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GARANTISMO CONSTITUCIONAL E OS DIREITOS DE PERSONALIDADE NA PERSPECTIVA DOS PROTAGONISTAS PENAIS CONSTITUTIONAL GUARANTISIM AND PERSONALITY RIGHTS BY THE VIEW OF CRIMINAL STARRING José Sebastião de Oliveira João Batista Garcia dos Santos RESUMO O direito de personalidade de concepção civilista, é relativamente moderno no horizonte jurídico mundial e há poucos anos positivado no Código Civil Brasileiro. Todavia, sua origem e aplicação no direito penal é vetusta, sendo acompanhada esta evolução, mediante sua conceituação, desenvolvimento de teoria geral e identificação de objeto, ganhando relevo seu alce à categoria de direito fundamental na seara Constitucional, anotando-se sua utilização sob a égide da Teoria do Garantismo Penal, cuja imbricação força concluir, que personalidade enquanto norma, é princípio de Direito, de ampla aplicação em face dos protagonistas penais e seus processos. PALAVRAS-CHAVES: PERSONALIDADE; GARANTISMO PENAL; DIREITOS FUNDAMENTAIS; PRINCÍPIOS. ABSTRACT The personality right of civil conception is relatively modern on the legal world horizon and a few years ago positive in the Brazilian Civil Code. However, its origin and application in the criminal law is obsolete, and followed with this development, through its concept, general theory development and object identification, gaining its importance to the category of fundamental right in the constitutional seara to record their use under the aegis of the Guaranteed Penal Theory, which overlap force conclusion that personality is a principle of law, a wide application in view of the protagonists and their criminal cases. KEYWORDS: PERSONALITY; CRIMINAL GUARANTEED; FUNDAMENTAL RIGHTS; PRINCIPLES. 3819

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GARANTISMO CONSTITUCIONAL E OS DIREITOS DE PERSONALIDADE NA PERSPECTIVA DOS PROTAGONISTAS PENAIS

CONSTITUTIONAL GUARANTISIM AND PERSONALITY RIGHTS BY THE VIEW OF CRIMINAL STARRING

José Sebastião de Oliveira João Batista Garcia dos Santos

RESUMO

O direito de personalidade de concepção civilista, é relativamente moderno no horizonte jurídico mundial e há poucos anos positivado no Código Civil Brasileiro. Todavia, sua origem e aplicação no direito penal é vetusta, sendo acompanhada esta evolução, mediante sua conceituação, desenvolvimento de teoria geral e identificação de objeto, ganhando relevo seu alce à categoria de direito fundamental na seara Constitucional, anotando-se sua utilização sob a égide da Teoria do Garantismo Penal, cuja imbricação força concluir, que personalidade enquanto norma, é princípio de Direito, de ampla aplicação em face dos protagonistas penais e seus processos.

PALAVRAS-CHAVES: PERSONALIDADE; GARANTISMO PENAL; DIREITOS FUNDAMENTAIS; PRINCÍPIOS.

ABSTRACT

The personality right of civil conception is relatively modern on the legal world horizon and a few years ago positive in the Brazilian Civil Code. However, its origin and application in the criminal law is obsolete, and followed with this development, through its concept, general theory development and object identification, gaining its importance to the category of fundamental right in the constitutional seara to record their use under the aegis of the Guaranteed Penal Theory, which overlap force conclusion that personality is a principle of law, a wide application in view of the protagonists and their criminal cases.

KEYWORDS: PERSONALITY; CRIMINAL GUARANTEED; FUNDAMENTAL RIGHTS; PRINCIPLES.

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende verificar a incidência dos direitos da personalidade em face dos protagonistas penais, que neste estudo, são os investigados, processados e apenados, sob o pálio da teoria do garantismo penal como referencial teórico.

Nesta ordem de idéias, objetiva-se concluir se estes direitos, atualmente de cunho civilista, possuem aplicação no âmbito do direito criminal (onde originaram-se na antiguidade clássica) bem como suas vestes e fundamentos.

O método utilizado é o de pesquisas na lei, doutrina e jurisprudências.

2 APONTAMENTOS À TEORIA GERAL DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE

2.1 Escorço histórico

Os Direitos da Personalidade eram conhecidos desde a antiguidade, mas não como estão delineados na atualidade., quando só recentemente, a partir do Século XX, passou a ter relevância, científica e positiva.

Ensina SZANIAWSKI[1] que cada cidade-estado da antiga Grécia possuía o seu ordenamento jurídico e que “em muitas destas legislações, já era conhecido o princípio da personalidade do direito, sendo este aplicado nas relações mantidas entre os cidadãos e, principalmente, nas relações mantidas com pessoas de outra cidade-estado e com estrangeiros”.

O repúdio à injustiça, e as proibições de atos de insolência e excessos de uma pessoa contra a outra, formavam o tripé de proteção da personalidade humana.

Segundo CAPELO DE SOUSA,[2] a tutela da personalidade em Atenas era praticada por uma ação judicial punitiva, inicialmente de caráter penal que punia os ultrajes ou sevícias praticadas contra o cidadão, e ao longo do tempo, passa a sancionar outros “tipos legais ilícitos” como a ofensa corporal,a difamação, a violação de mulher ou uso proibido da força sobre a coisa alheia.

Entre os séculos IV e III a.C deu-se o auge da filosofia grega, que influenciou o direito a reconhecer que cada homem possuía personalidade e capacidades jurídicas, com notável incremento para a teoria dos direitos da personalidade.

A lei e seus castigos, deixaram de ser criação divina, sendo assumidos como vontade humana, resultando que “no pensamento grego clássico e pós-clássico, o homem

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passou a ser tido como a origem e a finalidade da lei e do direito, a nível quer de estado quer universal, ganhando, por isso, novo sentido os problemas da personalidade e da capacidade jurídica de todo e cada homem e dos seus inerentes direitos de personalidade” [3].

