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Gêneros diversos numa sequência didática: a poesia e o oral em Ponciá Vicêncio

(2006) e nas canções de rap

Maria Carolina de Godoy1

Selma Regina Bonugli2

RESUMO

Este Projeto de Intervenção na Escola teve como objetivo conscientizar os alunos sobre denúncias

pertinentes nas obras literárias. O romance Ponciá Vicêncio (2006) de Conceição Evaristo é constituído tanto de uma linguagem oral e poética quanto de ideologias acerca da cultura afro-brasileira e de questões

sociais da realidade da periferia do Brasil. Temas como a violência, o preconceito e o racismo são

discutidos em sala de aula através das canções de rap dos Racionais MC’s e Criolo. Diversos gêneros

discursivos dinâmicos desenvolvem a aprendizagem. A metodologia aplicada foi baseada no artigo de

Joaquim Dolz; Michèle Noverraz e Bernard Schneuwly: Sequência Didática para o oral e a escrita:

Apresentação de um Procedimento que traz uma proposta para o ensino da língua materna oral e escrita

em instituições públicas ou não.

Palavras Chave: Poesia; Rap; Gêneros discursivos.

ABSTRACT This Project of Intervention in the school had as objective wake the students above denunciations pertint

in the literary work. The romance Ponciá Vicêncio (2006) of Conceição Evaristo is corporate so much of

the a oral language and poetical as of the ideology about the afrobrazilian culture and social questions of

the reality of the periphery of Brazil. Subject as the violence, the discrimination and the racism are

discussed in the classroom through the songs of rap from Racionais MC’s and Criolo. Diverse dynamic

discursive kind develop the learning. The methodology applied it was basedin the artcleof Joaquim Dolz;

Michèle Noverraz e Bernard Schneuwly: Sequence Didactics for oral and the writing: Presentation of the a method who bring a proposal for the teaching of language oral and writing in the institutionpublic or no.

INTRODUÇÃO

Percebendo a pouca motivação de nossos alunos, tanto para estudar e

também para participarem de atividades sociais e esportivas na comunidade escolar,

considerou-se muito adequado elaborar um projeto com alguns afrontamentos diante de

temas fortes que permeiam a realidade brasileira, que por sua vez fazem parte do

cotidiano de nossos alunos. O projeto de Intervenção na Escola constituiu-se de

condensada coleta de materiais didáticos e estratégias a fim de abordar com mais ênfase

o conteúdo proposto no Plano Curricular Nacional a partir de temas de interesse comum

aos jovens do ensino médio tais como a violência, o racismo, a exclusão social e o

preconceito. Por estarem muito expostos à violência que permeia a comunidade escolar,

os alunos sofrem grande influência desse meio que resultam em sérias dificuldades de

convivência social e de aprendizagem, tanto dentro quanto fora das salas de aula. O

1 Doutora Maria Carolina de Godoy, professora orientadora do PDE, é professora adjunta do

departamento de Letras da Universidade Estadual de Londrina. 2 Professora PDE 2012- Especialização em Literatura pela Universidade Estadual de Londrina. Leciona

Língua Portuguesa no Colégio Ivanilde de Noronha Ensino Fundamental e Médio na cidade de

Arapongas- Pr.

projeto visou abranger esses temas de maneira didática e sequencial com leituras,

debates e reflexões que culminaram com produções textuais de diversos gêneros.

Como forma de abordar os problemas relacionados ao contexto desses

alunos e ao mesmo tempo trazê-los para o texto literário que debate ou apresenta

questões relacionadas à vivência de cada um, esse projeto visou trabalhar a leitura de

outras maneiras. Muito pertinente para essa faixa etária que vem ao encontro das

expectativas desses adolescentes seria a leitura de narrativas com características

poéticas de oralidade que se encontra na obra Ponciá Vicêncio (2006) de Conceição

Evaristo3, autora contemporânea que mesmo não fazendo parte do cânone é reconhecida

por suas obras entre críticas literárias e no mundo acadêmico, ligadas aos estudos

culturais, onde dialoga com os hibridismos que se deslocaram de culturas africanas,

europeias e da região do nordeste brasileiro. Comparamos e analisamos os discursos da

narradora a fim de identificar características semelhantes da protagonista com a vida de

muitas mulheres inseridas na realidade brasileira com os mesmos problemas e costumes

presentes no universo feminino da obra e que mantêm com as mesmas simbologias e as

performances tanto nas danças que marcam a cultura, a religiosidade e os costumes de

uma coletividade oprimida, massacrada e odiada por seus senhores, quanto na

linguagem das personagens.

Ao lado do texto narrativo, foram debatidas com o grupo, canções de rap,

especialmente as canções de manifestação social com o intuito de propiciar-lhes outras

leituras de mundo, mais prazerosas e mais próximas da realidade de cada um.

Para tanto, o grupo de rap escolhido foi Os Racionais MC’s4, com suas

canções fortes e impactantes, pois abordam temas profundos acerca do preconceito e do

racismo e denuncia em suas composições a realidade do cotidiano de milhões de jovens

pobres e negros que sofrem com a discriminação em nosso país. O principal objetivo,

não foi fazer uma revolução, mas levar os alunos a refletirem sobre certas verdades

refletidas nas letras das canções. O artigo Oralidade, poesia e performance em canções

de rap como manifestação coletiva escrito por mim foi usado para esclarecer a estética

poética e a função do rap no Brasil.

