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VALORIZAÇÃO DAS EXPLORAÇÕES AGRÍCOLAS GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

Albano Beja-PereiraNuno Ferrand de Almeida

© SPI – Sociedade Portuguesa de InovaçãoConsultadoria Empresarial e Fomento da Inovação, S.A.Edifício “Les Palaces”, Rua Júlio Dinis, 242,Piso 2 – 208, 4050-318 PORTOTel.: 226 076 400, Fax: 226 099 [email protected]; www.spi.ptPorto • 2005 • 1.ª edição

Principia, Publicações Universitárias e CientíficasAv. Marques Leal, 21, 2.º2775-495 S. João do EstorilTel.: 214 678 710; Fax: 214 678 [email protected]

Marília Correia de Barros

Mónica Dias

Xis e Érre, Estúdio Gráfico, Lda.

SIG – Sociedade Industrial Gráfica, Lda.

972-8589-57-3

233542/05

T í t u l o

A u t o r es

E d i t o r

P r o d u ç ã o E d i t o r i a l

R e v i s ã o

P r o j e c t o G r á f i c o e D e s i g n

P a g i n a ç ã o

I m p r e s s ã o

I S B N

D e p ó s i t o L e g a l

F I C H A T É C N I C A

Produção apoiada pelo Programa Operacional Agricultura e Desenvolvimento Rural,

co-financiado pelo Estado Português (Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural e das Pescas)

e pela União Europeia através do Fundo Social Europeu.

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Albano Beja-PereiraNuno Ferrand de Almeida

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I N T R O D U Ç Ã O

GENÉTICA,

BIOTECNOLOGIA

E AGRICULTURA

Nos últimos anos, o extraordinário desenvolvimen-to da biologia molecular, a sequenciação completa ecada vez mais rápida dos genomas de muitas espéciesde plantas e de animais domésticos, e a emergênciada genómica e da biotecnologia ameaçam mudar dras-ticamente a agricultura tradicional. Depois de milha-res de anos a moldar lentamente os organismos atravésde processos delicados e fascinantes, a espécie hu-mana confronta-se actualmente com a necessidadede continuar a aumentar os níveis de produção emvirtude de um crescimento demográfico que não re-gista, ainda, um abrandamento significativo. Para isso

conta com técnicas tão variadas como a inseminação artificial, a produção de ani-mais e plantas transgénicos, a clonagem, a detecção e análise dos genes que deter-minam as características complexas, a selecção assistida por marcadores, entremuitas outras. No geral, a crescente aplicação destas técnicas poderá conduzir auma situação de progressiva homogeneização genética do muito reduzido númerode espécies domésticas que proporcionam a grande parte dos recursos alimentaresde mais de seis biliões de pessoas. Ao mesmo tempo, a enorme diversidade depopulações, raças e variedades locais de plantas e animais que o homem aperfei-çoou desde o Neolítico, e a que hoje se chama recursos genéticos, corre um sériorisco de extinção cujas implicações serão imensas.

Com esta publicação pretende-se fazer um pequeno sumário do estado actual doconhecimento nas áreas que resultam da intersecção das modernas técnicas dagenética molecular, da biotecnologia, e da caracterização, utilização e conservaçãodos recursos genéticos. Os dois primeiros capítulos começam por fazer uma brevedescrição do que foi a invenção da agricultura e a domesticação de plantas e ani-mais, e terminam com a situação pós-Revolução Industrial e o reconhecimento danecessidade de garantir a conservação dos recursos genéticos tidos como parteintegrante das políticas de desenvolvimento sustentável. O terceiro capítulo é dedi-cado à descrição das metodologias actualmente disponíveis para proceder à carac-terização molecular da diversidade biológica e o quarto capítulo revê algumas noçõesbásicas de genética populacional. O quinto capítulo sintetiza as principais formas deinferir os processos históricos que terão estado na base dos padrões de diversidade

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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genética que caracterizam hoje as populações e o sexto capítulo é dedicado à vastaaplicabilidade dos diferentes tipos de marcadores moleculares em questões tão rele-vantes como a identificação individual ou a verificação do parentesco. Finalmente,os dois últimos capítulos descrevem os principais avanços da biotecnologia e algu-mas das suas possíveis repercussões na agricultura de hoje, bem como as principaisestratégias adoptadas a nível nacional e internacional para assegurar uma gestão econservação adequada dos recursos genéticos locais.

ALBANO BEJA-PEREIRANUNO FERRAND DE ALMEIDA

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C A P Í T U L O 1

A BIOLOGIADA DOMESTICAÇÃO

• Localizam-se no tempo e no espaço osprincipais centros de domesticação e re-fere-se a subsequente expansão das eco-nomias agro-pastoris na Europa.

• Descrevem-se as principais alterações fe-notípicas sofridas pelos animais e plantascom o decurso da domesticação.

O B J E C T I V O SA domesticação de espécies

animais e vegetais iniciada

pelos povos caçadores-

-recolectores do Crescente

Fértil alterou irreme-

diavelmente o modo

de vida da humanidade.

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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E N Q U A D R A M E N T O Actualmente, 99% da humanidade depende di-rectamente dos produtos agrícolas e animais e dos seus derivados para sealimentar, bem como do que resulta como combustível, fertilizante para ossolos, produção de vestuário e calçado, cosmética e força de tracção. Con-

tudo, os motivos exactos que levaram a humanidade a domesticar animais e plantassão múltiplos e por isso pouco conhecidos. A comunidade científica tem desenvolvidoalgumas teorias explicativas mais ou menos consensuais. No entanto, de forma asimplificar a descrição desta grande revolução que foi a agricultura, e obviamente porrazões de espaço, adopta-se aqui a mais consensual destas teorias explicativas: ateoria do determinismo ambiental. Até à data, estão identificados seis centros prin-cipais de origem ou domesticação no Velho Mundo (Próximo Oriente, Vale do Indo,Ásia Central, Sudeste Asiático, Bacia do Mediterrâneo e Norte de África) e dois noNovo Mundo (América Central e Cordilheira Andina). Destes vários centros de do-mesticação, o do Próximo Oriente, ou Crescente Fértil, é tido como o primeiro e omais importante de todos pelo número de espécies domesticadas e por ter sido oprecursor das civilizações ocidentais. Existem, ainda, outras regiões onde ocorreu adomesticação de espécies animais ou vegetais mas que, pela sua menor importância,são consideradas centros secundários de domesticação. Os eventos que conduziramà domesticação e posterior difusão da agricultura não ocorreram em simultâneo, massim de uma forma difusa, ao longo de uma determinada época que se convencionoudesignar por Neolítico.

A DOMESTICAÇÃODAS PRIMEIRAS PLANTAS

O homem aprendeu a controlar e a tomar partido do ciclo de vida dealgumas gramíneas (trigo, cevada e linho) há cerca de 17 000 anos. Em resul-tado disto, alguns povos do Crescente Fértil passam a ter uma fonte de ali-mentos permanente e segura. A partir daqui, tornou-se necessário protegeras áreas de cultivo e proceder à sua colheita no devido tempo, pelo que essespovos começaram a diminuir o ritmo e a amplitude das suas deslocações pararecolher alimentos, e foram-se tornando sedentários. A pouco e pouco, pe-quenos grupos de indivíduos começam a organizar-se para controlar umadeterminada área geográfica, e surgem então os primeiros povoados na re-gião da Mesopotâmia (presentemente parte do Iraque, Turquia, Síria e Irão).Mas não foi só o homem que mudou o seu estilo de vida. O clima do hemis-fério Norte também começou a mudar a seguir ao final da última época gla-

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CAPÍTULO 1 | A BIOLOGIA DA DOMESTICAÇÃO

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ciar, causando um aumento gradual da temperatura e da aridez, que terãocomeçado a comprometer o desenvolvimento de certas plantas.

Há cerca de 15 000 a 12 000 anos, os primeiros povos constituídos poragricultores passam por uma expansão demográfica, fruto da abundânciaalimentar resultante do cultivo e colheita de cereais e de outras espéciesvegetais entretanto domesticadas. Porém, o aumento da aridez começa areflectir-se na diminuição de zonas ricas em pastagens, obrigando alguns ani-mais herbívoros delas dependentes a procurar activamente essas zonas. Comoa disponibilidade de água sempre teve um papel importante no estabeleci-mento de zonas de cultivo e fixação das comunidades humanas, é possívelque, rapidamente, animais herbívoros e agricultores tenham começado a com-petir pelo mesmo espaço.

Nestas condições, pensa-se que, por essa altura, um grande número des-tes animais passou a partilhar o seu território com a espécie humana, sendovisto não só como uma fonte de alimento, mas também como uma ameaça àssuas culturas agrícolas. Assim, à crescente procura de alimentos em virtudeda explosão demográfica, que terá levado à desflorestação e ao esgotamentonutritivo dos solos, juntou-se a «aproximação» forçada de algumas espéciesanimais. Desta forma, ficaram então reunidas as condições para se dar opasso seguinte, a domesticação dos animais.

A DOMESTICAÇÃODOS PRIMEIROS ANIMAIS

Com a excepção do cão, que se pensa ter sido domesticado a partir dolobo muito antes da invenção da agricultura, o primeiro animal domesticadoterá sido a cabra, seguida da ovelha, vaca e porco. Por razões óbvias, osarqueólogos foram os primeiros a analisar os achados provenientes de jazidasarqueológicas, e como a maior parte dos materiais que estudavam eram os-sos provenientes de latrinas ou despojos alimentares de povoados antigos, foinecessário estabelecer diferenças entre os ossos de um animal selvagem eos de um animal doméstico. Concluiu-se rapidamente que existiam com fre-quência diferenças morfológicas (no tamanho e na forma) capazes de permi-tir a correcta identificação da maior parte das espécies domésticas.

Assim, e por ordem cronológica, a cabra terá sido o primeiro animal aser domesticado a partir da cabra selvagem (Capra aegagrus) do PróximoOriente, há cerca de 12 000 anos, seguindo-se a ovelha, domesticada a partirdo muflão euro-asiático (Ovis orientalis) há aproximadamente 10 800 anos.

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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A vaca apareceu um pouco mais tarde (há cerca de 9000 anos) e foi domes-ticada a partir do auroque (Bos primigenius), actualmente uma espécie jáextinta. Pensa-se que a domesticação do porco tenha ocorrido em paralelo àda ovelha e à da vaca, tendo como origem o javali euro-asiático (Sus scrofa).Posteriormente, deu-se, noutras regiões, a domesticação de mais duas linha-gens de bovinos: o bovino africano, que terá ocorrido no Nordeste de África,e o zebu, no Vale do Indo.

Terminada a domesticação dos cereais e de algumas espécies animais porvolta do sexto milénio antes de Cristo (a.C.), as primeiras comunidades deagricultores iniciaram uma nova fase: a expansão pelo velho Mundo.

Figura 1.1 • Principais centros de domesticação animal

A EXPANSÃO AGRÍCOLA NA EUROPAA partir do sexto milénio a.C., começam a encontrar-se os primeiros ves-

tígios da chegada dos agricultores ao Sudeste Europeu (Grécia, Bulgária). A

Lama ( )Lama glama

Dromedário ( )Camelus dromedarius

Alpaca ( )Vicugna vicugna

Camelo ( )Camelus bactrianus

Bovino ( )Bos taurus

Zeb ( )Bos indicusú

Gaur ( )Bos gaurus

B falo ( )Bubalus bubalisú

Iaque ( )Bos grunniens

Cabra ( )Capra hircus

Ovelha ( )Ovis aries

Rena ( )Rangifer tarandus

Cavalo ( )Equus caballus

Burro ( )Equus asinus

Porco ( )Sus scrofa

Coelho ( )Oryctolagus cuniculus

Perú ( )Melleagris gallopavo Galinha ( )Gallus gallus

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CAPÍTULO 1 | A BIOLOGIA DA DOMESTICAÇÃO

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partir desta região, a expansão dividiu-se em duas correntes, continuandopara o Ocidente e Norte da Europa. A primeira terá seguido ao longo do valefértil do rio Danúbio e dos seus afluentes, estendendo-se até às planíciescentro-europeias, de onde continuou rumo à península Escandinava e ao No-roeste de França. A segunda dirigiu-se para Ocidente, ao longo da costaMediterrânica, até atingir a franja Atlântica da Península Ibérica.

Ao longo do trajecto de expansão da agricultura, os povos indígenas pre-existentes na Europa foram sendo gradualmente substituídos ou aculturados(neolitização) pelas sucessivas hordas de agricultores vindos do Oriente, noespaço de 3000 anos. Em resultado disto, a grande maioria das espéciesdomésticas (animais e vegetais) europeias dos dias de hoje é derivada das do-mesticações ocorridas no Crescente Fértil.

Enquanto decorria a neolitização da Europa, deu-se início a uma nova vagade domesticação de espécies animais. Por esta altura, as estepes Euro-asiáticasestavam cheias de povos pastoralistas que começaram a sofrer as consequên-cias da sobre-pastorícia e da desflorestação que, em conjunto com a subida datemperatura, culminou na quase desertificação de grandes territórios. À medidaque a aridez crescia, estes povos viram-se obrigados a aumentar a amplitude e afrequência das suas deslocações em busca de novas pastagens para os seusanimais. Pensa-se que esta possa ter sido a principal razão que levou estespovos a domesticar o cavalo por volta do sexto milénio a.C., uma espécie queposteriormente se veio a revelar uma preciosa arma de guerra permitindo asupremacia e expansão de povos como os Mongóis ao longo da Eurásia. Osmesmos motivos poderão ter justificado a domesticação de outras duas espécies– o burro e o camelo – pelos povos da Ásia Central, Península Arábica e Nor-deste Africano, com o intuito de auxiliarem o movimento de pessoas e bens.

O PROCESSO DE DIFERENCIAÇÃODAS RAÇAS

Sem se darem conta, os primeiros agricultores tornaram-se os primeirosindivíduos de uma espécie a decidir o futuro de outros indivíduos de outrasespécies. Ou seja, o homem do Neolítico, ao julgar e decidir empiricamentesobre quais dos seus animais seriam os futuros reprodutores dos seus reba-nhos e quais as sementes que seriam lançadas à terra na época seguinte,tornou-se, simultaneamente, o primeiro geneticista. Ao longo dos tempos, oscaprichos do homem e a força da natureza foram moldando a forma e o ciclode vida das espécies animais e vegetais domésticas.

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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Nas plantas, a intervenção do homem foi sobretudo relacionada com a pro-dutividade e a adaptação a novas condições climáticas. Sempre que o homemcolonizava uma nova região, confrontava-se, uma vez mais, com um clima decaracterísticas diferentes, solos diferentes e novas pragas. Os primeiros agri-cultores estavam conscientes de que as colonizações de novos territórios de-pendiam do aproveitamento de recursos nativos existentes na área. Por isso,aprenderam, desde muito cedo, a utilizar o cruzamento das suas plantas domés-ticas com as espécies semelhantes nativas de cada região, acelerando a suaadaptação a novas condições. Foi assim, por exemplo, que surgiram as varie-dades locais das espécies cerealíferas domesticadas no Crescente Fértil.

No caso das plantas, houve algumas dificuldades relacionadas com o seusabor e a possibilidade da sua digestão e absorção pelo sistema digestivo huma-no. É senso comum, nos dias de hoje, saber que alguns sabores estão associa-dos a substâncias químicas tóxicas (por exemplo, saponina, solanina, glicosinato,acido oxálico), mas para os primeiros agricultores as coisas não terão sido tãofáceis. E, uma vez mais, a capacidade de intervenção do homem para gradual-mente retirar ou eliminar muitas destas substâncias tóxicas ou indigestas dasplantas foi notável. Para suplantar este problema, desenvolveu técnicas como aenxertia em plantas arbóreas e aprendeu a controlar os cruzamentos entreespécies de forma a reduzir algumas substâncias nocivas. Aprendeu, também,que o facto de cozinhar destrói ou inactiva certas substâncias tóxicas e que aprodução de farinha (moagem) a partir de algumas plantas ou sementes destróialgumas fibras mais grosseiras que o aparelho digestivo, por si só, não conse-gue digerir. Os glicosinatos e os tiocianatos, que estão presentes em plantascomo a couve, inibem a captação de iodo pela tiróide e favorecem o apareci-mento do bócio, constituem um bom exemplo de substâncias que podem sereliminadas através de uma simples cozedura. Uma outra forma bastante inte-ressante de apreciar como o homem resolveu o problema do cheiro e do sabordesagradáveis de alguns alimentos foi a utilização de plantas que, pelo seusabor e odor concentrados, permitiam disfarçar ou atenuar outros aromas. Asplantas aromáticas utilizadas na confecção de alimentos em certas regiões doMediterrâneo, de África e da Índia são disto um bom exemplo.

Nos animais, o processo de diferenciação de variantes ou raças locais foimais moroso e especializado. Deve entender-se por raça, um conjunto de indi-víduos de características uniformes, com registo de ascendência conhecido, eque em alguns casos têm os mesmos objectivos de selecção. Um dos aspectosque mais distingue os processos de domesticação de animais e de plantas é oreduzido número de espécies animais envolvidas na domesticação. Por exemplo,existem apenas 35 espécies de animais domésticos e destas, segundo a Organi-zação das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), apenascinco (cabra, galinha, porco, ovelha e vaca) produzem a maior parte das neces-

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CAPÍTULO 1 | A BIOLOGIA DA DOMESTICAÇÃO

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sidades proteicas da espécie humana (i.e., carne, leite, ovos). Por outro lado,menos de 50 raças locais são responsáveis por 90% dessa produção. Assim, nosanimais domésticos a diversidade é sobretudo intra-específica, ao contrário dasplantas, que exibem várias centenas de espécies domésticas.

Embora também com os animais domésticos o homem tenha sabido tirarpartido do seu cruzamento com a fauna local, este foi um processo menos exten-so e geograficamente circunscrito a regiões onde existia o ancestral selvagemda espécie em causa. A cabra e o cavalo são bons exemplos da utilização da hibri-dação com indivíduos da mesma espécie, mas de populações selvagens diferen-tes, com o provável intuito de trazer uma maior capacidade de adaptação àsespécies domésticas alienígenas. Ao longo do tempo, a maior pressão de selec-ção do homem sobre os animais domésticos levou a uma especialização de cer-tas raças em relação à capacidade de trabalho e à produção de carne, leite, ovose fibras. Conforme as necessidades de uma determinada região, assim eramseleccionadas as respectivas raças de animais domésticos. Por exemplo, o leitede vaca sempre teve um papel muito importante na alimentação dos povos doNorte da Europa, pelo que sempre existiu uma maior tendência para que as suasraças bovinas tivessem melhores características leiteiras. A nível nacional, umbom exemplo pode ser dado pela especialização das raças de ovelhas do Alente-jo, nomeadamente da raça merina, na produção de lã para a indústria têxtil.

CENTRO DE DOMESTICAÇ OÃ

Mediterrâneo

Azeitona

Trigo duro

Menta

Lentilha

Aveia

Cevada

Mostarda

Luzerna

Couve

Uva

Médio Oriente

P ssegoê

Linho

Couve

Alho

Cenoura

Uva

Ervilha

Algod oã

Maçã

Próximo Oriente Trigo Cabra

Ervilha

ANIMAISPLANTAS

Ovelha

Búfalo

Gato

Dromedário

Vaca

Porco

Cavalo

Ovelha

Cabra

Amêndoa

Camelo

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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Tabela 1.1 • Animais e plantas domesticados e respectivos centros de domesticação

Extremo Oriente

Soja

Maçã

Alface

Nabo

Índia

Laranja

Cana-de-açúcar

Pimenta preta

Pepino

Manga

Banana

Coco

Nordeste Africano

Ocre

Sorgo

México

Papaia

Batata-doce

Algod oã

Amaranto

Andes

Batata

Abóbora

Tomate

Mandioca

Amendoim

Ananás

Porco

Galinha

Carpa

Búfalo

Cebola

VacaArroz

Galinha

BurroCafé

Vaca

PerúMilho

Porco da GuinéAlgod oã

Lama

Alpaca

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C A P Í T U L O 2

OS RECURSOS GENÉTICOSE O DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL

• Define-se o conceito de recurso genéticoe descrevem-se as principais consequên-cias da mudança nos sistemas de produ-ção agrícola após a Revolução Industrial.

• Debate-se a importância do aproveitamen-to dos recursos genéticos locais no de-senvolvimento sustentável das regiões.

O B J E C T I V O S

Todos os dias um número

incerto de raças e variedades

animais e vegetais desaparece

ao ser trocado ou absorvido

por outras com maiores taxas

de produção. A fim de procurar

inverter esta tendência, torna-

-se necessário perceber que os

recursos genéticos de um país,

ou região, constituem um

património cultural e biológico

único e são parte integrante

da sua riqueza.

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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E N Q U A D R A M E N T O Ao longo de milhares de anos, o homem do-mesticou plantas e animais muito diferentes e transportou-os para lugaresdistantes, onde os cruzou com formas selvagens e domésticas locais, mol-dando-os lentamente para satisfação das suas necessidades. Da enorme

diversidade e complexidade deste processo resultaram inúmeras populações, raças evariedades locais que hoje se designam por recursos genéticos animais e vegetais, eque se encontram em grande parte ameaçados de extinção pelos sistemas de produçãointensiva surgidos na era pós-Revolução Industrial. Actualmente, a adopção e aplica-ção de medidas agro-ambientais que promovem uma política de desenvolvimento sus-tentável, associadas à emergência da genómica e da biotecnologia aplicadas, deixamantever um futuro mais promissor para a utilização, gestão e conservação dos recursosgenéticos animais e vegetais.

UMA BREVE INTRODUÇÃO HISTÓRICAConforme se expôs no final do capítulo anterior, o processo de génese

das raças de animais e plantas domésticas deu-se ao nível da adaptação aomeio ambiente e de uma especialização da sua função (alimentar, têxtil,combustível, entre outras). Neste cenário, a selecção sobre caracteres re-lacionados com um aumento de produção teve, quase sempre, um papelsecundário ao longo dos tempos. Porém, este papel vai ser alterado com aRevolução Industrial, no século XIX. Uma das grandes modificações trazi-das por esta época da história da espécie humana foi a rápida mudança daestrutura socioeconómica das sociedades ocidentais, caracterizada peloêxodo das populações do sector primário para o sector secundário, isto é,da agricultura para a indústria, do campo para a urbe. A diminuição da mão-de-obra no campo e o consequente aumento da densidade populacional naszonas urbanas alterou para sempre os sistemas de produção agrícola. Pas-sou a ser necessário produzir mais com menos mão-de-obra, e num maiscurto espaço de tempo.

