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RECIIS – Rev Eletron de Comun Inf Inov Saúde. 2014 out-dez; 8(4): 461-477 [www.reciis.icict.fiocruz.br] e-ISSN 1981-6278 | DOI:10.3395/reciis.v8i4.897.pt 461 ARTIGOS ORIGINAIS Futuro da pesquisa, desenvolvimento tecnológico e produção industrial de biofarmacêuticos no Brasil Future of research, technological development and industrial production of biopharmaceuticals in Brazil Futuro de la investigación, desarrollo tecnológico y producción industrial de productos biofarmacéuticos en Brasil Fábio Batista Mota i José Eduardo Cassiolato ii Carlos Augusto Grabois Gadelha iii Resumo Este artigo tem por objetivo gerar informação qualificada acerca do futuro da pesquisa, do desen- volvimento tecnológico e da produção industrial de biofarmacêuticos no Brasil, com foco em anti- corpos monoclonais (mAbs - monoclonal antibodies) anticâncer. Conduziu-se um web survey com informantes-chave da academia, empresas e governo, voltado a conhecer as suas expectativas sobre a evolução do tema no Brasil em um horizonte de 15 anos (2013-2027). Os resultados sugerem uma expectativa favorável com relação tanto ao desenvolvimento da indústria farmacêutica na área bio- tecnológica, quanto ao alcance dos resultados esperados das políticas federais de estímulo à área do Complexo Industrial da Saúde. Por outro lado, as expectativas não são tão elevadas quanto à apropria- ção da tecnologia de mAbs anticâncer. Espera-se, ainda, ser alta tanto a difusão da tecnologia quanto a viabilidade para sua comercialização. Em certa medida, os resultados sugerem que se espera o agra- vamento da dependência brasileira de conhecimento e tecnologia anticâncer produzida no exterior. Palavras-chave: Estudos de prospecção tecnológica; Survey; Indústria farmacêutica; Biofarmacêuticos; Anticorpos monoclonais; Câncer. i Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Vice-presidência de Pesquisa e Laboratórios de Referência (VPPLR). Rio de Janeiro, Brasil; Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rede de Pesquisa em Sistemas e Arranjos Produtivos e Inovativos Locais (RedeSist). Rio de Janeiro, Brasil. | lattes.cnpq.br/0228966518436103 | [email protected] ii Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rede de Pesquisa em Sistemas e Arranjos Produtivos e Inovativos Locais (RedeSist). Rio de Janeiro, Brasil. | lattes.cnpq.br/5155146467045247 | [email protected] iii Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP). Rio de Janeiro, Brasil; Ministério da Saúde (MS), Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE). Distrito Federal, Brasil. | lattes.cnpq. br/0568823700347706 | [email protected]

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RECIIS – Rev Eletron de Comun Inf Inov Saúde. 2014 out-dez; 8(4): 461-477[www.reciis.icict.fiocruz.br] e-ISSN 1981-6278 | DOI:10.3395/reciis.v8i4.897.pt

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ARTIGOS ORIGINAIS

Futuro da pesquisa, desenvolvimento tecnológico e produção industrial de biofarmacêuticos no Brasil

Future of research, technological development and industrial production of biopharmaceuticals in Brazil

Futuro de la investigación, desarrollo tecnológico y producción industrial de productos biofarmacéuticos en Brasil

Fábio Batista Motai

José Eduardo Cassiolatoii

Carlos Augusto Grabois Gadelhaiii

ResumoEste artigo tem por objetivo gerar informação qualificada acerca do futuro da pesquisa, do desen-volvimento tecnológico e da produção industrial de biofarmacêuticos no Brasil, com foco em anti-corpos monoclonais (mAbs - monoclonal antibodies) anticâncer. Conduziu-se um web survey com informantes-chave da academia, empresas e governo, voltado a conhecer as suas expectativas sobre a evolução do tema no Brasil em um horizonte de 15 anos (2013-2027). Os resultados sugerem uma expectativa favorável com relação tanto ao desenvolvimento da indústria farmacêutica na área bio-tecnológica, quanto ao alcance dos resultados esperados das políticas federais de estímulo à área do Complexo Industrial da Saúde. Por outro lado, as expectativas não são tão elevadas quanto à apropria-ção da tecnologia de mAbs anticâncer. Espera-se, ainda, ser alta tanto a difusão da tecnologia quanto a viabilidade para sua comercialização. Em certa medida, os resultados sugerem que se espera o agra-vamento da dependência brasileira de conhecimento e tecnologia anticâncer produzida no exterior.

Palavras-chave: Estudos de prospecção tecnológica; Survey; Indústria farmacêutica; Biofarmacêuticos; Anticorpos monoclonais; Câncer.

i Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Vice-presidência de Pesquisa e Laboratórios de Referência (VPPLR). Rio de Janeiro, Brasil; Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rede de Pesquisa em Sistemas e Arranjos Produtivos e Inovativos Locais (RedeSist). Rio de Janeiro, Brasil. | lattes.cnpq.br/0228966518436103 | [email protected]

ii Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rede de Pesquisa em Sistemas e Arranjos Produtivos e Inovativos Locais (RedeSist). Rio de Janeiro, Brasil. | lattes.cnpq.br/5155146467045247 | [email protected]

iii Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP). Rio de Janeiro, Brasil; Ministério da Saúde (MS), Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE). Distrito Federal, Brasil. | lattes.cnpq.br/0568823700347706 | [email protected]

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RECIIS 2014, out-dez; 8(4): | www.reciis.icict.fiocruz.br | e-ISSN 1981-6278 | DOI:10.3395/reciis.v8i4.897.pt

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AbstractThis paper aims to generate qualified information regarding the future of research, technological development and industrial production of biopharmaceuticals in Brazil, focusing on monoclonal antibodies (mAbs) for cancer treatment. A web survey using key informants from academia, business and government was conducted to know their expectations about the evolution of the theme in Brazil for 15 years(2013-2027). The results suggest a favorable expectation with respect to the development of the pharmaceutical industry in the biotechnology area and to the scope of the expected results of federal policies to support the health industrial complex. At the same time, there are expectations that the diffusion of this technology as well as the commercialization of these mAbs will be high. On the other hand, the expectations regarding the appropriation of the mAb technology for cancer treatment are not so high.. The results suggest that it is expected the worsening of Brazilian dependency of anticancer knowledge and technology produced abroad. Keywords: Studies of Technology Foresight; Survey; Pharmaceutical industry; Biopharmaceuticals; Monoclonal antibodies; Cancer.