3 Conceição Evaristo, autora negra que escreve sobre as alegrias e sofrimentos da cultura

afrodescendente. 4 Racionais MC’s é um grupo de rap que denuncia em suas canções as mazelas do crime e a realidade dos

moradores das favelas de São Paulo.

Para que os alunos percebessem as diversidades de estilo nas canções, esse

rap foi contraposto com outras canções, de outro rapper, o Criolo5 com a canção Cálice

e Não Existe Amor em SP, diferentes tanto no estilo quanto na melodia das canções dos

Racionais MC’s, porém com temática semelhante e a conscientização, a luta pelos

direitos do cidadão.

Buscou-se nesse projeto, associar as diversidades textuais com leituras,

interpretações, análises de alguns textos audiovisuais e escritos. Com leituras de

fundamentação teórica que trazem à luz da ciência, concepções de linguagem oral,

performance e metodologias didáticas o trabalho estruturou-se com algumas

concepções de estudiosos como do teórico Paul Zumthor6 que nos esclarece o poder da

voz como instrumento de denúncia e de Ruth Finnegan7 que em seu texto O que vem

primeiro: o texto, a música ou a performance nos levanta muitas indagações do que é

e do que não é um texto poético. O estudo traz Michael Bakhtin com questões que

norteiam a importância das práticas de linguagem na comunicação. Outra leitura que

deu suporte, organizou, estruturou e esquematizou todo o corpo do projeto foi a obra de

Joaquim Dolz; Michèle Noverraz e Bernard Schneuwly Sequência Didática para o oral

e a escrita: Apresentação de um Procedimento que traz uma proposta para o ensino da

língua materna oral e escrita em instituições públicas ou não. O procedimento consiste

em uma sequência didática para se trabalhar em sala de aula.

Muitas leituras foram realizadas dando aos alunos um considerável suporte

para a produção de textos cujo objetivo principal foi capacitá-los tanto na estrutura de

textos quanto na análise crítica da realidade brasileira. Os resultados foram positivos,

porém muitas expectativas não foram alcançadas.

5 Criolo é um rapper que usa sua canção para conscientizar “dividir”, como ele diz com jovens da

periferia de São Paulo valores de paz e amor. Faz uma espécie de paródia melódica em suas canções,

com estilos diversos como samba, bolero, MPB. 6 Paul Zomthor nascido na Suíça, ( 5 de agosto 1915 – 11 de janeiro de 1995), foi um historiador, medievalista

literária linguística.Estudou em Paris com Gustave Cohen e trabalhou etimologia com Walther Von Wartburg. Ao

estudar a poesia medieval francesa, ele formulou o conceito de mouvance (variabilidade). Ele também enfatizou

“vacalidade” em poesia medieval, o lugar da voz humana. ZUMTHOR, Paul. Escritura e nomalismo. Trad. Jerusa P.

Ferreira e Sônia Queiroz. São Paulo: Ateliê, 2005.

7 Ruth Finnegan nascida na Irlanda do Norte, em 1933. Estudou os clássicos em Oxford, seguido pela

antropologia social. Fez trabalho de campo e de ensino universitário na África. Em 1969, entrou para a

Universidade Aberta onde é Professora Emérita. Seus livros incluem Literatura Oral na África (1970)

Poesia Oral (1977/1992), Alfabetização e Oralidade (1988), as tradições orais e as artes verbais (1992),

Tradições Orais, A Oral e mais além: fazer as coisas com palavras em África (2007).

Marcas poéticas e orais em Ponciá Vicêncio

Tendo como finalidade conhecer mais profundamente a obra Ponciá Vicêncio,

essa foi analisada em partes, explorando os elementos mais pertinentes da obra:

narradora e suas memórias. Levantamos indagações a respeito de como essa narração

foi construída. Irene Machado afirma “A tese do romance como gênero oral deriva da

concepção bakhtiniana de romance como representação do homem que fala e

consequentemente, como produção da imagem de uma linguagem através dos gêneros

discursivos e de sua tipologia na prosa.” (MACHADO, 1995, p.157)

Em Ponciá Vicêncio, nas memórias da mulher, atravessam outras vozes de

familiares sobre os maus tratos aos escravos: “Os engenhos de açúcar enriqueciam e

fortaleciam o senhor. Sangue e garapa podia ser um líquido só. Vô Vicêncio com a

mulher e os filhos viviam anos e anos nessa lida. (...) Três ou quatro dos seus, nascidos

do “ventre livre”, (...) tinham sido vendidos.” (EVARISTO, 2006, p.51) Vivia alheia

causando solidão ao marido que não mais conseguia trazê-la à realidade. “Ao ver a

mulher tão alheia, teve desejo de trazê-la ao mundo à força. Deu-lhe um violento soco

nas costas, gritando-lhe pelo nome. Ela lhe devolveu um olhar de ódio.” (EVARISTO,

2006, p. 20)

Por que os alunos de Ensino Médio concluem o curso apresentando muitas

dificuldades, em especial argumentativas na produção escrita e na interpretação de

textos? A grande maioria não se interessa pelos clássicos, as bibliotecas são pouco

visitadas e muitos dos alunos que emprestam um livro, quando solicitados pelo

professor, não o lê. Professores, equipe pedagógica que são os detentores do Sistema

Educacional, mesmo com os avanços da tecnologia, não estão dando conta de suprir as

necessidades do ensino.