Na Roma da época antiga, vigorava a vingança privada que tutelava os direitos da personalidade nos casos de morte, rapto e ofensas corporais entre outros.

Durante a República Romana (510 a.C), surge a lei das XII Tábuas contendo o “ius civile” e a vingança privada foi cedendo passo, já que o direito penal que era privado e inserido no direito das obrigações, tornou-se aos poucos, autônomo e o cidadão não pôde mais exercer as ações penais relativas a crimes graves (homicídio por exemplo), que começaram a ser punidos pelo Estado[4].

A República, desestabilizou-se e desapareceu com o fim da classe média, opondo as classes favorecidas e os populares, que constituíam as classes menos favorecidas.

Surge então, o Império Romano, onde o imperador de defensor da “res publica”, transmuta-se em Deus.É a denominada era clássica.

Os éditos do pretor ganharam importância, suplantando a lei das XII Tábuas na tutela dos direitos da personalidade, coadjuvados pela “Lex Aquilia” e pela “Lex Cornelia”.

Todavia, enquanto a “Lex Cornelia” tipificava de forma taxativa as injúrias que punia, o édito do pretor o fazia de forma abstrata, como cláusula geral, sendo esta a gênese do direito geral da personalidade.

No Baixo Império, de influência cristã, a tutela dos direitos de personalidade manteve-se pela jurisdição dos tribunais civis e em razão do cristianismo, tutelou-se a personalidade moral e dos bens imateriais do homem.

Com a queda do império romano, iniciou-se a Idade Média e paulatinamente, foi surgindo o conceito moderno de pessoa humana, abeberado em Alberto Magno, São Boaventura e Santo Tomás de Aquino que pontificava: “pessoa é aquilo que é revestido de dignidade” [5].

Entre os séculos XVI e XVII, a “hybris”, as “aixias” e as “actio iniuriarum” do direito grego e romano que tutelaram ao seu tempo os direitos da personalidade humana, evoluíram com o “ius imaginis”, conferindo o direito da pessoa sobre seu corpo; encarregando-se Hugo Donello da elaboração de alguns conceitos de direitos da personalidade como hoje são conhecidos.

Sob o pálio da doutrina do direito natural,[6] foram desenvolvidas no limiar do século XVIII, as noções das tutelas dos direitos individuais e da dignidade da pessoa humana, que culminariam com a moderna doutrina do direito geral da personalidade na metade do século XX.

É curial notar-se que apenas no século XVIII, o Estado reconheceu a proteção da pessoa humana, como na Inglaterra, com o aperfeiçoamento da monarquia legal, que preconizava entre os seus princípios, a intangibilidade dos direitos fundamentais do

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homem, que evoluiu com a Declaração da Colônia de Virgínia (1776), Declaração de Independência das Treze Colônias Inglesas (1776), Constituição do Estados Unidos da América (1787), Declaração dos Direitos do Homem na França (1789), Declaração Universal dos Direitos do Homem (1949), até chegar à Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida por Pacto de San José da Costa Rica (1969).

Afirma FLORÊNCIO[7], que “ ao que parece, os Códigos Português de 1867, o Alemão da lavra dos pandectistas de 1896(BGB) e o Suíço de 1907, foram as mais antigas legislações a cuidar do assunto,porém, ainda muito timidamente.Em 1942,entretanto, o Código Italiano tutelou sistematicamente os direitos da personalidade, em dispositivos que possibilitavam a vítima fazer cessarem as perturbações dessa natureza,assim como obter ressarcimento pelo prejuízo experimentado.

Não se desconsiderando a evolução histórica dos direitos da personalidade, há um consenso, de que o seu direito geral é uma construção da doutrina e jurisprudência alemãs, consoante magistério de COSTA GARCIA[8], como reação aos abusos cometidos pelo nazismo.

Assim é, que foram inseridas na norma constitucional alemã do pós-guerra -a Lei Fundamental de Bonn, de 23 de maio de 1949- proteções específicas à dignidade da pessoa humana, estabelecendo como invioláveis e inalienáveis, os direitos do homem como fundamento de cada comunidade, além de fixar, que os direitos fundamentais vinculam a legislação, o poder executivo e a jurisdição, como direito imediatamente válido, especificando que cada qual tem direito ao livre desenvolvimento da própria personalidade, conquanto não viole os direitos dos outros e não transgrida o ordenamento constitucional ou a lei moral, estipulando destarte, uma cláusula geral da tutela da pessoa.

2.2 Apontamentos à teoria geral dos direitos de personalidade

2.2.1 Conceituação dos direitos de personalidade

A temática dos direitos da personalidade é fundamental no aspecto da proteção da dignidade da pessoa, demonstrando uma importância muito grande na atual sociedade contemporânea, com reflexos diretos na legislação, na doutrina e na jurisprudência.

No Brasil, os direitos da personalidade, foram introduzidos de forma positiva, inicialmente, na Carta Constitucional de 1988, conforme dispõe o art. 5º.Inc.X, In verbis: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

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Com a entrada em vigência do Código Civil,de 2002, complementou-se a proteção já anteriormente encartada na Constituição Federal, outorgando a todos nós importante garantia no resguardo daquilo que nos é mais precioso,ou seja, a dignidade da pessoa humana.

Na lição do jurista DE CUPIS[9], “A personalidade, ou capacidade jurídica, é geralmente definida como sendo uma susceptibilidade de ser titular de direitos e obrigações jurídicas. Não se identifica nem com os direitos nem com as obrigações, e nem é mais do que a essência de uma simples qualidade jurídica”.

E arremata o mestre italiano:

Todos os direitos, na medida em que destinados a dar conteúdo à personalidade, poderiam chamar-se direitos da personalidade. No entanto, na linguagem corrente esta designação é reservada àqueles direitos subjectivos cuja função, relativamente à personalidade, é especial, constituindo o minimum necessário e imprescindível ao seu conteúdo [10].

Para BITTAR[11], “Consideram-se como da personalidade os direitos reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa de valores inatos no homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros tantos”.