Resumen Este artículo pretende generar información cualificada sobre el futuro de la investigación, del desarrollo tecnológico y de la producción industrial de biofarmacéuticos en Brasil, con enfoque en los anticuerpos monoclonales (mAb) contra el cáncer. Hicimos un web survey con informantes clave de la academia, de empresas y del gobierno para conocer sus expectativas sobre la evolución del tema en Brasil en 15 años (2013-2027). Los resultados sugieren una expectativa favorable con respecto a el desarrollo de la industria en el campo de la biotecnologia y con el alcance dos resultados esperados de las políticas federales que buscan estimular la industria de la salud. Hay también expectativa de que la difusión de esta tecnología y la viabilidad de comercialización de estos mAbs serán altas. Por otra parte, las expectativas no son tan elevadas con respecto a la apropiación de la tecnología de mAbs contra el cáncer. Los resultados sugieren un empeoramiento de la dependencia brasileña de los conocimientos y de la tecnología contra el cáncer producidos fuera.

Palabras clave: Estudios de Prospectiva Tecnológica; Survey; Industria Farmacéutica; Biofarmacéuticos; Anticuerpos monoclonales; Cáncer.

INFORMAÇÕES DO ARTIGO

Como citar: Mota FB, Cassiolato JE, Gadelha FB. Futuro da pesquisa, desenvolvimento tecnológico e produção industrial de biofarmacêuticos no Brasil. Rev Eletron de Comun Inf Inov Saúde [Internet]. out-dez. 2014; 8(4):461-477. Disponível em: http://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/897

Submetido: 22.jan.2014 | Aceito: 30.out.2014 | Publicado: 19.dez.2014

Conflitos de interesse: Declaram ainda não haver conflitos de interesse.

Fontes de financiamento: Financiadora Estudos e Projetos (Finep), por meio do Projeto Observatório de Políticas Estratégicas de Produção e Inovação no Brasil, da Rede de Pesquisa em Sistemas e Arranjos Produtivos e Inovativos Locais do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (RedeSist/IE/UFRJ).

Contribuição autoral: F. B. Mota contribuiu na concepção do trabalho, planejamento do estudo, método, análise e interpretação das evidências e redigiu o artigo, bem como aprovou a versão final. J. E. Cassiolato e C. A. G. Gadelha contribuíram na concepção do trabalho, no planejamento do estudo, método e revisão das versões preliminares e definitiva do artigo, bem como aprovaram a versão final.

Agradecimentos: Os autores agradecem ao apoio financeiro da Finep, ao apoio institucional da UFRJ e da Fiocruz, aos respondentes do web survey e à inestimável colaboração de Adriana Soares, responsável pelo contato com os respondentes e acompanhamento dos processo de preenchimento do questionário online.

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Introdução

Atualmente, o Brasil é fortemente dependente da importação de biofarmacêuticos. Dado o seu alto valor

agregado, esses produtos têm ocupado, e de forma crescente, um percentual elevado nas compras do Mi-

nistério da Saúde (MS). O déficit da balança comercial brasileira em fármacos e medicamentos (biológicos

e químicos) atingiu, em 2010, cerca de 5,4 bilhões de dólares. Em linhas gerais, o que se apresenta é um

cenário de forte vulnerabilidade externa do país, que pode se refletir negativamente na sua capacidade futu-

ra de, autonomamente, formular e implementar políticas de saúde; particularmente no âmbito do Sistema

Único de Saúde (SUS). Tal vulnerabilidade não se expressa apenas no nível elevado do déficit comercial,

mas, sobretudo, no déficit de conhecimento e tecnologia nele embutido. Este último aspecto está, em parte,

relacionado à fragilidade do sistema nacional de inovação em saúde brasileiro.1-3

Como tentativa de amenizar ou mesmo de mudar esse quadro, atualmente o governo federal tem pro-

movido diversas ações para fomentar a produção local de biofarmacêuticos. Por exemplo, pode-se citar: a

instituição do Programa de Investimento no Complexo Industrial da Saúde (Procis)4, que pretende investir

R$ 2 bilhões em produção e desenvolvimento tecnológico até 2014; a formação de Parcerias para o De-

senvolvimento Produtivo (PDP)5 entre empresas farmacêuticas (nacionais e estrangeiras) e laboratórios

públicos para produção de biofarmacêuticos no Brasil, com previsão de transferência de tecnologia; e o

uso do poder de compra do Estado, como definido no Decreto 7.7136, que estabelece margem de 25% de

preferência nas compras do MS para biofármacos e biomedicamentos fabricados no país (de acordo com

a Lei 12.3497 – altera a Lei 8.6668 –, que favorece a indústria doméstica nas compras governamentais, em

processos de licitação, dando margem de preferência de até 25% para produtos nacionais resultantes de

desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País). Atentas ao cenário que se desenha, farma-

cêuticas nacionais (atreladas predominantemente ao paradigma químico – obtenção de medicamentos e

fármacos via síntese química) têm anunciado ações direcionadas a fomentar a sua inserção na produção

biofarmacêutica e, desse modo, aproveitar as novas oportunidades tecnológicas e de mercado abertas pela

biotecnologia. Pode-se mencionar, por exemplo, a criação das duas primeiras empresas biofarmacêuticas

nacionais, a Bionovis e a Orygen.

Ademais, como se sabe, está ocorrendo no Brasil um processo de mudança nos perfis demográfico,

epidemiológico e nutricional. No cenário que se projeta para o futuro, ganham importância crescente as

doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), como as neoplasias9-10. No Brasil, a partir dos anos 1960,

seguindo a tendência mundial, as doenças do aparelho circulatório e as neoplasias se tornaram a princi-

pal causa de morte, substituindo as infecciosas e parasitárias.11 No ano de 2007, segundo Schmidt et al.10,

aproximadamente 72% das mortes no Brasil foram atribuídas às DCNTs e 10% às doenças infecciosas e

parasitárias.

De acordo com Bray et al.12, as neoplasias se tornarão uma das principais causas de morbidade e morta-

lidade nas próximas décadas em todas as regiões do mundo, sendo previsto, para 2030, mais de 20 milhões

de novos casos de câncer e 13 milhões de mortes relacionadas. Tal mudança, conhecida como transição

epidemiológica, é caracterizada pela modificação progressiva no perfil da mortalidade, com aumento das

DCNT – especialmente as cardiovasculares e o câncer – e redução das doenças infecciosas13. No Brasil,

segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca)11, estima-se, para 2012 e 2013, a ocorrência de aproximada-

mente 385 mil novos casos de câncer (exclusive câncer de pele não melanoma). Os tipos mais incidentes

de câncer serão, para o sexo masculino, próstata, pulmão, cólon e reto e estômago, e, para o sexo feminino,

mama, colo do útero, cólon e reto e glândula tireóide.