Como a narrativa de Conceição Evaristo pode iluminar questões recorrentes

no cotidiano dos alunos? A leitura do romance Ponciá Vicêncio poderia torná-los mais

participativos e integrados na comunidade escolar com o objetivo de contribuir para

uma realidade mais justa?

Essas questões cruciais estão amplamente inseridas na cultura e visão de

mundo da população brasileira, pois qual seria o rosto do brasileiro senão essa

miscigenação de povos, costumes, línguas e valores diversos.

Filha de descendentes de escravo, a protagonista tem sua herança já

adquirida, como diziam os familiares. “Ela era bem pequena, menina de colo ainda, e

ouvira os parentes dizer que o avô havia deixado uma herança para ela.” (EVARISTO,

2006, p.58). A herança a qual a narradora se refere, trata-se de seus ancestrais. Sua

memória é o que lhe dá a consciência de sua identidade. Passava o dia todo, parada,

perdida em suas memórias, às vezes não conseguia ver nada além do que já vivera.

“Veio lhe a lembrança do ar desesperado da mãe na hora da partida. Sentiu um peso no

coração, uma tristeza funda, um mau presságio. Levantou-se aflita. Queria ir. Aonde?

Sentou-se. (...)” (EVARISTO, p. 41).

Condições nada favoráveis ao desenvolvimento do ser escritora e que foram

superadas mostram de que maneira ao assumir sua condição de mulher e negra a autora

procurou pela arte a representação não apenas de sua vivência pessoal, como também de

outros que vivem na mesma situação de deslocamento na sociedade. Tanto a obra

quanto a experiência da autora mostram aspectos de superação de aparentes limitações

impostas pelo meio em que os nossos alunos estão inseridos.

O Professor Eduardo de Assis Duarte8 (2012, p.1) da Universidade Federal

de Minas Gerais, em seu artigo Literatura e Afrodescendência publicado no Portal

literafro argumenta que “existe o apagamento deliberado dos vínculos autorais, e

mesmo, textuais com a etnicidade africana ou com os modos e condições de existência

dos afro-brasileiros, em função do processo de miscigenação branqueadora que perpassa

a trajetória desta população”. Ele também afirma que muitos criticam a nominação de

uma literatura afrodescendente, enfatizam que critérios étnicos ou identitários não

devem sobrepor ao critério da nacionalidade, pois a literatura é uma só e, afinal somos

todos brasileiros.

Em depoimentos a própria escritora nos revela que sua obra Ponciá Vicêncio

permaneceu em livrarias sem ao menos ser catalogada durante muito tempo.

A mulher negra, ela pode cantar, ela pode dançar, ela pode cozinhar, ela pode se prostituir, mas escrever, não, escrever é uma coisa… é um

exercício que a elite julga que só ela tem esse direito. (…) Então eu

gosto de dizer isso: escrever, o exercício da escrita, é um direito que

todo mundo tem. Como o exercício da leitura, como o exercício do prazer, como ter uma casa, como ter a comida (…). A literatura feita

pelas pessoas do povo, ela rompe com o lugar pré-determinado.

(EVARISTO, Conceição)

Em depoimentos, Conceição Evaristo nos fala das dificuldades econômicas

vividas por sua família: “Fui morar com eles para que a minha mãe tivesse uma boca a menos

para alimentar. Os dois passavam por menos necessidades, meu Tio Totó era pedreiro e minha

Tia Lia, lavadeira como minha mãe. A oportunidade que eu tive para estudar surgiu muito da

8 Doutor Professor Eduardo de Assis Duarte da Universidade Federal de Minas Gerais é coordenador do

Portal literafro que publica obras de escritores negros.

condição de vida, um pouco melhor, que eu desfrutava em casa dessa tia. (EVARISTO, 2012, p.

2 apud Literafro)

Em Ponciá Vicêncio 2006, nas memórias da mulher, atravessam outras vozes de

familiares sobre os maus tratos aos escravos: “Os engenhos de açúcar enriqueciam e

fortaleciam o senhor. Sangue e garapa podia ser um líquido só. Vô Vicêncio com a

mulher e os filhos viviam anos e anos nessa lida. (...) Três ou quatro dos seus, nascidos

do “ventre livre”, [...] tinham sido vendidos”. (EVARISTO, 2006, p. 51). Vivia alheia e

o marido não mais conseguia trazê-la à realidade. “Ao ver a mulher tão alheia, teve

desejo de trazê-la ao mundo à força. Deu-lhe um violento soco nas costas, gritando-lhe

pelo nome. Ela lhe devolveu um olhar de ódio.” (EVARISTO, 2006, p. 20).

O romance contém marcas orais e poéticas, por isso nesse trabalho busquei

fundamentá-las com a teoria do americano Paul Zumthor. “Bebia os detalhes

remendando cuidadosamente o tecido roto de um passado, como alguém que precisasse

recuperar a primeira veste para nunca mais se sentir desamparadamente nua.”

