futebol europeu: investimentos, resultados esportivos e retornos financeiros

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Centro de Ciências Sociais e Aplicadas Curso de Ciências Econômicas FUTEBOL EUROPEU: INVESTIMENTOS, RESULTADOS ESPORTIVOS E RETORNOS FINANCEIROS Igor Marcondes da Cruz 3070045-0 Orientador: Raphael Bicudo São Paulo 2010

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O objetivo do trabalho é analisar as relações entre futebol e dinheiro. Inicialmente, é feita uma breve análise histórica de acontecimentos que apresentaram estreita relação entre futebol e economia. Tecida essa base, procuram-se indícios que corroborem a teoria de que vitórias geram dinheiro e este gera novas vitórias. Ao longo da pesquisa, a questão é abordada de diversas maneiras, e todas elas levam a conclusões que fortalecem tal suposição. Nota-se que, via de regra, regiões ricas tem clubes ricos, clubes ricos vencem mais, clubes vencedores agregam valor aos seus jogadores e geram mais receita.

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIECentro de Ciências Sociais e Aplicadas

Curso de Ciências Econômicas

FUTEBOL EUROPEU: INVESTIMENTOS, RESULTADOS ESPORTIVOS E RETORNOS FINANCEIROS

Igor Marcondes da Cruz 3070045-0

Orientador: Raphael Bicudo

São Paulo2010

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RESUMO

O objetivo do trabalho é analisar as relações entre futebol e dinheiro. Inicialmente, é feita uma breve análise histórica de acontecimentos que apresentaram estreita relação entre futebol e economia. Tecida essa base, procuram-se indícios que corroborem a teoria de que vitórias geram dinheiro e este gera novas vitórias. Ao longo da pesquisa, a questão é abordada de diversas maneiras, e todas elas levam a conclusões que fortalecem tal suposição. Nota-se que, via de regra, regiões ricas tem clubes ricos, clubes ricos vencem mais, clubes vencedores agregam valor aos seus jogadores e geram mais receita.

Palavras-chave: Futebol; Economia; Dinheiro.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

1) FUTEBOL: “TRADUÇÃO DA HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA” . . . . . . . . . 7

1.1) A difusão do esporte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

1.2) O fascismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

1.3) A guerra fria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

1.4) O mercado da bola e a globalização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

2) RIQUEZA E TÍTULOS: ABORDAGEM EMPÍRICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

2.1) Prosperidade: Países X Clubes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

2.2) Prosperidade: Cidades/Estados X Clubes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

2.2.1) Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

2.2.2) Argentina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

2.2.3) Europa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

2.3) UEFA Champions League . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

2.3.1) Origens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

2.3.2) Modo de disputa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

2.3.3) Os vencedores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

2.3.4) Dinheiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

3) CONQUISTAS E RENTABILIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

3.1) Panorama das transferências entre os clubes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

3.2) Extração de valor dos jogadores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

3.3) A riqueza dos clubes e suas conquistas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

3.4) A campanha dos clubes e sua receita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

3.5) A campanha dos clubes e sua folha de pagamento . . . . . . . . . . . . . . . 32

CONCLUSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

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Lista de Tabelas e Figuras

Tabelas

Tabela 1 – Times de futebol mais valiosos do mundo (2009) - US$ . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

Tabela 2 – Países com maior PIB – Paridade Poder de Compra (2009) - US$ . . . . . . . . . 13

Tabela 3 – Soma dos valores dos times – divisão por país (derivado da Tabela 1) . . . . . . 13

Tabela 4 – Países europeus com maior PIB (derivado da Tabela 2) . . . . . . . . . . . . . . . . . .13

Tabela 5 – Títulos e vice-campeonatos da UEFA Champions League (1955-6/2009-10) . 14

Tabela 6 – PIB dos estados do Brasil (2007) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

Tabela 7 – Títulos nacionais por estado (Brasil) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

Tabela 8 – PIB dos estados da Argentina (2008) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

Tabela 9 – Títulos nacionais por estado (Argentina – 1931 a 2010) . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

Tabela 10 – Cidades com maior PIB nos principais países europeus (2005) – US$ bi . . . 17

Tabela 11 – Cidades europeias que mais venceram títulos da liga nacional (até a temporada 2009-10) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

Tabela 12 – Campeões e vice-campeões da UEFA Champions League (1955-56 até 2009-2010) – clubes e seus respectivos países . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

Tabela 13 – Campanhas fictícias de clubes participantes da Champions League 2009/2010 – as diferentes premiações concedidas pela UEFA de acordo com a fase alcançada pela equipe (milhões de euros) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

Tabela 14 – Suposições acerca das possibilidades de ganhos de cada clube de acordo com sua campanha na fase de grupos da temporada 2009/2010 da Champions League ( a UEFA premiou cada vitória com 800 mil euros e cada empate com 400 mil euros) . . . . . . . . . . 22

Tabela 15 – Valores médios de compras e vendas de jogadores pelos clubes – divisão por grupos de diferentes poderes aquisitivos (em libras) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

Tabela 16 – Saldo médio das transferências de cada grupo com os outros dois – divisão por grupos de diferentes poderes aquisitivos (em libras) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

Tabela 17 – Valor médio de compra e venda em transferências de um mesmo jogador por um time-chave – divisão por grupos de diferentes poderes aquisitivos (em libras) . . . . . . . . 26

Tabela 18 – Balanço da participação do G10 e G20 dos clubes mais ricos nas fases da UEFA Champions League da temporada 2003/2004 à temporada 2009/2010 . . . . . . . . . . . . . . . 27

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Tabela 19 – Fases de play-offs alcançadas pelos times do G10 e G20 da Forbes e outros clubes na UEFA Champions League – temporada 2003/2004 à temporada 2009/2010 . . 28

Tabela 20 – Classificação final da Liga Inglesa de 2005/2006 e as folhas salariais de cada clube . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

Tabela 21 – Classificação final da Liga Italiana de 2007/2008 e as folhas salariais de cada clube . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

Tabela 22 – Classificação final da Liga Italiana de 2008/2009 e as folhas salariais de cada clube . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

Figuras

Figura 1 – Transferências de jogadores (1893-2009) – em libras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

Figura 2 – Direitos televisivos das copas (1978-2006) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

Figura 3 – Países onde atuavam os jogadores na Copa de 2006 (%) . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

Figura 4 – Valores médios das transferências entre os grupos G10, G20-G10 e (G20) . . . 24

Figura 5 – Fluxos de dinheiro e jogadores entre os grupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

Figura 6 – Tempo médio de permanência dos jogadores (por grupo) . . . . . . . . . . . . . . . . 26

Figura 7 – Taxa anual de depreciação dos jogadores (por grupo) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

Figura 8 – Valor médio das vendas de jogadores (por grupo) – ligas nacionais A . . . . . . . 30

Figura 9 – Valor médio das vendas de jogadores (por grupo) – ligas nacionais inferiores 31

Figura 10 – Valor médio das vendas de jogadores (por grupo) – união das ligas A . . . . . . 32

Figura 11 – Valor médio das vendas de jogadores (por grupo) – união das ligas inferiores 32

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INTRODUÇÃO

O tema a ser tratado no trabalho é o futebol, especificamente enquanto negócio. Cada vez mais os clubes tem adquirido características empresariais, o que motiva a Ciência Econômica a estudar o comportamento do futebol sob esse foco. Ele movimenta bilhões de dólares por ano, e mexe também com as emoções de muita gente no mundo, afeta e é afetado pela sociedade que o cerca. Isso já é motivação suficiente para estudar com mais profundidade seus fenômenos, tendências e evolução histórica. O tema surgiu através da observação no cotidiano de que os times mais ricos parecem conquistar mais campeonatos, e que depois de conquistas geralmente há a venda de alguns dos jogadores que se destacaram nas competições conquistadas. Relacionar dinheiro com resultados é o espírito do capitalismo e sem dúvida cabe no escopo da teoria econômica.

