fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: foco...

76
Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: foco nos produtos do mar FAO DOCUMENTO TÉCNICO SOBRE PESCA 462

Upload: phunganh

Post on 19-Feb-2018

216 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: foco nos produtos do mar

FAO DOCUMENTO

TÉCNICO SOBRE PESCA

462

Ilustração da capa:Representação esquemática genérica do modelo da colheita-ao-consumo para riscos microbiológicos nos alimentos.

porAamir M. FazilLead Scientist Health Risk ModellingLaboratory for Foodborne ZoonosesPublic Health Agency of CanadaOttawa, OntarioCanada

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: foco nos produtos do mar

FAO DOCUMENTO

TÉCNICO SOBRE PESCA

462

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA AGRICULTURA E ALIMENTAÇÃO (FAO)

Roma, 2005

Os termos empregados nesta publicação informativa e apresentação do material nela contido não implicam na expressão de qualquer opinião por parte da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação no que diz respeito à situação jurídica ou de desenvolvimento de qualquer país, território, cidade ou área, nem às suas autoridades ou à delimitação de suas fronteiras ou limites.

ISBN 92-5-105417-7

Todos os direitos reservados. Ficam autorizadas a reprodução e difusão do desse material informativo para fins educativos ou outros fins não comerciais, sem necessidade de permissão prévia por escrito dos detentores dos direitos autorais, desde que a fonte seja devidamente citada. É proibida sua reprodução, no todo ou em parte, para revenda ou outros fins comerciais, sem a permissão por escrito dos detentores dos direitos autorais. Os pedidos de autorização devem ser dirigidos a:

ChiefPublishing Management ServiceInformation DivisionFAOViale delle Terme di Caracalla, 00100 Roma, Itáliaou por e-mail para: [email protected]© FAO 2005

© Centro Pan-Americano de Febre Aftosa (PANAFTOSA)/Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS)/Organização Mundial da Saúde (OMS), 2015. (versão em português)

Tiragem: 1.000 exemplares. 1ª edição, Ano 2015.

É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que a fonte seja citada. A responsabilidade pelos direitos autorais de textos e imagens desta obra é do autor.

Versão original publicada pela FAO, Roma.

Título Original: A primer on risk assessment modelling: focus on seafood products.

Tradução e revisão de texto: Centro Pan-Americano de Febre Aftosa/OPAS-OMS.

Impresso no Brasil /Printed in Brazil

Este produto foi realizado no âmbito do Termo de Cooperação Técnica – TC nº 64 – celebrado entre a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (ANVISA/MS).

Fazil, A.M. Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: foco nos produtos do mar / A. M. Fazil; tradução: Centro Pan-Americano de Febre Aftosa. – Rio de Janeiro: PANAFTOSA-OPAS/OMS; ANVISA, 2015.

66 p.

FAO. Documento Técnico sobre Pesca; 462. Tradução de: A primer on risk assessment modelling: focus on seafood products.

1. Alimentos – análise de risco. 2. Controle sanitário – alimentos. I. Título. II. Serie.

Ficha catalográfica elaborada pelo Centro de Documentação do PANAFTOSA/OPAS-OMS

III

ELABORAÇÃO DESTE DOCUMENTO

Este documento técnico foi elaborado para servir de introdução aos conceitos de avaliação do risco microbiano em geral, mas com um foco nos produtos do mar e uma maior ênfase na abordagem quantitativa. Foi realizado um esforço no sentido de produzi-lo de forma ilustrativa e, para esse fim e sempre que possível, foram utilizados exemplos para destacar os conceitos e as aplicações apresen-tadas. Ele apresenta uma introdução aos diferentes tipos de modelos e conceitos pertinentes a uma avaliação de risco e mostra como eles contribuem para o pro-cesso decisório.

Tal como foi escrito, o documento pode ser útil a diferentes grupos. Ele pode servir de guia para aqueles que estão se iniciando na avaliação de riscos no campo e que talvez estejam buscando um texto ilustrativo e aplicado. É adequado tam-bém para gerentes de risco que não estão envolvidos diretamente em avaliações de risco, mas precisam de conscientização e de uma apreciação dos pormenores e possíveis aplicações da avaliação de risco microbiano.

O conteúdo e o layout do documento são o resultado de muitas apresentações, oficinas e cursos de treinamento que o autor e seus colegas conduziram para dife-rentes públicos, e respondem à necessidade de um texto que fosse básico e bas-tante ilustrativo para uso naquelas sessões.

IV

AGRADECIMENTOS

O autor deseja agradecer a muitos dos seus colegas que, através de discussões formais e informais, moldaram grande parte do conteúdo refletido nesta publicação. Agradeci-mentos especiais são devidos a Hector Lupin, do Departamento de Pesca da Organi-zação das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, que percebeu a importância da preparação deste documento para a indústria dos produtos do mar, confiou em que eu deveria prepará-lo e assegurou que o trabalho fosse concluído. Além disso, agrade-ço às pessoas, cujos nomes se seguem, que contribuíram direta ou indiretamente: Anna Lammerding, Greg Paoli, Judy Greig, Janet Harris, Charles Haas e Tom Ross.

À esposa do autor, Lisa-Marie, também são devidos agradecimentos por seu apoio e estímulo, e por certificar-se de que, cessado o trabalho de digitação, não haveria escassez de coisas a serem feitas em casa.

SUMÁRIO

O risco de doenças transmitidas por alimentos é uma combinação da probabilida-de da exposição ao patógeno, a probabilidade da infecção ou intoxicação causar doença e da gravidade da doença. Num sistema tão complexo quanto o da produção e consumo de alimentos, muitos fatores afetam tanto a probabilidade quanto a gravidade. Para gerenciar de maneira eficaz a segurança alimentar, é necessário um meio sistemático de analisar esses fatores. Há um reconhecimento crescente de que, com uma estrutura capaz de contribuir para a compreensão dos sistemas, a avalia-ção de risco se torna uma ferramenta ideal para esse fim. Um maior entendimento se traduz na seleção mais bem informada ou das estratégias de mitigação ou de redu-ção do risco e na capacidade de identificar as lacunas de conhecimento, o que pode subsequentemente direcionar as pesquisas científicas.

As agências internacionais e todos os níveis de governo baseiam-se cada vez mais nas avaliações de risco – ou pelo menos reconhecem cada vez mais a necessidade de contar com elas – para a proteção da saúde pública, o comércio internacional e a to-mada de decisões e a destinação de recursos com uma boa relação custo-benefício.

Fazil, A.M. Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: foco nos produtos do mar. FAO – Documento Técnico sobre Pesca. No. 462. Roma, FAO 2005. 56 pp.

V

ÍNDICE

Elaboração deste documento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . III

Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IV

Sumário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IV

1 . Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1 .1 Risco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .3 1 .2 Análise do Risco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .3 1.2.1 Gerenciamento de risco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .4 1.2.2 Avaliação de risco. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .5 1.2.2.1 Identificação do perigo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .5 1.2.2.2 Avaliação da exposição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .6 1.2.2.3 Caracterização do perigo e análise dose-resposta . . . . . . . . . . .7 1.2.2.4 Caracterização do risco. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .8 1.2.3 Comunicação de risco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .8 1 .3 Modelagem e o conceito do modelo “da-colheita-ao-consumo” . . . . . . . . . . .9

2 . Modelos matemáticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 2 .1 Tipos de modelos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .14 2.1.1 Modelos de simulação estática e dinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .15 2.1.2 Modelos de simulação contínua e discreta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .15 2.1.3 Modelos de simulação determinística e estocástica. . . . . . . . . . . . . . . .16 2.1.4 Método Monte Carlo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .22 2.1.5 Incerteza e variabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .24

3 . Modelos “da-colheita-ao-consumo” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 3 .1 Modelos pré-colheita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .28 3.1.1 Exemplo (modelo pré-colheita) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .29 3 .2 Modelos de colheita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .34 3 .3 Modelos de manipulação e processamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .35 3 .4 Modelos de armazenamento e distribuição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .35 3.4.1 Exemplo de modelagem do crescimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .36 3 .5 Preparo e consumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .39 3.5.1 Preparo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .40 3.5.1.1 Exemplo de modelo de preparo (cozimento) . . . . . . . . . . . . .40 3.5.2 Consumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .44

4 . Dose-resposta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 4 .1 Exemplo do modelo dose-resposta (Vibrio cholerae) . . . . . . . . . . . . . . . . . . .53

5 . Caracterização do risco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 5 .1 Apresentação dos resultados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .55 5 .2 Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .62

6 . Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

7 . Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64

1

1. INTRODUÇÃO

As doenças de origem alimentar surgem a partir do consumo de micro-organismos patogênicos e/ou de toxinas microbianas por um indivíduo suscetível. O risco de doenças transmitidas por alimentos é uma combinação da probabilidade de expo-sição ao patógeno, da probabilidade de a infecção ou intoxicação causar doença e da gravidade da doença. Num sistema tão complexo como o da produção e consu-mo de alimentos, muitos fatores afetam tanto a probabilidade quanto a gravidade da ocorrência de doenças transmitidas por alimentos. Muitos desses fatores são variáveis e muitas vezes há grande incerteza quanto ao sistema em geral. Para ge-renciar eficazmente a segurança alimentar, é necessário um meio sistemático de analisar esses fatores e para melhor compreensão do sistema. A avaliação dos riscos é um processo que oferece uma estimativa da probabilidade e do impacto de do-enças transmitidas por alimentos.

As avaliações de risco relacionadas aos perigos apresentados por alimentos em geral ou por alimentos específicos têm sido predominantemente descrições qualitativas do perigo, das rotas de exposição, das práticas de manejo e/ou das consequências da exposição. Quantificar qualquer um desses elementos é um de-safio, visto que muitos fatores influenciam o risco de doenças transmitidas por alimentos, o que complica as interpretações dos dados sobre a prevalência, os números e o comportamento dos micro-organismos, além de confundir a inter-pretação das estatísticas da saúde humana. Como consequência, as políticas e os regulamentos e outros tipos de decisões relativas aos riscos à segurança alimentar têm se fundamentado em grande parte em informações subjetivas e especulativas. No entanto, os avanços em nosso conhecimento, nas técnicas de análise e nos re-latórios sobre saúde pública, aliados à maior conscientização dos consumidores, às considerações do comércio global e a uma compreensão melhor dos impactos econômicos e sociais das doenças microbianas de origem alimentar, têm-nos per-mitido a ultrapassar esse limiar, mediante a utilização da avaliação quantitativa de risco, de modo a poder propiciar um melhor suporte à priorização e aos processos decisórios na gestão da segurança alimentar (Altekruse, Cohen e Swerdlow, 1997; CAST, 1994; CAST, 1998; Vose, 1998; OMS, 1998).

Só recentemente a avaliação de risco passou a ser aplicada aos perigos micro-bianos, embora as técnicas para sua aplicação ainda se encontrem em evolução (ILSI, 1996; Kindred, 1996; Lammerding, 1997; NRC, 1996). Infelizmente, todo o campo da avaliação de risco tem sido historicamente dividido, com a atribuição de significados diferentes a terminologias distintas. Contudo, as definições e os pro-cessos de segurança alimentar atualmente aceitos estão apresentados no Quadro 1.1, de acordo com a definição proposta pela Comissão do Codex Alimentarius, órgão internacional de regulamentação de alimentos (CCFH, 1998; Dawson, 1998).

2

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

A avaliação de risco é um processo cuja finalidade é facilitar a descrição, a compreensão e o gerenciamento de sistemas complexos (como, por exemplo, a disseminação de bactérias por meio dos alimentos) ou de questões controversas (como, por exemplo, as disputas comerciais relacionadas ao risco para a saúde humana envolvendo as commodities agrícolas), por meio de uma estrutura que permite que as evidências e as informações associadas à questão ou aos sistemas sejam coletadas e combinadas de forma objetiva para que se possa chegar a uma conclusão. A avaliação de risco, aliada ao gerenciamento e à comunicação de risco, constitui a base para a tomada de decisões calcadas na ciência. A seção a seguir introduz e define alguns conceitos fundamentais essenciais à análise de risco.

QUADRO 1.1

Definições dos termos da análise de risco relacionados aos perigos de origem alimentar (Codex alimentarius Commission)

Perigo Agente biológico, químico ou físico presente nos alimentos, ou propriedades dos alimentos, com potencial de causar um efeito adverso à saúde.

Risco Função da probabilidade da ocorrência de um efeito nocivo à saúde e da gravidade de tal efeito causado por um perigo presente nos alimentos.

Análise de risco

Processo que consiste em três componentes: avaliação, gerenciamento e comunicação de risco.

Avaliação de risco

Processo de base científica, que consiste em identificação do perigo, caracterização do perigo, avaliação da exposição e caracterização do risco.

Identificação do perigo

Identificação de agentes biológicos, químicos e físicos capazes de causar efeitos adversos à saúde e que podem estar presentes num determinado alimento ou grupo de alimentos.

Caracterização do perigo

Avaliação qualitativa e/ou quantitativa da natureza dos efeitos adversos para a saúde, associados a agentes biológicos, químicos e físicos que podem estar presentes nos alimentos. No caso de agentes químicos, deve-se realizar uma avaliação dose-resposta; para os agentes biológicos ou físicos, deve-se realizar uma avaliação dose-resposta se houver dados disponíveis.

Avaliação dose-resposta

Determinação da relação entre a magnitude da exposição (dose) a um agente químico, biológico ou físico e a gravidade e/ou frequência dos efeitos sobre a saúde (resposta)

Avaliação da exposição

Avaliação qualitativa e/ou quantitativa da provável ingestão de agentes biológicos, químicos e físicos contidos em alimentos, bem como através de outras fontes se as mesmas forem relevantes.

Caracterização do risco

Estimativas qualitativas e/ou quantitativas da probabilidade da ocorrência e gravidade de efeitos adversos, conhecidos ou potenciais, numa dada população, incluindo-se as incertezas associadas, tendo como base a identificação e caracterização do perigo e a avaliação da exposição.

Gerenciamento de risco

Processo de ponderação de alternativas políticas, à luz dos resultados da avaliação do risco e, se necessário, seleção e aplicação de opções de controle apropriadas, inclusive medidas de regulamentação.

Comunicação de risco

Intercâmbio interativo de informações e opiniões sobre riscos entre avaliadores, gestores, consumidores e outras partes interessadas.

3

introdução

1.1 RISCORisco é um conceito com o qual a maioria das pessoas lida regularmente. No nosso dia-a-dia, muitas vezes de maneira subconsciente, avaliamos diversos riscos e de-cidimos continuar ou não no curso de uma ação. Um exemplo muito simples é o ato de atravessar uma rua. Há um risco associado à essa ação, especificamente a possibilidade de vir a ser atingido por um veículo durante a travessia. Ao consi-derar tal risco, ponderamos duas dimensões associadas a ele: o impacto de ser atingido pelo veículo e a probabilidade de ser de fato atingido. Nesse caso, o risco é definido como uma função de duas variáveis: a probabilidade da ocorrência de um evento e a magnitude e a gravidade do evento, caso ocorra. Desdobrando um pouco mais o exemplo da travessia da rua: se tivéssemos que avaliar uma situação em que quase não existem carros na rua, a probabilidade de ser atingido seria muito baixa e, por conseguinte, consideraríamos o risco total como sendo baixo. Por outro lado, se vivêssemos num mundo em que os carros fossem feitos de papel ou trafegassem por essa rua numa velocidade muito lenta, o impacto ou a gra-vidade de sermos atingidos seriam baixos e, poderíamos considerar o risco como sendo baixo. Em essência, esse exemplo demonstra que, para que exista um risco, tanto a probabilidade do evento quanto seu impacto ou sua gravidade devem ser levados em conta.

