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DIREITO TRIBUTÁRIO E DIREITOS FUNDAMENTAIS: Limitações ao Poder de Tributar FOLHA DE FALSA ROSTO PROVISÓRIA

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  • DIREITO TRIBUTRIO E DIREITOS FUNDAMENTAIS:

    Limitaes ao Poder de Tributar

    FOLHA DE FALSA ROSTO PROVISRIA

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  • DIREITO TRIBUTRIO E DIREITOS FUNDAMENTAIS:

    Limitaes ao Poder de Tributar

    OrganizadoresIves Gandra da Silva Martins

    Ricardo Castilho

    AutoresAntonio Carlos Rodrigues do Amaral

    Diogo Leite de CamposGeorge Niaradi

    Hugo de Brito Machado SegundoIves Gandra da Silva MartinsMariana Barboza Baeta Neves

    Ricardo CastilhoSamantha Ribeiro Meyer-Pflug

    Fechamento desta edio: 9 de janeiro de 2012

    FOLHA DE ROSTO PROVISRIA

    E d i o 2 0 1 2

  • Cip-Brasil. Catalogao-na-fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

    12-0644. CDU: 34:351.713(81)

    D635

    Direito tributrio e direitos fundamentais : limitaes ao poder de tributar / organizadores Ives Gandra Martins Filho e Ricardo Castilho ; autores Antonio Carlos Rodrigues do Amaral... [et al.]. - Rio de Janeiro : Elsevier, 2012.

    Inclui bibliografi aISBN 978-85-352-5915-5

    1. Direito tributrio - Brasil. 2. Direitos fundamentais - Brasil. I. Martins Filho, Ives Gandra da Silva, 1959-. II. Castilho, Ricardo. III. Amaral, Antonio Carlos Rodrigues do.

    2012, Elsevier Editora Ltda.

    Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei no 9.610, de 19/02/1998.Nenhuma parte deste livro, sem autorizao prvia por escrito da editora, poder ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrnicos, mecnicos, fotogrfi cos, gravao ou quaisquer outros.

    Copidesque: Marcelo AlmadaReviso: Renato Mello MedeirosEditorao Eletrnica: Tony Rodrigues

    Elsevier Editora Ltda.Conhecimento sem FronteirasRua Sete de Setembro, 111 16o andar20050-006 Centro Rio de Janeiro RJ Brasil

    Rua Quintana, 753 8o andar04569-011 Brooklin So Paulo SP Brasil

    Servio de Atendimento ao [email protected]

    ISBN 978-85-352-5915-5

    Nota: Muito zelo e tcnica foram empregados na edio desta obra. No entanto, podem ocorrer erros de digitao, impresso ou dvida conceitual. Em qualquer das hipteses, solicitamos a comunicao ao nosso Servio de Atendimento ao Cliente, para que possamos esclarecer ou encaminhar a questo.Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoas ou bens, originados do uso desta publicao.

  • VIves Gandra da Silva Martins

    Professor Emrito das Universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, Unifmu, do Ciee/O Estado de So Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do ExrcitoEceme e Superior de Guerra-ESG. Professor Honorrio das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romnia). Doutor Honoris Causa da Universidade de Craiova (Romnia) e Catedrtico da Universidade do Minho (Portugal). Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP. Fundador e Presidente Honorrio do Centro de Extenso Universitria-CEU/Instituto Internacional de Cincias Sociais-IICS.

    Ricardo Castilho

    Ps-doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC. Doutor em Direito das Relaes Sociais pela PUCSP. Conferencista no Brasil e no Exterior. Diretor-Presidente da Escola Paulista de Direito-EPD.

    Os organizadores

  • VII

    Antonio Carlos Rodrigues do Amaral

    Professor da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie. Vice-Presidente da Comisso de Direito Tributrio do Conselho Federal da OAB; Presidente da Comisso de Direito Tributrio da OAB-SP. Advogado em So Paulo. Acadmico Titular da Academia Paulista de Direito e da Academia Paulista de Letras Jurdicas.

    Diogo Leite de Campos

    Professor Catedrtico da Faculdade de Direito de Coimbra. Doutor em Direito (Universidade de Coimbra e de Paris II) e Doutor em Economia (Universidade de Paris IX). Advogado.

    George Niaradi

    Ps-Doutor em Direito pela Universit della Santa Croce-Roma. Doutor em Direito Internacional pela USP. Conselheiro Seccional da OAB-SP. Presidente da Comisso de Relaes Internacionais da OAB-SP.

    Hugo de Brito Machado Segundo

    Mestre em Direito (Ordem Jurdica Constitucional) e Doutor em Direito Constitucional. Membro do Instituto Cearense de Estudos Tributrios-CET. Professor de Direito Processual Tributrio da Faculdade de Direito da UFC.

    Os autores

  • Dire i t o T r ibutr io e D ire i t os F undamentaisVIII

    Mariana Barboza Baeta Neves

    Doutoranda pela Universidad de Barcelona-Espanha com DEA-Diploma de Estudios Avanzados, Master in International Law and Economics, pelo World Trade Institut-Bern UniversittSua. Professora de Direito Tributrio da Universidade PaulistaUnip. Advogada.

    Samantha Ribeiro Meyer-Pflug

    Doutora e Mestre em Direito Constitucional pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. Coordenadora do curso de Direito da Uninove. Membro do Conselho Superior de Direito da Federao do Comrcio. Advogada.

  • IX

    O presente livro, que Ricardo Castilho e eu coordenamos objetiva, pela pena de eminentes autores convidados, refletir sobre o sempre renovvel tema das limitaes constitucionais ao poder de tributar.

    Na audincia pblica que participei na Constituinte e nos pos-teriores contatos com a Subcomisso de Tributos, presidida pelo querido amigo Francisco Dornelles, hoje senador da Repblica, defendi como outros dos que, nos dias seguintes foram convi-dados a falar que deveria haver um Cdigo Constitucional de Defesa do Contribuinte, destacado do sistema, a ser plasmado para mostrar que, sendo a norma tributria uma norma de rejeio social, pois raramente o tributo justo, servindo mais aos deten-tores do poder que a populao, deveriam, os direitos e garantias, exsurgir com clareza no texto constitucional.

    A tese foi adotada pela Subcomisso, permanecendo, seja na Comisso de Sistematizao, seja no Plenrio, onde Hamilton Dias de Souza e eu reapresentamos a necessidade de se ter a limitao constitucional ao poder de tributar, em seo separada.

    Os constituintes, portanto, concentraram numa nica seo normas que se encontravam espalhadas pelos textos anteriores, acrescentando outras.

    Assim que a seo II do Captulo I do Ttulo VI da Constituio dedicado s limitaes do poder de tributar.

    Ricardo Castilho e eu resolvemos, portanto, nos aprofundar na temtica, com a colaborao de eminentes juristas brasileiros e estrangeiros. Essa iniciativa resultou neste excelente livro por

    Prefcio

  • Dire i t o T r ibutr io e D ire i t os F undamentaisX

    fora da qualidade dos autores convidados, em que os direitos fundamentais do contribuinte so realados, assim como as limitaes ao poder de tributar que implicam autntica vedao, principalmente no caso das imunidades, impondo fronteiras legalidade da tributao, em nvel de Lei Maior.

    No poderamos, pois, deixar de agradecer a valiosssima participao de Samantha Ribeiro Meyer-Pflug, Mariana Barbosa Baeta Neves, Diogo Leite de Campos, o decano dos catedrticos da Universidade de Coimbra, Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, George Niaradi e Hugo de Brito Machado Segundo, pelo admirvel trabalho que tiveram em meditar sobre aspectos diversos de tais direitos e garantias dos pagadores de tributos.

    Esperamos, Ricardo, eu e os autores, com esta obra, contribuir para a refle-xo mais profunda sobre tais direitos, em poca de crise mundial, que afeta os Errios de todo o mundo. O certo que a resistncia em reduzir despesas de custeio administrativo no se coaduna com a gravidade da situao e termina por exigir cautelas e cuidados maiores contra as exigncias crescentes e, muitas vezes, deslastreadas da conjuntura, atrapalhando direitos e avanando em garantias esculpidas na Lei Maior.

    Creio que, exatamente, neste momento, em que a reflexo se faz necessria, que livros, como este escrito por excelentes autores convidados, ganham expresso, a fim de que no se torne realidade no Brasil a triste concluso de Konrad Hesse, em face de violncias dos Estados em crise, quando disse: a necessidade no conhece princpios.

    Bem haja no velho estilo coimbro esta contribuio sobre os limites constitucionais ao poder de tributar.

    Ives Gandra da Silva Martins

  • 11

    Nada obstante no haver poder sem tributo, o estudo do tributo carece ainda de uma abordagem abrangente, visto que as anlises que at hoje se realizaram e tal-vez nenhum instituto jurdico-econmico-poltico tenha sido to estudado sempre o foram pela perspectiva segmentada dos cientistas que o dissecaram. Assim que os juristas abordaram-no sempre pela perspectiva da legalidade de sua exigncia, formu-lando variadas teorias, luz do direito constitucional, do direito pblico e at do direito privado. Na busca de vertentes mltiplas e, s vezes, conflitantes, para explicar sua fenomenologia, no dedicaram tempo maior a estudos mais aprofundados sobre sua natureza poltica, econmica e filosfica.1

    1. Alfredo Augusto Becker ironiza a multiplicidade de teorias, dizendo: SISTEMA DOS FUNDAMENTOS BVIOS O Direito Tributrio est em desgraa e a razo deve buscar-se no na superestrutura, mas precisamente naqueles seus fundamentos que costumam ser aceitos como demasiado bvios para merecerem a anlise crtica. Esclarecer explicitar as premissas. O conflito entre as teorias jurdicas do Direito Tributrio tem sua principal origem naquilo que se presume conhecido porque se supe bvio. De modo que de premissas iguais em sua aparncia (a obviedade confere uma identidade falsa s premissas) deduzem-se concluses diferentes porque cada contendedor atribuiu um diferente conceito s premissas bvias. Esta dualidade de concluses deixa ambos os contendedores surpresos e perplexos (pois partiram das mesmas premissas bvias), sem que um possa convencer o outro da veracidade de sua respectiva concluso . Nesta perigosa atitude mental, incorrem muitos daqueles que pem o fundamento do tributo (e consequentemente do Direito Tributrio) na

    O PODER DE TRIBUTAR PELO PRISMA DA TEORIZAO DE SUA FUNO SOCIAL E DE PROTEO

    AOS DIREITOS INDIVIDUAIS

    I V E S G A N D R A D A S I L V A M A R T I N S

  • Dire i t o T r ibutr io e D ire i t os F undamentais2

    No sem razo, em face do Direito positivo, a questo do tributo justo perde fora perante muitos juristas, principalmente dos que se dizem posi-tivistas puros, por s encontrarem segurana real na norma formalmente posta. Remetem filosofia a formulao de uma teoria sobre a justia na tribu-tao, com o que se desvencilham da necessidade de explicar por que a carga tributria sempre contestada em todos os espaos geogrficos e perodos histricos, explicao que entendem ser mais pertinente aos filsofos do direito e da poltica.

