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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS PROGRAMA DE PÓS PROGRAMA DE PÓS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO "GAME OVER": "GAME OVER": "GAME OVER": "GAME OVER": A CRIANÇA NO MUNDO DO VIDEOGAME A CRIANÇA NO MUNDO DO VIDEOGAME A CRIANÇA NO MUNDO DO VIDEOGAME A CRIANÇA NO MUNDO DO VIDEOGAME Viviana Carola Velasco Martínez Viviana Carola Velasco Martínez Viviana Carola Velasco Martínez Viviana Carola Velasco Martínez São Carlos São Carlos São Carlos São Carlos 1994 1994 1994 1994

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Page 1: Game Over O MUNDO DO VIDEOGAME - … · O objetivo deste trabalho é estudar a relação criança- mundo, no uso do videogame, tomando a brincadeira como a principal atividade humanizadora

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOSUNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOSUNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOSUNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANASCENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANASCENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANASCENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓSPROGRAMA DE PÓSPROGRAMA DE PÓSPROGRAMA DE PÓS----GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃOGRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃOGRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃOGRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

"GAME OVER":"GAME OVER":"GAME OVER":"GAME OVER":

A CRIANÇA NO MUNDO DO VIDEOGAMEA CRIANÇA NO MUNDO DO VIDEOGAMEA CRIANÇA NO MUNDO DO VIDEOGAMEA CRIANÇA NO MUNDO DO VIDEOGAME

Viviana Carola Velasco MartínezViviana Carola Velasco MartínezViviana Carola Velasco MartínezViviana Carola Velasco Martínez

São CarlosSão CarlosSão CarlosSão Carlos

1994199419941994

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UNIVERSIDADE FEDERAUNIVERSIDADE FEDERAUNIVERSIDADE FEDERAUNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOSL DE SÃO CARLOSL DE SÃO CARLOSL DE SÃO CARLOS

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANASCENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANASCENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANASCENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓSPROGRAMA DE PÓSPROGRAMA DE PÓSPROGRAMA DE PÓS----GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃOGRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃOGRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃOGRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

"GAME OVER":"GAME OVER":"GAME OVER":"GAME OVER":

A CRIANÇA NO MUNDO DO VIDEOGAMEA CRIANÇA NO MUNDO DO VIDEOGAMEA CRIANÇA NO MUNDO DO VIDEOGAMEA CRIANÇA NO MUNDO DO VIDEOGAME

Viviana Carola Velasco MartínezViviana Carola Velasco MartínezViviana Carola Velasco MartínezViviana Carola Velasco Martínez

Dissertação apresentada ao Programa de Dissertação apresentada ao Programa de Dissertação apresentada ao Programa de Dissertação apresentada ao Programa de PósPósPósPós----Graduação em Educação,Graduação em Educação,Graduação em Educação,Graduação em Educação, do Centro de do Centro de do Centro de do Centro de Educação e Ciências Humanas da Educação e Ciências Humanas da Educação e Ciências Humanas da Educação e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Carlos como Universidade Federal de São Carlos como Universidade Federal de São Carlos como Universidade Federal de São Carlos como parte dos requisitos para a obtenção do parte dos requisitos para a obtenção do parte dos requisitos para a obtenção do parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação (Área de título de Mestre em Educação (Área de título de Mestre em Educação (Área de título de Mestre em Educação (Área de concentração: Fundamentos da Educação).concentração: Fundamentos da Educação).concentração: Fundamentos da Educação).concentração: Fundamentos da Educação). OrientadorOrientadorOrientadorOrientador:::: Prof. DProf. DProf. DProf. Dr. Paolo Nosellar. Paolo Nosellar. Paolo Nosellar. Paolo Nosella

São CarlosSão CarlosSão CarlosSão Carlos

1994199419941994

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AGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Paolo Nosella, pela orientação e incentivo à

pesquisa.

Ao Prof. Dr. Gustavo Adolfo Ramos Mello Neto, co-

coordenador do Laboratório de Apoio à Pesquisa em Psicologia da

Universidade Estadual de Maringá - Pr. (LAPSI), pela paciente leitura e

valiosas sugestões.

Ao Prof. Dr. Adail V. Castilho, do Instituto de Psicologia da

Universidade de São Paulo, pela contribuição bibliográfica.

À Profa. Dra. Betty Antunes de Oliveira e a todos os

professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade Federal de São Carlos que, de uma forma ou outra,

contribuíram com a elaboração deste trabalho.

Ao CNPQ, pela bolsa.

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Game over: The child in the videogame´s worldGame over: The child in the videogame´s worldGame over: The child in the videogame´s worldGame over: The child in the videogame´s world

ABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACT

The aim of this research work is a focusing on child-world

relationship through the use of videogames. Playing is thus considered

as the principal humanizing activity of the child. Actually, the work

deals with a discussion on the consequences of this new type of game,

keeping in mind that it is a computerized pasttime and restricted to

closed spaces.

Specialized magazines, communication media and the

contents and operations of the games have been studied. The

specialized magazines, as contextualized data, perform intermediacy

functions posited between the user and the videogame. Their discourse

is about the child-user as a complete consumer and a winner. The

games and their operations point towards the exaltation of the hero and

on his uniqueness. Thus, they present violence and estrangement in

front of the other as their principal ludic content. It is an operational

conditioning audio-visual discourse which, thorugh compensation and

punishment, melts and mimics the simple pushing of buttons with the

hero´s actions.

Conclusions may be summarized as following:

In videogame playing the child-world relationship could be

pinpointed through the exaltation of oneness (uniqueness), or rather,

the establishment of a kind of dissociation between the individual and

the social universal, to the point of the former making fewer and fewer

individual concessions and keeping a greater distance from the

consciousness of a social being.

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RESURESURESURESUMOMOMOMO

O objetivo deste trabalho é estudar a relação criança-

mundo, no uso do videogame, tomando a brincadeira como a principal

atividade humanizadora da criança. Trata-se de uma discussão sobre as

implicações dessa nova forma de brincar, informatizada e restrita a

espaços fechados.

Para isso recorri ao estudo de Revistas Especializadas, ao

meios de divulgação e aos conteúdos e operação dos jogos. As

Revistas Especializadas, tomadas como dados contextualizadores, são

consideradas como desempenhando funções de intermediação entre o

usuário e o videogame; e seu discurso é acerca de um usuário-criança

como pleno consumidor e como vencedor. Os jogos e a sua operação

apontam para a exaltação do herói, do único e, para isso, apresentam

como seus principais conteúdos lúdicos a violência e a estranheza frente

ao outro. Trata-se de um discurso audiovisual de condicionamento

operante que, através de prêmios e castigos, funde e mimetiza o

simples apertar de botões do usuário com a ação do herói.

Como conclusões tem-se que, nesse brincar, a relação

criança-mundo estaria pautada pela exaltação da unicidade, no sentido

de estabelecer uma espécie de dissociação entre o indivíduo e o social

universal, de tal maneira que o primeiro faça cada vez menos

concessões individuais, distanciando-se de uma consciência de ser

social.

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SumárioSumárioSumárioSumário

AGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOSAGRADECIMENTOS 3

ABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACT 4

RESUMORESUMORESUMORESUMO 5

1.1.1.1. A RELAÇÃO CRIANÇAA RELAÇÃO CRIANÇAA RELAÇÃO CRIANÇAA RELAÇÃO CRIANÇA----MUNDO MEDIATIZADA PEMUNDO MEDIATIZADA PEMUNDO MEDIATIZADA PEMUNDO MEDIATIZADA PELA BRINCADEIRALA BRINCADEIRALA BRINCADEIRALA BRINCADEIRA 43

2.2.2.2. A MISTIFICAÇÃO DA PAA MISTIFICAÇÃO DA PAA MISTIFICAÇÃO DA PAA MISTIFICAÇÃO DA PARTICULARIDADE: A UNRTICULARIDADE: A UNRTICULARIDADE: A UNRTICULARIDADE: A UNICIDADE COMO ICIDADE COMO ICIDADE COMO ICIDADE COMO ESSENCIA DO HOMEMESSENCIA DO HOMEMESSENCIA DO HOMEMESSENCIA DO HOMEM 50

3.3.3.3. O VG E A UNICIDADE DO VG E A UNICIDADE DO VG E A UNICIDADE DO VG E A UNICIDADE DA CRIANÇAA CRIANÇAA CRIANÇAA CRIANÇA 58

4.4.4.4. PARADIGMA MECANICO PARADIGMA MECANICO PARADIGMA MECANICO PARADIGMA MECANICO ---- PARADIGMA ELETRONICOPARADIGMA ELETRONICOPARADIGMA ELETRONICOPARADIGMA ELETRONICO 61

5.5.5.5. O UNIVERSO DE DADOS O UNIVERSO DE DADOS O UNIVERSO DE DADOS O UNIVERSO DE DADOS PARA A ANALISEPARA A ANALISEPARA A ANALISEPARA A ANALISE 66

5.1.5.1.5.1.5.1. O qO qO qO que é o Mega Driveue é o Mega Driveue é o Mega Driveue é o Mega Drive 68686868

5.1.1. Os jogos 69

5.1.2. Organizando os jogos.- 70

5.2.5.2.5.2.5.2. ContextoContextoContextoContexto da análiseda análiseda análiseda análise 74747474

5.3.5.3.5.3.5.3. A análise.A análise.A análise.A análise.---- 75757575

5.4.5.4.5.4.5.4. Procedimentos.Procedimentos.Procedimentos.Procedimentos.---- 75757575

5.5.5.5.5.5.5.5. Acerca da revisão bibliográfica.Acerca da revisão bibliográfica.Acerca da revisão bibliográfica.Acerca da revisão bibliográfica.---- 76767676

5.6.5.6.5.6.5.6. Coleta Coleta Coleta Coleta do material.do material.do material.do material.---- 77777777

6.6.6.6. ALGUNS APONTAMENTOS ALGUNS APONTAMENTOS ALGUNS APONTAMENTOS ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE O CONTEXTO DA SOBRE O CONTEXTO DA SOBRE O CONTEXTO DA SOBRE O CONTEXTO DA PESQUISA: AS PESQUISA: AS PESQUISA: AS PESQUISA: AS REVISTAS ESPECIALIZAREVISTAS ESPECIALIZAREVISTAS ESPECIALIZAREVISTAS ESPECIALIZADASDASDASDAS 78

6.1.6.1.6.1.6.1. 1.1.1.1.---- As Revistas Especializadas e suas funções de intermediação entre As Revistas Especializadas e suas funções de intermediação entre As Revistas Especializadas e suas funções de intermediação entre As Revistas Especializadas e suas funções de intermediação entre o VG e o usuárioo VG e o usuárioo VG e o usuárioo VG e o usuário 78787878

6.1.1. 1.1 O relato da história ou enredo dos jogos 78

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6.1.2. Dicas e estratégias para a operação dos jogos 80

6.1.3. Informação e cultura geral sobre o VG 81

6.1.4. Aparelhos, acessórios e tecnologia do VG 81

6.1.5. Lançamentos de jogos no Brasil e no exterior 82

6.2.6.2.6.2.6.2. ComunicaçãoComunicaçãoComunicaçãoComunicação 82828282

6.2.1. Entre usuários 82

6.2.2. Entre usuários e os setores comerciais 83

6.3.6.3.6.3.6.3. PropagandaPropagandaPropagandaPropaganda 83838383

6.3.1. As Revistas Especializadas: um discurso para o vencedor 83

6.3.2. 3.- As Revistas Especializadas: "Tudo por um MEGA DRIVE" 86

7.7.7.7. A RACIONALIZAÇÃO DA A RACIONALIZAÇÃO DA A RACIONALIZAÇÃO DA A RACIONALIZAÇÃO DA VIOLENCIAVIOLENCIAVIOLENCIAVIOLENCIA 98

8.8.8.8. A ESTRANHEZA FRENTE A ESTRANHEZA FRENTE A ESTRANHEZA FRENTE A ESTRANHEZA FRENTE AO OUTROAO OUTROAO OUTROAO OUTRO 104

8.1.8.1.8.1.8.1. "ZOOM""ZOOM""ZOOM""ZOOM" 105105105105

8.1.1. Algumas categorias descritivas de "Zoom".- 107

9.9.9.9. OS JOGOS DE VG: UM OS JOGOS DE VG: UM OS JOGOS DE VG: UM OS JOGOS DE VG: UM DISCURSO AUDIOVISUALDISCURSO AUDIOVISUALDISCURSO AUDIOVISUALDISCURSO AUDIOVISUAL DEDEDEDE 112

9.19.19.19.1.... CONDICIONAMENTO OPERCONDICIONAMENTO OPERCONDICIONAMENTO OPERCONDICIONAMENTO OPERANTEANTEANTEANTE 112112112112

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INTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃOINTRODUÇÃO

Nas últimas décadas constata-se uma grande incorporação

dos avanços tecnológicos no dia-a-dia dos indivíduos. Os aparelhos

eletrônicos, cada vez mais sofisticados, vem se espalhando rapidamente

em todos os espaços da atividade humana, com o objetivo de facilitar e

encurtar o tempo de execução de diversas tarefas. Trata-se da

crescente informatização da indústria, dos meios de transporte, de

comunicação e dos setores de prestação de serviços, bem como das

atividades de ensino e pesquisa.

Todos esses avanços da informática mostram mais uma vez

que o homem não somente cria seus instrumentos de trabalho como

extensões das suas mãos, mas também instrumentos que representam

extensões da sua inteligência. Os computadores, ao multiplicar as

capacidades intelectuais do ser humano anunciam o quanto ele já

evoluiu e se humanizou, transformou a natureza e a si mesmo através

da sua atividade criadora.

Na era da informática, as mudanças ocorridas na sociedade

refletem-se também no âmbito do lazer infantil. Os jogos eletrônicos

tomam conta da vontade de brincar de crianças e adolescentes, o que

pode ser constatado pela grande difusão de fliperamas nas cidades e

dos videogames -das mais diversas tecnologias- nos lares e locadoras.

Este último brinquedo -o videogame- é o tema de interesse nesta

pesquisa.

A idéia de fazer uma pesquisa sobre videogame surgiu

alguns anos atrás, quando comecei a observar os dois filhos do meu

marido brincando sem parar a maior parte do tempo das suas férias

com um pequeno -em termos de tecnologia- VG (videogame). Parecia-

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me um "santo remédio" que acalmava suas inquietudes (6 e 10 anos de

idade respectivamente), apesar de ouvir constantemente "explosões" de

comemoração quando conseguiam alcançar com sucesso alguma

vantagem e, também, apesar de observar freqüentes episódios de mau

humor quando não conseguiam dominar os controles e perdiam o jogo.

Pouco tempo depois, em março de 1991, saía nas bancas de revistas o

primeiro número de uma revista especializada sobre VG intitulada

Videogame, cujas páginas coloridas mostravam o maravilhoso mundo

dos VGs. e anunciavam o lançamento, no Brasil, do VG de 4ª geração, o

Mega Drive com console de 16 bits. Além de impressionantes imagens

dos jogos, a revista relatava os enredos dos jogos, dirigindo-se ao

leitor-criança de forma bastante familiar. Chamou muito a minha

atenção o fato de que os enredos apresentados estavam divididos entre

o bem e o mal cabendo ao usuário desempenhar sempre o papel do

herói. Em poucos meses foram lançadas mais três revistas, muito

parecidas entre si, que passaram a ser publicadas mensalmente. Achei

que tinha material suficiente para começar a divagar um pouco no

assunto, de tal forma que elaborei uma pequena monografia onde

questionei essa exaltação da figura do herói nos enredos dos jogos de

VG. Pouco tempo depois comprávamos o Mega Drive que deixou um

tanto enfeitiçados adultos e crianças de casa.

Também outros fatores me incentivaram a continuar

trabalhando com esse assunto e chegar a esta pesquisa, tais como o

enorme sucesso que o VG está fazendo entre as crianças, as quais,

substituindo outras formas possíveis de lazer, passam longas horas do

seu tempo livre frente à tela, num estado quase hipnótico1, gritando

inúmeras vezes "sou bom" toda vez que conseguem pular um obstáculo

1 Segundo Provenzo (Entrevista Folha de São Paulo, 10/02/92, 7:4) o VG pode deixar seus usuários num estado "idiotizado". Aí talvez o termo mais adequado para designar esse estado seja "hipdiotizado".

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ou ganham alguma vantagem durante o jogo. Em segundo lugar, e

também devido à grande difusão desse brinquedo entre as crianças,

chamou a minha atenção as diversas manifestações de pais, mescla de

receio e de admiração, geradas em torno do VG. Por um lado, eles

vêem a criança exaltada, nervosa e dominada pelo VG, deixando de se

ocupar até das tarefas escolares para jogar horas a fio. Por outro lado,

consideram que o VG favorece o exercício de habilidades na criança que

servem para o seu desenvolvimento. E, finalmente, também desperta

curiosidade a grande expansão do mercado de VG e seus acessórios,

pois existe toda uma máquina de comercialização e propaganda desse

brinquedo, montada em torno de Revistas Especializadas -

brasileiras e estrangeiras- publicadas mensalmente e especificamente

dirigidas para o público infanto-juvenil; de locadoras e videogames-

clubes; de concursos e promoções; de feiras organizadas para

apresentar os constantes lançamentos, cuja tecnologia mais e menos

sofisticada permite que o VG seja um brinquedo acessível para uma

ampla parcela da população jovem e, de filmes e recentes programas

de televisão.

Trata-se, portanto, de um brinquedo -objeto de consumo-

que, atualmente, ocupa os primeiros lugares na preferência das crianças

-desde os fliperamas espalhados nas cidades, freqüentados inclusive por

crianças de rua, até o VG de tecnologia mais sofisticada nos lares e

locadoras. E essa ampla abrangência do consumo desse tipo de lazer

informatizado insta a perguntar, inicialmente, porque o VG tem tanto

sucesso entre as crianças.

É verdade que Malone (1983) -cuja pesquisa, entre outras,

será comentada no capítulo I- já teve essa preocupação ao se

perguntar porque o VG atrai tanto as crianças, mas seu objetivo foi o de

descobrir os princípios desse sucesso para poder aplicá-los na educação,

com a ambição de tornar a aprendizagem tão divertida quanto um jogo

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de VG a ser desvendado pelo usuário. Já nesta pesquisa, o objetivo

proposto é enfocar a relação criança-mundo, que se estabelece através

do VG, considerando que a compreensão e a tomada de consciência pela

criança dos fenômenos da realidade, isto é, a apropriação do mundo,

estão ligadas principalmente à sua atividade lúdica, Para isso, tentarei

responder porque o VG é tão atraente para a criança e quais são as

implicações para a sua relação com o mundo.

A idéia diretriz para realizar esta tarefa proposta é de supor

que tanto os conteúdos e operação dos jogos de VG, quanto os meios

de divulgação -que serão tomados como dados de contextualização da

pesquisa- exaltam a idéia da unicidade, isto é apresentam o indivíduo

como sendo único, irrepetível e desvinculado do gênero. Tratar-se-ia

da mistificação da particularidade que, para tornar o homem único, é

preciso cindir o particular do genérico e dar vida própria a um suposto

ser individual despojado do ser social.

Uma das características fundamentais do ser humano

genérico é a possibilidade do homem tornar-se cada vez mais universal

e multilateral, isto é, a sua atividade prático-material amplia-se de tal

forma que cada vez maior número de objetos mediatizem a satisfação

das suas necessidades, se tratando de uma atividade histórico-social

(Màrkus, 1974).

Nesse sentido, a idéia da unicidade, veiculada pelo VG como um

todo, tornaria esse brinquedo tão atraente para as crianças. E disso

podem ser depreendidas algumas implicações para o desenvolvimento

da criança enquanto ser humano.

Talvez seja lugar comum dizer-se que o VG, como outras

tantas produções culturais na sociedade capitalista, unilateraliza a

criança ou é mais uma produção alienante, como foi dito dos

quadrinhos e dos desenhos animados, por exemplo. Todavia, considero

que a importância deste trabalho esteja mais em interpretar como

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poderia estar isso ocorrendo e se dirigindo à criança usuária de VG e,

também, como isso repercutiria na sua relação com o mundo.

Assim, no primeiro capítulo, faço referência à crescente

importância do VG e apresento alguns estudos de pesquisadores das

mais diversas áreas. No capítulo segundo, intitulado "A criança cativa

ao VG", pretendo abordar os aspectos sócio-familiares que contribuem

para o sucesso desse brinquedo, de tal forma que a criança fica

prisioneira nesse brincar. No terceiro capítulo, vou definir os conceitos

a serem adotados na pesquisa, tais como a mistificação da

particularidade : o homem único, irrepetível, feito por si mesmo em

relação ao ser humano como uma unidade entre a particularidade e a

genericidade. Para isso vou me servir do auxílio dos trabalhos de Marx,

Engels, Heller Màrkus e outros autores.

No seguinte capítulo, o quarto, apresento dados sobre a

trajetória metodológica da pesquisa. Trata-se de um trabalho, num

primeiro momento, livre ou "flutuante"2, que diz respeito a colher

indicadores livres de preconceitos de conteúdos nos jogos, de Revistas

Especializadas e de formas de comercialização do VG. Para, em

seguida, transformar essa leitura "flutuante" em exposição que percorra

o curso de um grau menor a um grau maior de determinações.

Em seguida, apresento os resultados da pesquisa, onde

pretendo mostrar que o sucesso de VG, entre as crianças, deve-se à

idéia de que cada usuário é um ser único , a personificação do herói dos

jogos, e que é movido pela violência, o que estaria alimentando a

onipotência da criança e renegando a alteridade, cujas implicações na

relação criança-mundo estariam também relacionadas com a formação

de um novo e pleno consumidor: a criança.

2. Bardin, em Análise de conteúdo (1979), usa a expressão "leitura flutuante" para análise de conteúdo de discursos, por analogia à atenção flutuante da psicanálise, mas trata-se apenas de uma analogia, no sentido de se tratar de uma primeira leitura livre.

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Finalmente, nas conclusões, digo que tanto os conteúdos

dos jogos, quanto a sua operação exaltam a idéia da unicidade na figura

do vencedor, quando fundem num só o herói dos jogos com o usuário

criança por um processo de identificação. E essa figura do vencedor

veste as suas roupas mais autênticas quando nos revela seu lado mais

negativo que é a ação sem limites, totalmente individualista e

pragmática, a cindir o individual da universalidade. "The winner takes it

all", diz bem a música, ao contrapor um vencedor aos muitos

perdedores, ou mesmo na sua tradução "só há um vencedor", exprime

bem esse lado mais verdadeiro e sem limites do vencedor -do único-,

diferente do caráter positivo com que ideologicamente se transveste

essa idéia. E essa exaltação do único, do vencedor, dentro da relação

criança-mundo implica numa espécie de prisão da criança em si mesma,

sem limites na sua particularidade e, por tanto, distanciada do ser

consciente também universal.

Previamente fazem-se necessários alguns esclarecimentos

que ajudarão na delimitação da problemática.

Delimitando a problemática.Delimitando a problemática.Delimitando a problemática.Delimitando a problemática.----

O VG é produto do desenvolvimento de tecnologias

sofisticadas na era da informática, mas aqui o estou considerando

apenas como um brinquedo atualmente difundido, isto é, apenas como

instrumento lúdico com o qual a criança brinca, assim, os softwares

serão aqui chamados apenas de jogos. Isso significa que, inspirada

em Machado (1993)3, considerarei o usuário de VG apenas um mero

3. Adotarei, sim, deste autor, a consideração de que existiriam duas categorias de usuários de computador, uma delas seria composta por meros apertadores de botões ou o funcionário-prótese da máquina e outra criativa que "pode dar forma sensível às mutações que a sociedade industrial avançada está produzindo, tornando explícitas as novas relações (culturais, políticas, epistemológicas) que as máquinas eletrônicas

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apertador de botões, em analogia ao simples operador de uma máquina

que nada cria ou recria. Com isso não pretendo participar das

polémicas entre os críticos "catastróficos e preconceituosos" da moderna

tecnologia e os "adeptos incondicionais um tanto delirantes", como os

chama esse mesmo autor.

Decorrente disso, não considerarei a potencialidade do VG,

enquanto uma máquina sofisticada com capacidade para ler outros tipos

de informações contidas nos softwares, como por exemplo, programas

educacionais. Ater-me-ei apenas aos jogos que circulam no mercado

brasileiro, tendo em conta que o meu interesse na atual atividade

lúdica da criança vai além do "instruir-divertindo", pretendendo ser mais

uma reflexão no sentido educacional mais amplo, o da formação do ser

humano no mundo, do que um interesse didatista nas máquinas e

diversões.

Outro aspecto a ser esclarecido é com relação ao usuário de

VG. Quando falo de criança e VG, estou me referindo a uma grande

abrangência de consumidores, de diversas classes. Consumidores que

vão desde as crianças que roubam, as que pedem esmolas ou as que

trabalham para comprar fichas de fliperama; crianças que possuem um

económico VG de tecnologia menos sofisticada, até a criança que

sempre está consumindo tecnologias avançadas. Trata-se de

consumidores, de modo geral, de um mesmo produto, mas que

apresenta hierarquias de qualidade. O que varia, sim, são as formas, ou

os meios de consumo, mais e menos sofisticados. Tal como apontam

Horkheimer e Adorno [In Lima (org., 1982:162)], ao se referir à

unidade da indústria cultural. As distinções nos tipos de produtos

oferecidos, filmes e revistas por exemplo, cujos preços são

diversificados, apenas servem "para classificar e organizar os "para classificar e organizar os "para classificar e organizar os "para classificar e organizar os

introduzem colocando-as agudamente em questão, de modo a dar consciência delas a uma humanidade demasiado excitada pelo frenesi dos vídeo games".

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consumidores aconsumidores aconsumidores aconsumidores a fim de padronizáfim de padronizáfim de padronizáfim de padronizá----los"los"los"los". Trata-se, em outras palavras, de

oferecer o mesmo produto de forma mais ou menos sofisticada e,

portanto, mais ou menos acessível economicamente. Assim, neste

trabalho, me restringirei a uma maneira específica de consumo do

mesmo produto, isto é, à forma mais sofisticada, à criança que tem

acesso a um VG de tecnologia avançada e também às Revistas

Especializadas. com desdobramentos para as outras formas de

consumo, menos sofisticadas.

Vejamos.

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CAPÍTULO I

A CRESCENTE IMPORTÂNCIA DO VG

O VG, no Brasil, alcança um nível de divulgação que pode

ser "medido" por alguns dados: o VG está disponível em quaisquer

locadoras de vídeo das capitais e nas locadoras exclusivamente de VG

nas cidades; é assunto de quatro publicações periódicas da grande

imprensa brasileira e de várias publicações internacionais, na forma de

manuais e revistas organizados pelos fabricantes; o VG é o tema de

filme ("O gênio do videogame") e de inúmeros programas de TV; além

de ser motivo de promoções, concursos e campeonatos, bem como do

1º Videogame Shopping Festival (13 a 21 de julho, 1991, Promocenter,

São Paulo), e do 2º Videogame Shopping Festival (30 de julho a 2 de

agosto, 1992, Club Homs, São Paulo) organizado por distribuidores,

importadores de cartuchos (jogos), locadoras e comerciantes do setor.

Segundo o diretor da Tec Toy -empresa que detém 70% do

mercado nacional de VG-, apesar da crise no país, o VG é um filão do

mercado muito novo e deve crescer muito mais.4 O VG, afirma, "é uma "é uma "é uma "é uma

tendênciatendênciatendênciatendência mundial" mundial" mundial" mundial" .5

4. Folha de São Paulo, cad. 3, p. 10, 03/11/91. 5. Idem, p. 1, 06/07/92.

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Essa grande difusão do VG não pode ser ignorada (mais

ainda por ser acessível, para várias camadas da sociedade, como foi

apontado), sobretudo porque se trata de um dos brinquedos favoritos

das crianças. O suplemento "Veja São Paulo" traz os resultados de um

questionário sobre a preferência do VG, aplicado em crianças da classe

média paulistana. No item sobre os brinquedos favoritos, o VG ocupa o

1º lugar entre as preferências dos meninos e, o 2º lugar entre as

meninas.6 Outras duas pesquisas, realizadas pelo DataFolha, apontam

também o sucesso do VG entre adolescentes. A primeira pesquisa,

sobre o "Perfil do vestibulando do Fuvest 92" indica que 62% dos

entrevistados possuem um console de VG, apesar de somente 4%

alugarem sempre um cartucho.7 A segunda pesquisa foi feita acerca do

motivo pelo qual as pessoas freqüentam um shopping em São Paulo.

47% dos entrevistados justificam a procura do shopping por passeio ou

por lazer, 2% delas procura um shopping exclusivamente para jogar

VG-fliperama, sendo na maioria pessoas da faixa etária entre 13 e 17

anos.8

A crescente importância do VG, nos últimos anos, aparece

também na grande divulgação de notícias nos jornais nacionais sobre

diversos assuntos ligados ao uso do VG. Para se ter uma idéia da

diversidade dos artigos apresento alguns deles como exemplo, a partir

de uma certa organização dada aos recortes.

Com o título de "Games Novidades" ou "Games

Lançamentos", na "Folhinha", a Folha de São Paulo publica

semanalmente artigos sobre dicas de VG, junto a uma descrição das

principais fases dos jogos tem-se algumas imagens dos mesmos,

também, ocasionalmente, acompanha um pequeno artigo sobre

6. VEJA, p. 16, 16/10/91. 7. Folha de São Paulo, cad. 7, p. 1, 4/11/91. 8. Idem, cad. 7, p. 14, 22/11/91.

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acessórios para VG. Esse tipo de artigos, destinados ao leitor infantil, é

semelhante aos artigos publicados nas Revistas Especializadas no setor

de lançamentos e dicas.

Sobre compras, alguns anúncios orientam o usuário para a

aquisição de um VG fornecendo informações técnicas e comerciais.

Como exemplo estão os seguintes artigos: "Videogame é opção para

Dia das Crianças";9 "Conheça as diferenças entre os videogames

vendidos no mercado"10 e; "Veja os games que você pode pedir ou

comprar no Natal".11

Outro tipo de artigos, que anunciam lançamentos de VG e

cartuchos, são publicados freqüentemente nos jornais. Dois artigos

anunciam Ayrton Senna como estrela de um novo cartucho: "Senna é

astro em videogame"12 e "Senna orienta estreantes em videogame de

Fórmula 1"13 e ainda, outros lançamentos são anunciados nos seguintes

artigos: "Guia revela segredos de 200 games";14 "Jogador desafia

monstros e vilões para ganha luta contra o mal";15 "Outubro é o mês do

gamemaníaco";16 "Ação e mentira para gamemaníacos";17 "Videogame

portátil da Tec Toy pode virar TV";18 "Aventura dos Addams chegam aos

cartuchos"19 e; "Videogame simula luta pelo ouro na Olimpíada" .20

9. Idem, cad. 6, p. 3, 09/11/91. 10. Idem, cad. 3, p. 8, 18/11/91. 11. Idem, cad. 7, p. 11, 16/12/91. 12. Idem, cad. 6, p. 2, 23/10/91. 13. Idem, cad. 3, p. 8, 16/04/92. 14. Idem, cad. 7, p. 2, 30/09/91. 15. Idem, cad. 6, p. 3, 09/10/91. 16. Idem, cad. 7, p. 4, 12/10/91. 17. Shopping News, p. 6-B, 15 e 16/12/91. 18. Folha de São Paulo, cad. 5, p. 14, 19/02/92. 19. Shopping News, p. 6-B, 22 e 23/03/92. 20. Folha de São Paulo, cad. 5, p. 16, 08/07/92.

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Sobre pesquisas realizadas com VG foram publicados os

seguintes artigos: "Videogames ajudam reabilitação de excepcionais";21

"Violência dos videogames divide psicólogos nos Estados Unidos"22 e;

"Professor coloca videogames no banco dos réus".23

Outros artigos enfocam o VG como instrumento útil para a

educação, tais como: "Videogame educativo orientará crianças"24 e;

"Jogos que ensinam a pintar o sete".25

Sobre eventos organizados com VG, na cidade de São Paulo,

constam os seguintes artigos: "Festival de Games `esquenta' começo

de férias. O 1º Videogame Shopping Festival terá lançamento de jogos,

acessórios e até um campeonato para `gamemaníacos'";26 "UD

apresenta várias novidades para gamemaníacos";27 "9ª Abrin. O

brinquedo levado a sério";28 "Tem campeonato de videogame na

cidade";29 "Campeonato de videogame Ponto Frio"30 e; "Torneio de

videogame `derruba' a Olimpíada".31 Este tipo de anúncios, sobre

eventos, também são publicados nas Revistas Especializadas.

Os artigos "Setor de videogame desconhece recessão" e

"Locadora é mais rentável que confecção"32 enfocam o VG como sendo,

atualmente, um dos negócios mais rentáveis, inclusive em tempos de

recessão.

21. Idem, cad. 6, p. 6, 24/06/91. 22. Idem, cad. 6, p. 3, 17/02/92. 23. Idem, cad. 7, p. 4, 10/02/92. 24. Shopping News, SP, p. 4, 19/04/92. 25. Idem, 26/04/92. 26. Folha de São Paulo, cad. 6, p. 18, 10/07/91. 27. Idem, cad. 6, p. 4, 13/04/92. 28. Shopping News, p. 5-A, 29/03/92. 29. Folha de São Paulo, cad. 5, p. 7, 07/03/92. 30. Idem, cad. 1, p. 16, 22/03/92. 31. Idem, cad. 4, p. 8, 02/08/92. 32. Idem, cad 3, p. 10, 03/11/91.

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Outro grupo de artigos enfoca o jogador de VG como um

verdadeiro profissional. Os artigos "Pilotar jogos vira profissão";33

"`Piloto' de games treina ao som de Vivaldi"34 e; "Videogames abrem

mercado para adolescentes aficionados"35 trazem uma reportagem sobre

jovens adolescentes que trabalham no mercado de VG -fábricas, lojas e

revistas- seja esclarecendo dúvidas dos usuários, ensinando truques, ou

vendendo VG e cartuchos, são os chamados "game pro" ou profissionais

do VG, também conhecidos como "pilotos". Nas Revistas Especializadas

encontramos inúmeras cartas de jovens usuários de VG oferecendo seus

serviços como pilotos.