Neste cenário de mudança demográfica, epidemiológica e nutricional, vulnerabilidade externa, novas

estratégias empresarias e políticas públicas de estímulo à produção no Brasil (no bojo da transição tec-

nológica, do paradigma químico para o biotecnológico), produtos biofarmacêuticos constituem, portanto,

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tema oportuno para um estudo de natureza prospectiva. Na literatura científica, os anticorpos monoclonais

(mAbs - monoclonal antibodies) – anticorpos produzidos por um único clone de células – têm sido aponta-

dos como uma tecnologia inovadora para o tratamento de alguns tipos de câncer e outros agravos.14

Assim, este artigo, de caráter exploratório, tem por objetivo gerar informação qualificada acerca do

futuro da pesquisa, desenvolvimento tecnológico e produção industrial de produtos biofarmacêuticos no

Brasil, com foco em mAbs para tratamento de cânceres. Para tanto, foi conduzido um web survey (aplica-

ção online de questionário de pesquisa) com informantes-chave (pesquisadores e gestores) da academia,

empresas e governo, voltado a conhecer as suas expectativas com relação à evolução do tema no Brasil,

considerando-se um horizonte de 15 anos (2013-2027). A pesquisa foi estruturada dessa forma para que se

pudesse conhecer as expectativas de uma ampla variedade de atores quanto à evolução do tema no Brasil.

Assim, procurou-se atender a um dos critérios comumente observados em estudos de Technology Foresi-

ght, o da diversidade de participantes (no presente caso, originários de diferentes áreas do conhecimento e

de atuação no sistema nacional de inovação em saúde).

Em linhas gerais, de acordo com Martin e Johnston15, Technology Foresight constitui uma abordagem

prospectiva voltada: (a) para a tomada de decisão entre alternativas concorrentes em ciência e tecnologia,

e a identificação de prioridades; (b) a relacionar ciência e tecnologia às demandas nacionais, econômicas

e sociais, beneficiando a inovação, a criação de riqueza e a melhoria da qualidade de vida e; (c) a ajudar e

estimular a comunicação e a criação de networks entre pesquisadores, usuários e financiadores. Para uma

revisão recente acerca das origens e desenvolvimento da abordagem Technology Foresight, ver Martin e

Miles.16-17 Outros aspectos/aplicações da abordagem podem ser consultados em diversos autores.18-23 Para

uma aplicação do método web survey, ver projeto desenvolvido pelo Grupo de Estudos sobre Organização

da Pesquisa e da Inovação (Geopi) em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).24

Anticorpos monoclonais para tratamento de cânceres

O tratamento do câncer é ainda considerado um grande desafio. Isto se deve a aspectos como, por exem-

plo, a dificuldade de se diferenciar células tumorais de células saudáveis, de modo que se permita combater

a doença sem, contudo, submeter o paciente a níveis intoleráveis de toxicidade.25 Ao menos desde o início

dos anos 1980, já se observava que um dos maiores problemas com as modalidades disponíveis para trata-

mento de cânceres era a falta de especificidade no combate às células tumorais. Também no início daquela

década, já se acreditava que os anticorpos monoclonais representariam um grande avanço no tratamento

do câncer26-27, uma vez que podem ser concebidos para atingir seletivamente células tumorais (targeted

therapy).25

Os mAbs têm a capacidade única de alvejar e matar células tumorais e, simultaneamente, ativar o sis-

tema imunológico para matar células tumorais através, por exemplo, da citotoxicidade celular dependente

de anticorpos (ADCC – na sigla em Inglês para antibody-dependent cellular cytotoxicity), minimizando a

frequência e a magnitude de eventos adversos.28 Embora toxicidades ocorram, os anticorpos monoclonais

são considerados menos tóxicos do que os agentes de quimioterapia citotóxicos para o tratamento de cân-

cer.29 Em linhas gerais, os mAbs são capazes de matar diretamente células tumorais, carregando material

tóxico ao alvo, ou promover a destruição destas células ativando componentes do sistema imunológico,

bloqueando receptores ou sequestrando fatores de crescimento.25 Diversos autores25, 28-30 contribuem com

maiores informações sobre os mecanismos de ação dos mAbs em células tumorais, assim como as toxicida-

des associadas ao seu uso.

Ao longo dos últimos 15-20 anos, os anticorpos monoclonais estabeleceram-se como uma das estraté-

gias terapêuticas mais bem-sucedidas contra o câncer – sejam malignidades hematológicas ou tumores

sólidos. Resultado devido a décadas de pesquisa científica voltada para a caracterização sorológica de

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células cancerosas, técnicas de geração otimizada de anticorpos para alvos tumorais, investigação das

vias de sinalização relevantes para as células cancerosas e compreensão da complexa interação entre as

células cancerosas e o sistema imunológico.30,31 Embora tomados como uma modalidade terapêutica cha-

ve para uma variedade de doenças, câncer tem sido o principal foco dos programas de desenvolvimento

de mAbs.25

Inicialmente, os anticorpos monoclonais tinham origem murina – pequenos roedores, como ratos e

camundongos – e eram obtidos por meio da tecnologia de hibridomas, que produzia mAbs capazes de asso-

ciações altamente específicas com seus antígenos alvos.29 Todavia, os mAbs murinos causavam toxicidades

clínicas, muitas vezes derivadas das interações com seu antígeno alvo. Porém, a sua principal limitação era

a imunogenicidade da proteína do rato27; ou seja, a capacidade que tem uma substância, no caso o antígeno,

de provocar uma resposta imune no corpo do homem ou do animal. Já uma resposta imune é a atividade

do sistema imunológico contra substâncias estranhas, o antígeno. A imunogenicidade de proteínas tera-

pêuticas, como os mAbs, afeta a segurança e a eficácia desses produtos. Por sua vez, a resposta imune aos

mAbs pode neutralizar a ação terapêutica da proteína, pois a hipersensibilidade à proteína pode resultar

em morbidade e mortalidade.32

O desenvolvimento de respostas imunes contra os mAbs murinos limitou significativamente a sua utili-

dade clínica e, como consequência, deixaram de ser o foco dos programas de desenvolvimento de mAbs.30

Assim, o sucesso do tratamento do câncer via anticorpos monoclonais passou a depender do desenvolvi-

mento de anticorpos humanos ou humanizados.27 Segundo Reichert e Valge-Archer25, entre 1980 e 2005,

houve uma acentuada queda do número de mAbs murinos anticâncer entrando em ensaio clínico, acompa-

nhada de uma elevação do número de mAbs humanizados e humanos. A imunogenicidade dos anticorpos

murinos foi, então, superada pela geração dos mAbs quiméricos e humanizados, que contêm domínios

humanos Fc (fragmento cristalizável) e mantêm a característica-alvo específica através da incorporação de

porções das regiões variáveis de murinos.29

O uso de técnicas para humanizar ou quimerizar anticorpos monoclonais, visando à redução do seu com-

ponente murino, tem representado um importante avanço nesse campo. Embora, atualmente, anticorpos

monoclonais totalmente humanos já estejam sendo produzidos.27 O desenvolvimento de mAbs humanos

baseia-se na hipótese de que podem ser menos imunogênicos que os mAbs quiméricos ou humanizados.