    Por outro lado, os economistas, na procura do princpio da eficincia e da utilidade, examinam tal elemento essencial para as finanas pblicas e para o Estado apenas pelo prisma de seus impactos positivos ou negativos na economia, tambm no se debruando sobre sua natureza jurdica, poltica, histrica ou filosfica.2

    Os historiadores, que poderiam ofertar uma esplndida contribuio ao estudo do tributo, no mais das vezes so pouco afeitos s questes jurdi-cas, econmicas, polticas e at filosficas, com o que, seja luz da hist-ria cronolgica dos grandes feitos e heris ou da histria do cotidiano dos povos e civilizaes, o papel desempenhado pelo tributo por eles pouco analisado, merecendo apenas referncias tangenciais, como, por exemplo,

    Soberania do Estado e cujo raciocnio em sntese este: o Estado tem necessidade de meios financei-ros para custear suas atividades e com tal finalidade (a surge o problema da natureza da tributao extrafiscal) tributa e tributa (inclusive extrafiscalmente) porque Soberano; destas premissas se conclui, obviamente, que o tributo uma obrigao ex-lege (Teoria Geral do Direito Tributrio, Ed. Saraiva, 2. ed., 1972, p. 10-11).2. James Buchanan compara bem tal enfoque ao escrever: El Gobierno, considerado como una unidad, puede definirse como el objeto del estudio de la Hacienda Pblica. Ms concretamente: la Hacienda Pblica estudia la actividad econmica del Gobierno como una unidad. Bajo este punto de vista, asi como bajo otros muchos, consideramos al Gobierno como una unidad o entidad independiente, o sea, como una persona. Para ilustrar todo esto nos serviremos de una analoga. Supongamos que decidimos estudiar la actividad econmica de una persona individual, pongamos la del seor Jones. Nuestra investigacin atravesar diversas fases. Primeiramente trataremos de descubrir como el seor Jones obtiene sus ingresos y cuanto percibe. Por ejemplo, puede trabajar como mecnico, reparador de TV, abogado o aviador, o no trabajar y obtener sus ingresos cortando cupones de intereses. En segundo lugar, intentaremos averiguar como los gasta, ya que puede ser un gastrnomo que emplea la mayor parte de los mismos en alimentos costosos, un entusiasta del arte moderno, o un entusiasta del golf, que gasta casi todo en tal deporte; incluso un avaro que ahorra la mayor parte de lo que consigue. Toda esta informacin seria reunida en la primera parte de nuestra encuesta sobre la actividad econmica del seor Jones e a seguir: La analoga con el estudio de la actividad econmica del seor Jones puede resultar muy valiosa, o extremadamente engaosa, cuando pasemos a estudiar la actividad econmica del Gobierno. La primera etapa es muy similar, ya que en ella necesitamos recopilar los hechos sobre su actividad financiera. Tenemos que saber cmo el Gobierno obtiene sus ingresos (rentas) y cmo los gasta. Esto significa que debemos conocer algo sobre ambos lados de la cuenta del presupuesto del Gobierno (Hacienda Pblica, Madrid, Editorial de Derecho Financiero, 1968, p. 9-10).

  • ELSEVIER I V ES GA NDR A DA SILVA M A RTINS 3

    s Leis Thowsend, influenciando a revoluo americana, ou derrama, a Inconfidncia Mineira. Mesmo, pois, quando o tributo causa do fato his-trico, o fato em si supera em muito, no exame do historiador, em sua viso descritiva ou especulativa dos acontecimentos, a origem do movimento ou do episdio a ser reconstitudo.3

    Os filsofos tambm no so especialistas em economia ou direito, e sua anlise pobre se comparada a toda a espcie de especulao que elaboram desde tempos imemoriais, no mximo havendo insuficientes referncias a pre-os, a formao do tributo justo. A justia, de rigor, elemento essencial na conformao das perguntas quase sempre as mesmas e respostas variadas e insuficientes que os filsofos tm ofertado sobre o homem, a vida, a con-vivncia social, a origem e o destino da humanidade.4

    Os cientistas polticos, como os filsofos, historiadores e juristas, por entenderem pouco de economia e temerem imprecises, examinam de forma perfunctria a funo do tributo na histria e na concepo do Poder. Partem, quase sempre, do princpio de que a indagao sobre sua funo, limites, justia, irrelevante, pois se trata de instituto essencial e fundamental existncia do Estado, do Poder e dos governos.

    A dificuldade de compreenso do fenmeno econmico, em grande parte, e do jurdico em seus aspectos mais relevantes, torna o estudo do tributo por cientistas polticos, filsofos e historiadores de menor preocupao, certamente por se sentirem pouco vontade na aproximao correta que a fenomenologia impositiva exige.

    3. Taxes bave been a major subject of political controversy throughout history, even before they consti-tuted a sizable share of the national income. A famous instance is the rebellion of the American colonies against Great Britain when the colonials refused to pay taxes imposed by a Parliament in which they had no voice; hence the slogan, No taxation without representation (The New Encyclopaedia Britannica in 30 volumes, vol. 17, 1980, p. 1078).4. So Toms de Aquino enfrenta o problema da lei injusta quase sempre a lei tributria injusta escrevendo o seguinte: On the other hand laws may be unjust in two ways. First, by being contrary to human good, through being opposed to the things mentioned above: either in respect of the end, as when an authority imposes on his subjects burdensome laws, conducive not to the common good but rather to his own cupidity or vainglory; or in respect of the author, as when a man makes a law that goes beyond the power committed to him; or in respect of the form, as when burdens are imposed unequally on the community, although with a view to the common good. The like are acts of violence rather than laws, because, as Augustine says (De Lib. Arb. i, 5), a law that is not just seems to be no law at all. Therefore such laws do not bind in conscience, except perhaps in order to avoid scandal or disturbance, for which cause a man should even yield his right, according to Matt. 5. 40, 41: If a man ... take away thy coat, let go thy croak also unto him; and whosoever will force thee one mile, go with him other two (Great Books of the Western World, Aquinas II 18, Britannica, p. 233).

  • Dire i t o T r ibutr io e D ire i t os F undamentais4

    Restaria o socilogo que, teoricamente, por ter uma viso mais abrangente de todas as Cincias Sociais, por certo sentir-se-ia mais habilitado a enfrentar com maior amplitude a questo, possibilitando um estudo pormenorizado do tributo.5

    Ocorre, que, por ser a economia uma cincia de difcil manuseio por no especialistas e o tributo ser examinado, no poucas vezes, na economia, pela econometria para dimensionar sua instrumentalizao, a dificuldade de tratar de sua real natureza elemento que o torna mais de citao obrigatria do que de estudo adequado.6

    Por fim, de se mencionar aqueles que esto ligados, em sua vida cotidiana, ao tributo, mas que tambm o veem de forma incompleta. O Poder, em sua necessidade de existir graas aos tributos, cerca-se de especialistas em arre-cadar cada vez mais da sociedade, sendo tais especialistas os publicanos do sculo XXI , por sua prpria natureza, incapazes de examinar o tributo de forma abrangente, porque sua funo cobrar, exigir e criar novas hipteses de imposio.

    Por outro lado, os beneficirios do tributo os governantes mesmo sendo tambm contribuintes, so seus grandes receptores e destinatrios, motivo pelo qual, embora com uma viso no to sectarista quanto a dos agentes fiscais encarregados da cobrana, no deixam de exaltar o tributo e criar legislao cada vez mais apenadora, no mundo inteiro, para assegurar o cumprimento das obrigaes fiscais impostas, sem grande contestao.

    5. Crane Brinton, ao declarar: Neste ponto pode objetar-se que, como as cincias sociais vm imitando as cincias naturais h vrios sculos, sem terem conseguido ir mais adiante, elas deviam experimentar sustentar-se sozinhas, desenvolver seus mtodos prprios, sem se preocuparem com as realizaes no campo das cincias naturais. H um fundo de verdade nessa objeo. Realmente, escritores como Fourier e Herbert Spencer, que se proclamaram os Newtons ou os Darwins da Cincia Social, parecem haver comeado errando. Inspirando-se na filosofia e nas artes, um esprito proftico um Spengler, um Toynbee provavelmente extrair melhor sentido do estudo do homem na sociedade do que o cientista social preocupado em adotar, sem alterao, os mtodos e materiais da fsica ou da biologia. No obstante, hesitamos em entregar o estudo dos homens na sociedade exclusivamente aos Spenglers ou mesmo aos Toynbees. A longa tradio do reacionalismo fez em nossa sociedade conquistas que no devem ser abandonadas sem mais aquela, mesmo no mundo de ps-guerra. Essa tradio nos obriga ao esforo de continuar e ampliar aquele trabalho a que chamamos de cientfico, nem por isto, ao examinar as quatro grandes revolues que estudou, dedicou mais importncia ao peso dos tributos (Anatomia das Revolues, Rio de Janeiro, Ed. Fundo de Cultura, 1958, p. 29-30).6. Charles M. Allan assim definiu a tributao para a Economia: Taxation is concerned with two problems. First, how to finance the provision of those goods defence, law and order are examples which a market economy cannot easily provide: call them public or colective goods. Second, to finance those programmes which will eliminate the side effects of a market economy poverty, unemployment, urban blight and atmospheric pollution: these are the public bads, usually discussed in social economics (The theory of taxation, Editorial Foreword, Penguin Books, Austrlia, 1971).

  • ELSEVIER I V ES GA NDR A DA SILVA M A RTINS 5

    Finalmente, ao contribuinte resta protestar e o faz em todos os tempos histricos e espaos geogrficos organizando, quando possvel, movimentos de indignao, mas com fora limitada, porque, nesta matria, os representantes do povo no o representam, interessados que esto em ter os recursos tributrios para se manterem no poder.7

    O descontentamento permanente dos contribuintes a demonstrao ine-quvoca de que o estudo, para se chegar formulao de uma teoria abrangente sobre o tributo, que permita anlise integrativa de todas as cincias a que pertine sua compreenso, matria que merece reflexo.