Diversos outros doutrinadores estrangeiros e nacionais conceituaram os direitos de personalidade, entre os quais destacamos: LIMONGI FRANÇA, TOBEÑAS, SAN TIAGO DANTAS, MOTA PINTO, SILVIO RODRIGUES, PERREAU, DE CASTRO, SIMÓN CARREJO, CIFUENTES, ORLANDO GOMES, FRANCISCO AMARAL e DAISY GOGLIANO.

Há controvérsias sobre a categoria de direitos por nós denominados como sendo direitos da personalidade, chegando a afirmar SZANIAWSKI[12] que: “Devido a essas controvérsias, encontraremos diversas correntes que tentam explicar a natureza dos direitos de personalidade, havendo inclusive resistência por parte de alguns autores em admitir a existência dos direitos de personalidade”.

Noticia COSTA GARCIA[13] que: “O direito geral da personalidade tem natureza jurídica de conceito indeterminado, da modalidade “conceito normativo”. É preciso, pois, respeitar esta especial natureza do instituto na sua definição, pois não se deve buscar uma categoria fechada, estritamente delimitada. Pelo contrário, a grande vantagem do conceito indeterminado é justamente permitir, pela largueza da sua descrição e por força da operação de concretização, contemplar variadas situações, mantendo-se constantemente atualizado”.

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2.2.2 Objeto do direito da personalidade e sua tutela

Ensina CAPELO DE SOUSA[14] que: “o objecto do direito geral de personalidade tem como limites não apenas os derivados da própria ontologia da personalidade humana mas também os emergentes de especificidade da função jurídica e do fundamento axiológico-normativo do art. 70º do Código Civil Português”.

Complementa ainda, o mesmo autor:

Daqui decorre, nomeadamente, que nem todos os elementos ou expressões humanas integram a noção de “personalidade física ou moral” juscivilisticamente tutelada. Esta terá de consubstanciar, embora na complexidade da sua estrutura, a idéia de um correspectivo bem jurídico a tutelar. Ora, não revestem tal natureza, por exemplo, os sentimentos negativos do homem ( como o ódio ou o racismo ), os ressentimentos manifestamente exagerados em termos de adaptação social, uma hipersensibilidade humana que se deixe atingir por uma crítica normal, a vontade humana dirigida para a prática de actos criminosos ou ilícitos, as obras humanas que constituam falsificações ou contrafacção autoral e as expressões de livre arbítrio que prejudiquem a esfera privada alheia.

COSTA GARCIA[15] afirma que: “o direito geral da personalidade tem objeto limitado, malgrado o grau de indeterminação do conceito. Busca a proteção integral da pessoa no que concerne aos aspectos físicos e morais, bem como preserva a sua esfera de autonomia (liberdade). Protege não só aqueles atributos comuns a todas as pessoas, mas também a individualidade e irrepetibilidade de cada um”.

Podemos alinhavar as seguintes tutelas no direito geral da personalidade:

a) tutela inibitória: busca prevenir a ocorrência do ilícito e não o dano, fulcrada no mandamento constitucional de que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

O mencionado dispositivo constitucional convolou-se em princípio genérico de prevenção, independentemente dos princípios específicos contemplados na legislação infraconstitucional.

b) tutela ressarcitória pecuniária: existente a violação, sanciona-se o comportamento do agente, visando o restabelecimento do “status quo ante”, mediante pagamento em dinheiro.

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c) tutela ressarcitória “in natura” : existente a violação, sanciona-se o comportamento do agente, visando o restabelecimento do “status quo ante”, mediante um comportamento positivo ou uma abstenção.

d) autotutela: são os praticados em legítima defesa e em estado de necessidade.

O novo Código Civil Brasileiro disciplinou nos artigos 11 “usque” 21, os direitos da personalidade no nosso direito o que representa notável avanço, “No entanto, este capítulo do Código não pode ser visto e nem interpretado como matriz de toda a idéia sobre direitos da personalidade “ como ressalta BITTAR[16]

3 OS PRINCÍPIOS

3.1 O significado etimológico da palavra princípio

Segundo o dicionário AURÉLIO[17] a palavra princípio vem do latim principiu e entre outros, pode significar: momento ou local ou trecho em que algo tem origem, começo; causa primária, preceito, regra, lei; base germe; origem de algo, ou de uma ação ou de um conhecimento.

Esta ideação de origem ou começo, é realçada no Pentateuco, onde Gênesis é conhecido como o livro dos começos e fixada no seu primeiro versículo: No princípio criou Deus os céus e a terra[18].

Atualmente, o vocábulo princípio é de vasta utilização nos campos do conhecimento científico, filosófico e teológico ou seja, é uma palavra polissêmica.

3.2 Lineamentos sobre os princípios

Aristóteles na sua Metaphysica, no Livro V, alude aos princípios primeiros.

Como ensina MACEDO[19], na filosofia são quatro os princípios lógicos ou metafísicos que fundamentam o raciocínio pelo que, são conhecidos como leis lógicas ou fundamentais princípios lógicos:

a) lei ou princípio de identidade: diz que todo pensamento enunciado é idêntico a si mesmo se sua extensão permanece invariável.

b) lei ou princípio de contradição: dois juízos contrários entre si não podem ser ao mesmo tempo verdadeiros: um será verdadeiro e o outro falso.

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c) lei ou princípio do terceiro excluído: de dois juízos contrários entre si, um é necessariamente verdadeiro.

Estes princípios são de Aristóteles.

d) lei ou princípio da razão suficiente: a demonstração da certeza de uma demonstração exige o suficiente conhecimento dos fundamentos bastantes, em virtude do qual tal proposição é verdadeira. Este princípio é de Leibniz.