Um exemplo extraído do campo microbiano poderia ser a probabilidade “x” de ficar doente por causa do vírus Norwalk. Nesse caso, o risco é composto pela probabilidade de uma pessoa ser exposta à bactéria (possibilidade da ocorrên-cia do evento) e pelo impacto da exposição (possibilidade de a pessoa adoecer). A Comissão do Codex Alimentarius define risco como sendo função da probabili-dade de um efeito adverso à saúde e da gravidade de tal efeito, decorrente de um perigo presente nos alimentos.

1.2 ANÁLISE DE RISCOA análise de risco é uma etapa do gerenciamento de risco, que compreende três componentes distintos, embora interativos: avaliação, gerenciamento e comu-nicação de risco. Análise de risco é a expressão usada para definir todo o processo mediante o qual são tratados os riscos associados a agentes patogênicos trans-mitidos por alimentos. A estrutura da análise de risco adotada pelo Codex está representada na Figura 1.1.

4

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

FIGURA 1.1

Quadro esquemático do Codex para análise de risco

A chave para o processo de análise de risco são os mecanismos de sobreposi-ção e retroalimentação entre os três componentes. Os três componentes são inde-pendentes e não devem exercer nenhuma influência recíproca indevida; cada um deve ser concebido de modo a atender às necessidades dos outros e a permitir sua modificação de maneira interativa, à medida que a análise avança.

1.2.1 GeRenCiamento de RisCoO gerenciamento de risco, como a expressão sugere, envolve a síntese das informa-ções da avaliação de risco numa forma de ação, com o objetivo de gerenciá-lo (FAO/OMS, 1995; FAO/OMS, 1997; NACMF, 1998). O objetivo do gerencia-mento de risco não é conseguir um “risco zero”, mas sim escolher e executar ações cientificamente embasadas, custo-efetivas e integradas, capazes de diminuir ou prevenir os riscos, levando em conta aspectos sociais, culturais, éticos, políticos e legais (PCCRARM, 1997). São necessárias diferentes considerações quando a questão do gerenciamento de risco diz respeito ao comércio internacional, às políticas nacionais, às intervenções da indústria e/ou às preocupações dos consu-midores. As tarefas envolvidas no gerenciamento de risco têm sido assim descritas: a identificação dos perigos que apresentam níveis mais elevados de risco do que a sociedade está disposta a aceitar; identificação das opções de controle disponíveis e decisão sobre as medidas mais apropriadas para reduzir (ou eliminar) os riscos inaceitáveis. No mais amplo espectro, o gerenciamento de risco inclui uma gama de atividades de gestão e formulação de políticas: definição da pauta, decisões para a redução do risco, execução de programas e avaliação dos resultados (ACS, 1998).

5

introdução

Do mesmo modo, o Codex definiu o gerenciamento de risco como a pondera-ção das alternativas de políticas, à luz dos resultados da avaliação do risco e, se necessário, a seleção e aplicação de opções de controle apropriadas, inclusive medidas de regulação (FAO, 1997).

1.2.2 avaliação do RisCoA avaliação de risco envolve um processo científico que compila e analisa sistema-ticamente dados atualizados e o conhecimento existente sobre um determinado risco. Idealmente, o processo deve produzir uma avaliação objetiva da probabili-dade e do impacto de um efeito adverso, com base em pesquisas científicas publi-cadas, relatórios dos sistemas de vigilância, dados da indústria e, quando necessá-rio, opiniões de especialistas, obtidas por métodos apropriados. Vários esquemas têm sido desenvolvidos para descrever as etapas necessárias para a avaliação de risco; contudo, a maioria deles consiste em quatro componentes distintos: caracte-rização do perigo, avaliação da exposição, análise dose-resposta e caracterização do risco (CCFH, 1998). A Comissão do Codex Alimentarius utiliza a expressão carac-terização do perigo para designar o passo principal entre a avaliação da exposição e a caracterização do risco, no qual se pode realizar a avaliação da dose-resposta, se houver dados disponíveis.

FIGURA 1.2

esquema da avaliação do risco

1.2.2.1 IdentIfIcação do perIgoA primeira atividade da avaliação do risco é a identificação do perigo, o que geral-mente envolve a análise de dados epidemiológicos (CCFH, 1998). Além disso, essa etapa do processo examina questões como doença crônica versus doença aguda, populações sensíveis e outras complicações, tais como sequelas a longo prazo. Durante essa fase inicial, as características do organismo e sua ação também devem ser descritas, com destaque para o modo como o organismo afeta o hospedeiro; por exemplo, mediante a ação de toxinas nos alimentos, tanto antes como depois do consumo, no intestino, ou, alternativamente, mediante mecanismos infecciosos. Essencialmente, a etapa de identificação do perigo é uma avaliação qualitativa das

6

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

informações disponíveis e tem a função de documentar as informações disponíveis importantes sobre o patógeno, os produtos alimentares e a interface hospedeiro--patógeno (Lammerding, Fazil e Paoli, 2001).

Identificação do perigo

• Existe um problema?• Qual a dimensão desse problema?• Quais são os pormenores do problema?

Evidências da associação entre o alimento e o patógeno com a doença humana.

Investigações epidemiológicas Dados do sistema nacional de vigilância Pesquisas microbiológicas Avaliações do processo Estudos clínicos

1.2.2.2 avalIação da exposIçãoA avaliação da exposição é a etapa em que mais se utiliza a modelagem mate-mática. Basicamente, a avaliação da exposição está voltada para a estimativa da probabilidade de exposição ao perigo através do produto alimentício em questão, bem como da quantidade ou da dose à qual a população ou uma pessoa está exposta. A avaliação de risco microbiológico se depara com um perigo muito mais dinâmico em comparação com a tradicional avaliação de risco químico, de-vido ao potencial que os agentes microbianos têm de se multiplicar nos alimentos. As avaliações de exposições a toxinas microbianas se deparam com a combinação das características do patógeno e dos efeitos causados pela toxina propriamente dita, similares aos efeitos de um perigo químico. Essa etapa deve estimar a preva-lência e a extensão da contaminação microbiana do produto no momento do con-sumo, a probabilidade de que um indivíduo venha a consumir certo produto ali-mentício num determinado período de tempo, as circunstâncias em que o alimento seria consumido (preparado em casa, em restaurantes, em instituições, etc.) e a quantidade do produto consumida em cada refeição.

Como não é possível medir com precisão a população do patógeno presente num alimento no momento do consumo, é preciso desenvolver modelos ou for-mular hipóteses para estimar a exposição provável. No caso de bactérias, o cresci-mento e a morte do organismo devem ser considerados em relação ao alimento e às práticas previstas de manipulação e de preparo. A temperatura, o período de tempo, a química do alimento e a microflora competidora podem afetar o cresci-mento e as taxas de mortalidade dos agentes patogênicos. No caso de agentes virais e parasitários que não crescem nos alimentos, a eficácia das etapas de descontaminação e/ou inativação são de interesse primordial (Lammerding, Fazil e Paoli, 2001).

7

introdução

avaliação da exposição

• Quantos organismos são ingeridos pelo consumidor?

• Com que frequência são ingeridos pelo consumidor?

Fontes de contaminação: frequência, concentração e estimativa da probabilidade e da concentração que será consumida.

Distribuição, crescimento, inibição ou inativação da contaminação primária, por meio do processamento, do manuseio no varejo e das práticas de preparo do consumidor.

Estudos de crescimento, modelos preditivos. Dados do fabricante dos alimentos. Dados da vigilância dos alimentos – produção primária e varejo. Dados do animal/ doença zoonótica. Composição do alimento – pH, atividade de água, nutrientes, presença de substâncias antimicrobianas e microflora competidora.

Dados demográficos. Padrões de consumo.

1.2.2.3 caracterIzação do perIgo e avalIação da dose-respostaA etapa de caracterização do perigo envolve a descrição qualitativa ou quantitativa da gravidade e da duração dos efeitos adversos que podem resultar da ingestão de um micro-organismo ou de sua toxina num alimento. O tratamento quantitativo dessa etapa pode ser interpretado como uma análise dose-resposta. O objetivo dessa etapa é descrever as consequências da exposição a um patógeno, na forma de estimativa da magnitude dos efeitos adversos para um indivíduo ou para uma população. Essa etapa indica também a medida para avaliar o valor dos esforços para a inocuidade dos alimentos, como por exemplo, a diminuição do número de pessoas que ficam doentes e/ou da gravidade das doenças como resultado de uma intervenção (Lammerding, Fazil e Paoli, 2001).

Caracterização do perigo

• Qual é a gravidade da doença?

• Qual a duração da doença?

• Se possível, realizar análise dose-resposta.

Patógeno: parâmetros de virulência. Alimento: fatores que podem proteger o micro-organismo; por exemplo, teor de gordura, que proporciona maior resistência aos ácidos gástricos.

Fatores de susceptibilidade/resistência do hospedeiro.

Características da população

dose-resposta

• Qual a probabilidade da infecção, de acordo com a quantidade ingerida?

Investigações de surtos. Estudos em animais. Ensaios de alimentação em humanos. Gravidade, sequelas a longo prazo

8

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

1.2.2.4 caracterIzação do rIscoA caracterização do risco é a etapa final da avaliação de risco; é o momento em que as análises anteriores são colocadas em contexto. A caracterização do risco combina as informações geradas na identificação do perigo, na avaliação da expo-sição e na caracterização do perigo para produzir uma imagem completa do risco avaliado. O Codex define a etapa de caracterização do perigo como o processo de definição da estimativa qualitativa e/ou quantitativa da probabilidade da ocorrên-cia e da gravidade dos efeitos adversos conhecidos ou potenciais sobre a saúde de uma população, levando em conta as incertezas associadas, com base na iden-tificação do perigo, da caracterização desse perigo e na avaliação da exposição. É importante lembrar que os gerentes de risco devem indicar os resultados espe-rados da avaliação e os tipos de perguntas a serem respondidas pelos avaliadores de risco no início do processo de avaliação. Mas a avaliação deve, no mínimo, procurar responder às seguintes perguntas quando da caracterização do risco:

• Quais são a natureza e a magnitude do risco?• Quais indivíduos ou grupos estão em risco?• Qual a gravidade do impacto ou dos efeitos adversos decorrentes da exposição

provável?• Qual é a evidência e qual é a sua força?• Quais são as incertezas no que diz respeito à natureza do risco?• Quais são os pontos de vista bem-informados com relação à natureza e à pro-

babilidade do risco?• Até que ponto os avaliadores de risco estão confiantes quanto a suas previsões?

A caracterização do risco deve também levar a percepções da natureza do risco que não sejam alcançadas por uma simples afirmação qualitativa ou quantitativa do risco. Essas percepções incluem, por exemplo, uma descrição dos fatores mais importantes que contribuem para o risco médio, as maiores contribuições para a incerteza e a variabilidade das estimativas de risco, além de uma discussão das lacunas nos dados e no conhecimento. O avaliador de risco pode também incluir uma comparação da eficácia de métodos alternativos de redução do risco para consideração por parte do gerente de risco (Lammerding, Fazil e Paoli, 2001).

1.2.3 ComuniCação do RisCoA comunicação do risco envolve o intercâmbio de informações entre os avalia-dores e os gestores de risco e as partes interessadas na questão (FAO/ OMS, 1998). Uma vez que o objetivo principal da avaliação do risco é produzir informa-ções para subsidiar a tomada de decisão por parte do gerenciamento de risco, é importante que tanto os avaliadores quanto os gestores entendam a questão anali-sada. As partes interessadas na questão do risco podem incluir, por exemplo, os

9

introdução

produtores, os processadores ou manipuladores de alimentos, o público em geral e/ou segmentos populacionais específicos expostos a maior risco. Percebe-se cada vez mais que todo o processo de avaliação e de gerenciamento de risco deve ser transparente e interativo. Um aspecto a se destacar na área da comunicação é que a participação de todas as partes durante o processo tende a aumentar a aceitabili-dade do resultado final, em oposição à tomada de decisões num ambiente que carece de transparência. (FAO/OMS, 1997; FAO/OMS, 1998; PCCRARM, 1997) (Lammerding, Fazil e Paoli, 2001).

1.3 MODELAGEM E O CONCEITO DE MODELO “DA-PRODUÇÃO-AO-CONSUMO”Há uma frase, frequentemente utilizada no campo da modelagem, que diz o se-guinte: “Todos os modelos estão errados, mas alguns são úteis”. Essa frase capta a essência do porquê de modelarmos um sistema: não para criar uma duplicata exata e perfeita da realidade (isso seria uma tarefa impossível), mas sim criar uma ferramenta capaz de propiciar percepções relativas ao sistema. Em geral, fazemos simplificações, se forem apropriadas, para representar a realidade, de maneira que possa nos ajudar a tomar decisões informadas e que nos permita explorar o sistema que estamos gerenciando.

Um modelo para a avaliação quantitativa do risco de um perigo microbiano num produto alimentício pode ser muito simples. Por exemplo, um modelo que utiliza dados sobre o nível de perigo no momento do consumo, incorporando-o com um modelo dose-resposta, para estimar o risco. Esse tipo de modelo pode estimar o risco e explorar algumas opções; contudo, esse modelo tem utilidade limitada, podendo auxiliar tomadas de decisões restritas ao âmbito por ele abran-gido. Além disso, dados sobre o nível de contaminação no momento do consumo são raros. Na melhor das hipóteses, estudos relativos ao varejo talvez possam indi-car níveis de contaminação o mais próximo possível do momento do consumo. Como esses dados são escassos (devido aos baixos níveis e à baixa frequência dos testes de sensibilidade e aos custos relacionados com o número de amostras necessárias), muitas vezes é preciso começar a modelagem num ponto próximo ao momento do consumo e estimar as mudanças ocorridas no perigo ao longo da cadeia da colheita ao consumo. Se o objetivo da avaliação for especificar o per-curso que leva à exposição, de modo que o impacto dos vários componentes desse percurso possa ser quantificado em termos de sua contribuição para o risco total para a saúde humana, poder-se-á utilizar a Modelagem do Risco no Processo (PRM, sua sigla em inglês) (Cassin et alii., 1998). Esse tipo de modelo tem a grande vanta-gem de ajudar na definição de ações de gerenciamento com maior impacto sobre o resultado final para a saúde.

O método PRM é simplesmente uma abordagem modular para a modelagem de um sistema complexo. O sistema alimentar, por exemplo, é separado em módulos

10

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

que, lógica e sequencialmente, obedecem a uma ordem semelhante à do próprio sistema. No caso dos produtos da pesca, essa sequência pode começar na fase da captura e avançar para a fase do consumo, percorrendo todas as etapas interme-diárias (por exemplo: pré-produção, produção, pós-produção, transporte, armaze-nagem, preparo e consumo). O ponto de partida do modelo e dos módulos especí-ficos do sistema precisa ser definido pelo avaliador, levando em conta as questões que a avaliação procura responder e os dados e as informações disponíveis.

O processo para descrever um sistema alimentar a partir da criação de animais até o ponto de consumo tem sido chamado de avaliação de risco “fazenda-garfo” (“farm-to-fork”). No entanto, essa expressão não capta a diversidade inerente ao sistema global de produção de alimentos (a terminologia reflete apenas os siste-mas de produção em fazenda) e as práticas culturais (principalmente a prática ocidental de utilizar garfos para o consumo). Por isso, neste documento, buscamos fazer referência a modelos de avaliação de risco que procuram descrever toda a cadeia de produção de alimentos como modelos “da-colheita-ao-consumo”.

A Figura 1.3 mostra uma representação esquemática dos componentes de um modelo “da-colheita-ao-consumo”.

