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PODER JUDICIÁRIO Gabinete do Desembargador Ney Teles de Paula AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 350560-95.2010.8.09.0000 (201093505605) COMARCA : GOIÂNIA REQUERENTE : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS REQUERIDO : CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO MIGUEL DO ARAGUAIA RELATOR : Desembargador NEY TELES DE PAULA EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIO- NALIDADE. I – Compete ao Tribunal de Justiça do Estado o julgamento da constitucionalidade de lei municipal tendo como parâmetro preceito da Constituição Federal de observância obrigatória pela Constituição do Estado de Goiás, em face do princípio da simetria. II – É inconstitucional a previsão de pagamento de qualquer tipo de verba aos agentes políticos, que não seja o subsídio, inclusive décimo terceiro salário ou a qualquer título em decorrência de convocação extraordinária dos vereadores (art. 39, § 4º da CF e art. 94, § 3º da CE). III – Reveste-se de inconstitucionalidade o percebimento, por vereador, de subsídio, a qualquer 1

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PODER JUDICIÁRIO

Gabinete do Desembargador Ney Teles de Paula

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Nº 350560-95.2010.8.09.0000 (201093505605)

COMARCA : GOIÂNIA

REQUERENTE : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO

DE GOIÁS

REQUERIDO : CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO MIGUEL

DO ARAGUAIA

RELATOR : Desembargador NEY TELES DE PAULA

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIO-

NALIDADE. I – Compete ao Tribunal de Justiça do

Estado o julgamento da constitucionalidade de lei

municipal tendo como parâmetro preceito da

Constituição Federal de observância obrigatória pela

Constituição do Estado de Goiás, em face do

princípio da simetria. II – É inconstitucional a

previsão de pagamento de qualquer tipo de verba

aos agentes políticos, que não seja o subsídio,

inclusive décimo terceiro salário ou a qualquer título

em decorrência de convocação extraordinária dos

vereadores (art. 39, § 4º da CF e art. 94, § 3º da

CE). III – Reveste-se de inconstitucionalidade o

percebimento, por vereador, de subsídio, a qualquer

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título, superior a 30% do subsídio dos Deputados

estaduais, inteligência do artigo 29, VI, b, da CF e

68, § 7º, II, da CE. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos,

acordam os componentes da Corte Especial do egrégio Tribunal de

Justiça do Estado de Goiás, à unanimidade de votos, em julgar

procedente a ação, de conformidade com o voto do relator.

Votaram, além do relator, Des. Rogério Arédio

Ferreira, Des. Leobino Valente Chaves, Des. Gilberto Marques Filho,

João Waldeck Felix de Sousa, Des. Walter Carlos Lemes, Des. Luiz

Eduardo de Sousa, Des. Camargo Neto (convocado Des. Leandro

Crispim), Des. Jeová Sardinha de Moraes (convocado Des. Alan S.

De Sena Conceição, Des. Fausto Moreira Diniz (convocado Des.

Itaney Francisco Campos), Des. Carlos Alberto França (convocado

Des. Zacarias Neves Coelho, Des. Amaral Wilson de Oliveira

(convocado Desª. Amelia Martins de Araújo), Des. José Lenar de Melo

Bandeira, Des. Paulo Teles, Desª. Beatriz Figueiredo Franco e Des.

Floriano Gomes. Ausente justificado Des. Kisleu Dias Maciel Filho.

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Fez-se presente, como representante da

Procuradoria Geral de Justiça, Dr. Abrão Amisy Neto.

Goiânia, 09 de maio de 2012.

Desembargador Ney Teles de Paula

Relator

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PODER JUDICIÁRIO

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Nº 350560-95.2010.8.09.0000 (201093505605)

COMARCA : GOIÂNIA

REQUERENTE : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO

DE GOIÁS

REQUERIDO : CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO MIGUEL

DO ARAGUAIA

RELATOR : Desembargador NEY TELES DE PAULA

R E L A T Ó R I O e V O T O

O Ministério Público, por seu representante, o

Procurador-Geral de Justiça do Estado de Goiás, no exercício de

suas atribuições constitucionais e legais, conferidas pelo artigo 129,

inciso IV, da Constituição Federal, artigo 29, inciso I, da Lei Federal

8.625, de 12 de fevereiro de 1993, artigos 60 e 117, inciso IV, ambos

da Constituição Estadual e artigo 52, inciso II, da Lei Complementar

Estadual nº 25, de 06 de julho de 1998, propõe AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido de medida cautelar, em

face da Emenda à Lei Orgânica Municipal número 14, de 19 de

fevereiro de 2004, que alterou seu artigo 14, inciso I, e artigos 4º e 5º

da Lei 549, de 04 de setembro de 2008, do Município de São Miguel

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do Araguaia.