A invenção da agricultura e o seu subsequente desenvolvimento estãointimamente ligados ao sucesso e expansão tecnológica de uma determi-nada sociedade. Na verdade, nenhuma outra revolução operada por umasociedade humana desencadeou tantas mudanças nos modos de produçãoagrícola como a Revolução Industrial, de tal forma que hoje se considera ahistória da agricultura dividida em dois grandes períodos: antes da Revolu-ção Industrial e depois da Revolução Industrial. Antes da Revolução In-

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CAPÍTULO 2 | OS RECURSOS GENÉTICOS E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

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dustrial, a capacidade agrícola de uma determinada região era o resultadoda fertilidade dos seus solos e das condições climáticas que permitiam aprodução de matéria vegetal, gerando aquilo que hoje se pode designarcomo uma produção sustentável. Desta forma, não eram criados mais ani-mais do que aqueles que a produção vegetal de uma determinada zonapermitiria alimentar.

A disponibilidade de matéria verde sob a forma de pastagens, ou con-servada sob a forma de silagem e de algumas sementes cerealíferas, era acondição determinante para o número de animais a criar. Os anos agríco-las eram bem marcados e qualquer desvio da normalidade (perturbaçõesmeteorológicas, novas doenças) condicionava toda a produção de plantase animais. Assim, a adaptação das espécies domésticas ao meio ambientee à sua função deu-se de uma forma muito lenta e progressiva durantemilhares de anos.

Mas a Revolução Industrial veio alterar profundamente esta ordem, es-tabelecida desde os tempos do Neolítico. Numa primeira fase da pós-Re-volução Industrial, as distâncias geográficas ficaram mais curtas com odesenvolvimento do caminho-de-ferro. Passou a ser mais fácil transferir osrecursos excedentes de uma determinada região para outra geografica-mente afastada e mais deficitária. Por exemplo, passou a ser possível com-prar e transportar cereais de zonas mais produtivas para alimentar os animaisde outras regiões mais distantes. De igual forma, o transporte de animais,num curto espaço de tempo, entre regiões afastadas foi grandemente faci-litado. Tornou-se possível abastecer os mercados com produtos agrícolasde regiões cada vez mais longínquas. Paralelamente, os progressos na áreada química permitiram a criação de fertilizantes que incrementavam a ca-pacidade produtiva dos solos e que, por sua vez, conduziam ao aumento donúmero de animais sustentados por hectare (encabeçamento). Surgem osprimeiros sistemas de produção animal e vegetal completamente destina-dos ao mercado, levando a que as antigas explorações, que produziam ape-nas o suficiente para o consumo familiar, começassem a desaparecer e adar origem a uma produção mais concentrada na exportação para os gran-des aglomerados populacionais.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial veio a reconstrução da Europa ecom ela o desenvolvimento tecnológico chega à agricultura. Desta vez, sãoas ciências biológicas, nomeadamente a microbiologia, a bioquímica e agenética que tomam a dianteira do conhecimento e da aplicação. Inicia-se,assim, uma nova fase, onde os antibióticos, as hormonas sintéticas e ossuplementos nutritivos passam a fazer parte do dia-a-dia da produção ani-mal, enquanto o desenvolvimento de novos pesticidas e fertilizantes marcao ritmo da produção vegetal.

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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OS RECURSOS GENÉTICOS E ODESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Os recursos genéticos domésticos de uma região podem definir-se como oproduto da interacção entre o homem, um determinado meio ambiente e osindivíduos das espécies domésticas, animais e vegetais, ao longo dos tempos,num processo complexo que conduziu à formação de raças animais e varieda-des vegetais adaptadas a esse meio ambiente, ao sistema de produção agrícoladessa região e a uma determinada função (alimentação, trabalho, têxtil).

Conforme se referiu anteriormente, a maior parte das espécies domésticasexistentes na Europa é originária de outros continentes (Ásia, África, Améri-ca). Foi, também, referido que sempre que um determinado animal ou planta éretirado do seu meio ambiente e introduzido noutro, que até aí lhe era estranho,precisa de se adaptar às novas condições locais. Ora, a adaptação de um servivo a um determinado ambiente é condicionada pela sua capacidade de sobre-viver e de se reproduzir com os recursos disponíveis. É sabido que nem todosos indivíduos de uma população, raça ou espécie reagem ao meio envolventede maneira igual, sobretudo porque entre cada um deles existem pequenasdiferenças genéticas que lhes conferem alguma vantagem, ou desvantagem,em situações diferentes daquelas que caracterizavam a sua região de proveni-ência. Por isso, é necessário que no seio das formas domésticas exista ummínimo de diversidade genética, uma vez que é essa mesma diversidade quevai ditar a sua plasticidade fisiológica e capacidade de adaptação.

Nas espécies domésticas, o homem tem intervindo no sentido de amenizargrandes diferenças ambientais, permitindo-lhes uma adaptação gradual a no-vas circunstâncias ambientais. Porém, existem limites para além dos quais aspequenas diferenças genéticas que existem entre os indivíduos não são sufi-cientes para garantir a sobrevivência de uma população, raça ou espécienuma determinada região. Um exemplo disto mesmo pode observar-se emcertas árvores de fruto, como a bananeira, que não conseguem sobreviver ereproduzir-se naturalmente em regiões muito frias como a Península Escan-dinava. O mesmo se aplica aos animais, como a cabra ou o dromedário, quepor serem originários de zonas mais quentes e áridas não toleram o frio extre-mo das regiões polares. Portanto, para que uma espécie se adapte a condi-ções adversas, mais ou menos extremas, é necessário que exista um mínimode diversidade genética nos indivíduos que a constituem. Neste contexto, éda maior importância salientar que são precisamente as pequenas diferençasentre as raças e variedades da mesma espécie doméstica que asseguram adiversidade necessária para sobreviver a alterações climáticas imprevistasou ao aparecimento de novas doenças. Deste modo, a destruição das raças

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CAPÍTULO 2 | OS RECURSOS GENÉTICOS E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

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ou variedades locais de animais e plantas, que resultaram de milhares de anosde evolução, constitui uma perda terrível e uma grave ameaça para o futuro.

Hoje é bem conhecido o efeito da globalização da agricultura nos paísesocidentais da pós-Revolução Industrial. O caso de Portugal não é diferentedo dos restantes países ocidentais. Com excepção da introdução de algunsanimais da raça bovina Frísia, originária dos Países Baixos, e de algumasespécies vegetais importadas das antigas colónias portuguesas, no final doséculo XIX, os recursos genéticos nacionais estavam praticamente intactos enão tinham, ainda, sofrido processos de miscigenação com variedades ouraças exóticas. Se se percorresse o Portugal dessa época, seria possível cons-tatar que as raças domésticas variavam de região para região, sendo, porisso, frequentemente designadas pelo seu nome local, e eram raros os casosem que diferentes raças domésticas de uma mesma espécie podiam ser en-contradas na mesma região. No Alentejo, por exemplo, existiam apenas osporcos de raça Alentejana, enquanto a Norte do Douro existiam porcos deraça Bísara. Porém, no virar do século, instalam-se as primeiras indústrias, ea construção dos caminhos-de-ferro permite as primeiras importações deraças e variedades domésticas exóticas (ver tabela 2.1). Numa primeira fase,estas importações tiveram como objectivo melhorar alguns caracteres produ-tivos dos recursos genéticos Portugueses. Posteriormente, as variedades exó-ticas passaram a ser criadas em linha pura, evitando-se o cruzamento com asraças locais por forma a não perderem as suas capacidades produtivas. Comona sua grande maioria as raças e variedades exóticas conseguiam obter ní-veis de produtividade muito maiores em condições de exploração intensiva,os agricultores rapidamente optaram por estas em detrimento das raças tra-dicionais. Em menos de sessenta anos, Portugal e muitos outros países per-deram, irremediavelmente, uma parte muito importante dos seus recursosgenéticos desenvolvidos durante centenas, ou mesmo milhares de anos.

Mas não há regra sem excepção. As melhorias produtivas das raças exó-ticas devem-se, sobretudo, a uma intensa selecção genética durante as últi-mas gerações, com o objectivo de eliminar os indivíduos menos produtivos.Este facto promoveu a erosão de uma grande parte da sua diversidade gené-tica, comprometendo a sua capacidade de adaptação a condições adversas.A raça bovina Frísia é um excelente exemplo disto mesmo. Esta raça foisendo seleccionada ao longo dos anos no sentido de se conseguir uma efi-ciente produção de leite em condições intensivas de exploração. Mas isto sóse aplica em condições ambientais controladas (estabulação, temperatura,humidade, sanidade), pelo que se se colocarem indivíduos desta raça no meioambiente próprio de determinadas raças locais, rapidamente baixarão a suacapacidade de produção para níveis iguais ou mesmo menores do que osconseguidos com essas raças locais.

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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Numa altura em que a actividade agrícola intensiva contribui cada vez maispara a degradação ambiental (isto é, contaminação de recursos hídricos, aque-cimento global do clima), é um tremendo contra-senso que os países ocidentaiscontinuem a produzir uma quantidade largamente excedentária de produtosagrícolas (animais e vegetais). Isto é ainda mais grave se se considerar que umterço da população mundial sofre de carências nutritivas e vive abaixo do limiarde pobreza. Em face deste dilema, os países mais desenvolvidos decidiram aadopção de medidas que permitissem contrariar a degradação ambiental e osexcedentes agrícolas por eles produzidos. Para tal, a União Europeia tem vindoa fomentar o regresso a uma produção agrícola sustentável.

Assim, desde a década de noventa do século XX que a União Europeiatem vindo a promover a mudança da política agrícola comum (PAC), dinami-zando sistemas e métodos de produção agrícola sustentável por forma a en-frentar os novos desafios económicos, sociais e ecológicos impostos no âmbitoda Agenda 2000. A legislação comunitária sobre mercados agrícolas tem vin-do a ser alterada de maneira a conseguir uma sintonia com as políticas am-bientais. De entre as várias medidas até agora aplicadas, as agro-ambientaisprevêem uma recompensa financeira aos agricultores cujas boas práticasagrícolas sejam respeitadoras do ambiente e recursos naturais, e nas quais seinclui o uso das raças e variedades locais (recursos genéticos endógenos) nossistemas de produção agrícola.

Em Portugal, os recursos genéticos animais são constituídos por seis es-pécies diferentes que se dividem em treze raças de bovinos, catorze de ovi-nos, cinco de caprinos, duas de suínos e quatro de equinos (três de cavalos euma de burros), perfazendo um total de trinta e oito raças autóctones, espa-lhadas por todo o território continental e insular (ver tabela 2.2). Destas, amaioria está classificada como ameaçada de extinção e ao abrigo de medidasagro-ambientais. No que se refere às espécies e variedades domésticas ve-

BOVINAS CAPRINAS EQUINAS OVINAS SUÍNAS

Blue Belgique Saanen Andaluz Awassi Dannish Landrace

Blond d’Aquitaine Murciana Árabe Ille de France Duroc

Charolesa Malaguenha Hanoveriano Manchega Large Black

Gelbvieh Puro Sangue Inglês Romanov Large White

Holstein-Frisian Sela Francês Suffolk Pietran

Jersey

Limousine

Normandesa

Sallers

Tabela 2.1 • Principais raças exóticas introduzidas em Portugal desde o século XIX

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CAPÍTULO 2 | OS RECURSOS GENÉTICOS E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

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getais, a informação é mais imprecisa uma vez que o seu número é incompa-ravelmente superior.

Tabela 2.2 • Raças de animais domésticos autóctones de Portugal

De uma forma absolutamente coincidente com as preocupações crescen-tes em relação à caracterização, utilização e conservação dos recursos gené-ticos, ocorreu uma autêntica revolução na biologia molecular, genética etecnologias daí derivadas, perfeitamente simbolizada pela conclusão da se-quenciação integral do genoma humano no ano 2000. Desde essa altura, aemergência de novas áreas do conhecimento, como a genómica e a biotecno-logia aplicada à agricultura, promete mudar por completo a forma como setrabalha no domínio dos recursos genéticos animais e vegetais. Por esta ra-zão, os próximos capítulos são dedicados às técnicas actualmente disponíveispara proceder à caracterização molecular de populações, raças e espécies, auma breve revisão dos principais conceitos de genética populacional, às infe-rências que é possível conseguir a partir da análise dos actuais padrões dediversidade genética, e às suas aplicações.

BOVINAS CAPRINAS EQUINAS OVINAS SUÍNAS

Alentejana Algarvia Lusitana Badana Alentejana

Arouquesa Bravia Sorraia Terra Quente Bísara

Barrosã Charnequeira Garrana Galega Bragançana

Brava Serpentina Burro de Miranda Galega Mirandesa

Cachena Serrana Mondegueira

Garvonesa Algarvia

Maronesa Serra da Estrela

Marinhoa Merino Beira baixa

Mertolenga Saloia

Minhota Merino Branca

Mirandesa Merino Preta

Preta Campaniça

Ramo Grande Churra entre Douro e Minho

Bordaleira entre Douro e Minho

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C A P Í T U L O 3

MÉTODOS MOLECULARESNA ANÁLISE DA

DIVERSIDADE BIOLÓGICA

• Descrevem-se os principais métodosmoleculares que permitem a análise da di-versidade biológica.

• Salienta-se a importância decisiva que adescoberta da reacção em cadeia da poli-merase teve na revolução molecular.

• Comparam-se as vantagens e limitaçõesdos diferentes métodos na caracterizaçãogenética das espécies.

O B J E C T I V O S

Os métodos moleculares

de análise da diversidade

biológica actualmente

disponíveis revolucionaram

completamente os processos

de caracterização dos

recursos genéticos animais e

vegetais e provocaram

avanços sem precedentes no

seu conhecimento.

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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E N Q U A D R A M E N T O Com a descoberta dos grupos sanguíneos, noinício do século XX, começou a perceber-se que o genoma das espéciescontinha alguma variabilidade em relação à qual era difícil definir umanorma, mas foi preciso esperar até ao final da década de 60 para perceber

a extensão dessa variabilidade. Nessa altura, dois grupos independentes de investi-gadores mostraram a enorme variabilidade genética da espécie humana e da mosca--da-fruta através da separação de proteínas mediante a utilização de técnicaselectroforéticas, e alteraram radicalmente a perspectiva que então se tinha sobre umgenoma essencialmente invariável. Actualmente, o acesso a técnicas de análise genó-mica directa e a facilidade de obtenção e amplificação do DNA através de PCR deuorigem a um variado conjunto de métodos de estudo da diversidade biológica ao nívelmolecular que revolucionaram a caracterização e conhecimento dos recursos genéti-cos animais e vegetais.

OS GRUPOS SANGUÍNEOSE AS ALOENZIMAS

A descoberta do grupo sanguíneo ABO no início do século XX, porLandsteiner, e o subsequente reconhecimento de que as suas frequênciasvariavam de forma assinalável de acordo com a população analisada cons-tituiram um primeiro grande avanço na caracterização genética das popu-lações. Pela primeira vez, perspectivava-se a possibilidade de classificaros indivíduos estudados em classes não ambíguas, discretas, o que tornavamais fácil qualquer tipo de comparação entre populações, raças ou mesmoespécies. As décadas que se seguiram assistiram à descoberta de muitosoutros grupos sanguíneos, primeiro na espécie humana e depois em muitasraças domésticas, que se tornaram instrumentos relevantes nas primeirastentativas de estudar a sua origem ou determinar parentescos. Contudo, ageneralização deste tipo de trabalho só foi possível com a descoberta daelectroforese de proteínas, que permitiu revelar uma quantidade de varia-ção genética nas populações naturais até aí insuspeitada.

A electroforese de proteínas nasceu da combinação de técnicas deseparação de moléculas num campo eléctrico com técnicas histoquími-cas. As proteínas são produtos de expressão dos genes constituídos porsequências de aminoácidos que ocorrem nos tecidos (sangue, fígado, rim,músculo) e podem, em solução, adquirir carga eléctrica. Dos vinte amino-

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CAPÍTULO 3 | MÉTODOS MOLECULARES NA ANÁLISE DA DIVERSIDADE BIOLÓGICA

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ácidos que entram na composição das proteínas, três podem ter cargapositiva (arginina, lisina e histidina) e outros dois carga negativa (ácidoaspártico e ácido glutâmico). Os restantes quinze são electricamente neu-tros e não contribuem com carga para a proteína. Como as proteínas dife-rem na sua sequência primária, as contribuições daqueles cinco aminoácidosvão também ser diferentes e, por isso, a carga final da proteína é muitovariável. Quando sujeitas a um campo eléctrico, e dependendo do pH dasolução em que se encontram, as proteínas adquirem carga positiva ounegativa e deslocam-se, assim, para o pólo negativo ou positivo, respecti-vamente. A migração electroforética das proteínas decorre numa matrizsólida, mas porosa, que permite a sua deslocação durante o tempo em queestão submetidas a um campo eléctrico, e que posteriormente é eficaz nasua imobilização após a experiência. Como matrizes habitualmente utiliza-das em electroforese de proteínas podem destacar-se os géis de agarose,de amido e de poliacrilamida. Estas duas últimas substâncias permitem aelaboração de matrizes de malhas apertadas que, para além de separaremas proteínas pela sua carga, exercem também um efeito de crivo e promo-vem a sua separação adicional pelo tamanho e conformação. Depois derealizada a electroforese, os géis são colocados em soluções que contêmos produtos químicos necessários à revelação das diferentes proteínascom actividade enzimática. Esta metodologia permite, assim, a revelaçãoe análise simultânea de várias enzimas e dos respectivos padrões electro-foréticos. Adicionalmente, existem vários outros tipos de coloração, in-cluindo aqueles que possibilitam a detecção de proteínas que não têmactividade enzimática.

Na figura 3.1 encontra-se representado o procedimento experimentalnormalmente utilizado com este tipo de métodos. Em geral, uma análiseelectroforética termina com a interpretação dos padrões de bandas ob-servados no gel, que permitem avaliar do interesse, ou não, das diferen-tes enzimas estudadas para a caracterização de uma população, raça ouespécie. A existência de variação genética numa proteína pode ser de-tectada através da observação de pelo menos dois tipos diferentes depadrões electroforéticos, que podem ser explicados através de um meca-nismo genético simples. Assim, se uma mutação ao nível do DNA causaruma alteração na proteína correspondente, nomeadamente uma substitui-ção aminoacídica que envolva a alteração de carga da proteína, espera-se a observação de bandas com diferente mobilidade em resposta aocampo eléctrico aplicado. Essas classes de mobilidade electroforéticadiferente podem, depois, ser interpretadas à luz da teoria mendeliana dahereditariedade, fornecendo um mecanismo genético explicativo dos pa-drões observados.

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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Figura 3.1 • Aspecto de uma separação electroforética de proteínas

Durante as décadas de setenta e oitenta do século XX, os métodos deseparação electroforética de proteínas encontraram o seu mais elevado nívelde sofisticação com o desenvolvimento da focagem isoeléctrica. Esta meto-dologia baseia-se na separação das proteínas através do seu ponto isoeléctri-co (pI), uma propriedade físico-química que é característica de cada proteína.Assim, em vez dos géis feitos com tampões caracterizados por um determi-nado valor de pH, aos quais era aplicado um campo eléctrico, desenvolve-ram-se matrizes que tinham um gradiente de pH e nas quais as proteínas sedeslocavam até atingirem um ponto de equilíbrio (o seu pI) e se imobilizarem.As técnicas de revelação seguiam, depois, essencialmente os mesmos princí-pios descritos para a electroforese convencional. A principal vantagem dafocagem isoeléctrica reside na sua muito maior capacidade de resolução. Naverdade, enquanto uma separação electroforética convencional resulta deum compromisso entre a separação desejada e a perda de definição dasbandas necessariamente associada ao prolongamento da experiência, a foca-gem isoeléctrica concentra a proteína nas regiões do gel correspondente aoseu pI, permitindo a obtenção de bandas muito bem resolvidas.

Apesar de a aplicação generalizada das técnicas electroforéticas ao estudoe caracterização dos recursos genéticos animais e vegetais ter permitido gran-des avanços, tanto em áreas fundamentais como aplicadas, há muito que sesabia que a quantidade de variação genética assim detectada não representavamais do que uma pequena fracção da realmente existente nas espécies. Doistipos de razões concorriam para sustentar esta interpretação. Em primeiro lu-gar, as reconhecidas limitações da técnica electroforética: três quartos dosaminoácidos são electricamente neutros e não contribuem com carga para aproteína e, por outro lado, o código genético mostra que vários codões podemcodificar para o mesmo aminoácido, resultando em mutações não detectadas

+_

Origem damigração

V A

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CAPÍTULO 3 | MÉTODOS MOLECULARES NA ANÁLISE DA DIVERSIDADE BIOLÓGICA

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ao nível da proteína. Em segundo lugar, a electroforese era apenas uma análisegenómica indirecta e deixava por analisar a maior parte do genoma, que não écodificante. Estas limitações terminaram quando, no final dos anos 80, se des-cobriu uma forma extraordinariamente simples de amplificar, em poucas horase dentro de um pequeno tubo de ensaio, qualquer porção de DNA do organismoque se quisesse caracterizar: a reacção em cadeia da polimerase, ou PCR.

A DESCOBERTA DA REACÇÃOEM CADEIA DA POLIMERASE

Os métodos de análise genómica directa existiam há já algum tempo, espe-cialmente desde o final dos anos sessenta quando se descobriram as enzimasde restrição. Estas enzimas permitiam cortar o DNA dos organismos estuda-dos em pedaços, que podiam ser depois analisados através da utilização detécnicas relativamente complexas e morosas e que, precisamente por essasrazões, nunca foram aplicadas em larga escala. Isso só veio a ser possível apartir do momento em que a generalização dos aparelhos de PCR permitiu aobtenção, em condições laboratoriais normais, de grandes quantidades de DNAconseguidas a partir de quase qualquer tipo de material de origem biológica. Oprincípio da PCR é, na verdade, muito simples e baseia-se nas propriedades dedesnaturação e renaturação da molécula de DNA quando submetida a eleva-das temperaturas. Assim, a temperaturas próximas dos 95ºC, as duas cadeiasde DNA separam-se, voltando depois a ligar-se após o seu arrefecimento. Aideia chave do processo de amplificação do DNA em tubo de ensaio foi aadição de pequenas sequências chamadas iniciadores (primers), que flanqueiama região que se pretende estudar e, sobretudo, de uma polimerase de DNAtermoestável, capaz de resistir às elevadas temperaturas alcançadas. Esta en-zima, designada por Taq, foi encontrada num organismo que vive em fontestermais (Thermus aquaticus) e que, por isso, tem polimerases de DNA neces-sariamente adaptadas a essas condições extremas.