    Infelizmente, essa anlise abrangente conforma Governo, Poder, Estado e Tributo como irmos quadrisiameses, em cuja conformao o povo no agente ativo, mas passivo, sem poder decisrio maior e sem representao autntica na formulao da carga ideal capaz de gerar o tributo justo. Por essa razo, o tributo reveste-se, ainda hoje, como j formulei no livro Teoria da Imposio Tributria, de crescente rejeio social, embora, em tese pelo menos, seja pos-svel chegar a uma poltica de rejeio menor. Alcanar-se-ia, nesse caso, uma aproximao da teoria do tributo justo, dependendo da participao do sujeito passivo, ou seja, de se garantir ao povo um papel mais decisivo, comprometido, regulador e fiscalizatrio do quadrinmio Governo-Poder-Estado-Tributo.8

    Lembro, nessa linha de raciocnio, que os homens no so iguais. O ideal seria torn-los iguais, mas, por sua natureza, vocao, raa, inteligncia, so diferentes e nenhuma lei poder, jamais, faz-los iguais. Cabe ao legislador apenas quando bom reduzir o nvel das desigualdades. Mesmo os bons legisladores, porm, fazem leis que ensejam desigualdades, quase sempre bene-ficiando mais os que as elaboram do que os que esto fora do ncleo do poder.9

    7. Harold M. Groves chega a dizer: No falta quien equipare los impuestos a una especie de robo. Lo que a stos da respetabilidad y los hace defendibles es su aprobacin por los representantes de los contribuyentes. La participacin del votante en las disposiciones que establecen los impuestos es el pro-cedimiento debido para gravar con tributos. Indudablemente, la relacin entre el sufragio y la fijacin de los impuestos no carece de excepcin, ya que los extranjeros pagan impuestos algunas veces, aunque no puedan votar. La reciprocidad, en este ltimo caso, consiste en que se benefician de los servicios del gobierno, no en que aprueban sus disposiciones. Pero, principalmente, la relacin entre el privilegio de poder votar y la obligacin de pagar impuestos es, en tiempos modernos, muy estrecha. Es probable que el enojado contribuyente se apresure a lamentarse de que l nunca consinti ni consentir en cubrr los impuestos que hubo de pagar recientemente (Finanzas Pblicas, Editorial Trillas, Mxico, 1972, p. 17).8. LTr, So Paulo, 2. edio, revista e atualizada, 1998.9. J Homero, na Odisseia, lembrava que os deuses no fizeram os homens iguais, dizendo: So it is that the gods do not bestow graces in all ways on men, neither in stature nor yet in brains or eloquence; for there is a certain kind of man, less noted for beauty, but the god puts comeliness on his words, and they who look toward him are filled with joy at the sight, and he speaks to them without faltering in

  • Dire i t o T r ibutr io e D ire i t os F undamentais6

    As democracias podem permitir uma melhor visualizao dessa desigual-dade e uma medocre tentativa de reduzi-la, mas os resultados so ainda insu-ficientes e devero continuar assim por muitas geraes, por ser a democracia moderna acontecimento recente na vida da espcie humana.

    Os homens no so iguais, sendo mais ntida a diferena nos que detm o poder.

    A histria humana demonstra que sempre os detentores do poder se con-sideram mais importantes que a sociedade, que os sustenta, e agem de con-formidade com essa suposta superioridade. Sempre se consideraram acima do povo, exteriorizando as primeiras codificaes tal percepo de superioridade.

    Antes do direito romano, as leis ofertadas pelos detentores do poder eram consideradas ddivas dos dirigentes para o povo, como se pode ler nos primeiros cdigos que antecederam o de Hamurabi.10

    Os detentores do poder de nvel cultural superior e esprito de liderana maior consideravam-se predestinados misso de governar a classe inferior,

    winning modesty, and shines among those who are gathered, and people look on him as on a god when he walks in the city. Another again in his appearance is like the immortals, but upon his words there is no grace distilled, as in your case the appearance is conspicuous, and not a god even would make it otherwise, and yet the mind there is worthless (Great Books of the Western World, Mortimer J. Addler, Editor in Chief, vol. 3, Enciclopedia Britannica, p. 376).10. Federico Lara Peinado escreve: En el transcurso de las excavaciones norte-americanas de 1899-1900 y 1945 realizadas en Nippur (boy Niffar) apareci en su riqusimo archivo una tablilla de arcilla muy deteriorada que contena los preceptos legales promulgados por el fundador de la III Dinasta de Ur, Urnammu (2112-2095 a. de C.), considerado por los historiadores del Derecho como el primer legislador sensu stricto de la humanidad. Tal Cdigo no fue, sin embargo, descifrado hasta el ao 1952, fecha en que S. N. Kramer, al tiempo que efectuaba su traduccin, publicada diez aos ms tarde, determinaba que se trataba de una copia del original, realizada probablemente en el siglo XVIIa. de C. Dicho Cdigo se utiliz, sin duda alguna, camo material escolar en las edduba de Nippur, e incluso no se descarta la posibilidad de que hubiese servido de muestra para la redaccin del Cdigo de Hammurabi. La utilizacin del Cdigo de Urnammu como texto escolar ha sido confirmada por la aparicin de otra tablilla, procedente de Ur, que contena dos fragmentos del mencionado Cdigo y que fue publicada por O. R. Gurney y S. N. Kramer. El texto jurdico, redactado en sumario, compreende ocho columnas de 45 lneas cada una y consta de un prlogo, muy incompleto, y de un cuerpo legal del que son inteligibles unas 24 leyes. Lamentablemente no nos ha llegado el eplogo que cerraba las disposiciones legales de Urnammu. En el prlogo, que slo puede leerse parcialmente, se nos muestra el rey como representante terrestre de la divinidad, en un intento de estabilizar su mandato bajo presupuestos teocrticos y justificar as su acceso ilegal al poder. Como es sabido, Urnammu se haba independizado de su rey Utukbengal, convirtindose de gobernador militar de Ur en rey de la misma ciudad. Tras aludir el texto a la guerra sostenida con Nammakhani, soberano de Lagask, y restablecimiento de las fronteras territoriales, pasa a mencionar la supresin de una serie de delitos a lo que sigue la enumeracin de las medidas tomadas: implantacin de un adecuado sistema de pesas y medidas, la proteccin de vindas y hurfanos, castigo de los abusos de un hombre rico cometido sobre otro ms pobre, y el deseo, en fin, de establecer una ordenacin justa en su pas (grifos meus) (Cdigo de Hammurabi, Ed. Nacional, Madrid, 1982, p. 15-16).

  • ELSEVIER I V ES GA NDR A DA SILVA M A RTINS 7

    ou seja, o povo, que os devia servir, conforme os desejos e caprichos de seus senhores.

    De rigor, no passado, e em quase todas as civilizaes da Europa, sia e Amrica pr-colombiana, com variantes e subdivises, os homens eram clas-sificados em quatro categorias, a saber:

    1) os governantes, seres superiores e com direito de vida e morte sobre o povo;

    2) os cortesos, artistas e auxiliares diretos dos governantes;3) o povo;4) os escravos, categoria composta quase sempre pelos derrotados nas lutas

    pelo domnio de espaos geogrficos.11

    Tal superioridade dos detentores do poder encontra-se nas civilizaes orientais, como se verifica na China inclusive no perodo dos reinos comba-tentes ou na ndia que at hoje mantm as castas, com base em concepo religiosa que v na reencarnao o caminho para subir de patamar social, a cada novo nascimento , ou ainda nas civilizaes do mdio e prximo oriente (elamitas, babilnios, srios, hititas, mitneos, assrios, persas e egpcios e outras do norte oriental da frica). Desde o incio da histria narrada, percebe-se

    11. Escrevi: Nessas comunidades iniciais, racional se nos afigura que lideranas naturais surgissem, onde a destreza fsica e a perspiccia pessoal seriam os talentos mais peculiares de seus condutores, compreendendo-se que a prpria evoluo da espcie fosse fazendo com que os dirigentes primeiros tendessem a transmitir seus conhecimentos e experincias aos membros de suas prprias famlias, com quem um amor mais definido e uma confiana mais clara tornaria a convivncia mais suportvel. Deve-se acrescentar que a mortalidade no pequena apenas permitia a sobrevivncia dos fortes e, entre os fortes sobreviventes, os mais diretamente ligados aos lderes eram os que, naturalmente, os suce-diam. Parece-nos fundamental compreender esse ponto, pois o respeito decorrente, que os liderados das primeiras sociedades tinham pelos seus lderes, s poderia ser entendido, numa transferncia de poder, na medida em que os novos lderes dispusessem da mesma habilidade, inteligncia, fora e conhecimento de seus maiores. Numa poca, em que o conhecimento era quase nenhum e em que o homem primitivo via, em todos os fenmenos naturais, foras superiores s suas e os transformava em deuses, de se aceitar que as lideranas tribais e a sua sucesso aconteciam, baseadas, quase exclusivamente, no temor aos inimigos externos e na confiana sobre a capacidade de seus chefes. Apenas sob esta perspectiva possvel justificar a origem das classes dirigentes mais antigas e a for-mao das nobrezas, normalmente vinculadas aos governantes, e da plebe composta dos governados. Na medida, portanto, em que o conhecimento crescia, mais ficava o mesmo circunscrito s famlias dos condutores tribais, criando-se, praticamente, uma definitiva separao entre a classe direcional e a dirigida ou entre o povo e a nobreza, nos pr-histricos tempos, embora ainda no aclarados os contornos da diviso, que comeava a amadurecer, como um embrio j concebido. O certo que, se de um lado os problemas j se colocavam, de outro lado, o crescimento das sociedades tribais e o avano sobre a natureza (o homem saa das cavernas para o campo e para as primeiras aldeias) lanavam o grmen das cidades, que principiavam a nascer, como forma evoluda de sobrevivncia da espcie e tendo, no centro de suas estruturas simplificadas, as famlias dos dirigentes (O Estado de Direito e o Direito do Estado, Jos Bushatsky Editor, 1977, p. 9 a 12).

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    que toda a legislao produzida objetivava reafirmar a delegao divina dos detentores do poder em regular a vida nacional, sem permitir sociedade interveno direta na existncia e no estilo dos governantes (reis, imperado-res, faras e demais dirigentes). As lutas intestinas pelo poder e as guerras de conquista, no plano internacional, eram a regra de convivncia.

    At mesmo as cidades-estados da Grcia, onde a forte especulao filosfica trouxe elementos de conscientizao ao povo, mais do que nas civilizaes orientais, v-se que mesmo l os governantes consideravam-se superiores ao povo, porque detinham o poder, inclusive de vida e morte, sobre seus sditos.

    Atenas entre as cidades-estados gregas a que mais de perto chegou do Estado Democrtico moderno e da reflexo filosfica mais profunda de todos os tempos, pois que l viveram os trs grandes pensadores da filosofia mundial (Scrates, Plato e Aristteles) no foi seno uma democracia de elite, com uma sociedade servil e de escravos maior do que a de seus cidados.12

    As Codificaes de Urnamu, Liph-Ishtar, Shulgi, Hamurabi, Leis de Manu e de Amon, direito dos hititas, de Slon, de Licurgo, de Dracon so todos textos legislativos pr-romanos que exteriorizam a desigualdade entre os homens, que o prprio direito de Roma e tudo o que lhe sucedeu, nessa rea, no conseguiu reverter seno em parte.

    que, em todos os perodos histricos e geogrficos, os detentores do poder consideram-se superiores e mais bem dotados para desfrutar a vida do que os comuns mortais.

    A tica, a moral, os valores permanentemente perseguidos pelos filsofos e pensadores no so os desideratos maiores de reflexo dos que buscam o Poder, porque s o poder lhes interessa, tornando a histria da humanidade uma tresloucada luta pelo direito de mandar, de comandar, de ter fora, de dominar, prpria dos polticos.

