gentrificação verde em goiânia: o papel dos parques

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SAKATA, Francine Gramacho, MEDEIROS, Wilton e GONÇALVES Fábio Mariz. Gentrificação verde em Goiânia: O papel dos parques brasileiros do século XXI nas transformações urbanas. Sociabilidades Urbanas Revista de Antropologia e Sociologia, v2, n6, p. 137-149, novembro de 2018. ISSN 2526-4702. DOSSIÊ http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/ Gentrificação verde em Goiânia: O papel dos parques brasileiros do século XXI nas transformações urbanas Green Gentrification in Goiânia: The role of 21 st century Brazilian parks in urban transformation Francine Gramacho Sakata Wilton Medeiros Fábio Mariz Gonçalves Resumo: A partir do trabalho do Laboratório Quapá Quadro do Paisagismo no Brasil da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, que desde 1995 faz e estuda o sistema de espaços livres das cidades brasileiras, buscamos relacionar a criação de novos parques urbanos com a valorização imobiliária de setores urbanos e processos de gentrificação verde. Como estudos de caso são tomados cinco parques em Goiânia cuja criação foi articulada à intensa verticalização do entorno. O trabalho foi desenvolvido principalmente sobre as pesquisas do Laboratório Quapá, imagens aéreas e sobre os produtos da oficina realizada em Goiânia, tendo sido desenvolvidos mapas para explicitar as transformações urbanas e realizadas entrevistas com os projetistas da Prefeitura de Goiânia que participaram das obras. A maioria dos parques criados nas grandes cidades brasileiras, nos últimos vinte anos, não atendem exclusivamente às camadas de rendas médias e altas. Eles foram distribuídos pelo território em função das oportunidades efetivamente encontradas, frequentemente pautadas pela disponibilidade de terrenos e pela preservação de recursos naturais a preservar. Entretanto, os parques melhor projetados e equipados para os usos de lazer são ainda aqueles situados nos bairros de moradia das rendas mais altas, ainda que possam ser frequentados por moradores de bairros distantes, que buscam o equipamento público de melhor qualidade. Alguns parques foram implantados efetivamente associados à valorização de áreas de expansão imobiliária de alta renda. Nos casos mais recentes, a criação e qualificação dos parques não precedeu a verticalização, mas a acompanhou. Isto sugere que o incremento dos espaços públicos, especialmente dos parques, não precede a escolha do bairro para a expansão da verticalização destinada às camadas de renda mais alta mas é posterior. Depois de definidos os vetores da expansão imobiliária, é que são criados e qualificados parques públicos para a valorização dos empreendimentos dos bairros. Palavras-chave: gentrificação verde, parques urbanos, sistemas de espaços livres, transformações urbanas, verticalização, Goiânia Abstract: Based on the work of the Quapá Landscaping Laboratory in Brazil of the Faculty of Architecture and Urbanism of the University of São Paulo, which has been doing and studying the free space system of Brazilian cities since 1995, we have tried to relate the creation of new urban parks with real estate valuation of urban sectors and green gentrification processes. As case studies are taken five parks in Goiânia whose creation was articulated to the intense verticalization of the environment. The work was developed mainly based on the Quapá Laboratory research, aerial images, the products of the workshop held in Goiânia and interviews with designers who participated in the projects and construction of the parks. Maps were developed to explain the urban transformations. Most of the parks created in the great Brazilian cities, in the last twenty years, do not exclusively attend the layers of medium and high incomes. They were distributed throughout the territory due to the opportunities effectively encountered, often based on the availability of land and the preservation of natural resources to be preserved. However, the parks best designed and equipped for leisure uses are still those located in the upper-income housing districts, although they may be frequented by residents of distant neighborhoods who seek the best quality public equipment. Some parks were deployed effectively associated with the appreciation of areas of high-income real estate expansion. In more recent cases, the creation and qualification of the parks did not precede the verticalization, but followed it. This suggests that the increase of the public spaces, especially of the parks, does not precede the choice of the neighborhood for the expansion of the verticalization destined to the layers of higher income but is later. Once the vectors of the real estate expansion have been defined, it is that public parks are created and

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SAKATA, Francine Gramacho, MEDEIROS, Wilton e GONÇALVES Fábio Mariz. Gentrificação verde em

Goiânia: O papel dos parques brasileiros do século XXI nas transformações urbanas. Sociabilidades Urbanas –

Revista de Antropologia e Sociologia, v2, n6, p. 137-149, novembro de 2018. ISSN 2526-4702.

DOSSIÊ

http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/

Gentrificação verde em Goiânia: O papel dos parques brasileiros do século

XXI nas transformações urbanas

Green Gentrification in Goiânia: The role of 21st century Brazilian parks in urban transformation

Francine Gramacho Sakata

Wilton Medeiros

Fábio Mariz Gonçalves

Resumo: A partir do trabalho do Laboratório Quapá – Quadro do Paisagismo no Brasil da

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, que desde 1995 faz e estuda

o sistema de espaços livres das cidades brasileiras, buscamos relacionar a criação de novos parques

urbanos com a valorização imobiliária de setores urbanos e processos de gentrificação verde.