(EVARISTO, 2006, p. 63)

Entendemos por poesia esta pulsão do ser na linguagem, que aspira a

fazer brotar séries de palavras que escapam misteriosamente tanto ao

desgaste do tempo, como à dispersão no espaço: parece que existe no

fundo dessa pulsão uma nostalgia da voz viva. Toda palavra poética aspira a dizer-se, a ser ouvida, a passar por essas vias corporais que

são as mesmas pelas quais se absorvem – e eu volto a isso, porque é

uma analogia profunda – a alimentação, a bebida como meu pão e digo meu poema, e você escuta meu poema da mesma forma que

escuta ruídos da natureza. (ZUMTHOR, 2005, p. 69)

Quanto às canções, de que maneira a canção de rap com toda sua oralidade e

poesia poderia contribuir para uma conscientização dos alunos frente ao espaço que

ocupam na sociedade? O posicionamento dos MC’s seria norteador para uma busca

identitária?

Para Rutht Finnegan (2008, p.36) a emoção expressada por fãs é justificada

devido ao momento vivido por tantos jovens que se exprimem numa aglomeração de

pessoas com os mesmos sentimentos “a performance não é apenas um evento isolado,

uma explosão pontual de som e movimento, vivendo apenas ‘no presente’. Ela pode de

fato ser criada na mágica do momento experimental”, mas pode estar enraizada em algo

mais abstrato, imbuído de memórias, que vão além do momento imediato. Na canção

Negro Drama podemos constatar esse fenômeno. A letra revela problemas comuns que

aproximam multidões de moradores de periferias de São Paulo. Entre o sucesso e a

lama, Dinheiro,/ problemas,/Inveja, luxo, fama/Tenta ver e não vê nada,/ A não ser uma

estrela, /Longe meio ofuscada,/ Sente o Drama/ O preço, a cobrança,/ No amor, no ódio/

A insana vingança/” (RACIONAIS MC’s)

Canção de rap e Ponciá Vicêncio

A canção Diário de um Detento revela de maneira dura e poética o drama do

tráfico na vida de muitas famílias inseridas na marginalidade, humilhação e sofrimento

impostos a quem vive ou tem familiar cumprindo pena em um presídio. A realidade

crua e absoluta é transmitida pela voz do rapper, voz lírica do poema que se torna um

importante instrumento de denúncia e revolta contra o Sistema.

A voz é presença. A performance não pode ser outra coisa senão presente. Eu não posso escutar nada do passado. No entanto,

outros talvez o façam nesse momento nos lugares. Em espaços tão

longínquos que eu estou fora da capacidade de ouvir. Todas essas vozes só podem chegar ao meu conhecimento mediatizadas.

(ZUMTHOR.p.83)

Para mediar o entendimento desse processo utilizou-se como suporte para o

desenvolvimento das atividades, um artigo escrito por mim como requisito para

aprovação na Disciplina de Mestrado: Oralidade e Literatura, ministrada pelo Professor

Doutor Frederico Garcia Fernandes9, pela Universidade Estadual de Londrina. O artigo

Oralidade, poesia e performance em canções de rap como manifestação coletiva

apresenta a poética como manifestação e denúncia social nos movimentos do hip – hop

e nas canções da pós-modernidade, descrevendo em suas melodias a noção dicotômica

popular/ erudita. O estudo tem como prioridade analisar a canção Negro Drama dos

Racionais MC’s, cuja canção denuncia a pobreza como herança deixada aos negros.

Com a música, os rappers buscam conscientizar o mano e a mina, que sofrem as

mesmas injustiças do protagonista da canção, Negro Drama, onde se analisa nos versos

da canção a exploração e a falta de direitos:

Percebe-se a retomada histórica com a alegoria ao Senhor de Engenho

que representa a elite burguesa que oprime o trabalhador em nome do

capitalismo, como se fazia com os escravos, nos grandes engenhos de açúcar, no Nordeste brasileiro. O pronome Senhor é usado de maneira

pejorativa e enfoca a ideia de que a classe dominante é fraca, se

acovarda diante da presença do mano da favela, precisando de

segurança, com seus carros importados, blindados e da proteção da polícia. O burguês usa de jogo sujo para enriquecer. Negro Drama diz

que é leão, é rei, é povo que se constrói de carnaval a carnaval, precisa

de mais espaço e liberdade, por isso não se enquadra nas artimanhas e não se deixa capturar pelas armadilhas desses bacanas. (BONUGLI,

2012)

9 Frederico Augusto Garcia Fernandes é professor associado do Departamento de Letras da Universidade Estadual de

Londrina. Tem doutorado pela Universidade Paulista Júlio de Mesquita Filho e pós doutorado Block University – Canadá. Foi coordenador do GT de Literatura Oral e Popular da Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa

em Letras e Linguística – ANPOLL, (2004-2008)

Percebemos a mesma angústia na obra Ponciá Vicêncio de Conceição Evaristo.

O esquecimento, o abandono e todos os tipos de preconceitos vivenciados pelas

personagens nos remetem ao passado e ao presente das favelas das grandes capitais

brasileiras, onde vivem sem infraestruturas pessoas que levantam muito cedo

enfrentando um dia duro de trabalho com um salário insuficiente para garantir a

educação e a saúde de qualidade. Muitos são tratados como bandidos pelos policiais que

chegam atirando balas de borracha e soltando bombas sobre a multidão para dispersá-la

e muitos são vítimas de balas perdidas ou de chacinas e erros de abordagem policial.