Sobre entretenimentos tem-se os seguintes artigos: "Febre

de videogame se alastra no piso térreo do Paulista"36 e "Loja tem

máquinas de videogame".37

Uma série de artigos vai enfocar as disputas entre os

fabricantes de VG pelo domínio do mercado brasileiro, por exemplo:

"Sonic, alienígenas e Super Mário fazem a guerra do videogame";38 "Tec

Toy programa ataque à América do Sul";39 "Nintendo. A fera japonesa

arma suas garras na direção do Brasil"40 e; "Games invadem setor de

brinquedos".41

Outros artigos comentam os novos comportamentos dos

indivíduos em torno do VG, tais como: "Videogame une famílias para

33. Shopping News, SP, p. 9-C, 5 e 6/04/92. 34. Folha de São Paulo, cad. 7, p. 2, 11/12/91. 35. Idem, cad. 7, p. 22, 16/02/92. 36. Idem, cad. 7, p. 6, 16/10/91. 37. Idem, cad. 7, p. 2, 19/10/91. 38. Idem, cad. 6, p. 2, 12/06/91. 39. Idem, Especial-1, 15/04/91. 40. Idem, cad. 6, p. 1, 19/07/91. 41. Idem, cad. 6, p. 1, 06/07/92.

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`campeonatos'";42 "Gamemaníaco vai passar o mês jogando sem

parar"43 e ainda; "Na família `high tech', todo mundo é uma ilha".44

E, finalmente, estão os artigos sobre polêmicas em torno do

VG: "Videogames racistas e neonazistas viram mania em escolas da

Áustria";45 "Família acusa Nintendo de causar doença"46 e; "Games

geram polêmica nos EUA".47

A variedade de temas abordados nos jornais dão uma idéia

da importância que o VG está tomando, ao ocupar uma boa parcela do

tempo para o lazer das crianças e dos adolescentes.

Esse sucesso do VG, entre as crianças, também tem

chamado a atenção de psicólogos, educadores, e de pesquisadores de

diversas áreas.

A partir do final da década de 70 observa-se um interesse

crescente, entre os pesquisadores, no estudo do VG precisamente por

se tratar de um dos brinquedos de grande sucesso entre as crianças.

Assim temos, na área de Educação, os estudos de Lesgold (1982),

Margalit (et alii, 1987) e Larose (et alii, 1989), que enfocam o VG como

instrumento de ensino e aprendizagem de habilidades espacial-verbal-

matemática, entre outras. Keller (1990), na sua tese de doutorado,

relaciona as habilidades psicomotoras e cognitivas necessárias para

jogar VG com o desenvolvimento dessas habilidades para a

aprendizagem e, as pesquisas de Malone (1982; 1983). Vejamos este

último autor.

42. Idem, cad. 6, p. 15, 06/03/91. 43. Idem, cad. 6, p. 2, 29/06/92. 44. Idem, cad. 4, p. 5, 02/08/92. 45. Idem, cad. 2, p. 4, 17/08/91. 46. Estado de São Paulo, p. 7, 22/08/91. 47. Folha de São Paulo, cad. 5, p. 2, 01/04/92.

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Em "Guidelines for desig"Guidelines for desig"Guidelines for desig"Guidelines for designing educational computer ning educational computer ning educational computer ning educational computer

programs"programs"programs"programs" (1983:241-247), o autor inicia seu trabalho chamando a

atenção para o sucesso e popularidade dos VGs, nos últimos anos. Com

uma pergunta simples -"por que esses jogos encantam tanto aos "por que esses jogos encantam tanto aos "por que esses jogos encantam tanto aos "por que esses jogos encantam tanto aos

usuários?" usuários?" usuários?" usuários?" ---- ele se propõe investigar os princípios que tornam os jogos

tão atraentes e aplicá-los na aprendizagem através do uso de

computadores.

Para responder a essa pergunta, o autor estudou mais de

100 pessoas enquanto jogavam, chegando à conclusão de que são três

as categorias presentes nos jogos de VG responsáveis pelo seu

sucesso: o desafio, a fantasia e a curiosidade e essas categorias seriam

necessárias para se ter um ambiente apropriado para a instrução.

O desafio, numa atividade, caracteriza-se pela presença de

objetivos, que não se sabe exatamente se vão ser atingidos. Nos jogos

de VG, estudados pelo autor, a popularidade dos mesmos estava ligada

à identificação de um objetivo óbvio. Por exemplo, a competição é um

objetivo óbvio e característico dos jogos de VG. Mas, os objetivos dizem

respeito a significados pessoais, portanto, continua Malone, uma

atividade cujo objetivo é muito incerto longe de estimular a atividade ele

afasta e até se constitui numa ameaça para a auto-estima. Dessa

forma, como nos jogos de VG, é desejável a existência de vários níveis

de objetivos, de tal forma que muitas pessoas participariam

satisfatoriamente de um mesmo jogo. A pontuação e a velocidade das

respostas são exemplos de objetivos que correspondem a diversos

níveis de desafios e estão de acordo com as características individuais

dos usuários. O sucesso nesses jogos de VG, afirma Malone, como em

qualquer outra atividade de desafio, pode fazer com que os indivíduos

se sintam bem consigo mesmos. Nesse caso, o reforço imediato e nos

vários níveis do jogo é o que tanto atrai ao usuário.

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Sobre a fantasia o autor vai se referir a dois tipos, a fantasia

extrínseca e a fantasia intrínseca. A primeira, depende do uso de uma

experiência. Por exemplo, o autor cita os jogos de Baseball, como um

recurso para resolver problemas de aritmética. A segunda, refere-se

aos aspectos individuais, os problemas, por exemplo, são apresentados

em termos de elementos da fantasia do mundo. A fantasia dos jogos

informatizados, segundo Malone, derivam do seu apelo às necessidades

emocionais, satisfeitas através dessa fantasia. Nesse sentido, é preciso

identificar essas necessidades e como elas aparecem, embora

parcialmente, no VG. O nível de resolução gráfica desses aparelhos, isto

é, as imagens e as cenas de movimentação, aproximam-se mais do

nível da fantasia.

A terceira categoria exposta pelo autor, a curiosidade, diz

respeito aos estímulos e satisfação. Assim, a novidade, a surpresa, mas

que não sejam incompreensíveis, são elementos que favorecem a

curiosidade. O autor também aponta a importância da curiosidade

sensorial como um componente muito atrativo no VG assim, a luz, som,

cores e animação das cenas são recursos que estimulam a curiosidade e

são recursos muito bem explorados pelo computador.

Outro ponto importante, segundo o autor, é a possibilidade

de um feedback surpreendente e rápido para o usuário, junto a

sequências de ação gradativamente mais complexas.

Finalmente, o autor afirma que a presença dessas três

categorias, definidas a partir do uso do VG e responsáveis pelo seu

sucesso, implica na possibilidade de se ter um ambiente interessante

para a aprendizagem, através do uso do computador. É dessa maneira,

que Malone vai propor um esboço para um projeto educacional, baseado

nessas categorias e, também, vai apresentar alguns exemplos de jogos

educacionais. Isto é, o autor vai propor a utilização das três categorias

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na elaboração de um programa educacional, a partir de jogos para o

computador voltados para a aprendizagem48.

Dentro da Psicologia, alguns estudos abordam o uso de VG

como instrumento para o desenvolvimento de habilidades psicomotoras.

Griffith (et alii, 1983), Pépin (et alii, 1985), Dorval e Pépin (1986) e,

Orosy-Fildes e Allan (1989), são representativos desse enfoque.

Keepers (1990) analisa um caso de fixação patológica no VG. Vejamos,

como exemplo, uma dessas pesquisas com mais detalhe.

Com o título "Differences in eye"Differences in eye"Differences in eye"Differences in eye----hand motor coordination of hand motor coordination of hand motor coordination of hand motor coordination of

videovideovideovideo----game users and nongame users and nongame users and nongame users and non----users"users"users"users", de Jerry L. Griffith, Patricia Voloschin,

Gerald D. Gibb e James R. Bailey (1983: 155-158), os autores têm

como objetivo iniciar um estudo sobre a relação entre o uso de VG e a

coordenação motora olho-mão. Essa proposta, segundo os autores,

pretende fornecer um suporte empírico para as discussões, até então

sem avaliação, acerca dos benefícios do uso de VG ou dos prejuízos

ocasionados pelo mesmo.

Os autores chamam a atenção sobre o crescente interesse

que o VG está despertando entre os pesquisadores, referem-se à

discussão em torno do VG, seja com argumentos a favor -como os que

sustentam que o uso de VG não somente precisa como melhora a

coordenação olho-mão- ou argumentos contra -os quais afirmam que

essa atividade não envolve qualquer intervenção inteligente e nem traz

benefício algum para o usuário.

48 Joseph Psotka (1982) faz uma crítica aos trabalhos de Malone (1982, 1983), onde o autor discute as três categorias identificadas nos jogos de VG. Segundo Psotka, a definição dessas categorias correspondem ao senso comum e não poderiam servir de base para o ensino, já que, no seu modo de ver, ensinar é um assunto muito sério. Os jogos, continua Psotka, não permitem a exploração sistemática dos fenômenos que se pretende ensinar. Os jogos, então, serviriam mais para um efeito de demonstração do que para a aprendizagem ou, em último caso, para disfarçar os efeitos desagradáveis da aprendizagem. Para o ensino, afirma o autor, é necessário que se fazem estudos mais aprofundados e se criem programas específicos para o computador.

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A partir dessa discordância de opiniões, os autores se

propõem estudar as diferenças existentes na coordenação olho-mão em

dois grupos mistos de estudantes -um com mais de 2 meses de

experiência com jogos de VG ou fliperama e, o outro com menos de 10

horas de jogo nos últimos 6 meses. Os grupos foram submetidos a

experimentos com imagens de figuras geométricas num monitor, ditas

imagens teriam de ser acompanhadas pelos participantes, com o olhar,

na medida que as manipulavam através de um controle.

Os resultados da pesquisa indicam níveis de desempenho

superiores entre os usuários de VG, em oposição ao desempenho dos

não-usuários.

Na discussão dos resultados, os autores sustentam que ficou

ressaltada a superioridade da coordenação olho-mão entre os usuários

de VG, quando comparados com a amostra dos não-usuários. Uma das

explicações desse fato seria a de que jogar VG realmente vai

desenvolver e melhorar tais experiências. Porém, essa explicação não

seria tão plausível, na medida em que não foi constatada nenhuma

relação positiva entre a coordenação motora olho-mão e o tempo de uso

do VG. Uma segunda explicação, continuam os autores, estaria na

atração e no encanto que o VG exerce naqueles indivíduos com

coordenação motora olho-mão excepcionalmente bem desenvolvida.

Isso, porque os jogos de VG, para serem bem sucedidos, requerem

rápidos reflexos e uma coordenação bem desenvolvida.

A nível de comportamento, tem-se estudos sobre o uso de

VG e agressividade do usuário realizados por Cooper e Mackie (1986) e

por Andersen e Ford (1986); sobre o uso de VG e motivação tem-se o

estudo de Morlock (et alii, 1985). Também Welins (1989), na sua tese

de doutorado, analisa o comportamento de usuários adolescentes de

VG. Como instrumento de trabalho de psicólogos, os estudos de Jones

et alii, 1981; Jones, 1984; Jones et ali, 1986 enfocam o VG enquanto

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recurso para medir o desempenho, seja como o próprio teste psicológico

ou complemento dele.

Vejamos mais detidamente uma das pesquisas sobre

agressividade e VG. Trata-se do trabalho de Cooper e Mackie intitulado

"Video games and agression in children""Video games and agression in children""Video games and agression in children""Video games and agression in children" (1986:726-744) que, baseados

nas pesquisas sobre os efeitos da TV em crianças, procuram respostas à

pergunta se os jogos de VG com temáticas agressivas estariam

influenciando no comportamento de crianças. Para isso, os autores

formaram três grupos de crianças, cada um deles composto por pares

de meninos e meninas, O experimento consistia em colocar cada grupo

em contato com um jogo de VG de conteúdo muito agressivo, pouco

agressivo e nada agressivo respectivamente. Nessa situação, uma das

crianças de cada par jogava e a outra observava. Depois essas

crianças eram colocadas num quarto de brinquedos deixando cada uma

delas livre para brincar com os brinquedos das suas escolhas. E,

finalmente, as crianças passavam para outra sala onde seria medido o

comportamento interpessoal agressivo. Para isso, cada criança teria

que corrigir um suposto comportamento não adequado de outra criança,

podendo escolher entre diversos tipos de punições propostas pelos

pesquisadores. Também teria que aprovar um suposto comportamento

adequado, para o qual a criança escolheria entre várias opções de

recompensas.

As crianças também responderam a um questionário acerca

da sua percepção e experiência nos jogos de VG.

Os resultados, segundo os autores, foram semelhantes para

ambos os jogadores de VG e os observadores. Entre os sexos dos

participantes constataram-se diferenças. As meninas apresentaram um

comportamento muito mais ativo e agressivo -variando segundo a

intensidade da agressividade do jogo- do que os meninos, mesmo sendo

elas as observadoras do jogo. As meninas, que jogaram e observaram

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jogos de VG de temáticas mais agressivas, ficaram mais tempo

brincando com brinquedos com temáticas alusivas à violência.

Elas, também, tiveram uma auto-percepção negativa da sua

experiência no jogo, mesmo sendo seu desempenho igual ao dos

meninos. Uma das explicações seria a de supor que o VG é um

brinquedo de domínio masculino.

De modo geral, observaram os autores, os meninos tiveram

seus comportamentos, após o jogo de VG, menos influenciados pelas

temáticas agressivas ou não dos jogos. A escolha de brinquedos, após o

jogo de VG, foi principalmente daqueles relativos a violência para os

três grupos de crianças e para ambos os sexos.

E, por último, constataram que jogar ou observar VG não

afeta o comportamento interpessoal agressivo de meninos e meninas.

Isso, possivelmente porque é socialmente sancionada qualquer

demonstração direta de agressividade, mas nada impede que a

preferência das crianças seja de brinquedos que falem de violência,

como foi constatado.

Continuando com as pesquisas sobre VG, no campo da me-

dicina as pesquisas de Turner (et alii, 1986) e de Larkin (et. alii, 1989)

tomam o VG como instrumento gerador de desafio psicológico ou

gerador de situações estressantes, para medir a reatividade cardíaca;

também como instrumento gerador de tensão, o VG é analisado por

Goffinet e Michel (1990) como forte estímulo sensorial que provoca

alterações cerebrais. Na área criminalística, pode se fazer referência

ao estudo de Huff e Collinson (1987), que relaciona o uso compulsivo

de VG e fliperamas a comportamentos delinquentes em adolescentes

infratores. Finalmente, tem-se as pesquisas que analisam o uso de

VG e as consequências no processo de socialização de crianças e jovens,

como a pesquisa de Selnow (1984) e de Shimai (et alii, 1990). Vejamos

estas duas últimas.

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A primeira, de Selnow (1984:148-156), "Playing "Playing "Playing "Playing

Videogames: The eletronic friend"Videogames: The eletronic friend"Videogames: The eletronic friend"Videogames: The eletronic friend", vai enfocar o VG-fliperama como

fonte de gratificação pessoal. Baseado em outras pesquisas que

relacionam a satisfação de necessidades com a audiência de TV, o autor

sustenta que os motivos pelos quais as pessoas assistem TV podem ser

os mesmos motivos que levam as pessoas a freqüentar fliperamas

devido à relação de complementaridade que existe entre ambas formas

de lazer. Isso, porque em pesquisa anterior (s.d.) o autor chegou à

conclusão que usuários freqüentes de TV eram também usuários

freqüentes de VG- fliperama.

Embora o autor utilize indistintamente as denominações

videogame e arcade videogame (fliperama), em nota de rodapé

esclarece que seu estudo está restrito aos fliperamas49, mas

considerarei relevantes os dados dessa pesquisa por ser semelhante a

atividade de jogo tanto com fliperamas quanto com VG, como será visto

no capítulo III.

O autor aplicou um questionário num grupo de 244 crianças,

com idades entre 10 e 14 anos, com o objetivo de determinar se os

usuários assíduos de VG sentem grande necessidade de fuga,

isolamento, procura de aventuras, fazer de conta, participação em

grupos, reunião com outras pessoas e outras necessidades, em relação

aos usuários menos assíduos e estabeleceu as seguintes relações:

O jogo de VG proporciona uma situação na qual o usuário se

percebe como participante ativo, há um envolvimento ativo e pessoal

nos cenários do jogo.

49. O autor especifica a restrição ao fliperama unicamente devido à relação de complementaridade que existiria entre esse e a TV; já entre a TV e o VG haveria uma relação de competitividade, onde o segundo substitui a primeira, enquanto que os fliperamas não substituem o tempo destinado a audiência de TV. Isso, porque o autor vai utilizar como ponto de partida da pesquisa os mesmos dados das pesquisas realizadas com TV, no que diz respeito à satisfação de necessidades através desses meios de lazer.

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As crianças que gastam mais tempo e dinheiro jogando

estão mais propensas a considerar que jogar VG-fliperama é mais

alegre, excitante e preferível do que estar em companhia de pessoas.

Já os jogadores menos assíduos consideram que o fliperama

oferece uma oportunidade para aprender acerca de outras pessoas, isso

porque esses usuários consideram o fliperama não somente um local

onde as crianças vão para jogar, mas como um lugar propício para a

interação social.

Contudo, a maioria das crianças entrevistadas sustentam

que quando jogam o fazem com elas mesmas. Daí que o autor supõe o

VG como sendo uma atividade tipicamente solitária e que, enquanto as

crianças estão jogando, elas não estão a fim de interagir com outras

pessoas.

Os jogadores assíduos consideram que o VG-fliperama é

uma boa companhia para eles, é como um amigo que os ajuda a

esquecer que estão sozinhos. Isso, porque essas crianças podem

desenvolver a percepção de que os jogos preenchem uma variedade de

papeis geralmente observados nas relações humanas.

Esses usuários, continua o autor, sentem-se

temporariamente longe dos problemas e experimentam um

envolvimento pessoal na ação quando eles manejam os controles.

Assim, eles percebem o VG não somente como uma fonte de

companhia, mas possivelmente como um substituto da mesma.

Finalmente, o autor chega à conclusão que os usuários

assíduos podem, sim, satisfazer as suas necessidades de companhia

com esse brinquedo eletrônico, o que sugere que o VG joga um papel

importante na socialização dessas crianças.

A segunda pesquisa, "Influences of TV games"Influences of TV games"Influences of TV games"Influences of TV games on physical on physical on physical on physical

and psychological development of japanese kindergarten children"and psychological development of japanese kindergarten children"and psychological development of japanese kindergarten children"and psychological development of japanese kindergarten children", dos

autores japoneses Satoshi Shimai, Kimio Masuda e Youichi Kishimoto

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(1991: 771-776), chama a atenção sobre a grande difusão do VG nos

últimos anos, devido ao progresso recente da microeletrônica50, e

pretende responder parte das inúmeras perguntas que têm surgido em

torno do seu uso.51

Baseados em três argumentos, os autores têm como

objetivo analisar a influência do uso do VG no desenvolvimento psíquico

e físico das crianças. Os argumentos são: os supostos efeitos

negativos do uso de VG para o usuário criança e para seus pais, por

exemplo, muitas horas ocupadas jogando VG e muito dinheiro gasto

nisso, restando pouco tempo para qualquer atividade ao ar livre e para

os deveres escolares; os supostos problemas ocasionados na saúde da

criança, tais como irritação nos olhos, alteração na saúde mental ou

física do usuário e; retardamento no desenvolvimento de relações

sociais52 e de experiências sociais. Para isso, eles aplicaram um

questionário nos pais de 426 crianças em idade pré-escolar, divididas

em 3 grupos de idades -de 3, de 4 e de 5 anos-, por sexo e divididas

também entre usuários e não usuários de VG.53

Os resultados da pesquisa apontam um aumento do uso de

VG conforme a idade e predominantemente entre os meninos. O tempo

de jogo aumenta também com a idade, 1 em cada 3 crianças, nos

grupos de 4 e 5 anos, já jogaram mais de 5 horas em um dia. Entre as

50. As transformações ocorridas no campo da microeletrônica, da microbiologia e da energia nuclear são consideradas por alguns autores, por exemplo A. Schaff (1990), como outra revolução industrial.

51. Os autores referem-se à grande incorporação desse tipo de lazer informatizado na vida dos mais jovens, afirmam que, no Japão, mais de 25% da população possui dentro de casa um VG da marca Famicom (sistema Nintendo), porcentagem que deve aumentar significativamente considerando as outras marcas e sistemas no país, que é um dos berços dos eletrônicos.

52. As relações sociais, ditas pelos autores, são enfocadas no sentido do senso comum, isto é, de relações interpessoais.

53. Os dados sobre essa pesquisa são um tanto insuficientes, além de termos somente alguns exemplos das perguntas do questionário, não se sabe a proporção de usuários e não usuários de VG que fizeram parte da pesquisa, cujos resultados são analisados comparativamente entre esses dois grupos.

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31

meninas, os números são significativamente mais baixos em relação aos

meninos, no grupo de 5 anos uma pequena porcentagem já teria jogado

mais de 60 minutos por dia.

Acerca da atitude dos pais, a pesquisa aponta que alguns

deles restringem o uso do VG para menos de uma hora por dia ou para

algumas vezes por semana. Essa restrição aumenta segundo a idade da

criança e, sobretudo, entre os meninos, o que coincide com o aumento,

nessa idade, do uso de VG.

Sobre a influência do VG na saúde, a pesquisa traz poucos

dados que sirvam como indicadores de efeitos negativos para a saúde

física da criança. Contudo, um pequeno número de crianças, do grupo

de 4 e 5 anos, apresenta imediatamente após o jogo um pouco de

irritação nos olhos, cansaço nas mãos e dedos e perda de energia, mas

trata-se de crianças que jogam em média 63,3 minutos por dia, ao

contrário das crianças que não apresentam esses problemas e jogam em

média 32,8 minutos por dia.

Os resultados do uso de VG e a sua influência no

desenvolvimento indicam que as crianças usuárias são menos propensas

para sofrer de insônia, comparando com as crianças não usuárias de VG.

Nenhum efeito, segundo os autores, foi constatado em relação aos

hábitos fundamentais do cotidiano. Mas, alguns problemas do dia-a-dia

foram encontrados, é apontado que as crianças não usuárias de VG

apresentam mais freqüentemente irritabilidade e desobediência em

comparação às crianças usuárias54.

Um dos achados mais interessantes, segundo os autores, é

que as crianças usuárias são consideradas mais sociais do que aquelas

54. Aqui também não se sabe quais os critérios que os autores utilizaram para relacionar o uso ou não uso de VG à insônia infantil, à obediência e ao estado de ânimo da criança. Pode-se imaginar que se o uso de VG está condicionado ao bom comportamento da criança, realmente esta será muito mais obediente e não incomodará ninguém durante o tempo que estiver frente à tela com o controle na mão.

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que não têm nenhuma experiência com VG. Aqui, ao contrário que a

pesquisa de Selnow, anteriormente vista, os autores relacionam o uso

de VG às relações sociais bem sucedidas mas, não fica muito claro

como é que eles estabeleceram esse elo entre o uso de VG e as relações

interpessoais, mais ainda porque a pesquisa foi feita através de um

questionário aplicado nos pais dos pré-escolares, como foi mencionado.

A última parte do questionário, sobre as atitudes

educacionais ou disciplinares dos pais, indica que os pais de crianças

usuárias de VG estão menos preocupados com o uso do que os pais de

crianças não usuárias.

Na conclusão, os autores ressaltam a superioridade do

desenvolvimento das experiências sociais entre as crianças usuárias, o

que parece refletir a aquisição de um novo repertório a partir do VG.

No meio de toda essa variedade de enfoques, todos de

autores estrangeiros, nota-se que, até a década de 80, período de maior

divulgação de estudos com VG, nenhum autor (do levantamento

realizado até o presente) faz referência especificamente ao conteúdo

dos jogos nem às implicações para a relação da criança com o mundo.

Somente neste ano temos notícias sobre a publicação de um livro, nos

Estados Unidos, analisando jogos de VG e os seus efeitos nos jovens

usuários.

Trata-se do livro Video Kids, cujo autor, prof. Eugene

Provenzo, foi entrevistado pela Folha de São Paulo (10/02/92;7:4).

Através dessa entrevista é possível tomar conhecimento de alguns

dados sobre esse estudo. A pesquisa consistiu na análise dos 47 jogos

mais populares, entrevistas de adolescentes, bem como de Revistas

Especializadas de VG do sistema Nintendo, por ser este o maior detentor

do mercado nos Estados Unidos. Como resultado do trabalho, o autor

alerta que o uso de VG pode estar tornando seus jovens usuários

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"videoidiotas". Isso porque o VG é um brinquedo que desenvolve o

lado egoísta e agressivo dos adolescentes: "vi o lado sociológico (...) "vi o lado sociológico (...) "vi o lado sociológico (...) "vi o lado sociológico (...)

encontrei neles (nos jogos) muita violência, estereótipos da figura encontrei neles (nos jogos) muita violência, estereótipos da figura encontrei neles (nos jogos) muita violência, estereótipos da figura encontrei neles (nos jogos) muita violência, estereótipos da figura

feminina, racismo. Os videogames sfeminina, racismo. Os videogames sfeminina, racismo. Os videogames sfeminina, racismo. Os videogames são simulações, refletem valores ão simulações, refletem valores ão simulações, refletem valores ão simulações, refletem valores

muito específicos"muito específicos"muito específicos"muito específicos". Esses jogos, continua o autor, apresentam uma

idéia de luta entre o bem e o mal, neles predomina a não-cooperação e

o individualismo, bem como atitudes agressivas, egoístas e isoladas.55-56

Já no Brasil, apesar de serem escassos os estudos, até o

presente, é importante lembrar dos trabalhos de Paulo de Salles de

Oliveira O que é brinquedo (1984) e Brinquedo e indústria cultural

(1986). Neles, o autor dedica uma pequena parte para expor suas

idéias acerca dos jogos eletrônicos - VG e fliperamas.

Ao se referir aos jogos eletrônicos, o autor sustenta que, no

brincar, é necessário o submetimento do jogador para a obtenção de

prêmios, pontos e vitórias. Trata-se da seletividade que favorece e

considera somente aos melhores, bem como da falta de criatividade e

estímulo para o consumismo.

O VG é o tipo de brinquedo que submete o seu usuário a

uma determinada ação. O jogo, segundo Oliveira, supõe uma entrega

total às normas preestabelecidas no programa. O jogador, além de

55. É interessante comentar que, após a publicação desse artigo, inúmeros leitores -jovens usuários de VG- manifestaram-se contra, a favor ou meio termo sobre os resultados dessa pesquisa. Alguns deles acharam "furada a teoria do professor" (Folha de São Paulo, 17/02/92;6:3); outros não só concordaram, mas disseram que o "videoidiota" ou "gamemaníaco" deve preservar sua saúde e se proteger da dominação cultural (24/02/92;6:2); já outros disseram acreditar mais nas capacidades que o VG possa desenvolver, tais como melhorar os reflexos, a memória e a tomada de decisões rápidas, mas sem deixar de lado outras atividades como esporte, leituras, namoro, etc. (24/02/92;6:2).

56. Recentemente recebi de Henry Jenkins, diretor do Film and Media Studies do MIT, um artigo intitulado "X Logic": Repositioning Nintendo in children´s lives (1993), onde resume e comenta a pesquisa de Provenzo. Jenkins considera a posição de Provenzo bastante saudosista e preconceituosa em relação aos avanços tecnológicos. Considera, também, que é necessário se fazer uma diferença entre os jogos de VG que envolvem menos e mais interação da criança, como os últimos jogos do sistema Nintendo que, devido à sofisticação tecnológica, permitem uma maior participação do usuário para alterar o rumo da história, seu objetivos, personagens, etc.

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acatar as ordens do jogo, deve coordenar seus próprios gestos em

função da máquina, desenvolver habilidades e dominar o grau de

pressão necessário sobre os botões para manipular as imagens da tela.

"As normas impostas nos programas sã"As normas impostas nos programas sã"As normas impostas nos programas sã"As normas impostas nos programas são soberanamente ditadas pela o soberanamente ditadas pela o soberanamente ditadas pela o soberanamente ditadas pela

máquina, dirigindo a ação humana. (...) Reflexão, questionamento e máquina, dirigindo a ação humana. (...) Reflexão, questionamento e máquina, dirigindo a ação humana. (...) Reflexão, questionamento e máquina, dirigindo a ação humana. (...) Reflexão, questionamento e

criação são elementos incompatíveis com esse tipo de jogo"criação são elementos incompatíveis com esse tipo de jogo"criação são elementos incompatíveis com esse tipo de jogo"criação são elementos incompatíveis com esse tipo de jogo" (1984:46).

Segundo o autor, o usuário de VG deve reconhecer as

oportunidades que se apresentam para utilizar-se de todos os recursos

favoráveis. Nessa luta pela vitória tudo se justifica, inclusive a

eliminação dos fracos, os quais automaticamente ficam excluídos

quando não mais se mostram úteis.

Não há dúvida, continua o autor, que no brinquedo infantil

práticas e interpretações sociais são representadas.

A análise do brinquedo permite uma A análise do brinquedo permite uma A análise do brinquedo permite uma A análise do brinquedo permite uma incursão crítica aos problemas incursão crítica aos problemas incursão crítica aos problemas incursão crítica aos problemas econômicos, culturais e sociais vividos econômicos, culturais e sociais vividos econômicos, culturais e sociais vividos econômicos, culturais e sociais vividos no Brasil. Permite também discutir a no Brasil. Permite também discutir a no Brasil. Permite também discutir a no Brasil. Permite também discutir a situação social da criança em relação situação social da criança em relação situação social da criança em relação situação social da criança em relação aos adultos. Aaos adultos. Aaos adultos. Aaos adultos. Além disso, testemunha a lém disso, testemunha a lém disso, testemunha a lém disso, testemunha a riqueza do imaginário infantil a riqueza do imaginário infantil a riqueza do imaginário infantil a riqueza do imaginário infantil a enfrentar e a superar barreiras e enfrentar e a superar barreiras e enfrentar e a superar barreiras e enfrentar e a superar barreiras e condicionamentos condicionamentos condicionamentos condicionamentos (op. cit.:13).

O uso de VG, para Oliveira, impõe o submetimento da

criança a todo um conjunto de imposições vindas de forma definitiva dos

adultos. Nesse tipo de brinquedo, a criança é obrigada a renunciar

desde muito cedo à capacidade de reconstruir o mundo a partir da sua

própria experiência, já que é através do brinquedo que ela descobre o

mundo, enfrenta desafios e busca satisfazer a sua curiosidade, pois quer

conhecer muito mais, mesmo que para isso, muitos brinquedos

terminem quebrados.

A partir desses dados, pode-se supor que, apesar da

diversidade de enfoques das pesquisas sobre VG, ainda há muito que

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35

estudar. Todos os autores concordam ao apontar que a crescente

importância do VG na vida das crianças e jovens não pode ser mais

ignorada. Constatou-se que em algum nível há uma relação entre o

aumento das capacidades intelectuais e o uso de VG, como mostram

algumas pesquisas. Também há indicadores acerca da influência do

VG sobre o comportamento dos usuários, a socialização e a sua saúde.

Contudo, é importante analisar o fenômeno VG de um ângulo mais

amplo com as suas implicações na relação criança-mundo. Para isso, é

preciso partir de um ponto anterior ao fato da simples constatação da

importância VG como um dos principais brinquedos da atualidade e ir

além da sua utilidade imediata. É ao que esta pesquisa se propõe ao

questionar por que o VG está sendo o brinquedo de maior sucesso e

quais as implicações na relação da criança com o mundo.

Vejamos, em seguida, alguns aspectos sócio-familiares que

contribuem com o sucesso do VG entre as crianças.

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CAPÍTULO IICAPÍTULO IICAPÍTULO IICAPÍTULO II

A CRIANÇA CATIVA AO VIDEOGAMEA CRIANÇA CATIVA AO VIDEOGAMEA CRIANÇA CATIVA AO VIDEOGAMEA CRIANÇA CATIVA AO VIDEOGAME

Como foi visto no capítulo anterior, nos últimos anos o VG

está ganhando vertiginosamente maior espaço na atividade da criança.

Por isso, me proponho, a seguir, a abordar os aspectos que contribuem

para esse sucesso o que, de certa forma, significa um aprisionamento

da criança ao VG.

Os principais aliados do VG são os recursos de alta

tecnologia que permitem à criança manipular cores, cenas, sons e

imagens montando um cenário quase mágico para brincar de herói ao

incorporar a figura principal dos enredos, através dos controles. O

estudo de T. Malone (vide capítulo I), como foi visto, tenta explicar esse

fenômeno identificando três categorias principais presentes nos jogos de

VG: o desafio, a fantasia e a curiosidade.

A tentativa do autor de elucidar o mistério do sucesso do

VG, a partir de elementos psicológicos presentes nos jogos, não parece

ser suficiente para explicar porque o VG vem ganhando espaços cada

vez maiores no lazer infantil. Pode-se dizer que as categorias

definidas por Malone explicam parcialmente a grande divulgação

desse tipo de lazer informatizado. Mas, existem pelo menos duas

situações, de origem sócio-familiares, que contribuem com esse sucesso

e expansão, além de toda a máquina de propaganda em torno do VG. A

primeira situação diz respeito à perda do espaço livre para a atividade

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lúdica da criança e, a segunda, trata sobre os perigos do mundo da rua .

É o que vamos ver em seguida.