Como estudos de caso são tomados cinco parques em Goiânia cuja criação foi articulada à intensa

verticalização do entorno. O trabalho foi desenvolvido principalmente sobre as pesquisas do

Laboratório Quapá, imagens aéreas e sobre os produtos da oficina realizada em Goiânia, tendo

sido desenvolvidos mapas para explicitar as transformações urbanas e realizadas entrevistas com

os projetistas da Prefeitura de Goiânia que participaram das obras. A maioria dos parques criados

nas grandes cidades brasileiras, nos últimos vinte anos, não atendem exclusivamente às camadas

de rendas médias e altas. Eles foram distribuídos pelo território em função das oportunidades

efetivamente encontradas, frequentemente pautadas pela disponibilidade de terrenos e pela

preservação de recursos naturais a preservar. Entretanto, os parques melhor projetados e equipados

para os usos de lazer são ainda aqueles situados nos bairros de moradia das rendas mais altas,

ainda que possam ser frequentados por moradores de bairros distantes, que buscam o equipamento

público de melhor qualidade. Alguns parques foram implantados efetivamente associados à

valorização de áreas de expansão imobiliária de alta renda. Nos casos mais recentes, a criação e

qualificação dos parques não precedeu a verticalização, mas a acompanhou. Isto sugere que o

incremento dos espaços públicos, especialmente dos parques, não precede a escolha do bairro para

a expansão da verticalização destinada às camadas de renda mais alta mas é posterior. Depois de

definidos os vetores da expansão imobiliária, é que são criados e qualificados parques públicos

para a valorização dos empreendimentos dos bairros. Palavras-chave: gentrificação verde,

parques urbanos, sistemas de espaços livres, transformações urbanas, verticalização, Goiânia

Abstract: Based on the work of the Quapá Landscaping Laboratory in Brazil of the Faculty of

Architecture and Urbanism of the University of São Paulo, which has been doing and studying the

free space system of Brazilian cities since 1995, we have tried to relate the creation of new urban

parks with real estate valuation of urban sectors and green gentrification processes. As case studies

are taken five parks in Goiânia whose creation was articulated to the intense verticalization of the

environment. The work was developed mainly based on the Quapá Laboratory research, aerial

images, the products of the workshop held in Goiânia and interviews with designers who

participated in the projects and construction of the parks. Maps were developed to explain the

urban transformations. Most of the parks created in the great Brazilian cities, in the last twenty

years, do not exclusively attend the layers of medium and high incomes. They were distributed

throughout the territory due to the opportunities effectively encountered, often based on the

availability of land and the preservation of natural resources to be preserved. However, the parks

best designed and equipped for leisure uses are still those located in the upper-income housing

districts, although they may be frequented by residents of distant neighborhoods who seek the best

quality public equipment. Some parks were deployed effectively associated with the appreciation

of areas of high-income real estate expansion. In more recent cases, the creation and qualification

of the parks did not precede the verticalization, but followed it. This suggests that the increase of

the public spaces, especially of the parks, does not precede the choice of the neighborhood for the

expansion of the verticalization destined to the layers of higher income but is later. Once the

vectors of the real estate expansion have been defined, it is that public parks are created and

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qualified for the valorization of the projects of the neighborhoods. Keywords: green

gentrification, urban parks, open space systems, urban transformations, verticalization, Goiânia

Uma nova fronteira no estudo do processo de gentrificação surgiu recentemente com a

chamada “gentrificação verde”, que representa, na atualidade, um verdadeiro dilema e

contradição para o discurso dos ativistas de defesa do ambiente. Vários autores (GOULD e

LEWIS, 2016; CROUCH, 2012; LEITE, 2010; ACSELRAD et. al. 2009; ACSELRAD, 2001)

referem que a matriz discursiva pró-sustentabilidade do planejamento municipal legitima

intervenções de regeneração urbana estruturais de limpeza e criação de amenidades

ambientais em áreas-problema da metrópole, apresentando a preocupação com o verde, a

ecologia e a qualidade de vida. Todavia, à medida que certas áreas são requalificadas

ambientalmente através da criação de parques e áreas verdes, bem como corredores

ecológicos que reforçam a estrutura verde da cidade, os valores fundiários voltam a subir, os

investidores imobiliários voltam a interessar-se por essas áreas e tiram proveito de uma rent

gap ambiental, gerando gentrificação e consequente desalojamento dos moradores de longa

data e mais desfavorecidos pelo baixo poder aquisitivo.