Podemos citar ainda, os princípios de metodologia científica como sendo:

a) fatos: constituem o modo de ser das coisas, existentes extra-mente, ou delas independentes.

b) hipóteses: são o enunciado , ou conjunto de enunciados, que pode ser posto à prova, confirmado só indiretamente, ou por meio de suas conseqüências.

c) axiomas: constituem proposições evidentes e que portanto não precisam de demonstração.

d) definições: como determinação de conceitos, estão presentes em todas as ciências, da demonstração à sistematização.

Os princípios teológicos são aqueles que tratam da formulação da doutrina.

3.3 Evolução histórica dos princípios jurídicos

Os princípios jurídicos guardam a sua origem no jusnaturalismo e nesta fase estavam circunscritos a uma esfera abstrata e metafísica, inspiradora do Ideal de Justiça, mas abstraídos de qualquer normatividade, fixados como paradigmas axiomáticos, conquanto abrigados em patamar superior do ordenamento jurídico, no dizer de BONAVIDES[20] “um conjunto de verdades objetivas derivadas da lei divina e humana”.

A segunda fase da evolução dos princípios jurídicos denomina-se juspositivista, quando são introduzidos nos Códigos, prestando-se subsidiariamente a conferir eficácia às leis nas suas lacunas, defluindo o seu valor por derivarem da lei, consoante os ensinamentos de Gordillo Canãs, Florez Valdez e Joaquim Arce, todos citados por BONAVIDES.

Na terceira fase da evolução dos princípios jurídicos, ocorrida nas últimas décadas do século passado e denominada pós-positivismo, estudos de autores como Ronald Dworkin e Robert Alexy, colaboraram para o estabelecimento da hegemonia axiológica dos princípios, que despiram-se da atividade integratória do Direito, positivando-se nos textos constitucionais como fundamento de todo o ordenamento jurídico.

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Ou seja, os princípios saíram dos códigos e do direito privado (jusprivatismo) para as constituições e o direito público (juspublicismo) estabelecendo-se a concepção principialista do Direito, consoante o magistério de BONAVIDES[21] que assim se pronuncia:

A passagem dos princípios da especulação metafísica e abstrata para o campo concreto e positivo do Direito, com baixíssimo teor de densidade normativa; a transição crucial da ordem jusprivatista ( sua antiga inserção nos Códigos) para a órbita juspublicística (seu ingresso nas Constituições); a suspensão da distinção clássica entre princípios e normas; o deslocamento dos princípios da esfera da jusfilosofia para o domínio da Ciência Jurídica; a proclamação de sua normatividade; a perda de seu caráter de normas programáticas; o reconhecimento definitivo de sua positividade e concretude por obra sobretudo das Constituições; a distinção entre regras e princípios, como espécies diversificadas do gênero norma, e, finalmente, por expressão máxima de todo esse desdobramento doutrinário, o mais significativo de seus efeitos: a total hegemonia e preeminência dos princípios.

A norma e a ética, pontificam, sob o pálio dos ordenamentos jurídicos agasalhados de ideais de justiça e valores sociais materializados nos princípios.

3.4 Conceito de princípio

Levando-se em conta que o vocábulo princípio (do latim principium) seja polissêmico, interessa-nos, em particular, o seu significado no âmbito da ciência jurídica.

Ensina CRETELLA JUNIOR[22], que o principio, em linguagem vulgar designa um inicio, um começo, em contraposição a um fim,.Seria um ponto inicial.Em sentido técnico, dissentem os doutrinadores em sua conceituação, mas na mesma razão que divergem, são unânimes em afirmar a importância que os princípios desempenham.

Antonio Bandeira de Melo, nos brindou, com antológica definição de princípio, salientando a sua importância, ao afirmar que:

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, dispositivo fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. [23]

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E mais:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada.[24]

O jurista Geraldo Ataliba[25], com sua habitual clareza, assim definiu princípio:

Os princípios são as linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo.

Expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser prestigiados até às últimas conseqüências.

3.5 Diferenças entre princípios e regras

Segundo Boulanger, “a generalidade da regra jurídica não se deve entender da mesma maneira que a generalidade de um princípio” o que sob sua ótica, significa que a regra é especial pois se aplica a uma determinada situação jurídica, ao passo que o princípio é geral pois comporta uma série indefinida de aplicações[26].

Dworkin, também estabeleceu outros dois critérios diferenciadores com o mesmo intuito: o do tudo ou nada e o do peso ou da importância.

Por seu turno, Canotilho também estabeleceu diversos critérios para a distinção entre princípios e regras:[27]

a) grau de abstração.

b) grau de determinabilidade

c) caráter de fundamentalidade no sistema de fontes do direito

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d) proximidade da idéia de direito

e) natureza normogenética

Estes, em apertada síntese, os critérios mais aceitos para a diferenciação entre princípios e regras que são espécies, juntamente com os valores, do gênero norma.

4 TEORIA DO GARANTISMO PENAL

Garantir, é uma palavra de origem francesa, que significa afiançar, assegurar.

O garantismo penal, foi uma resposta ao descompasso existente entre a norma e a sua não efetividade no mundo jurídico, geralmente pautada pelo mistificado discurso de defesa, do estado de direito.

Segundo FERRAJOLI,[28] “Da palavra garantismo é, então possível distinguir três significados diversos, mas conexos entre si”.

Pelo primeiro significado, garantismo é um modelo normativo de direito no âmbito penal, qual seja: o modelo de “estrita legalidade”, assim definido pelo autor: “sob o plano epistemológico se caracteriza como um sistema cognitivo ou de poder mínimo, sob o plano político se caracteriza como uma técnica de tutela idônea a minimizar a violência e a maximizar a liberdade e, sob o plano jurídico, como um sistema de vínculos impostos à função punitiva do Estado em garantia dos direitos dos cidadãos. É conseqüentemente garantista todo sistema penal que se conforma normativamente com tal modelo e que o satisfaz efetivamente”.

Pelo segundo significado, garantismo designa uma teoria jurídica de validade e de efetividade.