Hoje, os mAbs humanos constituem uma categoria promissora – e em rápido crescimento – de anticorpos

terapêuticos-alvo específicos para o combate ao câncer. Uma vez que a tendência atual do tratamento do

câncer aponta para o desenvolvimento de terapias-alvo específicas, o foco nos mAbs humanos provavel-

mente será intensificado. Isto devido, em parte, à percepção de que apresentam baixos níveis de imuno-

genicidade. De fato, as evidências disponíveis indicam que os mAbs humanos são provavelmente menos

imunogênicos que aqueles que contêm sequências de proteínas derivadas de murinos, como os mAbs

quiméricos e humanizados. O primeiro mAb humano aprovado pela US Food and Drug Administration

(FDA) foi o adalimumab, em 2002. Desde então, seis outros mAbs humanos foram aprovados pela FDA, a

saber, panitumumab, golimumab, canakinumab, ustekinumab, ofatumumab e denosumab.32

A aquisição de empresas de tecnologias de mAbs – como, por exemplo, Abgenix, Cambridge Antibo-

dy Technology e Medarex – por grandes empresas farmacêuticas pode ser considerada um indicador do

crescente interesse desta indústria pelos mAbs terapêuticos.32 Ao longo dos anos 2000, a indústria biofar-

macêutica investiu substancialmente na pesquisa e no desenvolvimento de agentes terapêuticos contra o

câncer. Somado ao aumento do conhecimento sobre a biologia do câncer e os mecanismos pelos quais o

tratamento funciona, esse investimento levou a um aumento expressivo do número de novos agentes anti-

câncer entrando em estudo clínico. Entretanto, uma vez que o desenvolvimento comercial de drogas para

câncer tem focado crescentemente em medicina personalizada e terapias-alvo, o número médio anual de

novos mAbs oncológicos entrando em estudo clínico cresceu de cerca de dez, no início dos anos 2000, para

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trinta em 2011. Entre 1997 e 2011, doze mAbs anticâncer foram aprovados pela FDA.33 Adicionalmente,

existe um grande número de mAbs terapêuticos atualmente sendo testados em ensaios clínicos.30

Embora reduzido em número, os mAbs estão promovendo uma revolução no tratamento do câncer,

aproximando-nos de uma terapia biológica mais específica e eficaz, em oposição à inespecificidade da abor-

dagem química citotóxica.27 Segundo Reichert e Valge-Archer25, os produtos aprovados são o resultado do

desenvolvimento de duas áreas críticas para o sucesso dos mAbs como terapia-alvo anticâncer: os métodos

de engenharia e produção das quatro principais categorias de mAbs – murino, quimérico, humanizado e

humano; e o estudo dos mecanismos de ação – como, por exemplo, toxicidade de células tumorais através

de radiação, citotoxinas e ativação de componentes do sistema imunológico.

O primeiro mAb aprovado pela FDA especificamente para o tratamento do câncer foi o rituximab, em

1997. Desde então, tornou-se o medicamento biológico em oncologia clínica mais vendido globalmente.27

Em 2005, os três mAbs mais vendidos foram o rituximab, o trastuzumab e o bevacizumab, cada um com

vendas globais acima de um bilhão de dólares (2007). Em 2011, o mercado global para mAbs terapêuticos

foi estimado em 44,6 bilhões de dólares. Considerando o lançamento esperado de pelo menos oito novos

mAbs nos próximos cinco anos e a ampliação das indicações dos produtos existentes, espera-se um cres-

cimento anual de 5,3% no mercado global de mAbs até 2016, quando alcançará 57,7 bilhões de dólares.

Entre 2011 e 2016, projeta-se que os EUA serão o maior mercado individual de mAbs terapêuticos. Com um

crescimento anual esperado de 6,4%, em 2016 o mercado norte-americano deverá representar 27,4 bilhões

de dólares, cerca de 47,5% do total das vendas globais.34

Como dito, atualmente existem 12 anticorpos monoclonais – abrangendo as quatro principais categorias

de mAbs – aprovados pela FDA para o tratamento de cânceres. Destes, cinco são destinados ao tratamento

de malignidades sólidas (como, por exemplo, o câncer de mama): trastuzumab, bevacizumab, cetuximab,

panitumumab e ipilimumab. Em linhas gerais, tais anticorpos agem por inibição e/ou sinalização da sua

proteína-alvo (ERBB2, VEGF, EGFR ou CTLA4) e, no caso do trastuzumab, também por ADCC. O restante

dos mAbs (quatro deles mAbs conjugados) refere-se às malignidades hematológicas (leucemia, por exem-

plo) e agem sobre os antígenos de diferenciação CD (‘Cluster of Differentiation’ antigen). De forma geral,

são utilizados os seguintes mecanismos de ação: ADCC, citotoxidade dependente de complementaridade

(CDC) ou indução direta de apoptosis (um método utilizado pelo corpo para eliminar células desnecessárias

ou anormais, que pode estar bloqueado em células cancerígenas); e, no caso dos mAbs conjugados, entrega

de carga tóxica ou de radioisótopo. Para maiores detalhes acerca desta discussão, vide, por exemplo, Scott

et al.30 e Scott et al.31

De acordo com Adams e Weiner29, a biologia e a tecnologia estão convergindo para superar os atuais

obstáculos ao sucesso dos mAbs terapêuticos. E, uma vez que os ensaios clínicos usualmente encontram-se

atrasados uma década ou mais com relação a “fronteira tecnológica”, sabe-se que novas classes de mAbs

geneticamente otimizados e fragmentos de mAbs entrarão em ensaios clínicos na próxima década.

De modo a prospectar os produtos que poderão ser comercializados futuramente, Reichert e Dhimolea33

analisaram o pipeline de mAbs terapêuticos oncológicos atualmente em ensaios clínicos. Como resultado,

encontraram um total de 165 mAbs candidatos a drogas anticâncer. Destes, 89 (54%) estavam na Fase

clínica I, 64 (39%) na Fase II e 12 (7%) na Fase III. A análise revelou uma tendência ao desenvolvimento de

uma ampla variedade de “noncanonical” mAbs, incluindo drogas anticorpo conjugadas (ADCs – na sigla

em Inglês para ‘antibody–drug conjugates’), anticorpos biespecíficos, engineered antibodies e fragmentos

de anticorpo e/ou domínios. Os achados dos autores revelam que os mAbs “não-canônicos” em ensaios

clínicos já compreendem cerca de 50% do pipeline, embora a maioria dos mAbs anticâncer comercializados

atualmente sejam do tipo “canônico”. Finalmente, concluem que há uma tendência para a busca de antí-

genos menos validados – ainda que alvos bem validados, como o EGFR e o CD20, continuem a oferecer

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oportunidades para empresas – e a exploração de mecanismos de ação inovadores, como a geração de

respostas imunes anticâncer ou o recrutamento de células T citotóxicas.