Entre 2000 e 2017, o número de parques urbanos no Brasil dobrou se considerarmos o

conjunto de 13 capitais brasileiras e o Distrito Federal (Tabela 1). Este conjunto contava com

205 parques até o ano 2000 e, entre 2000 a 2017, surgiram 240 novos. Este processo foi

menos significativo, em termos numéricos, em algumas grandes cidades litorâneas, como Rio

de Janeiro, Maceió, Santos, Fortaleza e Florianópolis, nas quais as orlas ainda são os grandes

parques urbanos, pela diversidade de usos sociais que são acolhidos nas praias e nos

calçadões. Contudo, houve, nestas cidades, neste período, obras de ampliação e de

requalificação dos espaços de lazer nas orlas. Vitória e Recife são exceções, que investiram na

criação de parques novos.

Nas capitais e grandes cidades do interior, como São Paulo, Belo Horizonte, Brasília,

Campo Grande e Curitiba, o fenômeno foi evidente. Em Goiânia, um dos expoentes desse

processo, havia apenas três parques implantados até 1996, em 2016, já contava com 42

parques e bosques equipados abertos à população, do total de 190 áreas reservadas para essa

finalidade que ainda não foram convertidas em parques públicos.

MUNICÍPIO população

censo 2000

parques até

2000

população estimada em 2017

parques acresc.

2000-2017

total de parques em 2017

SÃO PAULO 10.434.252 40 12.106.920 76 116

BELO HORIZONTE 2.238.526 29 2.523.794 33 62

GOIÂNIA 1.093.007 3 1.466.105 39 42

DISTRITO FEDERAL

2.051.146 21 3.039.444 12 33

VITÓRIA 292.304 8 363.140 5 13

CURITIBA 1.587.315 30 1.908.359 22 52

CAMPO GRANDE 663.621 4 874.210 13 11

MANAUS 1.405.835 1 2.130.264 13 14

RECIFE 1.422.905 9 1.633.697 5 14

RIO DE JANEIRO 5.857.904 30 6.520.266 12 42

SALVADOR 2.443.107 9 2.953.986 3 12

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Sociabilidades Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia v2 n6 novembro de 2018 ISSN 2526-4702

FORTALEZA 2.141.402 6 2.627.482 2 8

BELÉM 1.280.614 4 1.452.275 2 6

PORTO ALEGRE 1.360.590 11 1.484.941 3 13

TOTAL 34.272.528 205 38.561.089 240 438

Tabela 1: Parques existentes até 2000 e criados entre 2000-2017. Fonte: SAKATA, 2018.

O levantamento dos parques, junto às prefeituras e in loco foi feito por SAKATA

(2018) no âmbito da pesquisa do Laboratório Quapá – Quadro do Paisagismo no Brasil,

sediado na FAUUSP e coordenado pelos professores Silvio Macedo e Eugenio Queiroga. Ao

mapear os parques urbanos, percebeu-se que os parques criados entre 2000-2017 não são mais

criados apenas em bairros centrais e de renda mais alta. No início do século XX, o parque

urbano tinha a função de embelezamento urbano e de ponto de encontro e lazer da elite.

Conforme a urbanização se intensificava, os parques foram adotados como equipamento para

a provisão de lazer e recreação das crescentes massas urbanas. Perto do final do século, eles

continuavam sendo criados somente em bairros tradicionalmente habitados por classes de

rendas mais altas ou em áreas de expansão urbana destas mesmas classes, associados aos

interesses imobiliários e políticos mas, a partir dos anos 1980, o poder público, em cidades

como São Paulo, Belo Horizonte e Curitiba, passa a criar parques para a provisão de lazer em

bairros de moradia de população de rendas médias. Ao longo dos anos 1990 e 2000, esta

tendência se estabeleceu também em outras capitais. (SAKATA, 2018)

A redemocratização e a necessidade de captar votos têm papel na ampliação do

atendimento às demandas dos mais pobres e no tratamento de espaços públicos nas periferias

urbanas. Empenhados em realizar obras que aparecessem para o eleitor e conquistar camadas

tradicionalmente não atendidas por espaços públicos tratados, muitos governantes se

dispuseram a asfaltar ruas, abrir avenidas e também a requalificar praças e implantar parques.

Além do uso das obras públicas na periferia por interesses políticos, os parques se

proliferaram no contexto da nova legislação ambiental. Muitas vezes foram feitos como meio

de preservação de recursos naturais existentes, outras vezes para cumprir, simultaneamente,

os papéis de conservação de recursos, provisão de espaços de lazer e esporte e valorização

urbana. (SAKATA, 2011).

Gentrificação verde: breve revisão do conceito

A conceituação de gentrification encontra sustentação na leitura transdisciplinar de

amplos processos sociais que produzem e reproduzem a desigualdade na sociedade, sendo que

a gentrificação verde refere-se a um subconjunto da gentrificação urbana, resultante de

discursos ambientais. (GOULD e LEWIS, 2016: 4). Inseridos no marketing urbano, projetos

ecológicos ou sustentáveis muitas vezes fazem disparar a valorização das propriedades locais,

valorizando substancialmente todo o território, como no caso do High Line Park, de Nova

Iorque.