Quando a pessoa é preta ou parda a perseguição é maior e muitas vezes são agredidas

sem justificativas. “Eu carrego,/ Pra não ser mais um Preto Fudido./ O drama da Cadeia

e Favela,/ Túmulo, sangue,/ Sirene, choros e velas,/ Passageiro do Brasil,/ São Paulo,/

Agonia que sobrevivem / Em meias zorras e covardias,/ Periferias,/ vielas e cortiços/”

(RACIONAIS MC’s). Através de estatísticas realizadas pelo Instituto de Pesquisas

Demográficas e de acordo com Ipea percebemos que os que mais morrem no Brasil são

negros e pobres.

De maneira geral, o comportamento das duas distribuições segue o

esperado. A proporção da população diminui com a idade e a de

óbitos aumenta. No entanto, observa-se que os óbitos da população branca eram mais concentrados nas idades avançadas na comparação

com os da população negra. Nesta, observa-se uma proporção bem

mais elevada de óbitos entre jovens de 15 a 29 anos, que pode ser explicada pelo fato da população negra ser mais afetada por causas

externas [...]. Isto sugere que população negra tem expectativa de vida

menor. ( Ipea91)

Nas análises da performance do grupo Racionais MC’s podemos pensar nas

observações de Ruth Finnegan (2008, p. 22) de que certos grupos com aspectos

peculiares na África apresentam os “gêneros híbridos” trazidos por povos colonizados

ou marginalizados no passado, os transnacionais ou chamados “cultura popular” que

tornaram-se correta e inescapavelmente parte do cenário. Para ela devemos analisar o

conjunto de uma atuação: voz, performance e letra, uma vez que as análises tradicionais

parecem cada vez mais inadequadas quanto às estreitezas dos cânones estabelecidos

pela arte erudita, literária ou musical. A performance dos MC’s carrega simbolismos e

significados que vão além do que é dito.

Criolo surge nas redes sociais com uma canção, onde aparece cantarolando uma

canção, uma mistura de rap com canto falado com a qual, logo recebe cinco indicações

e uma premiação no VMP, em 2011. De acordo com a definição de Edgar Murano o

canto falado tem antecedentes antigos na tradição musical brasileira, como a embolada,

o repente, o partido alto, que fazem uso do improviso, free style. (MURANO). Criolo

diz que essa canção Cálice nasceu de improviso, sem nenhuma intenção, pois queria

apenas registrar a sua ideia e pediu ao amigo para ligar a câmera, pois precisava

registrar esse momento de inspiração. Enquanto lanchava, cantarolou algumas frases,

sentindo as palavras fluírem pela primeira vez. Seu amigo, para sacaneá-lo postou na

rede social, onde teve um grande impacto com milhares de acessos. Essa canção é uma

paródia melódica da canção Cálice de Chico Buarque de Holanda que amou a versão e

para homenagear o rapper compôs uma canção de rap em um de seus shows. Marília

Gabriela em seu programa De Frente com Gabi, diz “... espécie de paródia, uma espécie

de causo, uma espécie... do Chico Buarque que ele próprio elogiou [...] ‘Pai, afasta de

mim as biqueiras, Afasta de mim as beates ( GABRIELA, programa De Frente com

Gabi).

Ao responder a indagação da jornalista e apresentadora “...quem te ouve, te

entende? (GABRIELA). Ele argumentou que a poesia traspõe as barreiras das palavras,

tanto pelo ritmo como pelo sentimento. “Talvez a pessoa não entende pelo colóquio,

mas ela entende pelo semblante.” (CRIOLO apud De Frente com Gabi)

Na canção Cálice do rapper Criolo levantam-se questões sobre o tráfico de

drogas, o uso da “biqueira”, neologismo usado pelo cantor. Sua canção é uma versão

diferenciada da canção de Chico Buarque de Holanda, com novo ritmo e uma roupagem

melódica que retoma o canto falado, introduzido no Brasil por cantores da Jamaica, uma

região da África. Ele usou de estratégias para denunciar o preconceito que moradores

das periferias sofrem no dia a dia.

O Hip-Hop como um conjunto de linguagens capaz de dialogar com

seguimentos por vezes muito diferentes é uma manifestação típica da pós-modernidade

que traz em suas melodias a realidade cotidiana dos jovens do Brasil. Segundo

explicação do professor Frederico Fernandes e de Cristina Bentes o movimento do Hip-

Hop segue uma expressão corporal, cultural que nasce em determinados grupos da

periferia e se aglutinam a outros grupos de outras localidades, formando uma espécie de

identificação coletiva.

Um movimento de mão dupla: dos subúrbios para o centro, de negros para

brancos e, no outro sentido de uma cultura legitimada e também de massas

que se agrega, é deglutido e se torna base para a expressão da ideologia suburbana. ( BENTES e FERNANDES, 2007, p. 123)

Uma proposta de sequência Didática na escola com gêneros diversificados

Para desenvolver uma proposta didática com o gênero música, que atenda às

necessidades dos documentos oficiais __ Parâmetros Curriculares Nacionais _ PCN

(BRASIL, 1008) e as Diretrizes Curriculares Estaduais do Ensino da Língua Portuguesa

__ DCE __ (PARANÁ, 2008), para que o ensino de Língua Portuguesa seja trabalhado

via gêneros textuais/ discursivos tornou-se necessária adaptar a proposta didática

desenvolvida por Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz, acrescentando outros gêneros.