Uma reacção de PCR é tipicamente constituída por três passos, que serepetem ciclicamente durante algumas horas (figura 3.2). O primeiro passocorresponde à desnaturação do DNA conseguida a uma elevada temperatu-ra, o segundo passo à ligação dos primers às cadeias de DNA simples, e oterceiro passo à extensão, ou seja, à incorporação dos diferentes nucleótidos(A, T, G e C) presentes no tubo de ensaio pela acção da Taq, reproduzindo-se, assim, a porção da sequência de DNA que se situa entre os dois primers.Estes três passos são depois repetidos um determinado número de vezes

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(tipicamente 30 a 35 vezes), resultando cada ciclo na duplicação da quantida-de de DNA da sequência pretendida. Desta forma, o número de cópias dessasequência é tão elevado no final da reacção de PCR que pode considerar-seo conteúdo do tubo como uma solução purificada da porção pretendida doDNA do organismo em estudo.

Figura 3.2 • Principais aspectos de uma reacção em cadeia da polimerase (PCR). a. a reacçãode PCR pode amplificar qualquer porção da molécula de DNA; b. no início, as duas cadeiasdesnaturam e abrem, dando lugar à hibridação por parte dos iniciadores e subsequenteprocesso de extensão; c. um ciclo de uma reacção de PCR é composto por uma fase dedesnaturação do DNA (D), uma fase de hibridação com os iniciadores (H) e uma fase deextensão do DNA mediada por uma polimerase (E); d. a partir de um número inicial reduzido decópias do segmento de DNA que se pretende amplificar, dá-se um aumento exponencial aolongo dos ciclos da reacção de PCR.

Os factores mais importantes para a obtenção de boas reacções de PCRincluem a qualidade das amostras iniciais de DNA, a adequação dos primers,e as condições em que decorre a sucessão de ciclos de amplificação. No quese refere à qualidade da amostra de DNA, deve referir-se que existe hoje umconjunto muito variado de protocolos de extracção de DNA, não só a partirde amostras convencionais de material biológico (sangue e músculo, por exem-plo), como também de amostras degradadas (pêlos, penas, excrementos, os-sos, entre muitos outros exemplos). Desta forma, os procedimentos de rotinade um laboratório devem ser devidamente adaptados ao tipo de amostras quesão analisadas. Os primers são pequenas sequências de DNA (tipicamentecom 20 a 30 nucleótidos) que devem ser perfeitamente complementares em

5’

3’

3’

5’

D

H

E

93 Co

70 Co

50 Co

Tempo

0 1 2 3

N.º de ciclos

a b

c d

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CAPÍTULO 3 | MÉTODOS MOLECULARES NA ANÁLISE DA DIVERSIDADE BIOLÓGICA

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relação às extremidades das sequências que se pretendem amplificar, e quepodem ser obtidos comercialmente. O seu desenho é, em geral, feito peloinvestigador, que dispõe actualmente de várias ferramentas informáticas queo auxiliam no processo. Dependendo do grau de conservação da região dogenoma em estudo, um determinado par de primers pode ser utilizado commaior ou menor sucesso na amplificação de regiões homólogas em espéciesfilogeneticamente não muito afastadas. Finalmente, existe hoje uma amplabibliografia sobre as condições mais apropriadas para a realização de reac-ções de PCR, nomeadamente no que se refere aos componentes da reacçãoe à duração dos diferentes passos, que podem ser ajustadas de acordo comas características da região do DNA que se pretende amplificar, bem comodo seu tamanho. Os produtos das reacções de PCR permitem, depois, a apli-cação de uma ampla variedade de métodos de análise que incluem, entreoutros, os polimorfismos de tamanho dos fragmentos de restrição (RFLP), ospolimorfismos de tamanho dos fragmentos amplificados (AFLP), os micros-satélites, os polimorfismos nucleotídicos simples (SNP) e a sequenciação.

OS POLIMORFISMOS DE TAMANHODOS FRAGMENTOS DE RESTRIÇÃO

Os polimorfismos de tamanho dos fragmentos de restrição, ou RFLP, re-sultam da possibilidade de cortar o DNA através da utilização de enzimas derestrição que são capazes de reconhecer pequenas sequências específicas(normalmente com 4 a 6 pares de bases de comprimento). Estas enzimasexistem naturalmente nas bactérias e servem para as defender da invasão deDNA estranho. Actualmente, existem algumas centenas deste tipo de enzi-mas disponíveis comercialmente, que cortam sequências com motivos muitodiversificados e têm, por isso, uma grande utilidade. A enzima de restriçãoEcoRI, por exemplo, é purificada a partir da bactéria Escherichia coli ecorta sequências de DNA que exibam o motivo GAATTC. O procedimentoexperimental normalmente seguido para proceder à caracterização de umRFLP num determinado conjunto de indivíduos está esquematizado na figura3.3 e implica a amplificação por PCR da sequência de interesse (onde ocorreuma determinada substituição nucleotídica), a sua digestão com a enzima derestrição adequada, e a subsequente separação dos fragmentos obtidos numgel de agarose ou de poliacrilamida. Como o DNA em solução é uma molé-cula carregada negativamente, os seus fragmentos deslocam-se sempre parao pólo positivo e a sua separação resulta das diferenças de tamanho. A visua-

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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lização desses fragmentos faz-se através da utilização de substâncias como obrometo de etídio ou o nitrato de prata.

A utilização em larga escala dos RFLP como marcadores moleculares ca-pazes de caracterizar uma população ou uma raça nunca foi muito popular emvirtude do grande tamanho do genoma nuclear. Pelo contrário, a simplicidade epequeno tamanho dos genomas mitocondriais e cloroplastidiais permitiram autilização de baterias de enzimas de restrição na sua caracterização e a infe-rência das relações filogenéticas entre as diferentes moléculas a partir do co-nhecimento das sequências cortadas. Actualmente, a sequenciação tornou quaseobsoleto este tipo de utilização dos RFLP que, no entanto, continuam a sermuito usados quando se pretende caracterizar rapidamente uma determinadaposição nucleotídica que se sabe ser variável. Este é precisamente o caso demuitas doenças genéticas que ocorrem em maior ou menor frequência emmuitas espécies de animais domésticos (ver destaque neste capítulo).

Figura 3.3 • Procedimentos experimentais destinados à obtenção de RFLP. A. as sequênciasde DNA possuem determinados motivos que são reconhecidos pelas enzimas de restrição; B.estas enzimas cortam o DNA em fragmentos mais pequenos; C. os fragmentos de DNAresultantes da digestão enzimática são separados por electroforese.

G A A T T C

C T T A A G

G A A T T C

C T T A A G

700 bp

200 bp 500 bp

+

_

500bp

200bp

Electroforese

EcoRI

700bp

A

B

C

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CAPÍTULO 3 | MÉTODOS MOLECULARES NA ANÁLISE DA DIVERSIDADE BIOLÓGICA

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A D E S P I S TA G E M D A D E F I -C I Ê N C I A D E A D E S Ã O L E U C O -C I T Á R I A B O V I N A ( B L A D )AT R AV É S D E U M T E S T E R F L P

A deficiência de adesão leucocitária bo-vina (Bovine leukocyte adhesion defi-

ciency; BLAD) é uma doença que afectamuitos animais da raça Holstein em todo omundo. Esta doença tem uma origem gené-tica e caracteriza-se por uma deficiênciaexistente numa proteína da superfície dosleucócitos denominada por integrina. Estasproteínas são responsáveis pelas interac-ções intercelulares necessárias para que osneutrófilos possam passar pelas paredes dosvasos sanguíneos e entrar nos tecidos paradestruir os organismos patogénicos. Os in-divíduos afectados por este distúrbio gené-tico sofrem de infecções graves comopneumonia, gengivite, lentidão na cicatriza-ção de feridas devido à formação anormalde pus, ausência de neutrófilos e excessode leucócitos (100,000/ml). A frequência mui-to baixa desta doença na raça Holstein e apouca expressão de sinais clínicos deve-seao facto de a maior parte dos animais afec-tados morrer antes de completar um ano.Esta doença causa grandes prejuízos eco-nómicos na produção de leite e espalhou-se devido à utilização de sémen de um

touro portador que, pelo seu elevado méri-to genético, foi utilizado na inseminaçãoartificial em todo o mundo. Apesar de aBLAD ter sido descoberta no início dos anosoitenta, só na década de noventa foram ca-racterizadas duas mutações no gene CD18que estão associadas ao desenvolvimentoda doença. Uma dessas mutações ocorreno nucleótido 383 e causa alterações naconformação da proteína expressa, com-prometendo as suas funções. Como estedistúrbio se deve apenas a uma mutaçãosimples, foi relativamente fácil criar um tes-te genético capaz de detectar a sua pre-sença. Para realizar este teste é apenasnecessário proceder à colheita de materialbiológico do animal (sangue, pele, pelos),a partir do qual se extrai DNA. Depois,um pequeno fragmento do DNA extraído,contendo o local onde ocorre a mutação,é amplificado numa reacção de PCR. Fi-nalmente, a detecção da presença ou au-sência da mutação é feita através dautilização de um teste RFLP, ou seja, deuma enzima que tem a capacidade de re-conhecer a sequência com a mutação e acorta em dois fragmentos distintos.

OS POLIMORFISMOS DE TAMANHODOS FRAGMENTOS AMPLIFICADOS

Os polimorfismos de tamanho dos fragmentos amplificados, ou AFLP, evo-luíram a partir dos RAPD no sentido de procurar encontrar uma forma de gerarrapidamente uma quantidade apreciável de marcadores moleculares relativa-mente fiáveis em genomas pouco ou nada caracterizados. Inicialmente, os RAPD

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(abreviatura de Random Amplified Polymorphic DNA) pretenderam ser esseinstrumento, mas cedo se verificou que a simples utilização de primers aleató-rios para amplificar regiões variáveis do genoma originava padrões de bandasmuito complexos e geralmente não reprodutíveis, ainda que gerados nomesmo laboratório. Procurou-se, assim, amplificar apenas uma pequena frac-ção do DNA extraído de um indivíduo através da utilização de duas enzimas derestrição e subsequente ligação de alguns desses fragmentos a adaptadoresespecíficos que vão depois condicionar a amplificação por PCR. Este tipo demetodologia está exemplificado na figura 3.4 e revelou-se bastante mais fiáveldo que a proporcionada pela utilização de RAPD. No entanto, a variabilidadenormalmente detectada resulta em padrões de bandas ainda assim complexos,que devem ser interpretados de uma forma especialmente cuidadosa. Actual-mente, os AFLP são ainda uma ferramenta muito útil quando se pretende teruma visão geral sobre a variabilidade genética de genomas não caracterizados,especialmente no que se refere a espécies de plantas e muitos cultivares.

Figura 3.4 • Procedimentos experimentais destinados à obtenção de AFLP. A. o DNA total deum organismo é cortado por duas enzimas de restrição; B e C. nos locais de corte sãoadicionados adaptadores especiais que permitem a ligação de iniciadores específicos; D.procede-se à amplificação da porção do DNA à qual se ligaram adaptadores; E. padrões debandas observados num gel de AFLP

G A A T T C

C T T A A G

EcoRI MseI

A A T T

T T A A5’

3’ 5’

3’

C

G T T A AG

T A C5’

3’5’

3’

Adaptadores de ligação

C

G T T A A

5’

3’

A A T T C

G A A T

T

G

T A C

5’

3’

C5’ A A T T C T T A C 3’

G T T A A3’ G A A T G 5’

Amplificação utilizando iniciadoresespecificos dos adaptadores

G T T A A G

T T A C

A

B

C

D

E

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CAPÍTULO 3 | MÉTODOS MOLECULARES NA ANÁLISE DA DIVERSIDADE BIOLÓGICA

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OS MICROSSATÉLITESOs microssatélites, ou STR (abreviatura de Short Tandem Repeats), são

hoje os mais populares e mais utilizados dos marcadores moleculares disponí-veis. Esta popularidade resulta principalmente da sua elevada variabilidade –podem ser encontradas mais de vinte formas diferentes numa única popula-ção – e abundância na maior parte dos genomas. Microssatélites são conjun-tos de uma a seis bases repetidas em tandem que, no total, não ultrapassamgeralmente o tamanho de 200 nucleótidos (figura 3.5). Este facto torna-osmuito facilmente amplificáveis por PCR, mesmo quando se trata de DNAaltamente degradado.

As sequências das regiões flanqueadoras permitem o desenho de primersespecíficos, pelo que muitas vezes é possível combinar numa mesma reacçãode PCR a amplificação de vários microssatélites (PCR multiplex). Os dife-rentes tamanhos amplificados para cada microssatélite são depois separadosem géis de poliacrilamida e corados com nitrato de prata, sendo a sua leituranormalmente muito simples (figura 3.6A). Alternativamente, a análise simul-tânea de muitos microssatélites pode ser mais eficazmente realizada atravésda utilização de um sequenciador automático, procedendo-se neste caso àsua detecção mediante fluorescência (figura 3.6B). O maior problema asso-ciado à utilização de microssatélites corresponde à sua identificação e subse-quente desenvolvimento de primers. Este procedimento é, ainda hoje, lento edispendioso, e implica a construção de uma biblioteca genómica enriquecidanos motivos repetidos pretendidos, seguida da clonagem dos fragmentos quetêm microssatélites e da sua sequenciação.

Figura 3.5 • Alguns exemplos de microssatélites. (a) di-nucleotídeo representado por duasformas, uma com 14 repetições do motivo CA, e outra com apenas 12. (b) tri-nucleotídeo. (c)tetra-nucleotídeo

a

aatgtccaggcttct ccttgtaCACACACACACACACACACACACACACA

aatgtccaggcttct --------ccttgtaCACACACACACACACACACACACA

b

ggtatcttatctgtaa taggattGTTGTTGTTGTTGTTGTTGTTGTTGTTGTT

c

tgacttactgaatctt aagagtGATAGATAGATAGATAGATAGATAGATA

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O elevado grau de variabilidade dos microssatélites deve-se à sua altataxa de mutação e crê-se que esta resulta da dificuldade que a polimerasede DNA tem em proceder à incorporação de nucleótidos em regiões muitorepetitivas durante o processo de replicação do DNA. Assim, a polimera-se de DNA salta ou acrescenta frequentemente um motivo na região repe-tida, originando novos tamanhos diferentes para o microssatélite. Maisraramente, podem também ser adicionados ou removidos dois ou mais mo-tivos de repetição à sequência que constitui o microssatélite.

A abundância dos microssatélites na maior parte dos genomas, a suaelevada variabilidade e, ainda, a facilidade de análise em larga escala,tiveram um papel decisivo na construção dos primeiros mapas genéticosde alta resolução em muitas espécies. Por outro lado, este tipo de marca-dores moleculares tornou-se, também, imprescindível para inúmeros labo-ratórios em todo o mundo que desenvolvem trabalhos de identificaçãoindividual e análise de parentesco em espécies domésticas, bem como deanálise da variabilidade genética de raças autóctones. Deve realçar-se,por exemplo, que a FAO iniciou há alguns anos um programa especial-mente dedicado à caracterização dos recursos genéticos animais tendopor base a adopção de um conjunto determinado de microssatélites paracada espécie doméstica.

Figura 3.6 • Separação de um microssatélite (A) em gel de poliacrilamida e coloração com nitrato de prata e(B) em sequenciador automático

A. B.

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CAPÍTULO 3 | MÉTODOS MOLECULARES NA ANÁLISE DA DIVERSIDADE BIOLÓGICA

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A SEQUENCIAÇÃO E OS POLIMORFISMOSNUCLEOTÍDICOS SIMPLES

No final dos anos setenta, Allan Maxam e Walter Gilbert, por um lado, eFred Sanger, por outro, descobriram dois métodos diferentes de sequenciaçãodo DNA. Estavam assim dados os primeiros passos no sentido de permitir aaquisição da informação definitiva sobre a caracterização genética dos orga-nismos vivos. Contudo, a generalização da sequenciação só foi possível depoisda descoberta da reacção de PCR e do desenvolvimento dos sequenciadoresautomáticos de elevada produtividade. Actualmente, a sequenciação deDNA é um procedimento de rotina em todos os laboratórios de genética ebiologia molecular, muitas vezes automatizado com o auxílio de robots, des-de a extracção de DNA, passando pela preparação das reacções de PCR,até terminar nos ficheiros de computador que mostram as sequências obti-das (figura 3.7).

Figura 3.7 • Resultado de uma reacção de sequenciação de DNA em que os picos indicam osnucleótidos que constituem uma das cadeias da molécula. A seta indica um polimorfismonucleotídico simples (SNP) resultante da ocorrência simultânea das bases C e T

O genoma humano foi finalmente decifrado no ano 2000, existindo hojevárias espécies completamente sequenciadas. Nessas espécies incluem-semuitas bactérias, nemátodes, vários insectos como a abelha, o mosquito e asmoscas-da-fruta, o arroz, peixes, a galinha, e outros mamíferos como o cão eo chimpanzé. Esta lista vai naturalmente crescer muito nos próximos anos,estando prevista para breve a disponibilização do genoma de uma rã, entre osgrupos taxonómicos que têm lacunas grandes, bem como o do gado bovino,entre as espécies domésticas de maior interesse pecuário. Estes dados estãodisponíveis em grandes bases de dados de acesso livre, e têm motivado odesenvolvimento paralelo de ferramentas bioinformáticas que procuram tirarpartido de toda essa informação. Uma dessas bases de dados é o GenBank,

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que tem hoje depositadas algumas dezenas de milhões de sequências corres-pondentes a mais de 100 000 organismos diferentes.

A acumulação de sequências obtidas a partir de indivíduos diferentes per-mitiu a emergência da designação SNP (abreviatura de polimorfismo nucleo-tídico simples) para referir o principal tipo de variação molecular existente noDNA. Os SNP resultam da ocorrência de variação num local da molécula deDNA (existem tipicamente duas bases alternativas, mas mais raramente po-dem encontrar-se três ou mesmo quatro), e podem encontrar-se em regiõesnão codificantes, ou então estar associados à modificação de uma proteínacom eventuais consequências fenotípicas. No futuro, a abundância de SNPna maior parte dos genomas estudados associada à sua facilidade de análisequando comparada, por exemplo, com a dos microssatélites, poderá vir atornar estes marcadores moleculares como os mais utilizados em estudos degenética fundamental e aplicada.

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C A P Í T U L O 4

BREVES NOÇÕESDE GENÉTICA

POPULACIONAL

• Introduz-se o conceito de polimorfismogenético e define-se a forma de calcularfrequências alélicas e genotípicas.

• Descreve-se o equilíbrio de Hardy-Wein-berg e introduz-se o conceito de heterozi-gotia.

• Enumeram-se os principais factores quedeterminam a mudança evolutiva.

• Comparam-se características de determi-nismo genético simples e complexo e re-fere-se o conceito de QTL.

O B J E C T I V O S

A variabilidade genética que

hoje se observa em

populações naturais e

domesticadas de plantas e

animais resulta do balanço

complexo entre os processos

de mutação, recombinação,

deriva genética e selecção.

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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E N Q U A D R A M E N T O As populações naturais e domesticadas sãogeralmente caracterizadas por elevados níveis de variabilidade genética. Aexplicação para esta observação reside na identificação dos processos quegeram diversidade, como a mutação e a recombinação, bem como dos pro-

cessos que levam à sua erosão, como a deriva genética. Adicionalmente, os padrões dediversidade genética que caracterizam uma população, raça ou espécie podem ainda sermoldados pela selecção natural ou pela ocorrência de migração e miscigenação. Actual-mente, a genética populacional é a área do conhecimento que estuda este tipo de fenó-menos e que através de um elevado nível de sofisticação matemática permite compreendera trajectória evolutiva das populações.

POLIMORFISMO, FREQUÊNCIAS ALÉLICASE FREQUÊNCIAS GENOTÍPICAS

Os métodos moleculares de análise da diversidade biológica permitemhoje gerar uma enorme quantidade de resultados em muito pouco tempo. Poresta razão, é fundamental conhecer algumas noções básicas de genética po-pulacional que permitem sintetizar os resultados obtidos e traduzem de umaforma simples as características de uma população. O primeiro conceito cen-tral a esta temática é o de polimorfismo genético. Entende-se que um gene(ou locus) é polimórfico quando se caracteriza pela ocorrência de pelo me-nos duas formas alternativas com frequências superiores a 1%. Essas for-mas alternativas têm o nome de alelos e da sua combinação resultam osgenótipos dos indivíduos. Quando dois alelos idênticos se juntam está-se napresença de um indivíduo homozigótico, enquanto se esses alelos forem dife-rentes então os indivíduos designam-se por heterozigóticos. Um gene quenão tem variação diz-se monomórfico. Note-se que a adopção de um valormínimo de 1% para considerar um determinado locus como polimórfico éfeita com o objectivo de assegurar que ambos os alelos circulam na popula-ção com uma frequência apreciável e não resultam, apenas, da introduçãorepetida de novas mutações.

A noção de polimorfismo permite definir uma primeira aproximação àmedida da diversidade genética de uma população. Assim, quando se exami-na um conjunto de proteínas através da aplicação de técnicas electroforéti-cas pode avaliar-se a percentagem de genes (ou loci) que se revelampolimórficos e utilizar esses valores para comparar as populações estudadas.Esta medida tornou-se, no entanto, menos utilizada com a emergência de

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CAPÍTULO 4 | BREVES NOÇÕES DE GENÉTICA POPULACIONAL

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marcadores hiper-variáveis como os microssatélites porque, em geral, não seutilizam aqueles que se mostram monomórficos. Uma medida alternativa maisútil para caracterizar a variabilidade genética pode então ser dada pelo núme-ro médio de alelos por locus. Neste caso, conta-se em cada locus o númerode alelos detectado, somam-se os valores obtidos e divide-se pelo total deloci estudado. Nos últimos anos, por exemplo, a investigação realizada sobrecentenas de raças domésticas de espécies diferentes permitiu obter valorespara o número médio de alelos em muitas populações, observando-se queaqueles variam tipicamente entre 2 a 3, no caso das proteínas, e 6 a 15, nocaso dos microssatélites.