O termo gentrification foi cunhado por Ruth Glass, em 1964, na obra Aspects of

change. A autora então reivindicava justiça social nas políticas públicas londrinas, em

decorrência da elitização dos bairros, bem como também da guetificação na condição de

moradia das camadas populares. No Brasil, Leite (2010) emprega o termo “enobrecimento”

neste espectro de produção sociológica, transdisciplinar e de justiça ambiental.

Para TORRES (2016), não há dúvida de que casos com o Parque Madureira no Rio de

Janeiro, e o Parque do Minhocão em São Paulo, são objetos de estudo que se enquadrariam

nesse quadro teórico metodológico, bem como outros inúmeros casos, no Brasil e em outros

territórios. Nesta matriz teórico-conceitual inaugurada por Glass (1964) e reforçada por Smith

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(1979), o abandono ou degradação de áreas com infraestrutura ou estoque de imóveis, ou até

riscos ambientais, as torna potenciais alvos das indústrias imobiliárias e culturais.

A noção de “justiça ambiental” veio a ser cunhada com vistas a um quadro de vida

futuro, no qual a dimensão ambiental da injustiça social seja superada (ACSELRAD et al,

2009), resultando, portanto, em projetos de sustentabilidade urbana.

Complementando este quadro teórico, como os casos de green gentrification citados

adiante são irremediavelmente associados a corpos d‟água, é pertinente citar Swyngedouw

(2001: 100) ao dizer que, nas cidades do terceiro mundo, as elites aglomeram-se em torno de

ilimitados acessos à água, distinguindo-se culturalmente por classe e gênero, transformando a

água em capital cultural e de poder – e de expectativa de vida significativamente maior. Não

se tratam aqui de orlas marítimas mas são lagos com um potencial paisagístico e simbólico.

Motivações para a criação de parques

Em Salvador, um conjunto de parques multicoloridos foi feito nos anos 1990, em

paralelo com a intervenção no Pelourinho, em1993. Nos projetos foram usados corrimõess de

inox e vistosas coberturas de lonas brancas. Os parques se distribuíam no percurso entre o

Pelourinho e o aeroporto, no sentido da orla do Atlântico – mais valorizada pelas elites do que

a orla da Baía de Todos os Santos. As principais motivações para estas orbas eram a

propaganda turística e a representação do poder político no espaço da cidade.

Em Curitiba, os primeiros parques foram feitos, segundo técnicos do planejamento

local, como uma forma de prevenir enchentes. Com o tempo, passaram a ser muito

frequentados e foram apresentados como símbolos de qualidade de vida, o que ajudaria a

cidade a atrair indústrias e trabalhadores qualificados. Depois do Bosque do Papa (1980), os

parques foram feitos sempre com modo temático, chegando a um por ano. Todos na zona

norte de Curitiba, têm relação com o mercado imobiliário: além de impedir a ocupação por

favelas e a desvalorização das terras, seus terrenos – especialmente os últimos deste conjunto

de parques dos anos 1990 – foram negociados com empreendedores locais. Cedia-se a área de

preservação em troca da valorização das terras vizinhas para empreendimentos. Havia o

entendimento de que os proprietários não poderiam ser penalizados em relação à preservação

ambiental ou não colaborariam com ela quando preciso (SAKATA, 2011).

Até os anos 2000, predominavam no Brasil, como investidores imobiliários, as

famílias proprietárias de terras e aqueles com quem se associavam. As elites locais

coordenavam as incorporações, construções e vendas. A partir deste período, surgem grandes

empresas com capital na bolsa de valores, que haviam captado crédito de fundos públicos,

projetando-se nacional e internacionalmente. Ocorreu uma significativa mudança de escala no

capital imobiliário. A crise fiscal do Estado, associada à reestruturação da apropriação do

dinheiro em circulação no sistema financeiro mundial, implicou na inflexão do

reconhecimento de direitos e na oferta estatal de bens e serviços públicos. Caminhava-se para

a distribuição universalizada das políticas públicas, mas o jogo se inverteu: o orçamento

público e os fundos financeiros do Estado deixavam de ser responsáveis pelo bem-estar da

população, limitando-se a atender demandas localizadas e ao fomento da economia de

mercado (ROYER, 2009).

A criação de parques públicos não deixou de ser entendida como papel do poder

público, mas já não havia recursos financeiros disponíveis para isto nos orçamentos e fundos

do Estado. Foi, entretanto, um período de prosperidade econômica, com créditos públicos

para construção e compra de imóveis e expansão do mercado imobiliário privado. A expansão

dos parques está relacionada a este processo e foi viabilizada de duas formas:

• em terrenos próximos de grandes empreendimentos residenciais e comerciais, com

recursos dos empreendimentos – como ações de compensação ambiental que, ao mesmo

tempo, valorizavam os imóveis para a venda;

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• em bairros periféricos, fora do eixo de expansão imobiliária, com recursos de termos

de compensação de shopping centers, torres comerciais ou mesmo de obras públicas de

infraestrutura, transferidos para fundos públicos.