Relata que a Emenda à Lei Orgânica Municipal 14,

do Município de São Miguel do Araguaia modificou a redação do

artigo 14, inciso I, daquela Lei Orgânica, conferindo aos agentes

políticos daquela municipalidade o direito ao percebimento de décimo

terceiro salário, com base no subsídio integral recebido.

Argumenta que a referida Emenda fere os artigos 18,

29, 39, parágrafo 4º, da Constituição Federal, bem como os artigos

2º, parágrafo 2º, 62 e 92, da Constituição Estadual, ferindo os

princípios constitucionais da administração pública, bem como norma

que veda o percebimento de qualquer acréscimo, gratificação,

adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie

remuneratória.

Narra que a Lei 549, de 04 de setembro de 2008,

fixou, em seu artigo 4º, o subsídio do Presidente da Câmara

Municipal daquele Município em R$ 4.829,80 (quatro mil oitocentos e

vinte e nove reais e oitenta centavos), para as legislaturas de 2009 a

2012.

Assevera que o subsídio fixado para o Presidente da

Câmara de Vereadores do Município em questão supera o limite de

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30% (trinta por cento) do subsídio percebido pelos Deputados

Estaduais, nos termos artigo 29, inciso VI, b, da Constituição Federal,

para Municípios com população entre 10.001 e 50.000 habitantes,

situação em que se encontrava, à época, o Município em comento.

Por fim, ataca o artigo 5º da lei acima citada, que

estabelece remuneração aos vereadores no caso de sessão

extraordinária convocada pelo Chefe do Poder Executivo Municipal

no período de recesso parlamentar.

Alega que a Emenda Constitucional 50/2006 alterou

o parágrafo 7º do artigo 57 da Constituição Federal, vedando o

pagamento de parcela indenizatória em razão de convocação de

sessão legislativa extraordinária.

Colaciona julgados deste Egrégio Tribunal de

Justiça, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, bem como do

Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que declararam a

inconstitucionalidade das leis municipais com o mesmo conteúdo das

normas atacadas.

Reforça o argumento de possibilidade de

questionamento de constitucionalidade de Lei municipal em face da

Constituição Federal através de um julgado do Colendo Supremo

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Tribunal Federal, nos casos de se utilizar como paradigma norma da

Constituição Estadual remissiva à Constituição Federal.

Invoca a presença dos pressupostos autorizadores

da concessão da tutela cautelar, quais sejam, o fumus boni iuris, que

decorre da fundamentação da arguição de inconstitucionalidade

articulada e o periculum in mora, presente por se tratar de verba

pública, de percebimento mensal e periódico pelos agentes políticos,

o que onera ilicitamente os cofres públicos.

Requer, assim, a concessão de medida cautelar para

suspender a eficácia dos dispositivos legais atacados, que sejam

colhidas as devidas informações, a citação do Procurador-Geral do

Estado para defender os referidos dispositivos, pronunciamento do

Ministério Público, e ao fim, o julgamento do mérito, reconhecendo-se

a procedência dos pedidos, declarando, definitivamente, a

inconstitucionalidade dos dispositivos acima atacados, extirpando-os

do ordenamento jurídico, por flagrante inconstitucionalidade.

Juntou os documentos de folhas 18/75, no qual

contém o procedimento legislativo que culminou na Emenda à Lei

Orgânica Municipal 14, bem como o texto da Lei 549, de 04 de

setembro de 2008, que fixa o subsídio dos agentes políticos do

Município de São Miguel do Araguaia para o período de 2009 a 2012.

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Juntou, ainda, as tabelas de fls. 70/73, com

informações do IBGE acerca do censo 2007, que contém informações

da população estimada dos Municípios do Estado de Goiás.