Contudo, o estudo mais detalhado de cada locus permite explorar de umaforma mais aprofundada a distribuição e dinâmica da diversidade numa de-terminada população, bem como elaborar medidas de variabilidade genéticamais informativas para uma vasta área de conhecimentos. Para tal torna-senecessário proceder, em primeiro lugar, à estimativa das frequências alélicasde um locus. Considere-se, então, o resultado da análise de um conjunto dedez indivíduos de uma determinada população para uma proteína ou para ummicrossatélite, representado na figura 4.1

Figura 4.1 • Representação esquemática da separação electroforética de uma proteína ou deum microssatélite com dois alelos comuns, A e B. AA, AB e BB correspondem aos genótiposobservados nos dez indivíduos estudados

É possível constatar, em primeiro lugar, que se trata de um locus polimór-fico com dois alelos, designados por A e B. Em segundo lugar, observa-setambém a ocorrência de três genótipos, sendo dois homozigóticos (AA e BB)e um heterozigótico (AB). As respectivas frequências genotípicas são facil-mente calculáveis da seguinte forma:

f (AA) = 4/10 = 0.4 f (AB) = 4/10 = 0.4 f (BB) = 2/10 = 0.2

representando f (AA), f (AB) e f (BB) as frequências dos três genótiposobservados. No entanto, a informação mais importante que podemos retirarda distribuição de bandas esquematizada na figura 4.1 é a estimativa dasfrequências dos alelos A e B na população estudada. Assim, considerandoque o alelo A tem na população total uma frequência simbolizada por p e oalelo B por q, a melhor estimativa das suas frequências é feita através de

AA AB AB AA BB AB AA AB BB AA

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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uma contagem directa de genes na amostra de dez indivíduos, obtendo-se oseguinte resultado:

p (frequência de A) = 12/20 = 0.6 q (frequência de B) = 8/20 = 0.4

Note-se que o valor observado de 12 genes A no total de 20 genes daamostra é o resultado da soma dos oito genes presentes nos quatro indivíduoshomozigóticos AA com os quatro genes presentes nos quatro indivíduos hetero-zigóticos AB. O mesmo cálculo pode ser desenvolvido para os oito genes B.

O EQUILÍBRIO DE HARDY-WEINBERGSe agora se admitir que os dois genes A e B ocorrem na população com

frequências p e q, e se juntam ao acaso para formar os indivíduos (neste casocom genótipos AA, AB e BB), então é possível prever a estrutura genotípicada população na geração seguinte:

AA = p2 AB = 2pq BB = q2

Este formalismo tem uma importância fundamental em genética das po-pulações e designa-se por equilíbrio de Hardy-Weinberg. Procedendo à subs-tituição dos valores de p e q pelas estimativas das frequências alélicas obtidasanteriormente, chega-se aos seguintes valores esperados para a distribuiçãogenotípica na geração seguinte:

AA = 3,6 AB = 4,8 BB = 1,6

Como se pode constatar, estes valores são muito próximos dos observa-dos inicialmente. Na verdade, é possível demonstrar que numa população emequilíbrio de Hardy-Weinberg, as frequências alélicas mantêm-se constantesindefinidamente, pelo que a estrutura genotípica e os padrões de cruzamentopodem ser previstos simplesmente através da sua utilização.

A apresentação do equilíbrio de Hardy-Weinberg permite, agora, introdu-zir a mais importante das medidas de diversidade genética de uma população:a heterozigotia. Em geral, este parâmetro é indicado através de duas formas,a heterozigotia observada (Ho) e a heterozigotia esperada (He). A primeira écalculada dividindo o número observado de indivíduos heterozigóticos pelonúmero total da amostra, pelo que no exemplo representado acima seria iguala 4/10 = 40%. A segunda corresponde ao valor de heterozigotia no caso de a

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CAPÍTULO 4 | BREVES NOÇÕES DE GENÉTICA POPULACIONAL

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população verificar o equilíbrio de Hardy-Weinberg, pelo que seria dada pelaexpressão 2pq e, portanto, igual a 48%. Em termos gerais, a heterozigotia deuma população, raça ou espécie depende do balanço entre os factores demo-gráficos históricos que a caracterizaram e a taxa de mutação dos marcado-res moleculares estudados. Assim, estudos que envolvam microssatéliteschegam necessariamente a valores de heterozigotia superiores aos que sãoexibidos pelos que utilizam proteínas uma vez que a taxa de mutação doprimeiro tipo de marcadores moleculares é muito superior à do segundo. Poroutro lado, uma população que tenha mantido um elevado efectivo populacio-nal ao longo da sua existência deverá mostrar maiores valores de heterozi-gotia do que uma população que tenha sofrido flutuações demográficasacentuadas (ver destaque neste capítulo). A explicação mais detalhada des-tes aspectos é desenvolvida nas secções seguintes deste capítulo.

Finalmente, deve referir-se que o equilíbrio de Hardy-Weinberg se aplicaa populações de efectivo infinito e onde não ocorre mutação, selecção oumigração. Trata-se, pois, de uma situação idealizada em que não há evolução,aqui entendida como o processo de modificação das frequências alélicas aolongo do tempo. Neste contexto, interessa, agora, perceber quais são os prin-cipais factores de mudança evolutiva.

TAMANHO EFECT IVOD E U M A P O P U L A Ç Ã O

O número de animais que ocorre numadeterminada área é da maior impor-

tância em ecologia, quando se trata de es-pécies selvagens, ou em produção animal,quando se trata de formas domesticadas,e é representado por N. Esta quantidadepode ser estimada de várias maneiras dis-tintas e corresponde ao recenseamento deuma população, isto é, à determinação tãoexacta quanto possível do número total deindivíduos que a compõe. No entanto, emtermos evolutivos, o valor relevante paracompreender a trajectória evolutiva de umapopulação é o seu tamanho efectivo, repre-sentado por N

e, e não a quantidade N. De

facto, uma fracção significativa de qualquerpopulação é, em geral, composta por indi-víduos que não deixam descendência e, por

isso, não transmitem gâmetas para a gera-ção seguinte. De uma forma simplificada,pode então definir-se Ne como correspon-dendo a uma população ideal em que to-dos os elementos têm uma probabilidadeidêntica de serem progenitores de qualquerindivíduo da geração seguinte. O facto detanto as populações naturais como as po-pulações de animais domésticos se desvi-arem muito daquele modelo implica, emgeral, que N

e << N. De entre os múltiplos

factores que contribuem para que isso acon-teça, referem-se seguidamente três dosmais importantes. Em primeiro lugar, a ocor-rência de diferenças significativas no númeromédio de descendentes produzido por cadaindivíduo diminui N

e relativamente a N, es-

pecialmente nos casos de organismos de

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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OS FACTORES QUE DETERMINAMA MUDANÇA EVOLUTIVA

A MUTAÇÃO

A mutação pode ser descrita como a fonte de toda a diversidade genéticaque entra numa população. Trata-se, por isso, do factor preponderante nacriação da matéria-prima sobre a qual a evolução vai trabalhar. Os processosmutacionais são muito diversificados e podem implicar, entre outras modifi-cações do DNA, simples substituições nucleotídicas (que, por sua vez, po-dem ser, ou não, codificantes) ou, então, a adição ou remoção de pequenasporções, como acontece com os microssatélites. Estes processos têm sido

elevada fecundidade onde a amplitude davariação pode ser muito grande. Em segun-do lugar, a existência de flutuações no efec-tivo populacional causadas, por exemplo,pela acção de doenças ou pela alteraçãoda qualidade de recursos alimentares dis-poníveis, deixa uma marca muito acentua-da no valor de Ne. Na verdade, é fácildemonstrar que Ne é dado pela média har-mónica do tamanho das populações repro-dutoras ao longo das gerações e pode sercalculado pela expressão

Ne = n / Σ (1 / Ni)

em que Ni representa o tamanho da popu-lação reprodutora na geração i e n o núme-ro de gerações. Como a média harmónicaé muito mais afectada pelos valores baixosdo que pelos valores altos, a existência deimportantes flutuações demográficas é umdos factores que mais pode afastar Ne rela-tivamente a N. Finalmente, a contribuiçãodesigual dos dois sexos é também muitorelevante para a divergência de Ne e N eassume especial importância na gestãodos recursos genéticos animais. Assim, se

NM e NF representarem, respectivamente,o número de machos e o número de fême-as na população, o valor de Ne pode sercalculado através da expressão

Ne = 4NM NF / (NM + NF)

Nestas condições, Ne = N apenas quandoNM = NF, o que raramente acontece. Aocontrário, a introdução de novas práticasagrícolas como a inseminação artificial (verCapítulo 7) pode levar a que o valor de NM

se aproxime de 1, o que transformaria aexpressão anterior na forma

Ne = 4NF / (NF + 1)

Neste caso, que provavelmente representamuitas situações reais de gestão desade-quada dos recursos genéticos animais, ovalor de Ne não ultrapassa 4, independen-temente do número de fêmeas que em cadageração se vai reproduzir. Está-se, assim,perante uma situação de forte erosão dadiversidade genética por acção da deriva quesó pode ser contrabalançada através daintrodução de machos no sistema.

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CAPÍTULO 4 | BREVES NOÇÕES DE GENÉTICA POPULACIONAL

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estudados com muito detalhe, e existem hoje vários modelos mais ou menossofisticados que procuram explicar a forma como variam e evoluem os dife-rentes tipos de marcadores moleculares.

A RECOMBINAÇÃO

A recombinação resulta da reprodução sexual e permite a redistribuiçãoda diversidade genética que é introduzida nas populações por mutação. Naverdade, durante a divisão meiótica que leva à formação das células filhas, ainformação genética proveniente de cada um dos progenitores é trocada,resultando em novas combinações a cada geração que passa. Assim, novasmutações que tragam alguma vantagem a um indivíduo são mais eficazmentedisseminadas por todos os elementos de uma população, permitindo, em prin-cípio, uma maior capacidade de adaptação dos organismos a um ambienteem permanente mudança. Por outro lado, o conceito de recombinação é tam-bém muito importante pelo facto de a informação genética de um organismonão se transmitir necessariamente de uma forma independente. Na verdade,os milhares de genes que caracterizam tipicamente uma determinada espécieestão distribuídos linearmente ao longo de um número muito reduzido de cro-mossomas, pelo que muitos deles partilham o mesmo suporte físico. Nestecaso, a distância entre eles é determinante para saber se se comportam deforma independente (como se localizassem em cromossomas diferentes) por-que ocorre sempre recombinação, ou se estão tão próximos que têm tendên-cia a transmitir-se juntos. A análise dos padrões de associação entremarcadores moleculares não independentes de um organismo pode ser ex-tremamente informativa sobre os factores que moldaram a sua diversidadegenética actual.

A DERIVA GENÉTICA

Ao contrário dos mecanismos anteriormente descritos, a deriva genéti-ca provoca uma erosão da diversidade ao longo do tempo. De facto, comoas populações têm efectivos finitos, cada geração é formada por uma amos-tragem aleatória de alelos presentes na geração anterior, o que leva neces-sariamente à modificação das suas frequências, que exibem flutuações demaior ou menor amplitude de acordo com as oscilações demográficas. Atra-vés de simulações realizadas em computador, é possível mostrar que esseprocesso leva inevitavelmente à perda de uns alelos e à fixação de outros,podendo mesmo resultar em populações sem qualquer variabilidade genéti-

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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ca (figura 4.2). É também importante salientar que as populações submeti-das a fortes flutuações demográficas ficam sempre muito mais marcadaspelas suas fases de baixos efectivos populacionais, o que tem implicaçõesda maior relevância para a gestão dos níveis de variabilidade genética empopulações de espécies domésticas. Para além do problema da variação dotamanho populacional, a deriva genética em pequenas populações está tam-bém muito ligada ao conceito de consanguinidade. Tanto um como outromerecem um destaque especial neste capítulo.

Figura 4.2 • Flutuações aleatórias das frequências alélicas em populações de efectivo (N)grande e pequeno ao longo das gerações. Note-se a rápida fixação dos alelos numa popula-ção de N=20 e, ao contrário, a manutenção do polimorfismo numa população de N=500

A SELECÇÃO

A selecção é o processo que explora e molda a diversidade genética quecaracteriza um determinado organismo. As mais de trezentas raças de cãesque existem actualmente derivam de uma única espécie ancestral, o lobo(Canis lupus), e exibem uma notável diversidade fenotípica que resultou daintensa pressão de selecção artificial exercida pelo homem nos últimos10 000 anos. Na verdade, durante este período de tempo não houve introdu-ção de mais diversidade genética através de mutação, mas apenas a suareorganização. Assim, a modificação das características dos organismos pelaselecção deve-se à reprodução diferencial dos vários genótipos que ocorrem numapopulação. A selecção pode promover a rápida fixação de um alelo na popu-

1.0

0.8

0.6

0.4

0.2

0

0 20 40 60 80 100

N=20

N=500

N=20

N=500

Gerações

Fre

qu

ên

cia

alé

lica

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CAPÍTULO 4 | BREVES NOÇÕES DE GENÉTICA POPULACIONAL

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lação (selecção positiva), ou então determinar a sua remoção (selecção ne-gativa), como acontece no caso das doenças genéticas. Um outro tipo deselecção implica a vantagem dos indivíduos heterozigóticos sobre os homozi-góticos e designa-se por selecção equilibrada.

A C O N S A N G U I N I D A D E

À medida que os agricultores lutam paraconseguir competir num mercado cada

vez mais global, surgem novas estratégiaspara aumentar a intensidade de selecçãodas características genéticas associadasà produção. Devido a estas estratégias,muitas raças atingiram níveis elevados deconsanguinidade nas últimas décadas. Porexemplo, a fim de reduzir a agressividadedos machos, muitos agricultores acabampor castrar ou abater a maior parte sem queestes cheguem à idade adulta, passandoa utilizar inseminação artificial. Como o ob-jectivo é melhorar uma determinada carac-terística morfológica, muitas vezes ainseminação artificial é feita propositada-mente com sémen de vários machos quetenham entre si um elevado grau de paren-tesco. A consanguinidade é, assim, a utili-zação de cruzamentos entre indivíduosaparentados para, de alguma forma, favo-recer a fixação mais rápida de característi-cas desejáveis na população. No entanto,é importante não esquecer que um dos efei-tos da consanguinidade é, também, a re-dução da heterozigotia. Uma população ouraça gerida de forma adequada é compos-ta, maioritariamente, por indivíduos que,numa fracção significativa do seu genoma,têm duas variantes do mesmo gene (hete-rozigóticos). Note-se que existem, também,algumas variantes recessivas que causamdoenças (como o BLAD ou o gene do halo-tano), ou então características indesejadas(agressividade, tamanho excessivo dos fe-tos à nascença). A maioria destes distúr-

bios só ocorre quando o indivíduo é porta-dor de duas cópias da variante recessivado gene (homozigótico recessivo). Assim,a probabilidade de nascerem indivíduos comestes problemas é muito baixa. Porém,como a maioria destas características nãose manifesta senão em homozigotia, a suaerradicação de uma raça ou população é,também, muito difícil, uma vez que os in-divíduos que possuem uma só cópia (por-tadores) não manifestam quaisquersintomas. Se dois indivíduos portadoresdeste gene se cruzarem, existe a possibi-lidade de um quarto dos seus descenden-tes exibirem a característica. Assim,quanto mais aleatoriamente se derem oscruzamentos no seio de uma população,menor será a possibilidade de duas cópi-as de um gene indesejado se encontraremnum mesmo indivíduo. No entanto, quan-do existe consanguinidade numa popula-ção, o número de cruzamentos entreindivíduos portadores de uma destas vari-antes genéticas indesejáveis aumenta, re-sultando num acréscimo do número deindivíduos afectados por uma determinadadoença. A manutenção desta situação con-corre para a progressiva diminuição da di-versidade, tornando o processo cada vezmais difícil de reverter. No limite, quandodeixa de existir variabilidade dentro de umaraça ou população, esta perde a possibili-dade de se adaptar a novas condições oude responder a qualquer tentativa de me-lhoramento, por selecção, de uma deter-minada característica genética.

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CARACTERÍSTICAS MONOE MULTIFACTORIAIS

Apesar dos grandes avanços do conhecimento sobre a organização e es-trutura do genoma de muitos organismos e a evolução das suas populações, éde certa forma surpreendente como se sabe ainda tão pouco sobre a basemolecular que determina a variação de características morfológicas, fisioló-gicas e comportamentais. Na verdade, enquanto os padrões de diversidadegenética que são obtidos a partir da análise dos marcadores moleculares des-critos no Capítulo 3 têm um modo de transmissão mendeliano e são facilmen-te interpretáveis à luz dos princípios da genética populacional enunciadosanteriormente, o mesmo não se passa com as designadas características com-plexas, ou multi-factoriais. Estas são determinadas por QTL (abreviatura dequantitative trait loci), loci que contribuem para uma determinada caracte-rística (por exemplo, a gordura de um animal) através de pequenos efeitos,mas que são também influenciados por factores ambientais. Actualmente,existe um esforço muito significativo para dirigir a investigação no sentido dedetectar marcadores de determinismo genético simples estreitamente associa-dos a QTL por forma a conseguir localizá-los no genoma e, eventualmente,compreender melhor a base molecular das características que são alvo dosmecanismos de selecção natural e artificial.

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C A P Í T U L O 5

A INTERPRETAÇÃODOS PADRÕES DE

DIVERSIDADE GENÉTICA

• Introduz-se o conceito de heterozigotia deuma população no equilíbrio e relaciona-secom os valores obtidos empiricamente.

• Introduz-se o conceito de subestruturaçãopopulacional e definem-se as partições dadiversidade genética no seio de uma es-pécie.

• Salienta-se a possibilidade de medir a dis-tância genética entre populações, raças ouespécies.

• Refere-se a utilidade dos estudos de se-quências de DNA através de métodos fi-logenéticos e filogeográficos.

• Sugere-se a combinação de múltiplos mar-cadores moleculares na investigação dosprocessos de selecção e adaptação, queconstituem a essência daquilo que é a do-mesticação.

O B J E C T I V O S

A aplicação de métodos

de inferência permite

compreender melhor

os processos históricos

que deram origem aos

padrões de diversidade

genética observados

nas populações actuais.

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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E N Q U A D R A M E N T O O espectacular desenvolvimento dos métodosmoleculares de análise da diversidade biológica tem sido acompanhado porum igual desenvolvimento dos métodos de análise e inferência estatística,originando um estimulante processo de investigação na área dos recursos

genéticos animais e vegetais. A possibilidade de comparar valores observados e espe-rados de diversidade genética permite compreender melhor a demografia histórica demuitos organismos e determinar com precisão a sua origem geográfica. Por outro lado,o desenvolvimento de medidas de distância genética entre populações ou raças permi-te avaliar de forma mais objectiva o carácter único de algumas delas e desenvolver, porisso, as correspondentes medidas de conservação. Finalmente, a combinação de mar-cadores moleculares com propriedades diferentes na investigação das característicasseleccionadas pelo homem durante a domesticação de animais e plantas promete reve-lar aspectos ainda desconhecidos deste processo, bem como desencadear importantesprogressos na gestão dos recursos genéticos.

A VARIABILIDADE GENÉTICANo capítulo anterior introduziram-se algumas das medidas fundamen-

tais que permitem sumariar a diversidade genética, como o número médiode alelos ou a heterozigotia, bem como se procedeu a uma breve descriçãodos factores que promovem a mudança evolutiva. Numa situação ideal, avariabilidade genética de uma raça, população ou espécie, tende para umvalor de equilíbrio que resulta do balanço entre a introdução de novos ale-los por mutação (que depende da taxa de mutação dos marcadores mole-culares estudados) e a sua remoção por deriva genética (que depende dasparticularidades demográficas do organismo investigado). Neste contexto,a estimativa empírica da variabilidade genética pode ser fornecida pelaheterozigotia esperada (He) calculada através da utilização de um conjun-to representativo de marcadores moleculares (por exemplo, aloenzimas oumicrossatélites). Se se proceder à extensão da análise de um locus comdois alelos para um locus com três alelos designados por A, B e C, e comfrequências na população de, respectivamente, p, q e r, então a distribui-ção das frequências genotípicas é dada de acordo com o formalismo deHardy-Weinberg

p2 + 2pq + q2 + 2pr +2qr + r2

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CAPÍTULO 5 | A INTERPRETAÇÃO DOS PADRÕES DE DIVERSIDADE GENÉTICA

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pelo que He corresponderá à soma das parcelas 2pq + 2pr + 2qr. Na genera-lização para situações com n alelos, o cálculo de He é efectuado através daexpressão

He = 1 – Σ pi2

sendo que pi é a frequência do alelo i num determinado locus. O valor médiode He é finalmente obtido através da soma de todos os valores estimados porlocus a dividir pelo número de loci.

Os valores de He determinados através de abordagens empíricas podemdepois ser confrontados com os valores esperados numa situação de equilí-brio mutação-deriva. Deste ponto de vista, é possível demonstrar que a hete-rozigotia pode ser calculada utilizando a expressão

H = 4Neµ / (4Neµ + 1)

em que Ne corresponde ao número efectivo da população (ver destaque noCapítulo 4) e µ à taxa de mutação do marcador molecular estudado. As com-parações realizadas até hoje entre os valores empíricos e teóricos de heterozi-gotia determinados numa ampla variedade de organismos mostram que aspopulações naturais são consistentemente menos variáveis em relação ao queseria de esperar. De entre as várias explicações sugeridas para esta questãodeve destacar-se, por um lado, a ideia de que o tamanho efectivo da populaçãopoderá ter sido, ao longo do tempo, muito menor do que aquele que é naverdade estimado e, por outro lado, a importância que a selecção pode ter nadiminuição da diversidade. As duas questões são de importância maior nacaracterização e investigação dos recursos genéticos vegetais e animais.