A municipalidade passou a capturar recursos da iniciativa privada através de Termos

de Compromisso Ambiental (TCA) e de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC).

Recursos estes que o próprio poder público havia repassado às grandes empresas do setor na

forma de crédito. Isto financiou a criação de parques e de obras viárias de diversos portes no

entorno dos empreendimentos.

Até 2013 a economia brasileira se manteve crescendo, com baixo desemprego e baixa

inadimplência, e a liberação do crédito imobiliário se expandiu. Mas, neste mesmo ano, a

demanda começa a cair, situação que se agravou em 2015, com a retração da demanda, dos

créditos, de todo o setor. A partir de então, a criação de novos parques também retraiu

(SAKATA, 2018).

Entre a vontade de criar um parque e a sua inauguração, muitos recursos e articulações

são necessários. Para que obras complexas sejam concluídas a tempo de serem inauguradas,

secretarias e concessionárias de serviços públicos precisam trabalhar integradas. Os gabinetes

de prefeitos e governadores precisam comumente estar diretamente envolvidos para vencer a

falta de articulação. Isso tudo depois de resolvida a questão da propriedade ou da posse da

terra.

No Distrito Federal o Programa Brasília, Cidade Parque, criado em 2011 pela

Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), também contou com verbas de

compensações ambientais. Teve como meta construir 72 parques ecológicos, que foram

demarcados. Ocorreram muitos investimentos, contudo, dos 72 parques, apenas cerca da

metade chegaram a ter condições de uso.

Nem todos os recursos de compensação provêm de empreendimentos privados.

Metade das compensações ambientais relacionadas aos parques em São Paulo originou-se

pelo licenciamento de obras do próprio poder público, sobretudo obras viárias, canalizações e

instalação de infraestrutura urbana. Assim, os recursos para parques são em boa parte

provenientes do próprio poder público, que os havia destinado para infraestrutura. Em

consequência da supressão de árvores, os recursos são transferidos para o sistema de espaços

livres.

Sem orçamentos ou fundos públicos para parques, os representantes do poder público

foram guiados a atrair recursos financeiros que estavam nas mãos de empresas privadas ou

fundos para financiar suas ações. As intervenções do poder público passaram a se caracterizar,

cada vez mais, como ações pontuais, que se concretizam pela combinação do apoio político

com o „aproveitamento‟ de uma lei, norma ou verba. A realidade é operada no possível, no

atendimento das questões mais imediatas, no aproveitamento dos recursos momentaneamente

disponíveis. A impossibilidade de atender amplas demandas da população e a necessidade de

capturar recursos levam a concluir que, no período entre 2000 e 2015, a expressão mais

apropriada para o trabalho dos prefeitos e secretários é gestão de oportunidades (SAKATA,

2018).

Por todo o país a criação de parques foi vinculada às oportunidades, seja na forma de

obter terras ou capital humano e financeiro. Os recursos de compensações ambientais ou

parcerias com empreendimentos residenciais privados e públicos foram o expediente mais

comum para implantar parques. Isto, por si, não é um fato ruim. Sendo os parques úteis para a

sociedade, no presente ou no futuro, criá-los com recursos circulantes captados do mercado

imobiliário terá sido uma justa ação redistributiva da renda.

A maior parte dos parques foi concebida e gerida pelo poder público, mas houve

parques concebidos e geridos por empreendedores imobiliários, o que desonera a máquina

pública e pode ser vantajoso para todos. Foi visto, ainda, o caso dos parques de mineradoras,

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concessionárias de água, e há outros de grandes empresas, cuja atividade impacta o meio

ambiente, como forma de compensação e propaganda.

Entre 2000 e 2017, foram criados 240 parques nas capitais apresentadas na Tabela 1,

sem considerar as intervenções qualificadoras nas orlas marítimas. Deste total de parques, 83

% foram criados para preservação ambiental e provisão de lazer, incluindo os casos com

remoção de moradias que envolvem a questão habitacional. Há uma parcela de parques nas

cidades que foi destinada apenas à preservação, como forma de conter a ocupação,

especialmente no Rio de Janeiro e no Distrito Federal e que tem visitação restrita, das quais

identificamos 17 mas é possível que sejam mais e que representam 7% em quantidade, mas

têm as áreas mais signiticativas. Identificamos 10 parques (4%) associados diretamente à

promoção de empreendimentos imobiliários em áreas de expansão deste mercado – ainda que

parte maior tenha sido feita em parceria com construtoras e se preste à valorização da terra.

