foisustentada recentemente por Mr. Enkes, China, 28. Mr. Forke, Die VlkerChinas, 40, no toma posio e se contenta em constatar que a sede maisantiga dos chineses era na vizinhana do rio Amarelo, nas provncias de Tche-li, Chan-si, Chen-si, Ho-nan e Chag-tong.

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    todas as montanhas estavam nas mos dos brbaros. Os planaltosem terraos do Chan-si eram o domnio dos Ti. Ao Sul, as seistribos dos Ti Vermelhos, das quais a ltima s foi dominada em593 a.C., habitavam em todo o macio que domina ao Norte dorio Amarelo, a partir de seu ngulo em direo ao Leste, nasada do Chen-si, at os altos vales do Tsin e dos dois Tchang:os Kao-lo, os mais meridionais, nos montes Tchog-tiao, acimada atual subprefeitura de Yuan-kiu; mais a Leste, sobre o cursosuperior do Tsin e do Tcahg, os Lu-che e os Lieu-yu, quedeixaram seus nomes s circunscries modernas de Lu-ngan ede Tuen-lieu; mais ao Norte, os Tsiang-kao-ju, os To-tchemcujo habitat exato no conhecido, enfim os Kia-che, os maisorientais, sobre as encostas dos montes Tai-hang, e descendomesmo at as margens do rio Amarelo, perto de Ki-tch. AoNorte, no Wu-tai-chan, as trs tribos dos Ti-Brancos: os Fei eos Ku a Leste, perto de Sin-lo, e a Oeste, os Sien-yu de Tchong-cham que conseguiram conservar sua independncia at 296a.C. Enfim, a Oeste todo o centro do Chan-si at o rio Amareloera povoado por Ti Ocidentais, que, bem menos protegidos poruma regio de acesso mais fcil, tinham sido dominados desdea metade do sculo VII. Eles confinavam ao Norte com osnmades que, desde os tempos antigos, pastavam nas estepesdo planalto mongol, os Trs Hu San-hu a Oeste, duas tribosde Hunos, os Leu-fan em torno do Ko-lan e os Tai-lin em tornode Chan-ping, na margem do rio Amarelo, perto de seu nguloem direo ao Sul, na borda extrema do Chan-si, l onde, porvolta da era crist, os Hunos mantinham sua grande assembliapoltica e religiosa de outono, e a Leste, perto do mar, tribosmantchus, os Jong Orientais chamados tambm de Hu Orientais,ou ainda Wu-tchong, e mais longe, em direo ao Nordeste, osMi, que no possuam nem cidades, nem palcios, nem casas,nem templos ancestrais e s cultivavam paino.Ao Sul e a Oeste do rio Amarelo, os brbaros Jong dominavamtodas as montanhas. Eles contornavam o vale do Wei: nasmontanhas que se elevam do vale em direo ao Norte at oplanalto de Ordos e, mais a Oeste, at as nascentes do Wei, doKing e do Lo, ficavam os Kuen Jong, os Jong de Ti-huan, osMien-tchu, os Wu-tche e os Yi-kiu que resistiram durante

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    sculos aos chineses e s perderam sua independncia em 315a.C. Algumas tribos subsistiam mesmo ento em meio aoschineses, os Jong de Tang-che sobre a margem norte do Wei,entre Sseu-yuan e Hing-ping, os Kiuan Jong entre aembocadura do Wei e do Lo, os Ta-li de Tong-tcheu, submetidosem 461 a.C somente, e os Peng-hi do P-chuei nas margens dorio Lo, os Li Jong das colinas ao p do Hua-chan, que atingiamao Norte as margens do Wei perto do atual Wei-nan; vestgiodo tempo onde no somente a montanha, mas a plancie mesmaera de domnio dos Jong, antes que os chineses chegassem vindoainda a expuls-los ou assimil-los. Os Li Jong apoiavam aoLeste os Kiang Jong que dominavam o rio Amarelo sobre suamargem sul acima de Chen. Todas as montanhas que separamo vale do Huang-ho daquelas de seus afluentes e subafluentes,o Lo, o Yi, etc., at os montes Huai, eram igualmente povoadaspor Jong, os Jong do Lo, os Jong do Yi, os Jong de Yang-kiu, osJong de Man ou de Mao, etc, que contornavam a capital orientaldos reis de Tcheu, a cidade de Lo, Lo-yi (situada prxima a Ho-nan fou), que eles pilharam no sculo VII, como seus irmos dooeste haviam pilhado a capital do Oeste, Hao (prxima de Si-ngan fou), no sculo VIII. beira mar, as montanhas de Chan-tong eram povoadas porbrbaros Yi, dos quais algumas tribos subsistiram at final domundo feudal, em meio a seus congneres que se deixaramassimilar pouco a pouco e sem conquista brutal, e tinhamformado verdadeiros principados chineses: Kiu, Ki, Tchu-lu,etc. Mais ao Sul, os confins do Chan-tong e do Kiang-supertenciam aos Yi de Huai, que se apoiavam, a Oeste, nos Siu:esses ltimos teriam ocupado primitivamente toda a regio entreo rio Amarelo e os montes Huai, sobre o curso mdio do rioHuai e de seus afluentes: os ltimos reis da dinastia Yin, porvolta do sculo XI, estavam em contato com eles, e, mais tardeseu nome foi dado a uma das nove provncias entre as quais osgrandes reis conquistadores da dinastia Tcheu, em torno dosculo IX, Tchao e Um, dividiram seu imprio efmero; mas poca histrica, martelados alternativamente ao Norte pelosprncipes de Lu e a Oeste pelos duques de Song, seus vizinhos,eles foram reduzidos parte oriental de seu antigo domnio,

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    em torno da atual Sseu-tcheu, tendo deixado mais a Oestesomente runas, entre as quais a mais importante, os Jong deSiu, mantinha a regio situada no ngulo do rio Amarelo entreKai-fong e Tsao-tcheu que s foi submetida em 668 a.C.Enfim, toda a bacia do rio Azul era povoada por brbaros quese confundiam pelo nome geral de Man: entrados tardiamentesob a influncia chinesa, quando das conquistas do sculo IXa.C., e rapidamente tornados independentes, eles assimpermaneceram at o fim dos Tcheu e se civilizaram sobretudopor contato. Um dos chefes da plancie onde o Ham confluicom o rio Azul submeteu todos os seus vizinhos, fundou oprincipado de Tchu, e tomou o ttulo de rei no fim do sculoVIII: enquanto que no Sseu-tchuan, a plancie de Tcheng-tuformou o principado de Chu, e que as tribos de beira mar dobaixo rio Azul, a princpio submetidas aos reis de Tchu,acabaram por se organizar, elas tambm, em estadosindependentes, o Wu e o Yue.Em suma, a China antiga, ultrapassando pouco a bacia do rioAmarelo, era constituda , por volta do fim do sculo VIII antesde nossa era, por dois agrupamentos distintos: um, a Leste, nagrande plancie do rio Amarelo, o outro nos vales do Wei e doFen; entre eles se interpunham massas profundas de brbarosque os separavam completamente. Este estado de coisas eraevidentemente antigo e no era devido ao deslocamento de umantigo bloco chins por intruso de invasores brbaros: o habitatpropriamente dos brbaros exclui essa hiptese. Eles eram, comefeito, os senhores das montanhas e apenas das montanhas, todasas plancies estavam nas mos dos Chineses. Ora, as vias deinvaso na China esto seja a Leste da plancie, seja a Oestedos vales do rio Amarelo e de seus afluentes: as montanhas soobstculos e no passagens.