Para Scott et al.30, um dos maiores desafios que se coloca à completa exploração das terapias anticor-

po em pacientes com câncer é a combinação das duas principais abordagens terapêuticas imunológicas:

anticorpos e vacinas. A combinação destas duas abordagens é apontada pelos mesmos como um caminho

promissor para a imunologia do tumor no controle e tratamento do câncer. Os autores mencionam, inclu-

sive, a existência de ensaios clínicos nesta direção – como, por exemplo, a combinação do mAb ipilimumab

com vacinas – e, também, a criação de uma parceria global entre o Cancer Research Institute e o Ludwig

Institute for Cancer Research, chamada ‘Cancer Vaccine Collaborative’, voltada ao desenvolvimento clínico

de vacinas terapêuticas anticâncer.

Por sua vez, Shuptrine et al.28 sugerem que, nas próximas décadas, a melhor esperança para a otimiza-

ção dos benefícios clínicos da terapia anticorpo será a combinação de mAbs com outras drogas e agentes

anticâncer que tem por alvo o microambiente imunossupressor tumoral. Segundo Reichert e Dhimolea33,

o pipeline de 165 mAbs terapêuticos anticâncer atualmente em ensaios clínicos pode levar ao lançamento

de medicamentos inovadores na próxima década, além de servir para direcionar a pesquisa futura na área.

Em síntese, de acordo com Oldham e Dillman27, pode-se dizer que o progresso rumo a uma terapia mais

específica e menos tóxica para o câncer humano está em um futuro próximo.

Método

Foi realizado um web survey (aplicação online de questionário de pesquisa) com informantes-chave

da academia, empresas e governo. Os participantes desse web survey foram selecionados: (a) a partir da

indicação dos pares (ou conomeação – processo no qual atores de referência são convidados a indicar

nomes que consideram importantes para compor a lista de respondentes); (b) e a partir de consulta à

literatura científica, matérias jornalísticas e sites de organizações de importância para o tema (como, por

exemplo, associações de indústrias, instituições de P&D, empresas farmacêuticas, laboratórios oficiais e

governo federal).

O questionário online (bem como a carta de apresentação à pesquisa) foi disponibilizado e gerenciado

via sistema SurveyMonkeyiviv, um provedor de software de questionários pela web para pesquisas profis-

sionais. Aos respondentes foi atribuída uma identificação única (na forma de link exclusivo para acesso ao

questionário), vinculada ao seu email, de modo a possibilitar o controle individual do processo de coleta das

respostas e monitoramento da participação dos mesmos. Os participantes do web survey foram distribuí-

dos em quatro coletores de respostas, conforme a área de atuação (a saber, (A) Laboratórios Públicos; (B)

Governo Federal e Estaduais; (C) Empresas Farmacêuticas, de Biotecnologia e Associações de Empresas;

e (D) Universidades, institutos de Pesquisa e Hospitais com pesquisa). A carta de apresentação/convite

informou aos participantes os objetivos e os aspectos gerais da pesquisa, assim como disponibilizou um

email institucional exclusivo para contato com a equipe de pesquisa. Por meio da carta de apresentação, foi

disponibilizado o link individual de acesso ao questionário online (com tempo de preenchimento estimado

em 10-15 minutos). Os respondentes foram, também, contatados via telefone (sistemas Gmail e Skype) para

apresentação à pesquisa, esclarecimento de dúvidas, acompanhamento do processo de preenchimento do

questionário e indicação de novos respondentes. Ao todo, foram enviados questionários para 254 destina-

tários. O método empregado prescinde de um percentual amostral representativo do universo (uma vez que

este último é não definido, considerada a forma de seleção dos participantes).

iv Disponível em: <http://pt.surveymonkey.com/>.

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Adicionalmente, por meio do email institucional da pesquisa (e não do SurveyMonkey), foi enviado aos

respondentes um documento de apoio ao tema específico do web survey, contendo um panorama da evolu-

ção das publicações científicas e das patentes relacionadas ao tema mAbs para tratamento de cânceres, no

Brasil e no mundo. Para a elaboração do documento de apoio, realizou-se uma análise estatística descritiva

a partir de dados de publicações científicas e patentes relacionadas a mAbs para tratamento de cânceres,

indexadas no Web of Knowledge, da Thomson Reuters. Para as publicações científicas, utilizou-se a base de

dados Web of Science e, para as patentes, a Derwent Innovations Index. Para as duas bases, consultou-se o

período cheio, ou seja, todos os anos disponíveis (respectivamente, 1945-presente e 1963-presente – no caso,

2011). Utilizando-se descritores para os termos anticorpo monoclonal, câncer e tratamento (disponíveis no

sistema Medical Subject Headings – MeSH – do National Center for Biotechnology Information – NCBI),

elaborou-se a seguinte query: (ts=((“monoclonal antibody” OR “monoclonal antibodies” OR mAbs) AND

(neoplasm OR neoplasms OR neoplasia OR neoplasias OR tumor OR tumors OR cancer OR cancers) AND

(therapeutics OR therapeutic OR treatment OR treatments OR therapy OR therapies OR immunology OR

immunotherapies OR immunotherapy)). Esta foi aplicada ao campo de busca avançada, utilizando-se a tag

Tópico (que envolve os campos título, resumo e palavras-chave). Foram encontrados 21.021 registros de

publicações científicas e 7.058 registros de patentes – após remoção de duplicatas.

De elaboração própria, o documento de apoio apresentou ilustrações sobre a evolução das publicações e

das patentes, considerando aspectos como distribuição no tempo, principais países e instituições e mapas de

autocorrelação interinstitucional. De caráter meramente descritivo, o documento não apresentou qualquer

discussão ou análise sobre o panorama das publicações e das patentes, deixando-o livre da interpretação

dos autores.

O questionário foi estruturado em duas partes, ambas considerando o horizonte de 15 anos (2013-2027).