Seis parques (cerca de 2,5%) tiveram ênfase na provisão de lazer sem fins ambientais; quatro

estiveram fortemente ligados à promoção da cidade com fins turísticos; e quatro como

propaganda de empresas. Das ações relacionadas a parques, 97,5% se apropriaram do discurso

ambiental, que serviu para garantir a reserva da terra, ou a obtenção de recursos, ou

simplesmente o aumento da aceitação, da visibilidade nas propagandas imobiliárias ou

políticas. (Gráfico 1)

Gráfico 1: Parques implantados entre 2000-2017, por motivação. Fonte: SAKATA, 2018.

Em relação às localizações, os novos parques foram distribuídos pelo território em

função das oportunidades efetivamente encontradas, frequentemente pautadas pela

disponibilidade de terrenos e pela preservação de recursos naturais a preservar. Entretanto, os

parques melhor projetados e equipados para os usos de lazer são ainda aqueles situados nos

bairros de moradia das rendas mais altas (PEDROSO, 2011), ainda que possam ser

frequentados por moradores de bairros distantes, que buscam o equipamento público de

melhor qualidade.

Parques criados para valorização imobiliária

O Regent´s Park, de Londres, é o primeiro caso de parque público associado à venda

de imóveis de alta renda no entorno. Nos Estados Unidos, o Central Park não foi pago por

empreendimentos a ele associados, mas favoreceu muito a ocupação dos bairros ao redor. A

obra recebeu críticas pelos custos exorbitantes mas desde o início o parque foi muito

frequentado pela população e promoveu as vendas ao seu redor. O padrão dos apartamentos é mais luxuoso nas quadras ao longo do parque, diminuindo conforme aumenta a distância

(PANZINI, 2013).

Os parques parisienses à margem do rio Sena, La Villette (1987), André-Citröen

(1992) e Bercy (1993), são os elementos centrais de operações urbanas de grande

envergadura. Ao mesmo tempo em que projetam a imagem de uma cidade inovadora e

economicamente forte, reestruturaram áreas industriais antigas, próximas dos limites da

cidade, transformando-as em bairros agradáveis e valorizados, com funções residenciais,

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comerciais e de serviços. Estes parques são feitos para oferecer aos bairros vizinhos espaços

atrativos de lazer, recreação e uma nova identidade, que contribua para sua valorização

(SERPA, 2004). Uma nova operação urbana nos mesmos moldes inaugurou, em 2007, o

primeiro trecho de outro parque, concluído em 2017: o Parc Clichy-Batignolles Martin Luther

King, no limite noroeste de Paris.1 Esses parques são intervenções planejadas no sistema de

espaços públicos urbanos, que dão continuidade ao trabalho de Haussmann no século XIX. Os

imensos canteiros de obras que se estabelecem são administrados por sociedades de economia

mista, que articulam a prefeitura ou o estado francês ao capital privado. São operações que

representam ganhos para o grande capital e o governo e também incrementam a paisagem da

cidade.

Caso similar ao Central Park, o Parque do Ibirapuera, em São Paulo, foi feito em área

de expansão urbana e, nos anos 2000, os lançamentos de apartamentos mais caros de São

Paulo foram vendidos nas suas proximidades. O empreendimento The Place, em torno do

parque, lançado em 2010, tem duas torres de 33 andares e apartamentos com quatro

dormitórios e de cinco a oito vagas para automóveis. As unidades de 470 m² têm valor

estimado, em 2017, entre R$ 9 e R$ 12 milhões2. Os valores maiores correspondem aos

apartamentos mais altos, com a vista mais nobre da cidade.

Há acordos de muitos tipos entre o poder público e os empreendedores privados. Há

parques públicos concebidos junto com o empreendimento e que são, cada vez mais, pagos

pelas construtoras e utilizados na propaganda como símbolo da qualidade de vida do bairro.

Nas cidades brasileiras, a imagem simbólica da classe do bairro é muito importante. Garantir

que o bairro seja tão nobre quanto os empreendimentos é um esforço dos empreendedores.

Em São Paulo, o Parque Burle Marx é fruto de acordo dos loteadores com a Prefeitura, que

viabilizou o restauro de jardins que ali havia, projetados por Burle Marx, convertendo a área

em parque público. Quem o mantém, a partir de recursos provenientes de eventos, venda de

produtos, direitos de imagem, estacionamento, projetos e doações, é a Fundação Aron

Birmann, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).

O Parque Jardim das Perdizes (2013) é um caso mais recente. Houve um concurso

para o desenho urbano da Barra Funda e os vencedores previam edifícios de poucos andares,

o que não interessou aos empreendedores, que aprovaram a proposta do parque público,

desenhado com um formato alongado, e as torres ao redor. (Figura 1)

Figura 1: Jardim das Perdizes, em São Paulo. Fonte: Terra Urbanismo/ Helio Mitica.