O principal objetivo é estabelecer a relação entre dinheiro e resultados, ou seja, vencer rende dinheiro e este gera vitórias, podendo gerar um círculo virtuoso, e obviamente que o oposto é possível também, ou seja, derrotas restringem as receitas, o que dificulta futuras vitórias. O tema carece de trabalhos a ele dedicados, especialmente fazendo a ligação com a questão financeira. O Brasil está muito atrasado em termos de literatura futebolística em relação à Europa, o que não deveria ocorrer, uma vez que é um dos principais centros de formação de jogadores do mundo, e é o país que mais conquistou copas do mundo. Esse setor, depois de muito tempo de estagnação, tem crescido um pouco nos últimos anos, com obras como a de Hilário Franco Junior e Paulo Vinicius Coelho, a primeira mais geral, a segunda mais dedicada ao êxodo de jogadores à Europa.

O foco espacial do trabalho é a Europa, portanto, apesar de em algumas passagens o futebol brasileiro e argentino serem abordados, o principal campo de estudo é o futebol europeu. Tal escolha se deu porque o futebol de alto nível se pratica lá, onde está o dinheiro e por conseguinte está a maioria dos craques do mundo. O futebol argentino e brasileiro são também uma riquíssima fonte de pesquisa, mas para outros trabalhos, pois estão contidos em economias subdesenvolvidas e não tem condições de competir com os grandes e até médios clubes europeus em termos de dinheiro.

Isso ocorre pelas seguintes razões: 1) a maioria dos jogadores é proveniente das classes baixa e média-baixa dessas sociedades, e quando surge uma oportunidade de conseguir a independência financeira individual e familiar, eles dificilmente escolherão ficar em seus países; 2) a diferença entre as folhas salariais dos sul-americanos e dos europeus é muito grande; 3) o marketing esportivo é muito mais desenvolvido na Europa, enquanto no Brasil apenas Corinthians e São Paulo se destacam nesse setor, o que aumenta a dependência financeira dos clubes latinos da receita proveniente da venda de jogadores; 4) supondo que o clube não deixe o jogador sair mas não consiga renovar seu contrato, depois que este se encerrar, ele poderá assinar com outros clubes sem gerar receita ao clube que preferiu segurá-lo; 5) dada a razão número 1, empiricamente pode-se notar diversos casos em que um jogador que gostaria de deixar o clube para ir à Europa mas seu clube não permitiu, passa a fazer “corpo-mole” e/ou fingir contusões em represália à atitude do seu empregador.

As principais perguntas que se quer responder com o presente trabalho são: 1) Clubes de regiões mais ricas conquistam, em média, mais títulos do que clubes de regiões mais pobres?; 2) Clubes que conquistam um título ou classificação para uma competição importante conseguem, em média, maiores receitas provenientes das transferências de jogadores em

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relação aos que não conseguem resultados semelhantes ou mesmo são rebaixados para divisões inferiores?; 3) Clubes que investem mais do que os outros tendem a, em média, conquistar resultados melhores?

A expectativa é que se confirme os três questionamentos acima, ou seja, que se prove que, em média, regiões mais ricas tem clubes de mais sucesso, que resultados geram dinheiro e que dinheiro gera resultados.

1) FUTEBOL: “TRADUÇÃO DA HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA”

O futebol e o mundo que o envolve por diversas vezes tiveram suas histórias mescladas. Para Hilário Franco Júnior, o futebol, “tradução da história contemporânea”, compara-se à própria Revolução Industrial quanto à competição, produtividade, quantificação de resultados e especialização de funções (esta última talvez não se aplique à Hungria dos anos 50 nem ao chamado “Carrossel Holandês”, da década de 70). Segundo Franco, a regra do impedimento (offside) combina com o espírito britânico, pois este foi destaque na Revolução de 1689, que não teve a violência da Revolução Francesa de cem anos depois.

Fica fora de jogo quem adota comportamento furtivo (…) se esconde nas costas do adversário para fazer o gol (…) a situação de offside era chamada de sneaking, uma espécie de emboscada. Mais do que ilegal, o offside seria imoral. (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 31).

Para o autor, a condição política se refletia até no setor tático do futebol: a Inglaterra, maior potência imperialista da época, jogava no 1-10 (um defensor e dez atacantes – não existia goleiro ainda), enquanto a Escócia, historicamente mais fraca, inclusive ocupada algumas vezes pelos ingleses, jogava no 2-2-6. O jogo escocês – passing game – era mais coletivo, focado no trabalho em equipe e não nas jogadas individuais, refletia o momento de crescimento de movimentos sociais, como a Primeira Internacional (1864), o avanço dos direitos do operariado (aumento do poder sindical) e duplicação do número de eleitores (socialização do voto, inclusive com o direito ao voto secreto).

O jogo solidário dos operários escoceses (...) provava sua incontestável superioridade: nas dezesseis primeiras partidas (...) houve dez vitórias da Escócia, quatro empates e apenas dois sucessos da Inglaterra. (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 30).

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1.1) A difusão do esporte

A ideia dos governantes ingleses, quando do início do futebol, era restringi-lo às elites, visando à formação de futuros líderes utilizando as principais propriedades do esporte: condicionamento físico, moral e inteligência. Porém essa intenção logo foi frustrada pela forte difusão do esporte entre as classes mais baixas, nas escolas públicas e inclusive pelos operários (West Ham, Manchester United e Arsenal são exemplos de times que se iniciaram em indústrias, dos ramos, respectivamente, siderúrgico, ferroviário e armamentista) (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 26-27).

Enquanto estava restrito às classes mais abastadas, o estilo do jogo era do drible, destaques individuais. Quando o esporte passou a ser predominantemente operário, o passe ganhou espaço, o trabalho em equipe, que predominou sobre o jogo individual. “As cidades industriais (Manchester, Liverpool, Turim, Milão) tornaram-se as potências no esporte mais do que as cidades administrativas e de serviços (Londres, Roma)” (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 101).