    A mais idealista das instituies no consegue, muitas vezes, livrar-se do vrus da ambio pelo poder, sendo a sua histria permeada de momentos

    12. Scrates ao defender o imprio da lei contra Clicles, no deixa, todavia, de reconhecer, sem lhe dar legitimidade, as diferenas de status ao dizer: And do you mean by the better the same as the superior? for I could not make out what you were saying at the time whether you meant by the superior the stronger, and that the weaker must obey the stronger, as you seemed to imply when you said that great cities attack small ones in accordance with natural right, because they are superior and stronger, as though the superior and stronger and better were the same; or whether the better may be also the inferior and weaker, and the superior the worse, or whether better is to be defined in the same way as superior: this is the point which I want to have cleared up (Great Books of the Western World, 6, Plato, Gorgias, Enciclopedia Britannica, p. 274).

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    crticos, em que os idealistas que as instituram so vencidos pelos que querem o poder pelo poder. Nem mesmo a Igreja Catlica conseguiu livrar-se, em alguns momentos de sua histria, do fato de alguns de seus expoentes maiores terem deixado a marca que caracteriza a histria do poder na terra.13

    Ora, o poder sobrevive exclusivamente custa da sociedade. Quem domina, domina algum. E quem domina precisa tirar desse algum o seu sustento. O dominado trabalha para sustentar o dominante. O povo, atravs da histria, sempre trabalhou para sustentar os governantes, cabendo aos governantes reti-rar da sociedade o que desejam e sociedade produzir os recursos necessrios para sustent-los e a seus caprichos, guerras, desejos de grandeza. A felicidade do povo governado no est entre suas prioridades maiores.

    Mesmo nas democracias, os detentores do poder, ou seja, aqueles que ven-cem a batalha eleitoral, necessitam do respaldo do povo, do trabalho do povo, do seu esforo para conservarem-se no poder. As tcnicas de manuteno so mais sofisticadas, mas o resultado o mesmo. Enquanto os governantes

    13. Alvin Toffler desloca, inclusive, o exame clssico da teoria do poder, como inerente aos polticos, para a prpria realidade humana, em todas nossas relaes, considerando-a inerente ao ser humano e dizendo: Apesar do mau cheiro que adere prpria noo de poder por causa dos usos indevidos que se tem dado a ele, o poder, em si, no bom nem mau. um aspecto inevitvel de todo relacio-namento humano, e influencia tudo, de nossas relaes sexuais ao emprego que temos, os carros que dirigimos, a televiso a que assistimos, as esperanas que cultivamos. Em um grau maior do que a maioria imagina, ns somos o produto do poder. No entanto, de todos os aspectos de nossas vidas, o poder continua sendo um dos menos compreendidos e o mais importante em especial para a nossa gerao. Porque estamos no alvorecer da Era da Powershift. Vivemos em um momento em que toda a estrutura do poder que mantinha o mundo coeso est agora se desintegrando. Uma estrutura de poder radicalmente diferente est adquirindo forma. E isso acontece em todos os nveis da sociedade humana. No escritrio, no supermercado, no banco, na sute executiva, em nossas igrejas, hospitais, escolas e lares, os velhos padres do poder esto rachando ao longo de estranhas linhas novas. Campi universitrios de Berkeley a Roma e a Taipei esto se agitando, preparando-se para explodir. Os con-flitos tnicos e raciais esto se multiplicando. No mundo empresarial, vemos empresas gigantes sendo desmontadas e montadas de novo, seus principais executivos despedidos, juntamente com milhares de empregados. Um paraquedas de ouro ou pacote de despedida com dinheiro e benefcios pode suavizar o choque da aterragem para um administrador de primeira linha, mas l se foram os complementos do poder: o jato da empresa, a limusine, as conferncias em glamourosos balnerios com campo de golfe e, acima de tudo, a emoo secreta que muitos sentem no pleno exerccio do poder. O poder no est mudando s no topo da vida empresarial. O chefe do escritrio e o supervisor na fbrica esto descobrindo que os operrios j no aceitam ordens cegamente, como muitos faziam antigamente. Eles fazem perguntas e exigem respostas. Os oficiais militares esto aprendendo a mesma coisa com relao aos seus soldados. Os chefes de polcia, com relao aos seus policiais. Os professores, cada vez mais, a respeito de seus estudantes. Essa derrubada da autoridade e do poder ao estilo antigo na atividade empresarial e na vida do dia a dia est se acelerando no exato momento em que as estruturas de poder global tambm se desintegram. Desde o trmino da Segunda Guerra Mundial, duas superpotncias dominaram o mundo como se fossem colossos. Cada qual tinha seus aliados, satlites e claque. Uma compensava a outra, mssil por mssil, tanque por tanque, espio por espio. Hoje, claro, esse ato de equilbrio acabou (Powershift As mudanas do poder, 2. ed., Record, p. 27-28).

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    dedicam-se ao exerccio do poder e realizao de seus sonhos de domnio, a sociedade chamada a contribuir com seu esforo para sustent-los.14

    No se excluem nas denominadas democracias modernas os sonhos de domnio dos governantes, a serem mantidos pelo povo. E essas ambies nem sempre esto de acordo com a realidade, como se verificou na motivao apresentada pelo Presidente Bush sociedade americana e ao mundo para invadir o Iraque, que no tinha qualquer arma de destruio em massa, como alegava o presidente reeleito dos Estados Unidos. De rigor, o nico pas do mundo que tem armas de destruio em massa da humanidade, em escala superior de qualquer outro, so os Estados Unidos.

    Em outras palavras, os detentores do poder, que constituem a classe privile-giada dos homens desiguais, necessitam da classe desprivilegiada, que o povo, para se sustentar no governo, contando, nas democracias modernas, com todo um aparato de manipulao da mdia para obter como necessrios e do interesse pblico leia-se interesse prprio todos os recursos que retiram da comunidade.

    , portanto, o tributo, o elemento mais relevante para o exerccio do poder. Em todos os tempos, o tributo serviu para sustentar seus detentores, no havendo poder sem tributo, ou tributo sem poder. O tributo pode ser da mais variada espcie, desde o primitivo in natura, ao dos tempos modernos, ou seja, em espcie, em moeda circulante ou escritural.15

    14. Gustavo Miguez de Mello coloca sobre a poltica tributria justa algumas questes que dificilmente os governos tm condies de responder, em face da injustia do tributo: Presentemente, os objetivos da cobrana de tributos encontram-se bem mais explicitados, embora sejam eles frequentemente esquecidos quando da elaborao de normas tributrias. As perguntas pertinentes para testar o sistema tributrio so: o sistema contribui para a adequada alocao de recursos sem tornar excessiva a carga tributria globalmente considerada? O sistema tributrio justo, ou melhor, ele trata igualmente os contribuintes em situao idntica (equidade horizontal) e trata de maneira adequadamente diferente os contribuintes em situaes diferentes (equidade vertical)? O sistema tributrio proporciona aos residentes no Pas onde se aplica maior contribuio possvel adequada redistribuio da renda e ao desenvolvimento econmico, ou melhor, produo de bens e servios? Favorece ele a poltica de estabilizao da economia pelo combate adequado ao desemprego, inflao e ao desequilbrio do balano de pagamentos internacionais? Outra pergunta relevante em casos de pases federativos se o sistema tributrio contribui ou no e, em casos de resposta afirmativa, se contribui da melhor maneira possvel para a repartio dos poderes polticos, fortalecendo a federao pela maior autonomia proporcionada aos poderes estaduais e municipais. Para encaminhamento de um debate sobre um sistema tributrio deveriam ser formuladas ainda as seguintes indagaes fundamentais: o sistema tributrio foi elaborado de forma a favorecer a eficincia de sua administrao? Deixamos de propsito para o fim uma questo da maior relevncia: a aplicao concreta do sistema tributrio respeita os direitos e garantias individuais do cidado? (Mapa Fiscal, Notcias Econmicas, Suplemento espe-cial, 1o Congresso Brasileiro de Direito Financeiro, 27 a 31/08/1979, Temas para uma nova estrutura tributria no Brasil, p. 6).15. Escrevi: Diz Aliomar Baleeiro que as necessidades pblicas foram, no estgio mais rudimentar

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    O tributo , portanto, a transferncia de recursos da sociedade desprivile-giada para o sustento dos governantes, no sendo a prioridade maior destes a prestao de servios pblicos, mas sua prpria manuteno no domnio das gentes e dos que os apoiam.

    No sem razo a carga tributria de todos os pases, em todo o mundo, elevada. At hoje no se deu a devida importncia, na composio do tributo e de sua destinao, quilo que retorna sociedade em servios e quilo que fica nos meandros e bastidores dos governos e governantes e de suas ambi-es, mordomias, privilgios, subsdios, vencimentos, nepotismo, corrupo, multiplicao de funes remuneradas e benefcios variados.

    Em outras palavras, grande parte dos tributos que a sociedade paga para o poder no objetiva beneficiar a sociedade, mas, exclusivamente, seus detento-res (polticos, burocratas, aproveitadores, amigos e empresrios beneficirios de obras pblicas), razo pela qual Poder e Tributo so irmos siameses inseparveis, sustentados pela classe inferior e dominada, que o povo e a sociedade.16

    Mesmo que as constituies modernas declarem que todos os homens so iguais e cabe ao Poder servir sociedade, a prtica diagnosticada pela histria tem demonstrado que a sociedade que serve aos governantes. Estes mantm os mesmos vcios que nos tempos pr-histricos ou dos senhores feudais, aqueles que detinham o poder de vida e de morte sobre seus sditos. Apenas, hoje, a teoria do domnio mais sofisticada, e o tributo exigido para sustentar os seres da elite governamental, mais alcandorado em nobres e quase nunca realizados ideais.

    da sociedade, as necessidades plurais, ou, enfim, aquelas que o homem no pode satisfazer sem o concurso do grupo. Este coage o indivduo, quando no logra arregiment-lo pela persuaso com o que aceita a teoria da Hanya Ito, que chamou os fenmenos financeiros de economia de aquisio compulsria. Nesta perspectiva que devemos buscar a natureza jurdica da sano tributria, que no visa tanto a preservao da ordem, a tranquilidade da sociedade, a recuperao de criminosos, a reparao do dano, mas principalmente coagir o contribuinte a trazer a sua participao para que as necessidades pblicas sejam satisfeitas (Hanya Ito, Essays in Public Finance, Science Council of Japan, Tokyo, 1954) (Direito Tributrio 2, Jos Bushatsky Editor, 1972, p. 145).16. D.R. Myddelton lembra que: Taxation (or confiscation) consists of direct seizure of private money or property by the State, backed by the threat of force. Confiscation (appropriation to the State treasury, (colloq.) legal robbery with sanction of ruling power) implies neither total seizure, as is commonly thought, nor any element of penalty. Nevertheless, as Chief Justice John Marshall pointed out: The power to tax is the power to destroy (The power to destroy, A Study of the British Tax System, Johnson, London, 1969, p. 15).