A perda do espaço livre para brincar está relacionada a

diversos aspectos, como a utilização do espaço livre, pelos adultos e ao

crescimento da população. Segundo Perrotti (1982), a expansão do

capitalismo provocou, em curto espaço de tempo, uma grande

concentração de pessoas nas cidades que fogem da pobreza das regiões

menos desenvolvidas, ocasionando uma restrição do espaço livre para

as crianças. "Aquilo que lhe era vital "Aquilo que lhe era vital "Aquilo que lhe era vital "Aquilo que lhe era vital (à criança) foi sendo, pouco a foi sendo, pouco a foi sendo, pouco a foi sendo, pouco a

pouco, tomado: o quintal, a rua, o jardim, a praça, a várzea, o espaçopouco, tomado: o quintal, a rua, o jardim, a praça, a várzea, o espaçopouco, tomado: o quintal, a rua, o jardim, a praça, a várzea, o espaçopouco, tomado: o quintal, a rua, o jardim, a praça, a várzea, o espaço----

livre" livre" livre" livre" (op. cit.: 25). Decorrente desse fenômeno, continua o autor, o

que é tirado da criança tenta-se compensar com o simbólico. Trata-se

de substituir o espaço livre, com a sua enorme possibilidade de

atividades lúdicas, por produtos culturais.

Os grupos de crianças, com a perda do espaço livre, vão

desaparecendo ficando cada uma delas confinadas ao espaço da casa ou

apartamento com seus brinquedos. Nesse contexto o VG se adapta

muito bem a um espaço restrito e a um único participante, quando

muito a dois simultaneamente.

Perrotti (op. cit.:25), ao comentar a pesquisa de F.

Fernandes -que apontou o processo de desintegração dos grupos

infantis na cidade de São Paulo, motivado pelo avanço da cidade-,

afirma que a vida dos grupos infantis está em estreita relação com o

espaço livre. A importância desses grupos, organizados nos espaços

livres para brincar, está que neles a criança pode recriar a realidade

individual e a do mundo, nesse processo a criança "humaniza"humaniza"humaniza"humaniza----se de se de se de se de

modo muito menos repressivo que em grupos controlados pelos adultos, modo muito menos repressivo que em grupos controlados pelos adultos, modo muito menos repressivo que em grupos controlados pelos adultos, modo muito menos repressivo que em grupos controlados pelos adultos,

experimenta um convívio social rico, exerce funções experimenta um convívio social rico, exerce funções experimenta um convívio social rico, exerce funções experimenta um convívio social rico, exerce funções as mais diversas, as mais diversas, as mais diversas, as mais diversas,

lidera, obedece a regras traçadas pelo próprio grupo"lidera, obedece a regras traçadas pelo próprio grupo"lidera, obedece a regras traçadas pelo próprio grupo"lidera, obedece a regras traçadas pelo próprio grupo".

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Segundo Oliveira (1984:31-32), a relação brinquedo-criança

foi modificada a partir da industrialização do brinquedo. As ruas, afirma

o autor, deixaram de ser o espaço de reunião e do associativismo

infantil baseado nos jogos, brinquedos e brincadeiras de rua. Com o

ingresso da mulher no mercado de trabalho, a criança ficou presa em

casa, tendo por companhia a televisão e, principalmente, os brinquedos

industrializados. Nesse contexto, o VG cumpre muito bem a função de

uma espécie de babá eletrônica, renovando-se constantemente para o

consumo.57

E não ocorre somente a perda do espaço livre pela

concentração da população e/ou utilização do espaço livre nas cidades,

mas há, como consequência, uma perda do espaço livre devido ao

perigo do mundo da rua para as crianças e, de modo geral, para todas

as pessoas. Os acontecimentos atuais as fazem temer pela sua

segurança. São assaltos, sequestros, latrocínio e outros perigos que

põem em risco a integridade das pessoas e levam, sobretudo os adultos,

a tomar providências até extremas com as crianças58.

Dessa forma, o espaço para brincar vem se reduzindo

crescentemente nos últimos anos59. A tendência dos pais é de manter

a criança dentro de casa, não somente enquanto eles trabalham, mas,

durante todo o tempo livre da criança como garantia de segurança.

Nesse sentido, o espaço físico para o lazer, apesar de estar sendo

57. Ishigaki (apud Keller, 1992) relata que, no Japão, os pais responsabilizam o VG pelo fato de suas crianças terem parado de brincar em espaços ao ar livre, mas o autor sustenta que nos últimos 10 anos a criança foi parando, vagarosamente, de brincar fora de casa, o que talvez teria ajudado para o desenvolvimento do VG como resultado desse olhar da criança para dentro de casa na procura de entretenimento.

58. É muito curioso que as temáticas dos jogos de VG tratem de assuntos da vida real, a mesma violência, consumismo e racismo aparecem no comportamento das personagens que tanto agradam às crianças.

59. Isso sem contar com a redução do tempo para a criança brincar, pois se não são diversas aulas particulares que tomam seu tempo, desde muito cedo um grande número delas é obrigada a trabalhar para seu próprio sustento e o da família. Sem tempo e sem espaço para brincar, a criança é roubada na sua infância (apenas quando toma-se em conta que a "infância", como lugar de lazer, é uma conquista histórica).

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reduzido pelo perigo da rua está sendo ampliado pela tecnologia do VG

e mantém a criança segura dentro de casa, ou como bem afirma

Perrotti acima, a perda do espaço livre da criança -do real- passou a ser

substituída pelo simbólico.

Um dado significativo, que confirma essa tendência de

manter a criança dentro de casa, encontra-se no setor de classificados

das Revistas Especializadas sobre VG. São inúmeros os anúncios de

crianças que querem trocar outros brinquedos por um VG, por exemplo

uma bicicleta, que é por excelência um entretenimento de rua, uma

prancha de surf, igualmente destinada para uma atividade fora de casa

e, até animais de estimação. Isso, por um lado, satisfaz a vontade da

criança de ter um VG ou de renová-lo, e por outro, satisfaria a vontade

dos pais de preservar a criança dentro de casa, nem que para isso

consintam que os filhos realizem a troca de brinquedos por um VG.

É nessa situação que os pais contribuem com o sucesso do

VG como uma forma de equilíbrio da tensão social, em que o mundo da

rua, do perigo, do risco é substituído pelo mundo eletrônico que simula

as mesmas situações, mas, onde o usuário criança, encarnando o herói,

ao mesmo tempo que é preservado, pode ser sempre o vencedor.

Todavia, com um VG em casa, os pais resolvem também

outro tipo de problema que, para eles, representa um perigo para os

filhos, Trata-se de outro tipo de lazer informatizado. São os conhecidos

fliperamas, espalhados em toda cidade e que abrangem um setor maior

da sociedade devido ao seu preço mais acessível.

Não é de agora o grande problema com eles, há muitos anos

diversos setores da sociedade vem denunciando esses locais como

sendo centros de consumo e tráfico de drogas e que teriam como

público alvo crianças e adolescentes freqüentadores desses lugares.

Também os fliperamas são acusados de prejudicar os estudos da criança

que, por ficar jogando, falta à escola, deixa de fazer seus deveres,

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mente em casa60 e, inclusive, são incentivadas para o roubo de objetos

da própria casa para trocá-los por fichas de jogo.61

É muito curiosa a semelhança desta situação no Brasil com

os Estados Unidos. Na sua tese de doutorado Keller (1990) aponta o

mesmo fenômeno no seu país, em que a sociedade condena os

fliperamas e dá as boas vindas aos VGs. Também, a autora aponta que

o argumento de prejudicar os estudos da criança foi utilizado por alguns

governos de Indonésia, Filipinas e Hong Kong, por exemplo, na década

de 80, para proibirem inclusive o uso de VG.

Essa espécie de cativeiro da criança é de certa forma

compensada por todo um mundo transmitido através dos jogos de VG.

Neles, a criança também vê as mesmas situações perigosas da vida real,

já que os enredos dos jogos apresentam os mesmos problemas de

roubos, assaltos, sequestros, drogas, etc., Mas, trata-se de uma

situação em que se apresenta uma visão determinada do mundo, É

o que encontramos em alguns jogos que exaltam o racismo

implicitamente, por exemplo, quando se tem como personagem a ser

"eliminada" uma negra com avental que distribui poderosos tiros

mortíferos disparados pela parte posterior de seu próprio corpo62. Ou,

mesmo os jogos que explicitamente são racistas, como os VGs

divulgados na Alemanha, Áustria, Holanda, Suécia e Estados Unidos e

que trazem nos seus enredos temas sobre a ideologia neonazista e

racista, ligados ao extermínio de judeus, ciganos, homossexuais e

60. Shopping News, 05/04/92:3; 22/04/92: 3. 61. Id. Ibid., 12/04/92:3. Por esse mesmo caminho, como foi mencionado no capítulo I, vai a pesquisa de Huff e Colinson (1987) que relacionaram entre os antecedentes de delinqüência, num grupo de adolescentes, o uso de VG e de fliperamas, este último como incentivo até do assalto para comprar fichas ou da troca de objetos roubados por fichas. Mas isso não pode se estabelecer como regra geral.

62. Trata-se do jogo D.J. BOY, cuja personagem principal é um garoto de patins que deve eliminar pessoas "da pesada" -gangs, terroristas e negros- que se cruzam no seu caminho. Cada inimigo que é eliminado converte-se imediatamente em dinheiro para o herói, dinheiro que permite a compra de objetos e o aumento de energia (poder).

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dissidentes. São jogos onde a pontuação é obtida segundo o extermínio

de maior ou menor número de "impuros raciais" ou, segundo quantos

dentes de ouro são arrancados de cadáveres de judeus para financiar a

compra de gás para acabar com os turcos.63

Talvez, como afirma um dos usuários de VG64,

simplesmente está se constatando o que acontece no dia-a-dia mas, é

importante colocar em questão os efeitos que podem causar esses

valores65, idéias e atitudes quando apresentados pelos jogos de VG

como sendo definitivos e inquestionáveis para o usuário criança, de

todas as idades, que "hipnotizados" afirmam enquanto encarnam o

herói: "sou bom".

No que se refere a propaganda e à grande imprensa, as

Revistas Especializadas não deixam de contribuir para o sucesso e o

cativeiro da criança no VG. Além de toda a divulgação feita nas suas

páginas coloridas, as revistas transmitem a idéia de sempre estar

presente a possibilidade do leitor adquirir um VG. Principalmente nos

constantes concursos organizados pela Tec Toy, pelas próprias revistas

e/ou por outros setores do ramo, é possível ganhar prêmios como VG,

controles, cartuchos, e demais acessórios, ou, até, aparelhos

sofisticados de TV. Torneios e campeonatos entre crianças e entre

adolescentes também oferecem os mesmos prêmios, fora de uma

quantia em dinheiro e o título de "campeão", "game fera", "game

maníaco" e outras denominações que parecem agradar à criança.

Trata-se de uma das funções de intermediação das

Revistas Especializadas, entre a criança e o VG, que coloca em contato

os usuários ou leitores com os fabricantes e comerciantes do setor.

63. Folha de São Paulo, 17/08/91, Cad. 2:4. 64. Folhateen, 17/02/92:3. 65. Estamos adotando a definição de Heller (1989:4), que considera como valor tudo aquilo que diz respeito ao ser genérico do homem, sendo que fazem parte da essência humana o trabalho, a socialidade, universalidade, consciência e a liberdade.

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Outra função de intermediação é o VG estabelecer contato

entre os usuários e também contribuir para o cativeiro da criança. Trata-

se do setor dos classificados das Revistas Especializadas que permite ao

usuário-criança efetuar compras, vendas e trocas de VG. Isso, por um

lado, reflete o sucesso do VG, já que foram aumentando as alternativas

de consumo da criança. Por outro lado, mostra também o quanto a

criança tornou-se prisioneira do VG na medida em que vai substituindo

outras formas de lazer -as trocas de outros brinquedos bicicletas,

carrinhos, bonecos, etc.

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CAPÍTULO IIICAPÍTULO IIICAPÍTULO IIICAPÍTULO III

A CRIANÇA, SEU BRINCAR E OS OUTROS A CRIANÇA, SEU BRINCAR E OS OUTROS A CRIANÇA, SEU BRINCAR E OS OUTROS A CRIANÇA, SEU BRINCAR E OS OUTROS ----FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICAFUNDAMENTAÇÃO TEÓRICAFUNDAMENTAÇÃO TEÓRICAFUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1.1.1. A relação A relação A relação A relação criançacriançacriançacriança----mundo mediatizada pela mundo mediatizada pela mundo mediatizada pela mundo mediatizada pela brincadeirabrincadeirabrincadeirabrincadeira

Se o ser humano tem o trabalho como a atividade

especificamente humanizadora, na relação criança-mundo a atividade

primordial é a brincadeira, considerada esta como a atividade que

permite a apropriação do mundo por parte da criança.

A criança que brinca, afirma Arfouilloux (1980:94),

experimenta-se e constrói-se através do brinquedo. Através do

brinquedo ela pode fazer reconstruir o mundo e modifica-lo, "o "o "o "o

brinquedo é um trabalho de construçãbrinquedo é um trabalho de construçãbrinquedo é um trabalho de construçãbrinquedo é um trabalho de construção e de criação".o e de criação".o e de criação".o e de criação".

Como todo ser humano, a criança apropria-se das

habilidades do ambiente em que nasce, isso significa que, também,

apropria-se e desenvolve as capacidades humanas até então

desenvolvidas dentro de uma determinada organização social. A criança

aprende as habilidades do seu ambiente imediato, aprende a língua,

aprende costumes e usos sociais. Essa apropriação consiste na

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reprodução das aquisições humanas ao longo da história e a criança o

faz através da sua atividade lúdica.

A brincadeira, portanto, nos primeiros anos de vida, é a

atividade especificamente humanizadora que vai mediar a relação da

criança com o mundo que a rodeia. Como atividade mediadora entre a

criança e o mundo, a brincadeira implica na possibilidade de

transformação deste último. Segundo Heller (apud Silva, 1989:14), a

brincadeira é uma atividade que permite à criança fazer uma ponte

entre as experiências passadas -através das brincadeiras tradicionais e

que constituem a história da humanidade- e as vivências do presente.

Assim, a criança, como indivíduo, pode "transformar o desconhecido em "transformar o desconhecido em "transformar o desconhecido em "transformar o desconhecido em

conhecido, o inexplicável em explicável e reforçar ou alterar o mundo"conhecido, o inexplicável em explicável e reforçar ou alterar o mundo"conhecido, o inexplicável em explicável e reforçar ou alterar o mundo"conhecido, o inexplicável em explicável e reforçar ou alterar o mundo"

(id. Ibid.).

Uma das apropriações mais importantes para o

desenvolvimento da criança é da linguagem, já que toda a riqueza

acumulada da humanidade não somente está plasmada nas coisas, mas

nos conceitos. "É sob esta forma que surge à criança a riqueza do "É sob esta forma que surge à criança a riqueza do "É sob esta forma que surge à criança a riqueza do "É sob esta forma que surge à criança a riqueza do

saber acumulado pela humanidade: os conceitos sobre o mundo que a saber acumulado pela humanidade: os conceitos sobre o mundo que a saber acumulado pela humanidade: os conceitos sobre o mundo que a saber acumulado pela humanidade: os conceitos sobre o mundo que a

rodeia. A tarefa da criança consirodeia. A tarefa da criança consirodeia. A tarefa da criança consirodeia. A tarefa da criança consiste em apropriarste em apropriarste em apropriarste em apropriar----se destes se destes se destes se destes

conhecimentos, destes conceitos"conhecimentos, destes conceitos"conhecimentos, destes conceitos"conhecimentos, destes conceitos", afirma Leontiev (1978:327).

Segundo esse autor, essa apropriação requer a formação de

operações mentais na criança, as quais surgem de forma ativa, primeiro

como ações exteriores vindas do adulto para a criança e, depois,

transformadas em operações intelectuais interiores. Um exemplo disso

está nas primeiras manifestações da linguagem, primeiro o balbucio, a

lalação e, finalmente, a palavra partem do adulto e são apropriadas

pela criança através do que se considera ser uma atividade lúdica: no

balbucio, na lalação e na fase dos monólogos coletivos a criança brinca

com a própria voz e com os sons que ela descobre poder emitir, a

finalidade encontra-se nesse brincar e não na perspectiva de

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comunicação, o que ocorrerá somente numa fase posterior do

desenvolvimento da criança.

Aumenta, assim, o número de objetos com os quais a

criança vai agir e sobre os quais ela vai pensar. A brincadeira é,

portanto, a atividade da criança que permite o surgimento da

consciência e caracteriza a sua socialidade como parte do processo de

apropriação do mundo. Mesmo na fase em que a brincadeira ocorre

como atividade individual e isolada da criança, ela está atuando como

ser social, incorporando no seu brincar experiências sociais.

É assim, que através da atividade lúdica a criança se

apropria, progressivamente, da realidade do mundo, manifestando,

nessa sua relação com o mundo, a sua genericidade.

Como mediação da relação criança-mundo, a brincadeira se

apresenta inicialmente como a atividade dominante na idade pré-

escolar e, depois, como atividade menos dominante ou compartilhada

pela atividade escolar, mas ambos os momentos são fundamentais no

processo de humanização da criança.

A característica da brincadeira, na fase pré-escolar, é que

consiste numa atividade em que o próprio brincar é em si o motivo de

interesse para a criança, nessa fase a atividade lúdica não procura uma

finalidade ou um resultado da ação. Trata--se de uma atividade

funcional, assim denominada por Bühler (1946:146), e que se

caracteriza por ser puramente lúdica sem ser intencional, o motivo está

no próprio prazer (Funktionslust) que a criança sente ao realizar essa

ação.66

66. Diversos autores referem-se a essa mesma característica da inicial atividade lúdica. Por exemplo, Leontiev (1988:120) sustenta que na fase pré-escolar a brincadeira é uma atividade que contém o motivo no próprio processo e não no resultado da ação. Piaget (1978:115), declara que a atividade no jogo primitivo é realizada por mero "prazer funcional", o Funktionslust que o autor adotou de K. Bühler.

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No brincar, a criança utiliza os brinquedos como mediações

para satisfazer as suas necessidades. São instrumentos por meio dos

quais ela se apropria do mundo, de tal forma que um pedaço de pau

serve de espada, de cavalo ou de qualquer outro objeto. A esse

respeito, Leontiev sustenta que essa maneira de brincar é o único tipo

de atividade que resolve a contradição entre a necessidade da criança

agir e a impossibilidade de executar as operações exigidas pelas ações.

A necessidade da criança agir como um adulto -"ela deseja montar um "ela deseja montar um "ela deseja montar um "ela deseja montar um

cavalo, mas não sacavalo, mas não sacavalo, mas não sacavalo, mas não sabe como fazêbe como fazêbe como fazêbe como fazê----lo e não é ainda capaz de aprender a lo e não é ainda capaz de aprender a lo e não é ainda capaz de aprender a lo e não é ainda capaz de aprender a

fazêfazêfazêfazê----lo" lo" lo" lo" (Leontiev, 1988:121)- a leva a fazer uma substituição simbólica

de objetos mais acessíveis. Assim, um pedaço de pau ocupa o lugar do

cavalo -ou de outros objetos- nas brincadeiras infantis.

Portanto, outra característica da atividade lúdica da criança é

seu conteúdo simbólico ou imaginário. Segundo Bühler (op. cit.), trata-

se da brincadeira de ficção onde a criança expande a sua ação para

além de si mesma e em direção ao mundo, aos homens e aos objetos -o

que também caracteriza os jogos receptivos, nos quais a criança vai ter

como atividade lúdica o ouvir estórias e ver imagens.

A situação imaginária presente na atividade lúdica, segundo

Leontiev (1988:132), visa reproduzir uma ação ou um papel lúdico; "No "No "No "No

papel que desempenha no brinquedo, a criança papel que desempenha no brinquedo, a criança papel que desempenha no brinquedo, a criança papel que desempenha no brinquedo, a criança -diz o autor- assume assume assume assume

certa função social generalizada do adulto, muitas vezes uma função certa função social generalizada do adulto, muitas vezes uma função certa função social generalizada do adulto, muitas vezes uma função certa função social generalizada do adulto, muitas vezes uma função

profissional..."profissional..."profissional..."profissional...". E assumir uma função social implica, embora que de

forma latente, a regra.

Para Leontiev, nesse momento do brincar há uma unidade

do papel do jogo e a regra, e ambos expressam "a unidade do conteúdo "a unidade do conteúdo "a unidade do conteúdo "a unidade do conteúdo

físico e social do brinquedo na fase préfísico e social do brinquedo na fase préfísico e social do brinquedo na fase préfísico e social do brinquedo na fase pré----escolar"escolar"escolar"escolar" (id. Ibid.:133), unidade

que, mais tarde, evoluirá num sentido inverso, a regra se tornando

explícita e o papel lúdico latente. Os jogos baseados em regras surgem,

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então, a partir dos jogos de ficção ou de brincadeiras que envolvem

situações imaginárias.

Mais tarde, ainda na idade pré-escolar, a brincadeira, pura

ação ou funcional, vai se transformando em atividade de produção, ou

de construção de objetos. Trata-se de uma atividade considerada de

transição para o trabalho e cujo motivo não pode ser compreendido

apenas na ação. Bühler e Claparède já tinham apontado a continuidade

presente entre a brincadeira e o trabalho. Bühler sustenta que há uma

íntima relação entre a brincadeira e a produção, o que pode ser

demonstrado na atividade lúdica infantil, pois, na medida que a criança

cresce, os brinquedos vão se transformar em instrumentos de

construção, isto é, de realização de uma atividade objetivada numa

obra, o que se situa mais próximo da atividade trabalho.

a atividade produtiva já se inicia na a atividade produtiva já se inicia na a atividade produtiva já se inicia na a atividade produtiva já se inicia na medida que se atinge medida que se atinge medida que se atinge medida que se atinge algoalgoalgoalgo objetivamente, se faz visível um objetivamente, se faz visível um objetivamente, se faz visível um objetivamente, se faz visível um produto da atividade (...) agora produto da atividade (...) agora produto da atividade (...) agora produto da atividade (...) agora o o o o sucesso (da brincadeira) transformousucesso (da brincadeira) transformousucesso (da brincadeira) transformousucesso (da brincadeira) transformou----se se se se em objeto separado da pessoa em objeto separado da pessoa em objeto separado da pessoa em objeto separado da pessoa (Bühler, 1946:152-3).67676767

Essa mudança no brincar -de uma atividade funcional para

uma atividade de construção- vai encurtar ainda mais o caminho para o

jogo de regras e, portanto, para a atividade conscientemente

socializada.

A passagem para a atividade de construção, na brincadeira,

vou tomá-la como sendo o momento, no desenvolvimento da criança,

em que surgem indícios da consciência do ser objetivo. Isto é, a criança

67. Nos Manuscritos Econômico-Filosóficos (1988), Marx afirma que é no trabalho do homem sobre o mundo objetivo que ele se mostra como ser genérico, mediante a produção "a natureza aparece como sua obra e sua realidade (...) porque ele (o homem) não se reproduz somente intelectualmente, como na consciência, mas ativamente e num sentido real, e contempla seu próprio reflexo num mundo que ele mesmo construiu" ( In Fromm, 1984: 112).

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ao se relacionar com o produto da sua atividade necessariamente está

se relacionando com seus semelhantes. Trata-se, portanto, do

surgimento de indícios do reconhecimento da alteridade -o outro como

seu objeto e ela enquanto objeto do outro68- que se confirma numa fase

posterior do brincar, onde a brincadeira deixa de ser a atividade

dominante e passa a ser compartilhada pela vida escolar.

A atividade na brincadeira de produção não apresenta ainda,

na sua objetivação, uma intencionalidade, apenas se baseia no

aproveitamento de formas dadas dos objetos que estão à disposição da

criança. Mas talvez seja o prenúncio da noésis e poiésis, isto é, a

capacidade de, primeiro, pensar sobre a finalidade de um objeto para

depois realizá-lo, o que permite o reconhecimento do ser humano na

sua consciência e nos seus objetos como produto histórico. Somente

mais tarde a brincadeira vai apresentar uma finalidade, isso significa

que a criança vai produzir um objeto intencionalmente -um objeto

determinado. É assim que a criança utilizará diversas peças para

montar um objeto final -uma casa, por exemplo- ou seguirá uma série

de sequências previamente estabelecidas nos jogos de regras, onde as

normas sociais já foram amplamente incorporadas e reconhecidas.

A brincadeira evolui, então, de uma atividade de apropriação

do mundo mediada exclusivamente pelo corpo da criança69, para ser

mediada por instrumentos utilizados na produção objetiva e, mais

tarde, mediada por outras crianças na brincadeira baseada em regras.

O jogo de regras implica a incorporação, por parte da

criança, de normas sociais -que permanecerão na idade adulta- e a

68. Também nos Manuscritos, esse autor afirma: "sob a pressuposição da superação positiva da propriedade privada, o homem produz o homem, a si próprio e a outro homem; como o objeto, que é a atividade imediata de sua individualidade, é ao mesmo tempo seu próprio modo de existência para o outro homem, o modo de existência deste e o modo de existência deste para ele" (Marx, 1978:9).

69. O balbucio, a lalação e os monólogos por exemplo. Eles, mais tarde, vão evoluir em direção à objetivação linguística.

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consciência da socialidade, porque o jogo de regras normatiza a

atividade coletiva -nas palavras de Piaget (1978:182), "o jogo de regras "o jogo de regras "o jogo de regras "o jogo de regras

é a atividade é a atividade é a atividade é a atividade lúdica do ser socializado"lúdica do ser socializado"lúdica do ser socializado"lúdica do ser socializado"

As regras nos jogos podem ser transmitidas de geração em

geração70 ou simplesmente podem corresponder a uma determinação

esporádica, atendendo determinadas necessidades da criança durante a

sua atividade lúdica coletiva.

Junto com essa transformação no brincar da criança, a sua

relação com o mundo amplia-se de tal forma que gradativamente

aumentam as obrigações impostas pela sociedade, assim como

aumentam as necessidades a serem satisfeitas.

A atividade lúdica da criança, que percorre o caminho entre

uma atividade puramente funcional e uma atividade consciente e

socializada, representa o crescimento do ser humano, tanto no sentido

psicológico, de desenvolvimento do psiquismo, quanto no sentido

filosófico, do reconhecimento do particular enquanto ser social e,

portanto, genérico. No brincar, a criança se depara com os objetos -a

história dos homens- e se depara com o outro, num reconhecimento da

alteridade o particular manifesta a sua genericidade. 71

70. Heller (apud Silva, 1989:14) refere-se, a esse respeito, à apropriação histórica da produção humana através dos jogos tradicionais ao alcance das crianças.

71 Marx sustenta que a confirmação do ser natural está na existência de objetos externos, para os quais dirige as suas forças essenciais, e isso o torna um ser objetivo que, por sua vez, o coloca como o objeto para um terceiro, pois "tão logo não esteja só, sou um outro, uma outra efetividade diferente do objeto fora de mim. Para este terceiro objeto eu sou, pois, uma outra efetividade diferente dele, isto é, sou seu objeto" (1978:41) Mas, ao dirigir suas forças essenciais para o outro homem, como seu objeto e vice-versa, ele é "um ser para si próprio e, por isso, ser genérico, que enquanto tal deve atuar e confirmar-se tanto em seu ser como em seu saber" (id. Ibid.). Mesmo realizando uma atividade imediatamente individual, como o caso de uma atividade intelectual -ou lúdica, como o faz a criança- trata-se de uma manifestação de socialidade, "realizo um ato social, porque atuo como homem (...) minha própria existência é uma atividade social" (Marx, 1984:138). Essa atividade, apesar de não ser imediatamente coletiva, como afirma Màrkus (1974: 29), é uma atividade que já contém a determinação histórico-social, porque os meios de trabalho utilizados e a capacidade necessária decorrem da apropriação e da aplicação das forças produtivas e da atividade criadas pelas gerações anteriores -como ocorre na apropriação das brincadeiras tradicionais, como foi apontado anteriormente. "O indivíduo é o ser social", afirma

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E é do ponto de vista de uma dialética entre particular e

genérico -como a essência do homem- que suponho, neste trabalho, o

VG enquanto um instrumento lúdico que, ao exaltar a idéia da unicidade

separa o particular do genérico, cinde o individual do universal. Mas, o

que significa esse artifício de cindir o que é particular do genérico? É o

que vamos ver em seguida.

2.2.2.2. A mistificação da particularidade: a A mistificação da particularidade: a A mistificação da particularidade: a A mistificação da particularidade: a unicidade como essência do homemunicidade como essência do homemunicidade como essência do homemunicidade como essência do homem

A vida individual, segundo Marx (1978:10), não é diferente

da vida genérica do homem, mesmo que não apareça imediatamente

como uma manifestação da vida coletiva, isto é, em união simultânea

com os outros homens, é a confirmação da vida social e, mesmo que o

modo de existência da vida individual seja mais particular ou mais geral

da vida genérica e vice-versa.

Heller (1987:29-33) nos diz que, depois da aparição da

divisão social do trabalho, os particulares nascem em um determinado

ambiente e nele se apropriam dos elementos, bases e habilidades da

socialidade do seu tempo, mas somente de alguns aspectos das

capacidades genéricas que se desenvolveram até então. Outros

aspectos da genericidade, continua a autora, apresentam-se a ele

Marx, na manifestação da sua particularidade o homem exterioriza e confirma a vida social. Assim, continua, a individualidade é a manifestação do ser genérico do homem, da sua universalidade. É na vida em sociedade que o homem constitui a sua individualidade, através da apropriação que ele faz do mundo produzido pelo homem, através da sua própria atividade.

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como sendo parte de um mundo estranho, cujas normas, aspirações e

modos de vida aparecem inclusive hostis frente àquelas do particular,

um mundo se contrapondo ao outro. E esse mundo outro, composto

por outras integrações, que representam a genericidade e das quais o

homem tem notícias, são todos os meios de produção, as coisas e as

instituições que medeiam as relações humanas e nas quais objetivou-se

o trabalho das gerações anteriores. Representam a genericidade,

também, todas aquelas objetivações que, como as anteriores e

inseparáveis delas, são as formas como a consciência do gênero

humano se plasmou, tais como as obras de arte, a filosofia, as normas

e aspirações abstratas.

Assim nos diz a autora:

o homem particular se apropria da o homem particular se apropria da o homem particular se apropria da o homem particular se apropria da genericidade no seu respectivo genericidade no seu respectivo genericidade no seu respectivo genericidade no seu respectivo ambiente social. (...) Efetivamente, ele ambiente social. (...) Efetivamente, ele ambiente social. (...) Efetivamente, ele ambiente social. (...) Efetivamente, ele somente pode existir em sociedadsomente pode existir em sociedadsomente pode existir em sociedadsomente pode existir em sociedade; e; e; e; inclusive somente pode apropriarinclusive somente pode apropriarinclusive somente pode apropriarinclusive somente pode apropriar----se da se da se da se da natureza com a mediação da natureza com a mediação da natureza com a mediação da natureza com a mediação da socialidade. O homem se objetiva socialidade. O homem se objetiva socialidade. O homem se objetiva socialidade. O homem se objetiva sempre no interior de seu próprio sempre no interior de seu próprio sempre no interior de seu próprio sempre no interior de seu próprio gênero e para o próprio gênero; ele gênero e para o próprio gênero; ele gênero e para o próprio gênero; ele gênero e para o próprio gênero; ele sempre tem notícia (está consciente) sempre tem notícia (está consciente) sempre tem notícia (está consciente) sempre tem notícia (está consciente) desta genericidade. (...) a produção que desta genericidade. (...) a produção que desta genericidade. (...) a produção que desta genericidade. (...) a produção que o homo homo homo homem necessariamente leva a cabo em necessariamente leva a cabo em necessariamente leva a cabo em necessariamente leva a cabo em comum com outros e para outros em comum com outros e para outros em comum com outros e para outros em comum com outros e para outros (...), é a forma fenomênica elementar (...), é a forma fenomênica elementar (...), é a forma fenomênica elementar (...), é a forma fenomênica elementar da genericidade da genericidade da genericidade da genericidade (op. cit.:31-32).

Mas, existe uma espécie de cisão entre a particularidade e a

genericidade. Trata-se da mistificação ou exacerbação da

particularidade, onde a unicidade aparece como a essência do homem.

Segundo Heller (op. cit.:55), uma forma mais moderna de

mistificação da particularidade enfoca o homem como sendo "único e "único e "único e "único e

irrepetível" irrepetível" irrepetível" irrepetível" . Concepção essa que não considera o indivíduo como sendo

a síntese da "unicidade acidental da particularidade e a universalidade "unicidade acidental da particularidade e a universalidade "unicidade acidental da particularidade e a universalidade "unicidade acidental da particularidade e a universalidade

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da genericidade"da genericidade"da genericidade"da genericidade", todo particular, afirma a autora, "é ao mesmo tempo "é ao mesmo tempo "é ao mesmo tempo "é ao mesmo tempo

único e genérico universal"único e genérico universal"único e genérico universal"único e genérico universal".

Na Ideologia Alemã, uma das principais críticas é feita à

concepção dos idealistas "do único""do único""do único""do único", "do homem feito" "do homem feito" "do homem feito" "do homem feito" . Na medida em

que Marx e Engels vão apontando que toda concepção histórica, até

então, tem omitido completamente a base real da história, onde a

produção da vida real aparece como algo separado da vida comum,

afirmam que os teóricos (referem-se a Bauer, Feuerbach e Stirner)

"crêem seriamente que fantasias, tais como as de `homem"crêem seriamente que fantasias, tais como as de `homem"crêem seriamente que fantasias, tais como as de `homem"crêem seriamente que fantasias, tais como as de `homem----Deus', `o Deus', `o Deus', `o Deus', `o

homem', etc. têm presidido as diferentes épocas da história"homem', etc. têm presidido as diferentes épocas da história"homem', etc. têm presidido as diferentes épocas da história"homem', etc. têm presidido as diferentes épocas da história" (Marx,

Engels, 1982:59-60).