A primeira foi composta por três afirmações acerca do futuro da P&D, da produção industrial de biofarma-

cêuticos e das políticas federais de apoio à industrial farmacêutica no Brasil (método usualmente utilizado

em pesquisas Delphi), para as quais os respondentes deveriam indicar as suas expectativas quanto à ocor-

rência das mesmas. As afirmações sobre o futuro foram elaboradas a partir dos resultados esperados das

políticas federais de estímulo à produção e inovação para a área do complexo industrial da saúde, com foco

na indústria farmacêutica no Brasil. Considerou-se desde a política anterior, a Política de Desenvolvimento

Produtivovv, até o atual Plano Brasil Maiorvivi. Adicionalmente, os respondentes foram solicitados a avaliar

a influência de fatores selecionados – como, por exemplo, política de financiamento e política de compras

públicas – sobre a realização das afirmações, se são favoráveis ou não. Abaixo, as três afirmações:

1. Afirmação 1 (A1): No Brasil, a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico em biofarma-

cêuticos levarão à descoberta de novas moléculas, possibilitando a obtenção de biofarmacêuticos

inovadores, e ao desenvolvimento de tecnologias nacionais de produção;

2. Afirmação 2 (A2): No Brasil, a indústria farmacêutica aproveitará as oportunidades tecnológicas e

de mercado abertas pela biotecnologia, dando um “salto de qualidade” que lhe permitirá reduzir a

dependência do paradigma químico e de tecnologias e insumos importados e atender as demandas

de biofarmacêuticos do Ministério da Saúde e do mercado nacional, além de realizar exportações;

v Disponível em: < http://www.mdic.gov.br/pdp/index.php/sitio/inicial >

vi Disponível em: < http://www.brasilmaior.mdic.gov.br/ >

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3. Afirmação 3 (A3): O Governo Federal, através das políticas recentes de estímulo à indústria farma-

cêutica no Brasil, reduzirá a vulnerabilidade externa do sistema nacional de saúde e elevará os níveis

de inovação na indústria nacional de saúde, estimulando o crescimento econômico e a melhoria da

qualidade de vida.

A segunda parte do questionário foi dedicada ao tema específico anticorpos monoclonais para tratamen-

to de cânceres. Foram considerados os fatores: evolução da publicação científica e das patentes no mundo;

potencial de surgimento de soluções científicas e tecnológicas; potencial de surgimento de soluções de saú-

de; viabilidade de uso em saúde pública no Brasil; possibilidade de investimento pelo governo brasileiro;

factibilidade da pesquisa científica no Brasil; factibilidade do desenvolvimento tecnológico no Brasil; facti-

bilidade da produção industrial no Brasil; viabilidade de comercialização no Brasil; e difusão esperada no

Brasil. Foram respondidas conforme uma escala dada (como, por exemplo, ‘declinante, estável, crescente’

ou ‘baixo, médio, alto’ – a ser detalhada na seção de resultados, por conveniência de exposição), assinalada

segundo a sua expectativa com relação à evolução dos fatores avaliados.

Para a análise estatística, foi realizado um filtro nas respostas dos participantes, mantendo-se, para

todos os temas, apenas aquelas atreladas aos níveis ‘conhece bem’, ‘monitora pesquisas’ e ‘realiza pesqui-

sas’. As respostas em branco e do tipo ‘não sei informar’ foram excluídas do cômputo dos resultados (salvo

quando indicado o contrário). Como a participação na pesquisa teve um caráter pessoal, as respostas dos

participantes não necessariamente refletem a opinião das organizações que representam. Aos responden-

tes, além da explicação dos propósitos do estudo, foi garantido o tratamento confidencial e agregado das

informações coletadas, de modo que os mesmos não são identificados.

Resultados

A pesquisa foi realizada nos meses de outubro e novembro de 2012 e contou com a participação de 85

respondentes (33,46% dos 254 destinatários do questionário). O resultado final do web survey foi encami-

nhado aos respondentes que participaram da pesquisa. A Tabela 1 apresenta a distribuição dos responden-

tes segundo a afiliação institucional e o setor de atividadevii.

Tabela 1 - Distribuição dos participantes do web survey

Coletor %Número de respostas

Número de respostas por afiliação institucional dos respondentes

Laboratórios públicos

18,82 16(10) Bio-Manguinhos, RJ; (1) Far-Manguinhos, RJ ; (1) Iquego, GO; (1) Lifal, AL; (1) LPM, PR; (1) FFOE, CE; (1) Bahiafarma

Governo federal e estaduais

16,47 14(5) Anvisa; (4) BNDES; (1) ABDI; (1) Inmetro; (1) SCTIE/MS; (1) SECT, RJ; (1) Sesab, BA.

vii Por coletor, tomado individualmente, a distribuição percentual se deu como segue: Coletor A (45 destinatários; 16 respostas; retorno de 35,56%); Coletor B (35 destinatários; 14 respostas; retorno de 40,00%); Coletor C (66 destinatários; 21 respostas; retorno de 31,82%); e Coletor D (108 destinatários; 34 respostas; retorno de 31,48%).

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Coletor %Número de respostas

Número de respostas por afiliação institucional dos respondentes

Empresas farmacêuticas, de biotecnologia e Associações de empresas

24,71 21

(1) Abifina; (1) Abiquif; (1) Alanac; (1) Biocinese; (1) Biofarma Recepta; (1) Biolab Sanus Farmacêutica; (1) Biomm; (1) Bionext; (1) CellProtect Biotechnology; (1) Confederação Nacional da Indústria - CNI; (1) Farmacore; (1) Halex; (1) Hebron; (1) In Vitro Cells; (1) Interfarma; (1) Intrials; (1) Proteimax Biotecnologia; (1) Silvestre Labs; (1) Sindifargo-GO; (1) Sourcetech Química; (1) Trymed-Biocancer.

Universidades, institutos de pesquisa e hospitais com pesquisa

40,00 34

(1) Albert Einstein Hospital; (1) CDTS/Fiocruz; (2) Coppe/UFRJ; (1) Fiocruz-BA; (1) HUCFF/UFRJ; (3) IE/UFRJ; (1) IFF/Fiocruz; (2) Inca; (1) Instituto Butantan; (1) IBCCF/UFRJ; (1) Instituto Vital Brasil; (6) IOC/Fiocruz; (1) PUCRS; (1) SIQUIM/UFRJ; (1) UEG; (1) UERJ; (1) UFBA; (2) UFF; (2) UFMG; (1) Unifesp; (3) USP.

Total 100,00 85

Fonte: Elaboração própria.

A partir das três afirmações sobre o futuro (A1, A2 e A3 – apresentadas na seção método), os respondentes

indicaram as suas expectativas quanto ao período no qual as mesmas deveriam ocorrer (Gráfico 1)viii. Para

cada um dos três temas, situaram-se na faixa de até 10% as expectativas de que as afirmações ocorrerão

depois de 2027 e depois desta data de forma apenas parcial. Na faixa entre 30% e 50%, para todos os temas,

a expectativa de que as afirmações ocorrerão antes de 2027 e antes deste ano de forma parcial. A expectativa

mais otimista está, entretanto, ligada ao tema das políticas federais de estímulo à indústria farmacêutica

no Brasil, para o qual 47,17% dos respondentes indicaram que a afirmação (A3) ocorrerá antes de 2027.

Em seguida, as afirmações relacionadas aos temas P&D (A1) e produção industrial de biofarmacêuticos

(A2), que, para respectivamente 50% e 43,48% dos respondentes, deverão ocorrer antes de 2027, porém de

forma apenas parcial.