1.2) O fascismo

Para ajudar a Azzurra a conquistar a Copa de 1934, Mussolini chegou a importar três argentinos e um brasileiro, Filó, ex-Corinthians e Palestra, que jogava na Lazio. Um general de Mussolini passou a dirigir a Federação Italiana de Futebol, houve arbitragens muito duvidosas a favor da Itália. “Houve, dirigida a Mussolini, saudação fascista do trio de arbitragem da decisão contra a Tchecoslováquia” (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 50).

Na Copa de 1938, ano das leis rascistas do Duce, após a Itália vencer o Brasil na semifinal, leu-se no jornal La Gazzetta dello Sport: “Para além da vitória atlética, resplandece a vitória da raça” (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 52). Nessa mesma Copa, o austríaco Matthias Sindelar, que participara da grande revanche da recém-anexada Áustria sobre a Alemanha, quando venceram os nazistas por 2 a 0, recusou convite para defender a seleção nazista. Sindelar foi assassinado meses depois.

Na Guerra Civil Espanhola, o presidente do Barcelona foi assassinado por franquistas e a sede do clube bombardeada pela aviação fascista. O time, cujas cores são da bandeira da Catalunha, sempre foi um símbolo antifranquista, enquanto o Real Madrid era o time de Franco. Uma das mais importantes figuras da história do Real, Santiago Bernabéu, que foi jogador do clube de 1911 a 1928, e diretor por vários anos, era franquista. Há rumores de que a própria contratação do argentino Alfredo di Stéfano, também pretendido pelo Barça, pelo Real na década de 1950 teve ajuda de Franco.

Em 1942, os alemães montaram uma equipe com oficiais da Força Aérea para jogar com o FC Start (combinado do Dínamo com o Lokomotiv), time da Ucrânia, país então ocupado pelos nazistas, mas os ucranianos venceram por 5x3. Tal contrapropaganda da suposta superioridade da “raça ariana” rendeu a prisão a quase todo o time ucraniano, e a morte a quatro deles.

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1.3) A Guerra Fria

Na Hungria de meados do século XX, todos os clubes foram nacionalizados e o campeonato húngaro se tornou um treinamento para o time do Exército (o Honved), pois todos os outros times deveriam jogar utilizando o sistema tático dos próximos adversários da seleção húngara. Com isso, os húngaros conquistaram a medalha de ouro em Helsinque (1952) e arrasaram as principais seleções européias (3 a 0 na Itália e 6 a 3 na Inglaterra). Eles jogavam no 4-2-4, com marcação por zona e posições móveis, lembrando os ideais socialistas de coletividade, enquanto os países capitalistas jogavam no 3-2-2-3 (o WM), com marcação individual. O astro desse time, Ferenc Puskas, disse: “era um protótipo do futebol total: quando atacávamos, todos atacavam, na defesa acontecia a mesma coisa” (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 58).

Os húngaros formavam a equipe sensação da Copa de 1954, que ocorreu na Suíça, país historicamente neutro. O torneio pode ser encarado como uma extensão da Guerra Fria. A Hungria socialista venceu os capitalistas Coreia do Sul, Brasil e Uruguai, caindo por 3x2 diante da capitalista Alemanha Ocidental na final. Os alemães encaravam a Copa como um modo de limpar a imagem de causadores da II Guerra. Essa partida envolveu diversos fatos suspeitos: foram encontradas seringas no vestiário alemão e os jogadores foram internados semanas depois do título, o que sugeriu doping; a arbitragem britânica (capitalista) validou um gol alemão feito após falta no goleiro e invalidou um gol húngaro legítimo. Após a polêmica final da Copa, os húngaros passaram invictos por dezoito partidas, enquanto os alemães perderam quatro de seis jogos, o que deixa clara a peculiaridade da partida decisiva daquela Copa, mesmo se tratando do futebol, o esporte que mais surpreende em termos de equipes mais fracas derrotarem equipes mais fortes.

1.4) O mercado da bola e a globalização

Com a difusão do futebol, explodiu o número de pessoas demandando ingressos para assistir aos jogos da equipe de sua cidade ou mesmo fábrica. Comerciantes passaram a financiar clubes, alguns jogadores que se destacavam se transferiam de equipe em troca de um emprego melhor. No entanto, esse tipo de atividade desagradava a elite, que a classificava de profissionalismo marrom. “Em 1884, o Preston North End foi eliminado da Copa da Inglaterra sob a acusação de trazer jogadores de outras regiões” (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 35).

Tais fatos são extremamente conflitantes com o mundo atual, onde bilhões de dólares são movimentados por ano com transferências de jogadores e marketing. Em 1885, a Football Association aceitou o profissionalismo no futebol inglês. Já em 1891, o Arsenal abriu parte de seu capital a acionistas. Como pode-se observar na Figura 1, o crescimento do mercado da bola foi exponencial. A diferença entre as transferências de 1893 e 2009 é tão grande que foram feitos dois gráficos, pois um só deixaria quase imperceptível a primeira metade das transferências.

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Em 1905, o jogador Alf Common foi transferido do Sunderland para o Middlesbrough por mil libras, valor bastante significativo para a época. (…) Em 1925, o Arsenal aceitou a proposição de seu manager e técnico Herbert Chapman de contratar o jogador Charles Buchan, do Sunderland, por um salário fixo e um valor complementar por gol marcado. (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 43).

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A primeira Copa do Mundo, em 1930, foi prejudicada pela quebra da Bolsa de Nova Iorque. Os efeitos da crise, somados à escolha de um país não europeu para sede, o Uruguai (então bicampeão olímpico), fizeram com que, entre os europeus, apenas Bélgica, França, Iugoslávia e Romênia participassem do torneio, que teve 13 seleções no total. Ao longo do tempo, a Copa se mostrou um negócio muito lucrativo: “5 bilhões acumulados de telespectadores em 1982, 8 bilhões em 1986, 32 bilhões em 1990” (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 117). O primeiro jogo de uma Copa a ser televisionado foi Iugoslávia 1x0 França, em 1954, praticamente sem valor de mercado. Com a globalização o crescimento desse nicho foi muito forte (Figura 2).

Em 1978 os direitos televisivos correspondiam, em valores atuais, a somente 15 milhões de euros; em 1982, a 24 milhões. Desde então comecou lenta escalada – 30 milhões em 1986, 60 milhões em 1990, 72 milhões em 1994, 84 milhões em 1998 e depois um salto: 853 milhões na Copa de 2002, 991 milhões na de 2006. Quanto ao futebol dos clubes (...) na Europa, entre 1984 e 1999, a receita de direitos televisivos deles cresceu 1220 vezes, a de contratos publicitários 33, a de bilheteria apenas 5. (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 123-124).

As copas do mundo, via de regra, reúnem os melhores jogadores do mundo, salvo quando uma grande seleção não se classifica à competição ou quando um grande jogador é exceção em um país. Então, a tendência é que os países em que a maioria dos jogadores presentes em uma Copa jogam sejam os países centrais no mundo do futebol, os mais poderosos financeiramente. Não é surpresa que essa distribuição seja bastante desigual, com praticamente metade desses jogadores atuando em apenas cinco países, enquanto o Brasil, subdesenvolvido, teve apenas quinze inscritos (2%) em 2002 e sete (0,95%) em 2006 (Figura 3).