E pelo terceiro significado, garantismo exprime uma filosofia política “que requer do direito e do Estado o ônus da justificação externa com base nos bens e nos interesses dos quais a tutela ou a garantia constituem a finalidade”.

A teoria do garantismo penal, é uma doutrina jurídica de legitimação e perda da legitimação interna do direito penal, fornecendo uma visão crítica aos operadores do direito e estabelecida no Estado Democrático, a fim de resolver um modelo normativo, pratico e operativo.

Iniciou-se no direito penal italiano, tendo em vista a constatação naquele modelo penal, de que havia uma grande divergência entre a norma e a solução judicial, que reduzia-se a uma não efetividade daquela mesma norma.

Diante dessa divergência, surge o garantismo como a solução das diferenças políticas e das culturas jurídicas, em defesa do Estado Democrático de Direito, estabelecendo garantias visando uma prestação jurisdicional, consentânea com a legalidade.

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O garantismo penal é teoria focada no individuo e na violação de seus direitos, tutelados pela Constituição Federal e demais legislações.

É difundida no direito criminal brasileiro, como bem se observa da inclusa jurisprudência emanada do Supremo Tribunal Federal, onde fundamentou o recurso vencedor de habeas corpus nº 81057 de São Paulo, julgado em 25/05/2004 pela Primeira Turma, cujo relator para o Acórdão foi o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE inclusive, mediante a utilização da obra Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal do doutrinador Luigui FERRAJOLI, citada neste trabalho[29].

Dentre os doutrinadores pátrios, comentadores do garantismo penal, destaca-se FERNADES[30] quando afirma:

Na evolução do relacionamento indivíduo-Estado, houve necessidade de normas que garantissem os direitos fundamentais do ser humano contra o forte poder estatal intervencionista. Para isso, os países inseriram em suas Constituições regras de cunho garantista, que impõem ao Estado e à própria sociedade o respeito aos direitos individuais, tendo o Brasil, segundo José Afonso da Silva, sido o primeiro país a introduzir em seu texto normas desse teor (José Afonso da Silva, salienta que a primeira Constituição do mundo que deu concreção jurídica aos direitos do homem foi a Constituição imperial de 1824, anterior à da Bélgica, de 1831, à qual se tem dado a primazia).

Além disso, principalmente após as guerras mundiais, os países firmaram declarações conjuntas, plenas de normas garantidoras, visando justamente a que seus signatários assumissem o compromisso de, em seus territórios, respeitarem os direitos básicos do indivíduo.

A conseqüência imediata foi a substituição das Cartas Constitucionais políticas, liberalistas, pelas Cartas Constitucionais garantidoras dos direitos sociais, prevendo a intervenção do Estado na economia, notadamente, no México (Revolução Zapatista); União Soviética (Revolução Bolchevique); Alemanha (1ª Grande Guerra Mundial, com a Constituição de Weimar); e no Brasil, com a Constituição de 1934 do período do Governo Getúlio Vargas.

5 DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS: O ARTIGO 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Os direitos fundamentais comportam diversas denominações como direitos humanos, direitos individuais e direitos naturais entre outras, constituindo em essência as normas inerentes à soberania popular.

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BONAVIDES[31] afirma que “Criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana, eis aquilo que os direitos fundamentais almejam, segundo Hesse, um dos clássicos do direito público alemão contemporâneo” concluindo ser esta uma acepção lata, fornecendo outrossim, uma acepção mais normativa, também de Hesse, de que “direitos fundamentais são aqueles direitos que o direito vigente qualifica como tais”.

Os direitos e as garantias fundamentais, tem a natureza de normas constitucionais positivas.

O direito de defesa e a sua instrumentalização, constituem finalidades dos direitos fundamentais.

Ensina BULOS[32], forte nos escólios de Canotilho, Paolo Barile e José Carlos Vieira de Andrade que: “Como direitos de defesa, permitem o ingresso em juízo para proteger bens lesados, proibindo os Poderes Públicos de invadirem a esfera privada dos indivíduos”.

Já “no posto de direitos instrumentais, consagram princípios informadores de toda a ordem jurídica (legalidade, isonomia, devido processo legal, etc.) fornecendo-lhes os mecanismos de tutela ( mandado de segurança, habeas corpus, ação popular, etc.)”.

Remata ainda o doutrinador mencionado, afirmando que: “a finalidade instrumental das liberdades públicas permite ao particular reivindicar do Estado o cumprimento de prestações sociais (saúde, educação, lazer, moradia etc.); a proteção contra atos de terceiros (segurança, inviolabilidade de domicilio, dados informáticos, direito de reunião, etc) e tutela contra a descriminações (desrespeito à igualdade, proibição ao racismo, preconceito religioso, distinções de sexo, origem, cor, etc)”.[33]

Atentos ao artigo 5º da vigente Constituição Federal, podemos destacar os seguintes princípios constitucionais penais, todos informativos do garantismo penal:

- princípio da legalidade.

- princípio da humanidade.

- princípio da culpabilidade.

- princípio da intervenção mínima.

- princípios da pessoalidade e da individualização da pena.

Comentando estes princípios, leciona Luisi:[34]

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A presença da matéria penal nas Constituições contemporâneas se faz através de princípios especificamente penais, ou seja, de princípios de direito penal constitucional e de princípios constitucionais influentes em matéria penal.

Os primeiros são exclusiva e tipicamente penais, comportando sejam divididos em princípios explícitos e implícitos.

Os explícitos estão enunciados de forma expressa e inequívoca no texto da Constituição. Os implícitos se deduzem das normas constitucionais, por nelas estarem contidos.

Os segundos, os pertinentes a matéria penal, geralmente não propriamente criminais, impondo-se tanto ao legislador penal como ao legislador civil, tributário, agrário, etc....Referem-se prevalentemente ao aspecto de conteúdo das incriminações no sentido de fazer com que o direito penal se constitua em um poderoso instrumento de tutela de bens de relevância social.