FIGURA 1.3

Representação esquemática genérica do modelo “da-colheita-ao-consumo”

Além do conceito modular para a descrição de um sistema e da ideia de carac-terizar um sistema “da etapa da colheita à etapa do consumo”, a Figura 1.3 também apresenta uma outra característica fundamental do processo de modelagem. Para a estimativa do risco, devemos considerar basicamente dois parâmetros: a preva-lência (mostrada na caixa de cima) e a concentração (mostrada na caixa de baixo). Independentemente da complexidade e do escopo do modelo empregado, o

11

introdução

objetivo do modelo de risco do processo é estimar as alterações que ocorrem na probabilidade da contaminação (prevalência) e no nível de contaminação, se o produto estiver contaminado (concentração). A estimativa final do risco, mostrada na última caixa da Figura 1.3, é uma função da probabilidade da exposição, resul-tado direto da frequência com que o produto está contaminado, e a probabilidade de uma resposta uma vez exposto, que é uma função do nível de contaminação.

As Figuras 1.4 e 1.5 ilustram dois exemplos hipotéticos de como uma aborda-gem PRM pode ser usada para descrever dois perigos em dois produtos diferentes, bem como a diferença no número e nos tipos de módulos que terão de ser consi-derados. No primeiro exemplo (a toxina do tipo “Shiga” ciguatoxina no marlim), há apenas duas etapas a serem consideradas: o nível e a prevalência da ciguatoxina no marlim na captura e a subsequente probabilidade da exposição e da doença do consumidor. O segundo exemplo mostra as etapas que poderiam ser consideradas se estivéssemos fazendo um modelo para a Salmonella no camarão. Nesse caso, são considerados quatro estágios da cadeia: o nível e a prevalência de Salmonella no camarão após a captura, o nível e a prevalência após a distribuição, o nível e a prevalência após o preparo domiciliar e a subsequente probabilidade de exposição e da doença após a exposição.

FIGURA 1.4

Esquema hipotético da captura ao consumo; abordagem PRm para a ciguatoxina no marlim

12

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

FIGURA 1.5

Esquema hipotético da captura ao consumo; abordagem PRM para salmonella no camarão.

13

2. MODELOS MATEMÁTICOS

O uso do termo “modelo” quase sempre evoca imagens de representações físicas de objetos em escala reduzida, como aviões, prédios, navios ou carros. Tais modelos podem ser classificados como “modelos físicos” e são um subconjunto dentro da gama de tipos de modelos existentes. Independentemente de serem modelos em escala redu-zida, modelos gráficos ou modelos matemáticos, todos os modelos procuram repre-sentar um fenômeno maior ou mais complexo em escala reduzida ou simplificada.

A interpretação simples e comum de um modelo é, na verdade, um ponto de partida razoável para melhor entendimento de um modelo matemático. Por exem-plo: antes de construir um edifício, o arquiteto ou o engenheiro fará um pequeno modelo físico do edifício para ter uma representação de suas características e de sua aparência. O objetivo do modelo é oferecer às partes interessadas uma melhor visualização e uma experiência do que será o produto final, para que possam suge-rir mudanças, com base no modelo em escala reduzida, antes de o edifício final ser construído. Os modelos matemáticos, assim como os modelos em escala usados para a visualização de edifícios ou de outras estruturas similares, são utilizados para simplificar e representar um sistema real de uma maneira que nos ajude a visu-alizá-lo, descrevê-lo e manipulá-lo.

Um modelo matemático toma a descrição de um sistema real (por exemplo, o processamento de produtos de pesca), incluindo a compreensão conceitual de como funciona o processo e de quaisquer dados associados, traduzindo tudo num sistema de relações matemáticas. O modelo matemático gerado dessa forma permite que o processo descrito seja ilustrado de forma clara e transparente e, o mais importante, que seja investigado e modificado, em nível matemático, para se verificarem os efeitos que poderão ocorrer em nível de grande escala (isso pode ser entendido como sendo semelhante às mudanças que podem ser feitas no modelo arquitetônico do edifício antes da construção; só que, nesse caso, as mudanças podem ser feitas no sistema em base contínua, se necessário). Na avaliação do risco microbiano, o objetivo básico é traduzir os sistemas de combinação patógeno-produtos em modelos matemáticos.

Em geral, as avaliações de risco podem ser classificadas como qualitativas e quantitativas. As avaliações de risco qualitativas envolvem o tratamento descritivo da informação, enquanto que as avaliações quantitativas trabalham com dados numéricos. É importante reconhecer que a decisão de realizar uma avaliação qua-litativa versus quantitativa deve ser vista como um processo sequencial, em oposi-ção a uma decisão de exclusão, ou qualitativa ou quantitativa. A progressão de uma avaliação qualitativa para quantitativa pode acontecer quando o problema é de tal natureza que justifica o tempo e os recursos necessários (embora as avaliações qua-litativas de risco, feitas de forma adequada, também requeiram tempo e recursos). Há grande vantagem em progredir e investir recursos na abordagem quantitativa

14

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

– especificamente, passar do método qualitativo para o quantitativo aumenta a flexibilidade, a aceitabilidade, a objetividade e a força das decisões tomadas.

Este documento está interessado principalmente nos aspectos mais quantitativos da modelagem matemática; no entanto, para fins de completude, deve-se notar que revisões bibliográficas básicas não devem ser tomadas como avaliações qualitativas de risco, como às vezes se faz. As avaliações qualitativas devem chegar a alguma estimativa da magnitude do dano provável. Nesses tipos de avaliação, é importante que as afirmações e medições “qualitativas” sejam precisas, visto que as caracteri-zações descritivas da probabilidade e do impacto podem ser mal interpretadas. Uma estimativa qualitativa de risco pode ser realizada mediante classificação dos fatores de risco em categorias como insignificante, baixo, médio ou alto. Caso sum sistema desse tipo seja utilizado, as orientações e as definições específicas das categorias de cada classificação deverão ser claramente descritas e justificadas.

2.1 TIPOS DE MODELOSOs modelos matemáticos não têm necessariamente que ser obscuros, com equa-ções matemáticas complicadas. A guisa de ilustração, um modelo para descrever o tempo gasto na captura de peixes no mar por um navio pesqueiro pode ser descrito pela seguinte equação:

t = C/r

onde “t” é o tempo consumido na pesca, “C” é o número de peixes que a em-barcação estabelece como meta, e “r” é a taxa com que o navio captura os peixes. Esse pode ser considerado um modelo matemático simples.

Deve-se observar que esse modelo é, provavelmente, uma simplificação exage-rada de como o sistema de duração do tempo da pesca deve realmente funcionar, mas para uma visão geral, ele pode ser adequado. O modelo pode se tornar mais complexo se se considerar que seus componentes são de fato funções de parâme-tros adicionais; por exemplo, “C” pode ser uma função da época do ano (existindo quotas maiores em diferentes épocas do ano) ou de localizações geográficas (certas áreas com maiores quotas, com base na qualidade da captura). O denominador “r” pode ser também uma função de outros parâmetros, como o tipo de embarcação utilizada, as águas onde se pesca e qualquer outro número de parâmetros que possam afetar a taxa com que os peixes são capturados.

Em geral, os modelos matemáticos podem variar muito quanto à sua complexi-dade e, portanto, quanto à facilidade com que podem ser resolvidos. A solução desse modelo simples, descrito acima, pode ser razoavelmente fácil de obter; no entanto, isso pode ser uma exceção e não a regra. A possibilidade de se chegar à solução para um modelo matemático pode ser classificada da seguinte forma:• existe uma solução analítica e ela é obtida com razoável facilidade;• existe uma solução analítica, mas é muito complexa e a solução não é viável;

ou • não há uma solução analítica disponível.

15

MODELOS MATEMÁTICOS

Se existir uma solução analítica e ela for razoavelmente fácil de ser obtida, ela deve ser buscada. Contudo, se isso não for possível, como nos dois últimos cenários citados acima, o modelo precisa ser analisado por meio da simulação e, por isso, referimo-nos a esse tipo de modelo como um modelo de simulação. Os modelos de simulação podem ser classificados em três categorias, conforme descrição a seguir.

2.1.1 modelos de simulação estátiCos e dinâmiCosOs modelos estáticos e dinâmicos podem ser diferenciados de acordo com o modo como consideram o tempo. Os modelos de simulação estáticos procuram caracterizar o comportamento de um sistema num ponto determinado e fixo no tempo. Os modelos dinâmicos, por outro lado, representam o sistema ao passo que ele se modifica ao longo do tempo. Um exemplo de modelo estático pode ser uma equação que estima o nível de contaminação na água, tendo em vista as condições circunstanciais e ambientais vigentes. Um modelo que preveja as mudanças no nível de contaminação no dia-a-dia seria um exemplo de modelo dinâmico.

2.1.2 modelos de simulação Contínuos e disCRetosOs modelos contínuos e discretos se diferenciam de acordo com a natureza dis-creta ou contínua dos sistemas que procuram descrever. De maneira muito simples, os sistemas discretos podem ser vistos como sistemas nos quais as variáveis se mo-dificam instantaneamente num determinado ponto do tempo (se as unidades do sistema tiverem valores discretos e uma delas for removida, o sistema como um todo se modificará instantaneamente). Um sistema contínuo é aquele em que as mudanças ocorrem nele continuamente. Figura 2.1 mostra a diferença entre um sistema contínuo e um sistema discreto.

FIGURA 2.1

Comparação entre um sistema discreto e um sistema contínuo

16

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

2.1.3 modelos de simulação deteRminístiCos e estoCástiCosOs modelos determinísticos e estocásticos podem ser diferenciados de acordo o tratamento adotado para a aleatoriedade e a probabilidade. Os modelos determi-nísticos não incluem nenhum tipo de aleatoriedade ou probabilidade ao caracte-rizarem um sistema. Num modelo determinístico, independentemente de sua complexidade, as saídas (outputs) são determinadas com a definição das entradas (inputs). Em contrapartida, os modelos estocásticos incluem componentes de alea-toriedade na sua definição e, portanto, as saídas são de fato estimativas do sistema verdadeiro. Os modelos estocásticos tendem a ser uma representação melhor dos sistemas naturais, dada a aleatoriedade inerente à própria natureza. É improvável que um modelo usado para descrever um sistema possa ser determinístico (no en-tanto, teoricamente, se os pormenores até o nível genético puderem ser entendidos perfeitamente, o modelo pode ser viável).

Em muitos artigos e textos sobre avaliação quantitativa de risco, os modelos determinísticos e estocásticos têm sido diferenciados com base no fato de que um utiliza valores pontuais, enquanto o outro usa intervalos ou distribuições estatís-ticas dos valores. O parágrafo anterior dá a verdadeira definição de um modelo determinístico; contudo, a utilização de valores pontuais num modelo produz a impressão de que o sistema é determinístico. Em essência, a utilização de inputs com valores pontuais num modelo matemático produz outputs com valores pon-tuais que parecem inteiramente determinados. Algumas questões que têm recebido atenção considerável nos últimos anos são os modelos que usam estimativas pon-tuais e os modelos estocásticos, discutidos pormenorizadamente abaixo.

Historicamente, muitas avaliações de risco têm usado estimativas pontuais, va-lores individuais, como a média ou valores máximos do conjunto de dados variá-veis para gerar um único valor numérico para a estimativa do risco gerada pelo modelo. A crítica mais comum contra avaliações com valores pontuais é que, com frequência, são usados os extremos, ou seja, “o pior caso” da situação de risco, sem se levar em conta a probabilidade de esses extremos ocorrerem ou não. Alternati-vamente, se o risco “médio” for calculado com base em valores médios dos parâ-metros, os extremos serão desconsiderados, o que pode ser um problema significa-tivo, uma vez que podem representar subpopulações altamente suscetíveis ou circunstâncias raras, embora graves.

A alternativa à utilização de estimativas pontuais é a abordagem estocástica. Essa abordagem constrói avaliações de risco que incorporam a variabilidade inerente ao próprio sistema, bem como a incerteza dos parâmetros de entrada (inputs). Isso é conseguido utilizando-se distribuições de probabilidade e da incer-teza. É importante reconhecer que existe uma diferença entre incerteza e variabili-dade, o que será discutido mais à frente.

Para ilustrar as implicações da utilização de estimativas pontuais e estocásticas para a avaliação de risco, apresentamos a seguir um cenário hipotético de uma

17

MODELOS MATEMÁTICOS

avaliação da exposição, para estimar a dose de um patógeno ingerida pelo consu-midor, baseada na concentração do agente num determinado produto do mar no momento da captura, considerando também seu crescimento e sua inativação antes do consumo. Trata-se de um exemplo simplificado para comparar a estima-tiva pontual com a abordagem estocástica, considerando apenas alguns parâmetros de entrada: a concentração do patógeno no produto cru no momento da captura, seu crescimento durante o transporte inicial, antes da refrigeração, seu decaimento (die-off) durante o transporte secundário, em decorrência do congelamento, e sua inativação, causada pelo cozimento. A Figura 2.2 representa graficamente o modelo, enquanto que o Quadro 2.1 resume os parâmetros dos valores.

FIGURA 2.2

Esquema do modelo simplificado

QUADRO 2.1

Valores dos parâmetros utilizados no modelo simplificado

Variável Mín. Médio Máx. Unidade

Concentração no produto do mar 0,5 2,0 3,5 Log UFC/g

Crescimento antes do congelamento 0,0 1,7 4,0 Log

Die-off durante o armazenamento do produto congelado

0,0 0,7 1,5 Log

Inativação durante o cozimento 1,0 2,8 4 Log

Quantidade do produto consumido 100 150 200 Gramas

Nesse exemplo, pressupõe-se que a concentração do patógeno no pescado varia entre o mínimo de 0,5 log UFC/g e o máximo de 3,5 log UFC/g, com uma concentração média de 2,0 log UFC/g. O resultado da captura é armazenado a bordo de um navio de transporte; porém, devido a possíveis atrasos e a uma refri-geração ineficiente, presume-se que o crescimento pode ocorrer nessa fase. Presu-me-se que ocorre um crescimento entre de 0 e 4 log devido a esses atrasos e a essas

18

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

ineficiências. O produto é então congelado, o que resulta num decaimento entre 0 e 1,5 log. Finalmente, o produto é cozido antes do consumo, e esse cozimento resulta numa redução de 1 a 4 log, sendo que o consumidor ingere porções de 100 a 200 gramas do produto.

Se adotarmos uma abordagem de estimativa pontual, poderíamos usar como valores médios das variáveis de entrada 2,0 log UFC/g para a concentração e 2,83 log para a inativação durante o cozimento. Essas estimativas pontuais são então utilizadas para calcular a “melhor estimativa” do número de organismos ingeridos pelo consumidor:

Dose ingerida = 10[2.0 + 1.7 – 0.7 – 2.8] x 150 = aproximadamente 220 células.

A análise pode ser aprofundada, utilizando-se estimativas pontuais máximas e mínimas de cada variável para calcular os resultados possíveis, com base em diferentes combinações de concentração, reduções devidas ao cozimento e quan-tidades consumidas. No entanto, à medida que o modelo se torna mais complexo, o número de combinações possíveis aumenta drasticamente. No exemplo simples acima, existem 243 diferentes combinações possíveis que poderiam ser geradas, assim calculadas:

Nº de cenários = (Nº de estimativas pontuais para cada variável) [Número de variáveis]

É improvável que todas as diferentes possibilidades sejam avaliadas quando se utiliza a abordagem de estimativa pontual; seria suficiente calcular apenas os limi-tes e saber que todos os valores entre esses limites são possíveis. Nesse exemplo, a dose máxima possível que pode ser ingerida ocorre quando a concentração do patógeno está no valor máximo, o crescimento que ocorre antes do congelamento está no valor máximo, as reduções que ocorrem durante o congelamento são míni-mas, a inativação durante o cozimento é mínima e são consumidos os tamanhos máximos de porção. Usando esses valores, podemos estimar a ingestão de aproxi-madamente 6.3e8 células como estimativa de “pior caso”. É importante notar que, num exemplo relativamente direto como esse, é possível determinar as combina-ções que levam a um cenário de “pior caso”, mas isso se torna cada vez mais difícil, à medida que o modelo se torna mais complexo.