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No Mundial de 2002, perto da metade dos jogadores inscritos atuava em clubes de apenas cinco países: Inglaterra (cem jogadores ou 13,5% do total), Itália (75 ou mais de 10%), Alemanha (59 ou 8%), Espanha (58 ou quase 8%), França (57 ou 7,7%). No Mundial de 2006, 103 trabalhavam na Inglaterra (14% do total de inscritos), 71 na Alemanha (9,6%), 60 na Itália (pouco mais de 8%), 58 na França (quase 8%), 49 na Espanha (quase 7%). (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 122).

2) RIQUEZA E TÍTULOS: ABORDAGEM EMPÍRICA

Já foram vistas diversas analogias, de caráter principalmente econômico e político, entre o futebol e a sociedade que o cerca. Nesta seção será feita uma abordagem mais prática, ou melhor, mais númerica e objetiva.

2.1) Prosperidade: Países X Clubes

A riqueza relativa das nações europeias se reflete no tamanho dos seus times? Para responder a essa questão foram colhidas duas listas: 1) os 20 (vinte) times de futebol mais valiosos do mundo, lista divulgada pela Forbes em 2009 (Tabela 1); 2) os 15 (quinze) maiores PIBs (Produto Interno Bruto) do mundo (Tabela 2).

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Em seguida, para uma maior facilidade na interpretação e identificação da relação entre esses dois fatores dentro do escopo do trabalho (a Europa), essas tabelas foram resumidas em, respectivamente: 1) a soma dos valores dos times de cada país dentre os 20 mais valiosos do mundo, todos europeus (Tabela 3); 2) os 6 países europeus com maior PIB dentre os 15 maiores do mundo (Tabela 4).

Analisando as tabelas, nota-se que todos os 5 países cujos clubes formam as maiores fortunas do mundo estão entre os 6 europeus de maior PIB. Entre esses 6, apenas a “intrusa” Rússia não ocupa lugar de destaque no valor dos clubes. Além disso, os dois países com maior valor de clubes, Inglaterra e Alemanha, são também os dois europeus com maior PIB, apenas invertida a ordem.

Com os dados acima estudados, conclui-se que, utilizando o PIB e a riqueza dos clubes, há indícios que apontam para uma forte relação entre a riqueza dos países europeus e dos seus clubes de futebol.

Essa relação se estende aos títulos do campeonato mais importante da Europa, a UEFA Champions League? Analisando a Tabela 5, nota-se que sim, pois os quatro países com mais

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títulos estão entre os seis maiores PIBs europeus, ressalvas feitas a França (4º PIB mas somente um título) e Holanda (seis títulos mas sem PIB de destaque).

2.2) Prosperidade: Cidades/Estados X Clubes

Na seção anterior, concluímos que a riqueza dos países está relacionada significativamente com a riqueza dos seus clubes. Nesta seção vamos analisar se entre as regiões de um país, aqueles com maior riqueza obtem mais sucesso nas competições nacionais. Serão analisados os estados do Brasil, províncias da Argentina e cidades europeias.

2.2.1) Brasil

Analisando o PIB dos estados brasileiros (Tabela 6), notam-se entre os cinco primeiros três estados da região sudeste e dois da região sul, sendo que o último estado dessas duas regiões ocupa a décima-primeira posição. São Paulo é responsável por 33,9% do PIB brasileiro, e os cinco primeiros estados por 66,8%. Tal predominância econômica sem dúvida se reflete na quantidade de títulos nacionais conquistados pelas equipes dessas regiões.

Apresenta-se o ranking de estados vencedores do Campeonato Brasileiro (início em 1971) e da Copa do Brasil (início em 1989), desde os anos em que foram disputados pela primeira vez, até os títulos de 2009, conquistados respectivamente por Flamengo e Corinthians (Tabela 7).

São Paulo lidera ambos os rankings, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais completam os quatro primeiros também em ambos. Na soma dos dois rankings, São Paulo aparece isolado em primeiro lugar, logo em seguida Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul estão próximos um do outro, e em quarto está Minas Gerais, longe dos segundo e terceiro lugares, mas também longe do quinto. Cruzando o ranking do PIB com o dos títulos nacionais, nota-se

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relação muito forte entre a riqueza dos estados e os títulos nacionais de futebol conquistados por suas equipes (correlação de 94,23%). Os quatro primeiros coincidem, apenas invertendo Rio Grande do Sul e Minas Gerais, e a supremacia paulista é notável em ambos.

2.2.2) Argentina

Antes de apresentar os dados, deve-se deixar claro que a cidade de Buenos Aires não faz parte da Província de Buenos Aires e nem é sua capital, mas é um distrito federal autônomo. Foram colhidos os PIBs das províncias argentinas (Tabela 8), e os campeões desde o início do profissionalismo (1931) até o Torneio Clausura de 2010, vencido pelo Argentinos Juniors (Tabela 9). Os dados compreendem tanto o período em que havia um campeonato por ano como o período atual, com os torneios Apertura e Clausura (um de cada por ano).

No campo futebolístico, nota-se forte superioridade da Cidade de Buenos Aires quando se fala de títulos nacionais, pois seus clubes foram quase três vezes mais campeões do que o segundo colocado no ranking, a Província de Buenos Aires. Há que ressaltar que a Cidade de

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Buenos Aires reúne Boca Juniors, River Plate, Vélez Sarsfield e San Lorenzo de Almagro.

Tratando do PIB, a Província de Buenos Aires apresenta superioridade absoluta, mas se considerarmos que a Cidade de Buenos Aires tem apenas 203 Km², enquanto a Província tem 307.571 Km², essa superioridade não fica tão clara (PIB por Km²: US$ 349.357.244 da Cidade de Buenos Aires, e US$ 357.743 da Província). De qualquer modo, também no caso argentino a economia parece se refletir no número de títulos dos estados, pois os três primeiros coincidem em ambos os rankings e calculando a correlação entre PIB e títulos das províncias, chega-se a 74,75%, fortalecendo a conclusão.

2.2.3) Europa

Para a análise europeia foram colhidos o ranking dos países com maior PIB em cada um dos 7 principais em termos de futebol europeu (Tabela 10) e o ranking por país das cidades com maior número de títulos nacionais (Tabela 11). Somente aparecem as cidades que se encontravam, em 2005, entre as 151 com maior PIB. A Espanha é o país que melhor relaciona o PIB das cidades com as conquistas nacionais. Madrid e Barcelona são as maiores cidades da Espanha tanto quanto ao PIB como ao futebol. Cabe ressaltar que Madrid reúne os títulos de Real Madrid e Atlético de Madrid, enquanto a cidade de Barcelona conta apenas com os títulos do FC Barcelona. Portugal também segue essa linha, pois Lisboa, a única cidade portuguesa entre os maiores PIBs, é a que possui mais títulos do país. Na Itália, entre os quatro maiores PIBs, apenas Nápoles não aparece em destaque no ranking dos títulos, deixando a cidade de Bolonha acompanhar Roma, Turim e Milão.