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    Poder e Tributo continuam sendo, na histria da humanidade, dois entes indissolveis que, em face da desigualdade entre os homens, cabe ao povo suportar.17

    O tributo o mais importante instrumento de poder em sociedade em que h pessoas de primeira e segunda classe, ou seja, os governantes e os governados.

    Sempre a deciso que pertine ao nvel da carga tributria exclusivamente do governo, em quase todos os pases, em todos os perodos histricos, em quase todos os espaos geogrficos, sem nenhuma participao popular.

    Hart, em sua teoria de Direito, mostrava que, nas democracias modernas e em Estados constitucionais, as leis so feitas para serem aplicadas a governantes e governados, mas normalmente beneficiam mais os governantes do que os governados, no poucas vezes sem preocupao em atingir o ideal de justia.18

    Na evoluo jurdica, o direito pr-romano, atravs da legislao revelada pela histria, no questionava o direito dos governantes, mas apenas de que forma seriam reguladas as relaes com os cidados entre si ou, no mximo, dos governantes delegados (burocratas) com o povo.

    As estruturas do poder, nas monarquias absolutas, atravs da histria, tinham seus rgos de controle com duplo objetivo, ou seja, controlar a socie-dade, para que esta se adequasse aos desgnios do poder, e evitar que os con-correntes ao poder l chegassem.

    Nas democracias modernas, a diferena no muito grande. Os detentores do poder utilizam-se da sociedade para control-la e para evitar que seus adversrios, inimigos ou concorrentes, consigam tom-la, utilizando-se de armas modernas de perseguio jurdica e desmoralizao da imagem, entre outros instrumentos. E fortalecem-se no poder atravs do hbito de submisso dos povos.19

    17. No sem razo, o dito popular de que a nica coisa certa na vida so a morte e os impostos vincula dois momentos indesejveis para a sociedade, ou seja, morrer e pagar tributos.18. Nem por isto Hart deixa de admitir um mnimo de ideal de justia, ao considerar os cinco funda-mentos comuns e naturais de toda a ordem jurdica, a saber: 1) necessidade de proteo vulnera-bilidade humana; 2) a reduo das desigualdades sociais; 3) a conformao do limitado altrusmo do ser humano, nem anjo, nem demnio; 4) a valorizao dos recursos escassos de produo de bens na terra; 5) a criao de sistema sancionatrio capaz de permitir o cumprimento das leis (The concept of law, Oxford University Press, New York, 1961, p. 190/195).19. Karl Deutsch lembra que: De que modo a poltica assegura a direo e autodireo de sociedades e a alocao de valores dentro delas? Ela opera fundamentalmente utilizando-se dos hbitos da grande massa da populao de se submeter s leis e autoridade do governo; e estes hbitos de submisso so acentuados e fortalecidos pela probabilidade de execuo da lei contra aqueles que a transgridam. Os hbitos de submisso so os associados invisveis do governo, mas realizam mais de 90% da tarefa (Poltica e Governo, Srie Pensamento Poltico n. 9, Ed. Universidade de Braslia, 1974, p. 38).

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    At mesmo em relao a instituies, que deveriam ser neutras perante o Poder Poltico e Burocracia Civil, a dinmica do Estado e do governo, mesmo nas democracias mais modernas, termina por influenci-las. Tal tipo de influ-ncia verificou-se, por exemplo, na vitria que a Suprema Corte Americana ofertou ao derrotado (Bush) em nmero de eleitores para o vitorioso (Gore). A eleio foi decidida pelos nove juzes do Tribunal Maior estadunidense, tendo votado os quatro juzes indicados pelos Democratas (partido de Gore) a favor de Gore e os cinco indicados por Republicanos (partido de Bush) a favor de Bush. A eleio, portanto, foi decidida por apenas nove cidados com preferncias polticas bem definidas.

    No Brasil, durante o perodo militar, o Procurador-Geral da Repblica raramente entrava com representaes por inconstitucionalidade de leis federais, visto que era nomeado pelo presidente da Repblica e seu advogado institucional.20

    A promulgao da Constituio de 1988 (5/10) conferiu atribuies novas ao Ministrio Pblico, transformando-o no mais forte e s vezes irrespon-svel poder da Repblica, pois seus integrantes podem acionar a todos, mas no ser acionados por ningum, ainda que exorbitem ou abusem do poder. Uma certa seletividade na escolha de objetivos tem sido sua caracterstica, com notrias preferncias ideolgicas de muitos de seus membros no ataque a polticas que discrepam de suas preferncias, quanto a serem intransigentes na presso exercida sobre a sociedade, para assegurar a carga tributria que o povo brasileiro deve pagar para sustent-los e a toda estrutura do poder. a carga tributria reconhecidamente alta para um pas emergente que poucos servios pblicos dignos oferta.21

    20. At mesmo a controvrsia constitucional hospedada, poca, pelo Regimento do STF no art. 169, assim redigido: Art. 169. O Procurador-Geral da Repblica poder submeter ao Tribunal, mediante representao, o exame de lei ou ato normativo federal ou estadual, para que seja declarada a sua inconstitucionalidade. 1o Proposta a representao, no se admitir desistncia, ainda que afinal o Procurador-Geral se manifeste pela sua improcedncia, no teve uma ntida conformao pela Suprema Corte, visto que, se alguns entendiam que o poder implicava um poder-dever, muitos discordavam de tal inteligncia, com o que nem sempre ou quase nunca o Procurador-Geral repre-sentava contra a Unio.21. Marcos Czari, assim o comenta: Entre os 30 pases com as maiores cargas tributrias, o Brasil o que proporciona o pior retorno dos valores arrecadados em bem-estar para seus cidados. Com carga tributria de 34,41% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2009, o pas fica atrs dos vizinhos Argentina e Uruguai quando se analisa o retorno dos tributos em qualidade de vida para a sociedade. Nesse comparativo, os Estados Unidos, seguidos pelo Japo e pela Irlanda, so os pases que melhor aplicam os tributos em melhoria de vida de suas populaes (Jornal Folha de S. Paulo, sbado, 18/06/2011, p. A10 Poder).

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    Enquanto a carga dos Estados Unidos de 24%, seu IDH de 0,95 (168,2). No Brasil de 34,41% e o IDH (ndice de retorno sociedade) de 0,81 (144,0).

    Nas democracias, o povo massa de manobra para os polticos, na hora de buscarem seu voto, com ele se importando pouco aps as eleies. S lhe devotam ateno quando til a seus desgnios polticos e necessrio para levar vitria ao candidato a um cargo eletivo.

    O tributo , portanto, o grande instrumento de exerccio do poder de que a sociedade precisa participar.

    Ainda em 2004, no ltimo dia do ano, o governo federal brasileiro, apesar de ter tido todo aquele ano de 2004 para discutir a carga tributria ideal e desejada pela sociedade, manteve-se silente e reticente, para, no ltimo dia, publicar, em edio extra do Dirio Oficial, uma enorme lista de medidas contra a sociedade, com aumento da carga e reduo do direito de defesa, beneficiando-se do efeito surpresa, prprio de qualquer ataque militar a bases inimigas.22

    falsa a teoria de que a sociedade discute, atravs de seus representantes, a carga tributria ideal. No discute nunca! Seus representantes determinam aquilo que desejam, quase sempre em benefcio prprio, sendo o retorno eventual ou demaggico em servios pblicos um mero efeito colateral do tributo.

    No tem razo Kant ao sustentar que, nas repblicas modernas, no haveria guerras, porque o povo, que controlaria o governo e o Estado, no a desejaria. A guerra continuou e os tributos tambm no desejados pelo povo tm aumentado sempre.23

    22. Guilherme Afif Domingos, que articulou o movimento que terminou por derrubar a M.P. no 232/2004 no Congresso, lembra que a Inconfidncia Mineira comeou por causa do quinto a ser pago ao Reino. Disse sobre a revolta ante a MP no 232/2004: O cidado deve saber que no recebe nada de graa do Estado. Hoje, ao invs de um quinto, pagamos dois quintos ao governo (Jornal Dirio do Comrcio, Caderno Especial, 20 e 21/04/2004, p. 1).23. Julien Benda, ao comentar a Crtica da Razo Pura, lembra que, na concepo superior de Kant, A razo pura prtica por si s e d (ao homem) uma lei universal a que chamamos Lei Moral. Comentrio: O fato que acabamos de mencionar inegvel. Basta analisar o julgamento que os homens fazem da legalidade das suas aes para descobrir que, apesar da inclinao a dizer o contrrio, a razo, incorruptvel e autorrestringida, sempre confronta a mxima da vontade com a vontade pura, em qualquer ao, isto , consigo mesma, considerando-se aprioristicamente prtica. Este princpio de moralidade, exatamente por causa da universalidade da legislao que o torna o supremo princpio formal determinante da vontade, independente de qualquer diferena subjetiva, pela razo decla-rado uma lei para todos os seres racionais, dado que tenham vontade, isto , poder de determinar sua causalidade pela concepo de regras; e, assim, dado que sejam capazes de agir de acordo com princpios e, consequentemente, de acordo tambm com princpios prticos apriorsticos (porque s estes tm a necessidade que a razo requer num princpio) (O pensamento vivo de Kant, So Paulo, Livraria Martins Editora, 1962, p. 150-151).

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    evidncia, no se discute a necessidade do tributo para que o Estado possa prestar servios pblicos. O que se discute o nvel da carga tributria e a preferncia histrica dos detentores do poder por fix-la acima das neces-sidades estatais. De fato, os representantes do povo, para atender aos desejos do Estado, pelos governantes, restam sempre interessados mais em uma per-manncia no poder e no seu benefcio do que no da sociedade.

    O nvel de tributo exigido sempre muito maior do que o das reais necessi-dades, sendo pois, como defendi em 1982, uma norma de rejeio social aquela correspondente imposio tributria.

    Dir-se- que as classes sociais no governamentais, formadas por pessoas mais abastadas e de maior influncia, terminam conformando indiretamente os governos a seu modelo, o que ocorre tambm em determinadas instituies internacionais, conforme a fora dos pases que impem as regras disciplina-doras das relaes econmicas e financeiras estveis.

    A presso internacional indiscutivelmente influencia mais, como se per-cebe, por exemplo, nos dbitos contrados pelos governos muitas vezes impen-sadamente e em causa prpria cuja adimplncia e pagamento do servio da dvida terminam impondo carga tributria elevada.24

    E at neste ponto so os detentores do poder que contraem a dvida, s vezes apenas para manter estveis as relaes em seu prprio benefcio. Passam, ento, a exigir do pas e da sociedade esforo adicional, para que sustentem esse equilbrio externo. No mundo moderno, todavia, principalmente aps o 1o choque do petrleo e depois da queda do Muro de Berlim, verifica-se que parcela substancial dessa dvida, a ser paga pelos pases emergentes, decorre de opes mal feitas por seus dirigentes, quando no de opes exclusivamente em causa prpria de seus governantes. o que est ocorrendo com Grcia e Portugal.