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    A hiptese emitida por Groot10, de invasores turcosconquistando custosamente as montanhas pobres e de difcilacesso, e deixando as plancies aos vencidos, contrria a todaverossimilhana.

    O exame detalhado da repartio geogrfica dos chinesese dos brbaros em cada uma das duas regies no sculo VIIIpermite reconhecer que as relaes respectivas das duas populaesno eram ali as mesmas. Os chineses dos vales do Wei e do Feneram estrangeiros no meio de indgenas, no tinham aindaconseguido assimilar ou destruir inteiramente estes, eagrupamentos importantes destes subsistiam durante muito tempoentre eles. A repartio de seus estabelecimentos mostra comovieram, subindo os rios, instalando-se nas plancies bem irrigadasque eles trataram, deixando aos indgenas as montanhas depenetrao difcil e de cultura incerta.Ainda no sculo VIII, quandoum escriba annimo juntou diversos documentos em prosa e versopara fazer o pequeno tratado intitulado Yukong, o vale do Wei lheparecia to pouco tratado que ele o classificou com o impostobastante baixo, na sexta categoria de uma escala de nove, enquantoque colocou as terras na primeira categoria, anomalia que somenteo pouco de densidade da populao ou a pouca extenso de terrascultivadas (o que d no mesmo) permite explicar11. Qualquerhiptese que se faa sobre a origem da civilizao chinesa, esteseram colonos; o fato de resto to claro que todos aqueles que se

    10 De Groot, Die Hunnen de vorchristlichem Zeit, p.5, faz dos brbaros do Shan-siturcos por uma falsa etimologia de seu nome Ti; e declara que eles estavamestabelecidos nas montanhas, favorecidos pela circunstncia de terem encontradoas montanhas pouco ou nada povoadas (p.28). As incurses dos Ti na regiochinesa nos sculos VII e VI lhe sugeriram a hiptese de um poderoso impriosetentrional desconhecido que lhes teria comandado, e com o qual os brbarosinstalados no Chan-si teriam permanecido em contato permanente (p.28). Se sepode agradecer a De Groot de ter tentado um estudo aprofundado dos captulos doChe ki (sculo I a.C.) e do Tsien han chu (sculo I depois de C.) sobre os Huns, sse pode lamentar que ele tenha dado espao em seu trabalho a hipteses arriscadas.11 Chu-king, trad. Legge (Chinese Classics, III, 125; trad. Crouveur, 69); verConrady, China, 482. O dzimo da colheita paga in natura era o impostofundamental da China antiga, de modo que a relao da terra com o impostoera ali muito estreito. No Yukong, cada uma das nove provncias do impriorecebe dois nmeros de ordem, referindo-se um ao valor relativo das terras, ooutro ao valor relativo do imposto.

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    ocuparam da questo, Legge, Richthofen, etc. o admitiram semcontestao, apenas divergindo de opinio quanto regio deorigem que atribuem a esses colonos.

    Com as pessoas da plancie oriental, no se dava o mesmo.Seu domnio, apesar de sua extenso, era puramente chins,nenhum agrupamento brbaro se encontrava em seu meio, nemnas montanhas, nem nos pntanos; era preciso sair dali para chegarao domnio das tribos brbaras, nas montanhas de Oeste e de Leste,assim como nos pantanais do Sul. Nenhuma pista de umacolonizao relativamente recente e ainda incompleta como novale do Wei. De fato, se os chineses desta regio tinham sido, elestambm, pessoas vindas do exterior, dadas ausncia completade populaes indgenas e imensido do territrio, era necessriolhes atribuir por ter podido assimilar ou destruir essas populaes,um tempo muito mais longo do que queles do Oeste, cuja obraera bem menos completa sobre um domnio menos vasto, e essesestabelecimentos do meio e do baixo rio Amarelo deveriam tersido bem mais antigos do que aqueles do vale do Wei.

    Mas nada obriga a acreditar que a civilizao chinesa forade origem estrangeira e tenha sido levada para o vale do rioAmarelo por conquistadores vindos de fora. Muito ao contrrio,ela aparece como o desenvolvimento no local da cultura brbaracomum s diversas populaes do mundo chins, os prprioschineses, os tibetanos, os lolos, os birmanes, os thai, os miao-tseu, que o passar do tempo as tornou to diferentes ao coloc-las em graus to afastados de civilizao; pois com essas tribosda sia Sub-oriental e no com aquelas da sia Central eSetentrional que tudo leva a procurar as afinidades da culturaprimeira dos chineses12. Esta cultura comum era caracterizadapelo parentesco das lnguas, uma organizao social parecida ereligies anlogas. A lngua chinesa no tem nenhuma relaocom o turco, o mongol, o mantchu, o coreano, o japons, mas

    12 A descoberta, recentemente feita por Mr. Andersson e Mr. Arne(Palaeontologia Sinica, Ser. D., vol I, Fasc. 1-2, Pkin, 1923-1925) de cermicapr-histrica cuja ornamentao apresenta relaes que parecem indiscutveiscom aquela da pradaria ocidental, que no prova, como parece admiti-lo Mr.Arne, a origem ocidental da civilizao chinesa, mas somente a existncia derelaes comerciais atravs da sia Central em uma poca muito remota.

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    est bastante prxima de uma famlia importante de dialetosfalados por tribos meridionais, os Thai, que habitam as provnciasde Yun-nan, Kuei-tcheu, e Kuang-si, assim como o Norte daBirmnia e do Tonkin, e cujo ramo mais meridional fundou oreino de Sio; alm do mais, ela apresenta relaes menos ntidas,mas indiscutveis, com as lnguas tibeto-birmanes (tibetano, lolo,mosso, birmane, etc.). Nessas lnguas sino-thai, to remotamentequanto podemos alcanar, as palavras eram sempremonossilbicas e invariveis, sem flexo de qualquer sorte13; osistema de tons um elemento fundamental delas: cada palavratrazia um tom cujos elementos, altura e inflexo, estavam naorigem sob a influncia das iniciais e das finais. Fora a sua lngua,sua civilizao essencialmente sedentria e agrcola, sua religioestreitamente ligada agricultura, sua organizao poltica,aristocrtica e feudal, fundada sobre o carter religioso da posseda terra, aproximavam os chineses de seus vizinhos meridionaise os separavam dos setentrionais. Entre os nmades criadores degado do Norte, ancestrais dos Hunos, dos Mongis, dos Mantchusda poca histrica, e os selvagens da pennsula indochinesa,ancestrais dos Mei da cadeia anamtica, dos Cambojanos e dostailandeses (Talaing: Mon, Peguan), irremediavelmenteanrquicos, a quem somente uma educao estrangeira pde porvezes impor agrupamentos sociais mais extensos que o vilarejo,sobre quase todo o territrio que forma hoje a China, as tribosque o habitavam tinham constitudo, muito tempo antes que ahistria possa registr-las, sociedades do mesmo tipo sedentriae agrcola, fortemente ligadas ao solo por sua religio e suasinstituies. De modo que, por um singular retorno das coisas, aconquista e a assimilao progressiva das regies do Sul pelacivilizao chinesa nos tempos recentes parece no passar dareinstalao sob uma forma moderna de um estado pr-histricoonde quase todos aqueles que povoam hoje o imprio chinscompartilhavam uma civilizao comum.