Muitas vezes, quando se utiliza a estimativa pontual, a tendência é adotar uma abordagem “conservadora”, o que significa incorporar uma margem de segurança, de modo que os erros ocorram dentro de uma margem segura. No entanto, essa prática pode se tornar polêmica, especialmente na discussão sobre até que ponto se deve ser conservador e sobre o impacto desse conservadorismo no modelo, o que pode resultar em estimativas francamente irrealistas. Estimativas pontuais con-servadoras tendem a reduzir a credibilidade da avaliação e, essencialmente, resul-tam em decisões de gerenciamento de risco baseadas não em realidades científicas ou na totalidade das informações, e sim em orientações reguladoras ou no conser-vadorismo do avaliador. O efeito da estimativa pontual conservadora sobre os

19

MODELOS MATEMÁTICOS

resultados de uma avaliação de risco foi sucintamente definido por Burmaster (1996) da seguinte maneira:

• Se uma estimativa pontual conservadora do risco ficar abaixo da definição dada por alguma norma reguladora para o risco máximo aceitável, o avaliador do risco, o gestor de risco e o público poderão confiar que a distribuição do risco é realmente aceitável, apesar de se desconhecer a dimensão da superproteção.

• Se uma estimativa pontual conservadora do risco ficar acima da definição regu-lamentar de risco máximo aceitável, o avaliador do risco, o gestor do risco e o público não saberão se a distribuição dos riscos é realmente inaceitável, ou se o risco aparentemente inaceitável é simplesmente produto do conserva-dorismo da análise.

Outra desvantagem de estimativa pontual é que se ignora a possibilidade ou a probabilidade de o risco pontual estimado realmente ocorrer. Todos os valores entre o ponto mínimo e o ponto máximo têm igual probabilidade de ocorrer. Na realidade, porém, alguns valores dentro do intervalo têm mais probabilidade de ocorrer do que outros. De acordo com a ilustração acima, embora possa ser verdade que os consumidores consumem entre 100 e 200 gramas, é mais provável que haja uma pequena proporção de pessoas que consome exatamente as quan-tidades extremas e que o padrão de consumo real siga uma distribuição estatística (a distribuição normal poderia ser um exemplo). Esse é um exemplo em que as técnicas probabilísticas podem ser aplicadas para fornecer estimativas mais preci-sas, fornecendo mais informações para o gerente de risco e representando melhor a realidade do que as estimativas pontuais, sem propagação de valores conserva-dores por intermédio do modelo.

As avaliações probabilísticas/estocásticas representam toda a informação disponível para cada parâmetro, numa distribuição de valores possíveis. A dis-tribuição utilizada para descrever o conjunto de dados dependerá da quantida-de de dados disponíveis e do conhecimento sobre a natureza do fenômeno. Para o exemplo descrito, as distribuições podem ser usadas em vez das estima-tivas pontuais (Figura 2.3).

Deve-se notar que essas distribuições são apenas ilustrativas e não são necessa-riamente as mais adequadas para descrever as variáveis listadas. A concentração do patógeno no alimento é representada por uma distribuição normal dos valores centrada em 2,0 log UFC/g, indicando que esse é o valor que ocorre com maior frequência. As distribuições triangulares são usadas para descrever alguns dos outros parâmetros, supondo que a quantidade de informações disponíveis aqui é limitada (mínima, mais provável, máxima).

20

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

FIGURA 2.3

Distribuição de valores utilizada num exemplo de modelo estocástico

O resultado da análise probabilística é uma distribuição de possíveis doses in-geridas. Os resultados são mostrados nas Figuras 2.4A e 2.4B. Para fins de compa-ração, os limites gerados com estimativas pontuais também são mostrados.

21

MODELOS MATEMÁTICOS

FIGURA 2.4A e FIGURA 2.4B

Resultado da análise probabilística para um exemplo de modelo

Pode-se ver que a utilização estimativas pontuais para definir os limites não fornece a quantidade de informações necessárias para embasar as melhores deci-sões de gerenciamento. Em comparação com a distribuição das exposições prová-veis mostrada na Figura 2.4A, é evidente que quando se utiliza um “pior cenário possível” para derivar uma estimativa pontual da dose máxima ingerida, o valor estimado é alto (8,8 logs, ou 6.3e8 células), mas essa situação ocorreria muito rara-mente. Na Figura 2.4B, o eixo x foi traçado numa escala não-log. Utilizando-se essa escala, a probabilidade muito baixa de ocorrer o “pior dos cenários” se torna ainda mais evidente, especialmente quando se considera que o ponto marcado como máximo na figura estaria, na realidade, localizado longe da página à direita.

Se o gerente de risco se deparasse com esse pior cenário, sem qualquer indi-cação de qual seria a probabilidade de o evento ocorrer, poderia, de forma inade-quada, alocar recursos valiosos para mitigar um evento que raramente ocorre. Deve-se ter em mente, contudo, que se o resultado da ingestão desse patógeno

22

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

em particular for grave, uma decisão de gerenciamento adequada poderia ser asse-gurar que tal efeito adverso, ainda que raro, seja evitado.

Uma descrição matemática da produção e do consumo de um alimento usan-do-se distribuições de probabilidade é muito difícil de calcular de forma analítica. Apesar de algumas análises serem práticas em modelos muito pequenos e simples, um modelo composto da produção de alimentos, envolvendo o crescimento dos patógenos, destruição e infecção, é quase sempre demasiadamente complexo para se resolver analiticamente. Conforme foi descrito anteriormente, essa é uma situa-ção em que se torna necessário empregar métodos de simulação para resolver os modelos matemáticos. A análise Monte Carlo é uma ferramenta de simulação ma-temática adequada para solucionar modelos de simulação estocástica. O método tornou-se ainda mais atraente nos últimos 10 a 15 anos com a disponibilidade de processamento por computador, razoavelmente barato.

2.1.4 método monte CaRloO matemático Stansilaw Ulam (1909-1984) é a pessoa com maior crédito pelo desenvolvimento da simulação Monte Carlo, ou por estar associado à sua criação. Ulam e John von Neumann perceberam, durante a Conferência sobre a Bomba de Hidrogênio, em 1946, o potencial da aplicação do Método Monte Carlo para a simulação do problema probabilístico relativo à difusão aleatória de nêutrons nos materiais físseis (Rugen e Callahan, 1996). Apesar do seu desenvolvimento e apli-cação inicial no final da década de 1940, o Método Monte Carlo foi praticamente ignorado na área de avaliação de risco até muito recentemente. Após a década de 1950, o método foi criticado negativamente, por ter sido aplicado na solução de todos os tipos de problemas matemáticos e físicos, sem que fosse avaliada a sua adequação para resolver de forma eficiente alguns problemas e não outros (Moore, 1996). Desde então, o Método Monte Carlo tem sido aplicado para questões rela-cionadas a uma ampla gama de assuntos, da ciência à economia, da engenharia à área de seguros. A simulação Monte Carlo faz uso intensivo de recursos computa-cionais e, por isso, a disponibilidade de computadores poderosos também ajudou a aumentar seu uso nos últimos tempos.

A análise Monte Carlo, aplicada à avaliação de risco, é um procedimento rela-tivamente simples. O método pode ser aplicado a modelos determinísticos já desenvolvidos, com a substituição das estimativas pontuais por distribuições de probabilidades. A simulação Monte Carlo realiza centenas ou mesmo milhares de vezes a amostragem aleatória de cada distribuição de probabilidade dentro do modelo, produzindo um novo cenário a cada iteração. Em essência, uma nova “estimativa pontual” a cada iteração é gerada para cada parâmetro dentro do mo-delo e os resultados são registrados. O processo é então repetido até que cada distribuição de probabilidade individual tenha sido suficientemente recriada.

23

MODELOS MATEMÁTICOS

FIGURA 2.5

simulação monte Carlo de uma distribuição triangular (triangular [1,4,8])

A Figura 2.5 mostra como uma distribuição triangular com um valor mínimo de 1, máximo de 8 e um valor mais provável de 4 é recriada à medida que as itera-ções se desenvolvem na simulação. Na primeira iteração, foi selecionado um único valor, comparável a uma estimativa pontual simples selecionada aleatoriamente entre os limites da distribuição. Após 5 iterações, a distribuição ainda parece ser uma seleção randômica de estimativas pontuais dentro dos limites. No entanto, após 100 iterações, nota-se que os valores em torno do valor mais provável, 4, foram selecionados mais frequentemente do que os dos extremos. Finalmente, depois de 5.000 iterações, observa-se que a distribuição triangular foi suficiente-mente recriada, com a maioria das amostras selecionadas em torno do valor mais provável, e que valores que tendem para os extremos foram selecionados com fre-quência decrescente.

Esse exemplo, apenas um parâmetro é mostrado; dependendo da complexidade do modelo, podem existir várias distribuições amostradas em cada iteração, sendo o modelo reavaliado após cada iteração, e os resultados armazenados. A amostra-gem das distribuições de entrada (input) e a posterior avaliação do modelo geram a distribuição de saída (output) de interesse. O output representa o resultado que engloba a maioria das combinações possíveis para os inputs.

Além da possibilidade da amostragem repetitiva, outra característica importante da análise Monte Carlo é a seleção de amostras em cada iteração, com base na

24

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

distribuição de uma probabilidade definida. Assim, com base nos parâmetros da distribuição, alguns valores são selecionados com maior frequência do que outros, o que reflete eventos do mundo real muito mais fielmente. Uma analogia disso é a medida da altura das pessoas numa população. Sabe-se que há uma gama de medidas de altura na população em geral. No entanto, a maioria das pessoas se enquadra numa faixa de valores muito menor, digamos, uma média de 1,55m. Se tivéssemos os recursos necessários para realizar uma simulação da estimativa pontual que avaliasse todas as possibilidades, poderíamos selecionar milhares de amostras entre as medidas de altura mínima e máxima, avaliando o nosso modelo milhares de vezes e contabilizar os resultados. Com esse método, considera-se que a probabilidade de encontrar um indivíduo com 2,13m é a mesma de identificar um indivíduo com 1,82m. A análise Monte Carlo também seleciona milhares de amostras; no entanto, como utiliza como base a distribuição dos valores de inputs, indivíduos com 1,82m de altura serão selecionados com muito mais frequência do que indivíduos com 2,13m. Dessa forma, esse modelo gera estimativas que repre-sentam um cenário muito mais realista.

A simulação de um modelo pelo Método Monte Carlo permite que o modelo tenha outras utilidades além da estimativa de risco. Realizando-se a análise de sen-sibilidade do modelo, os parâmetros ou as variáveis que influenciam o resultado poderão ser determinados. Essa análise pode servir para direcionar os esforços de análise, pesquisas adicionais, gerenciamento ou modelagem. As variáveis que a análise indicou ter num impacto significativo sobre o output investigado devem ser consideradas, em primeiro lugar, pelo avaliador, que pode ter feito simplificações inaceitáveis, e pelo gerente, que deve executar uma ação, se for viável. Por outro lado, a identificação das variáveis que não influenciam o resultado permite que os recursos sejam aplicados em questões mais importantes, mais imediatas.

Os conceitos de incerteza e variabilidade são inerentes à abordagem estocás-tica. Como foi descrito anteriormente, a abordagem de estimativa pontual tende a ignorar a existência da incerteza e da variabilidade. A variabilidade e a incerteza caracterizam a existência de um intervalo de valores possíveis; por motivos dife-rentes, conforme se descreve abaixo. Além disso, as ramificações dos dois concei-tos também são diferentes.

2.1.5 inCeRteza e vaRiabilidadeA análise probabilística procura caracterizar as variações inerentes à maioria dos parâmetros relacionados com tempo, espaço ou populações. Ao conduzir uma ava-liação de risco que descreva as variações que ocorrem num parâmetro, deve-se reconhecer a existência de variações decorrentes de dois fenômenos distintos: a incerteza e a variabilidade.

A variabilidade é essencialmente uma propriedade da natureza, um resultado de processos aleatórios naturais. Representa a diversidade existente numa população

25

MODELOS MATEMÁTICOS

ou num parâmetro bem caracterizados. A variabilidade não pode ser reduzida por meio de novos estudos ou medições adicionais. Um exemplo é a quantidade de alimento consumida por uma população. Levantamentos dos hábitos alimentares proporcionam informações sobre a quantidade de alimentos que as pessoas conso-mem; contudo, sempre existirão indivíduos que ingerem quantidades maiores ou menores do que os outros, independentemente da quantidade de dados coletados.

A incerteza é um fator inerente à avaliação de risco. Resulta da falta de conheci-mento sobre um fenômeno ou um parâmetro e da incapacidade de caracterizá-lo. Em muitos casos, a incerteza pode ser reduzida graças a medições adicionais ou novos estudos. Uma ilustração disso pode ser também obtida da descrição da quan-tidade de alimentos consumida pelas pessoas. Se houver pouca informação dispo-nível, talvez seja possível estimar as quantidades mínima e máxima. Por meio de pesquisas adicionais, é possível determinar a quantidade de alimento que as pessoas consomem e também a frequência com que diferentes quantidades são consumidas.

A incerteza e a variabilidade têm diferentes ramificações nos resultados de uma avaliação de risco e nas decisões de gerenciamento de risco. A incerteza, conforme foi descrita, torna necessária uma melhor compreensão do fenômeno. A variabili-dade pode indicar fatores para o controle do fenômeno. Se o output de interesse for influenciado pela incerteza de um parâmetro, a decisão de gerenciamento poderá concentrar-se mais em atividades de pesquisa ou de coleta de dados para esse parâmetro. O parâmetro poderia ser mais bem caracterizado ou entendido, e a avaliação, refeita. Se a variabilidade de um parâmetro for a força motriz, a decisão pode ser controlar esse parâmetro para potencialmente reduzir a variabilidade.

Para ilustrar a diferença na tomada de decisão, suponhamos que seja gerado um modelo de avaliação do risco. O modelo analisa a concentração de um pató-geno num produto alimentício durante o processamento, simula o transporte do produto para o varejo, avalia o cozimento e as preferências alimentares em domi-cílio e chega a uma estimativa do risco. O modelo estima que o risco para os con-sumidores, associado ao micro-organismo patogênico, é influenciado pela concen-tração do patógeno no produto cru. Infelizmente, a concentração no produto é sumamente incerta; a maioria dos estudos tem demonstrado a presença do micro--organismo no produto, mas sem determinar a quantidade presente. Assim sendo, o avaliador de risco é obrigado a descrever a quantidade como uma distribuição uniforme, o que significa que a concentração pode estar em qualquer lugar entre 1 log UFC/g e 6 log UFC/g. Nessa situação, a decisão de gerenciamento mais ade-quada pode ser a de definir a concentração real no produto mediante a encomenda de uma pesquisa, ou pela coleta de mais dados.

Um cenário alternativo poderia ser uma situação em que se tivessem realizado extensos levantamentos sobre a temperatura do produto durante o transporte refri-gerado (a temperatura está bem caracterizada), mas os dados mostrassem que há variabilidade na temperatura devido a maus protocolos de transporte refrigerado. Se a avaliação definir que o risco para o consumidor é mais influenciado pelo

26

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

crescimento do patógeno devido às temperaturas observadas durante o transporte do processador para o varejo, a decisão de gestão mais adequada seria a adoção de controles no transporte do produto, a fim de reduzir a variabilidade, impedindo que a temperatura atinja níveis perigosos.