A compreensão destes processos fornece, assim, uma ferramenta de gran-de utilidade para descrever e caracterizar, numa primeira fase, a diversidadegenética em populações ou raças de espécies domésticas e proceder à suacomparação. De especial interesse é a inclusão, nestes estudos, da forma, ouformas, ancestrais selvagens a partir das quais foram domesticados os orga-nismos de interesse. O passo seguinte corresponde à aplicação de métodos deinferência que permitam fornecer explicações plausíveis para os processosque determinaram os padrões de diversidade genética observados no presente.Actualmente, esta é uma área de investigação muito activa e que tem alcança-do um elevado grau de sofisticação através do desenvolvimento de abordagensmatemáticas que envolvem a determinação de um grande número de parâme-tros. A título meramente ilustrativo, refira-se que a observação de baixos níveisde diversidade genética em várias raças de uma determinada espécie quandocomparados com os exibidos pelas populações da sua forma ancestral podem

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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indicar um forte efeito de fundador durante o processo de domesticação ou,em alternativa, a amostragem de uma população que representava, apenas, umsubconjunto da diversidade original. Por outro lado, a comparação dos valoresde heterozigotia entre raças ou populações de uma determinada espécie per-mite uma primeira apreciação de como se distribui a diversidade entre elas eque tipo de processos históricos terão estado na origem dessa distribuição. Porexemplo, uma raça que mostre níveis de variabilidade genética significativa-mente inferiores aos de outras raças da mesma espécie poderá ter sido subme-tida a processos selectivos mais intensos (e ter, portanto, um mais baixo efectivopopulacional nalgum ponto da sua história).

Esta discussão permite introduzir outro conceito fundamental, que é o desubestruturação populacional. Quando se apresentou o formalismo de Har-dy-Weinberg, assumiu-se que os cruzamentos entre todos os elementos deuma população se dão ao acaso. Ora esta situação está longe de ser a regranas populações naturais e não acontece, naturalmente, nas populações do-mesticadas. A existência de subestruturação tem como consequência princi-pal a ocorrência ou a geração de diversidade genética que é própria de umasubpopulação mas que não existe nas outras subpopulações. Há, assim, umafracção da diversidade genética que é devida a diferenças entre subpopula-ções e que, em geral, é directamente proporcional ao seu grau de isolamento.A forma mais adequada de estimar esta fracção é através do FST, uma medi-da que compara a média das diversidades genéticas observadas no seio dassubpopulações com a diversidade genética da população global. Uma ex-pressão simples para calcular o valor de FST pode ser dada por

FST = (HT – HS) / HT

em que HT é a heterozigotia esperada na população global e HS é a média dasdiversidades genéticas observadas no seio das subpopulações. O FST é umamedida muito conveniente porque se distribui entre 0 e 1, sendo que valorespróximos de 0 significam um elevado fluxo génico e uma baixa diferenciaçãoentre subpopulações, enquanto valores próximos de 1 indicam a ausência defluxo génico e uma grande diferenciação entre subpopulações.

AS DISTÂNCIAS GENÉTICASA caracterização e análise da variabilidade genética de populações, ra-

ças e espécies através da utilização de marcadores moleculares permitema elaboração de medidas de distância genética que traduzam o seu grau de

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CAPÍTULO 5 | A INTERPRETAÇÃO DOS PADRÕES DE DIVERSIDADE GENÉTICA

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parentesco. Assim, elevadas distâncias genéticas entre populações reflec-tem, em geral, processos de diferenciação que se iniciaram há muito tempo,enquanto baixas distâncias genéticas sugerem a ocorrência de uma popula-ção ancestral recente. Este tipo de medidas é especialmente importanteporque permite definir o carácter único de algumas raças ou populações edelinear medidas de conservação adequadas. Por esta razão, a FAO temprocurado aconselhar os laboratórios de genética animal a utilizar um con-junto padronizado de marcadores moleculares de maneira a facilitar as com-parações entre trabalhos de investigação numa espécie, bem como entreespécies, e retirar daí importantes generalizações com implicações na con-servação dos recursos genéticos.

As primeiras medidas de distância genética basearam-se apenas na uti-lização das diferenças entre as frequências alélicas exibidas por uma bate-ria de loci estudada num conjunto de subpopulações de uma determinadaespécie. A medida FST, introduzida na secção anterior, pode ser consideradacomo uma distância genética e é, ainda hoje, muito utilizada. Mais recente-mente, o conhecimento das sequências de DNA e a existência de modelosexplicativos dos processos mutacionais (por exemplo, no caso dos micros-satélites) permitiram a extensão da abordagem meramente frequencista àintrodução das relações evolutivas entre alelos. Assim, é actualmente pos-sível escolher entre distâncias genéticas mais apropriadas para processosevolutivos antigos, onde a mutação poderá ter um papel preponderante nageração de nova diversidade genética, e distâncias genéticas mais apropri-adas para processos evolutivos recentes, onde a mutação não é importantee a deriva genética tem o papel essencial na redistribuição da diversidade ena diferenciação das populações. Na tabela 5.1 indicam-se, a título de exem-plo, algumas das distâncias genéticas mais utilizadas.

Tabela 5.1 • Exemplos de algumas distâncias genéticas, e respectiva adequação aos diferen-tes tipos de marcadores moleculares

DISTÂNCIAGENÉTICA

TIPO DE MARCADORMOLECULAR

REFERÊNCIA

DA NEI, D Aloenzimas Nei, 1987

DCS Aloenzimas Cavalli-Sforza et al., 1994

FST e equivalentes Aloenzimas, microssatélites,sequências de DNA

Wright, 1969; Excoffieret al., 1992

��2 Microssatélites Goldstein et al., 1995

RST Microssatélites Slatkin, 1995

DSW Microssatélites Shriver et al., 1995

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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FILOGENIA E FILOGEOGRAFIAA generalização da sequenciação do DNA proporcionou um desenvolvi-

mento espectacular dos métodos filogenéticos baseados em dados molecula-res e a sua confrontação com as interpretações provenientes da análisemorfológica convencional e do registo fóssil. De facto, a análise das sequên-cias de DNA permite elaborar relações de ancestralidade e descendência ereconstruir a sequência evolutiva mais plausível para um conjunto de organis-mos – por exemplo, a diversificação de um grupo de espécies dentro de umdeterminado género. Isto é possível porque os processos de análise e repre-sentação filogenética têm por base o conceito de árvore, que consiste essen-cialmente num conjunto de ramos, sendo os terminais correspondentes àsdiferentes unidades taxonómicas estudadas, e de nós, correspondentes a hi-potéticas formas ancestrais (figura 5.1). Uma árvore filogenética traduz, as-sim, um processo de bifurcações sucessivas que não tem recuo, e que reflecte,de forma muito aproximada, o processo biológico de diversificação e forma-ção das espécies para grande parte dos organismos vivos. Finalmente, a exis-tência de momentos bem datados do registo fóssil permite efectuar umacalibração molecular para as diferentes sequências de DNA a que hoje setem acesso o que, por sua vez, possibilita a datação de muitas espécies paraas quais o registo fóssil é escasso ou inexistente.

A importação dos métodos de análise filogenética para o domínio intra--específico e a sua associação com a geografia resultaram na emergência deuma nova disciplina científica chamada filogeografia. Nos últimos anos, osestudos filogeográficos têm crescido de forma quase exponencial e têm per-mitido descrever uma quantidade de variação e subestruturação intra-espe-cífica que, na maior parte das espécies, era absolutamente insuspeitada.Contudo, este tipo de estudos encontra-se, ainda, numa fase muito descritivaporque não foi acompanhado de um concomitante desenvolvimento de me-todologias estatísticas de análise. Na verdade, os processos evolutivos anível intra-específico são muito mais complexos do que a sequência de bi-furcações que caracteriza a sucessão temporal das espécies: as populaçõespodem separar-se através de um processo de fissão, como as espécies, maspodem também misturar-se parcial ou totalmente em resultado, por exem-plo, de expansões geográficas, naturais ou mediadas (ver destaque nestecapítulo). Este tipo de processos, associado à possibilidade da sua repetição,complica muito a interpretação dos dados genéticos. De uma forma geral, afilogenia lida unicamente com a fracção da variabilidade genética que sedistribui entre as espécies, considera o polimorfismo intra-específico comoruído, e busca um padrão de ancestralidade e descendência tipicamente re-presentado por uma árvore. Ao contrário, a análise filogeográfica estuda o

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CAPÍTULO 5 | A INTERPRETAÇÃO DOS PADRÕES DE DIVERSIDADE GENÉTICA

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polimorfismo intra-específico, ou seja, aquele que ocorre transitoriamente noseio das espécies, e procura encontrar um conjunto, por vezes muito com-plexo, de cenários que terão estado na sua origem. Neste contexto, não sedeve falar da filogenia das populações ou das raças estudadas, mas sim dareconstrução das suas relações históricas.

Figura 5.1 • Representação de uma árvore filogenética, com indicação dos ramos e dos nós

Ramo

A M I S C I G E N A Ç Ã ODE POPULAÇÕES

As populações ou raças de uma deter-minada espécie são muitas vezes ca-

racterizadas por histórias de hibridação ede miscigenação que podem resultar, porexemplo, de uma expansão natural, ou en-tão de um acto deliberado mediado pelohomem, normalmente com um determina-do objectivo. Nos animais domésticos, estetipo de análise é especialmente relevantepor dois tipos de razões. Em primeiro lu-gar, porque a maior parte das espécies foidomesticada pelo menos duas vezes deforma independente, dando lugar a popula-ções e raças de características bem dis-tintas. Em segundo lugar, porque o homemsempre transportou consigo os seus ani-mais, experimentando muitas vezes mis-turá-los com outros que encontrava emnovas regiões, quer se tratasse de formasselvagens, quer se tratasse de formas do-mésticas. Reconstruir a história destes pro-cessos de miscigenação pode, por isso,

revelar aspectos muito interessantes sobreas espécies domésticas, e também sobrea própria espécie humana, mas não é tare-fa fácil. Nos últimos anos, a utilização demarcadores moleculares tem permitidocompreender melhor a dinâmica da hibri-dação e miscigenação de populações. Parase aplicar uma metodologia deste tipo, énecessário que as populações parentaisque deram lugar a uma população miscige-nada mostrem algum grau de diferenciaçãonas suas frequências alélicas. Em geral,um marcador genético é tanto mais infor-mativo quanto mais assimétricas forem asfrequências dos seus alelos nas popula-ções parentais: idealmente, o grau de mis-cigenação de uma população seria dadodirectamente pelas frequências de dois ale-los A e B que estivessem fixados alternati-vamente nas duas populações parentais.Como esta situação se verifica muito rara-mente, o valor de M (grau de miscigena-

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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A introdução dos estudos filogeográficos na análise dos processos dedomesticação causou grandes avanços no conhecimento sobre esta área,que envolve contribuições da evolução humana, da arqueologia e arqueozo-ologia, e da história, entre outras. Por exemplo, o reconhecimento de quetodas as raças domésticas de coelho possuem, apenas, uma das duas linha-gens mitocondriais existentes nas populações selvagens permitiu delimitargeograficamente o local de domesticação e concluir que a espécie tinhasido domesticada uma única vez (ver estudo de caso neste capítulo). Aocontrário, a descrição de duas linhagens mitocondriais diferentes em raçasbovinas, cuja divergência terá precedido em muito a altura mais plausívelpara a ocorrência da domesticação – o início do Neolítico – conduziu osinvestigadores à conclusão de que terão ocorrido dois processos de domes-ticação independentes, um na região do Crescente Fértil (dando origem àsraças taurinas, sem bossa), e outro no subcontinente Indiano (dando origemàs raças zebuínas, com bossa). Em termos mais gerais, a combinação dasanálises filogeográficas de plantas e animais domesticados com os resulta-dos provenientes de estudos de genética populacional clássica realizadoscom o auxílio de marcadores moleculares, como as aloenzimas e os micros-satélites, têm permitido revelar uma complexidade insuspeitada nos proces-sos que conduziram à domesticação, bem como mostrar facetas históricasdo maior interesse na própria espécie humana. Finalmente, constituem ain-

ção) de uma população híbrida pode sercalculado notando que

pH = pA x M + pB x (1-M)

em que pH, pA e pB representam as fre-quências do alelo i na população híbrida He nas populações parentais A e B, respec-tivamente, e M a contribuição da popula-ção A para a população híbrida. Depois,transformando em ordem a M, obtém-se:

M = (pH – pB) / (pA – pB)

O valor de M deve ser obtido a partir daanálise de um número apropriado de mar-cadores, e não de apenas um marcador.Esse valor constitui uma estimativa da frac-ção do genoma nuclear de uma raça mis-cigenada que provém da raça parental A

ou da raça parental B. A possibilidade de oprocesso de miscigenação de raças poderser mediado em grande parte, ou mesmoexclusivamente, por apenas um dos sexosé passível de investigação através do estu-do de marcadores moleculares que setransmitem unicamente pela linha mater-na ou pela linha paterna. Assim, o estudode marcadores do cromossoma Y fornece-rá uma perspectiva da miscigenação pelolado masculino, enquanto o estudo de mar-cadores mitocondriais mostrará o lado fe-minino do processo. A miscigenação deraças bovinas taurinas e zebuínas em Áfri-ca e na América do Sul, aliás caracteriza-da por uma assimetria na contribuição dosdois sexos, constitui um excelente exem-plo onde a aplicação de marcadores mole-culares permite compreender melhor ahistória daquelas raças.

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CAPÍTULO 5 | A INTERPRETAÇÃO DOS PADRÕES DE DIVERSIDADE GENÉTICA

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da instrumentos preciosos na reconstrução da história das relações do ho-mem com os seus animais em muitas regiões geográficas distintas, de entreas quais se pode destacar, pela sua importância e originalidade, a PenínsulaIbérica (ver destaque neste capítulo).

A DOMESTICAÇÃO DO COELHO

O coelho (Oryctolagus cuniculus) é umaespécie originária da Península Ibéri-

ca que se expandiu para França, provavel-mente depois da última glaciação, e que apartir dos tempos históricos, foi introduzi-da no Norte de África, Inglaterra, EuropaCentral, e mais tarde, Austrália, Nova Ze-lândia e América do Sul. As suas popula-ções selvagens encontram-se fortementeestruturadas do ponto de vista genético,tendo sido descritas duas linhagens mui-to diferenciadas, tanto em relação ao DNA--mitocondrial (transmitido exclusivamentepor via materna), como em relação ao cro-mossoma Y (transmitido exclusivamentepor via paterna). A primeira linhagem, de-signada por A, ocorre exclusivamente empopulações do sudoeste da Península Ibé-rica, enquanto a segunda, designada porB, caracteriza as populações do nordesteda Península, bem como todas as outras

populações não ibéricas. A análise daque-les marcadores moleculares em coelho-doméstico mostrou que todas as raçasexibem apenas a linhagem B, sugerindoclaramente uma domesticação única des-ta espécie. O estudo de um conjunto maisalargado de marcadores representativos detodo o genoma sugere, adicionalmente,que a diversidade genética encontrada naspopulações domésticas é um subconjun-to daquela que caracteriza a espécie e lo-caliza o evento de domesticação no sulde França, o que é igualmente apoiado poralguns dados históricos. Esta evidênciacontraria, por outro lado, as interpretaçõesque sugeriam a domesticação do coelhodurante o período romano da PenínsulaIbérica e indica, também, que a rápida dis-persão e selecção das diferentes raças do-mésticas em todo o mundo terá acontecidoapenas a partir do século XV.

A O R I G E M D O S P R I N C I PA I SA N I M A I S D O M É S T I C O S D AP E N Í N S U L A I B É R I C A

Na sua maioria, as espécies de animaisdomésticos da Península Ibérica foram

trazidas pelos primeiros povos de agri-cultores durante o Neolítico, há cerca deoito mil anos. Estes povos saíram do Cres-cente Fértil e espalharam-se por toda a Eu-ropa, revolucionando o modo de vida dos

povos locais, que até aí viviam como caça-dores-recolectores. Porém, devido à suaposição geográfica, a Península Ibérica foi,ao longo dos tempos, ponto de passagemde várias civilizações que, de certa forma,terão também contribuído com os seusanimais. Assim, as actuais raças domésti-

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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cas da Península Ibérica terão, provavelmen-te, tantas origens quantas os povos que porela passaram. As raças de bovinos são umbom exemplo disso. Vários estudos gené-ticos sobre as actuais raças de bovinos Ibé-ricos sugerem a existência de duaslinhagens diferentes. A primeira, represen-tativa da maior parte das raças, tem ori-gem no Crescente Fértil e é comum àsrestantes raças do continente europeu. Asegunda está presente sobretudo no sul daPenínsula Ibérica (por exemplo, as raçasalentejana, mertolenga, preta, berrenda,mostrenga, retinta) e terá origem numa pos-sível domesticação Africana. Os caprinose ovinos são originários da domesticaçãoocorrida no Crescente Fértil, não existindomuitas diferenças entre as várias raças noseio de cada uma das duas espécies. Omesmo se aplica às raças porcinas, em-bora se possa detectar a ocorrência de hi-bridação histórica entre porcos domésticose as populações de javalis desta região. As

raças ibéricas de cavalos constituem outrocaso interessante. A domesticação do ca-valo deu-se posteriormente à da cabra, vacae ovelha, e terá acontecido nas estepes Eu-rasiáticas. A investigação sobre as raçasibéricas mostra que alguns indivíduos têmcaracterísticas genéticas, nomeadamenteao nível do DNA-mitocondrial, que as apro-ximam das raças de cavalos do Norte deÁfrica. Estes resultados têm sido interpre-tados como o resultado da invasão muçul-mana da Península Ibérica durante a IdadeMédia. No entanto, esta interpretação é dis-cutível, podendo pensar-se numa hipótesealternativa que considera um cenário dedomesticação local do cavalo e posteriorinfluência deste no Norte de África. Na Pe-nínsula Ibérica, o burro é o único animaldoméstico que terá tido uma origem exclu-sivamente africana (actual Egipto, Sudão,Somália e Etiópia), de acordo com estu-dos recentes nos quais se incluíram amos-tras das raças ibéricas.

SELECÇÃO E ADAPTAÇÃOComo se percebeu anteriormente, a origem, localização e multiplicida-

de dos eventos de domesticação para muitas espécies têm sido desvenda-das através da combinação das propriedades dos diferentes tipos demarcadores moleculares. Contudo, a essência do processo de domestica-ção, isto é, a modificação da morfologia, da fisiologia e do comportamentodas formas selvagens ancestrais e a sua transformação nas raças actuais,continua, em grande parte, por conhecer. Este facto resulta, essencial-mente, do desconhecimento que ainda existe sobre a base molecular dascaracterísticas que foram alvo do processo de selecção imposto pela espé-cie humana durante a domesticação e que incluem, por exemplo, o tama-nho (para produção de carne, por exemplo), a fertilidade (também paraaumentar a produtividade), ou mesmo determinadas características com-portamentais (por exemplo, a variabilidade da agressividade nas raças decães). Apesar disso, alguns casos mais bem estudados, especialmente no

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CAPÍTULO 5 | A INTERPRETAÇÃO DOS PADRÕES DE DIVERSIDADE GENÉTICA

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domínio das plantas, sugerem que as grandes modificações fenotípicaspodem resultar da selecção de um número muito reduzido de genes degrande efeito. Por esta razão, a análise molecular de genes candidatos adesempenharem um papel preponderante nas características fenotípicasantes mencionadas será, seguramente, uma das áreas de investigação maisinteressantes e de maior desenvolvimento nos próximos anos (ver desta-que neste capítulo). Por outro lado, o facto de a domesticação de plantas eanimais ter ocorrido num tão reduzido espaço de tempo e ter originado umconjunto tão diversificado de raças constitui uma experiência natural úni-ca, e fornece condições especialmente adequadas à investigação sobre aevolução de características complexas.

A S P R O T E Í N A S D O L E I T E

O leite tem um papel primordial na ali-mentação humana. O sector agro-ali-

mentar a ele ligado, mais propriamente aoleite de vaca, é uma importante fonte deriqueza e desenvolvimento agrícola. Porisso, os factores que controlam a produ-ção e qualidade do leite são dos mais es-tudados nas últimas décadas. As proteínascontidas no leite de vaca são, em conjuntocom a gordura e os sais minerais, os cons-tituintes mais importantes do leite. Estasproteínas são seis e dividem-se em duasfracções: quatro caseínas (alfa-s1, alfa-s2,beta e kapa) e duas proteínas do soro (alfa-lactoalbumina e beta-lactoglobulina).Além do seu valor nutritivo, estas prote-ínas estão ligadas ao rendimento tec-nológico de alguns produtos lácteos,nomeadamente do queijo. São codifica-das por seis genes que se caracterizampelos seguintes aspectos: (1) as caseínasencontram-se localizadas numa pequenaporção do cromossoma seis, a alfa-lac-toalbumina no cromossoma cinco e a be-ta-lactoglobulina no cromossoma onze; (2)os genes das caseínas são transmitidosà descendência em bloco, sem ocorrência

significativa de recombinação genética.Estudos acerca dos genes responsáveispela expressão das proteínas do leite re-velaram uma forte associação entre certasvariantes genéticas de algumas proteínase o rendimento queijeiro, isto é, a quanti-dade de quilos de queijo por litro de leite.Por exemplo, sabe-se que a variante B dakapa-caseína está associada a uma maiorqualidade do queijo e rendimento da suaprodução, pelo que a sua detecção permi-tirá desenhar programas adequados deselecção. Também se demonstrou que algumas variantes das proteínas do soroestão associadas a uma maior rapidez dedesenvolvimento das crias, por estarem re-lacionadas com a transmissão de resistên-cia imunitária das mães para a descen-dência. Em alguns países (Dinamarca, Ale-manha, Estados Unidos da América), asvacas leiteiras e os touros reprodutores sãofrequentemente testados e a sua escolhapara determinados cruzamentos é feitaconsoante as variantes genéticas de quesão portadores. Estes testes genéticos po-dem ser feitos directamente numa amos-tra de leite, sangue ou sémen.