    13 Mr. Bernhardt Karlgren, Le Proto-chinois langue flexionnelle (JournalAsiatique, 1920, p. 205-232), acreditou encontrar traos de flexo noemprego dos pronomes pessoais nos Livros Clssicos; mas parece-me difcilaceitar suas concluses.

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    Assim os chineses apareciam como o ramo maissetentrional dessas populaes sedentrias cujo ramo ocidental formado pelas tribos tibeto-birmanes do Tibet, do Sseu-tchuan e do Yun-nan (Tibetanos, Lolos, Mossos, Birmanes,etc.), o ramo meridional pelos Thai do Sul da China e Norteda Indochina (Shan do Yun-nan e de Birmnia, Dioi do Kuang-si, Tai-Brancos e Tai-Negros do Tonkin, Laosianos, Siameses)e o ramo central pelos Miao-tseu do Hu-nan e do Kuei-tcheu.Mas talvez para seus irmos de habitat mais meridional, avida devesse ser dura para esses chineses pr-histricos. Agrande plancie do Nordeste (Tche-li, Chan-tong, Ho-nan),onde eles comearam a desenvolver uma civilizaorudimentar, que estava longe de ser o pas bem cultivado que nos nossos dias. O rio Amarelo, que a atravessava, entotinha um curso diferente do curso atual, e ia depois de umlongo desvio ao p das montanhas do Chan-si jogar-se no marpelo curso atual do Pai-ho, prximo de Tien-tsin14; seusinumerveis braos divagavam caprichosamente atravs dasplancies baixas e achatadas quase sem encostas: era a regioque se chamava ento os Nove Rios, porque, dizia-se, o rioAmarelo tinha ali nove braos principais15. Cada ano as cheiasmodificavam seu curso e se procuravam novos canais; osbaixios se enchiam de gua, formando grandes pntanos quecom o tempo eram aterrados, mas dos quais alguns subsistemainda hoje. Eram matagais de plantas aquticas, sempre-vivas,

    14 M. Fujita, The River Huang in the Reign of Ya (Shinagaku, I, 1921, XII, 1-32), tentou demonstrar que, no sculo III a.C. ainda, o percurso do Pai-ho, atalgumas lguas em aval do Pao-ting, era uma enseada do golfo do Petchili, aofundo da qual desembocava o rio Amarelo; mas sua argumentao poucodecisiva e eu duvido que na poca antiga as margens no estivessem colocadasmuito longe de Tien-tsin. No mapa anexo ao presente artigo, a margemmoderna que foi indicada.15 A descrio das paisagens da China antiga, de sua flora e fauna, feita aoreunir numerosos pequenos traos dispersos no Che King, compilao de peasem versos dos sculos VII e VI antes de nossa era. Ver Biot, Recherches sur lesmoeurs des anciens Chinois daprs le Che King, Journal Asiatique, IV, II, p.310 et suiv.); sobre a questo particular da existncia de rinoceronte, ver Laufer,Chinese Clay figures, I, 1-173.

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    juncos, doliques, valerianas, no meio das quais se aninhavamos gansos selvagens e os grous, e onde pululavam os peixes.Em torno de tudo isso corriam zonas mais ou menos largasde terras demasiado midas para a cultura, cobertas de altasplantas entrecortadas por matas de olmos de casca branca,ameixeiras e castanheiros; no era uma grande floresta: estas existia na periferia, sobre as encostas das montanhas, aLeste no Chantong e a Oeste no Chan-si, e com ela comeavao domnio dos brbaros. Era uma mata espessa que servia deabrigo para os grandes animais selvagens, tigres, panteras,leopardos, gatos selvagens, ursos, bois selvagens, mesmoelefantes e rinocerontes, lobos, javalis, raposas e tambm caade todo tipo, rebanhos de cervos e antlopes, maados, lebres,coelhos e pssaros de toa espcie, que se ia caar no invernoem grandes empreitadas, colocando fogo na mata. S a orlafronteiria era cultivada, seja com pastagens para os cavalose os bois domsticos, seja em plantaes de amoreiras para acriao dos bichos-da-seda. As terras melhores, protegidas dainundao pelos diques, eram cultivadas regularmente.

    Mas essas terras eram as terras de loess, das quaisRichthofen revelou a extenso, lodaal espesso queforneceram ao rio Amarelo os aluvies lamacentos aos quaisele deve o nome. Largamente espalhados ao p das montanhas,e, mais ao Sul, no Kiang-su e no Nagan-huei, cobrindo noKan-su os terraos do vale do Wei e de seus afluentes, eperiodicamente fecundados pelas chuvas da mono de vero,essas terras mostraram-se por toda parte muito favorveis agricultura. At parece que elas que procuraram os chinesesquando, partindo da plancie, eles subiram os vales do Oeste.Mono e terras amarelas do loess, tal , parece, o segredo dodesenvolvimento no local da civilizao chinesa. A geografiaest ali de acordo com a histria.

    Tal era o pas onde pouco a pouco os ancestrais pr-histricos dos chineses comearam a sair da barbrie que osrodeava. Nada permite supor que eles tenham jamais sidonmades, levando os rebanhos para pastar atravs da mata dobaixo rio Amarelo; tudo, ao contrrio, tende a provar que eles

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    eram agricultores sedentrios16. Mas, na origem, eles sdeviam ter, em lugar de campos regulares e permanentes,campos arroteados temporrios, anlogos aos ras daspopulaes do Alto-Tonkin, que abandonavam ao fim dealguns anos para ir desbravar um outro canto, deixando amata reinvadir17; e o costume bastante singular doscamponeses chineses antigos consist ia em deixarabsolutamente as casas do vilarejo desde os meados daprimavera at o final do outono para ir morar, em grupos detrs famlias, grandes cabanas comunais no meio dos campos18,parece-me ser um vestgio do tempo em que os campostemporrios, os ra, ficavam em plena mata bastante longe dovilarejo; ia-se morar ali todo o tempo dos trabalhos para svoltar ao vilarejo depois da colheita feita.O labor mais duro foi o trato mesmo das terras, sua conquista sobreo rio e sobre o pntano: foi longo e difcil, foi preciso levantar diquescontra as inundaes, cavar canais para drenar e secar o solo. Todosesses trabalhos eram to antigos que a lembrana se perdia na brumadas lendas, e que se os atribua aos heris descidos do Cu nasorigens do mundo, o imperador Amarelo, Huang-ti, o DivinoTrabalhador, Chen-nong, ou enfim Yu, o Grande, o mais clebre:

    16 A organizao religiosa e poltica dos chineses antigos, como aquela de seusvizinhos brbaros que subsistem ainda, era uma hierarquia com base territorialonde, ao lado dos senhores, suseranos e vassalos, estabeleciam-se igualmente deusesdo solo (no divindades da terra enquanto criadora e alimentadora, presidindo avegetao, masprotetores de umterritrio com limites precisos suseranos e vassalos);ver Chavannes, L Dieu du sol dans la Chine antique (Bibl. Dtudes du MuseGuimet, t. XXI, p. 437-523); toda a vida religiosa era fundada sobre o ritmo davida agrcola e especialmente da cultura dos cereais (milho mido, paino) etc. Sese quer imaginar um perodo nmade dos ancestrais dos chineses, preciso rejeit-lo bem alto para que nada disso tenha subsistido desde a aurorados tempos histricos,at antes do perodo de cultura comum a eles e s populaes brbaras vizinhas,Thai, Lolos, Miao-tseu, etc.17 No uma forma de nomadismo: cada agrupamento tem seu lugar de habitaofixo, seu vilarejo de inverno, que s deslocado por razes graves; somente osterrenos de cultura mudam de tempos em tempos; alm disso, cada vilarejo tem seuterritrio exatamente delimitado, fronteiras das quais os desmatamentos no saam.18 Do ponto de vista religioso, este costume se enquadra entre dois ritos queapresentam o mesmo sentido, o de tirar o fogo das casas no terceiro ms deprimavera, e o de voltar o fogo nas casas no terceiro ms do outono.