O artigo de Joaquim Dolz; Michèle Noverraz e Bernard Schneuwly Sequência

Didática para o oral e a escrita: Apresentação de um Procedimento traz uma proposta para

o ensino da língua materna oral e escrita em instituições públicas ou não. O procedimento

consiste em uma sequência didática para se trabalhar em sala de aula. “Criar contextos de

produção precisos, efetuar atividades múltiplas e variadas: é isso que permitirá aos alunos

apropriarem-se das noções, das técnicas e dos instrumentos necessários ao desenvolvimento

de suas capacidades de expressão oral e escrita” (SCHNEUWLY; DOLZ, p.96). Os

gêneros abrem uma porta de entrada para as práticas de linguagem e evita que delas se

tenha uma imagem fragmentária no momento da sua apropriação. Em uma atividade de

linguagem, três dimensões parecem essenciais: Os conteúdos e os conhecimentos que se

tornam dizíveis por meio dele; os elementos das estruturas comunicativas (...)

reconhecidos como pertencentes ao gênero; configurações específicas de unidades de

linguagem. (Schneuwly e Dolz p.75)

RESULTADOS OBTIDOS

Produção de um debate oral /escrito sobre Ponciá Vicêncio

Os alunos fizeram uma leitura da obra em sala de aula durante as aulas de

Português. Ao final da leitura a temática do romance foi debatida e questionada quanto

às memórias da personagem que são fragmentadas, cabendo ao leitor a construção do

enredo. Os alunos, oralmente, apresentaram suas impressões pessoais sobre a obra após

a leitura, em partes e explorados seus elementos mais pertinentes. Levantaram-se

indagações a respeito de como essa obra foi produzida e com que finalidade. Foram

realizadas atividades que envolveram tanto a leitura quanto a interpretação com análises

que justificam ser a obra composta de uma narrativa poética. O texto é permeado de

figuras de linguagem de onde fluem os sentimentos e expressões puramente típicas e

espontâneas.

Foram entregue aos alunos questões que visavam analisar algumas expressões e

frases consideradas poéticas, devido ao ritmo, à força de significados e símbolos que

perpassam a narrativa. Após a leitura das questões e analisadas individualmente na

turma do 3º ano a turma pode expressar os sentimentos que a obra despertou neles. Foi

interessante constatar que aqueles alunos que leram com atenção não se esqueciam de

alguns acontecimentos, demonstrando muita afinidade com o enredo, linguagem e

costumes. Isso não aconteceu com a turma do 1º ano cuja grade curricular comporta

apenas duas aulas semanais. Muitos alunos não apreciaram a obra porque não leram

individualmente e não seguiram com os olhos a leitura. Eles não tinham o livro

disponível para lerem em casa.

Pesquisas na internet e produção de textos acerca da violência contra mulheres e

afrodescendentes no Brasil

Em posse de alguns endereços eletrônicos a turma foi dividida em grupos e

pesquisaram notícias sobre a violência sofrida pelas mulheres mais pobres, de pele

branca ou não. Após leituras em sala de aula de algumas notícias ou reportagens abriu-

se espaço para a discussão e puderam comparar a temática do romance com a realidade.

Alguns alunos apresentaram oralmente suas impressões de leitura, outros se recusaram

veemente a se manifestar diante do grupo geral. A turma escreveu um texto individual,

explicando o que cada um tinha entendido da pesquisa que fizera. Essa experiência vem

ao encontro com o que comenta Schneuwly, “gestão eficaz dos gêneros secundários

pressupõe a existência e a construção de um aparelho psíquico de produção de

linguagem que não funciona mais na “imediatez” __ comunicação espontânea __, mas

que se pode basear na gestão de diferentes formas de aprendizagem. (SCHNEUWLY e

DOLZ, 2007 p. 30-32)

Analisar o processo criativo do texto e estudar os elementos de análise do

discurso da obra levou-nos a perceber outras características e um novo olhar para a

crítica da literatura brasileira. Para Irene Machado “o romance é, igualmente um retrato

falado do homem de ideias. Por isso, o romance não opera apenas com a imagem do

homem, sobretudo com a imagem de sua linguagem” (MACHADO, 1995, p. 159).

A linguagem em Ponciá traz o retrato de uma etnia descendente de escravos,

cuja cultura se enraizava no cultivo da terra nos roçados, onde seu pai e irmão

trabalhavam. O barro que as mulheres retiravam das encostas do rio era utilizado para a

modelagem de utensílios e outros objetos, produtos feitos pelas mãos da mãe de Ponciá

que ensinara a filha, desde criança a dar vida e criar o que não era visto neste mundo.

Das mãos da pequena brotava um mundo interior de onde reluzia no barro, uma figura

que tinha a feição dos antepassados. “Desde pequena, ouvia dizer também que as terras

que o primeiro Coronel Vicêncio tinha dado para os negros como presente de libertação

eram muito mais, e que pouco a pouco elas estavam sendo tomadas novamente pelos

descendentes dele.” (EVARISTO, 2006, p. 61)

Dentre os temas pertinentes do romance de Conceição Evaristo é possível

destacar a denúncia ao descaso pela educação no Brasil. O filho do fazendeiro, o

coronelzinho queria saber se negro aprendia a ler. Resolveu brincar de ensinar. “(...)

ficou curioso para ver se negro aprendia os sinais, as letras de branco e começou a

ensinar o pai de Ponciá. (...) Quando se certificou de que negro aprendia, parou a

brincadeira. Negro aprendia sim!” (EVARISTO, 2006, p. 18)

Após os alunos pesquisarem sobre a baixa qualidade da Educação no Brasil, um

texto publicado na revista escola que faz uma reflexão sobre o resultado da avaliação

dos alunos brasileiros do 7º ano que obtiveram notas muito baixas em prova que media

o índice de leitura foi estudado.