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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A selecção artificial exercida pela espécie humana é do tipo direccional,isto é, procura modificar uma determinada característica sempre num deter-minado sentido. Do ponto de vista teórico, este tipo de selecção deverá dei-xar uma marca inequívoca no genoma através da diminuição da diversidadeno locus (bem como nas regiões fisicamente mais próximas) que é alvo deinteresse. Isto acontece porque se procura fixar uma determinada caracte-rística, eliminando a diversidade pré-existente. Por outro lado, a direcção eintensidade da selecção podem ser diferentes de raça para raça no seio deuma mesma espécie, o que promove a fixação de características distintas ea percepção de que uma fracção muito significativa da diversidade genéticadessa mesma espécie possa dever-se a diferenças entre as raças. Contudo,o facto de as modificações trazidas pela domesticação envolverem, apenas,um número reduzido de genes, associado à história muito recente das raçase variedades domésticas, tem como consequência um baixo grau de diver-gência genética e a partilha da maior parte da variação encontrada no geno-ma. Um exemplo muito interessante que permite ilustrar estes processos é oda variação da cor da pelagem nas espécies domésticas de mamíferos (verdestaque neste capítulo). Embora se conheçam actualmente algumas deze-nas de genes que podem ter implicações na determinação desta caracterís-tica, a sua base molecular é, em geral, de fácil interpretação, o que permiteo estabelecimento de relações simples entre um genótipo e o corresponden-te fenótipo. Nas formas selvagens, a cor da pelagem é, em geral, invariávele adaptada às condições ambientais em que ocorrem, o que permite, porexemplo, escapar melhor aos predadores. Há, assim, uma pressão da selec-ção natural no sentido de manter essa característica. Durante o processo dedomesticação, porém, o aparecimento das primeiras mutações de cor pode-rá ter fornecido à espécie humana uma forma primitiva de marcação dosanimais ou de determinados stocks, que posteriormente viria a ser adoptadaem múltiplas espécies e ficaria associada ao nascimento de muitas raçasbem definidas. Surgiu, assim, uma pressão de selecção artificial diversifica-dora, essencialmente conducente à fixação de uma determinada coloraçãonuma raça específica e, portanto, tendo como consequência a ampliação dasdiferenças genéticas entre as raças e a homogeneização do genoma nasregiões dos loci seleccionados para cada raça. A utilização combinada demarcadores moleculares do tipo SNP e STR estreitamente ligados aos locique determinam a cor da pelagem é uma das principais estratégias que estãohoje a ser utilizadas para compreender os processos selectivos durante adomesticação e avaliar o tipo de marca que deixam no genoma.

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CAPÍTULO 5 | A INTERPRETAÇÃO DOS PADRÕES DE DIVERSIDADE GENÉTICA

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A D E T E R M I N A Ç Ã OG E N É T I C A D A C O RDA PELAGEMN O S M A M Í F E R O S

A cor da pelagem dos mamíferos é, pos-sivelmente, um dos aspectos fenotípi-

cos sobre o qual o homem exerce selec-ção há mais tempo. Actualmente, a corda pelagem é uma característica chave naidentidade de uma raça, seja ela de va-cas, cabras, ovelhas, cavalos, cães oucoelhos. A pressão de selecção sobre elaexercida foi de tal forma acentuada que,por vezes, é possível identificar um indiví-duo em relação à sua população de ori-gem com base, apenas, num dos genesque determina a cor da pelagem. Em me-ados dos anos 90, começou a surgir infor-mação sobre a sequência de um gene queactua como receptor da hormona estimu-ladora de melanócitos (MC1R), e que de-pois se verificou ter um papel fundamentalna ocorrência de variação da coloração demamíferos domésticos. Em bovinos, estegene tem duas variantes principais que sãoresponsáveis pelas cores castanha e pre-ta. Com o avanço das metodologias mole-culares, surgiram os primeiros testesgenéticos capazes de identificar as muta-ções responsáveis por alguma dessa vari-ação a partir de uma amostra de tecido eatravés da técnica de PCR. A chegada daencefalopatia espongiforme bovina (BSE)trouxe maiores exigências de segurançaem relação à identificação da origem dacarne de vaca e dos seus derivados, e ostestes genéticos para detecção da cor dapelagem revelaram-se muito úteis no ras-treio dos produtos derivados da raça Hols-

tein, a primeira a ser atingida pela BSE.Estudos sobre este gene foram, também,utilizados para detectar a adição fraudu-lenta de leite desta raça no fabrico de cer-tos queijos tradicionais da região dos AlpesFranceses. Como as raças locais dessazona eram de pelagem castanha, a mistu-ra de leite de Holstein (malhada de preto)seria facilmente detectável através da aná-lise deste gene. Isso foi de facto possívelporque no leite de vaca são excretadas cé-lulas do epitélio da glândula mamária, tor-nando exequível a extracção de DNA apartir de leite e a realização dos respecti-vos testes. O gene MC1R desempenha umpapel muito relevante na variação da colo-ração noutras raças de animais como, porexemplo, em porcos e em coelhos, e apressão de selecção exercida pelo homemé, nestes dois casos, especialmente com-preendida porque é possível confrontar ospadrões de diversidade genética observa-dos em estirpes domésticas com aquelesdescritos para as respectivas formas sel-vagens ancestrais. Adicionalmente, têmsido encontrados e descritos molecular-mente outros genes implicados na varia-ção da cor da pelagem de mamíferos, comoo agouti, o kit, ou a tirosinase. A utiliza-ção de toda esta informação pode, actual-mente, ser aplicada na previsão da cor dapelagem de futuras crias em várias espé-cies, e é especialmente relevante quandoa cor se encontra associada a algumaoutra característica desejável.

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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Finalmente, refira-se também o grande interesse que existe no estudo dadispersão da maior parte das espécies domesticadas por regiões geográficasde características muito diferentes, e que proporcionaram adaptações tambémnecessariamente diferentes, cujos processos estão ainda por investigar. O trans-porte do gado bovino, mas sobretudo do gado ovino e caprino, para regiõescom amplas diferenças ambientais e ecológicas em termos de temperatura,humidade, disponibilidade de água e recursos alimentares deverá ter estado naorigem de processos selectivos muito diferentes, que por sua vez terão deixa-do marcas distintas no genoma das diferentes raças. Futuramente, a utilizaçãode diferentes tipos de marcadores genéticos e a compreensão das bases mo-leculares da variação das características sob selecção, permitirão, certamen-te, o aprofundamento do conhecimento sobre a história das populações, raçase espécies que o homem tem modificado e utilizado desde o Neolítico.

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C A P Í T U L O 6

IDENTIFICAÇÃOE PARENTESCO

• Definem-se e exemplificam-se as princi-pais estatísticas utilizadas na identificaçãoindividual e análise da paternidade/mater-nidade.

• Referem-se algumas das metodologias dis-poníveis para proceder à identificação dapopulação ou raça de origem de um indi-víduo.

O B J E C T I V O S

A utilização de métodos

moleculares é hoje

indispensável na identificação

específica e rastreabilidade de

produtos de origem animal e

vegetal, na verificação de

relações genealógicas, e na

identificação de populações

ou raças de origem.

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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E N Q U A D R A M E N T O Nos últimos anos, os grandes avanços no conhe-cimento de muitos genomas de espécies animais e vegetais domésticas permi-tiram a emergência de um conjunto de ferramentas moleculares e estatísticasque são hoje absolutamente indispensáveis na caracterização, gestão e conser-

vação dos recursos genéticos. De entre os vários tipos de marcadores moleculares disponí-veis, os microssatélites são aqueles que encontram uma mais vasta aplicabilidade em questõescomo a identificação individual, a rastreabilidade de produtos de origem animal e vegetal, averificação e estabelecimento de relações genealógicas e avaliação do grupo de origem deum determinado indivíduo. No futuro, é previsível que este domínio da utilização dos marca-dores moleculares continue a expandir-se rapidamente e a encontrar novas aplicações.

IDENTIFICAÇÃO INDIVIDUALE RASTREABILIDADE

Durante muito tempo, o polimorfismo dos grupos sanguíneos e das proteínasfoi utilizado como apoio aos métodos de identificação animal. Contudo, a gene-ralização e aplicação em larga escala deste tipo de métodos só se tornou possí-vel com a descoberta dos microssatélites e a sua análise rápida através da utilizaçãode um sequenciador automático. Na verdade, os microssatélites são marcado-res moleculares muito variáveis que normalmente exibem mais de dez alelos porpopulação, pelo que uma bateria relativamente reduzida permite obter valores deprobabilidade de identificação individual para lá de qualquer dúvida razoável (verdestaque neste capítulo). No entanto, para poder efectuar este tipo de cálculos,é necessário determinar previamente as frequências alélicas dos microssatélitesutilizados para caracterizar as raças de interesse. Este é um trabalho bastantemoroso porque a obtenção de estimativas adequadas das frequências alélicasem marcadores hiper-variáveis requer amostragens bastante elevadas que, emgeral, envolvem pelo menos algumas centenas de indivíduos.

CÁLCULO DA PROBABILIDADEDE IDENTIFICAÇÃO INDIVIDUAL

Nos últimos anos, realizaram-se em Por-tugal vários trabalhos em que se pro-

cedeu à caracterização genética de raças

bovinas autóctones através da utilização demicrossatélites. A título de exemplo, indicam-se as frequências alélicas (f) determinadas

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CAPÍTULO 6 | IDENTIFICAÇÃO E PARENTESCO

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Com o surgimento de doenças como a encefalopatia espongiforme bovinae consequente instalação de um clima de desconfiança no mercado agro-alimentar, os consumidores começaram a exigir a certificação dos produtosalimentares e a sua rastreabilidade, isto é, a capacidade de poder seguir o

em cinco microssatélites – ETH3, INRA23,INRA37, TGLA44 e HEL9 – na raça bovina

Barrosã e calcula-se a probabilidade de en-contrar um determinado perfil genético.

Se agora se considerar, por exemplo, aocorrência do perfil genético ETH3 (117/127) - INRA23 (209/209) - INRA37 (124/136) – TGLA44 (168/170) – HEL9 (153/163),

é possível calcular a sua probabilidade deocorrência na população assumindo o equi-líbrio de Hardy-Weinberg:

tgla44 160 0.05 HEL 9 147 0.02

162 0.31 149 0.01

164 0.07 151 0.01

166 0.29 153 0.18

168 0.09 155 0.09

170 0.03 157 0.01

172 0.10 159 0.06

174 0.02 161 0.30

176 0.02 163 0.29

178 0.02 165 0.02

167 0.01

LOCUS ALELO f LOCUS ALELO f LOCUS ALELO f

ETH3 109 0.04 INRA23 199 0.13 INRA37 118 0.01

117 0.24 201 0.03 122 0.02

119 0.17 207 0.17 124 0.19

121 0.01 209 0.15 126 0.18

123 0.04 211 0.05 128 0.08

125 0.43 213 0.05 130 0.13

127 0.04 215 0.20 132 0.37

129 0.02 217 0.22 136 0.01

133 0.01 138 0.01

LOCUS

ALELO f LOCUS ALELO fLOCUS

2x0.24x0.04 x 0.15x0.15 x 2x0.19x0.01 x 2x0.09x0.03 x 2x0.18x0.29 = 9,2 x 10-10

Como se pode observar, a utilização de ape-nas cinco microssatélites permite dizer queeste perfil genético particular tem uma pro-babilidade aproximada de um num bilião.Naturalmente que a adição de mais alguns

microssatélites igualmente variáveis resul-ta em valores de probabilidade ainda maisbaixos, o que torna este método de identi-ficação extremamente fiável.

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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circuito percorrido, por exemplo, pela carne do gado bovino, desde o nasci-mento dos animais junto dos criadores, passando pelos locais de abate e,finalmente, até aos postos de distribuição e venda. Esta rastreabilidade é, emprincípio, assegurada pelo sistema de identificação e registo animal, mas comoeste sistema não está livre de fraudes e outro tipo de problemas, a utilizaçãode microssatélites para a determinação de perfis genéticos permite verificar,sem margem para dúvidas, a origem de um animal.

Figura 6.1 • Rastreabilidade da carne bovina desde o criador até à venda ao consumidor.Neste caso, a utilização de cinco microssatélites permitiu confirmar que as amostras dematerial biológico retiradas em diferentes momentos daquele percurso tinham origem nomesmo indivíduo.

ANÁLISE DA FILIAÇÃO BIOLÓGICAOs microssatélites são, também, os marcadores moleculares mais úteis

para proceder a análises de parentesco, ou de controlo da filiação biológica.Actualmente, uma bateria de 6 – 10 microssatélites hiper-variáveis é sufici-ente para responder à maior parte dos casos em que se torna necessárioestabelecer a paternidade e/ou maternidade de um animal numa determinadapopulação. A utilização destes testes é hoje uma rotina em muitas raças au-tóctones para efeitos de inscrição dos novos animais nos respectivos LivrosGenealógicos, e também em raças de produção, como é o caso da Frísia.

ETH3 117 / 119 117 / 119 117 / 119

INRA23 209 / 213 209 / 213 209 / 213

INRA37 126 / 126 126 / 126 126 / 126

tgla44 166 / 172 166 / 172 166 / 172

HEL9 147 / 163 147 / 163 147 / 163

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CAPÍTULO 6 | IDENTIFICAÇÃO E PARENTESCO

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A análise de um caso de investigação da paternidade segue um procedi-mento muito simples, em que se comparam duas hipóteses:

H1: o presumível pai é, de facto, o paiH0: o pai é outro indivíduo da população

De posse de amostras de material biológico do trio pai-mãe-filho, proce-de-se à determinação dos respectivos genótipos e subsequente interpretaçãode acordo com as seguintes probabilidades:

X – probabilidade de observar o conjunto de resultados obtidos no filhodados os genótipos dos pais e assumindo H1; e

Y – probabilidade de observar o conjunto de resultados obtidos no filhodados os genótipos dos pais e assumindo H0.

Calcula-se, em seguida, o índice de paternidade, dado por

L = X/Y,

e a sua transformação percentual,

W = L/ (L+1),

designada por probabilidade de paternidade. Os valores de L são calculadospara cada microssatélite e podem ser interpretados como a avaliação de quan-tas vezes é mais provável explicar os resultados através da assunção de umaverdadeira relação genealógica do que do acaso. O valor final de L é simples-mente o produto dos seus valores parcelares. Finalmente, a interpretação dosvalores de W é auxiliada por uma tabela de predicados verbais que procurasimplificar a informação que se quer transmitir.

Figura 6.2 • Exemplo de um processo de investigação da paternidade com dois possíveis paise assumindo como verdadeira a ligação mãe-filho. Com apenas três microssatélites, verifica-se que o possível pai 1 mostra duas exclusões enquanto o possível pai 2 tem um perfil genéticocompatível com a paternidade. A utilização das frequências alélicas que caracterizam a raçaem questão permite depois calcular o valor da probabilidade de paternidade (W)

120 / 126 120 / 132 120 / 132 124 /132

196 / 204 202 / 210 202 / 204 204 /206

140 / 154 142 / 144 144 / 148 146 /148

Possível Possível Filho MãePai 1 Pai 2

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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Em geral, o elevado grau de polimorfismo dos microssatélites tem comoconsequência o aparecimento de valores muito altos de W, confirmando apaternidade, ou então de múltiplas incompatibilidades, que indicam a exclusãodo indivíduo analisado. Contudo, deve referir-se que, em virtude da alta taxade mutação dos microssatélites, é possível acontecer que um indivíduo que éde facto verdadeiro pai seja excluído da paternidade num determinado mi-crossatélite. Actualmente, estão disponíveis expressões para o cálculo da pro-babilidade de paternidade que incluem a possibilidade de ocorrer uma mutaçãoprecisamente no caso que está a ser examinado, evitando-se assim incorrerem erros de análise genealógica.

IDENTIFICAÇÃO DA POPULAÇÃOOU RAÇA DE ORIGEM

A identificação da população ou raça de origem de um determinado indi-víduo, ou ainda de um produto de origem animal, é uma questão que se colocacada vez com mais frequência e cuja resolução não é tão simples como a dasreferidas anteriormente. De facto, a maior parte da diversidade genética dasespécies domésticas existe no seio das populações e não entre as popula-ções, em resultado da história muito recente da domesticação e da diferencia-ção das raças. Este aspecto é ainda mais acentuado quando se trata, porexemplo, do conjunto de raças de uma determinada espécie num determina-do país, que são, necessariamente, muito mais aparentadas entre si. Na ver-dade, como a única possibilidade de estabelecer com um elevado grau deprobabilidade que um indivíduo é proveniente de uma determinada populaçãoou raça é explorar as pequenas diferenças existentes entre raças nas fre-quências alélicas de um conjunto de microssatélites, torna-se necessário ana-lisar uma quantidade muito significativa deste tipo de marcadores. Se a estefacto se associar o já referido trabalho requerido para determinar com preci-são as frequências alélicas desses marcadores em dez ou mais raças diferen-tes, percebe-se facilmente que a resposta à questão da identificação dapopulação ou raça de origem de um indivíduo seja, na maior parte dos casos,muito difícil de obter actualmente, ou pelo menos bastante imprecisa.

De uma forma geral, a metodologia utilizada para proceder a este tipo deanálise baseia-se, também, na obtenção de um perfil genético para o indiví-duo de origem desconhecida e, posteriormente, na estimativa da verosimi-lhança da sua proveniência de cada uma das populações ou raças existentes.Esta estimativa é efectuada recorrendo, precisamente, às bases de dadosonde estão armazenadas as respectivas frequências alélicas. Actualmente,

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CAPÍTULO 6 | IDENTIFICAÇÃO E PARENTESCO

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existem diversos programas de computador que permitem fazer estes cálcu-los de uma forma relativamente rápida e que se tornaram, por isso, preciososauxiliares nesta área da gestão dos recursos genéticos.

No futuro, à medida que as bases de dados genéticas sobre as populações eraças domésticas forem sendo enriquecidas com dados provenientes de maismarcadores moleculares, será talvez possível escolher criteriosamente aquelesque mostrem um maior grau de diferenciação entre elas e sejam, por isso, maisinformativos no que se refere à filiação populacional de um indivíduo.

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C A P Í T U L O 7

AS TRANSFORMAÇÕESBIOTECNOLÓGICAS

• Explicam-se as principais consequênciasdo desenvolvimento da biotecnologia naagricultura.

• Refere-se a importância e inovação dosprogramas de selecção assistida por mar-cadores.

• Discutem-se as implicações relacionadascom a utilização de inseminação artificial,produção de transgénicos e clonagem naspráticas agrícolas contemporâneas.

O B J E C T I V O SNos últimos anos, o

desenvolvimento da

biotecnologia e a emergência

de técnicas como a inseminação

artificial, a obtenção de plantas

e animais transgénicos e a

clonagem transformaram

definitivamente a forma

tradicional de fazer agricultura.

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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E N Q U A D R A M E N T O Os avanços na área das ciências biológicas apóso final da Segunda Guerra Mundial culminaram no aparecimento ou emancipa-ção de certas disciplinas que até então eram praticamente desconhecidas oupouco desenvolvidas. A biotecnologia foi precisamente um dos casos que mais

sucesso obteve a partir dos finais dos anos setenta. Esta disciplina nasce da interacçãoentre diferentes áreas da biologia (bioquímica, biologia celular, microbiologia, genética) eda engenharia moderna (materiais, electrónica, robótica, física, química) para o processa-mento de materiais ou sistemas de origem biológica. Quando aplicada ao desenvolvimentoagrícola sustentável, a biotecnologia pode revelar-se uma ferramenta bastante útil. A suaacção no campo agrícola estende-se desde as técnicas reprodutivas, como a inseminaçãoartificial e a manipulação, transferência genética e clonagem, até às técnicas de biologiamolecular destinadas à quantificação e apoio à conservação dos recursos genéticos. As-sim, a aplicação de técnicas biotecnológicas tem um enorme potencial no aumento daprodutividade agrícola e na melhoria das condições de vida dos animais e das pessoas. Porexemplo, o desenvolvimento de vacinas contra doenças endémicas que assolam os animaisou plantas de certas regiões tem permitido o aumento da produção agrícola. O mesmo tipode acção pode ser desenvolvido de forma a melhorar as condições de vida, e em especialde saúde, dos povos de algumas regiões marginais mais desfavorecidas. Por exemplo, amanipulação genética permitiu incorporar pró-vitamina A (beta-caroteno) e ferro no arroz,conseguindo-se, assim, minorar as carências destes oligoelementos em algumas popula-ções humanas com acesso a recursos alimentares de baixa qualidade.

A INSEMINAÇÃO ARTIFICIALDesigna-se por inseminação artificial o acto não natural de colocar sémen

no tracto reprodutivo da fêmea com o intuito de a fecundar. A utilização destatécnica remonta ao século XIV, altura em que alguns criadores de cavalosárabes introduziam uma esponja embebida em sémen, acabado de colher deum garanhão, na vagina das éguas. Ao longo dos tempos, esta técnica temvindo a ser progressivamente aperfeiçoada, podendo referir-se a primeirainseminação artificial feita na cadela por Spallanzani. Foi, aliás, este fisiolo-gista italiano quem demonstrou, pela primeira vez, que só os espermatozóideseram responsáveis pela fertilização do óvulo. Mais tarde, já no século XX(1914), um cientista russo de nome Ivanov aplicou esta técnica aos bovinos.Mas só 1937, quando Sorensen, um veterinário dinamarquês, desenvolveu atécnica de inseminação retro-vaginal, esta passou a ser prática comum, man-tendo-se até aos dias de hoje. Mais recentemente, os avanços biotecnológi-cos permitiram a síntese de algumas hormonas sexuais, nomeadamente as

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CAPÍTULO 7 | AS TRANSFORMAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS

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que intervêm no ciclo ovulatório das fêmeas, permitindo a sincronização doestro de forma a tornar mais efectivo o controlo e detecção do cio e facilitaro maneio reprodutivo. Finalmente, a identificação de zonas específicas docromossoma Y (que está presente unicamente nos machos) veio permitir adeterminação molecular do sexo no sémen através da utilização da técnicade PCR (ver Capítulo 3).

Mas o desenvolvimento e posterior adaptação da técnica de inseminaçãoartificial a cada uma das espécies domésticas, não só trouxe vantagens no dia-a-dia da produção animal, como também se tornou numa preciosa ajuda à con-servação dos recursos genéticos animais. A possibilidade de armazenar sémenem condições artificiais (normalmente por congelamento em contentores deazoto líquido) permite, por exemplo, a preservação de um número maior demachos sem ser necessária a sua presença nas explorações. Consegue-se,assim, evitar casos de endogamia (ver Capítulo 4), principalmente em popula-ções muito pequenas, que dispõem de muito poucos machos, ou em sistemasagrícolas cujas características não permitem a manutenção de machos adultos.Esta tecnologia possibilita, ainda, a escolha dos machos a usar em emparelha-mentos controlados, e a eliminação de problemas de contágio de doenças sexu-almente transmissíveis que podem baixar a fertilidade das fêmeas.

No entanto, esta técnica também pode trazer desvantagens, nomeada-mente por facilitar a miscigenação entre animais de raças exóticas e autócto-nes, ou acelerar a endogamia no caso de o sémen do mesmo macho serexcessivamente usado. Não pode, na verdade, esquecer-se que o uso des-controlado da inseminação artificial foi um dos factores que mais contribuiupara a quase extinção, por miscigenação, de um grande número de raçaslocais (inclusivamente de algumas portuguesas).