Os chamados princípios constitucionais especificamente penais concernem aos dados embasadores da ordem jurídica penal, e lhe imprimem uma determinada fisionomia. É exemplo clássico desta ordem de princípios os postulado da legalidade dos delitos e das penas que dá ao direito penal uma função de garantia da liberdade individual, pois condiciona a existência de um delito e da pena a ele aplicável a uma lei anterior, o quanto possível clara e precisa.

Também o princípio da pessoalidade da pena, expressa uma exigência de limitação da sanção penal estritamente à pessoa do réu. Tais princípios e outros similares, como os da intervenção mínima, da individualização da sanção penal e da humanidade , marginam e condicionam o poder punitivo do Estado, e, segundo o magistério de F. Palazzo “situam a posição da pessoa humana no âmago do sistema penal”.

Em sua maioria, -se não tem sua totalidade- os princípios constitucionais especificamente penais, são princípios garantidores que assinalam a presença das normativas características do Rechtsstaats.

6 OS DIREITOS DE PERSONALIDADE DO INVESTIGADO, DO ACUSADO E DO APENADO

Quando falamos do investigado, do acusado e do apenado, estamos falando do jurisdicionado que sofreu a persecução penal e terminou sendo condenado.

Em todas essas fases, inquérito policial, processo penal e execução criminal, os direitos de personalidade se fazem presentes.

Na fase do inquérito policial que no direito processual penal brasileiro é inquisitivo, o investigado possui entre outros, os seguintes direitos:

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O direito ao silêncio, de não participar da reconstituição de crime, de não se submeter a exame grafotécnico, de recusar teste de bafômetro, de recusar a fornecer sangue ou qualquer outro material genético para exames -consubstanciando o nemo tenetur se detegere- de avisar a família de sua prisão, de estar acompanhado de advogado em seu interrogatório, de saber qual autoridade determinou a sua custódia, de não ser preso senão em flagrante ou por ordem escrita da autoridade competente, a inviolabilidade de seu domicílio, de comunicações, etc.

Na fase do processo penal, o acusado possui, entre outras garantias:

Ao juiz natural, ao promotor natural, ao devido processo legal, ao contraditório, à reserva legal, a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes, a inadmissibilidade de provas ilícitas, a presunção de inocência, a irretroatividade da lei penal, o direito de ser julgado em tempo razoável ou ser posto em liberdade[35], a individualização da pena, etc.

O mesmo pode dizer-se do princípio da dignidade humana, também albergado pelo direto processual penal, como bem se observa da seguinte jurisprudência, emanada do Supremo Tribunal Federal que pela sua Segunda Turma, julgou em 04 de março de 2008 o habeas corpus nº 91662 do Paraná, sendo relator o Ministro Celso de Mello que concedeu a ordem, fincado no mencionado princípio[36].

Na fase de cumprimento de pena, o apenado conserva os seus direitos de personalidade, lhe sendo garantido entre outros:

O uso de vestuário, alimentação, prestação de assistência religiosa, médica e sanitária, o trabalho e estudo para a remissão da pena, a proibição das penas cruéis, de trabalhos forçados, o banimento, a pena de prisão perpétua, cumprir pena estabelecimentos penais distintos de acordo com a natureza do delito, sexo e idade, o respeito à intimidade, integridade física e moral, bem como a amamentação aos filhos das presas, a indenização por erro judiciário ou por cumprimento de pena além da fixada na condenação, a percepção de salário por trabalho externo, etc.

7 OS DIREITOS DE PERSONALIDADE E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Todo direito da personalidade é direito fundamental, já o contrário não pode ser afirmado.

Os Direitos Fundamentais, são os que se mostram formalmente expostos na Constituição Federal de 1988, sendo certo de que o critério que os delimita é o da fonte de sua atribuição, compreendendo eles, no rol dos direitos, as liberdades e garantias e dos direitos econômicos, sociais e culturais.

Expõe, LOBO DA COSTA,[37] que “ atuando como principio, a dignidade da pessoa humana determina o absoluto respeito ao núcleo dos direitos fundamentais, vida,

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integridade física e psíquica, liberdade, autonomia e igualdade, devendo ser utilizada em situações-limite, caracterizadas pela dominação ou subjugação da pessoa.

Têm-se que o principio da dignidade humana “constitui o principio da culpabilIdade no âmbito do Direito Penal,de modo que, estabelece concretude e especificidade àquele”.

Antevia-se, que no âmbito penal e processual penal, os direitos dos investigados, dos acusados e dos apenados, assentam-se em direitos fundamentais.

E por tal, tem-se observado no nosso ordenamento jurídico, a evolução do direito constitucional penal e do direito constitucional processual penal, ambos de cunho eminentemente garantista, em adequação ao relacionamento umbilical entre o processo, Estado e Constituição, aviventando as garantias do acusado.

Exemplificamos, com a cláusula constitucional do “dues process of law” que encontra, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, a vedação por completo de sua utilização, quando não respeitados os limites éticos-jurídicos na sua produção, consoante tem reiterado o Supremo Tribunal Federal[38].

A este respeito, leciona FACHIN[39] citando Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz Arenhart:

... a Constituição “não nega o direito à prova, mas apenas limita a busca da verdade, que deixa de ser possível através de provas obtidas de forma ilícita.

O interesse no encontro da verdade cede diante de exigências superiores de proteção dos direitos materiais que podem ser violados.

Em outras palavras, “a norma constitucional proibiu a prova ilícita para dar maior tutela ao direito material, negando a possibilidade de se alcançar a verdade a qualquer custo”.

Posição que ecoa em CANOTILHO[40] que preconiza:

O discurso “anti-garantístico” insinua, como é bom de ver, que a “Constituição dos direitos” e o “direito penal da liberdade” devem ser lidos ao contrário. O repto atinge o seu paroxismo nos tempos mais recentes, e em muitos campos minados de “inimizades” e de prevenção. É aqui que, mais uma vez, é posta à prova a idéia deste ponto do nosso trabalho, ou seja, raízes e cumplicidade dos direitos constitucional e penal.