0,00 10,00 20,00 30,00 40,00 50,00 60,00

Improvável-nunca

Antes de 2027

Antes de 2027, mas apenasparcialmente

Depois de 2027

Depois de 2027, mas apenasparcialmente

A3

A2

A1

Gráfico 1 - Expectativas quanto ao futuro (horizonte de 15 anos: 2013-2027) (valores %) Fonte: Elaboração própria mediante os resultados do web survey.

viii Número de respostas para cada afirmação acerca do futuro: A1(46; 55,42%); A2(46; 55,42%); A3(53; 63,86%).

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A Tabela 2 apresenta a expectativa dos respondentes no que tange à influência de fatores selecionados

sobre a realização das três afirmações em um horizonte de 15 anos e dado o seu caráter transversal, foram

consideradas as respostas de todos os níveis de conhecimento. De forma geral, foram considerados fatores

favoráveis à realização do conjunto das afirmações algumas das políticas federais recentes de estímulo a

P&D, à produção e à inovação na área industrial da saúde. Entre elas, o Plano Brasil Maior (72,29%), a

política de financiamento (61,45%) – da qual fazem parte o BNDES Profarmaixw e o Programa de Subven-

ção Econômica à Inovação da Finepx –, a política de compras públicas para a área do complexo industrial

da saúde (56,79%) – como, por exemplo, o Decreto 7.7136, que estabelece margens de preferências de até

25% nas licitações públicas para aquisição de biofármacos e biomedicamentos – e as mudanças recentes no

marco regulatório (55%) – como a alteração na Lei 8.6668, promovida pela Lei 12.3497.

Ainda no âmbito das políticas federais, foram considerados fatores que dificultam a realização das afir-

mações: as políticas fiscal, cambial e monetária (80,49%); a política de educação (69,51%); a regulação em

saúde (67,07%) – o que inclui a Anvisa e a ética em pesquisa; a política de acesso à biodiversidade (65,85%);

o regime de propriedade intelectual (63,41%); e a política comercial (52,44%) e de capital estrangeiro

(43,75%). Já a avaliação dos respondentes com relação à política científica mostrou-se bastante dividida:

53,01% favorável e 45,78% desfavorável. Por sua vez, foram considerados favorável tanto a influência do

cenário econômico, político e institucional nacional (67,46%) e internacional (53,66%), como o tamanho

do mercado doméstico (inclusive SUS) (89,02%) e o sistema nacional de saúde (SUS e não-SUS) (54,88%).

Entre os fatores considerados limitadores, estão, ainda, a capacidade industrial instalada na área do com-

plexo industrial da saúde (60,24%) e a disponibilidade de recursos humanos (65,85%).

Tabela 2 - Fatores que favorecem ou dificultam a realização das afirmações 1, 2 e 3

Favorece DificultaNão se aplica

Não sei informar

Número de respostas

% % % %

Acesso à tecnologia e ao conhecimento 62,65 34,94 0,00 2,41 83

Capacidade industrial instalada na área do complexo industrial da saúde

28,92 60,24 4,82 6,02 83

Capacidade instalada em ciência e tecnologia 46,99 50,60 0,00 2,41 83

Cenário econômico, político e institucional internacional

53,66 39,02 2,44 4,88 82

Cenário econômico, político e institucional nacional 67,47 28,92 0,00 3,61 83

Mudanças recentes no marco regulatório (por exemplo, a Lei 12.349/2010, que altera a Lei 8.666/1993)

55,00 17,50 0,00 27,50 80

Política científica 45,78 53,01 0,00 1,20 83

Política comercial 28,05 52,44 2,44 17,07 82

Política de acesso à biodiversidade 21,95 65,85 4,88 7,32 82

Política de capital estrangeiro 25,00 43,75 8,75 22,50 80

Política de compras públicas para a área do complexo industrial da saúde

56,79 35,80 1,23 6,17 81

Política de educação 24,39 69,51 2,44 3,66 82

ix Disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Areas_de_Atuacao/Inovacao/Profarma/

x Disponível em: http://www.finep.gov.br/pagina.asp?pag=programas_subvencao

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Favorece DificultaNão se aplica

Não sei informar

Número de respostas

% % % %

Política de financiamento (P&D, estruturação industrial, produção, inovação, comercialização e exportação)

61,45 34,94 0,00 3,61 83

Política industrial, tecnológica e de inovação para a área do complexo industrial da saúde (Plano Brasil Maior)

72,29 16,87 0,00 10,84 83

Políticas fiscal, cambial e monetária 12,20 80,49 1,22 6,10 82

Recursos Humanos 32,93 65,85 0,00 1,22 82

Regime de propriedade intelectual 30,49 63,41 0,00 6,10 82

Regulação em saúde (legislação pertinente, ética em pesquisa, Anvisa etc.)

31,71 67,07 0,00 1,22 82

Sistema nacional de saúde (SUS e Não-SUS) 54,88 30,49 6,10 8,54 82

Tamanho do mercado nacional (inclusive SUS) 89,02 7,32 0,00 3,66 82

Fonte: Elaboração própria mediante os resultados do web survey. As respostas incluem todos os níveis de conhecimento.

Os Gráficos 2 e 3 apresentam a mediana das expectativas dos respondentes com relação à evolução do

tema mAbs para tratamento de cânceres nos próximos 15 anosxi. As frequências das respostas para todos

os critérios observados são apresentadas na Tabela 3. No que tange à evolução dessa tecnologia no mundo,

espera-se um crescimento tanto do número de publicações científicas quanto do número de patentes (apon-

tado por 87,50% e 81,58% dos respondentes, respectivamente). As expectativas são favoráveis também com

relação ao potencial de surgimento de soluções científicas e tecnológicas e de soluções de saúde (conside-

rado alto por 67,50% e 62,50% dos participantes). E, para 82,05% dos respondentes, o governo brasileiro

deve investir fortemente nessa tecnologia, de média-alta viabilidade de uso em saúde pública no país (de

acordo com 82,50% dos participantes) (Gráfico 2). Por outro lado, as expectativas não são tão elevadas

quanto à apropriação da tecnologia de mAbs anticâncer pelo Brasil – seja em pesquisa, desenvolvimento

tecnológico ou produção industrial (57,50%, 76,92% e 76,92%, respectivamente, para a soma das respostas

baixa e média factibilidade). E, ao mesmo tempo, espera-se ser alta tanto a difusão da tecnologia (56,76%)

quanto a viabilidade de comercialização no Brasil (61,54%) (Gráfico 3).

xi Descrição das escalas atribuídas aos fatores avaliados (apresentados nos Gráfico 2 e 3): Evolução das publicações e das patentes (1-Declinante; 2-Estável; 3-Crescente); Investimento do governo (1-Não; 2-Sim, com cautela; 3-Sim, fortemente); Todos os outros fatores foram analisados segundo a escala (1-Baixo; 2-Médio; 3-Alto). O número de respostas variou de um mínimo de 37 a um máximo de 40.