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    Esta montanha meridional foi Yu que a tratou , desmatando asplancies, os terrenos midos;eu, descendente longnquo, coloquei-a em campos; ou ainda: Espessos so os abrolhos! Arrancou-sea mata espinhosa. Por que outrora fez-se este trabalho? A fim deque pudssemos plantar nosso milho, nosso paino a fim de quenosso milho fosse abundante , a fim de que nosso paino fosseluxuriante!19 As terras assim conquistadas produziam o paino e osorgo no Tche-li, arroz no Sul do rio, e trigo em quase todos oslugares; tinha-se ali tambm feijes, abboras, cnhamo, ndigo. Oscampos periodicamente deslocados eram quadrados de mais oumenos um li de lado (15 a 20 ha.), os tsing, divididos em nove lotesiguais que oito famlias cultivavam em comum, guardando para sicada uma a colheita de uma parte, dando a nona parte, o campopblico, kong tien, ao rei ou ao senhor a ttulo de imposto. Naproximidade se elevavam, disseminadas e como perdidas no meioda plancie, pequenas aglomeraes de mais ou menos vinte e cincocabanas de taipa, habitaes invernais dos camponeses, queformavam as menores circunscries religiosas e administrativas,pequenas aldeolas, li, de em torno de 200 habitantes (as vinte e cincofamlias de trs tsing) com um outeiro ao Deus do solo, uma escolae um mercado20: era l que fechavam no inverno os camponeses,cada famlia em sua casa; mas na primavera eles iam morar, emgrupos de trs famlias juntas, em grandes cabanas comunais nomeio do tsing; viviam ento inteiramente ao ar livre, trabalhandonos campos, sem voltar ao vilarejo deixado ao abandono. Produziamassim eles prprios quase tudo o que lhes era necessrio, gros, gado,tecido, seda, etc; o excesso, levavam ao mercado. Cada cidade, cadaaldeola tinha ao menos um mercado situado sobre a face Norte; nasresidncias senhoriais, ele era estabelecido pela mulher do senhor

    19 Che king, trad. Legge, 373-378.20 Conhecemos esta organizao apenas sob a forma puramente terica que lhederam ao descrev-la com ritos tardios e com tendncias utopistas: os nmerosforam arredondados para obter divises regulares. Os cultivadores de trs tsingformam na realidade 24 famlias, mas arredondou-se o nmero para 25 para terde uma parte uma diviso exata do li em 5 grupos de 5 famlias (divisoimportante porque ela servia de base aos levantes militares e s colheitas), e deoutro, um nmero exato de 100 famlias para 4 li para a circunscrio superior.Esses clculos eram puramente tericos, e o movimento real da populao ostornava ilusrios.

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    ao tempo do primeiro estabelecimento, do mesmo modo que oprprio senhor construa ento o templo dos Ancestrais e o outeirodo Deus do solo; era uma grande praa quadrada em torno da qualos camponeses e os vendedores ambulantes instalavam suas vendasagrupando-se por quarteires, quarteiro dos mercadores de gros,quarteiro de vendedores de seda, quarteiro de vendedores de bois,quarteiro de vendedores de cavalos, quarteiro de vendedores deescravos, quarteiro de vendedores de cermicas, etc. Os pequenoscastelos senhoriais se elevavam de longe em longe: l vivia o senhordo feudo (pois toda a grande plancie era dividida em domniosfeudais) entre suas mulheres e seus filhos, seus servidores e suapequena corte de nobres dependentes dele, na maior partedescendentes dos caulas da famlia ou de pequenos vassalos quecumpriam junto a ele os papis de padres, escribas, guerreiros. Oscastelos eram construdos sobre um modelo uniforme, regido porprincpios rituais: no centro, a sala de audincias orientada para oSul, tendo diante dela o vasto ptio onde os funcionrios e os vassalosse apresentavam segundo seu grau nas grandes audincias, e queflanqueava a Oeste o templo ancestral, a Leste o altar do Deus dosolo; atrs, um outro ptio de entrada com sua porta voltada para oSul; todo o conjunto era contornado por uma cerca e por um fossopara coloc-lo ao abrigo de um ataque. Em torno, as casas ondeviviam os ministros, os funcionrios, os escribas, os sacerdotes etambm os artesos e todos aqueles cujo trabalho era necessriopara a corte. Por vezes, mas no sempre, uma cerca exterior envolviaessa aglomerao; mas havia l cidades bem pequenas: Menciusfala de uma cidade cuja cerca externa tinha 7 li de comprimento, ouseja, cerca de 3.000 metros, e se considerava que quando o murode uma cidade (que no a capital) tem mais de trs mil ps decomprimento (cerca de 600 metros) um perigo para o Estado21.Acapital dos Tcheu orientais, Lo-yi, cujos muros tinham 17.200 ps,ou seja, menos de 4.000 metros de comprimento, era em princpio amaior cidade do imprio. medida que faziam progressos, os chineses sentiam-se cadavez mais diferentes de seus vizinhos menos avanados, que elesconsideravam como brbaros. A inveno da escrita acentua ainda

    21 Mencius, trad. Legge (Chinese Classics t.II, 64).

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    mais a separao: primeiramente foi uma espcie de pictografia,parece, em seguida uma verdadeira escrita, em parte ideogrfica,em parte fontica ( dela que derivam os caracteres modernos).Os primeiros imprios se fundaram, o de Hia, ao sul do Tai-chan, do qual no sabemos nada, somente que, em torno do sculoVII, os duques de Song relataram que seus ancestrais, os reis deYin, o tinham derrubado para estabelecer seu prprio poder,depois o dos Yin, cujo centro se encontrava em torno do grandengulo do rio Amarelo, em sua entrada na plancie, imprio aindameio legendrio, mas do qual os ltimos soberanos, cerca dosculo XI a.C., deixaram os mais antigos documentos chinesesconhecidos at esses dias, inscries gravadas sobre cascos detartaruga22. Foi l que provavelmente em torno do meio ou dofim da dinastia Yin, os colonos partiram para constituir seudomnio custa dos brbaros.No se deve pensar em emigraes em massa de tribos chinesas,e, por outro lado, nada do que sabemos da religio chinesa lembraas primaveras sagradas da Itlia antiga. Eram com certeza oscaulas das famlias principescas que, pouco ou nadaprivilegiados, partiam desse modo para procurar fortuna longe,levando pequenas tropas de clientes, parentes, escravos e pessoasrecrutadas por uma espcie de contrato religioso com o juramentode fidelidade mtua23. Nesta poca, com efeito, o mundo chinsdividido em pequenos domnios feudais (no sculo VIII, contava-se uma centena na plancie do baixo rio Amarelo), cujos senhores

    22 As carapaas de tartaruga serviam adivinhao. Inscrevia-se sobre a cascauma pergunta aos ancestrais, depois, ao exp-la ao fogo, tirava-se uma respostaexaminando as fissuras e as linhas produzidas pelo calor.23 As tradies relativas fundao do principado de Tcheng (prximo a Sing-tcheng, no Ho-nan) em 806 a.C., mostram o conde de Tcheng cujas funesde ministro o retinham na corte, longe de seu feudo de uma parte enviandoseu filho para governar em seu lugar, e de outra, associando-se a mercadorespara o trato dos campos e a valorizao do domnio: faz com estes umaconveno religiosa sob juramento, onde as duas partes, jurando em seu prprionome e no de seus descendentes, se engajam: os mercadores a no se revoltar,e o conde a no molestar em seu comrcio os Tso tchuan(trad. Legge, 664). O principado de Tcheng era propriamente na China, etrata-se de valorizar as terras situadas no prprio imprio e no as de colonizaono exterior; mas essa historia mostra como se fazia o recrutamento dos colonose se organizava a hierarquia.