Tendo em vista essas duas implicações muito diferentes, os avaliadores de risco e os pesquisadores têm dado preferência ao tratamento separado da variabilidade e da incerteza. Entretanto, a maioria das avaliações probabilísticas usam distribuições de probabilidade que combinam a incerteza e a variabilidade. A separação da varia-bilidade e da incerteza na avaliação de risco é uma tarefa computacionalmente cara, especialmente com o aumento da complexidade do modelo. As técnicas de simulação para separar a variabilidade e a incerteza numa análise Monte Carlo esca-pam ao escopo desta seção. Pode ser necessário, no entanto, ilustrar, com um exem-plo simples, a diferença entre a variabilidade e a incerteza associada a um parâmetro.

A variabilidade, como foi definida anteriormente, diz respeito à diversidade dentro de um parâmetro bem caracterizado. Como exemplo, podemos descrever a variabilidade na concentração de um organismo num meio. Supondo-se que haja excelente conhecimento sobre a concentração, talvez essa quantidade possa ser descrita com uma distribuição normal, com uma média de 3 e um desvio padrão de 2. Isso descreve a variabilidade na concentração do organismo, passível de ser encontrada em qualquer período de tempo. Como os organismos podem crescer e morrer, se fizermos medições em qualquer ponto no tempo, poderemos esperar obter um valor ligeiramente diferente e, por conseguinte, a variabilidade da concen-tração. No entanto, se não tivermos certeza a respeito dos parâmetros para a distri-buição, devido ao conhecimento insuficiente sobre eles, podemos incorporar nossa incerteza, descrevendo uma distribuição própria para os parâmetros. A média pode-ria variar entre 2 e 4, e o desvio-padrão poderia variar de 1 a 3. Assim, temos incer-teza na variabilidade e, como resultado, o parâmetro pode assumir um número qualquer de formas de distribuição entre os extremos:

Existindo apenas a variabilidade:Concentração = Normal (MU, SD)

Existindo variabilidade e incerteza:Conc. = Normal (MU, SD)MU = Triangular (valores mín., mais provável, máx.) SD = Triangular (valores mín., mais provável, máx.)

A Figura 2.6 mostra tanto a variabilidade num parâmetro quanto a incerteza a ele associada. A linha preta representa a distribuição apenas com a variabilidade; a zona cinza claro reflete a incerteza na distribuição, seja pela média, seja pelo desvio padrão. A Figura 2.6A mostra o nível original da incerteza que pode existir ao descrever-se a distribuição de um parâmetro. À medida que mais informações se

27

MODELOS MATEMÁTICOS

tornam disponíveis, graças a atividades de pesquisa ou de coleta de dados, a descri-ção do parâmetro começa a se aproximar das Figuras 2.6B e 2.6C. Na Figura 2.6C, a incerteza, ou o possível intervalo para o valor médio e o desvio-padrão, foi redu-zida em ¾ de um log CFU/g em ambos os extremos. Nessa situação, a linha preta representa o caso limite. Em outras palavras, se removêssemos toda a incerteza rela-cionada ao parâmetro, ficaríamos apenas com a variabilidade. Se a variação naquele ponto fosse inaceitável de acordo com a avaliação, medidas poderiam ser tomadas para reduzir a propagação da distribuição, na forma de controles ou intervenções.

FIGURA 2.6

alterando a incerteza num parâmetro

28

3. MODELOS “DA-COLHEITA-AO-CONSUMO”

Para descrever um sistema alimentar, o modelo gerado pode incluir uma série de etapas. Essas etapas estão associadas ao escopo do sistema que pretendemos des-crever e podem incluir os eventos antes de o produto ser colhido e todos os eventos que ocorrem até o consumo. Podem estar incluídas as possíveis vias de contami-nação no ambiente onde o produto existe naturalmente, eventos em que ocorre a contaminação durante o processamento do produto, ou, por exemplo, efeitos cau-sados pelo comportamento do consumidor em relação ao produto. Todo o sistema pode ser descrito por uma abordagem modular que focalize etapas específicas do sistema da cadeia alimentar.

Nesta seção, apresentamos uma visão geral das várias fases ou módulos que podem ser desenvolvidos. Uma separação adequada da cadeia da produção ao consumo pode ser feita da seguinte maneira: modelos de pré-colheita; modelos de colheita; modelos de manipulação e de processamento, modelos de armazenagem e de distribuição e modelos de preparo e de consumo. Essa separação pode ser feita por conveniência e pela lógica, mas nem sempre tem de ser feita dessa forma.

O ponto de partida ao longo da cadeia para o exercício de modelagem é defi-nido pelas informações que estão sendo buscadas pela modelagem. Por exemplo, suponhamos que o objetivo do exercício seja alcançar uma melhor compreensão das estratégias de mitigação e que o sistema seja tal que os eventos anteriores à colheita estejam fora do controle das tecnologias ou dos sistemas disponíveis. Nesse caso, o desenvolvimento de um modelo pré-colheita não geraria informa-ções e, portanto, seria mais razoável começar na etapa da colheita.

3.1 MODELOS PRÉ-COLHEITAOs modelos pré-colheita procuram estimar ou descrever a introdução ou a propa-gação de um perigo nos produtos nos seus ambientes de criação. No caso dos produtos da pesca, essa etapa incluiria, por exemplo, todos os acontecimentos que ocorrem antes de o peixe ou marisco ser pescado ou capturado e embarcado no navio de transporte. O objetivo principal da modelagem feita na etapa de pré-co-lheita é estimar, no ponto de colheita, o nível de perigo presente nos produtos e a frequência com que o produto sofre contaminação.

O tipo de informações necessárias ao exercício de modelagem deverá deter-minar a complexidade do modelo, como também a decisão quanto ao ponto de partida para o modelo. Para ilustrar, suponhamos que um perigo presente numa espécie de peixe seja resultado da contaminação ocorrida em terra. Essa contami-nação é transportada para a bacia hidrográfica por processos de transporte subter-râneo. A contaminação transportada para a bacia hidrográfica acaba sendo transfe-

29

MODELOS “DA-COLHEITA-AO-CONSUMO”

rida para as espécies de peixes capturados e enviados para o mercado. A modela-gem da contaminação dos peixes poderia prosseguir em duas direções possíveis: primeiro, a contaminação na fonte original pode ser usada e incorporada na mode-lagem do sistema de transporte subterrâneo até a obtenção de uma estimativa da concentração na microbacia, que passaria então a ser combinada com uma mode-lagem adicional para estimar o nível de contaminação dos peixes. Alternativa-mente, o modelo poderia começar com o nível de concentração na microbacia, excluindo a estimativa na fonte original e a modelagem subterrânea.

Essas duas abordagens ilustram o processo lógico que deve ser considerado antes de se iniciar o desenvolvimento de um modelo. Se os responsáveis pelas decisões não tiverem interesse no nível nessa etapa inicial ou não existirem ações que possam ser adotadas antes da determinação dos níveis de contaminação da bacia hidrográfica, deve-se usar a segunda abordagem (começando pelo nível de contaminação da bacia hidrográfica), porque essa abordagem exige modelagem adicional mínima e mínimos pressupostos correlatos. Em alguns casos, os dados, e não os critérios para a decisão, é que decidirão qual o nível inicial e a complexi-dade do processo de modelagem. Por exemplo, se não houver dados sobre os níveis de contaminação da bacia hidrográfica, mas existirem dados sobre os níveis de contaminação da fonte de origem, poderá ser empregada a abordagem mais complexa, mesmo que não haja ações passíveis de serem tomadas antes de deter-minação do nível de contaminação da bacia hidrográfica.

Não é possível fornecer uma lista de todos os diferentes modelos que podem ser usados num módulo pré-colheita. O conceito-chave que se deve ter em mente é que o objetivo final é tentar obter uma estimativa do nível e da frequência da con-taminação no ponto onde o produto é colhido. Mantendo-se em foco os principais resultados de interesse, os modelos específicos passíveis de serem adotados são essencialmente ilimitados.

Para ilustrar esse tipo de modelagem pré-captura, apresentamos a seguir um resu-mo de um exemplo tirado da avaliação de risco da Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos para o Vibrio parahaemolyticus em mariscos (FDA, 2001).

3.1.1 exemPlo de módulo PRé-CaPtuRaO módulo pré-captura do FDA tem como objetivo principal estimar a probabili-dade da contaminação de mariscos em áreas de criação, por cepas patogênicas de V. parahaemolyticus, bem como dos níveis prováveis.

Esse módulo pré-captura começa com um exame das várias vias de introdução do V. parahaemolyticus nas áreas de criação de mariscos e crustáceos. Essas vias de introdução estão descritas e incluem a liberação de água de lastro ou a introdução natural por animais terrestres e aquáticos. Além da introdução do patógeno nessas áreas, a avaliação também descreve e caracteriza os fatores que têm influência sobre a sobrevivência e o estabelecimento do patógeno nessas áreas de cresci-mento. São identificadas questões como temperatura, condições meteorológicas, salinidade, esvaziamento das marés e outros parâmetros pertinentes.

30

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

A avaliação de risco do FDA não modela todos os parâmetros identificados capazes de afetar a introdução ou o estabelecimento do patógeno nas áreas de criação. Essa avaliação de risco reconhece que, embora haja uma série de fatores identificados com potencial para afetar os níveis de V. parahaemolyticus patogê-nicos em ostras no momento da colheita, não há suficientes dados quantitativos para incorporar todos esses elementos num modelo preditivo. Esse é um exemplo de como a complexidade de um modelo é ajustada segundo as necessidades de informação dos gerentes e a disponibilidade de dados.

A avaliação de risco do FDA observa que, para integrar um fator ambiental na simulação como um fator preditivo das densidades de V. parahaemolyticus na cap-tura, é necessário identificar tanto a relação das densidades de V. parahaemolyticus com o parâmetro de interesse, quanto a relação entre variações regionais e tempo-rais do parâmetro no ambiente. Por exemplo, se tivéssemos que incorporar os efeitos do clima sobre as densidades do V. parahaemolyticus, teríamos que determinar a efetiva relação entre as condições climáticas e a densidade do V. parahaemolyticus, bem como estabelecer um modelo preditivo das mudanças climáticas nos diferentes locais e em diferentes ocasiões. Isso, obviamente, poderia ser muito útil; em alguns casos, no entanto, não seria muito proveitoso prosseguir nessa direção para a mode-lagem, dada a complexidade necessária e a falta de informações quantitativas.

A avaliação de risco do FDA gerou um modelo que considera dois componentes principais como determinantes do nível de V. parahaemolyticus em ostras durante a colheita. De acordo com a pesquisa destacada na avaliação de risco, considera-se que os efeitos da temperatura e da salinidade da água são os parâmetros mais impor-tantes. A Figura 3.1 mostra a estrutura do modelo e os parâmetros considerados.

FIGURA 3.1

Apresentação esquemática do modelo pré-captura do Fda em relação ao V. parahaemolyticus

31

MODELOS “DA-COLHEITA-AO-CONSUMO”

O módulo pré-captura analisou os melhores dados disponíveis sobre a relação das densidades totais de V. parahaemolyticus em ostras (e na água) versus a tempe-ratura e a salinidade da água e concluiu que um estudo realizado por DePaola et alii. (1990) era o mais apropriado. Esse estudo examinou mudanças sazonais e amostras coletadas nas quatro regiões dos Estados Unidos (nordeste, costa do Golfo, Atlân-tico Médio e Noroeste Pacífico). A avaliação de risco examinou outros estudos e observou que, embora tenha havido vários outros levantamentos de V. parahae-molyticus entre 1982 e 1995, esses estudos em geral limitaram-se a regiões e/ou estações específicas, e poucos produziram dados quantitativos. Normalmente, os dados sobre a presença ou ausência de V. parahaemolyticus detectável têm valor limitado para o desenvolvimento de uma avaliação quantitativa de risco.

O módulo de pré-captura do FDA gerou um modelo que caracteriza o efeito da temperatura nas densidades médias de log10 total de V. parahaemolyticus. Verificou-se que essa relação foi aproximadamente linear na faixa de tempera-turas da água ambiente. No que respeita à salinidade, verificou-se um efeito qua-drático muito significativo, sugerindo que o V. parahaemolyticus aumenta com o aumento da salinidade até um nível ótimo, começando a diminuir com o aumento da salinidade. Os dados não apontaram interação significativa evidente entre temperatura e salinidade. No modelo utilizado para descrever a concentração de V. parahaemolyticus em função da salinidade e da temperatura, ela foi expressada da seguinte forma:

log(Vp/g) = a + b * TEMP + g1 * SAL + g2 * SAL2 + e

TEMP indica a temperatura em °C; SAL denota salinidade em partes por mil (ppt); Alfa, Beta e Gama 1 e 2 são parâmetros de regressão e é um desvio aleatório normal com média zero e variância F2

As estimativas resultantes dos parâmetros foram relatadas como:

a = -2.6 g1 = 0.18

b = 0.12 g2 = -0.004

s2 = 1.0

As Figuras 3.2 e 3.3 mostram as relações estimadas entre as densidades totais de V. parahaemolyticus em ostras versus temperatura e salinidade da água.

32

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

FIGURA 3.2

densidades de V. parahaemolyticus (vp) log10 em ostras versus temperatura da água em diferentes salinidades

FIGURA 3.3

densidades de V. parahaemolyticus (vp) log10 em ostras versus salinidade em diferentes temperaturas da água

33

MODELOS “DA-COLHEITA-AO-CONSUMO”

A avaliação de risco de V. parahaemolyticus do FDA é um bom exemplo de análise crítica dos dados e de um processo de pensamento lógico para determinar o nível de complexidade da modelagem. A avaliação de risco do FDA analisou os dados e, baseando-se também na experiência e em pareceres de especialistas, determinou que os extremos de salinidade (abaixo de 5 ppt) eram prejudiciais à sobrevivência do V. parahaemolyticus. No entanto, a influência da salinidade num intervalo de salinidade moderada no ambiente (ou seja, 5-35 ppt) não ficou tão clara. Com base na análise de regressão, verificou-se que a relação quadrática para as densidades de V. parahaemolyticus versus salinidade dentro do intervalo 5-35 ppt é consistente com os dados. No entanto, esse efeito previsto da salinidade não foi tão forte quanto o da temperatura. Num vasto leque em torno da salinidade ótima de 22 ppt, os resultados da regressão sugeriram que as diferenças de salini-dade no momento da captura das ostras tiveram relativamente pouco efeito sobre a população de V. parahaemolyticus.

Duas considerações sugeriram que descartar o efeito da salinidade não afetou adversamente o valor de previsibilidade de um modelo baseado na temperatura. Em primeiro lugar, como mostra a Figura 3.3, as densidades médias previstas de V. parahaemolyticus variam em menos de 10% em relação à densidade ótima (máxima), enquanto a salinidade varia de 15 a 30 partes por mil (ppt). Em segundo lugar, as medições da salinidade no líquido das ostras no varejo, que está forte-mente correlacionada com a salinidade da água da colheita, sugeriram que as os-tras são colhidas nas áreas mais salinas dos estuários durante todo o ano. A salini-dade média do líquido das ostras era de 24 ppt, com um desvio padrão de 6,5 ppt, com base em 249 amostras. Esse estudo foi realizado durante todo o ano com amostras obtidas em todas as regiões dos Estados Unidos. Essas duas considerações sugerem que o efeito da variação da salinidade sobre as distribuições previstas das densidades de V. parahaemolyticus seria pequeno, e a modelagem prosseguiu, tendo a temperatura como a única variável de previsibilidade.