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Inglaterra e Holanda não fogem à regra. Londres, Birmingham e Manchester aparecem entre os quatro primeiros nos dois rankings, sendo que somente há a distorção da cidade de Liverpool, que lidera o ranking futebolístico mas nem aparece no ranking do PIB. Na Holanda, Amsterdã lidera ambos os rankings e Roterdã, muito próxima de Amsterdã no PIB, é a terceira em títulos.

A relação entre PIB e títulos não é tão clara no caso alemão, e praticamente inexiste no caso francês. Na Alemanha, a superioridade futebolística de Munique é indiscutível, mas a cidade aparece apenas com o terceiro maior PIB, enquanto os outros três PIBs, Berlim, Hamburgo e Colônia, não aparecem entre os quatro maiores vencedores. Na França, Paris é extremamente mais rica que as outras cidades, mas tem posição discreta no ranking dos títulos. Saint-Étienne, Marselha e Nantes são os maiores vencedores mas não aparecem no ranking dos PIBs, de modo que somente Lyon figura bem nos dois rankings.

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2.3) UEFA Champions League

2.3.1) Origens

Os Wolverhampton Wanderers, no início da década de 1950, ganharam destaque no cenário internacional, fazendo uma série de amistosos contra Racing (Argentina), Spartak Moscow (Rússia) e o próprio Honved (Hungria), time com a reputação de já ter batido a Inglaterra e a Itália. Após a vitória por 3x2 sobre o Honved, Stan Cullis, o treinador dos Wolves, com o respaldo da imprensa inglesa, afirmou que eles eram os campeões do mundo.

Gabriel Hanot, ex-jogador da seleção francesa, homem que criou a Bola de Ouro (premiação ao melhor jogador europeu da temporada), primeiro a chamar Pelé de “Rei do Futebol”, então editor do jornal francês L'Équipe, não concordou e propôs uma competição continental e quiçá mundial, como se observa em sua citação logo abaixo. Já em 1955 foi criada a UEFA Champions League, não ainda com esse nome, criado na temporada 1992-1993.

Antes de declararmos que os Wolverhampton Wanderers são invencíveis, deixe-os ir a Moscou e Budapeste. E há outros clubes internacionalmente renomados: A.C. Milan e Real Madrid somente para citar dois. Um campeonato mundial de clubes, ou pelo menos um campeonato europeu – maior, mais significativo (...) e mais original do que uma competição entre seleções – deve ser lançado (HANOT, 1953).

2.3.2) Modo de disputa

De 1955 a 1991, a UEFA era disputada no sistema mata-mata, com um representante por país, o campeão nacional, exceto se este tivesse ganhado a competição europeia no ano anterior, caso em que o vice-campeão nacional se qualificava também, uma vez que o campeão europeu automaticamente se qualificava, como no regulamento atual, para o campeonato posterior para defender o título.

De 1991 a 2003, houve diversas modificações, aumentando o número de clubes participantes, de modo que, desde 2003 até os dias de hoje, a fórmula de disputa é: no máximo quatro clubes por país, dependendo do coeficiente de cada associação nacional, gerado com base na participação de seus clubes nas últimas cinco edições da competição. Há três fases eliminatórias, qualificando 10 times para se unir aos outros 22 automaticamente classificados à fase de grupos; formam-se 8 grupos com 4 times cada, que jogam entre si duas vezes, uma em casa e outra fora, classificando-se os dois primeiros. Nessa fase não podem cair no mesmo grupo equipes de um mesmo país.

Formam-se as oitavas-de-final, com confrontos sorteados entre primeiros e segundos colocados dos grupos. Assim como na fase de grupos, duas equipes do mesmo país não podem se enfrentar, proteção esta que não ocorre mais nos sorteios das quartas-de final e semifinais. Das oitavas até as semis, ocorrem duas partidas, uma em casa e outra fora.

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Classificam as equipes pelos critérios de maior pontuação, saldo de gols e gols fora de casa. Havendo empate nesses três critérios, o jogo vai para a prorrogação, mantendo a igualdade há a cobrança de penalidades. A questão dos gols fora de casa como critério de desempate surgiu na década de 1970.

2.3.3) Os vencedores (Tabela 12)

A primeira edição ocorreu em 1955-56. Nas sete primeiras edições do torneio, times espanhóis estiveram em todas as finais, vencendo as 5 primeiras, todas com o Real Madrid, de Di Stéfano, Puskas e Santamaría. As duas seguintes, Barcelona e Real Madrid perderam para o Benfica, de Eusébio. Em 1957, o Manchester United, voltando do jogo que deu ao clube a classificação às semifinais do torneio, perdeu oito jogadores em um acidente com o avião da equipe.

Os três anos seguintes viram a Itália tomar a dominação espanhola, com o Milan vencendo o Benfica e o bicampeonato da Internazionale, contra o Real Madrid e o próprio Benfica. Em 1966, o Real voltou a conquistar o título, seguido pelo Celtic, primeiro e único campeão escocês, e o Manchester, de Bobby Charlton, sobrevivente da tragédia de Munich, que marcou dois gols na final, fazendo de sua equipe a primeira inglesa a vencer o torneio.

Seguiu-se então uma sequência dominante do futebol holandês, com o Ajax sendo vice para o Milan em 1969, o Feyenoord vencendo em seguida, e então o tricampeonato do Ajax, de Cruyff, Krol, Neeskens e cia, base da “Laranja Mecânica”. Depois veio o tricampeonato do alemão Bayern Munich, também base da seleção nacional (campeã em 1974), com Franz Beckenbauer, Sepp Maier, Gerd Müller e Paul Breitner.

Nas próximas dez temporadas o futebol inglês dominou o torneio, com o bicampeonato do Liverpool e do Nottingham Forest, este o único time a vencer mais vezes a Champions League (2 vezes) do que a liga nacional de seu país (1 vez). O Liverpool voltou a vencer em 1981, seguido pelo Aston Villa. Em 1983, o Hamburgo interrompeu a sequência, batendo a Juventus, mas o Liverpool retomou a taça no ano seguinte, e foi vice em 1985, perdendo para a Juventus, resultado que culminou nas mortes de 39 torcedores da Juve e na proibição de participação no torneio por 5 anos de todas as equipes inglesas, e 6 anos para o Liverpool.

Em 1986, a Romênia conquistou seu primeiro e único título, com o Steua Bucareste, seguido pelo Porto e PSV Eindhoven. Nas dez temporadas seguintes, a Itália esteve presente em 9 finais, vencendo 4 vezes (3 com o Milan e 1 com a Juventus) e sendo vice em 5 oportunidades (1 com a Sampdoria, 2 com Milan e Juventus). Somente a final de 1991 não teve equipes italianas (Red Star x Marseille), foi o primeiro e único título iugoslavo.