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Gráfico 2 - Expectativas quanto ao tema mAbs anticâncer (horizonte de 15 anos: 2013-2027) Fonte: Elaboração própria mediante os resultados do web survey.

Gráfico 3 - Expectativas quanto ao tema mAbs anticâncer (horizonte de 15 anos: 2013-2027) Fonte: Elaboração própria mediante os resultados do web survey.

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Tabela 3 - Expectativas quanto tema mAbs anticâncer (horizonte de 15 anos: 2013-2027)

sobre mAbs anticâncer% % % Número de

respostasDeclinante Estável Crescente

Evolução da publicação científica no mundo 2,50 10,00 87,50 40

Evolução das patentes no mundo 2,63 15,79 81,58 38

Baixo Médio Alto

Potencial de surgimento de soluções em C&T 5,00 27,50 67,50 40

Potencial de surgimento de soluções de saúde 12,50 25,00 62,50 40

Viabilidade de uso em saúde pública no Brasil 17,50 37,50 45,00 40

NãoSim, com cautela

Sim, fortemente

O governo brasileiro deve investir? 0,00 17,95 82,05 39

Baixo Médio Alto

Factibilidade da pesquisa científica no Brasil 25,00 32,50 42,50 40

Factibilidade do desenvolvimento tecnológico no Brasil 35,90 41,03 23,08 39

Factibilidade da produção industrial no Brasil 30,77 46,15 23,08 39

Viabilidade de comercialização no Brasil 7,69 30,77 61,54 39

Difusão esperada no Brasil 5,41 37,84 56,76 37

Fonte: Elaboração própria mediante os resultados do web survey.

Considerações finais

Em linhas gerais, os resultados do web survey sugerem uma expectativa favorável com relação tanto

ao desenvolvimento da indústria farmacêutica no Brasil na área biotecnológica, quanto ao alcance dos

resultados esperados das políticas federais de estímulo à área do complexo industrial da saúde. Expectativa

influenciada, talvez, por uma percepção positiva a respeito dos resultados de ações recentes do governo

federal – como, por exemplo, a instituição do Procis, a formação de PDP (que envolvem transferência de

tecnologia), a publicação da Lei 12.3497 e do Decreto 7.7136 (relacionados ao uso do poder de compra do

Estado). Por outro lado, as expectativas não são tão elevadas no que se refere à apropriação da tecnologia

de mAbs anticâncer pelo Brasil – seja em pesquisa, desenvolvimento tecnológico ou produção industrial.

Ao mesmo tempo, espera-se uma alta difusão e uma alta exploração comercial dessa tecnologia no Brasil.

Coerente, portanto, com a projeção de aumento da morbidade e mortalidade por DCNTs no Brasil nas

próximas décadas.

Em certa medida, os resultados sugerem que se espera, para os próximos 15 anos, o agravamento da

dependência brasileira de conhecimento e tecnologia anticâncer produzida no exterior. Isto, embora o

governo federal tenha, por exemplo, incluído no Decreto 7.7136 os anticorpos monoclonais adalimumabe,

infliximabe, natalizumabe e rituximabe (com 25% de margem de preferência), e, em outubro de 2012,

anunciado que entrará em vigor uma Parceria de Desenvolvimento Produtivo para a produção local do

trastuzumabe – biomedicamento utilizado no tratamento do câncer de mama. Tais mAbs são reconhe-

cidamente eficazes no combate a certos tipos de câncer (alvos definidos). Porém, são também alguns dos

primeiros mAbs aprovados pela US Food and Drug Administration (FDA). O rituximabe, por exemplo,

foi o primeiro anticorpo monoclonal aprovado pelo órgão regulador norte-americano, em 1997. No ano

seguinte, foram aprovados o trastuzumabe e o infliximabe.

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Ocorre que, como visto, espera-se para as próximas décadas o desenvolvimento de novas classes de mAbs

(canônicos ou não) geneticamente otimizados e fragmentos de mAbs, novos mecanismos de ação, novos

alvos (menos validados) ou combinações da tecnologia de anticorpos com, por exemplo, a de vacinas.29-30,

33 Ainda mais se considerarmos que, conforme apontado por Adams e Weiner29, os ensaios clínicos em

andamento costumam estar atrasados pelo menos uma década com relação à “fronteira tecnológica”. Tais

mAbs, após aprovação pela FDA, provavelmente concorrerão com os mAbs atualmente comercializados ao

redor do mundo, possivelmente se colocando como seus substitutos terapêuticos – uma vez que se espera

que sejam terapeuticamente mais eficazes e menos tóxicos – e podendo levar, por exemplo, à redução dos

níveis de respostas imunes no corpo humano (que hoje são, em parte, provocadas por fatores como compo-

nentes de murinos presentes nos mAbs humanizados). Desse modo, o Brasil provavelmente aprenderá – a

partir da tecnologia transferida – a desenvolver uma classe de mAbs que tende a ser superada no futuro por

novas gerações e combinações mais avançadas e eficazes desta mesma tecnologia. Inobstante, de acordo

com diversos autores35-37, sabe-se que a transferência de tecnologia estrangeira é um passo fundamental no

sentido do aprendizado tecnológico doméstico, com implicações sobre o crescimento econômico.

Sabe-se que, à medida que evolui o ciclo de vida de uma tecnologia em um sistema tecnológico, o aprovei-

tamento de uma nova oportunidade tecnológica passa a demandar, cada vez mais, altos níveis de externa-

lidades (vantagens locacionais e infraestrutura) e, especialmente, de conhecimento científico e tecnológico.

Aspectos esses que passam a figurar como fatores de forte barreira à entrada, particularmente dos países

em desenvolvimento, nos novos sistemas tecnológicos.35-36 Assim, para que o Brasil possa reduzir o hiato

de conhecimento e tecnologia em mAbs anticâncer com os países desenvolvidos na fronteira tecnológica

– se, além do abastecimento do SUS, esta é também a intenção por trás das políticas de transferência de

tecnologias e compras públicas –, será necessário, além da área industrial, investir fortemente em pesquisa

e desenvolvimento tecnológico autóctone na área da biotecnologia farmacêutica (combinando, desta forma,

a política industrial com a científica e a tecnológica). Talvez não seja muito esperar que um país como o

Brasil possa ir além da “simples” reprodução das drogas objeto dos contratos de transferência de tecnologia

– como dito, um passo fundamental para o aprendizado tecnológico – e trilhar, por exemplo, o caminho da

descoberta de novas moléculas biológicas anticâncer, voltadas ao perfil de incidência da doença no Brasil.

Referências4. Albuquerque E, Cassiolato J. As especificidades do sistema de inovação do setor saúde. Rev Econ Política

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