A previsão das densidades de V. parahaemolyticus foi baseada numa análise de regressão dos dados, tendo a temperatura da água como o único efeito no modelo. A equação de regressão resultante foi a seguinte:

log(Vp/g) = a + b * TEMP + e

TEMP indica a temperatura em °C;Alfa e Beta são parâmetros de regressão;e é um desvio aleatório normal com média zero e variância F2

As estimativas dos parâmetros obtidas por essa equação foram:

a = -1,03

b = 0.12

s2 = 1.1

34

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

A Figura 3.4 mostra a previsão do nível de log médio V. parahaemolyticus versus temperatura, para a única regressão da temperatura. Essa relação é nitidamente comparável àquela que seria obtida através da fixação da salinidade em um valor próximo do ótimo (22ppt) na equação de previsão, com base tanto na temperatura quanto na salinidade da água. A única regressão da temperatura foi usada para modelar a relação entre temperatura e densidade do total de V. parahaemolyticus no momento da colheita.

FIGURA 3.4

densidades de log10 de V. parahaemolyticus (vp) observadas em ostras versus temperatura da água

3.2 MODELOS DE COLHEITAOs modelos passíveis de ser empregados para a fase de colheita são aqueles que descrevem o efeito que práticas específicas podem ter sobre o perigo ou seu início. Dada a amplitude dos eventos que podem ocorrer durante essa fase, muitas vezes é razoável fundir os modelos de captura e pré-colheita numa modelagem global. Evidentemente, a decisão de separar ou combinar as etapas de modelagem não é uma diretriz rígida; deve ser deixada a critério do avaliador de risco, que poderá combinar as etapas ou separá-las, levando em conta para suas decisões fatores como a disponibilidade de dados, a necessidade de informação e a complexidade.

35

MODELOS “DA-COLHEITA-AO-CONSUMO”

3.3 MODELOS DE MANIPULAÇÃO E PROCESSAMENTOSemelhantemente aos modelos desenvolvidos para a etapa de colheita, os modelos de manipulação e processamento descrevem principalmente atividades durante essa etapa, capazes de ter um efeito sobre o nível ou a frequência da contami-nação. O nível ou a frequência da contaminação pode sofrer impacto dessas etapas de manipulação e de processamento, que podem inativar o patógeno (quer por efeitos térmicos, quer por alguma outra etapa do processo), permitir o crescimento (graças a condições de tempo e temperatura), ou permitir contaminação adicional (por contaminação cruzada). Em geral, é difícil propiciar modelos específicos para os problemas típicos de manipulação e processamento, que tendem a ser extre-mamente variados.

3.4 MODELOS DE ARMAZENAMENTO E DISTRIBUIÇÃOComo em relação a outras etapas, os modelos de armazenamento e distribuição se ocupam da caracterização dos efeitos que eventos ocorridos durante essas etapas terão sobre o perigo. Durante o armazenamento e a distribuição, dependendo do produto em questão, poderá ocorrer contaminação, com a introdução do perigo no produto. Isso pode ocorrer, por exemplo, se o produto for armazenado sem emba-lagem, permitindo que contaminação do meio ambiente penetrem no ambiente de armazenamento e contamine o produto. Embora a introdução de contaminação no produto seja uma possibilidade, a preocupação principal nessa etapa é o potencial de aumento dos perigos microbianos resultantes do crescimento devido às condi-ções favoráveis de temperatura e tempo, ou à morte, em consequência de condi-ções desfavoráveis. É importante lembrar que os vírus e os protozoários geralmente não conseguem se multiplicar em produtos alimentícios e, por isso, a modelagem do crescimento na fase pós-colheita normalmente se limita às bactérias.

A modelagem da contaminação introduzida no produto deve ser definida em função do tipo de dados disponíveis ou do mecanismo pelo qual o perigo é intro-duzido. Não é possível prescrever o modelo que deve ser usado para caracterizar a introdução de um perigo num produto armazenado. Se houver dados disponíveis que permitam a estimativa de uma relação puramente empírica entre, por exemplo, as condições de armazenamento e o nível de contaminação do perigo, essa abor-dagem poderá ser utilizada. Poderia ser utilizada, por exemplo, uma regressão linear incluindo dados sobre as condições de armazenamento e o nível de perigo. Na ausência de dados utilizáveis, talvez seja necessário gerar modelos que pro-curem descrever mecanicamente como ocorre a contaminação durante o armaze-namento; por exemplo, um modelo que descreva o processo pelo qual a contami-nação passa do ambiente de armazenamento para o produto. Em geral, o avaliador de risco precisa empregar boas práticas de modelagem e tirocínio, bem como

36

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

considerar essencial a necessidade de modelar a primeira etapa com base na importância do evento e das informações para a tomada de decisão, suscetíveis de surgir a partir da modelagem do processo.

A modelagem do crescimento e da morte microbiana é um campo de estudo que muito se desenvolveu na última década. Esse campo é conhecido como micro-biologia preditiva e utiliza dados experimentais de várias fontes, inclusive experi-mentos de crescimento realizados no laboratório com meios ou substratos reais de alimentos, além de equações matemáticas para descrever o comportamento observado durante os experimentos. O trabalho de McMeekin et alii. (1993) é uma boa fonte para um tratamento abrangente do campo de microbiologia preditiva. Em geral, a microbiologia preditiva estima o crescimento e a morte de populações microbianas em função de tempo, temperatura e outras condições ambientais. Normalmente, a temperatura é a variável primária utilizada nesses modelos para determinar a possível quantidade de crescimento; no entanto, os pesquisadores têm desenvolvido modelos com inúmeros fatores, inclusive o pH, a concentração de sal, lactato e outros componentes. Quando do desenvolvimento e a utilização de modelos para descrever o crescimento e a morte de patógenos, o uso de um núme-ro crescente de variáveis para prever o comportamento dos agentes deve ser balan-ceado com maior precisão, complexidade e dados adicionais necessários para a utilização do modelo. Se a adição de diversas variáveis na equação produzirem resultados ligeiramente mais precisos, mas que requeiram grande quantidade de novos dados e informações que podem não estar imediatamente disponíveis para o produto específico sob investigação, seria obviamente desaconselhável a incorpo-ração de todas essas variáveis no modelo.

O campo da microbiologia preditiva se expandiu graças a dois grandes pro-gramas de pesquisa financiados pelos EUA e pelo Reino Unido. O programa norte-americano resultou no lançamento de um pacote de software, disponível gratuitamente, chamado The Pathogen Modeling Program, que inclui modelos de crescimento e inativação de várias espécies bacterianas. Food MicroModel é o software produzido pelo programa do Reino Unido, sendo necessária a aquisição de licença para seu uso. Além disso, há outros modelos e dados publicados na lite-ratura internacional, que podem ser encontrados facilmente pelo uso de máquinas de busca de literatura. O Quadro 3.1 apresenta um resumo dos vários pacotes e suas características.

Para um tratamento abrangente da modelagem do crescimento, é bom consultar McMeekin et alii. (1993). Apresentamos abaixo um exemplo hipotético simples de modelagem do crescimento.

3.4.1 exemPlo de modelaGem do CResCimentoEsse exemplo ilustra uma abordagem para modelar o crescimento de bactérias, tendo somente a temperatura como fator determinante. A inclusão de outros

37

MODELOS “DA-COLHEITA-AO-CONSUMO”

fatores, como já mencionado, poderá ser incorporada na equação da taxa de cres-cimento, se necessário. Uma equação comumente utilizada para descrever a taxa de crescimento de bactérias é o modelo de raiz quadrada expandida de Ratkowsky et alii. (1983). Essa é a equação:

k = ( b [ T – Tmín ] x [ 1 – exp {c [ T – Tmáx ] } ] )2

onde “k” é a taxa de crescimento nas gerações por unidade de tempo, T é a temperatura, Tmin e Tmáx são a temperatura notacional máxima e mínima para o crescimento, respectivamente, b e c são parâmetros de regressão.

A Figura 3.5 mostra a variação da taxa de geração em função da temperatura. Os parâmetros do modelo de raiz quadrada são calculados com base nos dados experimentais nos quais se enquadra o modelo. Nesse caso hipotético, utilizamos parâmetros hipotéticos e consideramos que a temperatura ótima de crescimento para esse patógeno é estimada em cerca de 32 °C, na qual a taxa de geração é de aproximadamente 0,17 gerações / minuto.

QUADRO 3.1

modelos disponíveis em pacotes de software (adaptados de mcmeekin et alii., 2002 e Ross, McMeekin e Baranyi, 2000)

Micro modelo Alimentos

Tipo de modelo Organismo Fatores modelados

Taxa de crescimento, período de incubação

Aeromonas hydrophila Temp, pH, NaCl

Bacillus cereus Temp, pH, NaCl, CO2

Bacillus licheniformis Temp, pH, NaCl

Bacillus subtilis Temp, pH, NaCl

Bacillus thermosphacta Temp, pH, NaCl

Clostridium botulinum Temp, pH, NaCl

Clostridium perfringens Temp, pH, NaCl

Escherichia coli Temp, pH, NaCl CO2

Listeria monocytogenes Temp, pH, NaCl CO2, nitrito, lactato,

Staphylococcus aureus Temp, pH, NaCl

Salmonellae Temp, pH, NaCl nitrito

Yersinia enterocolitica Temp, pH, NaCl

Continua na próxima página

38

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

Programa de modelagem patógeno

Tipo de modelo Organismo Fatores modelados

Taxa de crescimento, período de incubação, taxa de mortalidade não-térmica

Escherichia coli O157:H7 temp, pH, NaCl nitrito, lactato, anaeróbico

Listeria monocytogenes Temp, pH, NaCl nitrito, anaeróbico, lactato

Staphylococcus aureus Temp, pH, NaCl nitrito, lactato

Salmonellae Temp, pH, NaCl, nitrito

Taxa de crescimento, período de incubação

Aeromonas hydrophila Temp, pH, NaCl, nitrito, anaeróbico,

Bacillus cereus Temp, pH, NaCl, nitrito, anaeróbico,

Shigella flexneri Temp, pH, NaCl, nitrito, anaeróbico,

Yersinia enterocolitica Temp, pH, NaCl, nitrito, anaeróbico,

Tempo até a toxigenese Clostridium botulinum Temperatura, pH, NaCl

Preditor da decomposição dos alimentos

Tipo de modelo Organismo Fatores modelados

Crescimento sob condições oscilantes, vida útil restante

psychrotrophic pseudomônadas

Temperatura, atividade da água

Delphi

Tipo de modelo Organismo Fatores modelados

Crescimento sob condições oscilantes

Escherichia coli “genérica” Temperatura, anaeróbico

Preditor da decomposição dos produtos do mar

Tipo de modelo Organismo Fatores modelados

Dadas as estimativas para as gerações por unidade de tempo (k), isto poderá então ser traduzido para o número total de gerações formadas numa determinada temperatura, se a duração do tempo que as bactérias passam nessa temperatura for conhecida. Nesse caso particular, se assumirmos que o produto contaminado pela bactéria é armazenado a 25°C durante uma hora, podemos estimar a quantidade total de crescimento da seguinte forma:

• Taxa de geração a 25 °C = 0,09 gerações/minuto• Tempo passado nesta temperatura = 1 hora = 60 minutos• Gerações formadas = 0,09 gerações/ min x 60 min = 5,4 gerações• Log crescimento = log (2gerações) = 1,6 log

39

MODELOS “DA-COLHEITA-AO-CONSUMO”

Portanto, nesse caso, estimaríamos que, se o produto tiver sido armazenado durante uma hora a 25 °C, poderia haver cerca de 1,6 logs de crescimento. Assim, se o nível de contaminação inicial era de 1,0 log e o produto foi armazenado por uma hora a 25 °C esperaríamos que o nível de contaminação do produto pudesse chegar a aproximadamente 2,6 logs após o período de armazenamento.

FIGURA 3.5

Taxa de geração hipotética por minuto, utilizando-se o modelo de raiz quadrada expandida com b = 0,02, c = 1,0, tmín = 10, e tmáx = 35

É importante observar que essa é uma simplificação do crescimento bacteriano; geralmente ocorre um tempo de incubação antes do início do crescimento. Subse-quentemente, o crescimento provavelmente será menor do que o calculado aqui, visto que uma parte do tempo será consumida pela fase de incubação. Como nos modelos usados para descrever a taxa de geração em função da temperatura ou de outros fatores ambientais, também existem modelos disponíveis que descrevem a taxa de resolução da fase de incubação.

3.5 PREPARO E CONSUMOEm relação ao preparo e ao consumo, a meta principal é considerar os efeitos que as diferentes práticas de preparo podem ter sobre o perigo e, em segundo lugar, definir quanto do perigo será consumido com o produto alimentício.

40

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

3.5.1 PRePaRoOs componentes-chave que precisam ser considerados para estimar o risco asso-ciado ao consumo do produto são os efeitos que as práticas de preparo, seja em casa seja numa empresa comercial, podem ter sobre o perigo. O cozimento é uma prática de preparação importante, que pode causar impacto sobre o perigo. Do mesmo modo, a contaminação cruzada também é um evento importante, que pode ocorrer durante o preparo, com potencial para causar impacto sobre a forma como o consumidor será exposto ao perigo. Podem existir outros eventos específi-cos associados ao preparo, que precisam ser considerados com base no binômio perigo-produto estudado. A avaliação desses eventos tem de levar em conta a popu-lação que consome o produto e sua preferência de preparo. No Japão, por exemplo, o consumo de peixe cru é uma prática comum; em muitos outros países, porém, os peixes são sempre cozidos. Do mesmo modo, a utilização de certos condimentos ou de práticas de fermentação pode causar um impacto sobre o perigo e precisa ser considerada. Em geral, a principal preocupação durante o preparo é considerar quaisquer medidas tomadas para preparar o produto para o consumo e o efeito que tais medidas possam ter sobre a exposição do consumidor ao perigo. As etapas de preparo adotadas podem aumentar, diminuir o perigo ou ter efeito nulo sobre ele, mas as etapas precisam ser consideradas e tratadas de forma adequada (isto é, mo-delar e estimar o efeito ou ignorá-lo, segundo for desnecessário).

A contaminação cruzada é uma via de exposição importante, que pode ocorrer durante o preparo do produto. Ao contrário do cozimento, que é deliberadamente realizado para preparar o produto para o consumo, a contaminação cruzada é um resultado não intencional do processo de preparo. A contaminação cruzada pode permitir que o perigo do produto original passe para o consumidor, quer através da contaminação de outros produtos, pelas mãos ou por outra via. Pode ser difícil descrever e modelar todos os eventos possíveis de ocorrer em virtude da contami-nação cruzada, visto que pode haver muitas vias possíveis. Se uma caracterização completa da contaminação cruzada não for possível, deve-se mesmo assim estimar a magnitude do problema. Em essência, se a contaminação cruzada for estimada como sendo a via de exposição dominante, o modelo de cozimento talvez não pre-cise ser modelado pormenorizadamente. Por outro lado, se a contaminação cruzada for estimada como sendo de pequena magnitude, pode não haver necessidade de se dedicar grande esforço para a plena caracterização ou para coletar mais dados.

O cozimento é uma das práticas de preparo mais comum; mostramos aqui um exemplo de como ele pode ser modelado. Outras práticas de preparo devem ser tratadas adequadamente.

3.5.1.1 exemplo de modelo de preparo (cozImento)O principal output desejado do módulo de preparo é a concentração do perigo no produto alimentar no ponto de consumo. Se o risco para o consumidor resultar das toxinas que já estiverem no alimento antes do cozimento e estiverem termicamente

41

MODELOS “DA-COLHEITA-AO-CONSUMO”

estáveis, o efeito do cozimento tenderá a ser mínimo e talvez possa ser ignorado. Se as toxinas não forem termicamente estáveis e se o processo de cozimento des-naturar as toxinas, o grau de redução deve ser estimado. Esse exemplo ilustra como pode ser estimada a redução do número de patógenos pelo cozimento.

Uma abordagem usada para estimar os efeitos do cozimento sobre o número de bactérias é a utilização de valores “D” e “z”.