Já nos Manuscritos Econômico-Filosóficos, de 1988, Marx

afirma que Hegel concebe "a relação do homem consigo mesmo como "a relação do homem consigo mesmo como "a relação do homem consigo mesmo como "a relação do homem consigo mesmo como

ser alheio e o surgimento da ser alheio e o surgimento da ser alheio e o surgimento da ser alheio e o surgimento da consciência genérica e a vida genéricaconsciência genérica e a vida genéricaconsciência genérica e a vida genéricaconsciência genérica e a vida genérica

como a manifestação de seu ser alheio"como a manifestação de seu ser alheio"como a manifestação de seu ser alheio"como a manifestação de seu ser alheio" (1984:195). Trata-se da crítica

da concepção hegeliana sobre a natureza humana. Para Hegel a

natureza humana mesma é considerada como natureza abstrata,

pensante, como consciência em si, onde o homem real e a natureza real

são apenas símbolos desse homem e dessa natureza abstratos.

O objeto é, para Hegel, uma nulidade enquanto alienação da

consciência. O conhecimento é o único ato ou relação objetiva da

consciência mas, na medida em que o objeto representa a alienação, a

consciência conhece a nadidade do objeto e confronta-se consigo

mesma, já que o objeto, enquanto nadidade , é "um "um "um "um algoalgoalgoalgo que que que que não não não não tem tem tem tem

existência objetiva fora do conhecerexistência objetiva fora do conhecerexistência objetiva fora do conhecerexistência objetiva fora do conhecer----se mesmo"se mesmo"se mesmo"se mesmo" (id. ibid.:191-2) e "o "o "o "o

sujeito que se conhece como autoconsciência absoluta, é portanto sujeito que se conhece como autoconsciência absoluta, é portanto sujeito que se conhece como autoconsciência absoluta, é portanto sujeito que se conhece como autoconsciência absoluta, é portanto o o o o

Deus, o Espírito Absoluto, a idéia que se conhece e atua Deus, o Espírito Absoluto, a idéia que se conhece e atua Deus, o Espírito Absoluto, a idéia que se conhece e atua Deus, o Espírito Absoluto, a idéia que se conhece e atua """" (1978:45).

Daí que Marx afirma que um ser não objetivo é um não ser:

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SuponhaSuponhaSuponhaSuponha----se um ser que nem é ele se um ser que nem é ele se um ser que nem é ele se um ser que nem é ele próprio objeto nem tem um objeto. Tal próprio objeto nem tem um objeto. Tal próprio objeto nem tem um objeto. Tal próprio objeto nem tem um objeto. Tal ser seria, em primeiro lugar, o ser seria, em primeiro lugar, o ser seria, em primeiro lugar, o ser seria, em primeiro lugar, o únicoúnicoúnicoúnico ser, não existiria nenhum ser fora dele, ser, não existiria nenhum ser fora dele, ser, não existiria nenhum ser fora dele, ser, não existiria nenhum ser fora dele, existiria solitário e sozinho. Pois tão existiria solitário e sozinho. Pois tão existiria solitário e sozinho. Pois tão existiria solitário e sozinho. Pois tão logo haja logo haja logo haja logo haja objetos fora de mim, tão logo objetos fora de mim, tão logo objetos fora de mim, tão logo objetos fora de mim, tão logo não esteja não esteja não esteja não esteja sósósósó, sou um , sou um , sou um , sou um outrooutrooutrooutro, uma , uma , uma , uma outraoutraoutraoutra efetividadeefetividadeefetividadeefetividade diferente do objeto fora de diferente do objeto fora de diferente do objeto fora de diferente do objeto fora de mim. Para este terceiro objeto eu sou, mim. Para este terceiro objeto eu sou, mim. Para este terceiro objeto eu sou, mim. Para este terceiro objeto eu sou, pois, uma outra efetividade diferente pois, uma outra efetividade diferente pois, uma outra efetividade diferente pois, uma outra efetividade diferente dele, isto é, sou dele, isto é, sou dele, isto é, sou dele, isto é, sou seuseuseuseu objeto. Um ser objeto. Um ser objeto. Um ser objeto. Um ser que não é objeto de outro ser, que não é objeto de outro ser, que não é objeto de outro ser, que não é objeto de outro ser, supõe, supõe, supõe, supõe, pois, que não existe pois, que não existe pois, que não existe pois, que não existe nenhumnenhumnenhumnenhum ser ser ser ser objetivo. Tão logo eu tenha um objeto, objetivo. Tão logo eu tenha um objeto, objetivo. Tão logo eu tenha um objeto, objetivo. Tão logo eu tenha um objeto, este objeto me tem a mim como objeto. este objeto me tem a mim como objeto. este objeto me tem a mim como objeto. este objeto me tem a mim como objeto. Mas um ser Mas um ser Mas um ser Mas um ser não objetivonão objetivonão objetivonão objetivo é um ser não é um ser não é um ser não é um ser não efetivo, não sensível, somente pensado, efetivo, não sensível, somente pensado, efetivo, não sensível, somente pensado, efetivo, não sensível, somente pensado, isto é, apenas imaginado, um ser da isto é, apenas imaginado, um ser da isto é, apenas imaginado, um ser da isto é, apenas imaginado, um ser da abstraçãoabstraçãoabstraçãoabstração. (Marx, 1978:41).

Segundo Vázquez (1982), somente "o espírito" "o espírito" "o espírito" "o espírito" , "o único" "o único" "o único" "o único" ,

irreal e abstrato, puramente pensado pode ser um ser sem objetos fora

de si, isto é, não-objeto para outro ser. E continua:

Este espírito não é um ser objetivo no Este espírito não é um ser objetivo no Este espírito não é um ser objetivo no Este espírito não é um ser objetivo no sentido exposto por Msentido exposto por Msentido exposto por Msentido exposto por Marx e, por arx e, por arx e, por arx e, por conseguinte, é um nãoconseguinte, é um nãoconseguinte, é um nãoconseguinte, é um não----ser. O resultado ser. O resultado ser. O resultado ser. O resultado alcançado por esta via concorda alcançado por esta via concorda alcançado por esta via concorda alcançado por esta via concorda perfeitamente com toda a crítica do perfeitamente com toda a crítica do perfeitamente com toda a crítica do perfeitamente com toda a crítica do Terceiro Manuscrito dirigida a mostrar Terceiro Manuscrito dirigida a mostrar Terceiro Manuscrito dirigida a mostrar Terceiro Manuscrito dirigida a mostrar que, sendo para Hegel a objetivação que, sendo para Hegel a objetivação que, sendo para Hegel a objetivação que, sendo para Hegel a objetivação idêntica à alienação, ao abolir a idêntica à alienação, ao abolir a idêntica à alienação, ao abolir a idêntica à alienação, ao abolir a objetividade (a existência dobjetividade (a existência dobjetividade (a existência dobjetividade (a existência de objetos e objetos e objetos e objetos fora de si) fica, finalmente, com um fora de si) fica, finalmente, com um fora de si) fica, finalmente, com um fora de si) fica, finalmente, com um sujeitosujeitosujeitosujeito----objeto que não somente não objeto que não somente não objeto que não somente não objeto que não somente não tem objetos fora de si, como também tem objetos fora de si, como também tem objetos fora de si, como também tem objetos fora de si, como também ele mesmo não poderia ser objeto para ele mesmo não poderia ser objeto para ele mesmo não poderia ser objeto para ele mesmo não poderia ser objeto para um ser que não poderia existir fora um ser que não poderia existir fora um ser que não poderia existir fora um ser que não poderia existir fora dele. dele. dele. dele. (id. ibid.: 202).

Esta espécie de cisão que, supostamente, existiria entre a

particularidade e a genericidades, aponta para um homem sem objetos,

sem alteridade e indica uma concepção de homem baseada na unicidade

-o homem único e irrepetível , porque não possui objetos fora de si

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mesmo e, portanto, não se constitui em objeto para um outro e vice-

versa.

E a reciprocidade existente entre a particularidade e a

genericidade do homem está fundamentalmente pautada no que Marx

denomina de elaboração do mundo objetivo.

A construção prática de um A construção prática de um A construção prática de um A construção prática de um mundo mundo mundo mundo objetivoobjetivoobjetivoobjetivo, , , , a a a a manipulaçãomanipulaçãomanipulaçãomanipulação da natureza da natureza da natureza da natureza inorgânica, é a confirmação do homem inorgânica, é a confirmação do homem inorgânica, é a confirmação do homem inorgânica, é a confirmação do homem como ser genérico consciente, quer como ser genérico consciente, quer como ser genérico consciente, quer como ser genérico consciente, quer dizer, como um ser que considera a dizer, como um ser que considera a dizer, como um ser que considera a dizer, como um ser que considera a espécie como seu próprio ser ou a si espécie como seu próprio ser ou a si espécie como seu próprio ser ou a si espécie como seu próprio ser ou a si mesmo como espécie mesmo como espécie mesmo como espécie mesmo como espécie (Marx, In Fromm, 1984:111).

A esse respeito, Màrkus sustenta que o trabalho é a relação

histórica real do homem com a natureza e determina, ao mesmo tempo,

a relação recíproca entre os homens.

O sujeito-objeto mistificado no "único" "único" "único" "único" , no "não"não"não"não----ser" ser" ser" ser" ,

anunciado por Marx na sua crítica a Hegel, nos Manuscritos de 1844, e

aos idealistas, na Ideologia Alemã, pode ser entendido como a

particularidade "cindida" da genericidade, isto é, como a exacerbação da

particularidade ou a sua mistificação a que Heller se refere:

existe também uma forma mais existe também uma forma mais existe também uma forma mais existe também uma forma mais moderna de mistificação moderna de mistificação moderna de mistificação moderna de mistificação da da da da particularidade, que procede do particularidade, que procede do particularidade, que procede do particularidade, que procede do romantismo e que continua vivendo no romantismo e que continua vivendo no romantismo e que continua vivendo no romantismo e que continua vivendo no existencialismo e nas suas formas existencialismo e nas suas formas existencialismo e nas suas formas existencialismo e nas suas formas vulgarizadas. Aqui, o ponto de partida vulgarizadas. Aqui, o ponto de partida vulgarizadas. Aqui, o ponto de partida vulgarizadas. Aqui, o ponto de partida está no fato de que o homem é único, está no fato de que o homem é único, está no fato de que o homem é único, está no fato de que o homem é único, irrepetível... irrepetível... irrepetível... irrepetível... (1987:37).

Esse ser particular, "único" "único" "único" "único" e "irrepetíve"irrepetíve"irrepetíve"irrepetível" l" l" l" , continua a

autora, seria incapaz de comunicar seu eu -ao contrário da singularidade

socializada que é comunicável- ficando, dessa maneira, preso na sua

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unicidade. Porém, a unicidade não dificulta a comunicação entre os

homens, mas expressa a objetivação alienada, já que a não

manifestação da genericidade nega, conseqüentemente, qualquer

particularidade humana.

A mistificação da unicidade é a mistificação de um aspecto

da particularidade alienada. Heller (1987:40), remete a relação da

particularidade e a alienação a duas teorias. Numa delas, a alienação -

na fase de ascensão da burguesia- não entra em conflito com o

desenvolvimento multilateral da individualidade. Na outra teoria,

quando a burguesia já sedimentou as suas bases, a alienação

manifesta-se nas relações reificadas e na restrição da auto- realização.

Desse ponto de vista, a exacerbação da particularidade é o

reflexo da realidade alienada. Heller chama a atenção sobre o

desenvolvimento da civilização e das relações sociais, sempre mais

complexas, como servindo de marco para o domínio da particularidade.

E precisamente nesse contexto é que a essência do homem se

desenvolve na medida em que ocorre um esvaziamento ou

dessencialização do particular, "Por conseguinte, é este processo, da "Por conseguinte, é este processo, da "Por conseguinte, é este processo, da "Por conseguinte, é este processo, da

alienação, que `alimenta' a particularidade..."alienação, que `alimenta' a particularidade..."alienação, que `alimenta' a particularidade..."alienação, que `alimenta' a particularidade..." (1987:48). A alienação

da atividade vital do homem, do seu produto e da sua vida como

espécie, dentro de determinada organização das relações sociais,

implica também na alienação do homem em relação aos outros homens.

Mas, apesar das relações sociais alimentarem a

particularidade, o homem particular é sempre um ser genérico, "embora "embora "embora "embora

a sua genericidade seja objetiva e não um reflexo. Sua atividade é a sua genericidade seja objetiva e não um reflexo. Sua atividade é a sua genericidade seja objetiva e não um reflexo. Sua atividade é a sua genericidade seja objetiva e não um reflexo. Sua atividade é

genérica sobretudo pelo fato de que trabalha e produz" genérica sobretudo pelo fato de que trabalha e produz" genérica sobretudo pelo fato de que trabalha e produz" genérica sobretudo pelo fato de que trabalha e produz" (Heller,

1987:65).

O homem O homem O homem O homem ----por mais que seja um por mais que seja um por mais que seja um por mais que seja um indivíduo particular, e justamente é sua indivíduo particular, e justamente é sua indivíduo particular, e justamente é sua indivíduo particular, e justamente é sua

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particularidade que faz dele um particularidade que faz dele um particularidade que faz dele um particularidade que faz dele um indivíduo e um ser social indivíduo e um ser social indivíduo e um ser social indivíduo e um ser social individualindividualindividualindividual efetivoefetivoefetivoefetivo---- é, na mesma medida, a é, na mesma medida, a é, na mesma medida, a é, na mesma medida, a totalidadetotalidadetotalidadetotalidade, a totalidade ideal, o modo de , a totalidade ideal, o modo de , a totalidade ideal, o modo de , a totalidade ideal, o modo de existência subjetiva daexistência subjetiva daexistência subjetiva daexistência subjetiva da sociedade sociedade sociedade sociedade pensada e sentida para si, do mesmo pensada e sentida para si, do mesmo pensada e sentida para si, do mesmo pensada e sentida para si, do mesmo modo que também na efetividade ele modo que também na efetividade ele modo que também na efetividade ele modo que também na efetividade ele existe tanto como intuição e gozo existe tanto como intuição e gozo existe tanto como intuição e gozo existe tanto como intuição e gozo efetivo do modo de existência social, efetivo do modo de existência social, efetivo do modo de existência social, efetivo do modo de existência social, quanto como uma totalidade de quanto como uma totalidade de quanto como uma totalidade de quanto como uma totalidade de exteriorização da vida humana exteriorização da vida humana exteriorização da vida humana exteriorização da vida humana (Marx, 1978:10).

A esse respeito, Màrkus afirma que o homem como ente

genérico, é um ser social e comunitário. Ele somente se reconhece

como ser humano na medida em que vive e é uma consequência da sua

relação com seus semelhantes.

Apesar da alienação, o particular apropria-se sempre de

parte das capacidades genéricas, até o presente desenvolvidas.

Segundo Heller (1987:29): "Apropriar"Apropriar"Apropriar"Apropriar----se das habilidades do ambiente se das habilidades do ambiente se das habilidades do ambiente se das habilidades do ambiente

dado, madurar para o mundo dado, significa, portanto, não somente dado, madurar para o mundo dado, significa, portanto, não somente dado, madurar para o mundo dado, significa, portanto, não somente dado, madurar para o mundo dado, significa, portanto, não somente

interiorizar e desenvolver as capacidades humanas, mas, tinteriorizar e desenvolver as capacidades humanas, mas, tinteriorizar e desenvolver as capacidades humanas, mas, tinteriorizar e desenvolver as capacidades humanas, mas, também e ambém e ambém e ambém e

ao mesmo tempo ao mesmo tempo ao mesmo tempo ao mesmo tempo ----tomando em conta a sociedade no seu conjuntotomando em conta a sociedade no seu conjuntotomando em conta a sociedade no seu conjuntotomando em conta a sociedade no seu conjunto----

apropriarapropriarapropriarapropriar----se da alienação se da alienação se da alienação se da alienação ". ". ". ".

A alienação transforma a atividade vital do homem apenas

como meio para sua existência, todos seus sentidos humanos

transformaram-se no "sentido d"sentido d"sentido d"sentido de ter"e ter"e ter"e ter", isso significa, afirma Heller, que a

vida cotidiana do homem, na sua totalidade, está concentrada em torno

da manutenção da sua existência e no ter, isto é, em torno da

particularidade. Mas no plano da genericidade, a alienação representa o

desenvolvimento de diversas esferas como da produção, ciência e arte.

"O ser humano teve que ser reduzido a esta absoluta pobreza, para que "O ser humano teve que ser reduzido a esta absoluta pobreza, para que "O ser humano teve que ser reduzido a esta absoluta pobreza, para que "O ser humano teve que ser reduzido a esta absoluta pobreza, para que

pudesse dar a luz a sua riqueza interior partindo de si" pudesse dar a luz a sua riqueza interior partindo de si" pudesse dar a luz a sua riqueza interior partindo de si" pudesse dar a luz a sua riqueza interior partindo de si" (Marx, 1978:11).

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os homens, que desenvolvem sua os homens, que desenvolvem sua os homens, que desenvolvem sua os homens, que desenvolvem sua essência genéessência genéessência genéessência genérica de tal modo que esta rica de tal modo que esta rica de tal modo que esta rica de tal modo que esta se encarna para eles em potências se encarna para eles em potências se encarna para eles em potências se encarna para eles em potências estranhas (...) precisamente por causa estranhas (...) precisamente por causa estranhas (...) precisamente por causa estranhas (...) precisamente por causa da estrutura econômica e social em que da estrutura econômica e social em que da estrutura econômica e social em que da estrutura econômica e social em que nascem, são incapazes (...) de cultivar nascem, são incapazes (...) de cultivar nascem, são incapazes (...) de cultivar nascem, são incapazes (...) de cultivar suas próprias qualidades de tal modo suas próprias qualidades de tal modo suas próprias qualidades de tal modo suas próprias qualidades de tal modo que se apropriem conscientemente do que se apropriem conscientemente do que se apropriem conscientemente do que se apropriem conscientemente do desendesendesendesenvolvimento da genericidade. (...) volvimento da genericidade. (...) volvimento da genericidade. (...) volvimento da genericidade. (...) Até hoje, por tanto, os homens Até hoje, por tanto, os homens Até hoje, por tanto, os homens Até hoje, por tanto, os homens desenvolveram sua essência humana se desenvolveram sua essência humana se desenvolveram sua essência humana se desenvolveram sua essência humana se desessencializando, concentrando sua desessencializando, concentrando sua desessencializando, concentrando sua desessencializando, concentrando sua vida em torno da particularidade. vida em torno da particularidade. vida em torno da particularidade. vida em torno da particularidade. (Heller, op. cit.: 54).

A essência humana, mesmo se desenvolvendo em torno da

particularidade de forma alienada, vincula-se sempre, embora não

conscientemente, à genericidade. E de tal forma que, mesmo que se

queira sustentar a existência de uma essência do homem centralizada

na unicidade, na irrepetibilidade, o homem expressa incontestavelmente

a sua universalidade através da sua atividade produtiva e na sua relação

com os seus semelhantes. Trata-se, aqui, da socialidade como uma

primeira aproximação da genericidade.

Mas, continua a autora, o particular, para poder existir no

mundo, tem necessidade de frear a particularidade, precisamente para

permitir que as exigências genéricas possam se afirmar. A presença de

objetivações genéricas para si, tais como a moral, a política, a arte, a

ciência e a filosofia "oferecem ao particu"oferecem ao particu"oferecem ao particu"oferecem ao particular a possibilidade de se elevar lar a possibilidade de se elevar lar a possibilidade de se elevar lar a possibilidade de se elevar

acima da particularidade, de elaborar uma relação consciente com a acima da particularidade, de elaborar uma relação consciente com a acima da particularidade, de elaborar uma relação consciente com a acima da particularidade, de elaborar uma relação consciente com a

genericidade, de chegar a ser um indivíduo"genericidade, de chegar a ser um indivíduo"genericidade, de chegar a ser um indivíduo"genericidade, de chegar a ser um indivíduo" (Heller, 1987:55).

O que pode ser resumido, das considerações expostas, é que

uma concepção de homem baseada na exacerbação da particularidade,

isto é, no pressuposto da existência "do homem único e irrepetível""do homem único e irrepetível""do homem único e irrepetível""do homem único e irrepetível"

desvinculado do gênero, tratar-se-ia mais do que Màrkus chama de uma

"ilusão filosófico"ilusão filosófico"ilusão filosófico"ilusão filosófico----ideológica produzida pelos indivíduos que vivem nas ideológica produzida pelos indivíduos que vivem nas ideológica produzida pelos indivíduos que vivem nas ideológica produzida pelos indivíduos que vivem nas

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condições e rcondições e rcondições e rcondições e relações coisificadas da produção mercantil e se encontram elações coisificadas da produção mercantil e se encontram elações coisificadas da produção mercantil e se encontram elações coisificadas da produção mercantil e se encontram

reunidos por essas relações" reunidos por essas relações" reunidos por essas relações" reunidos por essas relações" (1974:27),

3.3.3.3. O VG e a unicidade da criançaO VG e a unicidade da criançaO VG e a unicidade da criançaO VG e a unicidade da criança

Vimos que a brincadeira é a principal atividade

humanizadora da criança e dissemos que a atividade lúdica, realizada

com um VG, exalta a idéia da unicidade. Alguns indicadores me

levaram a formular a hipótese.

Do ponto de vista do brinquedo, muitas modificações tem

sido introduzidas com a diversificação da matéria prima e das

tecnologias. O nascente VG do final da década de 60 nada tem a ver

com o sofisticado VG de 32 bits dos anos 90. Do Odissey, na década de

80, até o Mega Drive, nesta década, em termos de produção nacional de

VG, muito mudou, assim como modificou-se também o comportamento

lúdico da criança, acentuando-se a tendência de se voltar para os

espaços internos dos lares -que é um espaço também impregnado dos

resultados da tecnologia e com os quais a criança familiariza-se desde

muito cedo.

A organização do espaço livre para as crianças, a mulher no

mercado de trabalho, o perigo crescente nas ruas e, principalmente, as

sofisticadas tecnologias podem ser também alguns indicadores das

mudanças ocorridas na atividade lúdica da criança. Diremos que o VG

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não somente se adequa a esse novo estilo de vida da criança, mas,

também, pela sofisticação tecnológica, traz um pouco do mundo, nas

suas imagens na TV, para dentro dos espaços fechados.

A princípio, trata-se de um excelente instrumento para o

treino psicomotor, isso porque os movimentos que o usuário faz com as

mãos nos controles têm que estar associados à sua visão. Os

movimentos de um herói, que enfrenta inimigos hábeis, com sua espada

ou machado -como no jogo Golden Axe, por exemplo- em busca de

libertar um rei, têm que ser coordenados aos dedos, mãos e olhar de

quem joga. Isso ainda coordenado aos sinais musicais.

Portanto, trata-se de uma narrativa, de um mundo fictício,

semelhante ao desenho animado, mas movido, não por uma assistência

passiva, mas pelas capacidades psicomotoras e cognitivas da criança,

que além de coordenar-se motoramente, tem que aliar à sua

motricidade o movimento das sutilezas de uma história.

Esse é o principal motivo, creio, pelo qual muitos estudos

sobre VG tem por objetivo captar essas qualidades estimuladoras de

habilidades cognitivas e psicológicas, para resolver os problemas ligados

à escola. É realmente impressionante como a criança que joga VG tem

de aguçar a sua percepção para captar inúmeros sinais no meio de

cenas tão carregadas de detalhes, E isso envolve necessariamente a

atenção e a tomada rápida de decisões, pois as ações se passam

vertiginosamente.

Mas, não deve ser o favorecimento do desenvolvimento

dessas habilidades que tanto atrai a criança, Isso necessita ser

procurado nos enredos e na operação dos próprios jogos.

Neles, alguns dados me apontam para a idéia da exaltação

do único, da particularidade. Por exemplo, é um tipo de brinquedo com

o qual a atividade lúdica da criança ocorre quase que exclusivamente a

sós, diferente dos fliperamas que permitem a congregação de grupos.

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Outro dado é que o VG, se dependesse da criança, absorveria todo o seu

tempo destinado para o lazer, interagindo menos com outras crianças e

mais "com as personagens". Nos enredos, a personagem principal é

sempre a criança e já tem uma ação determinada para desempenhar -o

VG apresenta dados prontos-, de tal forma que o brincar ativo da

criança, ou criativo, confunde-se com a habilidade necessária para

manipular os botões e controles do VG, habilidades condicionadas pelas

seqüências de cenas, de movimentação de personagens, de cores e de

sons correspondentes à maior ou menor pressão de botões e/ou direção

dos controles.

E esses são alguns sinais que deixam vislumbrar nesse tipo

de atividade lúdica a exaltação da particularidade -a criança concreta

como abstração.

Se, como nos diz Nosella (1993:74), no lugar do Mecano72,

hoje Gramsci escolhesse um computadorzinho -melhor um VG- para

dar de presente ao seu filho, possivelmente a sua preocupação

aumentaria no que diz respeito ao aspecto criativo e afetivo da criança,

mais ainda por se tratar de um industrialismo americanizado73. Talvez

ele reafirmaria o que disse sobre esse brinquedo: "Em geral eu penso "Em geral eu penso "Em geral eu penso "Em geral eu penso

que a cultura moderna (do tipo americano), da qual o mecano é que a cultura moderna (do tipo americano), da qual o mecano é que a cultura moderna (do tipo americano), da qual o mecano é que a cultura moderna (do tipo americano), da qual o mecano é

exexexexpressão, torna o homem um pouco seco, maquinal, burocrático, e cria pressão, torna o homem um pouco seco, maquinal, burocrático, e cria pressão, torna o homem um pouco seco, maquinal, burocrático, e cria pressão, torna o homem um pouco seco, maquinal, burocrático, e cria

uma mentalidade abstrata"uma mentalidade abstrata"uma mentalidade abstrata"uma mentalidade abstrata" (p. 75).

Enfim, hoje como ontem nos deparamos com uma nova

forma de brincar e com uma nova criança que tornou suas as

72. O Mecano, diz Nosella (1993:74) é o nome de um brinquedo que Gramsci comprou para o seu filho Délio, quando este completou os 4 anos, em 1928, e o descreve assim: "Trata-se de uma caixa cheia de pequenas peças metálicas, furadas, com vários parafusos e instrumentos mecânicos, para que a criança possa brincar construindo guindastes, torres e estruturas várias de metal".

73. É curioso que até as personagens dos jogos japoneses apresentam feições totalmente ocidentais, mantendo apenas as vestimentas originais. E que dizer da língua, tudo vem escrito em inglês.

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capacidades humanas historicamente desenvolvidas, e aí está ela

brincando com um aparelho de alta tecnologia, o VG, acreditando,

talvez, que é mesmo únicaúnicaúnicaúnica, irrepetível irrepetível irrepetível irrepetível .

Isso posto, abro aqui uma nova questão a ser considerada.

Trata-se do laço entre o industrialismo e a sofisticação tecnológica -onde

situei o VG- e que coloca em debate dois paradigmas da produção

industrial: o paradigma mecânico e o paradigma eletrônico.

4.4.4.4. Paradigma mecânico Paradigma mecânico Paradigma mecânico Paradigma mecânico ---- paradigma eletrônicoparadigma eletrônicoparadigma eletrônicoparadigma eletrônico

Como foi apontado no início deste trabalho, estamos frente a

profundas mudanças, não somente a nível tecnológico, mas em todos os

aspectos da vida social. Toda transformação revolucionária da ciência e

da técnica, afirma Schaff (1990), traz necessariamente transformações

nas relações sociais. Essa discussão parece ser bastante necessária e

longa e ela mesma não é o objetivo deste trabalho. Entretanto, sendo

pertinente e atual, não posso deixar de mencioná-la.

Nosella (1992) aborda a questão da modernização

tecnológica e as relações de trabalho. O autor afirma que, no Brasil, o

estigma da relação escravocrata é muito forte, de tal maneira que

interfere no moderno espírito industrialista. Nas palavras do próprio

autor, "a oposição entre a essência histórica decorrente do trabalho "a oposição entre a essência histórica decorrente do trabalho "a oposição entre a essência histórica decorrente do trabalho "a oposição entre a essência histórica decorrente do trabalho

escravo e a essência histórica decorrescravo e a essência histórica decorrescravo e a essência histórica decorrescravo e a essência histórica decorrente do trabalho industrial moderno ente do trabalho industrial moderno ente do trabalho industrial moderno ente do trabalho industrial moderno

continua aberta e impede a viabilização de uma sociedade continua aberta e impede a viabilização de uma sociedade continua aberta e impede a viabilização de uma sociedade continua aberta e impede a viabilização de uma sociedade

organicamente industrial"organicamente industrial"organicamente industrial"organicamente industrial" (p. 1). E isso também se traduz em sérias

conseqüências para a Escola que se alimenta desse "sistema produtivo "sistema produtivo "sistema produtivo "sistema produtivo

que é uma mistura inorgânque é uma mistura inorgânque é uma mistura inorgânque é uma mistura inorgânica de formas escravocratas e de formas ica de formas escravocratas e de formas ica de formas escravocratas e de formas ica de formas escravocratas e de formas

industriais" industriais" industriais" industriais" (p. 5). Trata-se de uma produção que ficou na metade do

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caminho entre uma forma escravocrata e uma forma "americanizada",

gerando um conflito histórico num industrialismo, por um lado arcaico e,

por outro, moderno.

O que dizer, então, desse panorama produtivo no Brasil,

apontado por Nosella, baseado em duas essências históricas justapostas

-a arcaica e a moderna- relacionando ao paradigma eletrônico? Como

encarar esse salto qualitativo na produção dentro de um industrialismo

inorgânico e pouco original ?

Paiva (1991), que se propõe a discutir a educação

permanente sob o prisma da produção e da qualificação da força de

trabalho, também não ignora o advento e a difusão da microeletrônica

que vem gerando amplas discussões e polêmicas científicas acerca das

implicações no emprego-desemprego, qualificação-desqualificação da

mão-de-obra, perda da privacidade, racionalização, alienação, etc. como

algumas das conseqüências.

Enguita (1988) vai se referir à relação entre a

desqualificação do trabalho e a tecnologia, discutindo as idéias

educacionais nesse novo contexto.

Por sua vez, A. Machado (1993), ao se propor fazer um

estudo no campo das poéticas tecnológicas, vai analisar o cruzamento

entre a arte, a ciência e a tecnologia. Nas palavras do autor, trata-se de

"tentar identificar os pontos de ruptura definidores de uma cultura das "tentar identificar os pontos de ruptura definidores de uma cultura das "tentar identificar os pontos de ruptura definidores de uma cultura das "tentar identificar os pontos de ruptura definidores de uma cultura das

sociedades informatizadas ou baseadas na generalização das máquinas, sociedades informatizadas ou baseadas na generalização das máquinas, sociedades informatizadas ou baseadas na generalização das máquinas, sociedades informatizadas ou baseadas na generalização das máquinas,

tanto nas suas expressões hegemônicas, tal como acotanto nas suas expressões hegemônicas, tal como acotanto nas suas expressões hegemônicas, tal como acotanto nas suas expressões hegemônicas, tal como acontecem nos ntecem nos ntecem nos ntecem nos

centros avançados do planeta, como também nas suas expressões centros avançados do planeta, como também nas suas expressões centros avançados do planeta, como também nas suas expressões centros avançados do planeta, como também nas suas expressões

marginais (mas não menos importantes), como as que ocorrem nos marginais (mas não menos importantes), como as que ocorrem nos marginais (mas não menos importantes), como as que ocorrem nos marginais (mas não menos importantes), como as que ocorrem nos

bolsões qualitativos da periferia" bolsões qualitativos da periferia" bolsões qualitativos da periferia" bolsões qualitativos da periferia" (p. 20)74.

74. E ainda, "Sem preconceitos, sem arroubos de paranóia apocalíptica, fugindo tanto quanto possível de esquemas petrificados do jargão sociológico, mas também sem a inocência daqueles tantos que, mergulhados até o pescoço na rotagem produtiva do capitalismo tecnológico, se tornam incapazes de forjar respostas problematizadoras

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E, ainda, voltando a Schaff (op. cit.), a mesma discussão

sobre o impacto da eletrônica na sociedade pode ser vista de um ponto

de vista que o autor denomina de "futurologia". Segundo Schaff, uma

tríade revolucionária -a da microeletrônica, da microbiologia e da

energia nuclear- atinge todas as esferas da vida social.

Resumidamente, direi que o autor aponta, na sociedade informática, a

tendência para a eliminação do trabalho humano substituído por

máquinas; o desemprego estrutural, como consequência; a tendência

para o fim da sociedade de classes e o poder do domínio da informação

criando uma nova forma de divisão social; a procura pelo ser humano

de novos meios de satisfação das suas necessidades físicas e

psicológicas ligadas, até agora, ao trabalho e, também, a nível cultural,

o surgimento do homem universal, a informação extrapolando os limites

de uma cultura nacional, para o qual faz-se necessária a educação

permanente. Assim, as transformações no conjunto da sociedade

"contribuíram para formar novos estilos de vida: uma nova ética do "contribuíram para formar novos estilos de vida: uma nova ética do "contribuíram para formar novos estilos de vida: uma nova ética do "contribuíram para formar novos estilos de vida: uma nova ética do

trabalho, uma nova qualidade de trabalho, uma nova qualidade de trabalho, uma nova qualidade de trabalho, uma nova qualidade de vida decorrente do prolongamento e vida decorrente do prolongamento e vida decorrente do prolongamento e vida decorrente do prolongamento e

do uso diverso do tempo livre, uma transformação das relações do uso diverso do tempo livre, uma transformação das relações do uso diverso do tempo livre, uma transformação das relações do uso diverso do tempo livre, uma transformação das relações

humanas no interior da família"humanas no interior da família"humanas no interior da família"humanas no interior da família" (p. 139) .

Outro futurólogo, A. Toffler, em debate com o sociólogo E.

Morin (World Media In Folha de São Paulo, 12/12/93, B:4), considera

que a informática representa a "terceira onda" (título do seu livro) e traz

grandes modificações na economia e no poder. Nos países de

economias avançadas, a agricultura e o industrialismo, primeira e

segunda onda respectivamente, são totalmente dependentes do

conhecimento, da informação. Já no Brasil, afirma o autor, é constatada

a presença das três ondas de mudança, ocorrendo simultaneamente,

e verdadeiramente criativas, este trabalho quer se arriscar a semear um pouco de bom senso num terreno onde as discussões costumam degenerar em histeria e em estereótipos culturais" (p. 20).