Após o título do Manchester em 1999, com Peter Schmeichel, Roy Keane, David Beckham e Ryan Giggs, por três anos os espanhóis dominaram, inclusive com a primeira final entre dois clubes do mesmo país (Real Madrid 3x0 Valencia), em 2000, seguida por outro vice do Valencia (para o Bayern Munich) e outro título do Real (contra o Leverkusen de Ballack, que também foi, nesse ano, vice da Bundesliga, da Copa da Alemanha e da Copa do Mundo de 2002, esta última pela seleção alemã).

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Em 2003, Milan e Juventus fizeram uma final italiana, que o Milan venceu nos pênaltis. No ano seguinte, o Porto voltou a vencer, desta vez contra o Mônaco. Desde então, até 2008-09, o futebol inglês tem sido destaque, com dois títulos (Liverpool e Manchester) e quatro vices (Arsenal, Liverpool, Chelsea e Manchester), perdendo duas vezes para o Barcelona e uma para o Milan. Inclusive, em 2008 a final foi inglesa, com o Manchester vencendo o Chelsea nos pênaltis. Na última temporada analisada, 2009-2010, os ingleses não chegaram nem às semifinais (Inter x Barça e Bayern Munich x Lyon), e a Internazionale, depois de 45 anos, voltou a vencer a UEFA Champions League.

Aliás, a Internazionale fez jus ao nome e se tornou um ótimo exemplo da globalização do esporte bretão, pois na equipe que começou a final de 2010 não havia sequer um italiano (4 argentinos: Javier Zanetti, Walter Samuel, Diego Milito e Esteban Cambiasso; 3 brasileiros: Júlio César, Lúcio e Maicon; o camaronês Samuel Eto'o, o holandês Wesley Sneijder, o romeno Cristian Chivu e o macedônio Goran Pandev). O único italiano a participar da equipe comandada pelo manager português José Mourinho, foi Marco Materazzi, que entrou no segundo tempo.

2.3.4) Dinheiro

A UEFA é patrocinada por um grupo de multinacionais que tem prioridade quanto a anúncios de TV durante as partidas, além de quatro placas de propaganda cada ao longo do perímetro do campo. Alguns dos patrocinadores atuais são a Adidas (que fornece a bola oficial), Ford, MasterCard, Sony (BRAVIA e PlayStation) e Heineken.

Segundo o website www.futebolfinance.com, cada equipe classificada para a fase de grupos da Champions League da temporada 2009/2010 recebeu 7,1 milhões de euros. Nessa fase, cada vitória valeu 800 mil euros e cada empate 400 mil (Tabela 14). Quem chegou às oitavas-de-final recebeu mais 3 milhões de euros, mais 3,3 milhões para quem chegou às quartas-de-final, 4 milhões para cada semifinalista, 5,2 milhões ao vice-campeão e 9 milhões ao campeão (Tabela 13).

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Mais de 70 países transmitem as partidas da Champions League, em mais de 40 línguas diferentes. Em 2009, a final entre Barcelona e Manchester United teve 109 milhões de telespectadores, pela primeira vez ultrapassando o Super Bowl (106 milhões), decisão da liga de futebol americano dos EUA, sendo nesse ano o evento esportivo mais visto no mundo.

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3) CONQUISTAS E RENTABILIDADE

3.1) Panorama das transferências entre os clubes

Antes de testar as hipóteses do presente trabalho, será exposto o panorama das transferências de jogadores. Para isso, foram coletadas 21.530 transferências, de 01/08/1990 a 26/06/2009. Elas foram divididas em três grupos: 1) G10, com os dez clubes mais ricos do mundo, segundo o ranking da Forbes (2009); 2) G20-G10, com os dez seguintes nesse ranking, ou seja, do 11º ao 20º; 3) (G20), com todo o resto, ou seja, tudo menos o G10 e o G10-G20.

No G10 ficaram, pela ordem no ranking: Manchester United, Real Madrid, Arsenal, Bayern Munich, Liverpool, Milan, Barcelona, Chelsea, Juventus e Schalke 04. No G20-G10, também em ordem, ficaram: Tottenham, Lyon, Roma, Internazionale, Hamburgo, Borussia Dortmund, Manchester City, Werder Bremen, Newcastle e Stuttgart. Em seguida, foram criados 9 grupos de transferências: do G10 ao G10, ao G20-G10 e ao (G20), do G20-G10 ao G10, ao G20-G10 e ao (G20), e do (G20) ao G10, ao G20-G10 e ao (G20).

Observa-se, sem surpresa, que o valor médio das compras do G10 é mais que o dobro do valor médio das compras do G20-G10, e este é quase dez vezes maior que a média do resto das compras, as do (G20). Quanto às vendas a situação muda, pois o valor médio do G10 é quase igual ao do G20-G10, mantendo-se a inferioridade do (G20) (Tabela 15).

Nota-se, na Figura 4, que o fator preponderante para determinação da posição do grupo de transferências é o comprador, pois as compras do G10 possuem os valores médios mais altos, seguidas pelos três subgrupos do G20-G10 e no fim da tabela os três subgrupos do (G20). Entre as compras do G10, as cujo vendedor é do mesmo G10 são as mais caras, seguidas pelo G20-G10 e pelo (G20). O mesmo ocorre dentre as compras do G20-G10 e do (G20), ou seja, entre compras do mesmo grupo, as vendas do G10 são mais caras, seguidas pelas vendas do G20-G10 e do (G20). Com esses dados, é possível calcular o saldo médio de cada grupo em relação aos outros dois. Observa-se que o G10 é deficitário em relação tanto ao G20-G10 como ao (G20). O G20-G10 apresenta superávit em relação ao G10 e déficit ao (G20). Este possui superávit em relação aos outros dois. O saldo do G10 é negativo, enquanto G20-G10 e (G20) apresentam saldos positivos (Tabela 16).

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Até agora já se pode notar que quanto mais rico o clube, mais ele gasta para comprar jogadores e mais ele recebe ao vender seus jogadores. Porém, esses dados possibilitam uma análise mais profunda do fluxo de jogadores, bem como do fluxo de dinheiro entre os três grupos. Entre o G10 e o G20-G10, nota-se fluxo similar de jogadores para ambos, mas fluxo muito maior de dinheiro do G10 para o G20-G10 do que o inverso, isso porque os jogadores de maior qualidade tendem a se transferir para os clubes mais ricos, que pagam obviamente mais para tê-los em seus plantéis, enquanto os jogadores que já estão no ocaso da carreira ou mesmo que não estão atendendo às expectativas do clube maior, fazem o caminho contrário, do mais rico ao mais pobre. Essa explicação é valida também para as relações entre G10 e (G20) e entre G20-G10 e (G20) (Figura 5).

Portanto, quanto mais rico o clube, mais ele investe em jogadores. Quando eles apresentam resultados satisfatórios, geralmente são mantidos, no limite, até o fim da carreira (ou saem um pouco antes para um time de menor expressão, quando já valem bem menos do que quando foram negociados com o clube mais rico). Tirar bons jogadores de clubes ricos é o tipo de transferência que lidera as listas das mais caras. Quando os resultados decepcionam, ocorre

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também a depreciação, não pelo tempo, como na situação anterior, mas pelo “fracasso”, e os jogadores também saem dos clubes mais ricos para os menos ricos.