    24. Em 1996 escrevi alertando sobre o problema o que se segue: Acrescente-se, ainda, que tais pases, necessitando atrair investimentos de especulao para ter reservas maiores e evitar movimentos especulativos, acabam por gerar novo dficit pblico por juros superiores ao do mercado externo, com o que apenas contm, como uma panela de presso, o cmbio baixo e a inflao nele medida, pois tendem a valorizar mais a paridade cambial do que a inflao real. E, neste quadro, descartam os necessrios reajustes, com uma recesso deletria, que atinge as empresas nacionais, sem solucionar os problemas estruturais do pas. E quando o dficit pblico se torna, de novo, incompatvel e a especulao internacional diagnostica a incapacidade do governo de manter alta remunerao, em economia estabilizada, mas recessiva, comea a se retirar, eliminando sua capacidade de evitar a especulao monetria interna. A consequncia que a inflao retorna de forma mais devastadora e com um parque empresarial mais enfraquecido. E, como num doente de cncer, a retomada da molstia, aparentemente curada, muito mais devastadora que a fase anterior, exigindo novos choques de eficincia menor (Uma viso do mundo contemporneo, So Paulo, Ed. Pioneira, 1996, p. 89).

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    O certo que o excesso de carga tributria para honrar a dvida externa dos governos, em sua grande parte, embora necessrio, acentuado pela irrespon-sabilidade dos governantes, ao tempo em que a dvida foi contrada, elegendo mal os objetivos ou desperdiando os recursos pro domo sua.

    E quando a incidncia maior do peso impositivo recai sobre a classe mais favorecida economicamente, sua taxao elevada desestimula investimentos, gerando acentuado desemprego e falta de competitividade internacional. Entre o desenvolvimento empresarial e o inchao da mquina estatal, a opo prefe-rencial sempre pelo inchao da mquina.25

    Exemplo tpico dessa escolha de objetivos mal formulados e de busca do atendimento dos interesses dos detentores do poder (polticos, burocra-tas e amigos do rei) est na dificuldade de o Brasil transformar a Lei de Responsabilidade Fiscal numa lei moralizadora da administrao. Todos os anos, todos os polticos e burocratas lutam para que no seja aplicada ou seja flexibilizada, sinnimo de deletada, a fim de que os benefcios que usufruem no poder continuem afastando os controles rgidos da lei.26

    25. Joel Slemrod e Jon Bakija escrevem: Albert Einstein once said that the hardest thing in the world to understand was the income tax. But understand it we must, because it is a critcal part of how govern-ment affects the lives of Americans. Unfortunately, though, when tax reform enters the political arena, the subtleties of the key issues are usually lost in the midst of self-serving arguments and misleading simplifications. Academic treatments of the subject are of little help to the vast majority of citizens not familiar with the jargon and methods of economics. Continuando: As never before, the U.S. income tax system is under attack. Almost no one seems satisfied with the way it works, complaining that it is overly complex, unfair, and inhibits economic growth. In spite of this widespread dissatisfaction, what exactly should be done about it commands much less agreement. Although some argue that changes around the edge are sufficient, a growing chorus calls for a fundamental overhaul even complete abolition of the income tax and the Internal Revenue Service (IRS) (Taxing Ourserlves, A citizen` s Guide to the Great Debate Over Tax Reform, The Mit Press, Cambrigde, Massachusetts, London, England, 1996, p. 1 e 2).26. Carlos Valder e eu escrevemos, ainda com certa iluso que: a Constituinte, ao aprovar os artigos 163 a 169 do Ttulo VI, veio atender ao clamor de especialistas e administradores pblicos, que enten-diam serem a questo oramentria e a excessiva capacidade dispenditiva das entidades federativas o n grdio do insucesso de polticas fiscais. Certa decepo adveio aps a promulgao da lei suprema de 1988, pois, na medida em que os anos passaram, percebeu-se que a maior parte dos dispositivos eram interpretados de forma conveniente e contornados com expedientes justificados pela falta de regulao infraconstitucional dos comandos maiores. E o resultado no poderia ser pior. Um brutal aumento da carga tributria (24 para 33% do PIB), deteriorao da qualidade dos servios pblicos, f lexibilidade por parte das pessoas polticas e entidades pblicas no contrair emprstimos e gerar desperdcios, para no se falar no espoucar de escndalos vinculados, quase sempre, corrupo, que parece ter aumentado a partir de 1988. E o argumento era o mesmo, ou seja, a falta de legislao mais severa para implementar a severidade do texto supremo, assim como permitir a punio de autoridades complacentes ou de perfil menos digno. A Lei complementar no 101/2000 vem exatamente preencher o vcuo existente entre os severos princpios constitucionais e o estilo de administrao pblica dominante no pas, a partir de 1988 (Comentrios Lei de Responsabilidade Fiscal, Ed. Saraiva, 2001, p. XXXI, coordenao de Ives Gandra da Silva Martins e Carlos Valder do Nascimento).

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    A sociedade, portanto, s tem uma funo, ou seja, fornecer tributos e no discuti-los, devendo agradecer quando ocorre o efeito colateral de algum retorno de tais contribuies compulsrias ao Poder, em servios pblicos.

    Os membros da sociedade so, de rigor, mesmo nas democracias modernas, em matria tributria, como declara o Cdigo Tributrio Nacional, sujeito passivo. A expresso a no apenas jurdica, de suportar a presso tributria, mas popular, no sentido de nada poder fazer, de no ter qualquer atividade capaz de eliminar o nvel dessa presso.

    No passado, quando o rei decidia que o instrumento maior de seu exerccio de poder era o tributo e o impunha sem qualquer restrio possvel, a exao era apenas o mais importante elemento de domnio.

    No presente, em que as democracias ostentam um verniz de participao popular nos governos, o tributo continua sendo o maior instrumento de dom-nio, e a sociedade, apenas a expectadora passiva das deliberaes que tomam, restando-lhe, como ocorre no mundo inteiro, o direito do protesto intil.

    O tributo, que a sociedade jamais deseja pagar no nvel em que os governos lhe cobram, , talvez, a norma de rejeio social mais clara, mais ntida, no direito moderno, sempre suportada pela classe dominada em benefcio da classe dominante. Pois que os homens no so iguais e os detentores do poder tm sempre mais direitos do que os pobres mortais no participantes, direta ou indiretamente, da direo do pas.27

    27. Nem todos pensam como eu. Armando Giorgetti, acreditando na perfeita aplicao dos recursos tributrios a bem da sociedade escreve que: Las leyes no bastan para el progreso de la sociedad si no se apoyan en la responsable adhesin de los ciudadanos a los ordenamientos pblicos y en el riguroso respeto de las instituciones. Los brbaros, que vinieron a reemplazar al mundo romano de la decadencia, se regan por austeros hbitos de vida; por lo cual Tcito pudo decir de ellos, casi envidindoles las costumbres severas: plus ibi boni mores valent, quam alibi bonae leges. Quienquiera trate de enganar al fisco y de sustraerse al deber incmodo pero inevitable de contribuir segn sus propias condi-ciones a sobrellevar las cargas de los gastos pblicos, aparte de caer bajo los rigores de la ley, debera ser condenado al ostracismo de la sociedad, la cual no puede tolerar que se la defraude en uno de los sectores donde ms concretamente se afirman y se realizan las obligaciones de solidaridad que recaen sobre todos sus componentes (La evasin tributaria, Buenos Aires, Depalma, 1967, p. XV).

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    LIBERDADE E PROPRIEDADE COMO LIMITES INTERNOS AO PODER DE TRIBUTAR

    R I C A R D O C A S T I L H O

    2

    SUMRIO: 2.1. Introduo 2.2. Liberdade e propriedade como limites internos

    ao poder de tributar: tenso entre direitos fundamentais e o dever de pagar

    tributos 2.2.1. Direitos fundamentais de liberdade e de propriedade como prin-

    cpios 2.2.2. A ideia de ncleo essencial dos direitos fundamentais e a proibio

    do excesso 2.3. Vedao cobrana de tributos com efeito de confisco 2.3.1. O

    conceito de efeito confiscatrio 2.3.2. Efeito de confisco e taxas 2.3.3. Efeito de

    confisco e multas 2.4. Excees constitucionais ao princpio do no confisco?

    2.5. Consideraes finais

    2.1. Introduo

    O presente ensaio pretende analisar a relao entre o poder de tributar e os direitos fundamentais, notadamente os direitos de propriedade e de liberdade.Da notria relao de tenso entre eles resulta a necessidade de

    se estabelecer parmetros e limites ao poder de tributar, tarefa para a qual a teoria dos direitos fundamentais j forneceu importantes subsdios, como o conceito de ncleo essencial e o postulado nor-mativo da proibio do excesso. Essas noes so aqui analisadas e aplicadas na interpretao do disposto no art. 150, IV, da CF, que veicula norma na qual a coliso entre o dever fundamental de pagar tributo e aqueles direitos fundamentais expressamente prevista e tratada.

  • Dire i t o T r ibutr io e D ire i t os F undamentais20

    Admitida a natureza de princpio das normas que consagram direitos fundamentais, trata-se nesse estudo dos aspectos mais polmicos envolvendo a proibio de tributos com efeito confiscatrio, conceituando-se este e estabe-lecendo-se o mbito de proteo da norma naqueles pontos ainda tormentosos na doutrina e na jurisprudncia.

    Sem a pretenso de esgotar a matria, espera-se apontar subsdios idneos a guiar a atividade jurisprudencial a partir da teoria dos direitos fundamen-tais, indo alm, portanto, da mera considerao esttica do sistema tributrio nacional.

    2.2. Liberdade e propriedade como limites internos ao poder de tributar: tenso entre direitos fundamentais e o dever de pagar tributos

    A realizao dos objetivos constitucionais fundamentais (art. 3o da CF)1 depende de prestaes do Estado, que se vale, para tanto, de seu poder de tributar. Assim, a condio de promoo dos direitos fundamentais , de certa forma, a prpria arrecadao tributria, pelo que possuem eles indu-bitavelmente uma funo social. A atividade tributria, contudo, representa tambm ameaas de toda sorte queles direitos,2 porquanto pode, se levado ao extremo o exerccio do poder de tributar, aniquil-los ou reduzi-los a um mnimo que equivalha a sua desconfigurao, se considerada sua feio de direito individual.3 E, havendo conflito entre aquela funo social e a natureza individual dos direitos fundamentais, esta no poder ser reduzida a nada,4 sob

    1. Art. 3o Constituem objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil: I construir uma sociedade livre, justa e solidria; II garantir o desenvolvimento nacional; III erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao.2. Est claro que o limite admissvel dessa ameaa depender da forma de Estado adotada, sendo sensivelmente maior nos chamados Estados Sociais e menor nos Estados Liberais, inclusive por razes econmicas e culturais. Contudo, sempre haver um limite. Cf. Difini, Luiz Felipe Silveira. Proibio de tributos com efeito de confisco, p. 27-28.3. Cf. Menke, Cassiano. A proibio aos efeitos de confisco no direito tributrio, p. 23-24: (...) para que o Estado proveja o lazer, a sade, a previdncia e a assistncia social, a moradia, assim como as demais necessidades vitais bsicas dos indivduos, preciso lanar mo do tributo como instrumento de arrecadao dos recursos necessrios ao atendimento desses fins. Mas o paradoxal e isso rele-vante que, ao assim agir, restringe os direitos fundamentais que inicialmente so alvo de promoo. Trava-se, pois, um relacionamento doutrinariamente chamado de dramtico entre a liberdade e a propriedade e o tributo. que, a pretexto de realizar concretamente esses valores, as manifestaes do poder de tributar tm indiscutvel aptido para extingui-los. (...).4. Idem, p. 52.