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com o perigo de fortificar "tribos", onde pequenos grupos podem chegar

a ter poderes quase que ilimitados. A terceira onda, continua o autor,

enquanto transformação histórica, poderá resolver o problema da

pobreza no mundo, mas faz-se necessário que surjam novos modelos de

democracia.

Por outro lado, não tão otimista, E. Morin, considera que na

era da informática a informação passou a produzir um conhecimento

segmentado, especializado e incapaz de contextualização e, portanto,

incerto. Isso associado a futuros conflitos políticos relacionados a uma

exaltação nacionalista e à herança tecno-industrial que ignora os

indivíduos. O autor também coloca em destaque o plano das paixões

humanas, além dos planos da economia e da indústria, para discutir as

implicações dessa nova revolução, considerando que algo de dramático

acompanha essa terceira onda, em termos de história. Discorre sobre a

necessidade do surgimento de uma nova democracia que atenda às

grandes questões da civilização, na procura do estabelecimento de uma

consciência de cidadania mundial, por exemplo, resolvendo o paradoxo

entre a destruição do excesso da produção agrícola européia e a

destruição de seres humanos, no mundo, pela fome.

Até aqui, é possível sustentar que nas diversas esferas do

cotidiano, da economia, das ciências e da cultura, em alguma medida -

não necessariamente de forma homogênea- o paradigma eletrônico

aponta na direção de grandes transformações. Algumas delas poderão

ser avaliadas com extremo otimismo, como por exemplo, a diminuição

do tempo necessário para o trabalho, liberando o homem para o seu

desenvolvimento multilateral e criativo, possivelmente o aproximando

do homem-futuro pensado por Marx nos Manuscritos, que uma hora

pode ser pescador, outra caçador, etc., mas para isso tornar-se-ia

necessário fazer uma distribuição da riqueza e não apenas aperfeiçoar o

Estado de bem-estar como nos países do primeiro mundo. Por outro

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lado, isso aponta para sérios conflitos sociais, Offe (1989) refere-se à

chamada "crise social do trabalho", que revela no desemprego estrutural

o questionamento sobre a permanência da qualidade subjetiva do

trabalho como centro organizador das atividades humanas, como

parâmetro das referências sociais e como fonte para a construção da

auto-estima dos indivíduos.

Entretanto, essas mesmas afirmações, pelo lado

especulativo ou ainda pela precocidade das avaliações (futurologia,

vimos A. Schaff afirmar), levam-me apenas a apontar essa discussão,

mas deixando em aberto a indagação sobre se a mudança do paradigma

mecânico para o paradigma eletrônico representa efetivamente uma

mudança profunda e estrutural, uma verdadeira revolução, ou apenas

representa uma variação conjuntural do horizonte industrial da

sociedade capitalista, aberto a partir do Renascimento 75.

Por enquanto, direi que minha análise se limita ao espaço

doméstico, ao lar, invadido atualmente pela avançada tecnologia, de

forma a alterar os comportamentos no que diz respeito ao brincar da

criança. Isso, naturalmente, não poderá ser visto de forma isolada, mas

dentro de um contexto mais amplo e impregnado de inúmeras

determinações. O objetivo deste trabalho procura indagar quais seriam

as implicações desse brincar informatizado na relação criança-mundo.

75. O que significa, nesse sentido, a organização de uma economia global, empresas globais, acordos globais, União Europeia. NAFTA, MERCOSUL, etc.?

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66

CAPÍTULO IVCAPÍTULO IVCAPÍTULO IVCAPÍTULO IV

MÉTODOMÉTODOMÉTODOMÉTODO

5.5.5.5. O universo de dados para a análiseO universo de dados para a análiseO universo de dados para a análiseO universo de dados para a análise Os dados utilizados nesta pesquisa são de naturezas

diversas; o chamado Mega Drive (de tecnologia japonesa -Sega- e

fabricado, no Brasil, pela Tec Toy), as Revistas Especializadas sobre o

VG, bem como meios de divulgação -propagandas, artigos, eventos, etc.

em jornais e os estudos de pesquisadores que analisam efeitos do VG no

usuário criança.

A escolha do VG Mega Drive foi feita a partir de alguns

critérios. Primeiro, trata-se do VG de tecnologia mais sofisticada -a 4a.

geração- disponível no Brasil76. Segundo, devido a sua tecnologia

avançada, esse VG possui inúmeros recursos -som, resolução gráfica,

cores e movimentos- que atraem o usuário criança. E, terceiro,

encontram-se no mercado, para venda ou locação, diversos gêneros ou

tipos de jogos: de guerra, aventura, esportes, lutas, e com as

personagens que fazem sucesso entre as crianças, já conhecidas da TV,

do cinema e das revistas em quadrinhos.

76. Com o nome de Mega Drive, esse VG foi lançado, no Japão, em 1988, um ano depois chegou aos Estados Unidos com o nome de Genesis e, em 1990, chegou ao Brasil com o mesmo nome que o japonês. Em 1992, anunciou-se a chegada quase simultânea ao Brasil e aos Estados Unidos do Mega CD, isto é, de um sistema com leitura de disco laser para o Mega Drive, substituindo os cartuchos e aumentando a capacidade de processamento de informações para 32 bits.

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Sobre as Revistas Especializadas, direi que são, até o

presente, quatro as publicações mensais que tratam dos lançamentos,

explicações, estratégias ou códigos, concursos, promoções, e toda

informação necessária para que o usuário de VG se torne um vencedor,

diminuindo os riscos da derrota. Essas publicações que funcionam, de

certa forma, como uma mediação entre o VG e o usuário, aparecem com

os nomes de Videogame, lançada em março de 1991 pela editora Sigla;

Ação Games, lançada também em março de 1991 pela editora Abril;

Supergame, lançada em julho de 1991, pela editora Nova Cultural77; e a

Games' Feras, lançada em fevereiro de 1992 pela editora Bloch (a

revista Game Boy, após o segundo número, teve a sua publicação

interrompida78; outras revistas, como a Cinevideo, publicaram apenas

números especiais dedicados aos jogos de VG).

Assim como foi definida a escolha do Mega Drive, para esta

pesquisa, como uma forma mais sofisticada de consumo desse

brinquedo, entre outras menos sofisticadas (vide p.15), selecionei

também as Revistas Especializadas com o mesmo critério.

Sobre propagandas, eventos e artigos sobre VG, recorri

principalmente às publicações da Folha de São Paulo, sobretudo ao

caderno "Informática".

A literatura sobre VG, que utilizei neste trabalho, refere-se

aos estudos de pesquisadores das mais diversas áreas, que escrevem

sobre o VG. A maioria são pequenas e rápidas pesquisas publicadas na

77 Essa revista divulga artigos exclusivamente sobre os diversos VGs do sistema Sega e seus correspondentes acessórios e jogos, o que a faz diferente das outras publicações que se dedicam a todos os sistemas, de modo geral.

78. Este é outro exemplo da hierarquia de qualidade de um mesmo produto, a que faço referência na introdução, assim como existem os VGs de tecnologias menos e mais sofisticadas para consumidores menos e mais favorecidos, esta revista Game Boy custava a metade do preço, em comparação às outras e possuía uma qualidade visivelmente inferior, mas praticamente trazia as mesmas informações.

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forma de artigos em revistas científicas. Até o presente encontrei

apenas uma tese de doutorado sobre VG.79

5.1.5.1.5.1.5.1. O que é o Mega DriveO que é o Mega DriveO que é o Mega DriveO que é o Mega Drive O Mega Drive é o nome do VG desenvolvido pela Sega

(Service Games Co.), de tecnologia japonesa e lançado em 1988

naquele país. Trata-se de um console ou um aparelho ligado à TV, com

cabo de vídeo e áudio -possui uma onda geradora de som e 10 canais

de áudio-, circuitos de acesso à memória (DMA) para uma rápida

atualização da tela e dois painéis de controle. O console contém um

microprocessador Motorola 68.000, 16 bits, com uma velocidade de

processamento de 7.80 MHz. A resolução gráfica do Mega Drive é de

320x224 pixels e 512 cores, das quais 32 podem ser fixadas na tela

simultaneamente. Possui memória ROM (Read Only Memory), o que

faz com que só seja possível a leitura de informações contidas nos

cartuchos, sem que se possa nele escrever, gravar ou apagar

informações.

Na parte da frente do console há uma abertura para

encaixar os cartuchos ou jogos. Estes consistem em uma pequena caixa

que contém o programa a ser lido pelo microprocessador e projetado na

tela da TV, com uma perspectiva tridimensional.

Atrás da abertura para os cartuchos, o console possui um

botão para ligar/desligar o aparelho; outro botão "reset" que serve para

79. Trata-se de Children and the Nintendo: a prediction of eye-hand coordination, lateral awareness, and directionality based on hours of play. de Suzanne Keller, da universidade do sul de Illinois, nos Estados Unidos e que, gentilmente, enviou-me uma cópia.

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reiniciar o jogo; um botão regulador do som e, na parte lateral tem-se

uma entrada para fone de ouvido.

Os controles, ligados por fios ao console, apresentam um

botão no lado direito superior, o "start", para começar o jogo ou para

dar uma pausa; à direita, na parte inferior, o controle simples possui

uma fileira de três botões para controle de tiros, saltos, chutes, e

outros, dependendo de cada jogo. O controle chamado de "rapid fire"

possui duas fileiras, sendo que a segunda realiza os mesmos

movimentos que a primeira só que a uma velocidade maior e o botão

"start" encontra-se no meio. À direita, têm-se o botão direcional,

giratório e em forma de cruz, este botão permite guiar a ação à direita,

à esquerda, para cima e para baixo.

5.1.1.5.1.1.5.1.1.5.1.1.Os jogosOs jogosOs jogosOs jogos

Tendo em vista a grande variedade de jogos para o Mega

Drive, o critério para selecionar os mesmos foi a partir da preferência do

usuário criança. Para isso, tomei como referência as listas de jogos

preferidos que saíram publicadas mensalmente nas Revistas

Especializadas e, entre eles, escolhi os 5 jogos mais mencionados, seja

em dicas, dúvidas, desafios, propaganda, enfim, quaisquer dados que

reforçassem a preferência do usuário do Mega Drive, no lapso de 5

meses (um jogo por mês). Os jogos são:

-"Castle of ilusion", personagem principal: Mickey.

-"Shadow Dancer", personagem principal: Ninja.

-"Golden Axe", personagem principal: guerreiros

-"Street of rage", personagem principal: policiais honestos.

Incluí o jogo "Zoom", sem pertencer aos critérios de seleção

dos jogos, mas por considerá-lo uma espécie de "espírito" dos jogos de

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VG, no sentido de apresentar no seu conteúdo e operação dados e

procedimentos que são constantes nos jogos de modo geral, com a

diferença de que nos outros aparecem de forma mais camuflada pelo

excesso de imagens de figura e fundo. Muitos outros jogos foram

também gravados, com o objetivo de poder dispor de um material

amplo e, eventualmente, foram citados como exemplos.80

5.1.2.5.1.2.5.1.2.5.1.2. OrgaOrgaOrgaOrganizando os jogos.nizando os jogos.nizando os jogos.nizando os jogos.----

Como foi mencionado anteriormente, é muito diversa a

produção de jogos de VG, além dos cartuchos lançados sob autorização

legal, existem inúmeros lançamentos vindos do exterior e que, muitas

vezes, são imitações de outros tipos de jogos. Além disso, muitos deles

que fizeram sucesso acabam sendo lançados em mais de uma versão,

por exemplo, "Golden Axe II, "The Super Shinobi", "The revenge of

Shinobi" e outros.

Também, como já foi mencionado, os jogos se inspiram nas

personagens, já consagradas do público infanto-juvenil, de televisão, de

cinema e de revistas em quadrinhos, bem como nas personagens da

mesma vida real que, longe da ficção são verdadeiras figuras

consagradas no esporte internacional e na música.

Para classificar toda essa variedade de jogos, mais com o

objetivo de mostrar ao leitor o material como um todo, tomei como

referência a personagem principal do enredo. Assim, tem-se dois

grandes grupos de jogos. No primeiro grupo estão os jogos cujas

personagens principais são figuras humanas e/ou animais com

propriedades humanas. O segundo grupo tem como personagens

80 Foi realmente necessária a delimitação rápida dos jogos devido à velocidade com que aparecem os lançamentos no mercado, mudando rapidamente a preferência do usuário. A delimitação foi feita quando a primeira revista publicada completou meio ano, e esse tempo não foi totalmente arbitrário, correspondeu, também, a uma melhor delimitação da problemática da pesquisa.

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principais quaisquer objetos animados, mas animados ou supostamente

dirigidos pelo usuário.

Vejamos com mais detalhe cada um desses grupos.

Primeiro grupoPrimeiro grupoPrimeiro grupoPrimeiro grupo: as personagens principais são figuras humanas

e/ou animais com propriedades humanas.

Trata-se de jogos onde o herói é representado por uma

figura humana dotada de força física ou poderes sobre-humanos e,

ainda, dispõe de recursos como máquinas, armas e outros meios

auxiliares.

Outros jogos tem como herói animais, mas com

propriedades humanas. Por exemplo, o conhecido camundongo Mickey,

o pato Donald, as tartarugas Ninja, que por uma mutação viraram

"humanas", e outros objetos com características de animais, mas com

propriedades humanas. Correspondem, a esses heróis, os inimigos que

são, da mesma forma, representados por figuras humanas, ou animais

com propriedades humanas, ou, ainda, mescla de animal e objeto.

As personagens também podem ser super-heróis ou super-

homens.

Super-heróis: Trata-se de jogos que têm como personagens os

conhecidos super-heróis, eles dispõem de força física, armas, máquinas,

truques e diversos recursos tecnológicos para combater o mal. Neste

tipo de jogos tem-se "Batman", "Robocop", "Midnight Resistance" (uma

espécie de Rambo), "Strider" , "Dick Tracy", "Rambo" e outros, todos

eles lutando por valores e ideais de justiça, ordem, paz, etc.

Geralmente o enredo envolve mulheres seqüestradas, reis aprisionados

ou assassinados, famílias aterrorizadas por inimigos, invasores e

ladrões

Super-homens: Apesar de ser similar ao anterior, este tipo de jogo

diferencia-se porque seus heróis possuem poderes sobre-humanos.

Trata-se de heróis que voam, que sobem prédios, que eliminam inimigos

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com recursos mágicos. Como exemplo, tem-se "Superman", "Spider-

Man" (Homem Aranha), "Alien Storm", "Phelios", "Ghostbusters" e

outros. Todas as personagem podem utilizar forças mágicas nas

situações de alto risco e também no combate ao mal. Como o anterior,

os heróis têm como objetivo defender a ordem, resgatar a mulher

amada, desafiar o mal geralmente personificado na figura de um

monstruoso ser, caçar contraventores de todo tipo, sejam sobrenaturais

ou não.

Por sua vez, esses jogos podem ser organizados segundo o

tipo de ação. Assim temos, os jogos cujas personagens são

exclusivamente figuras humanas e a ação é dos seguintes tipos:

Aventura: Este tipo de jogo têm como personagens principais

figuras humanas que estão à procura de desvendar mistérios e proteger

patrimônios culturais (como objetos de arte). Como exemplo, "Indiana

Jones", "Golden Axe", e outros. As personagens podem utilizar recursos

mágicos -retirados de algum mago- ou não.

Fantasia: São os jogos protagonizados, exclusivamente, por animais

com características humanas e vice-versa. São personagens geralmente

tiradas ou inspiradas nos desenhos animados da televisão, nas revistas

em quadrinhos, bem como nos filmes. Além de possuírem, as

personagens, armas e máquinas poderosas, possuem recursos mágicos

e sobrenaturais. "Zoom", "Fantasia" (Mickey), "Sonic" (tem um porco

espinho como personagem principal), "Quack Shot" (Pato Donald) são

alguns exemplos deste tipo de jogo.

Esporte: São jogos de diversos esportes e cujas personagens

principais ou times participantes podem ou não ser personificações reais

de figuras internacionalmente conhecidas e consagradas. Como

exemplo, tem-se os seguintes jogos: "Joe Montana Football" (futebol

americano), "Pit Fighter" (luta), "James Busters Douglas" (box),

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"Soccer" (futebol), "Super Volley Ball" e "Tommy Lasorda Baseball",

entre outros.

Combate: Este tipo de jogo apresenta como tema principal um

motivo bélico, cujas personagens travam um combate corpo a corpo,

munidos de armas e meios de transporte pesados. Este tipo de jogo

pode ou não ter como personagem principal um super-herói ou um

super-homem, acima definidos, como, por exemplo, "Rambo", "Streets

of Rage". O combate ocorre em torno de uma causa nobre, acabar com

a corrupção e o crime.

Artes marciais: Talvez, este tipo de jogo seja um dos mais

apreciados pelos usuários. Trata-se de famosos lutadores de artes

marciais, cuja missão é sempre uma tarefa heróica de luta contra o mal,

seja salvando uma cidade, seja salvando pessoas vítimas do mal. Entre

os jogos deste tipo estão "Shadow Dancer", "The Super Shinobi", "Last

Battle" e outros.

Segundo grupoSegundo grupoSegundo grupoSegundo grupo: as personagens são objetos, supostamente

comandados pelo usuário. A característica deste tipo de jogos é que

não aparece nenhuma figura humana ou animal e os objetos não

possuem nenhuma característica humana, eles se movimentam pelo

suposto comando do usuário. Neste grupo tem-se poucos tipos de jogos

que exponho a seguir.

Simulação: Trata-se dos jogos em que não aparecem nem figuras

humanas (ou animais), nem máquinas (como as de combate) mas,

aparecem partes de um painel de controle, seja de naves espaciais, ou

terrestres. Assim, tem-se os jogos em que o usuário "faz de conta" que

está dirigindo um helicóptero numa corrida frenética pela vitória, ou está

dirigindo um supercarro numa suposta competição. Como exemplo,

deste tipo de jogo, tem-se "Super Mônaco GP" e Fórmula 1 Ayrton

Senna.

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Guerra: Neste segundo grupo de tipos de jogos, a personagem

principal é uma nave espacial, um tanque de guerra, um avião lançando

mísseis, ou um helicóptero integralmente visível e supostamente guiado

pelo usuário, já que na tela não aparece nenhuma figura humana ou

animal, simplesmente aparece a máquina. Igualmente, os inimigos são

máquinas similares ou objetos mortíferos, tais como bombas, obstáculos

e armadilhas. "Thunder Force", "Thunder Blade", "After Burner", são

alguns exemplos deste tipo de jogos.

5.2.5.2.5.2.5.2. ContextoContextoContextoContexto da análiseda análiseda análiseda análise As revistas sobre VG foram analisadas do ponto de vista de

seu papel de intermediação entre o VG e o usuário criança, isto é, como

contexto da análise dos jogos.

A característica principal a ser considerada é a sua função

"decodificadora" dos jogos para o usuário, este último dificilmente

conseguiria identificar uma série de estratégias específicas para cada

jogo -codificadas nos chips-, com a finalidade de favorecer a vitória,

seja garantindo mais vidas, ou mesmo fornecendo armas e recursos

mágicos. A função "decodificadora", das revistas, também se aplica à

apresentação dos enredos dos jogos, já que as suas instruções e

histórias geralmente vêm em inglês, mesmo os cartuchos de fabricação

brasileira81 e japonesa82.

De modo geral, considerei as revistas como um meio de

informação e orientação para o usuário criança.

81. A Tec Toy anuncia para o próximo ano a fabricação de cartuchos com as lendas e instruções em português.

82. Nas locadoras, dificilmente se encontra um cartucho japonês que traga as instruções e o enredo escritos totalmente nesse idioma, com exceção da caixa de apresentação e dos adesivos.

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Para a análise desse material de contexto fiz um recorte

cronológico que considerou as publicações divulgadas durante um ano

seguido, a partir da data dos seus lançamentos.

5.3.5.3.5.3.5.3. A análise.A análise.A análise.A análise.---- A análise do material partiu de um primeiro passo a que

denominei livre, no sentido de poder colher indicadores de conteúdos

nos jogos, nas revistas e a comercialização do VG, que permitissem uma

interpretação mais elaborada do ponto de vista das suas

determinações. Não se trata de um procedimento sofisticado mas, direi

que representa um primeiro passo no sentido de dissipar a névoa que

cobre essa realidade do brincar atual.

Em outras palavras, trata-se, emprestando a definição de

Mello Neto (1988:54), de chamar o trabalho de análise de conteúdo "o "o "o "o

que nãque nãque nãque não é falso, uma vez que, em sentido amplo, tal conceito abrange o é falso, uma vez que, em sentido amplo, tal conceito abrange o é falso, uma vez que, em sentido amplo, tal conceito abrange o é falso, uma vez que, em sentido amplo, tal conceito abrange

qualquer conjunto de técnicas cujo objetivo é a busca de significados qualquer conjunto de técnicas cujo objetivo é a busca de significados qualquer conjunto de técnicas cujo objetivo é a busca de significados qualquer conjunto de técnicas cujo objetivo é a busca de significados

que vão para além da mensagem aparente".que vão para além da mensagem aparente".que vão para além da mensagem aparente".que vão para além da mensagem aparente".

5.4.5.4.5.4.5.4. Procedimentos.Procedimentos.Procedimentos.Procedimentos.---- Para poder colher os indicadores iniciais, como disse, sem

excessivo rigor e predeterminações, participei da atividade lúdica com

um VG, em casa e em locadoras, com crianças e sozinha. Menos por

diversão e mais para observar de perto, fui anotando dados sobre o

usuário criança em termos de tempo de dedicação a esse tipo de lazer,

reações ante a vitória ou derrota, jogos preferidos, relatos das

histórias, elas me ensinando a jogar, desesperadas por dar palpite a

cada momento. Elas insistindo para serem observadas ao jogar -"olha

como estou ganhando", "olha como sou bom" e, ainda, "vem ver até

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onde cheguei"-, com a atenção totalmente voltada para a tela e,

outras impressões.

Os jogos, como foi mencionado, foram gravados em fita de

videocasette, alguns foram por mim manipulados, percebendo quase

total inabilidade para coordenar simultaneamente tantos movimentos

mas, com um tempo de prática consegui um certo domínio e, portanto,

algumas impressões pessoais sobre a operação dos jogos, além

daquelas registradas das crianças..

As Revistas Especializadas, enquanto dados de contexto,

foram organizadas no que chamei funções de intermediação entre a

criança e o VG, nelas encontrei também algumas pistas que me

permitiram recorrer o caminho traçado.

5.5.5.5.5.5.5.5. Acerca da revisão bibliográfica.Acerca da revisão bibliográfica.Acerca da revisão bibliográfica.Acerca da revisão bibliográfica.---- Como parte da revisão bibliográfica, apresentei alguns

estudos acerca do uso de VG realizados por pesquisadores das mais

diversas áreas e outros estudos somente foram mencionados. O

objetivo é de apresentar um panorama da pesquisa sobre VG do ponto

de vista pedagógico, sociológico e psicológico e, com isso, apontar a

necessidade de se fazer um estudo, um tanto mais abrangente, acerca

da relação criança-mundo. Para a seleção desses estudos consultei

principalmente duas fontes bibliográficas referenciais, o Psychological

Abstracts e o Dissertation Abstracts International; The Humanities and

Social Sciences.

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77

5.6.5.6.5.6.5.6. Coleta do material.Coleta do material.Coleta do material.Coleta do material.---- Os jogos de VG, para o Mega Drive, foram alugados em

locadoras de vídeo de São Paulo (SP) e de Maringá (PR), a partir do

critério de seleção acima mencionado.

Duas crianças, meninos de 7 e 11 anos respectivamente,

"pilotaram" (gíria utilizada entre os usuários de VG que se refere à

pessoa que, como joga muito bem, trabalha ajudando os usuários com

dicas, informações, etc.) os jogos selecionados, desvendando a

seqüência de fases às quais jamais teria tido acesso se fosse procurar

por minha conta. Os jogos foram gravados sem interrupções até que

aparecesse na tela o aviso "game over", o jogo acabou, isto é, quando

tinham se esgotado as chances de continuar o jogo -essa, por sinal, é a

frase que mais aparece e foi incorporada na linguagem dos usuários

crianças, assim como a própria palavra videogame.

Em relação à coleta dos estudos sobre o uso do VG, como na

sua maioria são de autores estrangeiros, os que não foram encontrados

nas bibliotecas consultadas, foram solicitados através dos serviços e

redes especializados, com acesso internacional (BITNET).

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6.6.6.6. Alguns apontamentos sobre o contexto da Alguns apontamentos sobre o contexto da Alguns apontamentos sobre o contexto da Alguns apontamentos sobre o contexto da pesquisa: As Revistas Especializadaspesquisa: As Revistas Especializadaspesquisa: As Revistas Especializadaspesquisa: As Revistas Especializadas

6.1.6.1.6.1.6.1. 1.1.1.1.---- As RevAs RevAs RevAs Revistas Especializadas e suas funções de istas Especializadas e suas funções de istas Especializadas e suas funções de istas Especializadas e suas funções de intermediação entre o VG e o usuáriointermediação entre o VG e o usuáriointermediação entre o VG e o usuáriointermediação entre o VG e o usuário

Como material para o contexto da análise dos jogos de VG,

as Revistas Especializadas foram consideradas, além de meios de

divulgação de VG, de jogos, de locadoras, etc., como instrumentos de

intermediação (complemento) entre o VG (sua operação, seus jogos) e o

usuário. Entendendo-se por função intermediária a ponte estabelecida

entre o VG (com toda a sua tecnologia) e o usuário (com todas as suas

limitações), de tal forma que este último possa fazer um melhor

aproveitamento, em todo sentido, de um VG. Assim, para a aquisição

de um VG e para a sua operação, o usuário, através das revistas, pode

ser informado dos modelos, da fabricação, da tecnologia, capacidade,

compatibilidade com outros sistemas, lojas, assistência técnica, jogos,

lançamentos, locadoras, novos, usados, etc.

Assim, as Revistas Especializadas desempenham as

seguintes funções junto ao usuário de VG:

6.1.1.6.1.1.6.1.1.6.1.1.1.1 O relato da história ou enredo dos jogos1.1 O relato da história ou enredo dos jogos1.1 O relato da história ou enredo dos jogos1.1 O relato da história ou enredo dos jogos

Nas revistas encontra-se a história, ou enredo, que

dificilmente poderia se conhecer diretamente nos jogos, já que as

narrativas -quando têm narrativas- vêem em inglês ou em japonês.

Nesse sentido, a primeira função das revistas seria a de

relatar, em detalhe, a história dos jogos com o nome das personagens,

localização geográfica e temporal e, também, anunciar o objetivo

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79

do(s) inimigo(s) e o(s) objetivo(s) do herói - objetivos sempre em

relação de reciprocidade inversa.

Em seguida, as revistas apresentam, igualmente em detalhe,

as dicas ou estratégias que o herói pode utilizar para avançar com

sucesso as fases.

Muitas vezes, essa detalhada descrição é interrompida com a

promessa de ser continuada na seguinte publicação.

Outras vezes, as revistas (Ação Games e Videogames)

publicam números especiais para fazer exclusivamente essa

apresentação de um determinado jogo. De forma mais detida, o jogo

selecionado é descrito com todos os "mapas" ou quadros das fases e as

suas respectivas formas de operação, bem como as características de

cada personagem: nome, formas de intervenção no jogo, frequência de

aparecimento, formas de elimina-las, de evitar seus ataques, contra-

ataques e outras formas de ação.

As histórias de cada jogo podem também ser encontradas

nos manuais dos cartuchos, com todos os detalhes e informações mas,

como o acesso a esse meio de informação é dificultado por vários

motivos -o preço elevado do cartucho nacional, ou o idioma estrangeiro

dos importados ou "pirateados", por exemplo- fica realmente mais

simples para o usuário consultar uma revista e, em último caso, um

colega.

O primeiro guia em português, Guia Games (Ed. Abril,

1992), tem a mesma função. Através da apresentação de "dicas e

estratégias" para jogos de VG, é possível conhecer a história de muitos

jogos83, bem como a sua classificação em gênero, número de fases e

número de jogadores.

83 São dados somente para os jogos fabricados sob autorização legal, cujos lançamentos são realizados em número inferior em relação aos jogos importados ou "pirateados", ou contrabandeados.

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80

Da mesma forma, a "Revista eletrônica" Geração Game

(revista publicada na forma de fita para videocasette), disponível nas

locadoras, apresenta as mesmas informações do enredo e estratégias.

6.1.2.6.1.2.6.1.2.6.1.2. Dicas e estratégias para a operação dos jogosDicas e estratégias para a operação dos jogosDicas e estratégias para a operação dos jogosDicas e estratégias para a operação dos jogos

A segunda função das revistas é a de descrever as

estratégias ou dicas dos jogos. Trata-se das instruções operacionais dos

mesmos. A combinação dos botões de ação do herói: A-B-C (atirar,

pular, rolar, agachar, chutar. bater. etc.) com os botões de direção do

herói: iiii, iii (esquerda, direita, para baixo, para cima), é

apresentada para conseguir efeitos determinados para cada jogo

específico. São os chamados "macetes", na linguagem das revistas, e

servem para a obtenção de vantagens pessoais. Isto é, são formas ou

códigos específicos de operação dos controles do VG que permitem ao

usuário conseguir determinadas vantagens na forma de

"invencibilidade", "mais vidas", "mais pontos", "armas secretas",

"mágicas", enfim, algum recurso "escondido" no jogo e inacessível ao

olho nu do usuário. Por exemplo, no jogo "M-1 Abrams Battle Tank",

encontramos a seguinte instrução: "para conseguir invencibilida"para conseguir invencibilida"para conseguir invencibilida"para conseguir invencibilidade de de de

durante todo o jogo, aperte durante as cenas de demonstração B, B, C, durante todo o jogo, aperte durante as cenas de demonstração B, B, C, durante todo o jogo, aperte durante as cenas de demonstração B, B, C, durante todo o jogo, aperte durante as cenas de demonstração B, B, C,

B, C, C, C, B, C, B, B, C. Assim você poderá levar quantos tiros quiser e B, C, C, C, B, C, B, B, C. Assim você poderá levar quantos tiros quiser e B, C, C, C, B, C, B, B, C. Assim você poderá levar quantos tiros quiser e B, C, C, C, B, C, B, B, C. Assim você poderá levar quantos tiros quiser e

terá munição infinita ..."terá munição infinita ..."terá munição infinita ..."terá munição infinita ..." (Ação Games, nr. 10, p. 31, fev. 1992).

Essa forma de operação do controle do jogo permite que o

usuário tenha maiores chances de vencer, nem que para isso fique

longas horas frente à TV, aproveitando a sua invencibilidade para pular

de fases. Dessa maneira, o jogo torna-se bastante atrativo e reforça o

desejo de continuar para vencer.

Ao mesmo tempo, essa segunda função de intermediação,

por seu papel de decodificação, torna-se indispensável para o usuário, o

que, por sua vez, garante certo sucesso comercial para as revistas.

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81

Nas publicações de números extras das revistas e no guia de

jogos de VG, referidos anteriormente, encontra-se também esta

segunda função de intermediação sobre como operar os jogos.

6.1.3.6.1.3.6.1.3.6.1.3. Informação e cultura geral sobre o VGInformação e cultura geral sobre o VGInformação e cultura geral sobre o VGInformação e cultura geral sobre o VG

A terceira função de intermediação, entre o VG e o usuário,

será dividida em duas partes. A primeira, diz respeito à informação e

esclarecimentos sobre os aparelhos, acessórios e tecnologia do VG. A

segunda, diz respeito aos lançamentos e anúncio de lançamentos dos

jogos.

Trata-se da função informativa e formativa de uma espécie

de cultura geral sobre o VG com dados tanto do país como fora dele.

Através desta função de intermediação, o usuário de VG pode se manter

totalmente atualizado no assunto. Vejamos cada uma das partes.

6.1.4.6.1.4.6.1.4.6.1.4. Aparelhos, acessórios e tecnologia do VGAparelhos, acessórios e tecnologia do VGAparelhos, acessórios e tecnologia do VGAparelhos, acessórios e tecnologia do VG

Trata-se da informação e esclarecimentos gerais sobre o VG,

como a sua história, fabricação, linguagem, tecnologia e gerações,

lançamentos recentes e futuros e, também, inúmeros acessórios, todos

relacionados aos aparelhos.

A linguagem técnica sobre o VG torna-se familiar para o

leitor. Por exemplo, através de uma espécie de dicionário ou

explicações muito simplificadas, o leitor é introduzido na linguagem da

informática (Videogame, nº 1, p. 12, março de 1991). Assim, é possível

saber o que é um "bit", um "byte", "chip", "pixel" e outras palavras da

informática; ou, ainda, "bônus", "fase", "console", "nível", "Sega",

"Nintendo", "gamemaníaco", "gamefera" e outras, que é linguagem

exclusiva do VG.

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6.1.5.6.1.5.6.1.5.6.1.5.Lançamentos de jogos no Brasil e no exteriorLançamentos de jogos no Brasil e no exteriorLançamentos de jogos no Brasil e no exteriorLançamentos de jogos no Brasil e no exterior

Como o item anterior, a função de informação estende-se

também para os lançamentos e anúncio de futuros lançamentos dos

jogos.

As informações, quando são de lançamentos no Brasil, são

completas e, portanto, remetem-se às primeiras duas funções

anteriormente definidas. Além disso, tem-se um breve relato da fonte

inspiradora do novo jogo, por exemplo, um filme de sucesso,

personagens das revistas em quadrinhos, ou ainda, desenhos animados

que viraram jogo de VG, como os recentemente lançados cartuchos de

Mickey, Pato Donald , Homem Aranha e outros.

6.2.6.2.6.2.6.2. ComunicaçãoComunicaçãoComunicaçãoComunicação

6.2.1.6.2.1.6.2.1.6.2.1. Entre usuáriosEntre usuáriosEntre usuáriosEntre usuários

As revistas apresentam um espaço exclusivo de cartas, que

possibilita o contato entre os usuários de VG. Trata-se de espaços

dedicados às cartas do leitor que se dirigem a outro leitor, seja para

lançar desafios de jogos específicos -apostando, inclusive, o VG do

irmão-, seja para divulgar estratégias e dicas criadas pelo próprio

usuário. Também, estabelece-se esse contato entre usuários, através

da divulgação de pontuações obtidas nos jogos -recordes batidos-;

na fundação de clubes de "gamemaníacos"; e nos anúncios de compra,

venda e troca de aparelhos e cartuchos de VG (muitas vezes o

anunciante, desse setor de classificados, oferece um cachorro, por

exemplo, em troca de um VG.