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Percebe-se hialinamente, na lei, na doutrina e na jurisprudência a correspondência entre os direitos de personalidade e os direitos fundamentais, apenas que “ os direitos fundamentais foram criados e concebidos tendo em vista a tutela das esferas privadas perante a ingerências do poder políico- trata-se de direitos dos indivíduos face ao Estado; enquanto os direitos de personalidade, pelo contrário atendendo aos seu profundo sentido ético, não se circunscrevem a relações de natureza vertical – impõem-se a todos os níveis e em todas as direções, designadamente nas relações de direito privado”[41].

8 CONCLUSÃO

Na legislação pátria, a personalidade é positivada no art. 2° do Código Civil:

“A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Todavia, infere-se deste modesto estudo, que personalidade enquanto norma é princípio e não regra, já que a pessoa humana é destinatária de todos os conteúdos jurídicos criados pela humanidade.

Sem a vida, não se pode falar em dignidade humana, alçada por muitos, a princípio-mor.

Tanto os nascituros, quanto os mortos, gozam de proteção jurídica, que não se confundem com personalidade, já que desprovidos desta.

Os prisioneiros dos campos de concentração hitleristas, como também os prisioneiros dos Gulags soviéticos, os de Abu Ghraib ou de Guantánamo, possuíam, ou possuem, a indisponível dignidade humana, ainda que, um tanto quanto suprimida ou rarefeita.

Porém, ao esvair-se a vida, que carrega consigo a personalidade, evidentemente perece junto, a dignidade humana.

Logo, é concebível a personalidade desacompanhada de dignidade, porquanto mitigada à quase inexistência, mas, o contrário é impossível.

Percebe-se a efetividade da incidência dos direitos de personalidade em face dos protagonistas penais, todavia, permeados de abstração, irradiados pela proximidade da idéia de direito e como fundamento de validade de regras, caracterizadores dos princípios.

Desde o tempo dos éditos dos pretores, o direito da personalidade se apresentava como cláusula geral, similar ao sistema aberto do princípio que “é geral porque comporta uma série indefinida de aplicações” [42] conforme GRAU.

E estas aplicações esparramam-se pelo Direito.

3835

No âmbito penal, os direitos de personalidade coincidem com os direitos fundamentais previstos no artigo 5º da Constituição Federal, tanto que hodiernamente são considerados sinônimos, por juristas de escol.

Conclui-se que direitos de personalidade irromperam como tutela penal na antiguidade clássica e agora retomam esta tutela, em face de sua constitucionalização, sob as vestes de princípio informativo do direito penal constitucional e do direito processual penal constitucional.

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[1] SZANIAWSKI, Elimar. Direitos da Personalidade e sua tutela. 2ª. ed. ver., atual. e ampl.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 24.

[2] CAPELO DE SOUSA, Rabindranath V.A.. O Direito Geral de Personalidade. Coimbra: Coimbra Editora, 1995, p. 44.

[3] CAPELO DE SOUSA, obra citada, pag. 47.

[4] Cf.MEIRA, Silvio A.B.A Lei das XII Tábuas.3.ed.,Rio de Janeiro:Forense,1972.p.15

[5] SZANIAWSKI, obra citada, p. 36.

[6] CORDOBA, Jorge E;TORRES, Julio C. Sáchez.Derechos Personalíssimos.Córdoba-Argentina: Alveroni Ediciones,1966.p.19-20.

[7] FLORÊNCIO, Gilbert Ronald Lopes.Direitos da Personalidade no NovoCódigo Civil.São Paulo: Editora de Direito-LED,2005, p.146.

[8] COSTA GARCIA, Enéas. Direito Geral da Personalidade no Sistema Jurídico Brasileiro. 1ª Ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2007, p. 75

3837

[9] DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade.Lisboa: Morais Editora, 1961, p. 13.

[10] DE CUPIS. Obra citada, p. 17.

[11] BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade.7ª ed/2ª reimpressão. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p.1.

[12] SZANIAWSKI, Elimar. Obra citada, p. 71.

[13] Obra citada, p. 85

[14] CAPELO DE SOUZA, obra citada, p. 516.

[15] COSTA GARCIA, Enéas. Obra citada, p. 152.

[16] BITTAR, Carlos Alberto. Obra citada, p.46.

[17] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo Aurélio Século XXI. 3ª ed. totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999. p. 1639.

[18] A BÍBLIA SAGRADA, tradução de João Ferreira de Almeida, Editora Vida, 1984, p. 09.

[19] MACEDO, Silvio apud Enciclopédia Saraiva do Direito, ed. comemorativa do Sesquicentenário da Fundação dos Cursos Jurídicos no Brasil.São Paulo: Saraiva, 1977.p. 11 e 12.

[20] BONAVIDES, PAULO, Apud Ruy Samuel Espíndola.Conceito de Princípios Constitucionais. 1ª ed.,2ª tiragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 58.

[21] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p. 265.

[22] Cf.CRETELLA JUNIOR, José .Tratado de Direito Administrativo, v.X,Rio de Janeiro:Forense,1972,p.18.

[23] MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12. ed. Malheiros. São Paulo, 2000. p. 747

[24] MELO, Celso Antônio Bandeira de.Obra citada, p. 748.

[25] ATALIBA, Geraldo. República e constituição. Revista dos Tribunais: São Paulo, 1985. p. 6 e 7.

[26] GRAU, Eros Roberto apud Espíndola, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1999. p. 64.

[27] CANOTILHO, José Joaquim Gomes, apud Espíndola, Ruy Samuel, obra citada, p. 65.

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[28] FERRAJOLI, Luigui. Direito e Razão – Teoria do Garantismo Penal. 2ª Ed. São Paulo:Revista dos Tribunais.2006, p.785.