O valor D é o tempo necessário a uma temperatura específica para destruir 90% (diminuição de 1 log) da população. O valor z é o aumento da temperatura necessária para reduzir o valor D em 90%, ou um fator de 10. Como ilustração, um valor D de 5min a 55 °C significa que, para reduzir a população em 1 log, essa população terá que ser tratada a 55 °C por um período de 5 minutos. Se o valor z para essa população for definido como 8 °C e se a temperatura de exposição for aumentada em 8 °C (55 + 8 = 63 °C), o valor D será reduzido em 90%, ou por um fator de 10; por isso, serão necessários apenas 0,5 minuto a 63 °C para reduzir a população em 1 log.

Segue-se um exemplo de abordagem para a estimar a redução de Campylo-bacter jejuni durante o cozimento. Embora o C. jejuni não seja um patógeno comu-mente associado aos frutos do mar, a abordagem aqui ilustrada pode ser aplicada a qualquer patógeno, desde que os dados adequados estejam disponíveis.

As reduções de log pelo cozimento nesse exemplo foram modeladas com base nos efeitos da temperatura sobre o organismo, utilizando-se valores D e z determi-nados experimentalmente. Conforme foi descrito, o valor D é o tempo necessário a uma temperatura específica para destruir 90% (diminuição de 1 log) da população, enquanto que o valor z é o aumento da temperatura necessária para reduzir o valor D em 90%, ou por um fator de 10.

Blankenship e Craven (1982) estudaram a sensibilidade térmica do C. jejuni em carne de aves. Foram determinados os tempos de morte térmica de um composto de cinco linhagens e da linhagem H-840 em frango moído autoclavado (Quadro 3.2). Os valores de z para o composto de cinco linhagens e para a cepa H-840 foram 6,35°C e 5,91°C, respectivamente.

QUADRO 3.2

Tempo de morte para o composto de 5 linhagens de C. jejuni (Blankenship e Craven, 1982)

H-840Valor de z = 5,91 C

Composição de 5 linhagensValor de z = 6,35 C

Temperatura (oC) Valor de D (min) Valor de D (min)49 20,5 ND51 8,77 9,2753 4,85 4,8955 2,12 2,2557 0,79 0,98

42

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

A fim de estimar as reduções de log em diferentes tempos e temperaturas, foi realizada uma regressão linear nos dados. A regressão utilizou os valores D modi-ficados pelo log, aplicando uma equação da forma mostrada na Equação 1:

Log (D) = (-a×Temp) +b Equação 1

Nessa equação, “a” e “b” são constantes estimadas pelo procedimento de regres-são. No entanto, nessa equação, o termo “a” é equivalente ao inverso do valor z. Portanto, o valor z publicado para o estudo foi utilizado e fixado ao se ajustar o coeficiente “b”, a fim de se obter pelo menos um “ajuste, por mínimos quadrados” nos dados. Nessa análise, apenas os dados da composição das cinco linhagens na carne de frango foram utilizados na regressão linear; no entanto, os dados pode-riam ser agrupados e uma regressão linear ser feita também. As Figuras 3.6 e 3.7 mostram os resultados das duas análises (composição e agrupamento).

FIGURA 3.6

Regressão linear usando o valor z fornecido e amostra do compósito no frango. (Dados de Blankenship e Craven, 1982)

43

MODELOS “DA-COLHEITA-AO-CONSUMO”

FIGURA 3.7

Regressão linear usando compósito e H-840 em carne de frango (Dados de Blankenship e Craven, 1982)

O passo seguinte consiste na estimativa da temperatura do produto durante o cozimento, utilizando-se a melhor técnica disponível. A temperatura de cozimento pode ser estimada com base em estudos experimentais, medindo-se a temperatura do produto durante o cozimento ou aplicando-se as equações termodinâmicas que esti-mam a temperatura atingida no produto, com base em suas propriedades materiais.

Uma vez determinada a temperatura, a Equação 2 e a Equação 3 podem ser usadas, com parâmetros baseados nos dados do C. jejuni, para estimar o valor D. A Equação 2 é estimada como resultado da regressão linear realizada sobre os dados experimentais (ver Figura 3-6).

Log (D) = (-0, 1575×Temp) + 9,004 Equação 2

O valor D na temperatura é simplesmente o log-transformado do valor (Equação 3).

D = 10(-0, 1575×Temp)+ 9,004 Equação 3

Finalmente, dado o valor D e levando-se em conta a definição do valor D forne-cida anteriormente, a redução de log que poderia ocorrer a essa temperatura durante um determinado período de tempo (t) pode ser estimada pela Equação 4.

LogR = t / 10(-0, 1575×Temp)+ 9,004 Equação 4

44

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

3.5.2 ConsumoA última etapa necessária para estimar a quantidade do perigo a que o consumidor pode estar exposto consiste na obtenção de informações sobre o consumo do pro-duto considerado. Esses dados incluem o tamanho das porções, a quantidade con-sumida em base diária ou anual e a frequência com que o produto é consumido. O tipo específico de informação vai depender da questão abordada pela avaliação e do tipo de dados efetivamente disponíveis.

A necessidade da informação do consumo pode ser vista a partir de um exemplo simples: considerando que uma determinada espécie de peixe tem uma concentra-ção de toxinas de 5 mg/100g, o tamanho da porção individual é de 150 gramas e os consumidores consomem o produto 24 vezes por ano, a dose a que o consumi-dor está exposto por porção pode ser assim estimada:

Dose por porção = (5 mg/100 g) x (150 gramas) = 7,5 mg / porção.

A exposição anual pode ser estimada multiplicando-se a exposição por porção pelo número de porções consumidas anualmente:

Dose anual = (7,5 mg/porção) x (24 porções) = 180 mg

Obviamente, a forma dos dados pode ser diferente da que foi mostrada acima; por exemplo, em vez de um tamanho de consumo por porção, os dados pode-riam referir-se à quantidade consumida por ano. Acontece com frequência que os dados são coletados para outros fins que não a estimativa do risco e, portanto, os dados têm que ser devidamente adaptados para que se possam gerar as informa-ções necessárias.

Existem várias fontes de dados sobre o consumo alimentar, que diferem em termos de como a informação é colhida, e apresentada e da etapa da cadeia de produção para a que se referem os dados (produtos crus, produtos no varejo, con-sumo do produto). Geralmente, há dois tipos de dados de consumo de alimentos disponíveis e frequentemente utilizados para caracterizar os padrões de consumo alimentar na avaliação do risco microbiológico: estatísticas da produção de ali-mentos e pesquisas de consumo alimentar.

Os tipos de dados mais comumente disponíveis são as estatísticas da produ-ção de alimentos, que fornecem uma estimativa da quantidade de alimentos dispo-níveis para a população total. Esses relatórios são geralmente produzidos para com-modities agrícolas cruas ou semiprocessadas e representam a quantidade anual total de uma commodity disponível para o consumo doméstico. A quantidade total disponível para o consumo é dividida pelo total da população do país, o que dá uma estimativa da quantidade anual total de alimentos disponíveis para cada pessoa em relação ao total da população (quantidade per capita). A dose diária per capita pode ser estimada grosseiramente, dividindo-se o total anual por 365. Exemplos desse tipo de dados incluem o Balanço Alimentar da FAO e outras

45

MODELOS “DA-COLHEITA-AO-CONSUMO”

estatísticas nacionais sobre a produção, o desaparecimento ou a utilização dos alimentos. Esses dados, que estão disponíveis para a maioria dos países de maneira muito consistente, podem ser úteis para a realização de avaliações de risco em nível internacional. Entretanto, as estatísticas de consumo per capita, na verdade, representam o alimento que está disponível para o consumo e não as quantidades efetivamente consumidas. As perdas nas lojas, nas residências, nas instituições privadas ou nos restaurantes não são contabilizadas. As estatísticas de consumo per capita constituem medições indiretas do consumo real e podem superestimar o que é efetivamente consumido.

Os dados ideais para as informações relacionadas ao consumo vêm dos estudos de levantamento do consumo alimentar, como os fornecidos pelo Estudo Longitu-dinal de Consumo (Continuing Survey of Food Intakes by Individuals) do Departa-mento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Esses dados tendem a captar a quantidade de um tipo específico de alimento consumido numa refeição e ainda separa os dados das estatísticas de consumo de acordo com o sexo e a idade, o que pode ser importante, dependendo do perigo. Essas pesquisas costumam incluir uma amostra representativa dos indivíduos, a partir da qual o consumo da popula-ção total ou subgrupos específicos da população pode ser extrapolado. Normal-mente, as pesquisas são de curta duração (um a vários dias para cada participante), mas fornecem informações muito mais pormenorizadas e específicas sobre os tipos de alimentos consumidos. Infelizmente, as pesquisas tendem a ser empreendi-mentos caros e, por isso, os levantamentos de consumo alimentar são feitos por apenas alguns países.

Além desses dois tipos de conjuntos de dados, outra fonte de dados são os relatórios de venda de alimentos no varejo. Esses dados fornecem informações pormenorizadas sobre os produtos alimentares específicos, que muitas vezes ficam fora das pesquisas de consumo alimentar e podem complementar os outros tipos de dados.

46

4. DOSE-RESPOSTA

A relação dose-resposta procura estimar a probabilidade de doença de acordo com a exposição ao perigo. A probabilidade global da doença dependerá sempre da ocorrência de três fatores condicionais:

• A probabilidade de o organismo ser ingerido (output obtido a partir dos outputs da avaliação da exposição, de toda a modelagem e das estimativas anteriores à avaliação dose-resposta).

• A probabilidade de o organismo ser capaz de sobreviver e infectar o hospedeiro, uma vez ingerido.

• A probabilidade de o hospedeiro adoecer, uma vez infectado.

O processo da doença de origem microbiana que a análise dose-resposta pro-cura caracterizar dependerá:

• das características do próprio organismo; por exemplo, mecanismo de patoge-nia, fatores de virulência e resistência a fatores do hospedeiro, tais como acidez gástrica e resposta imune;

• da suscetibilidade do hospedeiro; por exemplo, imunocompetência e estado nutricional;

• das características dos alimentos em que o patógeno é veiculado; por exem-plo, um alimento com alto teor de gordura protegerá o micro-organismo da acidez gástrica.

A relação dose-resposta é uma função que estima a associação entre a dose que é ingerida e a resposta que ocorre. Essa relação está demonstrada graficamente na Figura 4.1.

FIGURA 4.1

ilustração da associação entre a função dose-resposta e as informações sobre a dose e a resposta

47

DOSE-RESPOSTA

Para derivar a relação funcional entre a dose e a resposta, podem ser adotados dois procedimentos. Primeiro, podem ser utilizados dados que apresentam uma série de doses e de respostas, fazendo-se um ajuste do modelo puramente em-pírico para tais dados. Normalmente, a função dose-resposta tende a ter uma forma sigmoide e, como tal, qualquer uma das inúmeras funções matemáticas que apre-sentam esse tipo de forma poderia ser utilizada. A Figura 4.2 mostra um exemplo típico de dose-resposta.

FIGURA 4.2

exemplo de dados típico sobre dose-resposta

Os dados de dose-resposta propriamente ditos podem vir de várias fontes, desde que possam ser adaptados para produzir a relação básica representada na figura 4.2. Com frequência, são usados dados de ensaios de alimentação em humanos para descrever essa relação para diversos patógenos microbianos. No entanto, é pouco provável que se produza mais desse tipo de dados devido a questões éticas, especialmente no que diz respeito a patógenos altamente virulentos. Alguns dados novos podem ser gerados a partir de informações de experimentação com vacinas, mas a maioria dos dados de experimentos relativos à alimentação humana já foram analisados e funções dose-resposta já foram ajustados à sua maioria. Teunis et alii. (1996) são uma boa fonte de referência, dando um resumo de todos os dados e curvas dose-resposta disponíveis para serem usados. A segunda fonte de dados pode ser os dados experimentais em animais. Esse tipo de dados pode fornecer todas as informações necessárias para ajustar o modelo dose-resposta. Contudo, como os dados são provenientes de experimentos com animais, é preciso derivar

48

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

um fator de conversão ou tradução que permita que as estimativas sejam aplica-das às respostas humanas. Finalmente, outra fonte de dados que pode ser utilizada são os dados epidemiológicos ou de investigações de surtos. Os dados sobre surtos de doenças são singulares na medida em que normalmente envolvem um seg-mento transversal da população ou, pelo menos, membros da população em geral. Isso contrasta com os experimentos com alimentação, que normalmente envolvem voluntários saudáveis do sexo masculino (talvez o segmento menos suscetível da população). Esses dados também são singulares porque estão sendo gerados a cada dia em todo o mundo, embora não estejam sendo coletados. Quando ocorrem surtos, se os dados forem coletados na dose incriminada e na proporção da popu-lação que consumiu o alimento contaminado e ficou doente, um banco de dados com informações de dose-resposta pode ser gradualmente compilado e, final-mente, utilizado para se obter uma melhor compreensão da curva dose-resposta.

Embora seja possível usar uma função puramente empírica para descrever a rela-ção dose-resposta, simplesmente ajustando-se a curva aos dados, essa não é, em geral, uma abordagem recomendada. Os dados de dose-resposta são quase sempre coletados por meio de doses mais elevadas do que seriam observadas no mundo real, embora a função dose-resposta seja frequentemente usada para extrapolar os resultados em várias categorias de dose além dos dados observados. Por isso, o recur-so a um ajuste de função puramente empírico para os dados observados não inspira-rá muita confiança nas estimativas, quando estiverem fora do intervalo observado.

A segunda abordagem consiste em desenvolver uma função dose-resposta que seja de natureza mais mecanicista ou baseada em nossa compreensão de como funciona o processo da infecção, o que pode ser expresso numa função matemá-tica. A Figura 4.3 ilustra o conceito de como se supõe que a infecção e a doença ocorrem devido à ingestão de um patógeno.

FIGURA 4.3

esquema do processo infecção/doença decorrente da ingestão de micro-organismos patogênicos

49

DOSE-RESPOSTA

Existem múltiplas barreiras dentro do corpo humano, que o patógeno precisa ultrapassar para conseguir chegar a um local apropriado, no qual a infecção e a subsequente doença podem ser iniciadas. Há uma probabilidade finita de que o agente venha a ter êxito na ultrapassagem de cada uma dessas barreiras, e, diante disso, o conceito pode ser traduzido em enunciados de probabilidade e, conse-quentemente, em funções matemáticas. Para um tratamento completo da derivação de funções dose-resposta, o leitor deve consultar Haas et alii. (1999). Esta referência propicia também uma excelente visão geral da modelagem dose-resposta.

Sucintamente, podemos estabelecer uma probabilidade P1 de um número “j” de organismos serem ingeridos, após uma exposição a uma dose média de “d” organismos:

P1 (j | d)

Essa expressão pode ser lida como a probabilidade de “j” células serem ingeri-das, desde que a dose contenha uma média de células “d”.

Após a ingestão, existe uma probabilidade P2 de que “k” organismos sobrevi-vam às barreiras do hospedeiro e iniciem a infecção (probabilidade associada à interação hospedeiro-patógeno):

P2 (k | j)

Considerando os dois processos independentes, a probabilidade total pode ser calculada da seguinte forma:

A resposta ocorre se um kmin crítico sobrevive.

Duas hipóteses podem ser usadas para descrever a maneira como a infecção e a doença ocorrem após a ingestão dos patógenos. A primeira, conhecida como “interação cooperativa” (ou Efeito com Limiar), pressupõe que os organismos atuam juntos (cooperam) para superarem as barreiras e que uma dose mínima é necessária para que ocorra uma resposta. Nesse pressuposto, kmín é maior do que 1. A segunda hipótese, conhecida como hipótese da “ação independente”, pressupõe que os organismos atuam de forma independente; não há um limiar; a dose mínima para a possibilidade de uma resposta ocorrer é 1. Nesse pressuposto, kmín é maior do que 1.