Mesmo essa forma de isolamento imposta ao usuário, pela

característica de restrição espacial própria do VG, as revistas

possibilitam um tipo de relacionamento entre os usuários mediado pelo

VG.

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83

6.2.2.6.2.2.6.2.2.6.2.2. Entre usuários e os setoreEntre usuários e os setoreEntre usuários e os setoreEntre usuários e os setores comerciaiss comerciaiss comerciaiss comerciais

Pelo mesmo caminho que o item anterior, as Revistas

Especializadas possibilitam um contato entre o usuário de VG e o editor;

o "piloto" de VG (trata-se do especialista que testa os cartuchos e

escreve as estratégias); o fabricante; distribuidores e demais

comerciantes do setor.

O espaço das revistas destinado a essa função de contato é

o setor das cartas dirigidas ao editor com dúvidas, correções,

sugestões, etc.

6.3.6.3.6.3.6.3. PropagandaPropagandaPropagandaPropaganda No meio de muitas páginas coloridas, encontram-se

algumas delas destinadas exclusivamente para a propaganda de lojas,

locadoras, assistência técnica, importadoras, clubes e, também,

anúncios de determinados acessórios, tais como bolsas para carregar

um VG ou luvas especialmente adaptadas para evitar que o usuário

machuque os dedos de tanto apertar os botões (senti na própria pele o

efeito do incessante pressionar de botões).

6.3.1.6.3.1.6.3.1.6.3.1.As Revistas Especializadas: um discurso para o As Revistas Especializadas: um discurso para o As Revistas Especializadas: um discurso para o As Revistas Especializadas: um discurso para o vencedorvencedorvencedorvencedor

No item anterior foi apresentado o conteúdo das revistas,

através das suas funções de intermediação entre o VG e o usuário,

neste, o objetivo é apontar o discurso das revistas dirigido a um

suposto leitor-herói, usuário de VG.

São algumas observações sobre o tratamento dado ao

leitor, como se esse realmente encarnasse o herói das histórias de VG,

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chamando-o a constantes desafios e, ao mesmo tempo, atribuindo-lhe

adjetivos de "fera", "gamemaníaco", "gamefera", "campeão" , etc.

Como foi visto, o usuário de VG parece sempre identificado

com o protagonista dos jogos que, segundo o gênero, será o policial, o

atleta, o boxeador, o lutador de artes marciais, o cantor de sucesso, o

jogador famoso de futebol, basquete ou vôlei, o Rambo I, II e III, o

Robocop, Batman, o estrategista, o campeão de Fórmula 1, o explorador

do universo, o xerife, o pesquisador, o guerreiro, e quaisquer

personagens representados por animais ou objetos animados.

Trata-se do herói, do todo poderoso que sempre vence do

lado do bem. Vejamos com mais detalhe na apresentação de alguns

jogos por revistas:

Já se passou um ano da fatídica luta Já se passou um ano da fatídica luta Já se passou um ano da fatídica luta Já se passou um ano da fatídica luta entre o terrível Jaquio e o entre o terrível Jaquio e o entre o terrível Jaquio e o entre o terrível Jaquio e o ninjaninjaninjaninja Ryu Ryu Ryu Ryu Hayabusa. Mas, quando todos Hayabusa. Mas, quando todos Hayabusa. Mas, quando todos Hayabusa. Mas, quando todos pensavam que o pensavam que o pensavam que o pensavam que o malmalmalmal se acabou Ashtar, se acabou Ashtar, se acabou Ashtar, se acabou Ashtar, o senhor das Trevas o senhor das Trevas o senhor das Trevas o senhor das Trevas ----que secretamente que secretamente que secretamente que secretamente controla Jaquiocontrola Jaquiocontrola Jaquiocontrola Jaquio---- volta para se apoderar volta para se apoderar volta para se apoderar volta para se apoderar da espada negra de caos, com a da espada negra de caos, com a da espada negra de caos, com a da espada negra de caos, com a qual qual qual qual pretende abrir o Portal das Trevas. Se pretende abrir o Portal das Trevas. Se pretende abrir o Portal das Trevas. Se pretende abrir o Portal das Trevas. Se tiver sucesso, o pesadelo voltará para tiver sucesso, o pesadelo voltará para tiver sucesso, o pesadelo voltará para tiver sucesso, o pesadelo voltará para todos os homens. Cabe todos os homens. Cabe todos os homens. Cabe todos os homens. Cabe a vocêa vocêa vocêa você, na , na , na , na pessoa de Ryu, impedipessoa de Ryu, impedipessoa de Ryu, impedipessoa de Ryu, impedi----lo lo lo lo (VIDEOGAME, nr. 1, p.15, 1991. Grifos meus).

Outro exemplo:

Você é uma tartaruga ninja, que, devido Você é uma tartaruga ninja, que, devido Você é uma tartaruga ninja, que, devido Você é uma tartaruga ninja, que, devido a uma mua uma mua uma mua uma mutação genética, se tornou tação genética, se tornou tação genética, se tornou tação genética, se tornou quase humana e "fera" nas artes quase humana e "fera" nas artes quase humana e "fera" nas artes quase humana e "fera" nas artes marciais. Outra característica curiosa: marciais. Outra característica curiosa: marciais. Outra característica curiosa: marciais. Outra característica curiosa: seu alimento básico é ... pizza! Seu seu alimento básico é ... pizza! Seu seu alimento básico é ... pizza! Seu seu alimento básico é ... pizza! Seu objetivo é o resgate da amiga humana objetivo é o resgate da amiga humana objetivo é o resgate da amiga humana objetivo é o resgate da amiga humana April, que foi seqüestrada April, que foi seqüestrada April, que foi seqüestrada April, que foi seqüestrada (idem:18).

Preso no território inimigo, você deve Preso no território inimigo, você deve Preso no território inimigo, você deve Preso no território inimigo, você deve fugfugfugfugir, libertando seus amigos, e impedir ir, libertando seus amigos, e impedir ir, libertando seus amigos, e impedir ir, libertando seus amigos, e impedir

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o objetivo do exército adversário, que é o objetivo do exército adversário, que é o objetivo do exército adversário, que é o objetivo do exército adversário, que é o de provocar um colapso econômico o de provocar um colapso econômico o de provocar um colapso econômico o de provocar um colapso econômico globalglobalglobalglobal (idem:20).

Um grupo de terroristas tomou controle Um grupo de terroristas tomou controle Um grupo de terroristas tomou controle Um grupo de terroristas tomou controle de um complexo nuclear subterrâneo e de um complexo nuclear subterrâneo e de um complexo nuclear subterrâneo e de um complexo nuclear subterrâneo e ameaça a Terra com mísseis nucleares. ameaça a Terra com mísseis nucleares. ameaça a Terra com mísseis nucleares. ameaça a Terra com mísseis nucleares. Para impPara impPara impPara impediediediedi----los, você deve se infiltrar los, você deve se infiltrar los, você deve se infiltrar los, você deve se infiltrar no complexo e se apossar do "Heavy no complexo e se apossar do "Heavy no complexo e se apossar do "Heavy no complexo e se apossar do "Heavy Barrel" que é uma superarmaBarrel" que é uma superarmaBarrel" que é uma superarmaBarrel" que é uma superarma (idem:21).

Sua missão é: destruir uma quadrilha Sua missão é: destruir uma quadrilha Sua missão é: destruir uma quadrilha Sua missão é: destruir uma quadrilha de traficantes de drogas nas selvas da de traficantes de drogas nas selvas da de traficantes de drogas nas selvas da de traficantes de drogas nas selvas da América do Sul, libertando prisioneiros América do Sul, libertando prisioneiros América do Sul, libertando prisioneiros América do Sul, libertando prisioneiros inocentes e acabar com o assassininocentes e acabar com o assassininocentes e acabar com o assassininocentes e acabar com o assassino o o o Drug Lord, o grand chefeDrug Lord, o grand chefeDrug Lord, o grand chefeDrug Lord, o grand chefe (idem:30).

Ao comando de uma nave espacial, Ao comando de uma nave espacial, Ao comando de uma nave espacial, Ao comando de uma nave espacial, você precisa superar 18 etapas de você precisa superar 18 etapas de você precisa superar 18 etapas de você precisa superar 18 etapas de combate aéreo para encontrar os planos combate aéreo para encontrar os planos combate aéreo para encontrar os planos combate aéreo para encontrar os planos secretos e voltar ao portasecretos e voltar ao portasecretos e voltar ao portasecretos e voltar ao porta----aviõesaviõesaviõesaviões (idem:36).

Você precisa "matar" um sem número Você precisa "matar" um sem número Você precisa "matar" um sem número Você precisa "matar" um sem número de bandidos, que vão tentar imde bandidos, que vão tentar imde bandidos, que vão tentar imde bandidos, que vão tentar impedir sua pedir sua pedir sua pedir sua aproximação dos chefõesaproximação dos chefõesaproximação dos chefõesaproximação dos chefões (idem:38).

É necessária muita habilidade para É necessária muita habilidade para É necessária muita habilidade para É necessária muita habilidade para controlar os carros na pista, controlar os carros na pista, controlar os carros na pista, controlar os carros na pista, principalmente nas curvas, evitando as principalmente nas curvas, evitando as principalmente nas curvas, evitando as principalmente nas curvas, evitando as derrapagens. Você tem de completar derrapagens. Você tem de completar derrapagens. Você tem de completar derrapagens. Você tem de completar 10 circuitos ou corridas, sempre ficando 10 circuitos ou corridas, sempre ficando 10 circuitos ou corridas, sempre ficando 10 circuitos ou corridas, sempre ficando entre os três primeirosentre os três primeirosentre os três primeirosentre os três primeiros (idem:42).

O discurso das revistas, quando se dirige ao leitor, aponta a

necessidade do domínio das técnicas de jogo como condição para ser

um verdadeiro "vencedor". Frases como: "este jogo é só para "este jogo é só para "este jogo é só para "este jogo é só para

campeões"campeões"campeões"campeões", ou "somente um 'crack' pode enfrentar este d"somente um 'crack' pode enfrentar este d"somente um 'crack' pode enfrentar este d"somente um 'crack' pode enfrentar este desafio"esafio"esafio"esafio", "se "se "se "se

você é um vencedor poderá enfrentar ..."você é um vencedor poderá enfrentar ..."você é um vencedor poderá enfrentar ..."você é um vencedor poderá enfrentar ...", "somente com muita "somente com muita "somente com muita "somente com muita

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habilidade e domínio você pode jogar ..."habilidade e domínio você pode jogar ..."habilidade e domínio você pode jogar ..."habilidade e domínio você pode jogar ...", parecem lançar um desafio ao

usuário de VG. Não importa que ele não seja um "expert", o importante

é que, com a ajuda das revistas -que apresentam "truques para quem "truques para quem "truques para quem "truques para quem

quer arrasar inimigos, sair de labirintos ou vencer muitos jogos de quer arrasar inimigos, sair de labirintos ou vencer muitos jogos de quer arrasar inimigos, sair de labirintos ou vencer muitos jogos de quer arrasar inimigos, sair de labirintos ou vencer muitos jogos de

verão"verão"verão"verão"----84 existe sempre a possibilidade de vir a sê-lo. Assim, cabe a

recomendação, entre outras, para o leitor: "Seja perseverante. Para se "Seja perseverante. Para se "Seja perseverante. Para se "Seja perseverante. Para se

tornar um campeãotornar um campeãotornar um campeãotornar um campeão tenha a paciência de um guerreiro ninja, a força de tenha a paciência de um guerreiro ninja, a força de tenha a paciência de um guerreiro ninja, a força de tenha a paciência de um guerreiro ninja, a força de

um Robocop e a esperteza de um Mário Bros"um Robocop e a esperteza de um Mário Bros"um Robocop e a esperteza de um Mário Bros"um Robocop e a esperteza de um Mário Bros",85 algumas entre tantas

personagens que o leitor-usuário encarna ao jogar.

6.3.2.6.3.2.6.3.2.6.3.2.3.3.3.3.---- As Revistas Especializadas: "Tudo por um MEGA As Revistas Especializadas: "Tudo por um MEGA As Revistas Especializadas: "Tudo por um MEGA As Revistas Especializadas: "Tudo por um MEGA DRIVE"DRIVE"DRIVE"DRIVE"

Diremos que, em termos de consumo, o papel da criança

não se esgota na pressão que exerce sobre os pais, mas ela mesma é

pressionada progressivamente, seja através da máquina de propaganda,

através dos mesmos jogos de VG e, mais explicitamente, através das

Revistas Especializadas, para uma reivindicação de maior autonomia ou

poder decisório para o consumo.

Rosemberg (apud Negrão, 1980: 311), afirma que o valor

social da criança e do jovem está determinado por seu significado

econômico. A criança e o jovem, enquanto categorias sociais afastadas

da produção na sociedade industrial e urbana moderna, são valorizados

de acordo com a atuação que possam ter na expansão do consumo e do

próprio mercado de trabalho, seja como consumidores diretos, ou bem,

exercendo pressão sobre a compra de mercadorias.

Segundo Oliveira (apud Silva et alii, 1989:27-28), se bem a

criança apareçe como não participante, não produtiva, ela aparece

84. Ação Games, nº 3, p. 26, 1991. 85 "O bom jogador" In Videogame, nr. 1, p. 50, 1991

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como um consumidor em potencial, dessa maneira, a finalidade da

indústria de brinquedos é a de que a criança consuma. Os brinquedos,

por isso, chegam até às crianças impregnados de idéias, valores, e

mensagens de uma determinada cultura de consumo.

Já Zilberman (1982:18-19) sustenta que na sociedade

capitalista a categoria produtor, ao definir o valor e papel dos indivíduos

enquanto seres humanos, privilegia o adulto em relação à criança.

Nesse sentido, o modo de produção determina a atividade do adulto em

oposição à passividade da criança, sendo essa uma relação histórica e

não natural.

Mas, não se trata aqui de querer atribuir à criança uma

autonomia econômica enquanto categoria social produtora de

mercadorias. Dentro desse ponto de vista, efetivamente a criança é

considerada uma categoria social não produtiva, mas ela é uma

categoria social que consome e, principalmente por motivos afetivos,

influencia fortemente o adulto nessa direção, ainda reivindicando para si

maior autonomia nas escolhas.

É partindo dessa suposição -de maior autonomia para o

consumo- considero que é conferido à criança o status de uma espécie

de pleno consumidor, através de artifícios criados pela propaganda;

através das Revistas Especializadas -que se abrem como canais

formalizados para que a criança participe diretamente da aquisição do

produto que consome, seja através dos anúncios de compra, venda ou

troca no setor de classificados, seja através dos concursos e promoções,

permitindo, inclusive, que opine acerca desses produtos- e, através do

próprio VG.

Trata-se, por último, de todo um movimento da indústria do

VG em torno do ser da criança, dentro dos seus limites como categoria

social improdutiva, para promovê-la como pleno consumidor, isto é,

para atribuir-lhe e criar-lhe necessidades de consumo, através da

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sedução que o VG exerce sobre ela e de acordo com o novo estilo do

brincar, predominantemente voltado para os espaços fechados do lar.

Vejamos alguns exemplos.

"Toda criança sonha com um Mega Drive""Toda criança sonha com um Mega Drive""Toda criança sonha com um Mega Drive""Toda criança sonha com um Mega Drive", diz a propaganda

veiculada pela Tec Toy e, em seguida, oferece à criança a possibilidade

de adquirir seu tão desejado brinquedo por somente "cinco prestações "cinco prestações "cinco prestações "cinco prestações

de..."de..."de..."de...".

Essa propaganda, entre outras, está falando de preços, de

formas de pagamentos, de vantagens, etc., que são informações

normalmente destinadas ao adulto que vai decidir sobre a aquisição ou

não do produto oferecido. Não se trata precisamente de mostrar o VG

-ele é conhecido demais, a não ser que se trate de um lançamento-

mas, sim, de mostrar à criança que é, aparentemente, muito fácil ter

um VG.

As propagandas dirigidas ao usuário criança e veiculadas

pelos diversos meios, não somente apresentam imagens sedutoras do

VG e dos seus coloridos jogos -o que supostamente mais agrada ao

público infantil-, mas apresentam informações que se constituem em

verdadeiros roteiros orientadores para a compra. O único detalhe que

diferencia essa propaganda dirigida ao usuário criança, da propaganda

dirigida ao adulto é que a comunicação é feita numa linguagem bastante

simples, familiar, didática e geralmente acompanhada de imagens.

O efeito da propaganda sobre a criança é favorável para a

comercialização bem sucedida do produto anunciado, como mostra a

pesquisa de Atkins (apud Caparelli, 1982:67), as vontades não

atendidas pelos pais, em termos dos objetos que a criança quer

consumir, geram conflitos e frustrações. A tendência desse

comportamento, segundo o autor, seria a de tentar obter esses produtos

a tudo custo, incorporando desde cedo as características consumistas da

sociedade moderna. A esse respeito, Caparelli (op. cit.) afirma que,

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tomando-se a publicidade como um todo, é possível depreender dela

uma determinada visão de mundo, onde os valores de uma sociedade

específica dizem respeito ao dinheiro, ao domínio e ao status, e estes,

por sua vez, são estereótipos, valores e comportamentos de uma

determinada classe social.

Trata-se de toda uma pressão feita diretamente sobre a

própria criança, de tal forma que ela mesma procura alternativas para o

consumo do VG, além de, claro, exercer pressão sobre os pais. É o que

veremos a seguir.

Uma das funções das Revistas Especializadas, como foi visto,

é exatamente a de oferecer ao consumidor-criança todo tipo de

informação necessária para adquirir um VG, seja novo ou usado,

dependendo das possibilidades da criança.

Através da função de contato entre usuário e produtores

(fabricantes, comerciantes, etc.), as Revistas Especializadas oferecem

informações que permitiriam não só adquirir um VG, mas ter noções

básicas sobre modelos, tecnologia, fabricação, cartuchos, acessórios,

lojas de comercialização e assistência técnica, clubes e locadoras.

São informações completas e necessárias ao consumidor,

não precisamente de VG, mas de qualquer produto de tecnologia

avançada a ser adquirido.

Contando também com a possibilidade de um usuário

criança com pouco ou nenhum recurso para adquirir um VG novo, as

Revistas Especializadas, através de uma outra função de intermediação

-de contato entre usuários de VG-, oferecem um espaço gratuito86, no

setor de classificados, para o usuário criança ter a oportunidade de

86. Nos classificados da revista Supergame consta que os anúncios são publicados por conta das locadoras, por exemplo: "é isso mesmo! Os classificados da SG dão resultados inéditos no mercado e não custam nada, nenhum tostão. (...) Quem vai pagar são as locadoras. Elas prometem encher estas páginas com anúncios bonitinhos dos jogos e serviços que têm a oferecer..." (1992, 7:42).

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"negociar" compras, vendas e trocas de VG, atribuindo, dessa maneira,

uma certa autonomia para a realização de transações comerciais, a

partir de certo patrimônio adquirido -roupa, diversos objetos de lazer e

os brinquedos já ganhos ou a mesada, por exemplo.

Isto é, a criança pode adquirir um VG através de algumas

alternativas de troca, compra e venda.

Como exemplo da primeira alternativa, a criança pode

trocar, pelo VG desejado, algum outro brinquedo ou objeto de lazer.

Assim, anúncios nos classificados das revistas oferecem objetos de lazer

destinados a espaços livres em troca de um VG, sobretudo os de

tecnologia mais avançada.

Entre esse tipo de objetos destinados a espaços livres tem-

se as bicicletas: "troco uma bicicleta BMX"troco uma bicicleta BMX"troco uma bicicleta BMX"troco uma bicicleta BMX----S, na caixa, por um S, na caixa, por um S, na caixa, por um S, na caixa, por um

videovideovideovideogame do meu interesse"game do meu interesse"game do meu interesse"game do meu interesse";87 ou "troco uma bicicleta Monark Cross e "troco uma bicicleta Monark Cross e "troco uma bicicleta Monark Cross e "troco uma bicicleta Monark Cross e

mais uma guitarra por um Nintendo ou um Phantom..."mais uma guitarra por um Nintendo ou um Phantom..."mais uma guitarra por um Nintendo ou um Phantom..."mais uma guitarra por um Nintendo ou um Phantom...";88 também,

"troco Atari e bicicleta Monark com 5 marchas por Master System...""troco Atari e bicicleta Monark com 5 marchas por Master System...""troco Atari e bicicleta Monark com 5 marchas por Master System...""troco Atari e bicicleta Monark com 5 marchas por Master System..."89

e, ainda, "troco duas bicicletas, sendo uma Monark luxo e uma"troco duas bicicletas, sendo uma Monark luxo e uma"troco duas bicicletas, sendo uma Monark luxo e uma"troco duas bicicletas, sendo uma Monark luxo e uma Monark Monark Monark Monark

Monareta, um skate e cinco cartuchos de Atari por um Mega Drive (pago Monareta, um skate e cinco cartuchos de Atari por um Mega Drive (pago Monareta, um skate e cinco cartuchos de Atari por um Mega Drive (pago Monareta, um skate e cinco cartuchos de Atari por um Mega Drive (pago

a diferença)"a diferença)"a diferença)"a diferença)".90

Outro tipo de objeto, destinado ao lazer em espaços livres,

oferecido em troca por um VG é o skate. Assim temos: "troco skate de "troco skate de "troco skate de "troco skate de

competição com uma semana decompetição com uma semana decompetição com uma semana decompetição com uma semana de uso, por um Game Boy..."uso, por um Game Boy..."uso, por um Game Boy..."uso, por um Game Boy..."91 e, "troco troco troco troco

um skate Powell Peralta importado, um skate H Prol para `street style', um skate Powell Peralta importado, um skate H Prol para `street style', um skate Powell Peralta importado, um skate H Prol para `street style', um skate Powell Peralta importado, um skate H Prol para `street style',

87. Ação Games, nº 8, p. 11, 1991. 88. Videogame, nº 8, p. 19, 1991. 89. Videogame, nº 9, p. 18, 1991. 90. Ação Games, nº 11, p. 4, 1992. 91. Videogame, nº 11, p. 18, 1992.

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25 cartuchos de Atari e 4 de Nintendo por um Mega Drive sem 25 cartuchos de Atari e 4 de Nintendo por um Mega Drive sem 25 cartuchos de Atari e 4 de Nintendo por um Mega Drive sem 25 cartuchos de Atari e 4 de Nintendo por um Mega Drive sem

cartuchos..."cartuchos..."cartuchos..."cartuchos...".92

Também destinadas a espaços livres, Walk Machines são

oferecidas em troca de um VG: "troco Walk Machine ano 1990, cor "troco Walk Machine ano 1990, cor "troco Walk Machine ano 1990, cor "troco Walk Machine ano 1990, cor

prata por um Mega Drive com um cartucho..."prata por um Mega Drive com um cartucho..."prata por um Mega Drive com um cartucho..."prata por um Mega Drive com um cartucho..."93 e, "troco Walk Machine "troco Walk Machine "troco Walk Machine "troco Walk Machine

por Genesis ou Mega Drive..."por Genesis ou Mega Drive..."por Genesis ou Mega Drive..."por Genesis ou Mega Drive...".94

E, também para atividades em espaços livres, oferece-se:

"prancha de surf em bom estado por videogame"prancha de surf em bom estado por videogame"prancha de surf em bom estado por videogame"prancha de surf em bom estado por videogame 3ª geração..."3ª geração..."3ª geração..."3ª geração...".95

Instrumentos musicais e walkmen estão também entre os

objetos a serem trocados por um VG. Apesar desses objetos não

estarem restritos a espaços livres, eles se constituem em instrumentos

de transmissão de cultura o que amplia a sua finalidade para além dos

limites físicos. Assim temos: "troco minha guitarra Gianinni branca e "troco minha guitarra Gianinni branca e "troco minha guitarra Gianinni branca e "troco minha guitarra Gianinni branca e

preta, novinha em folha, por um Video Game Dynavision II ou..."preta, novinha em folha, por um Video Game Dynavision II ou..."preta, novinha em folha, por um Video Game Dynavision II ou..."preta, novinha em folha, por um Video Game Dynavision II ou...";96

"troco (...) um teclado Giannini profissional, por um Mega Drive...""troco (...) um teclado Giannini profissional, por um Mega Drive...""troco (...) um teclado Giannini profissional, por um Mega Drive...""troco (...) um teclado Giannini profissional, por um Mega Drive..."97 ou,

"troco um walkman com "troco um walkman com "troco um walkman com "troco um walkman com três fitas gravadas, e um Atari, com 19 jogos três fitas gravadas, e um Atari, com 19 jogos três fitas gravadas, e um Atari, com 19 jogos três fitas gravadas, e um Atari, com 19 jogos

ótimos e dois joysticks, por um Master System..."ótimos e dois joysticks, por um Master System..."ótimos e dois joysticks, por um Master System..."ótimos e dois joysticks, por um Master System...";98 também, "troco "troco "troco "troco

toca fitas autotoca fitas autotoca fitas autotoca fitas auto----reverse, Walkman autoreverse, Walkman autoreverse, Walkman autoreverse, Walkman auto----reverse e dois altoreverse e dois altoreverse e dois altoreverse e dois alto----falantes por falantes por falantes por falantes por

Master System..."Master System..."Master System..."Master System...";99 e, "troco Walkman novo, Phanton System, os "troco Walkman novo, Phanton System, os "troco Walkman novo, Phanton System, os "troco Walkman novo, Phanton System, os

cartuchoscartuchoscartuchoscartuchos (...) e um adaptador por um Mega Drive..."(...) e um adaptador por um Mega Drive..."(...) e um adaptador por um Mega Drive..."(...) e um adaptador por um Mega Drive...".100

Os usuários de VG dispõem também de outros objetos que

são oferecidos em troca de um VG, vejamos: "troco (...) uma câmera "troco (...) uma câmera "troco (...) uma câmera "troco (...) uma câmera

92. Idem, nº 9, p. 18, 1991. 93. Videogame, nº 8, p. 18, 1991. 94. Idem, nº 7, p. 21, 1991. 95. Id. ibid. 96. Supergame, nº 4, p. 44, 1991. 97. Idem, nº8, p. 53, 1992. 98. Ação Games, nº 8, p. 11, 1991. 99. Videogame, nº 11, p. 18, 1992. 100. Idem, nº 8, p. 18, 1991.

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92

fotográfica 35 mm (automática, flash embutido) com a capa de fotográfica 35 mm (automática, flash embutido) com a capa de fotográfica 35 mm (automática, flash embutido) com a capa de fotográfica 35 mm (automática, flash embutido) com a capa de

proteção, por um Top Gamproteção, por um Top Gamproteção, por um Top Gamproteção, por um Top Game ..."e ..."e ..."e ...";101 outro, "troco TV à cores 20" "troco TV à cores 20" "troco TV à cores 20" "troco TV à cores 20"

Telefunken por Mega Drive..."Telefunken por Mega Drive..."Telefunken por Mega Drive..."Telefunken por Mega Drive...".102 Não faltam os computadores

oferecidos na troca: "troco um microcomputador TK"troco um microcomputador TK"troco um microcomputador TK"troco um microcomputador TK----90 X, mais de 50 90 X, mais de 50 90 X, mais de 50 90 X, mais de 50

jogos em fita Kjogos em fita Kjogos em fita Kjogos em fita K----7 por qualquer videogame de 3ª geração..."7 por qualquer videogame de 3ª geração..."7 por qualquer videogame de 3ª geração..."7 por qualquer videogame de 3ª geração...";103 "troco "troco "troco "troco

um computador TK 3000 um computador TK 3000 um computador TK 3000 um computador TK 3000 completo por videogame compatível com completo por videogame compatível com completo por videogame compatível com completo por videogame compatível com

Nintendo ou Megadrive"Nintendo ou Megadrive"Nintendo ou Megadrive"Nintendo ou Megadrive";104 "troco microcomputador TK"troco microcomputador TK"troco microcomputador TK"troco microcomputador TK----90X + 90X + 90X + 90X +

acessórios + jogos (cerca de 150) por videogame de terceira acessórios + jogos (cerca de 150) por videogame de terceira acessórios + jogos (cerca de 150) por videogame de terceira acessórios + jogos (cerca de 150) por videogame de terceira

geração..."geração..."geração..."geração..."105 e, "troco microcomputador Micro Engenho II da Spectrum, "troco microcomputador Micro Engenho II da Spectrum, "troco microcomputador Micro Engenho II da Spectrum, "troco microcomputador Micro Engenho II da Spectrum,

8 bit, com 2 drives, com mais de8 bit, com 2 drives, com mais de8 bit, com 2 drives, com mais de8 bit, com 2 drives, com mais de 20 jogos por Mega Drive"20 jogos por Mega Drive"20 jogos por Mega Drive"20 jogos por Mega Drive".106

Outros brinquedos também são colocados em oferta por um

VG. "Troco (...) um carrinho de controle remoto com oito pilhas "Troco (...) um carrinho de controle remoto com oito pilhas "Troco (...) um carrinho de controle remoto com oito pilhas "Troco (...) um carrinho de controle remoto com oito pilhas

recarregáveis e um recarregador por um Game Boy"recarregáveis e um recarregador por um Game Boy"recarregáveis e um recarregador por um Game Boy"recarregáveis e um recarregador por um Game Boy";107 "troco "troco "troco "troco

ferrorama XPferrorama XPferrorama XPferrorama XP----4300, dois relógios Casio novos, u4300, dois relógios Casio novos, u4300, dois relógios Casio novos, u4300, dois relógios Casio novos, uma coleção `Rambo' ma coleção `Rambo' ma coleção `Rambo' ma coleção `Rambo'

(Glasslite) e mais Cr$ 15.000,00 por um Mega Drive"(Glasslite) e mais Cr$ 15.000,00 por um Mega Drive"(Glasslite) e mais Cr$ 15.000,00 por um Mega Drive"(Glasslite) e mais Cr$ 15.000,00 por um Mega Drive";108 "troco um "troco um "troco um "troco um

carro de controle remoto Sabre (Tec Toy), um Mini Game (Shinobi), um carro de controle remoto Sabre (Tec Toy), um Mini Game (Shinobi), um carro de controle remoto Sabre (Tec Toy), um Mini Game (Shinobi), um carro de controle remoto Sabre (Tec Toy), um Mini Game (Shinobi), um

avião de controle remoto, um Hovercraft (navio de combate), dois avião de controle remoto, um Hovercraft (navio de combate), dois avião de controle remoto, um Hovercraft (navio de combate), dois avião de controle remoto, um Hovercraft (navio de combate), dois

Comandos em Ação e dois carros da sérieComandos em Ação e dois carros da sérieComandos em Ação e dois carros da sérieComandos em Ação e dois carros da série Luz e Sombra (da Estrela) por Luz e Sombra (da Estrela) por Luz e Sombra (da Estrela) por Luz e Sombra (da Estrela) por

um Game Gear..."um Game Gear..."um Game Gear..."um Game Gear...";109 e, "troco um carro de controle remoto da Master "troco um carro de controle remoto da Master "troco um carro de controle remoto da Master "troco um carro de controle remoto da Master

Buggy, da Tec Toy, por um console Atari. Pago a diferença"Buggy, da Tec Toy, por um console Atari. Pago a diferença"Buggy, da Tec Toy, por um console Atari. Pago a diferença"Buggy, da Tec Toy, por um console Atari. Pago a diferença".110 É

101. Idem, nº 9, p. 18, 1991. 102. Idem, nº 7, p. 20, 1991. 103. Id. ibid. 104. Id. ibid., p. 21. 105. Supergame, nº 8, p. 53, 1992. 106. Idem, nº 7, p. 44, 1992. 107. Videogame, nº 11, p. 18, 1992. 108. Idem, nº 9, p. 18, 1991. 109. Idem, p. 19. 110. Idem, nº 8, p. 18, 1991.

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interessante ver que os anúncios trazem as informações necessárias

para os possíveis interessados, tais como marca, modelo, número, etc.