[29] EMENTA: Arma de fogo: porte consigo de arma de fogo, no entanto, desmuniciada e sem que o agente tivesse, nas circunstâncias, a pronta disponibilidade de munição: inteligência do art. 10 da L. 9437/97: atipicidade do fato: 1. Para a teoria moderna - que dá realce primacial aos princípios da necessidade da incriminação e da lesividade do fato criminoso - o cuidar-se de crime de mera conduta - no sentido de não se exigir à sua configuração um resultado material exterior à ação - não implica admitir sua existência independentemente de lesão efetiva ou potencial ao bem jurídico tutelado pela incriminação da hipótese de fato. 2. É raciocínio que se funda em axiomas da moderna teoria geral do Direito Penal; para o seu acolhimento, convém frisar, não é necessário, de logo, acatar a tese mais radical que erige a exigência da ofensividade a limitação de raiz constitucional ao legislador, de forma a proscrever a legitimidade da criação por lei de crimes de perigo abstrato ou presumido: basta, por ora, aceitá-los como princípios gerais contemporâneos da interpretação da lei penal, que hão de prevalecer sempre que a regra incriminadora os comporte. 3. Na figura criminal cogitada, os princípios bastam, de logo, para elidir a incriminação do porte da arma de fogo inidônea para a produção de disparos: aqui, falta à incriminação da conduta o objeto material do tipo. 4. Não importa que a arma verdadeira, mas incapaz de disparar, ou a arma de brinquedo possam servir de instrumento de intimidação para a prática de outros crimes, particularmente, os comissíveis mediante ameaça - pois é certo que, como tal, também se podem utilizar outros objetos - da faca à pedra e ao caco de vidro -, cujo porte não constitui crime autônomo e cuja utilização não se erigiu em causa especial de aumento de pena. 5. No porte de arma de fogo desmuniciada, é preciso distinguir duas situações, à luz do princípio de disponibilidade: (1) se o agente traz consigo a arma desmuniciada, mas tem a munição adequada à mão, de modo a viabilizar sem demora significativa o municiamento e, em conseqüência, o eventual disparo, tem-se arma disponível e o fato realiza o tipo; (2) ao contrário, se a munição não existe ou está em lugar inacessível de imediato, não há a imprescindível disponibilidade da arma de fogo, como tal - isto é, como artefato idôneo a produzir disparo - e, por isso, não se realiza a figura típica.

[30] FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional.1ª ed.São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.p. 11.

[31] BONAVIDES, Paulo.Curso de Direito Constitucional. 23ª ed.São Paulo:Malheiros,2008.p.560.

[32] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional.3ª ed.São Paulo: Saraiva, 2008. p.

404.

[33] BULOS, obra citada, p. 405.

[34] LUISI, Luiz. Os princípios Constitucionais Penais. 2ª ed.Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 2003. p.13.

3839

[35] BALUTA, José Jairo e CUNHA, J.S.Fagundes.O processo penal à luz do Pacto de São José da Costa Rica. 1ª Ed. Curitiba: Juruá. 1997, p.101.

[36] E M E N T A: "HABEAS CORPUS" - PROCESSO PENAL - PRISÃO CAUTELAR - EXCESSO DE PRAZO - INADMISSIBILIDADE - OFENSA AO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (CF, ART. 1º, III) - TRANSGRESSÃO À GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ART. 5º, LIV) - PEDIDO DEFERIDO. O EXCESSO DE PRAZO NÃO PODE SER TOLERADO, IMPONDO-SE, AO PODER JUDICIÁRIO, EM OBSÉQUIO AOS PRINCÍPIOS CONSAGRADOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, O IMEDIATO RELAXAMENTO DA PRISÃO CAUTELAR DO INDICIADO OU DO RÉU. - Nada pode justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de sua segregação cautelar (RTJ 137/287 - RTJ 157/633 - RTJ 180/262-264 - RTJ 187/933-934), considerada a excepcionalidade de que se reveste, em nosso sistema jurídico, a prisão meramente processual do indiciado ou do réu. - O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário - não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu - traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei. - A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Constituição Federal (Art. 5º, incisos LIV e LXXVIII). EC 45/2004. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência. - O indiciado e o réu, quando configurado excesso irrazoável na duração de sua prisão cautelar, não podem permanecer expostos a tal situação de evidente abusividade, sob pena de o instrumento processual da tutela cautelar penal transmudar-se, mediante subversão dos fins que o legitimam, em inaceitável (e inconstitucional) meio de antecipação executória da própria sanção penal. Precedentes.

[37] LOBO DA COSTA, Helena Regina.A Dignidade Humana: Teorias de prevenção geral positiva.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.122.

[38] “No contexto do regime constitucional brasileiro, no qual prevalece a inadmissibilidade processual das provas ilícitas, impõe-se repelir, por juridicamente ineficazes, quaisquer elementos de informação, sempre a obtenção e/ou produção dos dados probatórios resultarem de transgressão, pelo Poder Público, do ordenamento positivo, notadamente naquelas situações em que a ofensa atingir garantias e prerrogativas asseguradas pela Carta Política (RTJ 163/709), mesmo que se cuide de hipótese configuradora de ilicitude por derivação (RTJ 155/508), ou, ainda que não se

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revele imputável aos agentes estatais o gesto de desrespeito ao sistema normativo, vier ele a ser concretizado por ato de moer particular”.

Ministro Celso de Mello no RE n° 251.445/GO.

[39] FACHIN, Zulmar.Curso de Direito Constitucional.3ª ed.São Paulo: Editora Método.2008.p.289.

[40] CANOTILHO, José Joaquim Gomes Canotilho.Estudos sobre Direitos Fundamentais. 1ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008, p. 235.

[41] Cf.DRAY, Guilherme Machado.Direitos da Personalidade:Anotações ao Código Civil Português e ao Código do Trabalho.2006,p.28.

[42] GRAU, Eros Roberto, apud Rothenburg, Claudius Walter. Princípios Constitucionais. Porto Alegre. Sergio Antonio Fabris Editor, 1999.

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