Quando se fala do mau desempenho brasileiro do Pisa, costuma-se

mencionar a quantidade de alunos nos níveis mais baixos de proficiência. Na prova de leitura, quase metade tirou no máximo nota

2. É muita gente, mas a situação verdadeira é ainda pior: falta

considerar quem está fora da escola ou em situação de atraso escolar

(pelos critérios da OCDE, alunos de 15 anos que nem mesmo chegaram à 7ª série). No caso brasileiro, esse grupo corresponde a

19,4% da população na faixa etária avaliada - índice alto em relação

aos países líderes do ranking. A soma do contingente fora da escola com o de baixa proficiência dá 59,4%. Ou seja: seis em cada dez

jovens de 15 anos ou não reúne condições para fazer a prova ou não é

capaz de compreender textos relativamente simples. (REVISTA

ESCOLA, 2009)

A leitura do texto pelos alunos apesar de simples trouxe muitas dúvidas quanto

à compreensão, pois o gráfico causou-lhes estranheza e muita dificuldade quanto ao

enunciado das atividades, não percebendo as informações pertinentes e preocupantes a

cerca do mau desempenho na prova e na educação brasileira. Os alunos necessitaram de

auxílio durante a realização das atividades. Essa questão foi retomada na aula seguinte,

após 10 dias, porém os alunos não argumentaram mais a respeito dessas questões.

MC’s Racionais: debate oral e escrito de textos e vídeos

Em um vídeo clipe dos Racionais MCs analisamos na canção Diário de um

Detento o ritmo, a temática, o local de produção, o perfil dos fãs desse grupo de rap e o

que essas canções significam. Os alunos do 3º ano mostraram-se desconfortáveis e se

manifestaram negativamente. Alguns disseram não gostar desse estilo, que mais

pareciam bandidos de verdade. Alguns disseram que eram bandidos, mesmo! Um aluno

ficou revoltado com o clipe e disse: “Não sou obrigado a assistir isso”. Ele se retirou da

sala, mesmo sem consentimento. Outro aluno, no entanto, afrodescendente, fez um

comentário que deixou a turma muito admirada: "Os Racionais são muito bons. O mais

importante na canção é a letra. Você precisa curtir a letra. Ela é demais.” Repetimos a

apresentação do vídeo e percebemos o quanto que ele curtia a música. Ele cantava junto,

levantava os braços e se emocionava com a canção. A turma pesquisou a letra da canção

na web e trouxe-a na aula seguinte. Individualmente responderam algumas questões

elaboradas por escrito acerca das informações contidas na letra. Após debatermos as

questões a turma leu cópias de um fragmento do artigo Oralidade, poesia e

performance em canções de rap como manifestação coletiva que está disponível na

Revista Boitatá da edição de 2012, número 14. Os alunos demonstraram dificuldades

para responder as questões propostas. Constantemente, houve intervenções. Muitos se

equivocavam com respostas que não estavam contidas no texto.

Nas outras duas turmas de 1º ano, a reação foi pior, pois não conheciam e

confundiram o rap com o fank. Não queriam nem ouvir. No entanto cerca de quatro

alunos de cada turma disseram ser muito interessante e que a letra era muito diferente

do fank. Na turma A alguns se manifestaram defendendo os Racionais MC’s. “Eles

falam da realidade dos jovens das favelas de São Paulo”- disse um aluno. Outro disse

“Ah, são todos bandidos”. Um interveio: “As pessoas que moram nas favelas são

honestas, elas sofrem com o tráfico e são trabalhadoras”. Muitos alunos concordaram.

Outro aluno disse: “O mano Brow não é bandido, nunca nenhum deles foi preso a não

ser uma vez que foram detidos porque houve uma briga de fãs em seu show, mas a

polícia logo os liberou. As músicas deles são legais.” Outros alunos não opinaram. A

partir desse momento todos ficaram em silêncio assistindo ao clipe. Depois retornaram

ao comentário dizendo que os participantes eram bandidos, sim. O mesmo garoto

interveio dizendo: “Eles interpretam os manos e as minas dos presídios”. Após explicar

que a performance exigia o máximo de realidade para convencer a todos sobre a

autenticidade e que a vestimenta, o olhar, a voz os trejeitos fazem parte do cenário de

um presídio brasileiro e que tudo é conscientemente elaborado para denunciar que os

brasileiros que cumprem pena em presídios de São Paulo são pobres e negros, os alunos

compreenderam. Para mediar a compreensão dos temas explorados tanto em Ponciá

Vicêncio quanto nas denúncias em Negro Drama, uma pesquisa foi solicitada a todos os

alunos. Deveriam assistir ao documentário O Lado Negro do Chocolate do jornalista

Miktrei e produzir um relatório preciso. O documentário foi discutido em sala de aula,

retomado e contrapondo as denúncias de escravidão e abandono nas obras de Conceição

Evaristo e dos Racionais que acontecem no Brasil e no Continente Africano. Pesquisas

referentes ao trabalho escravo em carvoarias foram feitas, trazidas em sala de aula para

serem discutidas pela turma do 3º ano. Foi possível analisarmos as diferentes estruturas

e funções de um documentário como fonte de dados oficiais para serem citados em

textos dissertativos e argumentativos.