Em primeiro Despacho (fls. 78/80), o

Desembargador Leandro Crispim determinou a oitiva do Prefeito e do

representante legal da Câmara Municipal, ambos do Município de

São Miguel do Araguaia, dando-se vista, após, ao Procurador-Geral

do Estado e ao Procurador-Geral de Justiça, para se manifestarem no

prazo legal.

Devidamente notificados, prestou informações

somente a Câmara Municipal de São Miguel do Araguaia (fls. 95/104),

juntando os documentos de folhas 105/135, nos quais contém

manifestações do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de

Goiás em que atestam a constitucionalidade de atos legais análogos

aos atacados.

Em defesa dos atos normativos atacados

manifestou-se o Procurador-Geral do Estado de Goiás (fls. 149/153).

Instada a se manifestar, a douta Procuradoria-Geral

de Justiça opinou pelo conhecimento da medida cautelar na presente

ação direta de inconstitucionalidade.

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É, em síntese, o relatório.

V O T O

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade,

com pedido de medida cautelar, em face de Emenda à Lei Orgânica

do Município de São Miguel do Araguaia e de dois artigos de Lei

Ordinária do mesmo Município, por afronta a dispositivos contidos na

Constituição Federal e na Constituição do Estado de Goiás.

De início, impende destacar que a análise da medida

cautelar resta prejudicada, vez que o lapso temporal entre a

publicação e vigência dos diplomas legais atacados e a propositura

da presente ação pelo Ministério Público afasta o requisito do

periculum in mora e inexiste óbice, no momento, para exame do

mérito, porquanto a matéria apresenta-se pronta para decisão

definitiva, nos termos do que dispõe o artigo 12, da Lei nº 9.868/99:

“Art. 12. Havendo pedido de medida

cautelar, o relator, em face da

relevância da matéria e de seu especial

significado para a ordem social e a

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segurança jurídica, poderá, após a

prestação de informações, no prazo de

10 (dez) dias, e a manifestação do

Advogado-Geral da União e do

Procurador-Geral da República,

sucessivamente, no prazo de 5 (cinco)

dias, submeter o processo diretamente

ao Tribunal, que terá a faculdade de

julgar definitivamente a ação.”

Sendo assim, passo ao exame do mérito. Para

melhor análise, impende-se realizar um exame cronológico dos fatos:

A Emenda Constitucional nº 19 (de 04.06.1998)

incluiu o parágrafo 4º ao artigo 39 da Constituição Federal, com a

seguinte redação:

“§ 4º O membro de Poder, o detentor de

mandato eletivo, os Ministros de Estado

e os Secretários Estaduais e Municipais

serão remunerados exclusivamente por

subsídio fixado em parcela única,

vedado o acréscimo de qualquer

gratificação, adicional, abono, prêmio,

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verba de representação ou outra espécie

remuneratória, obedecido, em qualquer

caso, o disposto no art. 37, X e XI.”

Em 14.02.2000, foi promulgada a Emenda

Constitucional 25, que outorgou a seguinte redação ao inciso VI, b,

do artigo 29 da Constituição Federal:

“Art. 29. O Município reger-se-á por

lei orgânica, votada em dois turnos,

com o interstício mínimo de dez dias, e

aprovada por dois terços dos membros da

Câmara Municipal, que a promulgará,

atendidos os princípios estabelecidos

nesta Constituição, na Constituição do

respectivo Estado e os seguintes

preceitos:

VI - o subsídio dos Vereadores será

fixado pelas respectivas Câmaras

Municipais em cada legislatura para a

subseqüente, observado o que dispõe

esta Constituição, observados os

critérios estabelecidos na respectiva

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Lei Orgânica e os seguintes limites

máximos:

b) em Municípios de dez mil e um a

cinqüenta mil habitantes, o subsídio

máximo dos Vereadores corresponderá a

trinta por cento do subsídio dos

Deputados Estaduais;”

Em 19 de fevereiro de 2004, a Emenda à Lei

Orgânica Municipal 14, de São Miguel do Araguaia, acrescentou o

inciso I, ao parágrafo único do artigo 14 da Lei Orgânica do

Município, da seguinte maneira, in verbis:

“I – é assegurado ao agente político do

Município de São Miguel do Araguaia o

décimo terceiro salário, com base no

subsídio integral percebido.”