Nos casos dos parques recentes criados em vizinhanças de rendas mais baixas, o

impacto no preço dos imóveis no entorno não parece ser relevante. Isto pode ser atribuído ao

fato de serem em geral parques simples, pouco conhecidos pelos moradores mesmo de bairros

próximos e de manutenção nem sempre garantida e constante. Mesmo quando o parque é

2https://123i.uol.com.br/condominio-2bcd94d2b.html, valor de estimativa médio atualizado em

07/11/2017.

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feito com alta qualidade, como é o caso do Parque Madureira, no Rio de Janeiro, o impacto

sobre o valor dos imóveis na vizinhança não se traduziu em novos empreendimentos. Em

bairros de rendas médias e altas, os parques recentes também não tenderam a anteceder a

expansão imobiliária. Eles foram criados ou qualificados depois que estes pontos da cidade

foram escolhidos pelo mercado imobiliário para a camadas de rendas mais altas.

A relação entre os parques urbanos e as novas frentes de desenvolvimento imobiliário

ficou muito clara em Goiânia, mais do que em qualquer cidade analisada. A verticalização de

alto padrão com gabaritos expressivos, extrapolando os 40 andares, ocorreu em torno dos

parques Lago das Rosas, Buritis, Vaca Brava, Flamboyant, Areião e Cascavel.

Verticalização em torno de parques em Goiânia

Este processo foi muito intenso a partir de 2002 e se deu em curto período de tempo.

Os novos parques foram projetados e feitos com mão-de-obra da Prefeitura e recursos de

empreendedores. Não eram projetos caros, mas resolviam bem a estruturação dos espaços. Os

parques foram entregues sem cercamentos, tendo as águas como pontos focais e sempre com

amplos gramados para o lazer. Os parques valorizaram os imóveis, como é usual nos bairros

de elite, e tendem a ter manutenção adequada, porque a vizinhança assim exige.

Em Goiânia, mais de 190 áreas foram decretadas parques nos últimos vinte anos,

especialmente APPs. Até 2015, 42 foram tratadas para o uso público (SAKATA, 2018).

(Mapa 1). Apenas entre os anos de 2002 e 2007, foram feitos 15 destes 42 parques. A

prefeitura usou-os na propaganda oficial: “Goiânia, a capital brasileira com melhor qualidade

de vida”.3 Prefeitura e empreendedores imobiliários uniram-se para implantar parques que

poderiam alavancar os lançamentos residenciais de alto padrão nos setores ao sul da cidade e,

assim, foram feitas parcerias para a criação de parques. Os cinco parques associados à em que

a verticalização de alta renda em seu entorno localizam-se em um vetor específico. (Mapa 2)

Mapa 1: Parques de Goiânia e as quadras verticalizadas. Em verde escuro, os parques anteriores a 2000 e, em

verde claro, os parques entregues a população entre 2000 e 2017. Fonte: Francine Sakata e Caroline Ribeiro,

2018.

3Disponível em: <http://www4.goiania.go.gov.br/portal/goiania.asp?s=2&tt=con&cd=1265>. Acesso em:

01/02/2018.

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Mapa 2: Parques associados à em que a verticalização de alta renda 1. Lago das Rosas; 2. Bosque dos Buritis; 3. Vaca Brava; 4. Areião; 5. Flamboyant. Fonte: Francine Sakata e Caroline Ribeiro,

2018.

O primeiro projeto da equipe da prefeitura envolvida neste processo, coordenada pela

arquiteta Yara Hasegawa, foi o Parque Vaca Brava, em área de expansão imobiliária, o Setor

Bueno. Situado em área prevista pela Lei Orgânica do município como de adensamento,

desde o final dos anos de 1980, passou-se a exigir como urgente a requalificação do terreno

do parque. Como fruto de Termo de Ajuste de Conduta (TAC) na construção do Buriti

Shopping que invadiu a área de proteção do córrego homônimo, nos anos de 1990, surgiu

propriamente o parque: Fizeram-se caminhos, bancos, lixeiras, parques infantis e a estação de

ginástica adicional. A fiação elétrica foi executada de forma subterrânea e ampliou-se a

capacidade do sistema de drenagem das ruas do entorno, pois se trata de fundo de vale. Um

trecho do sistema viário, que não tinha utilidade, foi anexado ao parque, aumentando-o. O

parque foi entregue aberto, isto é, sem cercamento. Este conjunto de práticas se tornou

referência para os projetos seguintes. (Figura 2)

Figura 2: O Parque Vaca Brava (2005) é adjacente ao Goiânia Shopping. Ambos se complementam como

equipamentos de lazer. Foto: Francine Sakata, 2015.

A equipe de funcionários da prefeitura efetuou inicialmente o levantamento das áreas e

o plano de ação. Assim, quando a Secretaria de Meio Ambiente se tornou agência, a AMMA,

houve condições para a implantação sequencial de parques, uma vez que os técnicos tiveram

mais autonomia financeira sobre o fundo que recebia os recursos de TACs, pagos pelos

empreendimentos que geram impactos no meio ambiente.