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    pena de se desconsiderar a razo histrica de sua consagrao e, sobretudo, de restar ultrajado todo o sistema constitucional de proteo do ser humano.5

    preciso reconhecer, sobretudo, que as limitaes ao poder de tributar, ainda que estejam fortemente consubstanciadas nos princpios constitucionais tributrios e nas imunidades tributrias previstos em seo prpria da Constituio Federal (Ttulo VI, Captulo I, Seo II), decorrem, em especial, dos direitos e garantias individuais e se encontram tambm esparsos no prprio Texto Maior, na legislao infraconstitucional6 e, por vezes, resultam de pecu-liaridades da disciplina de dado tributo.7

    Sabe-se que nenhum direito fundamental absoluto. Da que o estudo do conflito ou coliso entre direitos fundamentais tenha ganhado vulto nas lti-mas dcadas. Especificamente no caso da liberdade e da propriedade lemas de grandes revolues, encontram-se elas no centro do processo evolutivo de consagrao dos direitos e garantias individuais , eventuais atritos com outros direitos historicamente foram objeto de detalhado tratamento normativo, de forma que seus contedos, no raro, so abstratamente definidos a partir das excees expressamente admitidas a seu pleno exerccio.

    O dever fundamental de pagar tributos8 constitui grande ameaa queles direitos. Liberdade e propriedade, assim, devem ser tidas como limites internos ao poder de tributar, verdadeiras balizas que reservam campos intocveis pelas pessoas polticas. Limites internos porque, no obstante tambm o contedo da liberdade em especial a econmica e da propriedade seja dado pelo resultado das restries constitucionais e infraconstitucionais existentes, ambos os direitos conformam a prpria forma de existir do poder de tributar.

    Com efeito, a atividade tributria atua fundamentalmente sobre a liberdade e sobre a propriedade, eis que suas normas geram efeitos comportamentais ou patrimoniais. De fato, como se sabe, a obrigao tributria principal ou aces-sria. A principal consiste precisamente no dever de pagar a quantia referente

    5. Cf. Sarlet, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 230.6. Com destaque para o papel desempenhado pelo Cdigo Tributrio Nacional (Lei no 5.172/1966), recepcionado com o status de lei complementar, qual cabe regulamentar as limitaes constitucionais ao poder de tributar, conforme disposto no art. 146, II, da CF.7. Amaro, Luciano. Direito tributrio brasileiro, p. 128.8. Usualmente tido como dever autnomo, eis que no relacionado diretamente conformao de nenhum direito subjetivo, em contraposio aos deveres conexos ou correlatos, que tomam forma a partir do direito fundamental a que esto atrelados materialmente. Cf. Sarlet, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 228.

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    imposio do tributo decorrente da supervenincia do fato gerador (art. 113, 1o, do CTN) e, assim, constitui inequvoca restrio ao direito de propriedade. A obrigao acessria, de seu turno, tem por objeto um fazer relacionado com a arrecadao e a fiscalizao dos tributos (art. 113, 2o, do CTN), ou seja, impe ao sujeito passivo determinados comportamentos, restringindo seu direito de liberdade.9

    H, pois, uma verdadeira tenso entre os direitos fundamentais de pro-priedade e de liberdade e o poder de tributar. O estabelecimento das limitaes recprocas a que podem se sujeitar condio para que se possa aferir a legiti-midade ou a constitucionalidade das normas tributrias.

    Nesse sentido, avulta a importncia da teoria dos direitos fundamentais, em especial no que se refere sua natureza, ideia de ncleo essencial e ao tratamento do conflito ou colises entre eles.

    Numa primeira aproximao, sem adentrar ainda no mbito daquela teoria, hoje unnime a admisso de que, diferentemente do que se passou quando do surgimento do Estado, o poder de tributar no incondicionado e seu exerccio no repousa exclusivamente no livre-arbtrio do soberano. Em verdade, sua legitimidade decorre precisamente da observncia dos direitos fundamentais e, em especial, da liberdade e da propriedade.

    Por certo que ditos direitos, na medida em que so limitados pelo dever fundamental de pagar tributos, tambm no podem ser exercidos incondicio-nalmente. Inadimissvel, contudo, que aquele dever fundamental os solape por completo.10 Da a importncia de se estabelecer o ncleo essencial de cada qual e o mbito de proteo das normas que os consagram, sem o que, alis, resta difcil estabelecer contornos precisos ao princpio do no confisco, prejudicando-se, com isso, sua aplicabilidade.11

    9. Menke, Cassiano. Op. cit., p. 24-25.10. Cf. Mendona, Maria Luiza Vianna Pessoa de. Multas tributrias efeito confiscatrio e des-proporcionalidade tratamento jusfundamental. In: Fischer, Octavio Campos (coord.). Tributos e direitos fundamentais, p. 243: (...) se o dever fundamental de pagar tributos restringe o contedo dos direitos fundamentais a ele coligados as chamadas liberdades econmicas (de escolha e exerccio de trabalho, ofcio, profisso e de iniciativa) e o direito de propriedade , ele tambm sofre limitaes por parte desses mesmos direitos. As liberdades econmicas e o direito de propriedade no podem ser desfigurados quando da concretizao do dever fundamental de pagar tributos, seja por meio da afetao dos seus ncleos essenciais, seja em virtude da ultrapassagem, pelo legislador ordinrio, no exerccio do seu poder de tributar, dos limites de contedo tracejados para os mencionados direitos no texto constitucional. No mesmo sentido, cf. Menke, Cassiano. Op. cit., p. 32.11. Menke, Cassiano. Op. cit., p. 17-18.

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    Definir o que sejam liberdade e propriedade um problema eminentemente filosfico, que espraia consequncias nos mais diversos mbitos da existncia humana. No campo jurdico, a depender da concepo filosfica adotada, aqueles direitos tero maior ou menor envergadura, cedendo, ou no, diante de outros direitos ou valores.

    No ordenamento brasileiro, sendo a Constituio Federal de 1988 o resul-tado de um grande entrelace de compromissos polticos dos mais variados matizes ideolgicos, liberdade e propriedade, conquanto expressamente con-sagradas, esto limitadas pela funo social que devem desempenhar,12 sob pena de virem a ser objeto de tributao progressiva ou, em casos limites, no que toca propriedade, de ocorrer a desapropriao.

    Em suma, liberdade em especial, a liberdade de iniciativa e a liberdade de escolha de ofcio ou profisso e propriedade integram a substncia do poder de tributar. No se trata de condicionamentos externos, mas de verdadeiros valores consubstanciadores da prpria razo de ser daquele poder,13 de forma que a tributao que extrapola tais limites internos no tributao, mas abuso.

    Sendo o sistema tributrio destinado a estabelecer as balizas do dever fun-damental de pagar tributo, certo que todas as suas normas, direta ou indi-retamente, restrinjam aqueles direitos fundamentais. No obstante, a norma constitucional que mais de perto diz respeito preservao da liberdade e da propriedade no campo tributrio a que estabelece a proibio do tributo com

    12. Bem verdade que muitos dos direitos e das conquistas sociais trazidos pela Constituio Federal de 1988 foram construdos a partir de frmulas genricas, abstratas, tendo o constituinte originrio incumbido ao legislador ordinrio a tarefa de delimitar seus contedos. Assim, pode-se dizer que a ideologia liberal logrou fazer inserir na Constituio direitos autoaplicveis, ao passo que aos influxos socialistas o iderio dominante cedeu apenas em parte, concedendo-lhes conquistas meramente formais, a serem concretizadas em mbito infraconstitucional. Nesse sentido, cf. Peixoto, Marcelo Magalhes; Cardoso, Lais Vieira. O princpio do no confisco e os limites ao direito de propriedade. In: Fischer, Octavio Campos (coord.). Tributos e direitos fundamentais. So Paulo: Dialtica, 2004, p. 228.13. importante que as limitaes ao poder de tributar no sejam tidas apenas como elemento exterior constante da Constituio. Devem, tambm, ser consideradas em sua dimenso positiva, como consagradoras de finalidades a serem atingidas. Cf. vila, Humberto. Estatuto do Contribuinte: contedo e alcance. Revista Dilogo Jurdico, Salvador, CAJ Centro de Atualizao Jurdica, v. I, no 3, junho, 2001. Disponvel em: . Acesso em: 6 de setembro de 2011: (...) restringindo-se a interpretao descrio de algo previamente constitudo, no havia outro caminho seno fixar-se ao elemento exterior da Constituio por meio da anlise das normas expressas constantes do Sistema Tributrio, deixando de lado a construo da significao positiva das limitaes mediante investigao dos princpios enquanto normas que instituem finalidade a serem atingidas (dignidade humana, liberdade, propriedade) e dos princpios e postulados que determinam como os encargos tributrios devero ser divididos (princpio da igualdade) ou qual estrutura dever ser observada no processo de aplicao (postulado ou princpio hermenutico da proporcionalidade). (grifos no original).

  • Dire i t o T r ibutr io e D ire i t os F undamentais24

    efeito de confisco (art. 150, IV, da CF), eis que tal figura representa patente ameaa de aniquilao de tais direitos.14

    Como limites internos ao poder de tributar, liberdade e propriedade no podem ser extirpadas em decorrncia do dever fundamental de pagar tributos. A tributao a carga tributria em geral considerada, bem como a que recai sobre cada contribuinte somente ser legtima se, alm de observar os demais princpios do sistema tributrio (capacidade contributiva, legalidade, anterio-ridade etc.), no implicar a adjudicao do bem do particular ao Estado, ou o esgotamento de sua capacidade de renovao, ou, ainda, a inviabilizao de deter-minada atividade, em verdadeira negao, neste ltimo caso, da livre-iniciativa.