Também a redação do parágrafo 7º do artigo 57,

da Constituição Federal, por meio da Emenda Constitucional 50 (de

14.02.2006), passou a dispor acerca da vedação de pagamento de

parcela indenizatória em razão de convocação: “§ 7º Na sessão

legislativa extraordinária, o Congresso Nacional

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somente deliberará sobre a matéria para a qual foi

convocado, ressalvada a hipótese do § 8º deste

artigo, vedado o pagamento de parcela

indenizatória, em razão da convocação.”

A Lei Orgânica do Município de São Miguel do

Araguaia (de 02.09.2004), estabeleceu o pagamento de 13º salário

para os agentes políticos do município. Também, a Lei 549, de

04.09.2008, atacada na presente ação, estabeleceu em seus artigos

4º e 5º, previsão de subsídios para o Presidente da Câmara e

também de remuneração aos parlamentares municipais no caso de

convocação de sessões extraordinárias:

“Art. 4º. Fica fixado para a

legislatura 2009 a 2012 a iniciar-se em

1º de janeiro de 2009 o subsídio do

Presidente da Câmara Municipal de São

Miguel do Araguaia em parcela única de

R$ 4.829,80 (quatro mil oitocentos e

vinte e nove reais e oitenta centavos).

Art. 5º. As sessões extraordinárias

convocadas pelo Chefe do Poder

Executivo Municipal no período de

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recesso parlamentar serão remuneradas

em valor fixo de R$ 123,84 (cento e

vinte e três reais e oitenta e quatro

centavos).”

No âmbito estadual, 09.09.2010, foi publicada a

Emenda à Constituição Estadual de Goiás n º 46, que provocou

mudança substancial na Constituição do Estado, e dentre elas

acrescentou os seguintes dispositivos:

“Art. 68, § 7º O subsídio dos

Vereadores será fixado pelas

respectivas Câmaras Municipais em cada

legislatura para a subsequente, em

consonância com a Constituição da

República, os critérios estabelecidos

na respectiva Lei Orgânica e com os

seguintes limites máximos, a serem

observados em relação ao subsídio dos

Deputados Estaduais:

(...)

II – 30% (trinta por cento), em

Municípios de 10.001 (dez mil e um) a

50.000 (cinquenta mil) habitantes;

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(...)

Art. 94, § 3º O membro de Poder, o

detentor de mandato eletivo, e os

Secretários Estaduais e Municipais

serão remunerados exclusivamente por

subsídio fixado em parcela única,

vedado o acréscimo de qualquer

gratificação, adicional, abono, prêmio,

verba de representação ou outra espécie

remuneratória, obedecido, em qualquer

caso, o disposto no art. 92, XI e XII.”

Como se vê, trata de reprodução de norma contida

na Constituição Federal, obedecendo-se o princípio da simetria.

Finalmente, em 23.09.2010, o Ministério Público

intentou a presente ação direta de inconstitucionalidade.

Esse retrospecto se faz necessário para analisar a

temporalidade das inovações legislativas trazidas pelo legislador

municipal, ora atacadas, em parâmetro com as Constituições, para se

obter o paradigma necessário ao julgamento do pleito.

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As razões, tanto das informações prestadas pela

Câmara Municipal de São Miguel do Araguaia (fls. 95/104), quanto da

defesa apresentada pelo Procurador-Geral do Estado (fls. 149/153)

repousam no argumento de que não cabe arguição de

inconstitucionalidade de Lei municipal tomando-se como parâmetro a

Constituição Federal.

Entretanto, em detido exame da questão, a

conclusão há de ser contrária.

Os Estados possuem autonomia para elaborarem

sua legislação própria, possuindo, inclusive, uma Constituição

Estadual. Ocorre que devem sempre observar os princípios da

Constituição Federal.