Atividades referentes à linguagem conotativa foram trabalhadas com o objetivo

de facilitar a compreensão de gêneros poéticos e de canções. O clipe da canção Negro

Drama foi passado para eles após o término dos trabalhos quando retornamos às

questões sobre o dia da Consciência Negra. Cerca de doze alunos decoraram a letra e

apresentaram-na para a escola em forma de grupo de rap.

Canções do MC Criolo

Ouvimos outra canção, cuja temática é semelhante a dos Racionais MC’s, porém

com diferente estilo a fim de que definissem as semelhanças e as diferenças existentes

nelas. Criolo, em entrevista com Marília Gabriela comenta sobre a preocupação quanto

ao consumo de drogas pelos jovens:

É uma preocupação de todas as pessoas que querem o bem pra quem está ao seu redor e pra quem está lá no Tibé. Falar desses temas,

abordar esses temas porque está aí o ox, está aí a cocaína, está aí

ah...Em qualquer lugar você tem uma bebida alcoólica. E qualquer garoto de qualquer idade consome isso e é lícito. E o buraco é mais

embaixo. É perceber que pode passar uma simples mensagem. Olhe,

isso não é legal pra você! (CRIOLO, apud DE FRENTE COM GABI)

Os alunos ouviram a canção Cálice, porém não gostaram. Três alunos

demonstraram gostar muito do estilo e das canções de Criolo, porém a grande maioria

resistiu firmemente e alegaram que era música de rap, de bandido. Com a intervenção

de um aluno que alegou ser uma canção interessante, a turma buscou compreender a

mensagem da canção, mas gostaram, mesmo foi da canção Não Existe Amor Em SP.

Disseram gostar muito. Em outro momento, as turmas do 1º ano fizeram a leitura de um

fragmento da entrevista do Criolo no programa De Frente com Gabi, transcrita com

marcas de oralidade, fiel como foi ao ar. Questões sobre a linguagem e oralidade do

texto foram exploradas. A receptividade foi muito boa.

A fim de apresentar o contexto histórico que deu origem à criação da canção

Cálice de Chico Buarque de Holanda, a ditadura militar de 64, os alunos do 3º ano

assistiram a um vídeo clipe onde a música é trilha sonora com imagens de prisioneiros

torturados.

Aproveitando as manifestações populares que aconteceram no mês de junho

desse ano de 2013, foram feitos debates e associados às denúncias que os Racionais

MC’s tanto enfatizam em suas canções como a violência policial, a corrupção e a falta

de investimentos na educação, moradia e saúde. Os alunos fizeram cartazes e

escreveram cartas de leitor, seguindo as características de cartas postadas por fãs dos

Racionais, as quais repudiam a intervenção violenta de policiais nos shows do grupo e

nas favelas. Essas atividades aguçaram o senso crítico da turma e de maneira muito

positiva se expressaram a respeito do posicionamento da mídia diante de

acontecimentos que não são divulgados e manipulados por ela.

Considerações Finais

Acredito que a sequência didática de textos de diferentes gêneros como o rap

que lhes causou estranhamentos e reflexões mais elaboradas contribuiu para melhorar o

desenvolvimento dos alunos do 3º ano. Nas turmas do 1º ano, no entanto, o resultado

ficou abaixo do esperado. A grade da turma é composta de duas aulas semanais. É

inviável trabalhar um conteúdo, retomá-lo e fixá-lo. As atividades foram realizadas,

muitas delas em casa. Isso contribuiu para que os alunos com mais dificuldades não a

realizassem ou simplesmente as copiassem dos colegas. A sala de laboratório onde há

instalados cerca de vinte e cinco computadores à disposição dos alunos não estava

funcionando. A rede Way Fi também não funcionou por isso a pesquisa pela web não

foi possível em sala de aula. Duas alunas utilizaram um celular e puderam tirar algumas

dúvidas durante a aula. As atividades foram feitas fora da escola. Essas pesquisas

tornaram–se trabalhos domiciliares. A grande maioria alegou não ter internet em casa.

Os alunos tiveram muita dificuldade para discernir e estruturar seus textos, por isso a

reestruturação de seus textos foi constante.

Outros alunos apresentaram resultados muito positivos, pois durante a

reestruturação dos textos buscaram ler mais, tiraram dúvidas com o professor e

melhoraram sua estrutura, significativamente, porém continuam tímidos para certas

apresentações propostas para a comunidade escolar. No início, ver alunos acostumados

a copiar e reproduzir textos sem um questionamento acerca da realidade neles

transmitida foi realmente frustrante e cansativo, porém depois de muita insistência e

exigência pude vê-los mais envolvidos em questões relevantes. Isso é muito bom e

tenho a sensação de dever cumprido, mesmo ciente de que é preciso melhorar. A

sequência didática desenvolvida neste projeto é interessante, pois o conteúdo não fica

solto, cada atividade vem complementar a outra já trabalhada, mesmo ao usar o livro

didático os alunos se sentem mais à vontade, pois os capítulos reforçam o que

estudaram.

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