Outro tipo de anúncio, nos classificados, chama a atenção

pelo fato do usuário de VG oferecer praticamente qualquer objeto -

possivelmente com algum valor afetivo para o usuário - por um VG:

Troco VG 800Troco VG 800Troco VG 800Troco VG 8000 completo, mais joystick 0 completo, mais joystick 0 completo, mais joystick 0 completo, mais joystick de Phantom, um cartucho, adaptador Ade Phantom, um cartucho, adaptador Ade Phantom, um cartucho, adaptador Ade Phantom, um cartucho, adaptador A----60, 4 rodas skate, Pro Life, 4 60, 4 rodas skate, Pro Life, 4 60, 4 rodas skate, Pro Life, 4 60, 4 rodas skate, Pro Life, 4 rolamentos importados NHBB, rolamentos importados NHBB, rolamentos importados NHBB, rolamentos importados NHBB, par de par de par de par de sapatos Kaito nº 36sapatos Kaito nº 36sapatos Kaito nº 36sapatos Kaito nº 36, canivete alemão, , canivete alemão, , canivete alemão, , canivete alemão, carteira Town & Country, um cartucho carteira Town & Country, um cartucho carteira Town & Country, um cartucho carteira Town & Country, um cartucho de Atari, dois chaveiros, fone de de Atari, dois chaveiros, fone de de Atari, dois chaveiros, fone de de Atari, dois chaveiros, fone de walkman, fita TDK,walkman, fita TDK,walkman, fita TDK,walkman, fita TDK, miniminiminimini----lanterna lanterna lanterna lanterna National, estojo de prontoNational, estojo de prontoNational, estojo de prontoNational, estojo de pronto----socorro, socorro, socorro, socorro, adesivos e outros objetos, por qualquer adesivos e outros objetos, por qualquer adesivos e outros objetos, por qualquer adesivos e outros objetos, por qualquer videogame padrão Nintendo...videogame padrão Nintendo...videogame padrão Nintendo...videogame padrão Nintendo...111111111111

Outra opção de troca, para o consumidor criança, é oferecer

seu VG de tecnologia menos avançada, com cartuchos e acessórios ou

dinheiro, por um VG de tecnologia mais avançada, um portátil por

exemplo, mas um Mega Drive de preferência. Vejamos alguns

exemplos:

"Troco Phantom System e pistola, seminovos com mais 15 "Troco Phantom System e pistola, seminovos com mais 15 "Troco Phantom System e pistola, seminovos com mais 15 "Troco Phantom System e pistola, seminovos com mais 15

cartuchos por Mega Drive com 3 cartuchos..."cartuchos por Mega Drive com 3 cartuchos..."cartuchos por Mega Drive com 3 cartuchos..."cartuchos por Mega Drive com 3 cartuchos...";112 "troco o meu Nintendo "troco o meu Nintendo "troco o meu Nintendo "troco o meu Nintendo

americano com dois cartuchos, pistola e um robô, que ajuda somente no americano com dois cartuchos, pistola e um robô, que ajuda somente no americano com dois cartuchos, pistola e um robô, que ajuda somente no americano com dois cartuchos, pistola e um robô, que ajuda somente no

jogo Gyromite, por um Mega Drive"jogo Gyromite, por um Mega Drive"jogo Gyromite, por um Mega Drive"jogo Gyromite, por um Mega Drive";113 "troco Master System, com 7 "troco Master System, com 7 "troco Master System, com 7 "troco Master System, com 7

cartuchos, pistola e Rapid Fire por Mega Drive"cartuchos, pistola e Rapid Fire por Mega Drive"cartuchos, pistola e Rapid Fire por Mega Drive"cartuchos, pistola e Rapid Fire por Mega Drive";114 "troco Superfamicom "troco Superfamicom "troco Superfamicom "troco Superfamicom

com 4 fitas por um Mega Drive"com 4 fitas por um Mega Drive"com 4 fitas por um Mega Drive"com 4 fitas por um Mega Drive";115 "troco Bit System "troco Bit System "troco Bit System "troco Bit System com 2 joysticks e com 2 joysticks e com 2 joysticks e com 2 joysticks e

111. Idem, nº 7, p. 21, 1991. Grifos meus. 112. Idem, nº 9, p. 18, 1991. 113. Idem, nº 8, p. 18, 1991. 114. Idem, nº 7, p. 20, 1991. 115. Id. ibid.

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15 fitas por Mega Drive"15 fitas por Mega Drive"15 fitas por Mega Drive"15 fitas por Mega Drive";116 "troco Master System completo, com "troco Master System completo, com "troco Master System completo, com "troco Master System completo, com

óculos, pistola e mais sete cartuchos (...) Por um Mega Drive e, ainda óculos, pistola e mais sete cartuchos (...) Por um Mega Drive e, ainda óculos, pistola e mais sete cartuchos (...) Por um Mega Drive e, ainda óculos, pistola e mais sete cartuchos (...) Por um Mega Drive e, ainda

pago a diferença"pago a diferença"pago a diferença"pago a diferença"117 e, "troco Supergame com 16 jogos e "troco Supergame com 16 jogos e "troco Supergame com 16 jogos e "troco Supergame com 16 jogos e uma calça de uma calça de uma calça de uma calça de

bicicross importada original nº 14bicicross importada original nº 14bicicross importada original nº 14bicicross importada original nº 14 por 10 fitas Nintendo americanas"por 10 fitas Nintendo americanas"por 10 fitas Nintendo americanas"por 10 fitas Nintendo americanas".118

Alguns usuários de VG oferecem mais de um aparelho em

troca de outro de maior tecnologia, o que constata o nível de consumo,

já que possuem mais de um VG, vários exemplos ilustram bem isso:

"troco videogame Top Game n"troco videogame Top Game n"troco videogame Top Game n"troco videogame Top Game novo em folha com pistola e três cartuchos ovo em folha com pistola e três cartuchos ovo em folha com pistola e três cartuchos ovo em folha com pistola e três cartuchos

(...) E um vídeo game Supergame (...) com 12 cartuchos (...). Por um (...) E um vídeo game Supergame (...) com 12 cartuchos (...). Por um (...) E um vídeo game Supergame (...) com 12 cartuchos (...). Por um (...) E um vídeo game Supergame (...) com 12 cartuchos (...). Por um

Mega Drive"Mega Drive"Mega Drive"Mega Drive"119 ou, "troco Master System com 10 cartuchos, 3 joysticks "troco Master System com 10 cartuchos, 3 joysticks "troco Master System com 10 cartuchos, 3 joysticks "troco Master System com 10 cartuchos, 3 joysticks

(...) mais 1 Top Game CG 8000 com 43 cartuchos e 1 adaptador (...), (...) mais 1 Top Game CG 8000 com 43 cartuchos e 1 adaptador (...), (...) mais 1 Top Game CG 8000 com 43 cartuchos e 1 adaptador (...), (...) mais 1 Top Game CG 8000 com 43 cartuchos e 1 adaptador (...),

por Megapor Megapor Megapor Mega Drive"Drive"Drive"Drive"120 e, ainda, "troco um Atari e um Dactar, ambos com "troco um Atari e um Dactar, ambos com "troco um Atari e um Dactar, ambos com "troco um Atari e um Dactar, ambos com

cartuchos e controles em ótimo estado por um Master System ou Mega cartuchos e controles em ótimo estado por um Master System ou Mega cartuchos e controles em ótimo estado por um Master System ou Mega cartuchos e controles em ótimo estado por um Master System ou Mega

Drive, pago a diferença"Drive, pago a diferença"Drive, pago a diferença"Drive, pago a diferença".121

E, por último, também como uma opção de troca, dado o

tamanho do desejo da criança por um VG, é oferecer um objeto de

afeto: um cachorrinho de raça, por exemplo: "troco um filhote macho "troco um filhote macho "troco um filhote macho "troco um filhote macho

preto de Poodle Toy puro, nascido em 18 de dezembro de 1991, por preto de Poodle Toy puro, nascido em 18 de dezembro de 1991, por preto de Poodle Toy puro, nascido em 18 de dezembro de 1991, por preto de Poodle Toy puro, nascido em 18 de dezembro de 1991, por

qualquer videogame, menos Master System ou compatível Atari".qualquer videogame, menos Master System ou compatível Atari".qualquer videogame, menos Master System ou compatível Atari".qualquer videogame, menos Master System ou compatível Atari".122

Ou um aquário completo por um VG: "tro"tro"tro"troco aquário completo com co aquário completo com co aquário completo com co aquário completo com

suporte, bomba, lâmpada e cascalho, por Mega Drive + 1 fita"suporte, bomba, lâmpada e cascalho, por Mega Drive + 1 fita"suporte, bomba, lâmpada e cascalho, por Mega Drive + 1 fita"suporte, bomba, lâmpada e cascalho, por Mega Drive + 1 fita".123

116. Id. ibid. 117. Supergame, nº 8, p. 53, 1992. 118. Idem, nº 5, p. 16, 1991. Grifos meus. 119. Idem, nº 7, p. 44, 1992. 120. Id. ibid, p. 45. 121. Videogame, nº 4, p. 16, 1991. 122. Idem, nº 11, p. 18, 1992. Possivelmente a menina usuária de VG, que propõe essa troca, está esperando por um VG de última geração, posto que exclui o Master, de 3ª geração e os compatíveis com Atari, que são de 2ª geração.

123. Supergame, nº 6, p. 45, 1992.

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Entre as possibilidades de compra, como segunda

alternativa, o consumidor-criança procura comprar um VG usado, a

partir da terceira geração, por um preço mais em conta. Isso é possível

na medida em que outras crianças com maior poder aquisitivo procuram

vender seus VGs para comprarem sempre os últimos modelos.

Assim, outra alternativa para o consumidor criança é vender

seu VG, de tecnologia menos desenvolvida e, talvez, alguns outros

brinquedos, para adquirir o VG desejado. Vejamos alguns exemplos de

venda: "vendo Phantom System semi novo com os cartuchos (...) e os "vendo Phantom System semi novo com os cartuchos (...) e os "vendo Phantom System semi novo com os cartuchos (...) e os "vendo Phantom System semi novo com os cartuchos (...) e os

acessórios: (...). Posso também trocar tudo isso por um Mega acessórios: (...). Posso também trocar tudo isso por um Mega acessórios: (...). Posso também trocar tudo isso por um Mega acessórios: (...). Posso também trocar tudo isso por um Mega

Drive"Drive"Drive"Drive";124 "Bit System vendo em bom e"Bit System vendo em bom e"Bit System vendo em bom e"Bit System vendo em bom estado, com seus cartuchos e um stado, com seus cartuchos e um stado, com seus cartuchos e um stado, com seus cartuchos e um

adaptador, por (...). Também aceito trocar por um Mega Drive e adaptador, por (...). Também aceito trocar por um Mega Drive e adaptador, por (...). Também aceito trocar por um Mega Drive e adaptador, por (...). Também aceito trocar por um Mega Drive e

estudo contraproposta"estudo contraproposta"estudo contraproposta"estudo contraproposta";125 "vendo Atari Dactar com 22 jogos e dois "vendo Atari Dactar com 22 jogos e dois "vendo Atari Dactar com 22 jogos e dois "vendo Atari Dactar com 22 jogos e dois

controles"controles"controles"controles";126 "vendo Master System, pistola, dois jogos, tudo novo""vendo Master System, pistola, dois jogos, tudo novo""vendo Master System, pistola, dois jogos, tudo novo""vendo Master System, pistola, dois jogos, tudo novo";127

"vendo três minigames""vendo três minigames""vendo três minigames""vendo três minigames";128 """"vendo cartuchos de Master System, todos vendo cartuchos de Master System, todos vendo cartuchos de Master System, todos vendo cartuchos de Master System, todos

em bom estado de conservação"em bom estado de conservação"em bom estado de conservação"em bom estado de conservação".129

E de compra: "compro Master System em bom estado""compro Master System em bom estado""compro Master System em bom estado""compro Master System em bom estado";130

"compro um Game Boy em perfeito estado, com manual e um "compro um Game Boy em perfeito estado, com manual e um "compro um Game Boy em perfeito estado, com manual e um "compro um Game Boy em perfeito estado, com manual e um

cartucho"cartucho"cartucho"cartucho";131 "compro um Mega Drive, usado, com um cartucho""compro um Mega Drive, usado, com um cartucho""compro um Mega Drive, usado, com um cartucho""compro um Mega Drive, usado, com um cartucho"132 e,

124. Videogame, nº 9, p. 18, 1991. 125. Idem, nº 11, p. 18, 1992. 126. Supergame, nº 8, p. 51, 1992. 127. Id. ibid. 128. Ação Games, nº 11, p. 2, 1992. 129. Id. ibid. 130. Supergame, nº 7, p. 43, 1992. 131. Ação Games, nº 10, p. 1, 1992. 132. Id. ibid.

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"compro qu"compro qu"compro qu"compro qualquer videogame de 3ª geração"alquer videogame de 3ª geração"alquer videogame de 3ª geração"alquer videogame de 3ª geração";133 outro, "compro Game "compro Game "compro Game "compro Game

Boy, se possível com alguns cartuchos e por um bom preço".Boy, se possível com alguns cartuchos e por um bom preço".Boy, se possível com alguns cartuchos e por um bom preço".Boy, se possível com alguns cartuchos e por um bom preço".134

Tratam-se de inúmeras alternativas que alimentam o desejo

da criança de ter um VG. E esse desejo é tão grande que aparece no

absurdo de certas propostas totalmente desproporcionais, tais como a

troca de um VG de tecnologia menos avançada por um de tecnologia

bastante sofisticada: "troco VG 9000 e mais três cartuchos (...) por um "troco VG 9000 e mais três cartuchos (...) por um "troco VG 9000 e mais três cartuchos (...) por um "troco VG 9000 e mais três cartuchos (...) por um

Mega Drive..."Mega Drive..."Mega Drive..."Mega Drive..."135 ou "troco Atari e 12 fitas (...) por um Bit Sys"troco Atari e 12 fitas (...) por um Bit Sys"troco Atari e 12 fitas (...) por um Bit Sys"troco Atari e 12 fitas (...) por um Bit System"tem"tem"tem"136 -

desproporção mais com relação ao valor do VG e nem tanto no que diz

respeito à vontade (ou ingenuidade) da criança de ter um VG. Mas, o

que chama a atenção não está tanto nesse tipo de oferta deproporcional

e sim na troca de diversos tipos de lazer -bicicletas, instrumentos

musicais, brinquedos, animais e outros objetos- quase que

exclusivamente por um único tipo de lazer informatizado que prende a

criança entre quatro paredes para brincar, geralmente sozinha, de herói.

E, como se fosse um pleno consumidor, a criança participa,

ainda, de uma verdadeira rede de produção de necessidades sempre

inovadoras, através do consumo dos constantes lançamentos de

aparelhos mais sofisticados, do consumo da chuva de jogos137, da

informação e, também, manifestando-se acerca do sucesso ou não dos

produtos, isso constitui um verdadeiro "feed back" importante para a

indústria, pois traduz as preferências entre as crianças.

133. Id. ibid. 134. Videogame, nº 9, p. 18, 1991. 135. Idem, nº 11, p. 18, 1992. 136. Idem, nº 6, p. 16, 1991. 137. É impressionante como os jogos são produzidos com uma rapidez que não dá nem tempo para saber exatamente qual a criança prefere. Sobretudo o que diz respeito aos jogos vindos do exterior. Enquanto nas Revistas Especializadas anuncia-se, como grande evento, o lançamento de algum jogo no Japão ou nos Estados Unidos, no Brasil chega o mesmo quase que simultaneamente por meios escuros, de tal forma que, quando sai o anúncio da produção nacional, esses jogos já são mais que conhecidos pelos usuários e lotam as prateleiras das locadoras.

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Como exemplo disso temos a participação da criança nos

espaços a ela destinados nas Revistas Especializadas. Trata-se do setor

de "dicas e estratégias" para o qual o usuário criança, através de cartas,

fornece dados sobre os jogos de VG, a partir da sua própria experiência.

De certa forma, ela trabalha gratuitamente para os produtores que

contratam, com essa finalidade, aos chamados pilotos de VG.138 Muitas

dessas "estratégias" vão sendo descobertas pelos usuários de VG, seja

para ganhar vidas, para ganhar energia, para ganhar pontos, para

ganhar armas secretas e instrumentos mágicos ou, pelo menos, para

não morrer nos confrontos com os chefes de cada fase, e são enviadas

às revistas, funcionando como um verdadeiro termômetro do sucesso

dos jogos e dos próprios meios de comunicação utilizados pela indústria

do VG.139

Trata-se, em outras palavras, de uma espécie de adultização

da criança, do ponto de vista do consumo (ou aquisição do VG), porque

ao nivelar a criança com o consumidor adulto, amplia-se de modo geral

o público consumidor. Nessa rede, a criança torna-se prisioneira do seu

próprio desejo e aparece como se fosse um pleno consumidor -o herói?-

na procura de satisfazer suas necessidades dentro das suas

possibilidades reais e daquelas um tanto mágicas.

138. Os chamados pilotos são jovens adolescentes, especialistas em VG, que desvendam os mistérios de cada jogo, a ser lançado no mercado, e elaboram uma série de informações para serem publicadas nas revistas, com o objetivo de facilitar o jogo do futuro usuário e, de modo geral, daqueles pouco experientes, para evitar desistências logo nas primeiras tentativas. Essas "dicas" são também fornecidas aos usuários, através dos serviços telefônicos instalados pela Tec Toy, na chamada "Hot Line".

139. Possivelmente, os usuários de VG, que participam desses setores, aspiram a uma vaga de piloto de VG, já que inúmeras cartas chegam se oferecendo para tal função que, além de muito bem remunerada é vista como pura diversão, vejamos uma delas como exemplo: "(..) Ah, e se precisarem de um piloto para jogos de Master System, podem contar comigo", e a resposta: "(...) não estamos precisando de ninguém no momento. Quando eu expulsar alguém da redação (o que não vai demorar), chamo você" (Supergame, nº 4, p. 4, 1991).

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CAPÍTULO VCAPÍTULO VCAPÍTULO VCAPÍTULO V

OS RESULTADOS DA PESQUISAOS RESULTADOS DA PESQUISAOS RESULTADOS DA PESQUISAOS RESULTADOS DA PESQUISA

De uma maneira geral, os brinquedos documentam como o adulto se coloca com relação ao mundo da criança (BENJAMIN, 1984).

Este capítulo tem como objetivo apresentar alguns "temas"

acerca da atividade lúdica da criança com um VG, no que diz respeito a

conteúdo, operação e consumo desse brinquedo. Digo temas no sentido

de constituírem proposições bastante amplas de análise da relação

criança-mundo. Assim temos: A racionalização da violência; A

estranheza frente ao outro e; Um discurso audiovisual de

condicionamento operante.

7.7.7.7. A racionaA racionaA racionaA racionalização da violêncialização da violêncialização da violêncialização da violência

As situações da vida real, a violência do dia-a-dia, servem

de temática bem sucedida no VG. A quantidade de violência implícita e

explícita, como material lúdico, parece atrair bastante o jovem usuário.

Fazendo um paralelo com a vida real, pode-se supor que a violência nos

conteúdos dos jogos imitam a violência da vida real, com a diferença

que no VG a criança pode sair sempre vencedora e sentir que é

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poderosa. Enquanto que, na vida real, o medo faz parte do cotidiano e

contra ele pouco pode se fazer.

Quando se imagina como ensinar a uma criança a jogar VG,

para tentar descrever as "normas" de um jogo, as primeiras idéias que

aparecem são as que utilizam os verbos matar, eliminar, atirar, bater,

chutar, explodir, lutar, pular, etc., na relação entre a personagem

principal -comandada pelo usuário criança- e o(s) inimigo(s). O objetivo

é que o herói possa ganhar, vencer, obter, comprar, acumular, etc.,

benefícios que o levarão à vitória, já que cada obstáculo ou inimigo

eliminado transforma-se em maior pontuação.

E tudo isso ocorre num cenário quase mágico montado em

torno de ações de violência, apesar do atrativo das imagens. É o que

veremos.

Numa das fases do jogo "Castle of ilusions" (castelo das

ilusões), por exemplo, o conhecido camundongo Mickey, para salvar a

companheira Minie das garras da bruxa, entra no quarto de brinquedos -

todo cor de rosas- e, ao som de uma alegre musiquinha, deverá destruir

soldadinhos de chumbo, palhaços equilibristas, palhaços de molas,

moscas, e caixas de surpresas. O mais leve toque de um desses

brinquedos em qualquer parte do corpo de Mickey significa a perda de

energia e, depois, a perda de uma vida -ao que a criança diz: "morri!"-,

evitando que o herói passe para a seguinte fase e devendo iniciar

novamente toda a trajetória. Em compensação, ele conta com dois

tipos de armas, uma é do próprio corpo; as "bundadas" do Mickey são

conseguidas após pressionar por duas vezes consecutivas o botão de

pulo dos controles, cair de "bunda" num dos brinquedos significa

eliminá-los e ganhar pontos. Outra arma é uma pequena bola obtida

durante o percurso do jogo, basta se aproximar dela toda vez que

aparece no chão ou suspensa no ar e, quando necessário, atirá-la nos

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brinquedos também para se desfazer deles, para isso, o usuário precisa

pressionar o botão de tiros do controle.

Mas a situação que pode ser considerada como a mais

violenta está no momento em que o camundongo deve atravessar três

espécies de piscinas cheias de gelatina vermelha. Quando ele pula na

primeira, começa a ser sugado até sumergir engolido pela gelatina,

apesar do usuário pressionar desesperadamente o botão direcional dos

controles. Se consegue passar a primeira piscina, na segunda

provavelmente ele perca por causa do esgotamento dos dedos.

Novamente tentará salvar o camundongo que, lentamente, submerge na

gelatina. Enquanto isso, inúmeras moscas voam em torno das piscinas

tentando atingir o herói. Caso não se consiga passar as três piscina

com vida, a fase volta a ser iniciada e a tensão começa novamente.

Para atenuar essa cena tão dramática existem algumas

alternativas. Uma delas é atravessar as piscinas de "bundada em

bundada", para o qual é necessária muita energia e movimentos

precisos nas mãos do usuário -ele tem que coordenar movimentos,

direção e, ainda, se proteger das moscas ou caixas de surpresa que se

abrem inesperadamente- e, a outra, é utilizar o controle com "rapid fire"

(já fizemos referência a este tipo de controle na p. 66), o que permitiria

atravessar as piscinas com maior rapidez e menos sofrimento.

Vejamos um outro exemplo mais explícito.

Trata-se de "Street of Rage", cujo cenário é uma cidade

grande tomada pelo crime organizado que controla inclusive o governo e

a própria polícia. Três policiais resolvem combater esse mal e

enfrentam nas ruas os inimigos140. Como no exemplo anterior, neste

140. Em todos os jogos que cito neste trabalho, estou considerando principalmente o conteúdo que possa ser entendido a partir da operação dos mesmos, mas utilizo, para maiores esclarecimentos, as funções de intermediação das Revistas Especializadas -sobretudo o relato dos enredos e as dicas- tomando-as como contexto, além dos jogos gravados em fita de videocasette, bem como a minha própria experiência.

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jogo é necessária uma grande habilidade no manejo dos controles para

que o herói possa se valer de socos, rasteiras, voadoras, saltos mortais

e joelhadas e, quando necessário, acionar um carro da polícia carregado

de armas pesadas, para combater os criminosos. Cada golpe recebido

vem acompanhado de um lamento ou grito de dor, assim como também

é possível ouvir o impacto dos golpes, vidros quebrados, caixas de

correio arrebentadas, sirenes e, até, o barulho do vento. É tão realista

que escuta-se, também, o barulho da garganta do(s) herói(s) quando

engole(m) os alimentos encontrados no caminho (o que aumenta a sua

energia). Nessa trajetória pelas ruas, além de achar bolsas cheias de

dinheiro -que vão sendo guardadas pelo herói para transformá-las em

pontos-, acham-se, também espalhadas pelo chão, diversas armas

brancas. São facas, pedaços de pau, canos, ferros e quaisquer objetos

que sirvam para golpear o inimigo. O terror aumenta toda vez que

aparece maior número de inimigos pelas janelas, portas e ruas

simultaneamente, cada um deles com uma arma ou com um tipo de

golpe inesperado. O pior momento, quando culmina a violência, ocorre

no aparecimento e confronto com o chefe de cada uma das fases141. A

característica dessa personagem do mal, neste jogo, é que na medida

que ele consegue bater no herói aumenta seu tamanho e sua força, mas

quando recebe golpes do herói diminui até ser eliminado.

Em "Shadow Dancer", o herói é um ninja mascarado, que

ataca seus inimigos com uma lança, quando estão perto dele e com

Este jogo pode ter a participação de dois usuários simultaneamente, cada um manejando um controle para cada personagem selecionada. Isso não quer dizer que entre os dois heróis não possa surgir um confronto ou que o golpe ou tiro de um atinja acidentalmente o outro, com as mesmas consequências de perdas.

141. O chefe de cada fase está representado, em todos os jogos de VG, por aquele momento mais difícil do jogo em que aparece um ou dois inimigos, de tamanho e aparência monstruosas -em relação aos outros inimigos- e demanda uma ação mais eficaz por parte do usuário, tanto no manejo dos controles, quanto no conhecimento de estratégias. É por isso que, sendo relativamente fácil perder o jogo nesses momentos, as dicas e estratégias se tornam bastante úteis para o usuário e evitam que haja uma desistência dos jogos logo nas primeiras tentativas.

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estrelas mortais, quando longe. Toda a ação visa libertar prisioneiros

das forças do mal. A cada golpe há gritos de dor e sangue derramado.

Como em "Street of Rage", o herói percorre um caminho no meio de

fogo cruzado, esquivando-se de bombas, armas e golpes mortíferos

vindos do inimigo. O mais curioso, neste jogo, é o chefe de uma das

fases, trata-se da Estátua da Liberdade que, com o fogo vindo da sua

tocha, tenta matar o herói. Este, quando consegue eliminar a Estátua

da Liberdade, liberta os reféns por ela mantidos prisioneiros

Em "Strider", o herói desempenha a sua ação para salvar a

terra da chegada do demónio mas, antes tem que eliminar os amigos do

demónio que chegaram antes para preparar o terreno, melhor, a terra.

Curiosamente o cenário de fundo, onde se passa a ação, lembra as

construções dos palácios da antiga União Soviética -o Kremlin- e vários

dos chefes, monstros metálicos, seguram nas mãos duas armas, a foice

e o martelo. O herói pode ser degolado se não conseguir eliminar esse

"amigo do Demo que está na terra""amigo do Demo que está na terra""amigo do Demo que está na terra""amigo do Demo que está na terra"142. Por isso utiliza, bombas, fogo e

outras armas. A maior parte do jogo se passa, também, num cenário

perigoso, plataformas nucleares com todo tipo de armas perigosas e

maquinárias pesadas.

Em "Sonic" -um porco-espinho-, além de encantadores

bichinhos no ar que podem matá-lo, o herói tem que enfrentar piranhas

na água e corre o risco de, no caminho, cair num abismo e morrer

cravado em lanças espetadas no chão, apesar de que, quando isso

ocorre, o bichinho morre graciosamente.

"Super Thunder Blade" é um helicóptero a ser pilotado pelo

usuário e terá outras naves aéreas como inimigos que vão tentar

derrubá-lo. Em "Phelios", cujas personagens são da mitologia, o herói

142. É muito curiosa a transformação, no seu contrário, do que a Estátua da Liberdade simboliza, no jogo acima, assim como é curiosa a representação ideológica do bem e do mal neste jogo..

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é Apolo e voa com Pégasos na procura de Artemis. No percurso desses

jogos, e outros mais143, muito fogo e muitas bombas são lançados tanto

pelo herói, como pelos inimigos, é uma luta para morrer ou matar.

Em "Zoom", como será visto mais adiante, uma mão com

garras persegue o herói para devorá-lo, da qual o herói tenta escapar

numa corrida frenética quando o tempo se esgota.

Entre os jogos de esportes, apenas pode-se fazer referência

à violência nos jogos de boxe pelas suas próprias características, são

ganchos, socos, etc., como o jogo "James Buster Douglas", por

exemplo.

Enfim, trata-se de situações de violência como um dos

conteúdos lúdicos dos jogos. O que não quer dizer que disso se tirem

consequências negativas a influenciar o comportamento da criança, tal

como apontou a pesquisa de Cooper e Mackie (vide p. 25) -os autores

não acharam correlações significativas entre o uso de VG, jogar o

observar, e o comportamento interpessoal agressivo das crianças.

Também, não se trata de colocar a atividade lúdica com o VG como "o "o "o "o

lugar onde cabem todos os males aparentes da época moderna"lugar onde cabem todos os males aparentes da época moderna"lugar onde cabem todos os males aparentes da época moderna"lugar onde cabem todos os males aparentes da época moderna", tal

como foi feito na década de 50, através da campanha nacional contra os

quadrinhos (Mello Neto, 1988:255). Vamos, aqui, concordar com Dante

Moreira Leite que, combatendo essa campanha em 1961, dizia:

se vemos adolescentes a praticar se vemos adolescentes a praticar se vemos adolescentes a praticar se vemos adolescentes a praticar comportamentos imitados de heróis comportamentos imitados de heróis comportamentos imitados de heróis comportamentos imitados de heróis literários, podemos estar certos de que literários, podemos estar certos de que literários, podemos estar certos de que literários, podemos estar certos de que tais heróis foram, pela sua vez, criados tais heróis foram, pela sua vez, criados tais heróis foram, pela sua vez, criados tais heróis foram, pela sua vez, criados a partira partira partira partir de uma realidade social de uma realidade social de uma realidade social de uma realidade social contemporânea (...). Uma história contemporânea (...). Uma história contemporânea (...). Uma história contemporânea (...). Uma história carregada de agressividade talvez carregada de agressividade talvez carregada de agressividade talvez carregada de agressividade talvez contribua para diminuir, e não para contribua para diminuir, e não para contribua para diminuir, e não para contribua para diminuir, e não para

143. Por exemplo: Ghouls´n Ghost, Golden Axe, Alien Storm, Midnight Resistance com uma série de raios, luzes e explosões, que vieram à minha mente ao ver as cenas, na TV, da guerra entre os Estados Unidos e o Iraque.

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aumentar a agressividade do leitor aumentar a agressividade do leitor aumentar a agressividade do leitor aumentar a agressividade do leitor (apud Mello Neto, id. ibid.)

e supor, em primeira instância, que a violência como conteúdo lúdico

do VG faça uma espécie de exorcismo da violência real.144

8.8.8.8. A estranheza frente ao outroA estranheza frente ao outroA estranheza frente ao outroA estranheza frente ao outro

O VG, como um brinquedo destinado a um espaço fechado,

também é manipulado predominantemente por uma criança só.

Imaginamos o usuário, trancado no quarto com as mãos nos controles,

os olhos na tela e sozinho, como as próprias personagens que ele move,

onde basta a auto-suficiência para sobreviver e a ação sem limites com

o objetivo de vencer.

Trata-se do confronto com o outro, com o inimigo, para

medir forças ou habilidades, como o conteúdo lúdico principal e do qual

decorre o anterior, a violência.. A ação das histórias baseia-se

praticamente no jogo de forças entre o herói e muitos inimigos, sendo

preciso, para isso, uma ação completamente sem limites. Não deve

surpreender, então, que a criança grite entusiasmada "sou bom""sou bom""sou bom""sou bom" toda

vez que consegue eliminar algum inimigo.

Mesmo nos jogos que podem ser utilizados por dois usuários

simultaneamente, é possível colocar em confronto as personagens

144. Temos notícias de que os últimos jogos de VG, com cenas muito realistas e violentas (decapitação, corações arrancados dos peitos das personagens, etc.), devido à pressão da opinião pública inglesa, estariam passando por uma classificação, tal como as fitas de vídeo. O jogo "Nigth Trap", da Sega, passou por uma classificação solicitada pelos próprios fabricantes e recebeu o resultado 15, isto é, recomendado somente para jogadores com ou mais de 15 anos (Folha de São Paulo, 13/11/93;7:3). Por outro lado, pesquisadores da Universidade de Aston, nos Estados Unidos, mostram no seu livro Children and video games: an exploratory study, que a criança usuária de VG preocupa-se menos com a violência dos jogos, pois ela sabe discriminar a situação agressiva que envolve um jogo de uma situação real (Folha de São Paulo, 21/12/93;1:12).

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controladas por cada usuário, isto é, os heróis, mantendo-se, dessa

forma, a mesma relação de estranheza em que o outro é visto na

qualidade de inimigo em potencial. Vejamos um exemplo com

bastante detalhe do jogo que considerei possuir uma estrutura que se

repete em todos os jogos (vide p. 67).

8.1.8.1.8.1.8.1. "ZOOM""ZOOM""ZOOM""ZOOM" Apresentando o jogo.-

"Zoom" é um jogo de fantasia, segundo a classificação feita;

consiste na apresentação de uma seqüência de tabuleiros suspensos no

espaço e formados por quadrados, que devem ser percorridos um a um

pelo herói que, por sua vez, é um bichinho futurista, meio rato, meio

coelho. A cada fechamento de um quadrado ganham-se pontos e

"vidas" (isto é, oportunidades de continuar jogando) e uma vez

completado o fechamento de todos os quadrados do tabuleiro passa-se

à fase seguinte. Para conseguir o sucesso é necessário que o herói pule

obstáculos que podem prejudicá-lo e evite ou elimine os inimigos -uma

mão com garras, uma vassoura e outros a serem descritos mais

adiante- que aparecem para dificultar o jogo. Todas as fases são muito

parecidas, somente mudam a forma do tabuleiro e o cenário de fundo,

mas a ação é praticamente a mesma.

Parece uma história sem graça e repetitiva, mas quando

consideramos os recursos sofisticados do VG, ela se torna

extremamente atrativa, pois ao ritmo de diversas melodias, uma voz

incentivando a ação ("come on boy!"), cores, luminosidade, velocidade,

imagens e movimentos, o usuário criança se coloca como o herói.

Toda ação ocorre dentro de um cenário que simula a terceira

dimensão, sendo que, na medida em que o herói vai passando de uma

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fase a outra, acumulando pontos e "vidas" ou energias, o tabuleiro

aproxima-se gradativamente da terra apresentando uma série de

paisagens bucólicas ao amanhecer.