Nos ensinamentos de José Afonso da Silva1, trata-se

dos “princípios constitucionais estabelecidos”:

“São [como notara Raul Machado Horta]

os que limitam a autonomia

organizatória dos Estados; são aquelas

regras que revelam, previamente, a

1 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

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matéria de sua organização e as normas

constitucionais de caráter vedatório,

bem como os princípios de organização

política, social e econômica, que

determinam o retraimento da autonomia

estadual, cuja identificação reclama

pesquisa no texto da Constituição.

Alguns deles são fáceis de localizar,

porque se encontram organizados em

blocos normativos que a Constituição

manda que sejam observados pelos

Estados, como, por exemplo, os

princípios e preceitos constantes dos

arts. 37 a 41 referentes à

Administração Pública. Outros, porém,

exigem maior atenção. Faremos aqui um

esforço investigatório para tentar

aflorá-los, senão na sua totalidade, ao

menos numa mostra expressiva, por meio

de uma consideração sistemática,

notando que uns geram limitações

expressas, outros limitações implícitas

e outros, ainda, limitações decorrentes

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do sistema constitucional adotado, além

do disposto nos parágrafos do art. 25

que fundamenta a repartição de

competências aos Estados.”

Essas limitações expressas ao Constituinte Estadual

são normas de preordenação que podem ser de duas naturezas, as

vedatórias e as mandatórias. Como exemplo de limitações

mandatórias o autor cita:

“(…) sobre princípios da organização

dos Municípios, respeitada a autonomia

destes, como consta do art. 29,

incluindo regras sobre criação,

incorporação, fusão e desmembramento

deles, por lei estadual (não por outra

forma), atendidos os pressupostos e

requisitos indicados no art. 18, § 4º,

prevendo ainda que seu Tribunal de

Contas exerça o controle externo da

administração municipal como auxílio às

respectivas Câmaras Municipais (art.

31, § 1º) (...)”

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PODER JUDICIÁRIO

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Pode-se notar, pelo exposto, que as normas da

Constituição Federal utilizadas como parâmetro pelo requerente são

de observância obrigatória pelos Estados-Membros na elaboração de

sua legislação própria. Assim, uma vez questionados os dispositivos

de lei municipal face à Constituição Estadual, ainda que sob os

parâmetros da Constituição Federal, compete a este Tribunal de

Justiça o processamento e julgamento da presente ação.

Pela explanação dos fatos em ordem cronológica,

observa-se que as normas da Constituição Estadual de Goiás

parâmetro para o julgamento da presente ação foram promulgadas

em momento posterior à publicação das normas objeto de análise, o

que poderia prejudicar a análise da ação em comento.

Entretanto, as normas da Constituição da República,

repita-se, de observância obrigatória pela Constituição do Estado de

Goiás, são anteriores ao advento dos respectivos dispositivos legais o

que impõe a análise do mérito.

É cediço e cristalino o entendimento no sentido da

proibição constitucional de percebimento de qualquer tipo de verba

pelos detentores de mandato eletivo em qualquer esfera, federal,

estadual ou municipal, pelo princípio da simetria, anteriormente

explorado, conforme excertos de julgados desta Colenda Corte:

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“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.

(...). Em face do que dispõem os arts.

39, § 4º, e 57, § 7º, da Constituição

Federal, quanto ao sistema

remuneratório dos agentes públicos

detentores de mandato eletivo, a lei

municipal que assegura a percepção de

décimo terceiro salário e verba

indenizatória por vereadores, denota

aparente ofensa a norma constitucional,

dando ensejo a concessão de medida

cautelar. Dessa forma, satisfeitos os

requisitos legais (plausibilidade do

direito e perigo da demora no

julgamento da ação), defere-se a

suspensão da eficácia do artigo 15, §

2º, da Lei Orgânica do Município de

Gameleira de Goiás, até o julgamento

final da presente ação. MEDIDA CAUTELAR

DEFERIDA. (TJGO, AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE295309-

92.2010.8.09.0000, Rel. DES. NELMA BRANCO

FERREIRA PERILO, CORTE ESPECIAL, julgado em

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25/05/2011, DJe 835 de 08/06/2011)

“Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Décimo terceiro salário para Prefeito,

Vice-Prefeito e Vereadores.

Inconstitucionalidade da lei municipal.