A população, quando solicitava parques à prefeitura, pedia que fossem sempre abertos,

como o Parque Vaca Brava, em oposição aos parques Areião, Buritis e Lago das Rosas,

cercados ou parcialmente cercados. (Figura 3)

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Figura 3: Lago das Rosas. Foto: Silvio Macedo, 2015.

Os parques mais bem equipados ficam na Zona Centro-Sul, mas há parques em todas

as regiões. Essa tipologia urbana proliferou-se de uma tal forma, que mesmo os mais diversos

loteamentos passaram a incluir parque em seus projetos como ícone para alavancar e

qualificar as vendas.

Por outro lado, os parques feitos em vizinhanças mais modestas não eram repercutidos

pela mídia, ainda que impactassem o entorno. As intervenções que ganharam mais destaque

foram as das áreas de maior poder aquisitivo. Isso tem a ver com o tipo de visibilidade que se

quer recortar como “imagem da cidade”. Entre todos os parques implantados no período, o

Parque Flamboyant (figura 4) se tornou o novo paradigma da mescla das parcerias público-

privadas para criação de parques para Goiânia, envolto por torres de apartamentos de 30 e 40

andares.

Figura 4: Verticalização em torno do Parque Flamboyant (bosque formado ao fundo). Foto: Mateus Oliveira,

2015.

Trata-se, portanto, não apenas de um fenómeno de construção do city marketing, mas

da incorporação de uma “cultura de morar”. Esta, constituindo-se no e a partir do sistema de

espaços livres, ou seja, praças, avenidas, rotatórias e parques, incidindo neste último o

principal foco de complexificação tipológica contemporânea.

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As figuras 5, 6 e 7 mostram os Parques Vaca Brava, Areião e Flamboyant

respectivamente em 2002 e 2018. Em 2002 predominavam as quadras com construções

horizontais.

Figura 5: Parque Vaca Brava em 2002 e 2018. Fonte: Google Earth.

Figura 6: Parque Areião em 2002 e 2018. Fonte: Google Earth.

Figura 7: Parque Flamboyant em 2002 e 2018. Fonte: Google Earth.

Pelo aspecto dos novos edifícios, deduz-se que em torno destes parques em Goiânia

houve a substituição dos moradores por outros, de maiores rendas.

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Considerações finais

No grupo de pesquisa Quapá-SEL, parte-se da premissa de que os sistemas de espaços

livres das cidades correspondem à infraestrutura urbana, da mesma forma que a distribuição

de energia, drenagem de águas pluviais, moradia social, transporte e escolas. As vias – ruas e

avenidas – são os principais espaços livres urbanos, suportes das redes de energia, drenagem,

transporte etc. Como áreas de lazer, recreação, esporte e descanso, os parques são parte desse

sistema, cumprindo importantes funções ambientais como a conservação da vegetação;

contribuem na retenção e infiltração das águas das chuvas; e contribuem para a regulação do

microclima. Mas, ao estudar a produção de parques no Brasil entre 2000 e 2015, observa-se

que os parques, em bairros de altas rendas, são fator de valorização imobiliária e melhoria da

qualidade de vida, como também, nas periferias e bordas urbanas, podem gerar problemas de

gestão, manutenção e segurança para o poder público.

É positivo associar o desenvolvimento imobiliário com o planejamento e a

qualificação de espaços livres. Em Goiânia este arranjo foi mais bem sucedido que em outras

cidades e ocorreu de forma significativa nos setores de expansão de alta renda, com parques

sem fechamentos e muito apropriados pela população em geral, de extratos de renda variados,

para atividades típicas de parques urbanos. Além da vegetação e dos equipamentos de lazer, a

presença dos lagos, foi fator de atração imobiliária, representando, simbolicamente, o domínio

do acesso à água.

Para VIANA (2017), o verdadeiro problema do processo de gentrificação não é o

processo em si, mas suas consequências, que são invariavelmente ignoradas. Este caso não

foge a esta regra: não há dados sobre a relocação dos antigos moradores nem as relações

sócio-espaciais preexistentes foram consideradas. A transformação urbana, tanto das

tipologias urbanas quanto da população, foi vultosa e rápida. Podemos apenas apontar que os

parques, por serem públicos, são espaço para o estabelecimento de novas relações sociais.

A pesquisa que vem sendo desenvolvida no âmbito do Quapá-SEL sugere que o

incremento dos espaços públicos, especialmente dos parques, não precede a escolha do bairro

para a expansão da verticalização destinada às camadas de renda mais alta, mas é posterior.

VILLAÇA (2001) afirmou que a infraestrutura é instalada depois de definidos os vetores da

expansão imobiliária. Assim, concluímos, com Villaça, que os parques são criados e

qualificados, para o incremento e valorização da imagem e dos empreendimentos dos bairros

depois que estes foram escolhidos para expansão das camadas de rendas mais altas.

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