    A vedao do efeito confiscatrio da tributao constitui, portanto, consec-trio lgico dos direitos de propriedade15 e de liberdade, os quais, de seu turno, mormente no que se refere ao primeiro, devem cumprir sua funo social, princpio da ordem econmica (art. 170, III, da CF) e elemento integrante do conceito de propriedade (art. 182 da CF).16

    Em sntese, a condio de limites internos ao poder de tributar assumida pela liberdade e pela propriedade, observada a funo social, representa, em verdade, a garantia de que tais direitos no sero completamente ultrajados pelo dever fundamental de pagar tributo, nem tampouco por ele reduzidos a um grau de eficcia que os desconfigure na prtica. Essa garantia, por sua vez, encontra expresso constitucional no princpio consagrado no art. 150, IV, da CF,17 de forma que, em nosso ordenamento, a ponderao a respeito do conflito ou coliso entre tais direitos e o dever fundamental possui assento constitucional.18

    14. Cf. Mendona, Maria Luiza Vianna Pessoa de. Multas tributrias efeito confiscatrio e despro-porcionalidade tratamento jusfundamental. In: Fischer, Octavio Campos (coord.). Tributos e direitos fundamentais, p. 246: (...) os tributos confiscatrios so aqueles que afetam o contedo normal do direito de propriedade e das liberdades econmicas, desfigurando-os at o ponto da sua aniquilao. Cf., ainda, Menke, Cassiano. Op. cit., p. 81.15. Para uma crtica da concepo do princpio do no confisco como decorrncia do direito de propriedade, com ampla exposio de diferentes posies doutrinrias, cf. Difini, Luiz Felipe Silveira. Proibio de tributos com efeito de confisco, p. 110-114.16. O direito de propriedade j no mais absoluto como nos primrdios, no sentido de poder ser exercido revelia dos interesses da sociedade em que se insere. Da que, desatendida sua funo social, nada impede que se d a chamada progressividade da tributao, precisamente com o fito de recon-duzir o proprietrio ao exerccio de seu direito nos moldes estabelecidos pelo constituinte originrio.17. Trata-se, de fato, de um princpio na acepo da teoria forte, adiante referida, e, como tal, deve ser realizado em cada caso concreto na maior medida possvel, observadas as limitaes fticas e jurdicas. Cf. Yamashita, Douglas. In: Martins, Ives Gandra da Silva (coord.). Direitos fundamentais do contribuinte. So Paulo: Revista dos Tribunais, Centro de Extenso Universitria, 2000, p. 666.18. Cf. Mendona, Maria Luiza Vianna Pessoa de. Op. cit., p. 246.

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    Essa imposio de absteno ao Estado constitui a dimenso negativa dos direitos fundamentais e significa, como se viu, que o aparato estatal no pode instituir bices realizao do ncleo essencial de tais direitos por quem consiga faz-lo individual e autonomamente.19 Tal dimenso, por bvio, ainda que tenha marcado o surgimento histrico dos direitos fundamentais, no afasta a dimenso positiva, segundo a qual incumbe ao Estado efetivar prestaes que corroborem a plena efetivao deles.

    2.2.1. Direitos fundamentais de liberdade e propriedade como princpios

    Os direitos fundamentais de liberdade e de propriedade consubstanciam valores que devem ser realizados na maior medida possvel, observadas as limitaes fticas e jurdicas existentes. So, nesse sentido, princpios,20 na acepo preconizada pela teoria forte, verdadeiros mandados de otimizao.21

    Diferentemente das regras, que ostentam um dever-ser definitivo e so aplicadas por subsuno,22 a construo dos princpios d-se eminentemente no plano da eficcia e depende dos entendimentos jurisprudenciais reiteradamente formulados a respeito da coliso entre eles e do conflito com outros objetivos ou finalidades tidos por relevantes no caso concreto23 reiterao que acaba por constituir um modelo de resoluo dotado de considervel definitividade, a erigir parmetros para casos anlogos vindouros.24

    19. Menke, Cassiano. Op. cit., p. 71.20. A concepo de direitos fundamentais como princpios, isto , como direitos prima facie, liga-se teoria externa, segundo a qual o suporte ftico protegido pela norma somente pode ser dado no caso concreto, aps sopesamento com outros direitos em questo. Cf. Silva, Virglio Afonso da. Direitos fundamentais: contedo essencial, restries e eficcia, p. 139 e s.21. Sobre as diferentes teorias a respeito da distino entre regras e princpios, cf. Silva, Virglio Afonso da. A constitucionalizao do direito: os direitos fundamentais nas relaes entre particulares, p. 30-37.22. Sobre a distino entre regras e princpios, cf. vila, Humberto. Estatuto do Contribuinte: con-tedo e alcance. Revista Dilogo Jurdico, Salvador, CAJ Centro de Atualizao Jurdica, v. I, no 3, junho, 2001. Disponvel em: . Acesso em: 6 de setembro de 2011.23. Menke, Cassiano. Op. cit., p. 72. De se ver que, no caso brasileiro, diante do extenso rol de direitos fundamentais trazido pela Constituio Federal, as possibilidades de colises so inmeras, o que reala ainda mais o carter de posies jurdicas prima facie dos direitos fundamentais. Cf. Sarlet, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 393-394: (...) Situaes de coliso de direitos fundamentais afiguram--se cada vez mais frequentes na prtica jurdica brasileira devido ao alargamento do mbito e da intensidade de proteo dos direitos fundamentais levado a cabo pela Constituio Federal de 1988, notadamente em funo do j referido carter analtico do catlogo constitucional de direitos. (...) a soluo amplamente preconizada afirma a necessidade de se respeitar a proteo constitucional dos diferentes direitos no quadro da unidade da Constituio, buscando harmonizar preceitos que apontam para resultados diferentes, muitas vezes contraditrios.24. Menke, Cassiano. Op. cit., p. 73. Esse modelo de resoluo toma por base, entre outros, os subsdios

  • Dire i t o T r ibutr io e D ire i t os F undamentais26

    No campo tributrio, o dever fundamental de pagar tributos constitui a grande limitao jurdica realizao daqueles direitos, os quais, de seu turno, tambm consubstanciam limites internos ao poder de tributar, estabelecendo os mbitos de atuao em que o exerccio desse poder legtimo.

    Na condio de limites internos, propriedade e liberdade protegem, sobre-tudo, condutas, situaes e bens sem os quais ditos direitos se desconfigurariam, ou no surtiriam eficcia na prtica. Trata-se de seus ncleos fundamentais.25

    2.2.2. A ideia de ncleo essencial dos direitos fundamentais e a proibio do excesso

    Como princpios, os direitos fundamentais podem se realizar de mltiplas e variadas maneiras, em maior ou menor escala. O conjunto dos bens ou meios que contribuem para essa realizao, para o alcance do estado ideal a que se reporta o valor inspirador da norma, compe o contedo do direito.26

    Ncleo essencial de um direito fundamental o contedo mnimo sem o qual ele se descaracteriza, a parcela do contedo necessria a uma mnima eficcia.27 Trata-se de conjunto de bens jurdicos necessrios e suficientes mnima realizao do valor consagrado pelo direito fundamental valor que, positivado, passa a constituir a finalidade da norma instituidora do direito. Por esse motivo, merecedor de maior proteo quanto a eventuais restries,28 dizer, o ncleo essencial intransponvel.29

    fornecidos pelo modelo analtico empregado pela doutrina com vistas a, alm de contribuir para a discusso terico-geral sobre direitos fundamentais, fornecer subsdios para a atividade jurispru-dencial, estabelecendo exigncias reais de fundamentao e criando nus argumentativos claros a respeito das restries havidas em desfavor dos direitos fundamentais. Cf. Silva, Virglio Afonso da. Direitos fundamentais: contedo essencial, restries e eficcia, p. 37-38.25. Cf. vila, Humberto. Estatuto do Contribuinte: contedo e alcance. Op. cit., p. 12: (...) a instituio de impostos no pode prejudicar os limites mnimos de eficcia do direito de propriedade e de liberdade. Cada norma constitucional pressupe a existncia de bens situaes, objetos ou estados , que devem ficar disposio dos sujeitos, de modo a permitir sua eficcia. Confiscar significa, pois, aniquilar a eficcia mnima do princpio da proteo da propriedade e da liberdade em favor da tributao. (...).26. Cf. Menke, Cassiano. Op. cit., p. 44.27. Cf. Sarlet, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 402.28. Cf. Menke, Cassiano. Op. cit., p. 59: O ncleo essencial dos direitos fundamentais aquele que demarca a zona central do contedo e que conta com a proteo mais intensa contra restries. , por isso, chamada por Hesse de zona protegida contra a escavao interna. Todos os bens que se encontram nesse contedo materialmente essencial existncia do direito so condies inafastveis para que ele tenha serventia ao seu titular.29. Embora no haja, em nosso ordenamento, diferentemente do que se passa em Portugal, na Espanha e na Alemanha, previso expressa a respeito da existncia do ncleo essencial dos direitos fundamen-tais, a doutrina e a jurisprudncia vm endossando essa criao terica. Cf. Silva, Virglio Afonso da. Direitos fundamentais: contedo essencial, restries e eficcia, p. 22 e 25-26.

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    Assim, qualquer medida legislativa ou administrativa que intente ultrapas-sar o mbito dos bens mnimos necessrios satisfao do direito fundamental h que ser reputada como excessiva, e sua edio, como ilegtima, ilegal ou inconstitucional. Trata-se da proibio do excesso, postulado normativo que veda intervenes que, por implicarem a ineficcia do direito, so tidas como exageradas.30

    A ideia de ncleo essencial dos direitos fundamentais, como se v, de extrema importncia para a garantia de um nvel de eficcia que de fato repre-sente o respeito e o exerccio desses direitos. Impede, assim, que se tornem mera figura de retrica ou se percam nos desvos das argumentaes abstratas.31

    2.3. Vedao cobrana de tributos com efeito de confisco

    Antes de tudo, deve-se atentar para o fato de a norma constitucional ter vedado tributos com efeito de confisco, e no propriamente o tributo que configure confisco, eis que pela prpria definio de tributo este no pode constituir sano por ato ilcito.32 Em outras palavras, no ordenamento ptrio, veda-se tanto o tributo institudo para a finalidade de confisco como aquele que, por sua forma de incidncia, possua efeito de confisco.33

    30. Segundo o postulado da proibio do excesso, a realizao de um fim no pode comprometer a realizao mnima de outro. Cf. vila, Humberto. Op. cit., p. 12. Sobre sua aplicao no campo tribu-trio, especificamente em se tratando do princpio do no confisco, cf. Menke, Cassiano. Op. cit., p. 77.31. Embora no haja na Constituio brasileira disposio expressa a respeito, o STF tem se servido do conceito. Cf. Sarlet, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 403.32. Cf. Difini, Luiz Felipe Silveira. Op. cit., p. 10 e 20. Como sano a ato ilcito, alis, a prpria Constituio Federal prev, entre outras, a pena de perdimento (art. 5o, XLVI, b), que no se con-funde, portanto, com a atribuio de efeito confiscatrio a tributo. A respeito, j decidiu o STF: Importao Regularizao Fiscal Confisco. Longe fica de configurar concesso, a tributo, de efeito que implique confisco deciso que, a partir de normas estritamente legais, aplicveis a espcie, resultou na perda de bem movel importado. (STF AI 173689 AgR, Relator: Min. Marco Aurlio, Segunda Turma, julgado em 12/03/1996, DJ 26-04-1996 PP-13126 E