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    hereditrios, os prncipes, tchu-heu, como eram chamados, eramos senhores ao mesmo tempo polticos e religiosos, sob asuseranidade longnqua do rei. Cada um deles, na sua chegadaou durante seu reinado, distribua terras para seus irmos, primos,filhos, a ttulo de privilgio, para sua subsistncia: eram, semdvida, aqueles que se encontravam mal favorecidos ou que,parentes muito afastados, no recebiam nada, ou ainda aquelesque sentiam sua vida ameaada por intrigas de uma favorita, quese expatriavam. A lenda, que liga o fundador de uma famlia realde Wu, reino brbaro do Kiang-su meridional, aos ancestrais dosreis de Tcheu, e o fato do filho mais velho que se retiravoluntariamente porque o prncipe seu pai queria desemposs-loem benefcio do mais moo, O Grande-Conde, Tai-po, de Wu,e Tchong-yong, seu irmo caula, eram ambos filhos do Grande-Rei, Tai-wang, de Tcheu, e irmos mais velhos do rei Ki-li. ComoKi-li era inteligente e ainda mais tinha um filho santo, Tchang,o Grande-Rei desejava dar o poder a Ki-li a fim de faz-lo chegara Tchang; ento o Grande-Conde e Tchong-yong fugiram ambospara o meio dos (brbaros) Man (da regio) de King; eles tatuaramseus corpos e cortaram os cabelos para mostrar que renunciavam sucesso e se retiraram diante de Ki-li... Quando o Grande-Conde fugiu para junto dos Man, ... estes o acharam justo:seguiram-no e se colocaram sob sua proteo em nmero de maisde mil famlias24. A fuga para junto dos brbaros permaneceutradicionalmente a fonte das vtimas das intrigas do harm: aindano meio do sculo VII, quando o prncipe Hien de Tsin tentoufazer perecer seu filho Tchong-eul para que o trono fosse para ofilho de sua favorita Li-Ki, Tchong-eul fugiu para junto dos Ticom alguns fiis, e foi bem recebido por um chefe brbaro dequem ele desposou a filha.A colonizao era impossvel em direo ao Norte onde o desertoparava a expanso chinesa; ela se fez em direo ao Sul e ao Oeste.No conhecemos a histria: toda a histria antiga da China desconhecida; mas possvel se ter alguma idia das etapaspercorridas.Aqueles que partiram para o Sul iriam fundar pequenos

    24 Sseu-ma Tsien, Che ki, k. 31 trad. Chavannes, Les mmoires historiques deSseu-ma Tsien, t. IV.

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    domnios senhoriais nos montes Huai: Tchen, Chen, Tsai, Hiu,Huang; em seguida atingiram a plancie e belos domnioscomearam a se criar no sop meridional dos montes, em J, Li,Suei, Eul, etc. Mas eles encontraram l um clima muito diferentedaquele do Norte, e que provavelmente lhes convinha mal e atraiupoucos emigrantes; alis, os chefes brbaros da regio, ao menosna plancie, deixaram-se bastante depressa ganhar pela culturachinesa; um deles, o senhor de Tchu, tornou-se para eles um rivaltemvel quando, nos ltimos anos do sculo VIII, ele submeteutodas as tribos da bacia do Han-yang. Foi em direo do Oeste quese fez a arremetida mais considervel. Ela no atacou de frente asdifceis montanhas pelas quais se sobe abruptamente da plancieao Chan-si, o Tai-hang chan, o Wu-tai chan, etc., e quepermaneceram at o fim a ltima cidadela de independncia dosbrbaros Ti. Os colonos contornaram o obstculo subindo os valesdo rio Amarelo e de seus afluentes, o Wei e o Fen. A maioria delesparecia ter vindo da regio que forma atualmente os confins doChan-tong, do Kiang-su, e do Kiang-si, regio onde a maior partedas casas principescas pertencia aos cls Ki, Sseu e Ying, cujosmembros representaram o papel mais importante na colonizaodo Oeste. Os Sseu tinham l seu centro religioso em torno da ilhade Yu-chan, onde estava o templo de seu ancestral Kuen, e foi aramos desta famlia que pertenciam os feudos de Tseng (perto deYi-tcheu), de Chen (junto a Ju-ning), de Ki (prximo a Kai-fong),de Yang, perto de Ki-chuei, etc. Aqueles que tinham passado parao Oeste estavam instalados margem do rio Amarelo, em torno dotemplo que haviam erigido a seu ancestral Yu, filho de Kuen, nasada do desfiladeiro de Long-men, e tinham fundado ali algunspequenos principados: sobre a margem direita do rio, Sin, cujafilha passava por ter sido a me do rei Wu, fundador da dinastiaTcheu, e, sobre a margem esquerda, Hia, Ming e Tong, cujo condefoi encarregado de representar seu ancestral Kuen, pai de Yu, emum sacrifcio solene que o prncipe Ping de Tsin fez realizar em535; alguns tinham ultrapassado para alm do Tsin-ling para oalto vale do Han, como os senhores de Po de onde vem a belaSseu de Po, a rainha nefasta que, segundo a lenda, perdeu o reiYeu de Tcheu (771). Misturados a eles sobre as margens do rioAmarelo, como tinham se avizinhado da plancie oriental (seu feudode Tna era perto de Tseng, e o de Huang no longe de Chen, etc),