A priori poderia-se supor que o prejuízo dos clubes do G10 nas transferências de jogadores fosse sanado com renda de venda de ingressos, patrocínios e cotas de transmissão televisiva, mas via de regra isso não acontece. Em 2009, analisando os 20 maiores times europeus, a receita vem em sua maioria dos direitos de transmissão dos jogos, que representam 42% do total. Propaganda na camisa e venda de material esportivo renderam 32%. A bilheteria ficou com 26% do total. Os clubes ingleses lideram o ranking dos devedores (€ 3,6 bilhões, sendo € 1,9 bi somente de Chelsea e Manchester), seguidos pelos espanhóis (€ 1 bilhão, sendo € 700 milhões somente do Real Madrid) e italianos (500 milhões, sendo 400 somente do Milan). Os negócios chegaram até a crescer em meio à recente crise econômica, mas a situação dos clubes europeus é de forte endividamento (PEQUENOS VASCAÍNOS, 2010).

Os principais clubes de futebol da Europa acumulam dívida líquida de € 5,5 bilhões (…) Quase € 3 bilhões são devidos aos bancos por apenas 20 equipes, incluindo justamente as que mais faturam como o Real Madrid, Manchester United e Milan (…) Pelo menos 47% dos times europeus não são capazes de cobrir seus custos e 23% dos grandes continuam a sofrer perdas de mais de 20% de renda (…) de cada € 5 mil de faturamento, a maioria dos times gasta em média € 6 mil (PEQUENOS VASCAÍNOS, 2010).

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3.2) Extração de valor dos jogadores

As transferências acima foram aglutinadas por jogador, de modo que se um time “A” compra de “B” o jogador “X” no período t por um valor “V1”, e vende para “C” (nada impede que C=B) o mesmo jogador “X” no período (t+1) por um valor “V2”, “A” será considerado o Time-Chave, “B” o Vendedor e “C” o Comprador. Foram eliminadas as tranferências em que V1=0, para efeito de análise de rentabilidade percentual, bem como as transferências únicas, ou seja, cujo jogador não foi envolvido em nenhuma outra transferência além dessa.

Com isso, quer-se corroborar a conclusão anterior de que os times do G10 tendem a ter rentabilidade nas transferências menor do que os times menores. O G10 ficou com 271 observações, reunindo 542 transferências, o G20-G10 ficou com 236 observações, reunindo 472 transferências, e o (G20) ficou com 6747 observações, reunindo 13494 transferências.

Os resultados presentes na Tabela 17 mostram que, em média, os jogadores tendem a permanecer 9 meses a mais nos clubes do G10 do que nos médios, e 6,5 meses a mais nos médios do que nos pequenos, o que teoricamente é esperado, pois quanto maior o clube, maior a vontade do jogador de ficar e maiores as condições do clube de arcar com as despesas de contratar e manter o jogador (Figura 6).

Novamente, os clubes do G10 aparecem como deficitários no mercado de jogadores, pois em

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média recebem 47,7% a menos na venda do jogador do que pagam na sua compra (prejuízo médio de 1.754.686 libras a cada operação, ou seja, compra e venda de um mesmo jogador). Os médios recebem, em média, 34,1% a menos na venda (prejuízo médio de 671.614 libras), e os pequenos recebem 21,7% a menos (prejuízo médio de 63.227 libras).

Pode-se interpretar esse resultado como a maior extração de valor dos jogadores nos clubes mais ricos, até porque são os jogadores que tem mais talento a ser utilizado, ou seja, um jogador mostra ter qualidade diferenciada dos demais, logo desperta o interesse de um clube rico, que o compra e fornece todas as condições para que suas habilidades rendam frutos ao clube. Com o tempo, o jogador vai se depreciando, especialmente pela idade, e então, quando não satisfaz mais as necessidades do clube rico, é vendido a um clube inferior, obviamente por um valor inferior ao que o clube rico pagara tempos antes (Figura 7).

3.3) A riqueza dos clubes e suas conquistas

Quanto mais dinheiro um clube tem, mais conquistas ele terá? Espera-se que o teste a seguir confirme essa suposição. A partir de 2004, a UEFA Champions League passou a ter a fase de oitavas-de-final, seguida pelas quartas-de-final, semifinais e final. Serão utilizados os dados dos campeonatos de 2003/04 até 2009/10 para corroborar a hipótese de que o dinheiro gera conquistas. Para isso, serão cruzadas duas listas: os 20 clubes mais ricos do mundo, segundo a Forbes, e os clubes presentes nas fases da liga supracitadas. Com isso, espera-se que os clubes mais ricos tenham mais participações nas fases derradeiras da UEFA Champions League.

A Tabela 19 lista os dez clubes mais ricos, seguidos dos outros dez presentes no G20 da Forbes, estes seguidos de clubes não presentes na lista, mas que tiveram alguma participação nas oitavas-de-final, quartas-de-final, semifinais ou final, de 2004 a 2010. Nota-se incidência muito maior de títulos no G10, bem como vice-campeonatos e participações nas semifinais.

Como se observa na Tabela 18, o G10 foi responsável, nesses sete anos, por 71% dos títulos, 79% dos vice-campeonatos, 75% das participações em semifinais, 61% das participações em quartas-de-final e 49% das participações em oitavas-de-final. Nota-se também a dominação do G10 sobre o G20, pois grande parte dos feitos do G20 se devem ao G10: 83% dos títulos do G20 foram conquistados pelo G10, bem como 92% dos vice-campeonatos, 91% das

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participações em semifinais, 79% das participações em quartas-de-final e 73% das participações em oitavas-de-final. Isso mostra que quanto mais distante a fase, maior a participação relativa dos clubes mais ricos (relação positiva entre dinheiro e conquistas).

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3.4) A campanha dos clubes e sua receita

Quanto melhor a campanha de um clube na liga de seu país maior será sua receita com venda de jogadores? Espera-se que o teste a seguir confirme essa suposição. Foi colhida uma amostra de 12.899 transferências, de 01/01/2001 a 26/06/2009, somando o valor de £ 6.797.438.001. Dessa amostra, foram criados grupos de acordo com o resultado do clube de origem do jogador, ou seja o clube vendedor, na liga de seu país. Se um clube na liga de 2000/2001 se qualificou para a UEFA Champions League, todas as vendas de jogadores desse clube no ano de 2001 entrarão para o grupo dos Qualificados à UEFA Champions League. As ligas “A” analisadas (inglesa, espanhola, italiana, francesa, holandesa, portuguesa, escocesa e alemã) tiveram 4 grupos cada: Qualificados à UEFA Champions League, Qualificados à UEFA Cup, Clubes Médios (nem rebaixados nem classificados a competições importantes) e Rebaixados à Divisão Inferior. As ligas inferiores analisadas (“B” e “C” inglesas, “B” espanhola, “B” italiana, “B” francesa e “B” escocesa) tiveram 3 grupos cada: Promovidos à Divisão Superior, Clubes Médios (nem rebaixados nem promovidos) e Rebaixados à Divisão Inferior.