I - Os agentes políticos, detentores de

mandato eletivo, não mantêm com o Poder

Público relação de trabalho de natureza

profissional, não eventual, sob vínculo

de dependência, sendo, portanto,

inconstitucional a norma que lhes

confere direito ao décimo terceiro

salário, em face do tratamento

diferenciado, imposto pela Constituição

da República, com a classe dos

servidores públicos em geral. II -

São inconstitucionais as disposições

dos artigos 4º da Lei n. 665/08 e 5º da

Lei n. 666/08, do Município de

Serranópolis, que asseguram aos

Vereadores, ao Prefeito e ao Vice-

Prefeito a percepção do décimo terceiro

salário. Pedido procedente. (TJGO,

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AÇÃOO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

20597-18.2010.8.09.0000, Rel. DES. JOSÉ LENAR

DE MELO BANDEIRA, CORTE ESPECIAL, julgado

em 13/10/2010, DJe 705 de 25/11/2010)

No mesmo sentido, o Excelso Supremo Tribunal de

Justiça julgou matéria similar:

“MEDIDA CAUTELAR. (...). I – O art. 57,

§ 7º, do Texto Constitucional, numa

primeira análise, veda o pagamento de

parcela indenizatória aos parlamentares

em razão de convocação extraordinária,

norma que é de reprodução obrigatória

pelos Estados membros por força do art.

27, § 2º, da Carta Magna. II – A

Constituição é expressa, no art. 39, §

4º, ao vedar o acréscimo de qualquer

gratificação, adicional, abono, prêmio,

verba de representação ou outra espécie

remuneratória ao subsídio percebido

pelos parlamentares. III – A presença

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PODER JUDICIÁRIO

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do perigo da demora é evidente, uma vez

que, caso não se suspenda o dispositivo

impugnado, a Assembleia Legislativa do

Estado de Goiás continuará pagando aos

deputados verba vedada pela Carta

Política, em evidente prejuízo ao

erário. IV – Medida cautelar deferida.

(ADI 4587 MC, Relator(a): Min. RICARDO

LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em

25/08/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-182

DIVULG 21-09-2011 PUBLIC 22-09-2011)

Assim, resta demonstrada a inconstitucionalidade da

Emenda à Lei Orgânica do Município de São Miguel do Araguaia

número 14, que inseriu o inciso I ao parágrafo único do artigo 14

daquela Lei Orgânica, que assegurou o pagamento de décimo

terceiro salário aos agentes políticos daquela municipalidade, em

virtude do que prescreve o artigo 39, parágrafo 4º, da Constituição

Federal, com reprodução pela Constituição do Estado de Goiás, em

seu artigo 94, parágrafo 3º, bem como do artigo 5º da Lei 549/2008,

do Município em questão, pelos mesmos fundamentos.

Com relação ao artigo 4º da Lei 549/2008, que fixa o

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subsídio do Presidente da Câmara de Vereadores daquele Município

em R$ 4.829,80 (quatro mil oitocentos e vinte e nove reais e oitenta

centavos), ou seja, 39% (trinta e nove por cento) do subsídio fixado

no valor de R$ 12.384,06 (doze mil trezentos e oitenta e quatro reais

e seis centavos) para os Deputados Estaduais, através da Resolução

1.217 de 2007 (fl. 69), à época, confronta diretamente o que dispõe o

artigo 29, VI, b, da Constituição Federal, reproduzido pelo artigo 68, §

7º, II da Constituição do Estado de Goiás.

A Lei 17.253, que fixou o subsídio dos Deputados

Estaduais no valor de R$ 20.042,00 (vinte mil e quarenta e dois reais)

foi publicada em 10 de fevereiro de 2011, o que não convalida o

dispositivo em comento.

Assim, resta clara a inconstitucionalidade do referido

dispositivo.

Ao teor do exposto, julgo procedente o pedido da

inicial para declarar a inconstitucionalidade do inciso I, do artigo 14 da

Lei Orgânica do Município de São Miguel do Araguaia, acrescentado

pela Emenda à Lei Orgânica Municipal 14, bem como dos artigos 4º e

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5º da Lei 549/2008, do mesmo Município.

É o voto.

Goiânia, 09 de maio de 2012.

Desembargador Ney Teles de Paula

Relator

3/vcmm³/12

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