A SELECÇÃO ASSISTIDAPOR MARCADORES

A informação genética contida na molécula de DNA é a base da vida detodos os organismos. Esta informação encontra-se compilada em pequenasunidades denominadas genes que, por sua vez, estão organizados num con-junto mais complexo chamado genoma. Assim, a descodificação do genomade uma espécie pode constituir uma etapa fundamental para entender umasérie de processos biológicos a ela associados. Na última década, tem sidofeito um esforço enorme nas áreas da biologia molecular e da biotecnologiapara descodificar os genomas das principais espécies domésticas, estando

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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actualmente concluídos, ou em fase de conclusão, o do cão, o da galinha, o doarroz e o do milho, e espera-se que dentro de dois anos estejam completos osda vaca, do porco, do cavalo e da ovelha.

Porém, enquanto o processo de sequenciação do genoma de algumas espé-cies não está terminado, não estão disponíveis os elementos necessários paraprocurar compreender a base genética da expressão de muitas característicasde interesse. Por exemplo, a capacidade de produção de leite, o tamanho dociclo de vida de uma planta, ou a resistência a determinadas doenças, são algu-mas das características que se procura conhecer melhor. Em geral, ainda sedesconhece se uma determinada característica resulta da expressão de um oumais genes, se estão todos localizados na mesma região do genoma, ou qual oresultado da interacção entre o meio ambiente e a expressão desses genes.

Há muito tempo que os agricultores estão habituados a avaliar a expres-são de alguns caracteres em relação ao meio ambiente e a utilizar essa infor-mação em programas de selecção. Mas, em virtude da complexidade queenvolve a expressão de alguns desses caracteres, apenas a intervenção deespecialistas capazes de os quantificar poderá ajudar, efectivamente, a per-ceber essas interacções. Estes especialistas trabalham no domínio da genéti-ca quantitativa e servem-se de modelos estatísticos para separar os factoresgenéticos dos factores ambientais, por forma a estabelecer a melhor estraté-gia de selecção tendo em vista o aumento ou a diminuição da frequência deuma determinada característica.

Até à década de noventa do século passado, a maior parte dos dadosavaliados pelos geneticistas quantitativos provinha de medidas obtidas após aexpressão das características de interesse, ou seja, da análise do fenótipoestudado (por exemplo, o ganho diário de peso, o número de litros de leiteproduzidos por lactação, a produção de trigo por hectare, a capacidade deresistência a pragas). Com o extraordinário desenvolvimento da biologia mo-lecular e o surgimento da técnica de PCR (ver Capítulo 3), passou a ser pos-sível gerar centenas, ou mesmo milhares, de marcadores moleculares definidospela ocorrência de pequenas variações na sequência de DNA. Como na maiorparte das vezes estes marcadores não se encontravam dentro do gene envol-vido na manifestação de uma determinada característica, tornou-se necessá-rio avaliar o grau de associação entre eles. Nos casos em que se demonstrouuma estreita ligação entre um determinado marcador molecular e o gene im-plicado na expressão de uma característica sob selecção, passou a ser possí-vel utilizar esse marcador no processo de selecção, resultando naquilo que seconhece hoje como selecção assistida por marcadores. Actualmente, os mar-cadores moleculares, e em especial os microssatélites (ver Capítulo 3), sãolargamente utilizados em programas de melhoramento genético das espéciesanimais e vegetais domésticas. A título de exemplo, refira-se a descoberta, na

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CAPÍTULO 7 | AS TRANSFORMAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS

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década de noventa, de vários microssatélites localizados no cromossoma 1 deBos taurus associados à presença ou ausência de cornos, a certas doenças ea um aumento da produção de leite (ver figura 7.1). Isto permitiu encurtar aárea de pesquisa na região cromossómica de interesse, e encontrar rapida-mente os genes responsáveis por aquelas características.

Figura 7.1 • Localização aproximada, no cromossoma 1 de Bos taurus, dos genes relaciona-dos com a presença/ausência de cornos, algumas doenças genéticas (DUMPS e BLAD) eaumento da produção de leite

OS ANIMAIS E PLANTAS TRANSGÉNICOSSegundo os últimos cálculos da FAO, a população mundial atingirá breve-

mente oito biliões de pessoas, dois terços das quais serão habitantes de paísesem vias de desenvolvimento. Este crescimento demográfico da espécie hu-mana necessita de um concomitante aumento da produção agrícola, esperan-do-se que o recurso à biotecnologia possa auxiliar formas mais adequadas deaumentar os recursos alimentares em determinadas regiões do globo. A cria-ção de organismos transgénicos é uma das várias possibilidades técnicas de-senvolvidas pela biotecnologia que permitem acelerar o melhoramento dedeterminadas características genéticas nos animais e nas plantas. Designa-se por organismo transgénico todo o animal, planta ou microorganismo nogenoma do qual foi inserido, artificialmente, um ou mais genes. Em geral, osgenes inseridos visam o melhoramento de uma característica específica ou apossibilidade de produção de uma determinada proteína que não seria natu-ralmente expressa pelo organismo nativo. Por exemplo, a produção, no leitede cabra, de insulina destinada a diabéticos, ou a resistência do milho a um

Cornos

BLAD

Leite

DUMPS

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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determinado vírus, herbicida ou insecto, constituem bons exemplos da aplica-ção da tecnologia dos organismos transgénicos. Actualmente, esta técnica éparticularmente utilizada em produção vegetal, estimando-se que no ano 2000existissem 44 milhões de hectares cultivados com plantas trangénicas.

Nas plantas, a técnica de inserção artificial de genes pode ser feita deduas maneiras distintas. A primeira consiste em disparar microprojécteis im-pregnados com o material genético que se pretende inserir sobre a planta quese quer modificar, e é especialmente usada na produção de milho e arroztransgénicos (ver figura 7.2). A segunda baseia-se na utilização de certasbactérias – por exemplo, Agrobacterium tumefaciens - como vectores detransferência. Estas bactérias têm a capacidade de infectar algumas plantas,transferindo partes do seu DNA para dentro das células das plantas hospe-deiras e levando a planta a expressar alguns dos seus genes. Esta técnica éutilizada em plantas de folha larga, como o tomateiro e a soja.

Mais recentemente, uma das mais arrojadas experiências no campo dostransgénicos consiste na inclusão, em algumas plantas como o tomate ou aalface, de genes capazes de expressar certas proteínas que, quando ingeri-das, activam o sistema imunitário do consumidor e funcionam como vacinascontra um determinado agente infeccioso. Embora este tipo de projectos es-teja ainda numa fase experimental, outros já começaram a produzir resulta-dos, podendo destacar-se a já referida transferência de genes responsáveispela retenção de ferro e pela produção da pró-vitamina A no arroz.

Porém, não é demais referir que o uso de plantas transgénicas poderátrazer alguns riscos ambientais no caso de estas removerem ou competiremcom outras plantas naturais, não as deixando desenvolver na sua presença,ou perturbando o ciclo natural de espécies animais (por exemplo, algumasborboletas). As plantas transgénicas também podem afectar a saúde huma-na, nomeadamente devido à produção de substâncias alergénicas, ao factode causarem resistência a certos antibióticos por transferência genética hori-zontal, e ainda por reduzirem a qualidade nutritiva das plantas originais (porexemplo, a couve-flor). É necessário, por isso, desenvolver meios de monito-rização eficientes e capazes de assegurar que o cultivo de plantas transgéni-cas não implica riscos acrescidos.

Nos animais, a produção de transgénicos é utilizada, sobretudo, comfunções farmacêuticas. Neste caso, pretende-se que um determinado ani-mal transgénico passe a funcionar como um bio-reactor, produzindo umadeterminada substância (proteína) que excreta pelo leite, ovos ou carne, eque depois de purificada possa ser utilizada no fabrico de medicamentos(por exemplo, insulina). Esta técnica desenvolve-se pela incorporação dematerial genético no ovo, através de uma micro-injecção (ver figura 7.3).Como todas as células que vão formar o novo animal resultam desta célula

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CAPÍTULO 7 | AS TRANSFORMAÇÕES BIOTECNOLÓGICAS

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inicial, assegura-se assim que o gene inserido esteja presente no organismotransgénico, que deverá poder expressar uma determinada proteína semque isso prejudique o seu bem-estar.

Figura 7.2 • Criação de uma planta transgénica pelo método de microprojécteis

Gene desejado

OvoImplante uterino

Núcleo

Figura 7.3 • Um dos métodos de produção de animais transgénicos por micro-injecção

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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A CLONAGEMEntende-se por clonagem o processo de criar um organismo genetica-

mente idêntico a um outro, pré-existente, sem recorrer à reprodução sexual,ou seja, não envolvendo a participação de um dos progenitores (masculinoou feminino). Um clone é, então, geneticamente igual ao organismo a partirdo qual foi originado. A descoberta da clonagem perde-se no tempo, umavez que algumas técnicas de reprodução há muito utilizadas pelo homem,como, por exemplo, a enxertia das árvores ou a replantação dos dentes dealho, não são mais do que a aplicação da clonagem para melhorar as carac-terísticas de uma planta.

Nos animais domésticos, a utilização desta técnica é bastante mais com-plexa e recente. A clonagem tornou-se do domínio público com o nascimen-to da famosa ovelha Dolly, em 1997. Seguiram-se, depois, outras espécies,como a vaca, o cavalo e o cão. O procedimento utilizado baseia-se na trans-ferência do núcleo de uma célula somática para dentro de uma célula ger-minal à qual o núcleo fora previamente retirado. Note-se que célulassomáticas são todas as células que constituem o corpo com excepção dascélulas reprodutivas, ou germinais (óvulo e espermatozóide). Nos mamífe-ros, todas as células somáticas possuem, no seu núcleo, duas cópias decada um dos cromossomas, enquanto que nas células germinais existe ape-nas uma cópia. Para criar a ovelha Dolly, os investigadores isolaram umacélula somática de uma ovelha adulta e, seguidamente, transferiram o nú-cleo dessa célula para um ovo desprovido de núcleo. Depois de algunsprocedimentos químicos, o ovo contendo o núcleo acabado de transferircomeça a dividir-se como se tratasse de um ovo logo após a fertilização. Apartir daí desenvolve-se até à fase de embrião, e é depois implantado numaovelha adulta, previamente preparada para o acolher até ao seu desenvolvi-mento completo. Assim, a ovelha Dolly foi uma cópia exacta da ovelhaadulta à qual tinha sido retirada a célula somática inicial.

Actualmente, a clonagem pratica-se num número ainda muito restrito delaboratórios e o seu sucesso é reduzido. No entanto, é possível que esta situa-ção venha a mudar futuramente com o progresso da investigação, abrindoamplas possibilidades de aplicação no domínio da agricultura.

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C A P Í T U L O 8

A CONSERVAÇÃODOS RECURSOS GENÉTICOS

• Introduzem-se as circunstâncias que de-terminaram o reconhecimento da impor-tância dos recursos genéticos.

• Descrevem-se os diferentes tipos de con-servação dos recursos genéticos animaise vegetais.

O B J E C T I V O S

A combinação de técnicas de

conservação in-situ e ex-situ

associada a sistemas de

monitorização do efectivo

populacional das raças

ameaçadas de extinção e ao

desenvolvimento de bancos

de germoplasma permite

encarar com optimismo o

futuro dos recursos genéticos

animais e vegetais.

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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E N Q U A D R A M E N T O O progressivo empobrecimento da diversida-de biológica a todos os seus níveis descrito nas últimas décadas tem vindo aestimular a comunidade internacional a lançar várias iniciativas no âmbitoda conservação dos recursos genéticos domésticos e selvagens. Em 1992,

a Organização das Nações Unidas (ONU) promoveu a Conferência Internacional doRio de Janeiro, na qual se assinou o primeiro tratado sobre a conservação da biodiver-sidade do planeta. Portugal e a União Europeia foram dois dos signatários deste acor-do, que reconhece a importância da salvaguarda dos recursos genéticos domésticos.Algum tempo depois, a União Europeia lançou um programa de apoio à conservaçãodas raças e variedades locais. Com este programa, duas grandes linhas de acção fo-ram empreendidas. A primeira foi dirigida aos agricultores e suas organizações sociaiscom o fim de recensear e catalogar as raças e variedades locais. Dela faz parte oapoio à constituição de associações de criadores capazes de instituir e gerir os livrosgenealógicos das raças animais, bem como à criação de bancos de germoplasma paracatalogar e perpetuar as espécies e variedades locais de plantas domésticas. A segun-da lançou um programa de financiamento de projectos científicos que visam o estudo ecaracterização genética, através da utilização de marcadores moleculares, das raças evariedades domésticas locais.

No âmbito desta iniciativa internacional, cada país é responsável poreleger as espécies e variedades que devem ser inseridas em programasde conservação, fornecendo a FAO apoio logístico (no caso dos paísesmais pobres e subdesenvolvidos) e consultivo (no caso dos países emvias de desenvolvimento) na definição das estratégias de programação.O primeiro passo para a elaboração de um programa de conservaçãocomeça com a catalogação e realização de estimativas do número deindivíduos que constituem as variedades e raças existentes num país.Para cada raça, ou variedade, deve ser feita uma descrição fenotípicadetalhada, bem como elaborada a distribuição dos indivíduos que a cons-tituem definindo, sempre que possível, a respectiva região de origem.Deverão, também, ser anotados os principais usos de cada uma delas,bem como a caracterização dos sistemas agrícolas de origem e o impac-to cultural e ambiental que cada uma destas variedades tem no meio emque se insere. Deve-se, ainda, numa primeira fase, proceder à identifica-ção dos principais factores que contribuem para a erosão dos recursosgenéticos. A hibridação com outras raças ou variedades exóticas é umadas principais causas de declínio dos recursos genéticos nativos (ver des-taque neste capítulo).

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CAPÍTULO 8 | A CONSERVAÇÃO DOS RECURSOS GENÉTICOS

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A D E S P I S TA G E ME E L I M I N A Ç Ã O D O G E N ED O H A L O TA N O E M P O R C O S

A síndroma do stress porcino (PSS), vulgar-mente associada ao gene do halotano, ma-nifesta-se devido à sensibilidade que algunsindivíduos desenvolvem na presença deanestésicos voláteis (isto é, halotano). Estasíndroma é consequência de uma deficiên-cia no canal libertador de cálcio do retículosarcoplasmático das células muscularesque, por sua vez, resulta de uma mutaçãono gene que codifica o receptor da riadonina(RYR1). A deficiência provoca um aumentoanormal de iões Ca2+ no interior do sarco-plasma em virtude da perda de capacidadede controlo do fluxo destes iões, causandouma subida abrupta da temperatura, tremo-res musculares, taquicardia, e terminandona maior parte das vezes com a morte doindivíduo. A PSS está na origem de carca-ças com um pH baixo, isto é, carnes de baixaqualidade, pálidas, moles e exsudativas,vulgarmente designadas por carnes PSE.Nas décadas de 20 e 30 do século XX, sur-giram na Alemanha as primeiras descriçõesde casos de morte por hipertermia, seguidade fortes contracções musculares e para-gem cardíaca. Como a maioria dos casosdetectados envolvia animais da raça Pietran,esta passa a estar ligada à origem destasíndrome. Na década de 70, surge o primei-ro teste de despistagem desta síndroma ba-seado na exposição dos animais à presençado gás halotano. Este teste permitia identifi-car os indivíduos predispostos à PSS umavez que, na presença daquele gás, os ani-mais sensíveis entravam em hipertermia, con-tracção muscular e taquicardia seguida deparagem cardíaca. Mais tarde, durante adécada de 80, vários estudos mostraram quea sensibilidade ao halotano tem origem ge-nética, passando esta característica a serdesignada por gene do halotano devido àsrazões atrás invocadas. Só no início da dé-

cada de 90, um grupo de geneticistas japo-neses conseguiu isolar o gene e detectar,na sequência de DNA, a mutação respon-sável pela ocorrência da PSS. Actualmen-te, para identificar esta síndroma, é apenasnecessário colher uma amostra de materialbiológico do animal (sangue, pele, pelos),proceder a uma extracção de DNA e ampli-ficar por PCR um pequeno fragmento do DNAextraído contendo o local onde ocorre amutação. Após a reacção de PCR, a pre-sença ou ausência da mutação é feita atra-vés da utilização de uma enzima de restriçãoque tem a capacidade de reconhecer a se-quência mutante, cortando-a. No caso dogene RYR1, cada indivíduo é portador de doisgenes, um herdado do pai e outro herdadoda mãe. O gene normal, ou seja, aquele quenão sofreu mutação, é aqui designado porN(egativo), enquanto que o gene do halota-no, ou seja, aquele que contém a mutação,é designado por P(ositivo). Quando um indi-víduo tem os dois genes iguais, como porexemplo NN ou PP, diz-se homozigótico.Quando os dois genes são diferentes, isto éNP, o indivíduo diz-se heterozigótico. Nes-tas condições, e de acordo com a sua cons-tituição genética, um indivíduo é (1) halotanoresistente NN, (2) halotano sensível PP, e(3) halotano portador NP, em que o animal émenos susceptível do que os indivíduos PP.Nos últimos anos, esta metodologia tem sidoaplicada num programa de recuperação econservação da raça Bísara, existente noNorte de Portugal. Na verdade, durante mui-to tempo esta raça local foi cruzada comoutras raças exóticas que trouxeram o genedo halotano e colocaram em risco a sua con-servação. A aplicação de um teste RFLPpermitiu identificar todos os indivíduos por-tadores do gene não desejado e decidir pelasua não utilização como reprodutores.

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OS RECURSOS ANIMAISTerminado o processo de inventariação das populações de animais do-

mésticos, os principais agentes envolvidos no meio (agricultores, criadores)devem ser convidados e incentivados a participar no estabelecimento de umplano de recuperação (se for caso disso) e conservação de cada população.Assim, logo que uma determinada população se inclua num determinado pa-drão biométrico e morfológico, todos os indivíduos incluídos no levantamentoque se insiram nesse padrão devem passar a estar registados num livro zoo-técnico como fundadores.

De acordo com o tamanho efectivo (número de animais adultos reprodu-tores) de cada uma das populações, estas passam a estar classificadas quan-to ao seu risco de extinção. A FAO propôs a categorização do risco de extinçãoem seis escalões, que se descrevem seguidamente.

Extinta – quando não resta nenhum reprodutor (feminino ou masculi-no), nem existem armazenados in-vitro células reprodutivas (óvulos eespermatozóides) ou embriões.

Em estado crítico – quando existem menos de cinco machos ou o nú-mero total de indivíduos não excede os 100.

Criticamente estável – quando, ainda em estado crítico, passa a ter umplano de conservação em execução.

Em risco – todas as raças com menos de 1000 fêmeas reprodutoras,ou menos de 20 machos reprodutores, ou ainda se o total do efectivofor próximo de 1000 mas o número de fêmeas constituir mais de 80%desse efectivo.

Em risco mas estável – quando, ainda em risco, passa a estar protegi-da por um plano de conservação

Não ameaçada – todas as raças cujo efectivo de fêmeas reprodutorasseja superior a 1000 e o de machos superior a 20.

As estratégias de conservação passam, então, a ser definidas conforme orisco de extinção atribuído e a diversidade genética dessa raça. As estratégi-as de conservação in vivo classificam-se em dois grupos e designam-se pormétodos in-situ e métodos ex-situ. No primeiro caso, os animais não sãoretirados do seu meio e organizam-se registos de dados de produção paraestabelecer programas de melhoramento genético e incentivos à criação desistemas de produção sustentada através da atribuição de mais-valias aoscriadores. No segundo caso, a conservação é feita fora do habitat e sistemade produção de origem da raça e pode incluir a criação de animais, ou recor-

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CAPÍTULO 8 | A CONSERVAÇÃO DOS RECURSOS GENÉTICOS

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rer à biotecnologia, especialmente no que se refere à criopreservação degâmetas (sémen e óvulos) e/ou embriões. Na maior parte dos países em viasde desenvolvimento, a escolha da estratégia de conservação é muitas vezesaplicada apenas in-situ, não existindo qualquer meio de preservação ex-situ.No entanto, a melhor forma de assegurar efectivamente a realização de umprograma de conservação, em particular para as populações em risco deextinção, passa pela combinação de ambas as estratégias.

A aplicação de marcadores moleculares na determinação dos níveis devariabilidade genética e de endogamia (ver Capítulo 5) em raças locais cons-titui mais uma das técnicas de biologia molecular que se mostrou uma ferra-menta útil no delineamento dos programas de conservação, e especialmentena escolha dos indivíduos reprodutores. A FAO, em colaboração com outrasorganizações científicas, recomenda a utilização de uma bateria de microssa-télites para estudos deste tipo. O número e a localização destes microssatéli-tes varia consoante a espécie em questão, mas a sua aplicação é actualmentebastante simples e de custos moderados.

OS RECURSOS VEGETAISNas plantas, o estabelecimento de programas de conservação é, de uma

forma geral, mais complexo. Na verdade, as plantas podem propagar-se porforma vegetativa ou sexual, sendo mesmo capazes de utilizar os dois proces-sos. Como o tamanho efectivo das suas populações é extraordinariamentemaior do que nos animais, este não pode ser um factor de classificação deuma população em relação ao seu nível de risco. Por outro lado, a inventari-ação das espécies é, também, mais difícil uma vez que requerem por partedos especialistas muito mais conhecimentos de sistemática e de taxonomiado que no caso dos animais. Porém, a sua conservação é mais fácil de reali-zar já que encontra suporte em métodos bem estabelecidos de cultura detecidos vegetais. Tal como nos animais, o primeiro passo para o estabeleci-mento de um programa de conservação dos recursos vegetais passa pelainventariação e recolha de material biológico (por exemplo, sementes e/oufrutos). Este passo deve ser apoiado, simultaneamente, por bancos de ger-moplasma capazes de recolher, identificar e catalogar as variedades vegetaisde um país ou região. Os bancos de germoplasma devem recolher todos osrecursos genéticos vegetais, independentemente de estes se propagarem deforma reprodutiva ou vegetativa. Por esta razão, devem ser recolhidas e es-tudadas todas variedades cultivadas actualmente ou que venham a ser de-

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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senvolvidas, aquelas que já deixaram de ser cultivadas (obsoletas), as autóc-tones, as espécies e variedades selvagens muito próximas das domésticas, eainda as variedades mutantes. Embora a conservação ex-situ seja uma téc-nica bastante utilizada na conservação dos recursos vegetais, a conservaçãoin-situ deve ser fomentada tal e qual como para os recursos animais.