Somando todas as observações utilizadas nas 14 ligas analisadas, chega-se a 7.579 transferências, somando £ 3.442.746.001, ou seja, 58,76% das transferências da amostra, somando 50,65% do seu valor.

Entre as ligas inglesa, espanhola, italiana, francesa, alemã, holandesa, portuguesa e escocesa, apenas a alemã apresentou valor médio de venda de jogadores menor para os classificados à UEFA Champions League do que os classificados à UEFA Cup. Em todas as outras sete quem se classificou à Champions League vendeu jogadores por mais libras, em média, do que quem se classificou à UEFA Cup, os médios e os rebaixados. As ligas inglesa, espanhola, italiana, francesa, holandesa e escocesa apresentam a ordem esperada, ou seja, classificados à Champions League vendem mais caro, em média, do que classificados à UEFA Cup, que vendem mais caro do que os clubes médios, que vendem mais caro que os rebaixados. O caso português apresenta forte liderança dos classificados à Champions League, mas os outros três níveis são praticamente iguais (Figura 8).

Ocorre a situação gradual esperada também nas ligas “B” inglesa, espanhola, italiana, francesa e “C” inglesa, em que os times promovidos vendem, em média, mais caro seus jogadores do que os clubes médios, que vendem mais caro que os rebaixados. Somente a liga “B” escocesa apresenta maior valor médio para os times médios do que promovidos (Figura 9).

Agregando as 8 séries principais analisadas, chega-se a 3.705 transferências (28,75% da amostra), somando £ 2.966.903.500 (43,65% do valor da amostra). O resultado é o esperado, pois o valor médio das vendas de jogadores dos clubes classificados à Champions League é £ 1.421.458, 54,4% a mais do que o valor médio das vendas dos clubes classificados à UEFA Cup (£ 920.869), que é 69% maior que o valor médio das vendas dos clubes médios (£ 544.897), que é 15,4% maior que o valor médio das vendas dos clubes rebaixados (£ 472.039) (Figura 10).

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Agregando as 6 séries inferiores analisadas, chega-se a 3.874 transferências (30,03% da amostra), somando £ 475.842.501 (7% do valor da amostra). O resultado também é o esperado, pois o valor médio das vendas de jogadores dos clubes promovidos às divisões superiores é £ 216.731, 105,8% maior que o valor médio dos clubes médios (£ 105.328), que é 89,5% maior que o valor médio dos clubes rebaixados às divisões inferiores (£ 55.582) (Figura 11). Todos os valores médios foram calculados através de média simples (soma das observações / número de observações).

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3.5) A campanha dos clubes e sua folha de pagamento

Quanto maior a folha de pagamento de um time, melhor a sua colocação na liga nacional? Espera-se que o teste a seguir confirme essa suposição. Os dados referentes à folha de pagamento das equipes não são facilmente conseguidos, de modo que a presente pesquisa somente teve acesso a três folhas europeias recentes: a da Liga Inglesa de 2005/2006 e as da Liga Italiana de 2007/2008 e 2009/2010. Cruzando esses dados com a pontuação obtida por cada equipe nessas ligas espera-se que quanto maior a folha salarial, melhor a posição na classificação final da liga.

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A Liga Inglesa de 2005/2006 teve o Chelsea como campeão, seguido do Manchester United, Liverpool, Arsenal e Tottenham. Ordenando decrescentemente pela folha salarial, o campeão também seria o Chelsea, seguido também por Manchester United, Arsenal e Liverpool. Note que somente a ordem entre o 3º e o 4º muda, mas os clubes são os mesmos. As duas listas também são próximas no final da tabela, pois, em ambas, o Sunderland é o “lanterna” e o West Brom o “vice-lanterna” (Tabela 20). Com isso, não é surpresa que a correlação (excluindo o Middelsbrough, cujos dados não foram fornecidos) entre os pontos conquistados e a folha salarial seja de 84,2%.

A Liga Italiana de 2007/2008 teve a Internazionale como campeã, seguida por Roma, Juventus, Fiorentina e Milan. A lista segundo a folha salarial tem esses mesmos cinco líderes, mudando somente a ordem para Milan, Inter, Juventus, Roma e Fiorentina (Tabela 21). A correlação é de 76%. A Liga Italiana de 2009/2010 é um caso extremo da relação entre pontos ganhos e salários pagos, pois a classificação final por pontos não se altera em nenhuma posição quando se classifica de acordo com a folha salarial, apresentando correlação de 89,9% (Tabela 22).

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Obviamente, a amostra acima estudada é pequena, pois são três ligas em meio ao grande futebol europeu, que tem pelo menos cinco ligas significativas por ano, mas as três ligas acima fortalecem muito a hipótese de que dinheiro traz sucesso, pois os clubes que mais gastaram com salários foram os melhor colocados na classificação geral.

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CONCLUSÃO

Ao longo do trabalho, diversas análises foram realizadas relacionando dinheiro e resultados futebolísticos. Nelas foram formadas as seguintes relações: 1) Regiões mais ricas possuem clubes mais valiosos; 2) Regiões mais ricas possuem clubes mais vitoriosos; 3) Clubes mais ricos seguram os jogadores por mais tempo; 4) Clubes mais ricos extraem mais valor dos jogadores; 5) Clubes mais ricos conquistam melhores resultados dentro de campo; 6) Clubes que conquistam bons resultados agregam valor aos seus jogadores; 7) Clubes que pagam maiores salários aos jogadores alcançam melhores colocações em sua liga nacional.

As relações acima podem ser aglutinadas em duas conclusões principais: 1) Resultados esportivos positivos geram dinheiro; 2) Dinheiro gera resultados esportivos positivos. A partir disso, dois círculos podem ser formados: Círculo virtuoso: um clube que consegue conquistas no futebol gera dinheiro que, se bem aplicado, deverá gerar outros bons resultados no futuro; Círculo vicioso: um clube que não alcança bons resultados no futebol tem seus ganhos financeiros restringidos, o que dificultará investimentos visando uma futura reversão dessa situação adversa. Portanto, as relações entre dinheiro e futebol, investimentos e títulos, resultados financeiros e esportivos, foram corroboradas pelo presente trabalho.

Por fim, são temas interessantes para futuros trabalhos: as categorias de base dos clubes – os investimentos e as diferentes produtividades das “fábricas de jogadores” dos países; o recente crescimento do mercado da bola no Oriente Médio e no Leste Europeu; a volta de jogadores brasileiros em fim de carreira para clubes do país (Ronaldo e Roberto Carlos no Corinthians, Deco no Fluminense); a naturalização de jogadores para defender seleções nacionais estrangeiras (Deco, Pepe e Liédson em Portugal, Camoranesi na Itália, Cacau, Podolski, Özil, Khedira e Klose na Alemanha).

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