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    membros da famlia Ying mantinham alguns domnios senhoriais:Keng sobre o baixo Fen, Fei na margem direita do rio, na sada deLong-men, prximo dali, Leang, face embocadura do Fen, e,mais a Oeste, Wang e Peng-ya, sobre o rio Lo; fora deste centro,alguns tinham fundado domnios mais longnquos ainda: a Oeste,Tsin sobre o alto Wei; a Leste, Tchao sobre o curso mdio do Fen,nos extremos postos avanados da colonizao chinesa. As terrasmais extensas pareciam ter pertencido aos membros da famliaKi: todo o quadriltero compreendido entre o Fen no Norte e o rioAmarelo a Oeste e ao Sul pertencia a senhores desta famlia: Kai,Hia-yang, Yu, Wei; outros tinham seus domnios no vale do Wei,em Juei, perto de sua embocadura, em Cho, Kuo, junto de Feng-siang. O mais poderoso de todos esses senhores era aquele de Tcheu,que possua todo o Oeste da plancie, sobre o curso mdio dos riosKing e Wei, at a entrada das montanhas.No impossvel se fazer uma idia aproximada da data verossmilem que se fundaram alguns desses feudos. Os reis que governarama China desde cerca do sculo X at o sculo III antes da era crist(dinastia Tcheu) descendiam desses senhores de Tcheu, que tinhamfundado um principado sobre o alto Wei. A traio de seu temploancestral remontava a fundao deste domnio at o dcimo -segundo ancestral do primeiro rei: este antepassado remoto, oduque de Lieu, o primeiro a ocupar as terras de Pin e criar ali umgrande feudo. Ora, as listas genealgicas dos templos ancestraiseram muito bem mantidas desde a alta antigidade: a mincia doculto dos ancestrais que determinava o nmero e a natureza dasoferendas apresentadas anualmente a cada rei ou prncipe defunto,segundo seu grau, impunha um grande cuidado. Tambm, apesarda data bastante tardia dos escritores que, por volta dos sculos IIIe II, recolheram essas listas, de modo que elas no podem serconsideradas como de fantasia. Um exemplo da confiana que sepode atribuir s listas tradicionais, quando a famlia da qual elasemanam conservou-se por bastante tempo, foi dada recentementepelas inscries do fim dos Yin: a lista de reis que elas forneceramdiferem muito pouco daquela que nos transmitiram o analistaannimo que, nos ltimos anos do sculo IV a.C. comps a Histriada China conhecida sob o nome de Anais escritos sobre bambu, eo grande historiador do final dos sculos II e I, Sseu-ma Tsien, em

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    suas Memrias histricas. A queda do imprio dos Yin no tinhalevado destruio da famlia real vencida, cujos descendentestinham conservado uma parte de seus domnios hereditrios sob ottulo de duques de Song e s desapareceram no incio do sculoIII: a lista conservada no templo ancestral dos duques de Songque nos foi transmitida. No h, infelizmente, testemunho deexatido da lista genealgica dos reis de Tcheu, mas no h razopara se supor menos correta do que aquela dos duques de Song.Como a primeira data segura da histria chinesa a fuga do rei Li,o dcimo na dinastia Tcheu, expulso de sua capital em 842, secontarmos remontando aos primeiros reis, depois os doze duquesde Tcheu, at o duque de Lieu, so vinte e dois reinos,encontraremos que, seguindo que se lhes atribuir uma mdia dequinze ou doze anos, o estabelecimento de Lieu em Pin poder secolocar em torno do comeo ou o fim do sculo XII a.C. Isso no mais do que uma aproximao, mas uma aproximao verossmil.No seria necessrio, alis, concluir por a que a colonizao noOeste comeou nesta poca, pois nada nos permite supor que ossenhores de Tcheu foram os primeiros a se instalar na regio.Gostar-se-ia de conhecer a vida desses colonos chineses do Oestee do Sul, como se instalaram, que relaes tinham com seusvizinhos brbaros. Nenhum documento nos chegou deste perodo.O que ns temos de melhor, so duas odes religiosas em honra dosancestrais da dinastia Tcheu aos quais atribui-se a fundao dofeudo familiar: estes no so, nem preciso dizer, documentoshistricos, e no necessrio procurar ensinamentos exatos sobreos fatos e os gestos reais desses personagens; mas essas peas deversos que remontam provavelmente ao sculo VIII de antes denossa era, datam de um tempo quando a colonizao, se bem quedesacelerada por seu prprio sucesso, devia continuar ainda emalgumas regies, e permitido ver a uma descrio idealizada doestabelecimento de um aventureiro chins com seus clientes emuma regio brbara, e da vida que eles levavam ali.No se trata de conquista nessas peas: talvez acontecesse comfreqncia no ter propriamente de falar de conquista, e que oscolonos chineses obtinham pacificamente dos chefes brbaros umcanto de terra para plantar, como na outra extremidade do VelhoContinente, os colonos gregos parecem ter muitas vezes obtido

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    sem sofrimento terras onde estabelecer uma cidade ou um porto.O que est descrito, o rito mais importante da tomada de posse, afundao do burgo onde, ao lado de sua prpria residncia , o senhorestabelece o templo de seus ancestrais e o altar de seu deus dosolo. Em uma das odes, o duque de Lieu que deixa a instalaoprovisria do incio e sua populao numerosa e comprimidadepois das primeiras ocupaes dos campos e as primeirascolheitas: Ele tomou da carne grelhada e do gro torrado colocou-os em sacos e cestos... com arcos e flechas mantidosprontos , com escudos, albardas, machados de armas e machadosem gancho , ento ele se ps em marcha; ei-lo procura de umlocal favorvel: Ele sobe, ei-lo no pico, ele desce e se encontra denovo na plancie, at que tenha encontrado o melhor lugar parauma instalao definitiva; constri um muro de cerca em terra,depois oferece uma refeio ritual queles que o acompanharam,seguida da qual eles o fazem seu senhor, eles lhe rendemhomenagem. Em uma outra ode, o Antigo-duque, Tna-fu, que,expulso, dizem, pelos brbaros, deixa o lugar onde seus sditosfaziam cavernas, faziam grutas no tendo ainda casas ... Eleveio pela manh, ao galope de seus cavalos , ... ele veio procurarpara si uma residncia. A plancie de Tcheu era bela violetas eserralhas eram como doces; a adivinhao tendo dado umaresposta favorvel, ele se instala: constri primeiro o temploancestral, ergue em seguida uma pequena cerca de terra de 5.000ps (cerca de 1.200 metros de comprimento), depois constri suassalas de audincia e seu palcio, enfim, o altar do deus do solo;com os progressos do trato das terras, os brbaros tiveram de fugir:os carvalhos e as rvores espinhosas desapareceram estradaspara viajantes se abriram os brbaros fugiram ; ora, eles estavamtodos ofegantes25. Na medida em que os poetas descreveram osfatos tais como se passaram sob seus olhos, sob a cor de contar osacontecimentos de um passado remoto, parece que os chinesesobtiveram com freqncia pacificamente sua instalao em umcanto de mata que eles desmataram para transformar em camposirrigados permanentes, enquanto os brbaros s faziam campostemporrios, anlogos aos que os montanheses de Alto-Tonkin

    25 Che king, trad. Couvreur, 287, 316; trad. Legge, 437, 483.

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  • chamam de ra, queimando a floresta. Foi somente em seguidaque a extenso da colnia colocou-os em disputa com os indgenascujos procedimentos de cultura demandavam muito espao, e queestes, se no se reunissem para expulsar os recm-chegados (comoaconteceu segundo a tradio do Antigo-duque Tna-fu), eramforados a deixar a regio ou a adotar os procedimentos chinesesde se deixar assimilar pelos colonos.Foi assim que a grande plancie do baixo rio Amarelo onde foicriada a civilizao chinesa estendeu-se pouco a pouco para oextremo Oeste, subindo os rios e contornando as montanhas. Osvales do Wei e do Fen foram suas grandes vias de penetrao. NoChan-si, os colonos se estabeleceram em pequenas bacias que oFen atravessa e s pararam no ponto onde o vale cessa de serpraticvel, no grande cnion a jusante do Houo: apenas tardiamenteeles passaram mais ao Norte e a bacia de Tai-yuan s se tornouchinesa em pleno perodo histrico, cerca dos sculos VI e V a.C.Mas naquela poca, a investida chinesa no pas brbaro tinhamudado de caracterstica: no eram mais empresas isoladas deaventureiros indo tomar os domnios custa dos selvagens; eramexpedies metdicas de dois grandes principados que tinhamacabado de se constituir e iro absorver a maior parte dos pequenosfeudos da antigidade, o Tsin no Chan-si, e o Tsin no Chen-si. Osdois Estados (e mais tarde, depois da queda do Tsin, aqueles quese formaram de suas runas) deviam completar em condies maisfavorveis esta conquista e esta assimilao gradual dos brbarosda bacia mdia do rio Amarelo, que foi a obra mais considervelda China antiga, como a assimilao, ainda hoje no concluda,das tribos do rio Azul e das regies mais meridionais, deveria seraquela da China medieval e moderna.