Essa é a história que se depreende diretamente do jogo,

mas quando se consulta o manual do jogo (somente disponível quando o

jogo é de fabricação nacional) e as revistas sobre VG, é possível

conhecer toda uma história rica em detalhes e com objetivos heróicos:

salvar a terra!, por exemplo. É dessa forma que na apresentação do

manual do jogo "Zoom" a história aparece assim:

Mister Smart atravessa o espaço a toda Mister Smart atravessa o espaço a toda Mister Smart atravessa o espaço a toda Mister Smart atravessa o espaço a toda velocidade! Ele está correndo para uma velocidade! Ele está correndo para uma velocidade! Ele está correndo para uma velocidade! Ele está correndo para uma curiosa batalha contra os espertíssimos curiosa batalha contra os espertíssimos curiosa batalha contra os espertíssimos curiosa batalha contra os espertíssimos Fantasmas dFantasmas dFantasmas dFantasmas do Espaço. o Espaço. o Espaço. o Espaço. Os Os Os Os Fantasmas colocaram campos de força Fantasmas colocaram campos de força Fantasmas colocaram campos de força Fantasmas colocaram campos de força mágica ao redor da Terra. Quando mágica ao redor da Terra. Quando mágica ao redor da Terra. Quando mágica ao redor da Terra. Quando Mister Smart atinge cada um desses Mister Smart atinge cada um desses Mister Smart atinge cada um desses Mister Smart atinge cada um desses campos, ele precisa deslizar com seu campos, ele precisa deslizar com seu campos, ele precisa deslizar com seu campos, ele precisa deslizar com seu skateskateskateskate ao redor dele, correndo mais ao redor dele, correndo mais ao redor dele, correndo mais ao redor dele, correndo mais que os Fantasmas e que os Fantasmas e que os Fantasmas e que os Fantasmas e capturando quadrados! capturando quadrados! capturando quadrados! capturando quadrados! MMMMasasasas hhhháááá uma surpresa! Cada campo apresenta uma surpresa! Cada campo apresenta uma surpresa! Cada campo apresenta uma surpresa! Cada campo apresenta certos ítens que Mister Smart pode certos ítens que Mister Smart pode certos ítens que Mister Smart pode certos ítens que Mister Smart pode agarrar para vencer os Fantasmas! agarrar para vencer os Fantasmas! agarrar para vencer os Fantasmas! agarrar para vencer os Fantasmas! Porém, ele precisa apressarPorém, ele precisa apressarPorém, ele precisa apressarPorém, ele precisa apressar----se! se! se! se! É uma batalha de habilidades e É uma batalha de habilidades e É uma batalha de habilidades e É uma batalha de habilidades e tempo, de movimentos rápidos e tempo, de movimentos rápidos e tempo, de movimentos rápidos e tempo, de movimentos rápidos e saltos! saltos! saltos! saltos! Os Fantasmas são tão Os Fantasmas são tão Os Fantasmas são tão Os Fantasmas são tão "vi"vi"vi"vivos" que, se Mister Smart esquecer vos" que, se Mister Smart esquecer vos" que, se Mister Smart esquecer vos" que, se Mister Smart esquecer que eles também são perigosos, corre o que eles também são perigosos, corre o que eles também são perigosos, corre o que eles também são perigosos, corre o risco de ser lançado num buraco negro!risco de ser lançado num buraco negro!risco de ser lançado num buraco negro!risco de ser lançado num buraco negro! (Manual do jogo Zoom, Tec-Toy, 1991).

No manual aparecem, também, os nomes e as

características pessoais das outras personagens que participam como os

inimigos, são dados que não aparecem nos cartuchos e que, na maioria

das vezes, o usuário criança ignora. Como o acesso aos manuais é

dificultado por diversos motivos, seja porque o usuário não pode

adquirir o cartucho nacional por seu preço elevado ou, ainda, porque o

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usuário não sabe ler, é necessário tomar como fonte a própria história

que pode ser entendida durante o jogo. Isso é válido, também, porque

qualquer narrativa que apareça no próprio jogo está escrita em inglês ou

japonês.

8.1.1.8.1.1.8.1.1.8.1.1. AlguAlguAlguAlgumas categorias descritivas de "Zoom".mas categorias descritivas de "Zoom".mas categorias descritivas de "Zoom".mas categorias descritivas de "Zoom".----

Herói-inimigo: O usuário assume o papel do herói quando os

controles do jogo comandam tão somente a figura principal. A

proporção é assimétrica, pois o herói solitário deve enfrentar sempre um

número superior de adversários. No caso de "Zoom", o herói que se

assemelha a um pequeno rato chamado Mr. Smart, enfrenta uma "mão

verde com garras" que o persegue constantemente, uma "vassoura

azul" que apaga as linhas do tabuleiro traçadas pelo herói, uma "bolha

azul e rosa" que flutua em várias direções, uma "bola com espinhos" -

parece um ouriço marinho- que aparece e desaparece repentinamente

em diversos lugares e, uma espécie de "lula". Se algum desses inimigos

encosta no herói, este último fica em desvantagem, perdendo uma vida

ou perdendo energia, o que o deixaria com movimentos mais lentos.

A desvantagem do herói, frente ao grande número de

inimigos, é compensada pelos recursos mágicos que, quando alcançados

por ele, podem ser convertidos em vantagens pessoais.

Pode-se dizer que esta é uma regra geral dos jogos de VG

observados. O herói é a personagem comandada pelo usuário e deve

vencer os inimigos e/ou os obstáculos com a ajuda de vários recursos.

Obstáculos-vantagens: Neste jogo, diferente de outros, não aparece

qualquer objeto que funcione como obstáculo, por exemplo, uma pedra,

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fogo, água, bombas, abismos, etc., que o herói tenha que evitar,145

Neste caso, os inimigos e a sua ação inesperada -aparecer desaparecer,

flutuar em várias direções- são os próprios obstáculos a serem vencidos,

pois quando um deles está muito próximo do herói, de tal forma que

este não possa mais fugir, é recomendável pular na direção oposta e por

cima do inimigo.

Sobre as vantagens, durante o jogo aparecem sete ítens

mágicos que favorecem o herói. São objetos que aparecem e

desaparecem rapidamente, se o herói estiver perto pode pegá-los e

adquirir alguns beneficios pessoais. A "banana", por exemplo, quando o

herói a pega, reduz a velocidade dos inimigos durante determinado

espaço de tempo, permitindo o maior fechamento de quadrados. O

"relógio de areia" paralisa, também durante um curto período de tempo,

todos os inimigos. O "sol" deixa por alguns instantes o herói invencível,

de tal forma que se os inimigos o pegam ele não é atingido. Os

"cogumelos" permitem um aumento na velocidade do herói, aumentam

pontos e reabilitam a energia perdida. A "asa", que rara e

inesperadamente aparece destrói todos os inimigos de uma vez só e

permite a passagem automática à fase seguinte, mesmo sem ter sido

completada a anterior. A "bala vermelha" e a a "azul" aumentam

pontos para o herói e, finalmente, a "estrela" é um item surpresa que

pode ser qualquer um dos outros ítens.146

145. Como nos jogos já referidos e outros mais como Fantasy, D.J. Boy, Wonder Boy, The revenge of Shinobi. Já os jogos de esporte, da mesma forma que Zoom, não apresentam obstáculos diferentes que não sejam os próprios competidores, como em Super Mônaco GP, Super Read Basketball ou Pit Fighter, entre outros.

146. Em outros jogos também o herói conta com uma série de vantagens, seja com recursos mágicos como em Golden Axe, Moonwalker, Ghouls n´ Ghost, Shadow of the Beast, Fantasia, e outros, seja com armas e máquinas de todo tipo, como em Eswat, Rambo III, Strider ou, mesmo, com alguma habilidade do próprio corpo, lembremos das "bundadas" do Mickey em Castle of ilusions, os golpes dos lutadores de artes marciais como Shinobi, Black Belt e outros. O tipo de item mágico também varia de jogo a jogo, se em Golden Axe um dos ítens é um alimento, em D.J. Boy, por exemplo, o item mágico é uma bolsa de dinheiro que pode se converter em pontos quando o herói a pega ou, também, pode ser uma combinação de ambos.

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Mas, o tempo é a grande vantagem e também o grande

obstáculo para o herói. Como vantagem pessoal, quando o herói fechou

todos os quadrados do tabuleiro e o tempo de jogo ainda não se esgotou

(cada fase tem um tempo específico) os segundos são convertidos em

pontos a favor, isso significa que quanto mais rapidamente for

completado o jogo, mais pontos para o herói, aumento de "vidas" e,

portanto, mais possibilidades de eliminar o inimigo. O tempo como

obstáculo ocorre quando o tempo do jogo se esgotou, nesse caso o

herói passa a ser perseguido por um número maior de inimigos, em

maior velocidade e acompanhado de música mais rápida, é como se o

mau uso do tempo fosse punido.

Já na maioria dos jogos observados, o tempo não é sempre

cronometrado, mas é importante, sim, de forma indireta. O que vale é

a energia acumulada que se traduz em "vidas" e, portanto, mais tempo

jogando.

Oportunidades-riscos: As oportunidades para o herói podem ser

ilimitadas. Para começar ele tem 3 "vidas". Isto é, 3 chances para cada

fase e, na medida que acumula pontos, pode aumentar as "vidas".

Também, existe sempre a oportunidade de continuar o jogo a partir do

último estágio que não se completou, isso faz com que o herói não

precise começar desde o início e possa, sem perda de tempo, passar de

fases. A possibilidade de continuar o jogo representa a oportunidade do

herói adquirir uma certa prática e não ser eliminado logo nas primeiras

tentativas.

Às oportunidades contrapõem-se os riscos, as primeiras

possibilitam a continuação do jogo, os segundos devem ser evitados, já

que podem representar a derrota. Ficar muito próximo de um inimigo,

por exemplo, é um risco a ser evitado pelo herói, sendo inútil uma

tentativa de virada ou um pulo salvador de última hora. Outro risco

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encontra-se na aparição repentina de determinados inimigos no local em

que se encontra o herói; pegar algum item num local muito próximo ao

inimigo é também arriscado, assim como demorar muito tempo na

procura de todos os ítens que aparecem, deixando em segundo plano,

por exemplo, o fechamento de quadrados para passar à fase seguinte.

Prêmios-castigos: Todo movimento rápido do herói, seja de fuga dos

inimigos, de pegar os ítens mágicos ou de fechamento de quadrados do

tabuleiro é premiado com pontos e mais vidas, o que significa a

possibilidade de continuar na corrida pela vitória. O prêmio está

imediatamente relacionado ao desempenho do herói, se ele consegue

burlar a perseguição dos inimigos será premiado com um dos ítens

mágicos que o auxiliam, como foi visto anteriormente. Agora, se o

tempo está se esgotando e o herói não completou o jogo -o que significa

um aumento no número de inimigos, como também já foi visto- existe

sempre a chance de aparecer, por exemplo, a "asa" e eliminar os

inimigos de uma vez só.

Até o último momento, é possível que o herói vença os

inimigos e as constantes ameaças de derrota. E sendo o castigo adiado,

há um grande incentivo para continuar lutando pela vitória. Nesse

sentido, o reforço positivo para o herói (não importa o nível do seu

desempenho) é uma espécie de promessa de vitória.

O bem-o mal: Na luta do herói contra seus inimigos instala-se a

disputa maniqueísta. Mr. Smart tem que eliminar a mão verde que o

persegue, por exemplo, para salvar a terra. Apolo, em Phelios, tem que

destruir a Medusa para salvar a amada, Rambo III tem que salvar um

coronel preso pelos soviéticos no Afeganistão. Mas, mesmo o usuário

não conhecendo a história, ele, enquanto herói, sabe que a sua função

é sempre derrotar os outros, os inimigos.

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Trata-se, em último caso, da constante tentativa de procurar

a vitória sobre os perseguidores, a mão, a bolha, a vassoura, etc. -os

outros- e nessa procura, a causa nobre que teria desencadeado toda

essa ação fica relegada a um plano quase imperceptível.

Enfim, pode-se dizer que estas categorias se repetem nos

diversos jogos, variando as personagens, os cenários e a música.

(embora que estes últimos às vezes se repetem com pequenas

variações nos diversos jogos).

No que se refere à operação dos jogos, a mesma relação de

estranheza aparece. O mundo em volta do usuário parece desaparecer

para dar lugar ao mundo que aparece na tela da TV e que,

supostamente, é controlado por ele. A atenção totalmente voltada nos

controles e na tela faz com que aumente a tendência do usuário

substituir qualquer interação humana por um isolamento em que o outro

aparece sempre como o inimigo e, portanto, estranho a si mesmo.

Os próprios usuários de VG, como mostrou a pesquisa de

Selnow (vide p. 24), parecem preferir mais esse isolamento. O mundo

do VG substitui as necessidades de companhia e os "inimigos" são mais

interessantes como desafios para um herói.

Com relação às Revistas Especializadas, chama a atenção

que o contato estabelecido entre usuários de VG, além de serem

contatos para possíveis "transações comerciais" -compra, venda, troca e

locadoras disfarçadas de clubes- ou para informações, são contatos

possíveis a partir de desafios, de duelos, onde um será o vencedor. Um

exemplo da falta do limite, (que não deixa de ter graça) é a carta de

uma menina que diz: """"desafio qualquer `moleque' a me vencer no jogo desafio qualquer `moleque' a me vencer no jogo desafio qualquer `moleque' a me vencer no jogo desafio qualquer `moleque' a me vencer no jogo

Indiana Jones e a última cruzada, do Master System. Aposto o Bit Indiana Jones e a última cruzada, do Master System. Aposto o Bit Indiana Jones e a última cruzada, do Master System. Aposto o Bit Indiana Jones e a última cruzada, do Master System. Aposto o Bit

System do meu irmão"System do meu irmão"System do meu irmão"System do meu irmão"147 ou, "desafio qualquer pessoa viciada em "desafio qualquer pessoa viciada em "desafio qualquer pessoa viciada em "desafio qualquer pessoa viciada em

147. Ação Games, nº 10, p. 5, 1992.

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Jogos de Verão (...) a me vencer na etapa de BMX"Jogos de Verão (...) a me vencer na etapa de BMX"Jogos de Verão (...) a me vencer na etapa de BMX"Jogos de Verão (...) a me vencer na etapa de BMX";148 "desafio "desafio "desafio "desafio

qualquer ser vivo qualquer ser vivo qualquer ser vivo qualquer ser vivo (pode ser extraterrestre ou morto) a bater meu (pode ser extraterrestre ou morto) a bater meu (pode ser extraterrestre ou morto) a bater meu (pode ser extraterrestre ou morto) a bater meu

recorde de 9.999.990 nos jogos (...) Quem for macho a aceitar esse recorde de 9.999.990 nos jogos (...) Quem for macho a aceitar esse recorde de 9.999.990 nos jogos (...) Quem for macho a aceitar esse recorde de 9.999.990 nos jogos (...) Quem for macho a aceitar esse

desafio, entrar em contato..."desafio, entrar em contato..."desafio, entrar em contato..."desafio, entrar em contato...";149 e outras inúmeras cartas que

começam assim: "desafio qualquer ser vivo terrestre (ou alienígena)..."; "desafio qualquer ser vivo terrestre (ou alienígena)..."; "desafio qualquer ser vivo terrestre (ou alienígena)..."; "desafio qualquer ser vivo terrestre (ou alienígena)...";

"desaf"desaf"desaf"desafio qualquer `pretendente'..."; "desafio qualquer ser humano..."; io qualquer `pretendente'..."; "desafio qualquer ser humano..."; io qualquer `pretendente'..."; "desafio qualquer ser humano..."; io qualquer `pretendente'..."; "desafio qualquer ser humano...";

"desafio qualquer gamemaníaco..."; "desafio qualquer espécie de vida "desafio qualquer gamemaníaco..."; "desafio qualquer espécie de vida "desafio qualquer gamemaníaco..."; "desafio qualquer espécie de vida "desafio qualquer gamemaníaco..."; "desafio qualquer espécie de vida

existente na imensidão do universo a me vencer ..."; ou, "desafio existente na imensidão do universo a me vencer ..."; ou, "desafio existente na imensidão do universo a me vencer ..."; ou, "desafio existente na imensidão do universo a me vencer ..."; ou, "desafio

qualquer pessoa deste mundo a me vencer no jogo ..."qualquer pessoa deste mundo a me vencer no jogo ..."qualquer pessoa deste mundo a me vencer no jogo ..."qualquer pessoa deste mundo a me vencer no jogo ...".

9.9.9.9. Os jogos de VG: um discurso audiovisual deOs jogos de VG: um discurso audiovisual deOs jogos de VG: um discurso audiovisual deOs jogos de VG: um discurso audiovisual de

9.1.9.1.9.1.9.1. CONDICIONAMENTO OPERCONDICIONAMENTO OPERCONDICIONAMENTO OPERCONDICIONAMENTO OPERANTEANTEANTEANTE

Vimos que os jogos de VG se desenrolam a partir de ações

do herói que podem ser coroadas com prêmios ou receber castigos. Os

prêmios, ou numa linguagem behaviorista os reforços positivos, são os

pontos, a energia, as armas e os recursos mágicos de que dispõe o

herói. E, como consequência, a uma ação mal sucedida uma punição,

como "morrer", virá e/ou um reforço negativo - por exemplo, não

recuperar a energia.

Vejamos como isso se opera num dos jogos:

Em "Golden Axe", o herói pode ser selecionado entre três

personagens, Ax-Batter, um bárbaro, Tyris-Flare, uma amazona e

Gillius, um anão. O enredo deste jogo conta que o "maligno lorde Dark

Guld" atacou o mundo e, nisso, apropriou-se de um machado dourado

148. Id. ibid. 149. Idem, nº8, p. 12, 1991.

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(Golden Axe), símbolo da paz e da prosperidade. Cabe ao herói

resgatar o machado e restituir a ordem. Antes de iniciar o jogo, o

usuário, além de selecionar seu herói, vai selecionar determinadas

condições de jogo na tela das opções, tal como nível de dificuldade

(easy, normal e hard), tipo de mágica a ser utilizada pelo herói e,

rearranjo das funções A, B ou C, se se quiser mudar a ordem. Na

mesma tela, o usuário poderá testar o som: o B.M.G permite ouvir as

16 variações de músicas de fundo usadas no jogo e, o S.E. permite

ouvir os 35 efeitos sonoros. Sendo dois usuários a jogar, poderão

escolher o modo "duelo" e cada um escolherá um dos heróis, neste

último caso desaparecem os diversos inimigos e trava-se uma luta de

morte em que um será o vencedor. Uma vez situado o cursor no lugar

desejado -utilizando o botão direcional- pressiona-se o botão "start"

para efetuar a seleção.

Começa o jogo e temos os seguintes possíveis movimentos

dos controles e a sua relação com a ação do herói:

1. Pressionar botão A, do lado direito do controle: o herói vai usar a

mágica.

2. Pressionar o botão B: o herói vai atacar com um tipo específico

de ação, por exemplo, o anão vai avançar em direção ao inimigo

usando seu machado, o bárbaro vai fazer movimentos de giro com a sua

espada e a amazona vai atacar de costas .

3. Pressionar o botão C: O herói vai pular.

4. Pressionar o botão D à direita, à esquerda, para cima e para

baixo: o herói avança nessas direções.

5. Pressionar o botão B -ataque- e o botão C -pulo- simultaneamente

e o usuário vai ter um novo tipo de ataque, específico para cada um dos

heróis.

O usuário começará pressionando cada um desses botões

em separado para conhecer o herói para, depois, fazer as combinações

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possíveis, recebendo os reforços mencionados. Se pressiona o botão de

ataque e o herói derruba o inimigo, isso transforma-se em pontos -é o

reforço positivo, por exemplo. Assim temos que, pressionar os botões

B e C, ao mesmo tempo, significa que a amazona fará um ataque com

salto para trás, o bárbaro dará um salto com giro e de complemento

um ataque na sua retaguarda e, o anão dará um pulo girando ao redor

de si mesmo com seu machado.

Mas os movimentos vão mais além,

6. Pressionar o botão D, duas vezes para direita ou para esquerda,

para cima ou para abaixo, o herói corre nessas direções.

7. Pressionar o botão B -ataque- e o botão D -corrida-

simultaneamente, o herói pode dar um violento golpe com a cabeça,

uma pancada com o corpo ou uma voadora, dependendo da

personagem selecionada.

8. Pressionar o botão C -pulo- e o botão D várias vezes -corrida-

simultaneamente, o herói vai mais longe, mais rápido e mais alto.

9. Pressionar o botão C, depois B e D simultaneamente, o herói

repete a ação anterior, mas mudando a posição de sua arma.

Esses e outros movimentos podem ser conseguidos

pressionando de forma combinada os botões, é isso que o usuário vai

testar durante o jogo.

O jogo começa no momento em que o usuário pressiona o

botão D e o herói avança à direita, imediatamente aparecem os

inimigos.150 No decorrer das cenas aparecem os chamados ítens

mágicos com determinadas funções que favorecem o herói, para isso é

preciso que ele, além de lutar com o inimigo, os agarre. Neste caso,

basta que o herói se aproxime do item -pressionando o botão D-, em

150. Em alguns jogos a ação se passa de forma linear de esquerda para direita, em outros, a ação ocorre com idas e voltas, mas com o objetivo de avançar à direita para passar de fase. Em outros jogos, principalmente os que tem a sua ação no ar, o movimento ocorre de baixo para cima ou de trás para frente.

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outros jogos é necessário que, além de uma aproximação, o herói se

agache -pressionando de forma combinada os botões- para pegá-los.

Eles são, por exemplo, um livro, um pedaço de pão ou de carne. E isto

significa que o usuário vai coordenar todos os movimentos de forma

que, sem se descuidar dos ataques inimigos, o herói se aproxime dos

ítens para ganhar energia, pontos, etc., o que não quer dizer que, ao

menor descuido, o herói não possa vir a morrer.

Mas esses estímulos vindos do VG não operam com reforços

no herói e sim, no comportamento do usuário. Na realidade, não é o

herói quem receberá um reforço positivo por ter atingido seu inimigo

com um golpe certeiro da sua espada, mas os reforços virão para uma

ação real, isto é, a coordenação de movimentos dos dedos do usuários

nos controles, frente a cada imagem e que movimentam o herói em

cada cena. O prêmio para o usuário se traduz em mais

oportunidades para continuar o jogo -"mais vidas", diria uma criança-

, para chegar a fases mais adiantadas com uma boa pontuação e, em

última instância, a vitória; o castigo é o famoso "game over" ou o jogo

acabou, que significa começar tudo de novo, perdendo o que tinha se

conquistado. Mas, o que faria à criança, recomeçar sempre de novo se

não fosse esse esquema de reforços para manipular os controles?

Isso é fácil de observar inclusive na própria organização das

sequências em fases, trata-se de uma cadeia de pequenos conjuntos de

ações, ou comportamentos esperados do usuário, progressivamente

mais complexos e condicionados por esse esquema de reforços. É

assim, que o chefe de cada fase nunca aparece logo nas primeiras

sequências. De outra maneira, é bem provável que o usuário, frente a

requisitos muito além das suas possibilidades, desista rapidamente do

jogo, o que não ocorre. Aqui, pode-se concordar com Malone (vide p

21), apenas no que diz respeito a aproximações sucessivas, quando

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atribui o sucesso do VG ao desafio, em escala de ordem crescente de

dificuldades.

Trata-se de uma forma muito eficiente de manter o usuário

criança durante longas horas manipulando os controles. Pois, o atraente

do VG está, não somente nos inúmeros recursos tecnológicos (imagens

bastante sofisticadas nos seus detalhes, cores e movimentos, como já

foi apontado) mas, também, na satisfação de uma possível vitória ou,

pelo menos, de uma pontuação elevada para o usuário.

Em outras palavras, o arranjo das contingências visa

alcançar o comportamento necessário para manipular com sucesso os

controles.

Mas, se consideramos que o usuário identifica-se com o

herói, e sente -e verbaliza também- "como se" tivesse sido premiada a

sua destreza com a espada -"matei!"- e não "percebe" que, na

realidade, foi premiada a sua habilidade em pressionar rápida e

simultaneamente os botões do controle, direi que ocorre uma espécie de

mimese entre a criança e o herói -entre o pressionar de botões do

usuário e os logros do herói na tela. Dessa maneira, a criança gritará:

"ganhei", "derrubei o chefe", "sou bom!".151

Mas, se há uma identificação entre o usuário e o herói, se

ambos se mesclam e se confundem como se fossem um só, de que

estaria falando o discurso audiovisual se não de comportamentos

"individualmente desejáveis", de poder, de confronto, de um vencedor?

151. Essa fusão entre a criança e o herói aparece, também, nas Revistas Especializadas quando no relato dos enredos dos jogos coloca-se o usuário no lugar do herói (vide p. 80).

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O HERÓI, A CRIANÇA E A UNICIDADE O HERÓI, A CRIANÇA E A UNICIDADE O HERÓI, A CRIANÇA E A UNICIDADE O HERÓI, A CRIANÇA E A UNICIDADE ---- CONCLUSÕESCONCLUSÕESCONCLUSÕESCONCLUSÕES

Propus-me a fazer um passeio pelo mundo do VG, para

entender porque esse tipo de atividade lúdica atrai tanto a criança

(também os pais), que é capaz de transformar numa só toda a riqueza

da diversidade da sua atividade lúdica -a sua atividade humanizadora-

e, a partir disso, tentar refletir sobre as implicações desse brincar na

relação criança-mundo. Trilhei meu caminho baseada na suposição de

que nessa relação criança-mundo, através do VG, haveria uma fenda

entre o particular e o genérico, o individual não se reconhecendo como

universalidade. Para isso recorri, não somente ao próprio VG, seus

jogos e acessórios, mas também a tudo aquilo que o complementa

imediatamente, como as Revistas Especializadas e a sua

comercialização. Menos por ambição desmedida de querer esgotar o

tema nesta dissertação, e mais por considerar que existem inúmeras

determinações, é que fiz um tateio dos diversos aspectos que dizem

respeito ao VG, enquanto atividade lúdica. Dessa forma, alguns dados

vieram como pequenas chamas a iluminar. Vejamos.

Foi visto que a violência é um dos conteúdos lúdicos dos

jogos de VG e é necessária para sustentar um outro conteúdo lúdico: a

estranheza frente ao outro. Também, foi visto que nessa luta pela

vitória, na manipulação dos controles, há uma identidade entre a figura

do herói e o usuário, de tal forma que este, na pele da personagem

principal, trava uma luta de morte com os inimigos. Talvez isso, e

muito mais, seja o que tanto atrai a criança e seja o motivo pelo qual

ela faz tudo por um Mega Drive.

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A procura de vitória. nos jogos, destina-se a um herói, que

é a personagem principal de cada enredo e é aquela que o usuário vai

movimentar através dos controles. Mas, trata-se de uma vitória

possível somente e na medida em que outros, os inimigos, os não

heróis, possam ser eliminados. Para isso, é preciso que o herói lute e

muito, ajudado por inúmeros recursos, de tal forma que sua força se

multiplique para os tantos inimigos a matar. Dessa forma, considerei

que a violência aparece totalmente banalizada na ação do herói, porque

ele vai ter que vencer seus inimigos aos socos, pauladas e pontapés,

com facas e machados, com bombas, fogo e tiros, não adiantando fugir

deles porque sempre estão por perto a persegui-lo.

Mas, quando me dediquei à parte da operação dos jogos,

seja manipulando-os -aprendi razoavelmente e até me "especializei" um

pouco no pressionar de botões-, seja observando crianças fazê-lo,

percebi que o prazer vindo dessa atividade lúdica não era o fato de

conseguir coordenar movimentos de olho-mão na tela mas, sim, no fato

de achar que estava realmente saindo vitoriosa ao eliminar meus

inimigos, porque eu também já me senti o Mickey, o ninja, o policial

honesto, o guerreiro, o herói. Da mesma forma que os meus "pilotos",

quando paciente e prazerosamente me falavam dos jogos diziam: "eu

sou... e tenho que matar..., para que eu possa vencer e...". Assim, me

deparei com o fato de que nos jogos de VG ocorre uma forma de

mimese entre o usuário e o herói, por um processo de identificação. E

tomei essa fusão como sendo a chave do atrativo desse brinquedo para

a criança.

E se há uma tal identificação entre o herói e o usuário, e o

brincar se passa como se o usuário fosse o herói, então não haveria,

também, uma procura de vitória do ser único no usuário-herói? Com

isso não quero dizer que literalmente o usuário sairia pelas ruas

eliminando os outros. Mas, em outras palavras, tratar-se-ia da

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exaltação da figura do vencedor, porém nos seus aspectos mais

negativos, mais unilateralizadores a cindir o individual da

universalidade. Seria, pois, a verdadeira versão do winner que, no seu

aspecto ideológico, vem representar o indivíduo na procura da vitória,

ou como já a tendo conquistado, através de determinadas qualidades,

tais como a perseverança, a dedicação, a integridade de sentimentos, a

honestidade, desempenhando ações nobres e humanitárias, etc., isto é,

um particular transvestido utilitariamente de sentido genérico. Porque a

cada vencedor, há um ou muitos derrotados, como o herói que elimina

seus inimigos. O vencedor é a unicidade no seu imediatismo,

pragmatismo e utilitarismo. E a exaltação do individualismo, a

competitividade e a atenção para tudo aquilo que pode ser convertido

em vantagens pessoais são propriedades desejáveis do indivíduo

vencedor.

Assim, falar de uma atividade lúdica que exalta a idéia da

unicidade, na relação criança-mundo, seria falar do enclausuramento da

criança em si mesma, como idéia, como poder ilimitado e absoluto,

seria, pois, pensar na criança sem freios na sua particularidade para se

perceber como um ser social, genérico.152 Particularidade sem freio na

figura do herói encarnado pela criança, que tudo destrói, que avança e

arrasa e ganha e acumula, particularidade exacerbada quando o brincar

com outros -outros no sentido do reconhecimento da alteridade-

aparece despojado do seu valor socializante, pois a alteridade, nos jogos

de VG, aparece como ameaçadora e contrária à exaltação do único.

152. Tomamos a socialidade como uma primeira aproximação da genericidade: "(...) numa primeira aproximação, a genericidade é idêntica à socialidade, mas a sociedade, a estrutura social de uma sociedade dada, numa época dada, não encarna (ou não encarna completamente) a genericidade, o desenvolvimento genérico" (Heller, 1987:33).

Dizer quer a criança está voltada para si mesma não implica necessariamente no seu isolamento e distanciamento físico das outras pessoas, aliás, entre os pontos de identificação de um grupo de crianças, no sentido psicológico, tem-se o VG, entre outros, como tema de interesse comum.

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Mas, mesmo o homem mais particular, diz Heller, deve

dominar seus afetos para "existir no mundo", isto é, "as exigências "as exigências "as exigências "as exigências

genéricas genéricas genéricas genéricas ----assim como o resto das exigências sociaisassim como o resto das exigências sociaisassim como o resto das exigências sociaisassim como o resto das exigências sociais---- somente podem somente podem somente podem somente podem

afirmarafirmarafirmarafirmar--------se atrase atrase atrase através da repressão ou do 'desvio' dos afetos e vés da repressão ou do 'desvio' dos afetos e vés da repressão ou do 'desvio' dos afetos e vés da repressão ou do 'desvio' dos afetos e

características particulares do particular"características particulares do particular"características particulares do particular"características particulares do particular" (1987:86).

. Nesse sentido, o que oferece o VG, em termos de atividade

humanizadora, se não tirar o freio para dar rédea solta à volúpia da

particularidade?

Este vencedor, no seu sentido mais negativo, como apontei,

é um ponto de chegada para a reflexão das implicações do uso de VG

para a relação criança-mundo, sobretudo o que se refere à exaltação do

poder sem limites para a criança. E, constitui-se um ponto de partida

para um estudo mais aprofundado com a personagem principal desse

brincar, a criança. Talvez o mais importante, daqui para frente, seja

sair da fase quase exclusivamente descritiva, e perguntar diretamente à

criança acerca desse vencedor.

Trata-se, em última instância, de um paradoxo entre a

restrição e ampliação da relação criança-mundo. Ao mesmo tempo que

o uso do VG impõe uma severa restrição do espaço lúdico, com as

consequências já mencionadas, a sua tecnologia promete ampliar quase

que ilimitadamente o universo da criança. com recursos que dão a

profunda sensação de poder na pele do herói dos jogos.

E isso, relacionado ao status de pleno consumidor,

potencializa ainda mais o sentimento de poder que vem tomando conta

da criança nesse brincar.

Com este pequeno trabalho não pretendo fazer do VG o

instrumento maligno a favor do "vencedor". Unicamente pretendo

chamar a atenção de educadores, no seu sentido bastante amplo, para

voltar um pouco os olhos para aquilo que está se oferecendo à criança

como uma atividade lúdica quase exclusiva e que exalta a ação sem

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limites.153 E também, para pensar se é que dada a riqueza

deslumbrante da tecnologia nesse brinquedo especificamente, não se

poderia, também, com a mesma inteligência, oferecer meios nos quais

a criança, através da sua atividade lúdica, possa se apropriar inclusive

de tudo aquilo em que o homem objetivou a sua humanidade de forma

universal.

Finalmente, aponto alguns problemas com que me deparei

durante a elaboração deste trabalho.

O Mega Drive, na época em que o escolhi como sendo o

aparelho de tecnologia mais sofisticada, hoje não o é mais, pois temos,

no Brasil, outros aparelhos mais sofisticados, o Mega-CD ROM, por

exemplo, de 32 bits. Por outro lado, encontrei bastante dificuldade

para definir quais seriam os jogos de preferência dos usuários devido à

rapidez com que ocorriam os lançamentos. A tal ponto que, enquanto

nas revistas se anunciava um lançamento ocorrido nos Estados Unidos e

no Japão, aqui as crianças já estavam com o cartucho na mão, de tal

forma que surgiu o problema: como avaliar a preferência do usuário

somente pelas revistas?

Entre os problemas metodológicos, o primeiro foi pensar em

como começar com um tema com pouca ou nenhuma bibliografia

disponível e, mesmo tendo acesso aos estudos estrangeiros, com

exceção da tese de Keller, o problema estava na escassez de dados

153. Por exemplo dos pais que, para se pouparem de um incômodo razoável, estão optando por oferecer inclusive nas festas de aniversário dos seus filhos uma sessão intensiva de VG, para o qual já existem, nas grandes cidades, serviços especializados de locação completa. É isso que noticia o artigo da Folha de São Paulo (18/07/93;8:1) intitulado "Alugar game para festa é bom negócio". Trata-se da chamada "`animação eletrônica de festas infantis, onde palhaços cedem lugar para monitores de TV e aparelhos de videogame" . Por outro lado, é importante apontar que, também, estão surgindo alguns indicadores da preocupação dos adultos com essa forma quase exclusiva do brincar. Noticias recentes anunciam a fabricação de um aparelho que desliga automaticamente o console de VG, após o tempo de uso determinado pelos pais. dosando dessa maneira essa atividade lúdica. A isso acrescento a frequência com que os meios de comunicação estão organizando debates e reportagens sobre o VG e a criança.

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mais detalhados sobre esses estudos, pois, em curtos artigos os

procedimentos e resultados vinham de forma muito simplificada.

Enfrentei, também, o problema de não contar com uma

técnica específica para analisar os jogos que, como disse, ficou num

plano quase que exclusivamente descritivo. No entanto, creio que

surgiram alguns indicadores que poderão orientar o trabalho numa

direção mais elaborada.

E, para um eventual interesse do leitor no tema VG, incluo

no final deste trabalho uma bibliografia especializada.

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