Finalmente, refira-se que no estado actual do conhecimento, a disponibi-lidade de marcadores moleculares para o estudo da diversidade genéticadas plantas domésticas é muito mais reduzida do que nos animais. Isto deve-se, sobretudo, à complexidade dos genomas de muitas plantas e à grandediversidade de géneros e espécies domesticadas que, por estarem, em ge-ral, filogeneticamente muito afastados, não permitem a fácil transposiçãode marcadores moleculares de umas espécies para outras. Por estas ra-zões, o principal impacto resultante da aplicação de marcadores molecula-res na caracterização, utilização e conservação dos recursos genéticosvegetais está, ainda, por acontecer.

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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• Sanchez-Belda A. (1984). Razas bovinas españolas, Ministério de Agricultura, Madrid.

• Santos E. & Bettencourt E. (2002). Manual de apoio à formação e treino emConservação ex situ de Recursos Fitogenéticos, Instituto Internacional dos Re-cursos Fitogenéticos (IPIGRI), Nairobi, Quénia, e Instituto Nacional de Investiga-ção Agrária (INIA), Lisboa. Disponível em formato pdf via Internet: http://www.ipgri.cgiar.org/Themes/exsitu/RecursosFitogeneticos/PDF/Prelims.pdf

• Serra J. L. (1979). Anatomia, fisiologia e exterior dos animais domésticos. Colec-ção Agros, Livraria Popular de Francisco Franco. Lisboa.

• Yenes-Garcia J. E. (2000) Catálogo de raças autóctones de Castela e Leão (Es-panha) – Região Norte de Portugal. I. Espécies bovina e equina. Fundação ReiAfonso Henriques, Zamora-Matosinhos.

P o r t a i s d a I n t e r n e t

• Agroportal: notícias e artigos de opinião sobre a agricultura em Portugal http://www.agroportal.pt

• Conferência Internacional sobre a Biodiversidade, Ciência e Governação, UNES-CO 24 a 26 Janeiro 2005, Paris http://www.recherche.gouv.fr/biodiv2005paris/en/index.htm

• Domestic Animal Diversity Information System (DAD-IS) Portal de Internet da FAOcom informação sobre os recursos genéticos animais de todo o mundo http://dad.fao.org/en/Home.htm

• FAO statistics database website: Portal onde se podem pesquisar todos osdados estatísticos sobre a agricultura, alimentação e produção animal em todoo mundo, http://faostat.fao.org

• Portal Internet da FAO com informação sobre as políticas de saúde e produçãoanimal de todo o mundo http://www.fao.org/waicent/faoinfo/agricult/aga/AGADA_en.asp 85

• Portal Internet da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).Podem pesquisar-se todas as informações sobre espécies animais e vegetaisameaçadas e sob protecção. Disponibiliza os critérios utilizados para a conserva-ção e classificação das espécies animais e vegetais. http://www. iucn.org/

• Portal Internet do Ministério da Agricultura e Pescas, http://www.min-agricultura.pt/

P r o g r a m a s d e C o m p u t a d o r

Os seguintes programas são grátis e comummente utilizados para calcularalguns parâmetros utilizados em genética de populações, que permitem avali-

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REFERÊNCIAS

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ar a diversidade genética de populações, raças ou espécies a partir de fre-quências alélicas ou sequências de DNA.

• ARLEQUIN – Analisa frequências alélicas e sequências de DNA. Concebido porSchneider e Excoffier. Inglês. http://lgb.unige.ch/arlequin/

• MEGA – Analisa sequências de DNA. Concebido por Kumar, Tamura e Nei. Inglêshttp://www.megasoftware.net/

• GENETIX – Analisa frequências alélicas. Concebido por Belkhir, Borsa, Chikhi,Raufaste e Bonhomme. Francês. http://www.univ-montp2.fr/~genetix/genetix/genetix.htm

• GENEPOP – Analisa frequências alélicas. Disponível em duas versões, onlinehttp://wbiomed.curtin.edu.au/genepop/, e DOS. Concebido por Raymond e Rous-set. Inglês.

• CERVUS – Calcula as relações de parentesco através da utilização de perfisgenotípicos. Concebido por Slate, Marshall e Pemberton http://helios.bto.ed.ac.uk/evolgen/cervus/cervus.html

• Programas on-line para aprendizagem interactiva dos conceitos de genética depopulações a partir de cenários criados pelo utilizador: Population Biology Simu-lations – Inglês, http://darwin.eeb.uconn.edu/simulations/simulations.html

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AAFLP • Marcadores moleculares do tipo poli-

morfismo de tamanho dos fragmentosamplificados. Correspondem a polimorfis-mos anónimos detectados através de umacombinação de enzimas de restrição, adap-tadores e primers adequados. Normalmen-te, associados a um modo de transmissãocom dominância/recessividade.

Alelo • Formas alternativas que podem ocu-par um locus.

Aloenzimas • Conjunto de loci enzimáticos po-limórficos, isto é, que exibem dois ou maisalelos comuns.

Aminoámidos • Os constituintes das proteínas.Existe 20 aminoácidos diferentes que entramna sua formação através do estabeleci-mento de ligações peptídicas. Uma proteínade tamanho médio tem cerca de 300-400aminoácidos ligados em sequência.

Árvore filogenética • Representação gráficaobtida através da análise de um conjuntode sequências de DNA, correspondente aum processo de sucessivas bifurcações.

Biblioteca genómica • Conjunto de informa-ção correspondente ao genoma de umaespécie digerida através de enzimas derestrição, e que pode ser explorada paraidentificar um gene ou obter uma bateriade microssatélites.

Bioinformática • Disciplina que resulta do cru-zamento entre a biologia e a informática ecujo principal objecto de estudo é a análi-se de sequências de DNA e de proteínascontidas em grandes bases de dados.

Biotecnologia • Disciplina que investiga asaplicações tecnológicas resultantes dodesenvolvimento da biologia.

Calibração molecular • Obtenção de uma taxade divergência molecular para uma deter-minada sequência de DNA através da uti-lização de um ponto bem definido doregisto fóssil.

Característica complexa • Característica cujomodo de transmissão não é mendelianoe na qual estão envolvidos factores gené-ticos e ambientais.

Células germinais • Células que estão impli-cadas na passagem da informação gené-tica ao longo das gerações.

Células somáticas • Todo o tipo de célulasque constitui um organismo, com exclu-são das células germinais.

Clonagem • No sentido molecular, representaa inserção de fragmentos de DNA – emgeral obtidos por PCR – num vector, a quese segue a sua sequenciação. É um pro-cesso utilizado na identificação e selecçãode microssatélites, ou na determinaçãoinambígua de haplótipos em genes nu-cleares. No sentido reprodutivo, refere-se àobtenção de um indivíduo que é uma cópiaidêntica de outro a partir de material gené-tico de uma célula somática.

Cloroplasto • É um organelo celular que exis-te no citoplasma das células vegetais.Possui um pequeno genoma próprio.

Codão • Uma série de três bases na moléculade DNA (e de RNA mensageiro) a que vaicorresponder um aminoácido específico.

Código genético • Código de três letras, for-mado a partir das quatro bases que en-tram na constituição do DNA, que permitea tradução da informação transportada peloRNA mensageiro numa sequência deaminoácidos que formam as proteínas.

Consanguinidade • Reprodução entre indiví-duos geneticamente aparentados.

Cromossoma • Conjunto de DNA e proteínasque se localiza no núcleo celular e cujonúmero é típico de cada espécie.

B

C

G L O S S Á R I O

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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Cromossoma Y • Pequeno cromossoma queexiste apenas nos machos dos mamífe-ros e tem um modo de transmissão exclu-sivamente paterno.

Deriva genética • Flutuação aleatória das fre-quências alélicas ao longo das geraçõesdevido ao número finito de indivíduosnuma população.

Desenvolvimento sustentável • Possibilidadede conciliar o desenvolvimento e bem-es-tar das sociedades humanas com um con-sumo adequado dos recursos naturais.

Desnaturação • Processo de separação dascadeias de DNA, ou das proteínas, atra-vés de métodos físicos ou químicos. Aamplificação do DNA por PCR envolve,num dos passos do seu ciclo, a desna-turação do DNA através da temperatura.

Determinação molecular do sexo • Utilizaçãode marcadores moleculares amplificáveispor PCR a fim de determinar o sexo emmamíferos e aves.

Distância genética • Corresponde a uma medi-da do grau de parentesco entre duas ou maispopulações, raças ou espécies, ou aindaentre duas ou mais moléculas de DNA.

DNA • Ácido desoxiribonucleico, uma macro-molécula de cadeia dupla e anti-parale-la constituída por bases azotadas, umaçúcar e fósforo, que contém a informa-ção genética.

Encefalopatia espongiforme bovina • Doençamuito contagiosa que afecta o gado bovinoe é causada por uma variante modificadade uma proteína designada por prião.

Electroforese • Técnica de separação de ma-cromoléculas – proteínas, DNA – que en-volve a aplicação de um campo eléctrico eutiliza como matriz de separação um gel(amido, agarose ou poliacrilamida).

Enzimas de restrição • Enzimas isoladas a par-tir de bactérias que cortam o DNA em se-quências específicas, normalmente com umtamanho compreendido entre 4-6 bases.

Equilíbrio de Hardy-Weinberg • Situação emque as frequências genotípicas observa-das e esperadas através da associaçãoaleatória dos alelos numa população nãoé significativamente diferente.

Fenótipo • Característica observável de um or-ganismo, que resulta da interacção entreo genótipo e o ambiente.

Filogenia • O conjunto de relações de ances-tralidade e descendência que unem umdeterminado conjunto de unidades taxo-nómicas (espécies, géneros, famílias) eque é representado através de uma árvo-re filogenética.

Filogeografia • Análise da associação entreas linhagens e a geografia.

Fluxo génico • Quantidade de transferênciade genes entre populações.

Focagem isoeléctrica • Técnica de separa-ção de proteínas através da aplicação deum campo eléctrico a um gradiente de pH.As proteínas são separadas de acordocom o seu pI (ponto isoeléctrico).

Frequência alélica • Frequência de um alelonuma população.

FST • Medida de subdivisão populacional quereflecte quanto da diversidade genética deuma raça ou espécie se deve a diferençasentre populações.

Gene • Região da molécula de DNA que deter-mina uma proteína.

Genética quantitativa • Ramo da genética quese dedica ao estudo das característicascomplexas, determinadas por QTL.

D

E

F

G

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GLOSSÁRIO

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Genoma • O conjunto de informação contidana molécula de DNA, que se organiza emcromossomas, no núcleo da célula. In-clui, ainda, os pequenos genomas queocorrem nas mitocôndrias e nos cloro-plastos.

Genómica • Disciplina que investiga a organi-zação e evolução dos genomas.

Genótipo • Combinação de dois alelos numlocus.

Heterozigotia • Medida da diversidade gené-tica de um locus ou de uma população.Pode ser determinada pela contagem deindivíduos heterozigóticos na população(Ho, heterozigotia observada) ou através dautilização das frequências alélicas (He, he-terozigotia esperada).

Heterozigótico • Ocorrência de dois alelosdistintos num locus.

Hibridação • Cruzamento entre indivíduos cla-ramente identificáveis como provenientesde populações, raças ou espécies dife-rentes.

Histoquímica • Conjunto de técnicas de colo-ração que são aplicadas na separaçãoelectroforética de proteínas a fim de de-tectar a sua posição no gel.

Homólogo • Característica fenotípica ou ge-notípica que é possível descrever em pelomenos duas espécies distintas e que par-tilharam um ancestral comum, do qualdescendem.

Homozigótico • Ocorrência de dois alelos idên-ticos num locus.

Inseminação artificial • Colocação de sémenno tracto reprodutivo das fêmeas com ointuito de as fecundar.

Linhagens mitocondriais • Sequência parcialou total do DNA mitocondrial que se trans-mite através das fêmeas ao longo das ge-rações sem ocorrência de recombinação.

Locus • Qualquer região da molécula de DNAque pode ser ocupada por uma ou váriasformas alternativas de um determinadoestado (diferentes nucleótidos ou diferen-tes tamanhos de motivos repetidos, porexemplo).

Mapa genético • A sequência ordenada de umconjunto de marcadores genéticos deter-minada através do estudo da quantidadede recombinação entre eles. A sua asso-ciação aos diferentes cromossomas deuma espécie permitiu, depois, a constru-ção de mapas físicos.

Marcadores moleculares • Correspondem,normalmente, a regiões polimórficas damolécula de DNA que permitem o agrupa-mento dos indivíduos em classes discre-tas, representando a variação de um locus.Incluem, também, os grupos sanguíneose as aloenzimas, e são especialmenteúteis na definição de mapas genéticos, emestudos de diversidade, ou em investiga-ção de filiação biológica.

Meiose • Processo de divisão celular que cul-mina na produção de gâmetas haplóides.

Microssatélites • Marcadores molecularestambém conhecidos por STR, e que re-sultam da variação do número de peque-nos motivos (1 a 6 bases) repetidosmúltiplas vezes – por exemplo, (CA)n.

Migração • Deslocação de indivíduos entrepopulações, onde se incorporam e repro-duzem.

Miscigenação • Formação de uma populaçãoa partir da mistura de duas ou mais popu-lações parentais.

H

I

L

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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Mitocôndria • É um organelo celular que exis-te no citoplasma, e que desempenha umpapel primordial na geração de energia.Possui um pequeno genoma circular pró-prio que é, normalmente, transmitido porvia materna.

Mutação • Uma alteração na molécula de DNA,que pode ser muito simples (uma basesubstituída por outra) ou muito complexa(inserções ou delecções de milhares debases, ou mesmo afectando um cromos-soma inteiro).

Neolítico • Início da sedentarização da espé-cie humana, acompanhada pelo apareci-mento de novos instrumentos de pedra eda cerâmica, bem como da domesticaçãode plantas e de animais.

Núcleo • Região isolada por uma membranano citoplasma da célula que contém oscromossomas.

Nucleótidos • São os elementos que entramna formação das sequências de DNA e deRNA. Cada nucleótido é constituído poruma base (A, C, T – U, no caso do RNA - ouG), um açúcar e um grupo fosfato.

Organismos transgénicos • Organismos cu-jos genomas foram alterados através dainserção de um ou mais genes de dife-rente proveniência.

PCR • Reacção em cadeia da polimerase, queconsiste na amplificação, em tubo de en-saio, de uma sequência de DNA atravésde utilização de um par de primers, umapolimerase de DNA termostável e um pro-tocolo experimental adequado que envol-

ve ciclos de desnaturação, ligação e ex-tensão.

Perfil genético • Conjunto de genótipos obtidopara um número adequado de marcado-res moleculares – em geral microssatéli-tes – que permite caracterizar a identidadede um indivíduo.

Polimerase do DNA • Enzima capaz de sinteti-zar uma cadeia de DNA adicionando nu-cleótidos a outra, complementar, que lheserve de molde. As polimerases de DNAutilizadas nas reacções de amplificaçãopor PCR são termoestáveis, isto é, nãodesnaturam quando expostas a elevadastemperaturas.

Polimorfismo genético • Existência, num mar-cador molecular, de duas ou mais formasdistintas em frequências superiores a 1%na população.

Ponto isoeléctrico • Propriedade físico-quí-mica característica de cada proteína, e quecorresponde ao ponto em que o balançode cargas positivas e negativas é zero.

Primers • Ou iniciadores, são pequenas se-quências de DNA de cadeia simples (tipi-camente entre 20-24 bases), sintetizadosquimicamente no laboratório, que sãocomplementares e flanqueiam a reião doDNA que se pretende amplificar por PCR.

QTL • Locus polimórfico que determina umacaracterística complexa e na qual pode servisível a influência de vários genes, bemcomo do meio ambiente.

RAPD • Marcadores moleculares do tipo poli-morfismos de DNA amplificados aleatori-amente. Correspondem a polimorfismosanónimos detectados através da utilizaçãosimples de pequenos primers (8-10 ba-ses de comprimento). O seu modo de

N

O

P

Q

R

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GLOSSÁRIO

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transmissão (dominância/recessividade)associado à sua baixa reprodutibilidadelevou, praticamente, ao seu abandono.

Rastreabilidade • Possibilidade de seguir ocircuito percorrido por uma determinadaamostra de material biológico e assegu-rar a sua identificação através de méto-dos moleculares.

Recombinação • Troca de material genéticoentre um par de cromossomas, que ocor-re na meiose.

Recursos genéticos • Conjunto de popula-ções, raças e variedades locais de plan-tas e animais domesticados pelo Homem.

Região codificante • Região da molécula deDNA que significa alguma coisa, ou seja,que é transcrita em RNA-mensageiro e,muitas vezes, traduzida numa sequênciade aminoácidos (proteína).

Região não codificante • Região da moléculade DNA que não é transcrita nem traduzi-da, frequentemente associada a materialrepetitivo.

Replicação • A cópia de uma molécula de DNAde cadeia dupla que resulta em duas có-pias-filhas.

Revolução Industrial • Período histórico inici-ado em Inglaterra, no século XIX, que ficoucaracterizado pela industrialização dassociedades humanas e, consequente-mente, pelo êxodo populacional do cam-po para a cidade.

RFLP • Marcadores moleculares do tipo poli-morfismo de tamanho dos fragmentos derestrição. Correspondem a polimorfismosdeterminados por alterações nas sequên-cias reconhecidas pelas enzimas de res-trição, ou então por diferenças de tamanhona sequência de DNA situada entre doislocais de corte.

Selecção assistida por marcadores • Utili-zação de marcadores moleculares comoauxiliares dos processos de selecção ar-tificial.

Selecção natural • Processo de modificaçãodas características dos organismos cau-sado pela reprodução diferencial dos vári-os genótipos que ocorrem numapopulação em virtude dos seus diferentesgraus de aptidão biológica.

Sequenciação • Determinação da sequênciade nucleótidos que compõe uma determi-nada região da molécula de DNA, e quehoje se faz através da utilização de sequen-ciadores automáticos. Também pode de-signar a determinação da sequência deaminoácidos que entra na constituição deuma proteína.

Subestruturação populacional • Descrição deuma população através de duas ou maissubunidades nas quais o cruzamento dosindivíduos ocorre de forma aleatória.

Teoria Mendeliana da Hereditariedade • Teo-ria desenvolvida por Gregor Mendel paraexplicar os padrões de transmissão dascaracterísticas de determinismo genéti-co simples nos organismos.

Transferência genética horizontal • Transfe-rência de material genético entre espéciesdiferentes, normalmente microorganis-mos, na mesma geração.

S

T

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Í N D I C E

INTRODUÇÃO ................................................... 5

CAPÍTULO 1

A BIOLOGIA DA DOMESTICAÇÃO .............. 7

A DOMESTICAÇÃO DAS PRIMEIRASPLANTAS ............................................................ 8

A DOMESTICAÇÃO DOS PRIMEIROSANIMAIS ............................................................ 9

A EXPANSÃO AGRÍCOLA NA EUROPA ...... 10

O PROCESSO DE DIFERENCIAÇÃODAS RAÇAS ...................................................... 11

CAPÍTULO 2

OS RECURSOS GENÉTICOS E ODESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ...... 15

UMA BREVE INTRODUÇÃOHISTÓRICA ....................................................... 16

OS RECURSOS GENÉTICOS E ODESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ........ 18

CAPÍTULO 3

MÉTODOS MOLECULARES NA ANÁLISEDA DIVERSIDADE BIOLÓGICA ................... 23

OS GRUPOS SANGUÍNEOS E ASALOENZIMAS ................................................. 24

A DESCOBERTA DA REACÇÃOEM CADEIA DA POLIMERASE ..................... 27

OS POLIMORFISMOS DE TAMANHODOS FRAGMENTOS DE RESTRIÇÃO ......... 29

OS POLIMORFISMOS DE TAMANHODOS FRAGMENTOS AMPLIFICADOS ........ 31

OS MICROSSATÉLITES .................................. 33

A SEQUENCIAÇÃO E OSPOLIMORFISMOS NUCLEOTÍDICOSSIMPLES ............................................................ 35

CAPÍTULO 4

BREVES NOÇÕES DE GENÉTICAPOPULACIONAL ............................................. 37

POLIMORFISMO, FREQUÊNCIAS ALÉLICASE FREQUÊNCIAS GENOTÍPICAS ................. 38

O EQUILÍBRIO DE HARDY-WEINBERG ..... 40

OS FACTORES QUE DETERMINAM AMUDANÇA EVOLUTIVA ................................ 42

A MUTAÇÃO ............................................. 42A RECOMBINAÇÃO ................................. 43A DERIVA GENÉTICA ............................... 43A SELECÇÃO .............................................. 44

CARACTERÍSTICAS MONO EMULTIFACTORIAIS ....................................... 46

CAPÍTULO 5

A INTERPRETAÇÃO DOS PADRÕES DEDIVERSIDADE GENÉTICA ............................ 47

A VARIABILIDADE GENÉTICA .................... 48

AS DISTÂNCIAS GENÉTICAS ....................... 50

FILOGENIA E FILOGEOGRAFIA .................. 52

SELECÇÃO E ADAPTAÇÃO .......................... 56

CAPÍTULO 6

IDENTIFICAÇÃO E PARENTESCO ............. 61

IDENTIFICAÇÃO INDIVIDUAL ERASTREABILIDADE ....................................... 62

ANÁLISE DA FILIAÇÃO BIOLÓGICA ......... 64

IDENTIFICAÇÃO DA POPULAÇÃO OURAÇA DE ORIGEM ......................................... 66

CAPÍTULO 7

AS TRANSFORMAÇÕESBIOTECNOLÓGICAS .................................... 69

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GENÉTICA, BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA

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A INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL ..................... 70

A SELECÇÃO ASSISTIDA PORMARCADORES ................................................ 71

OS ANIMAIS E PLANTASTRANSGÉNICOS ............................................. 73

A CLONAGEM ................................................. 76

CAPÍTULO 8A CONSERVAÇÃO DOS RECURSOSGENÉTICOS .................................................... 77

OS RECURSOS ANIMAIS ............................... 80

OS RECURSOS VEGETAIS .............................. 81

Referências ...................................................... 83Glossário .......................................................... 89