    AS ORIGENS DA CIVILIZAO CHINESA40

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  • ASBASESNATURAISESOCIAISDACIVILIZAOCHINESA

    Armen Mamigonian*

    Resumo:A civilizao chinesa luz do seu quadro geogrfico ehistrico prprio, bem como das presses dos interesses imperialistas.Palavras-chave: China; Civilizao; Natureza e Sociedade.The natural and social basis of Chinese civilization.Abstract:The Chinese civilization considering its own geographicaland historical panorama as well as the pressure of imperialist interests.Keywords: China; civilization; nature and society.

    I Introduo ao enigma chins

    1. Os contatos entre Ocidente e Oriente datam daAntigidade. Herdoto, pai da geografia e da histria, viajou porgrande parte do Oriente prximo e decifrou o Egito como ddivado Nilo. Aristteles, logo depois, tambm comparando povos einstituies, talvez tenha sido o primeiro a fazer referncias aodespotismo oriental, minimizando o fato de Scrates ter sidocondenado morte pela democracia ateniense.

    O Imprio Romano foi incorporado s relaes com aChina pela Rota da Seda, mas durante a Idade Mdia a decadnciado Ocidente provocou a interrupo de suas relaes com oOriente, restabelecidas lentamente, primeiro com o Orienteprximo e mais tarde com a China, pelas viagens de Marco Polo(REID, 1993, p 5) O deslumbramento da Europa atrasada diantedos avanos das civilizaes rabe, bizantina e chinesa provocouforte interesse de seu capital comercial. Com as grandes

    *Armen Mamigonian professor dos cursos de ps-graduao em Geografia da USP e UFSC, fez doutorado em Estrasburgo (tudegeographique de lindustrie a Blumenau Bresil) e livre-docncia na USP,sendo pesquisador do CNPq. As bases naturais e sociais da civilizaochinesa fazem parte de um texto maior e indito A China e o Marxismo:LiDazhao, Mao e Deng.

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    navegaes a Europa assumiu posies agressivas e desupremacia em relao ao restante do mundo. As idias dodespotismo oriental foram retomadas (Montesquieu e outros) peloseu lado mais depreciativo, visando referendar a superioridadeeuropia e norte-americana e suas polticas colonialistas, que seintensificaram no sculo XIX, quando a China foi transformadaem semi-colnia pelo condomnio imperialista composto pelaInglaterra, Frana, Alemanha, EUA, Japo, Rssia e outros.

    Durante o sculo XIX a China foi esquartejada, saqueada einferiorizada pelos seus exploradores externos, associados aos seusaliados internos. Mas, curiosamente, foi o marxismo, nascido noOcidente das idias alems (filosofia clssica), inglesas (economiapoltica) e francesas (socialismo), que permitiu a regenerao daChina, a vitria da revoluo nacional popular liderada por MaoTsetung e o esforo atual para se tornar uma superpotncia capazde barrar os desmandos do fascismo norte-americano, to destruidorquanto foi anteriormente a Alemanha nazista, e assim ajudar aregenerao do prprio Ocidente.

    Nascido na Europa, o marxismo perdeu fora no seu lugarde origem, mas por isto mesmo cabe a pergunta: o que levou aconquistar os coraes e as mentes de milhes de chineses easiticos e dar um novo impulso luta pelo socialismo, aps avitria da revoluo e depois de sua trgica queda na URSS?

    2. Os fundadores do marxismo (Marx e Engels),influenciados pelas revolues de 1789 e 1848, superestimaramas lutas de classe que se travavam na Europa, paralelamente subestimao das questes nacionais (unificaes, etc), queocorriam na Itlia, na Alemanha, no Japo e em outros lugares(ANDERSON, 2004, posfcio). Ao mesmo tempo, apesar dagenialidade, elaboraram uma viso eurocntrica do mundo, comoera comum na poca. Entretanto, a eles se deve creditar a idia demodo de produo asitico, que descartava a noo de evoluounilinear da humanidade (comunismo primitivo, escravido,feudalismo, capitalismo e socialismo). A observao de Herdotoreferente ao Egito, acima mencionada, serviria para as civilizaesda Mesopotmia, da ndia, da China e dos imprios pr-colombianos da Amrica? (WITTFOGEL, 1957 e SOFRI, 1977).

    AS BASES NATURAIS E SOCIAIS DA CIVILIZAO CHINESA

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    A propsito da China caberia indagar da enorme duraode sua histria imperial e de sua civilizao, comparativamenteaos outros casos. Alis, Marx acompanhou, em meados do sculoXIX, os extertores da histria milenar do imprio chins, que seapresentavam como questo camponesa e como questo nacional,ambas de dimenses gigantescas (MARX, 1978, p 21-30).

    Assim como o budismo, as dinastias mongol (1260-1368)e manchu (1644-1912), o marxismo introduzido tardiamente naChina (1920), logo adquiriu especificidades chinesas, tanto comMao como com Deng. Por isto mesmo til tentar entender, mesmode maneira introdutria, a longevidade da civilizao chinesa e doimprio chins.

    II - Cronologia dos 5000 anos da civilizao chinesa(Fonte: Brasil Connects, 2003)

    - Perodo Neoltico (8000 a 2000 aC): culturas pr-dinsticas

    Surgiram nos arredores do Rio Amarelo trs diferentesculturas (Yangshao, Longsha e Majiyao). Perodo dos governanteslendrios (Yao, Shun e outros), considerados sbios por Confcio.Iniciou-se o uso do bronze e do jade

    - Dinastias antigas

    Armen Mamigonian

    Yangshao(centro-norte) 5000a3000 aCHongshan 3600a2000 aCLianzhu 3600a2000 aCLongshan 3000a1700 aC

    X ia 2100 a 1600 aCShang 1600 a 1100 aCZhou

    Zhou do oes teZhou do les tePr imaveras e O u tonosR eino s C ombatentes

    1100 a 256 aC1100 a 771 aC

    770 a 256 aC770 a 476 aC471 a 221 aC

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    A metalurgia do bronze se expandiu. Construram-secidades fortificadas e grandes palcios. Foram organizadasforas militares. Os reis eram Filhos do Cu, acima dos espritosque protegiam tribos e cls. No final do perodo ocorreramgrandes conflitos entre os vrios reinos existentes. Surgiram otaosmo e o confucionismo.

    - China dinstica (221aC a 1911)

    Qin 221 a 207aCHan

    Hando oesteHando leste

    206aCa 220dC206aC a 24dC25dCa 220dC

    Perododa desunioTrsReinosJin do oesteJin do leste

    220 a 589 dC220 a 280 dC265 a 316 dC317 a 420 dC

    Dinastias doSulSong/Qi/Liang/Chen

    420 a 589 dC

    Dinastias doNorteWeiN/Wei S/Qi N/ZhouN

    386 a 581 dC

    Sui 581 a 618 dCTang 618 a 907 dCCinco dinastias 907 a 960 dCSong

    Song do NorteSong do Sul

    960 a 1279 dC960 a 1127 dC960 a 1279 dC

    Yuan (Mongol) 1279 a 1368 dCMing 1368 a 1644 dCQing (Manchu) 1644 a 1911 dC

    AS BASES NATURAIS E SOCIAIS DA CIVILIZAO CHINESA

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    Shi Huangdi, rei de Qin (Xian) conquistou seis reinos,unificou a nao chinesa e recomeou a construo da GrandeMuralha. A dinastia Han adotou o confucionismo e criou grandeprosperidade, com implementos agrcolas de ferro, carros de boi eavanadas tcnicas de irrigao; estabeleceu a Rota da Seda atAlexandria e foram inventados o papel e a porcelana. O Perododa desunio foi de grandes conflitos, mas foram inventados aplvora e o carrinho de mo, alm de avanos na medicina,astronomia e cartografia e o budismo tornou-se popular. O Impriofoi restaurado na dinastia Sui, que construiu o Grande Canal ereconstruiu a Muralha da China. Na dinastia Tang houve grandeflorescimento da civilizao chinesa e a administraoconfucionista foi reforada; inveno da imprensa e novo impulsodo comrcio com o Ocidente. As Cinco dinastias corresponderama novo perodo de fragmentao, mas a dinastia Song reunificou aChina e impulsionou o desenvolvimento econmico e cultural:escritos histricos, pintura, caligrafia e porcelana esmaltada. Adinastia Yuan correspondeu conquista mongol e aos relatosdeslumbrantes de Marco Plo. A dinastia Ming nasceu da revoltacamponesa liderada por ex-monge budista e a China atingiu 100milhes de habitantes; construiu-se a Cidade Proibida emPequim. A dinastia Qing, manchu, expandiu o territrio chins asua dimenso mxima e manteve muitas tradies chinesas. Eencerrou-se em 1911 com o incio do perodo republicano.

    III - A longevidade da civilizao e do imprio chins

    1. Algumas civilizaes da Antigidade, tiveram duraomenor (Egito e Mesopotmia) e outras maior (ndia e China), assimcomo os imprios correspondentes.A China o caso de civilizaode maior durao e isto se deve a vrios fatores, que foram seconjugando ao longo do tempo.

    A posio geogrfica da China, no extremo-Oriente, foium fator de proteo diante das invases, comparativamente sreas de trnsito mais fcil. As conquistas de Alexandrealcanaram o Egito, Mesopotmia, a Prsia, a ndia, mas no aChina, que estava longe demais. A China, sujeita s invasestrtaras (mongis, manchus, etc), se viu forada a construir a

    Armen Mamigonian

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    Grande Muralha, iniciada no sculo IV a.C., o que desviou estasinvases para a ndia, a Rssia e a Europa ocidental e com suacivilizao consolidada conseguiu absorver mais tarde mongise manchus. Alm da posio geogrfica vantajosa, outros fatoresse combinaram para permitir uma vida rica e duradoura civilizao chinesa: 1) a gnese e expanso da agriculturaintensiva de arroz; 2) o nascimento de filosofias civilizatrias etolerantes, como o taosmo e o confucionismo (sculo VI a.C.) e3) o surgimento e a consolidao da administrao pblica queprecocemente deu origem a um estado nacional (sculo III a.C.).

    A civilizao do arroz (GOUROU, 1947) teveimportncia essencial na vida material da China e da ndia e porextenso nas reas abrangidas pelas chamadas chuvas de mono.As duas civilizaes nasceram em extensas plancies fluviais, degrande fertilidade agrcola, capazes de comportar altas densidadespopulacionais. Alm de importncia na vida material, a civilizaodo arroz, nascida na exuberncia natural da sia das Mones(chuvas abundantes e rios caudalosos com grandes plancies frteis)teve papel importante na vida espiritual dos seus habitantes, dandoorigem s religies e filosofias fortemente pacifistas e tolerantes,comparativamente s do Mediterrneo oriental, onde as condiesnaturais inspitas ajudaram a emerso de um conflito maior entrehomem e natureza e das idias religiosas de que ela deveria serdominada e mesmo destruda (DEFFONTAINES, 1948). Comose sabe, para os hindus no existia abismo entre os homens e osanimais, pois todos tinham alma, assim como o taosmo e oconfucionismo ensinavam que o homem e a natureza deveriamconviver harmoniosamente. Alm do mais, como a agricultura doarroz exigia trabalho intensivo, ela deu origem necessidade dededicao, organizao e disciplina, pois se tratava no dizer dosgegrafos de um cultivo de jardinagem.

    A civilizao chinesa, que j conta com cinco mil anos,nasceu da crescente sedentarizao, acelerada depois de 8000 a.C.,das populaes das margens dos rios Amarelo e Azul.Anteriormente, como nas outras regies do mundo, houve umaprolongada fase de comunismo tribal e de matriarcado, ainda comresqucios na China atual (XINRAN, 2003, cap 15). importanteassinalar que a agricultura do arroz obrigava todos os camponeses

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    responsabilidade pela irrigao das terras de cada aldeia (trabalhocoletivo), mas os cultivos eram familiares, estimulando a pequenaproduo camponesa. Assim, muito cedo entre os chinesescoexistiam claramente responsabilidades coletivas eresponsabilidades familiares distintas, alm de que o campesinatochins no viveu sob regime de servido, diferentemente do russo.

    Antes de 2000 a.C. surgiram, em vrios pontos distintos,elites governantes com o papel principal de construir pequenasobras regionais de engenharia de irrigao, ao mesmo tempo emque nasceram cidades amuralhadas, trocas comerciais eespecializaes artesanais (objetos de bronze e jade), aps, odesenvolvimento dos artesanatos camponeses de objetos de pedra(machados, ps, facas) e objetos cermicos (vasos, etc.). As aldeiascamponesas eram fontes de mo-de-obra compulsria para ostrabalhos de engenharia mais amplos, alm de fontes de impostosque sustentavam as administraes nascentes. Pouco a pouco foinascendo e se consolidando o modo de produo asitico: 1)encabeado pela organizao administrativa que estabelecia laosfeudais com as aldeias camponesas, subordinadas por relaes devassalagem e 2) embasado nas numerosas comunidades aldes,com fortes estruturas igualitrias, origem de antigo e fortesentimento democrtico e de rebeldia diante das administraesincompetentes, como ocorreu ao longo de milnios.

    2. Por volta de 2100 a.C. as organizaes pr-dinsticas (de5000 a 1700 a.C.) comearam a ceder lugar s chamadas dinastiasantigas, Xia, Shang, Zhou e ao perodo das Primaveras e Outonos eao perodo dos Reinos Combatentes, ainda durante os quais o rei doEstado de Qin partiu para encarniadas lutas de conquista denumerosos estados rivais e concluiu a unificao da China,conferindo-lhe um sentido de nacionalidade (dinastia Qin: 207 a221 a.C.). Portanto, deve-se insistir na idia de que houve um longoperodo histrico de milnios para que culturas nascidas lentamenteao longo dos riosAmarelo eAzul, em Shaanxi e outros pontos desde5.000 a.C. e no num nico lugar como se pensava no incio dosculo XX (MASPERO, 1926, p. 135-154), dessem origem civilizao que permitiu o nascimento da nao chinesa, muito antesdas naes europias nas suas transies feudal