A teoria da ação independente é a teoria atualmente aceita para a infecção mi-crobiana, sendo razoável em termos de plausibilidade biológica e em razão do

50

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

conservadorismo diante da ausência de informação adicional (a abordagem do limiar preveria um risco menor do que a ausência de limiares). Essa teoria pressu-põe que uma célula é capaz de iniciar uma resposta porque tem a capacidade de se multiplicar, ao contrário dos agentes químicos, que têm um limiar. Na hipótese da ausência de limiares se reconhece que, embora seja pequena a probabilidade de uma única célula ingerida ser capaz de sobreviver a todas as barreiras do corpo, ela é diferente de zero.

Se adotarmos a hipótese da ausência de limiares, que é o pressuposto reco-mendado para infecção por micro-organismos, dependendo das hipóteses relacio-nadas com P1 e P2, especificamente os tipos de distribuições de probabilidade utilizados para caracterizá-las, e seguindo algumas manipulações matemáticas, podemos chegar a várias formas funcionais matemáticas. Duas funções dose-res-posta comumente usadas são as seguintes:

Função Dose-Resposta Exponencial

A Função Dose-Resposta Exponencial parte dos seguintes pressupostos:

• Uma célula pode iniciar a infecção (ausência de limiar); • Os organismos são distribuídos de forma randômica numa porção de alimento,

P1 (a probabilidade de ingestão de um organismo numa porção de alimento é descrita por processo de Poisson); Existe uma probabilidade finita de o pató-geno transpor as barreiras do hospedeiro e iniciar a infecção (ação indepen-dente) – Binomial.

• A interação entre o hospedeiro e o patógeno é constante, P2 (a probabilidade associada a esse parâmetro é um valor constante; não há variação da probabi-lidade).

A função derivada dessas pressuposições é a seguinte (Haas, 1999):

Presposta = 1- exp (-r D)

(P resposta é a probabilidade de uma célula iniciar a resposta, D é a dose e “r” representa o parâmetro da função dose-resposta)

A Figura 4.4 mostra a curva dose-resposta exponencial com variação nos valo-res de “r” para indicar como a curva se modifica com os diferentes valores de parâ-metros. Com a mudança do valor de “r”, a curva dose-resposta exponencial tende a se deslocar numa escala de log dose vs. resposta. À medida que o valor de “r” diminui, a curva se desloca para a direita na escala da log dose, o que, como seria de se esperar, se traduz numa probabilidade menor de resposta a uma determinada dose. Por exemplo, na dose log 3,0, estima-se que a probabilidade da doença com um valor de “r” igual a 1e-2 seja de cerca de 100%, enquanto que com um valor de “r” igual a 1e-4, a probabilidade estimada é de aproximadamente 10%.

51

DOSE-RESPOSTA

FIGURA 4.4

Função dose-resposta exponencial, utilizando-se três valores de parâmetros diferentes

Função dose resposta Beta-Poisson

A função dose-resposta Beta-Poisson se expande com base nos pressupostos relativos à dose-resposta exponencial, da seguinte maneira:

• Uma célula sozinha pode dar início à infecção (não há limiar);• Os organismos se distribuem aleatoriamente na porção de alimento consumida,

P1 (a probabilidade de ingestão de um organismo em uma porção é descrita por um processo Poisson);

• Existe alguma probabilidade finita de um organismo transpor cada barreira e dar início a uma infecção (ação independente) – Binomial;

• A interação hospedeiro-patógeno é uma distribuição beta, P2 (a probabilidade associada com esse parâmetro é descrita por uma distribuição Beta; a variação em uma interação hospedeiro-patógeno apresenta uma distribuição beta);

Sendo D a dose, e b e a parâmetros da distribuição beta que descrevem a inte-ração hospedeiro-patógeno.

A figura 4.5 mostra a função dose-reposta beta-Poisson com diferentes valores de parâmetros e os efeitos destas diferenças no formato da função de distribuição.

52

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

A função beta-Poisson possui dois parâmetros, e qualquer alteração destes provoca diferentes efeitos sobre a curva dose-reposta. A figura 4.5 mostra os efeitos de alterações no parâmetro beta. Mantendo-se alfa fixado, as alterações no parâ-metro beta produzem na curva uma mudança similar à mudança observada na função exponencial dose-resposta. O efeito da alteração no valor do parâmetro alfa é mostrado na Figura 4.6.

A mudança no declive da curva é produzido pela alteração do parâmetro alfa da função dose-resposta beta-Poisson. Sendo assim, a curva pode ser tanto deslo-cada (mudando o parâmetro beta) como ter seu declive aumentado ou diminuído (alterando o parâmetro alfa).

Integralmente, o modelo beta-Poisson tende a ser mais flexível em sua habili-dade de descrever dados, principalmente como resultado da adição de parâmetros. Deve-se reconhecer que conforme o alfa tem seu valor aumentado, o formato do modelo beta-Poisson tende em direção ao modelo exponencial.

FIGURA 4.5

Função dose-resposta beta-Poisson

53

DOSE-RESPOSTA

FIGURA 4.6

Função dose-resposta beta-Poisson

4.1 EXEMPLO DO MODELO DOSE-RESPOSTA (VIBRIO CHOLERAE)Esta seção ilustra um exemplo simples de um modelo dose-resposta para o Vibrio cholerae, incluindo os dados experimentais, e o ajuste do modelo com os dados que podem ser utilizados para prever a probabilidade de doenças associadas à exposição a uma dose de V. cholerae.

Hornick et alii. (1971) conduziram experimentos com seres humanos expostos a várias doses de V. cholerae, usando duas diferentes cepas (Inaba 569B clássica e Ogawa 395 clássica). Esses pesquisadores conduziram seus experimentos com e sem a ingestão simultânea de bicarbonato de sódio, que era usado como agente neutralizador de acidez para o pH do estômago.

Os dados da cepa Inaba 569B tomada simultaneamente com bicarbonato de sódio constam no Quadro 4.1.

54

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

QUADRO 4.1

Resposta ao V. cholerae Inaba 569B ingerido com bicarbonato de sódio. (dados de Hornick et alii. [1971], resumidos de Haas, Rose e Gerba. [1999])

Dose Total Negativo Positivo Prop Respondendo10 2 2 0 0,00

1 000 4 1 3 0,7510 000 13 2 11 0,85

100 000 8 1 17 0,881 000 000 23 2 21 0,91

100 000 000 2 0 2 1,00

A resposta positiva dos dados acima foi definida como a presença do organismo nas fezes ou uma resposta positiva de anticorpos, ou como diarreia com organis-mos presentes, cuja gravidade que poderia ou não requerer reidratação.

A análise desses dados (Haas, Rose e Gerba, 1999) demonstrou que a avaliação dose-resposta Beta-Poisson pode proporcionar o melhor ajuste. O ajuste dos dados pode ser feito por uma abordagem de máxima probabilidade. A função dose-res-posta Beta-Poisson com a = 0,25 e b = 16,2 mostrou-se como o melhor ajuste dos dados, conforme mostra a figura 4.7.

FIGURA 4.7

modelo dose-resposta beta-Poisson para o V. cholerae

A função dose-resposta, uma vez gerada, nos permite estimar o risco de uma resposta que ocorre após a exposição a uma dose específica. Nesse exemplo, po-demos estimar que, se uma pessoa ingerir 100 células (2 log), haverá uma probabi-lidade de cerca de 40% de uma resposta positiva. Se 10 pessoas ingerissem uma média de 100 células, seria de se esperar que 4 delas ficassem doentes.

Em resumo, a análise dose-resposta é uma ferramenta poderosa que pode realmente ser utilizada, independentemente do componente de avaliação da exposição, para determinar o nível de contaminação que corresponde aos níveis de risco específicos.

55

5. CARACTERIZAÇÃO DO RISCO

A caracterização do risco é a tarefa de final da avaliação de risco e é geralmente o primeiro passo do processo que coloca toda análise num contexto. A etapa de carac-terização do risco combina as informações geradas na identificação do perigo, na avaliação da exposição e na caracterização do perigo para produzir uma imagem completa do risco avaliado. O Codex define a etapa de caracterização do risco como a estimativa qualitativa e/ou quantitativa da probabilidade de ocorrência e da gravidade dos efeitos adversos, conhecidos ou potenciais, numa dada população, incluindo-se as incertezas e tendo como base a identificação do perigo, a caracteri-zação desse perigo e a avaliação da exposição. É importante lembrar que os gerentes de risco devem estabelecer as perguntas a serem respondidas pelos avaliadores e os tipos de resultados necessários no início do processo de avaliação. No entanto, a avaliação deve, no mínimo, responder às seguintes perguntas:

• Qual é a natureza e a magnitude do risco?• Quais indivíduos ou grupos estão em risco?• Qual é a severidade do impacto ou dos efeitos adversos?• Quais são as evidências e qual é sua respectiva força?• Quais são as incertezas associadas à natureza do risco?• Quais são os pontos de vista existentes sobre a natureza e a probabilidade do risco?• Até que ponto os avaliadores do risco estão seguros a respeito de suas estimativas?

A caracterização do risco deve também propiciar uma melhor percepção da natureza do risco, o qual não acontece com uma simples afirmação qualitativa ou quantitativa do risco. Essa maior percepção inclui, por exemplo, uma descrição dos fatores mais importantes que contribuem para o risco médio, as maiores con-tribuições para a incerteza e variabilidade das estimativas de risco, além de uma discussão sobre as lacunas nos dados e no conhecimento. O avaliador de risco também poderá fornecer ao gestor de risco uma comparação da eficácia dos méto-dos alternativos para redução de risco (Lammerding, Fazil e Paoli, 2001).

5.1 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOSO objetivo principal da etapa de caracterização de risco é transmitir aos gestores de risco os resultados da modelagem e da análise, de modo a ajudá-los na tomada de decisões. O primeiro resultado (output), talvez óbvio, da avaliação de risco é uma estimativa do risco. As estimativas de risco podem ser calculadas em termos de risco por porção, risco por dia, risco por ano, número de doenças por ano ou alguma outra variação semelhante. De fato, todas ou quaisquer dessas combina-

56

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

ções poderiam ser utilizadas, dependendo da determinação da maneira mais eficaz de transmitir a informação. A gama e o tipo de estimativas de risco podem ser apresentadas em formato de estimativa pontual; no entanto, a distribuição associa-da a essas medições também deve ser notificada, para que se possa dar a interpre-tação adequada às estimativas pontuais. (Essa questão será abordada abaixo.) Ao apresentar a distribuição para as estimativas de risco, de modo a transmitir os resultados integralmente, no mínimo algumas medições básicas associadas à dis-tribuição do risco deverão ser apresentadas. Isso inclui a média, o desvio padrão e, talvez, o intervalo. Embora essas sejam geralmente compreendidas, elas estão ilustradas na Figura 5.1.

FIGURA 5.1

Características básicas da distribuição estatística

A Figura 5.1 mostra o resultado quando se usa uma função de distribuição de probabilidade (PDF), que apresenta os valores de magnitude no “eixo x” e a proba-bilidade de esse valor ocorrer no “eixo y”.

Além da apresentação dos resultados da avaliação de risco numa PDF, há um formato alternativo construído a partir da mesma informação, que pode em alguns casos, melhorar a apresentação e a comunicação dos resultados: a distribuição de probabilidade acumulada (CDF). A CDF, mostrada na Figura 5.2, é útil porque indica a probabilidade de se ter um valor menor do que aqueles apresentados no “eixo x”, em comparação com a PDF, que mostra a probabilidade de se ter o valor exato mostrado no “eixo-x”.

57

CARACTERIZAÇÃO DO RISCO

FIGURA 5.2

Função distribuição acumulada usada para transmitir os resultados

Além dos métodos alternativos que podem ser usados para apresentar resumos de estimativa pontual das distribuições do risco, pode ser bastante informativo apresentar e fornecer uma interpretação da distribuição do risco em seu formato, e uma distorção na caracterização do risco.

FIGURA 5.3

Três formatos de distribuição do risco genérico (simétrica, inclinada à esquerda e inclinada à direita)

58

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

O formato da distribuição tem implicações importantes do ponto de vista da gestão do risco. Na Figura 5.3 (A), a distribuição do risco é simétrica e, portanto, há um número igual de pessoas sujeitas a um elevado risco e a um baixo risco. Na Figura 5.3 (B), a distribuição do risco é inclinada para a esquerda, com a maioria das pessoas sujeitas a um baixo risco e poucas sujeitas a um alto risco, em comparação com a figura 5,3 (C), onde a distribuição é inclinada para a direita, indicando que muitas pessoas estão em situação de maior risco e apenas algumas pessoas estão sujeitas a um risco menor. Do ponto de vista da gestão de risco ou de política, cada uma dessas situações precisa ser avaliada de maneira diferente, em função das seguintes considerações: a população (crianças, idosos, etc.) sujeita ao risco mais elevado; magnitude real do risco mais elevado (o alto risco, conforme definido neste contexto, talvez não seja muito elevado quando comparado a outros riscos em competição); exposição a um maior risco devido a ações volun-tárias ou involuntárias; e se as pessoas expostas a maior risco estão no controle da situação de risco, etc.

Um aspecto fundamental da etapa de caracterização do risco é o fato de que ela permite uma percepção não apenas das estimativas de risco propriamente ditas, mas também da nossa confiança na avaliação gerada. Essas percepções incluem:

• Os passos que poderiam ser dados para reduzir o risco;• Os pontos do processo sobre os quais estamos incertos e que poderiam se be-

neficiar com mais informações;• Os pontos que têm um impacto significativo sobre o risco e, como tal, poderiam

ser áreas ideais para receber maior atenção, de modo a assegurar que eles esta-rão sob controle.

Em geral, os modelos quantitativos de avaliação de risco podem contribuir para a decisão da gestão do risco, propiciando input de quatro maneiras:

• concentrando a atenção nas áreas de redução do risco;• concentrando a atenção nas áreas de pesquisa;• ajudando na formulação de estratégias de redução de risco;• fornecendo uma ferramenta para testar as estratégias formuladas para a redução

do risco, antes de serem adotadas.

As três primeiras aplicações são um resultado direto da análise do modelo construído na avaliação, enquanto que a quarta aplicação é resultado de uma alteração do modelo para refletir cenários alternativos. Para chamar a atenção para a redução do risco e para as áreas de pesquisa, é comum usar técnicas como a análise de sensibilidade e a análise de incerteza na avaliação. As seguintes de-finições de análise de sensibilidade e de incerteza foram adaptadas a partir das diretrizes da FAO/Organização Mundial de Saúde para a avaliação da exposição (minuta FAO/OMS, 2002).

59

CARACTERIZAÇÃO DO RISCO

QUADRO 5.1

Resumo da análise de sensibilidade e de incerteza

ANÁLISE DE SENSIBILIDADE ANÁLISE DE INCERTEZA

DEFINIÇÃOA análise de sensibilidade determina o grau de influência que um determinado parâmetro ou parâmetros de entrada (input) têm sobre o valor do resultado (output), sem considerar a magnitude da incerteza associada ao(s) parâmetro (s).

DEFINIÇÃOA análise de incerteza é elaborada com o fim de determinar a contribuição da incerteza associada a um parâmetro de entrada (input) para o grau de certeza na estimativa do risco.

OBJETIVOA análise é fundamental para a identificação dos pontos no processo em que a coleta de dados adicionais será muito útil, quando o monitoramento dos pontos críticos do processo será de maior valor, e onde as estratégias de mitigação poderiam ser mais eficientes.

OBJETIVOA análise, como o nome indica, fornece percepções sobre a incerteza associada à avaliação da exposição. A análise de incerteza é elaborada para concentrar a pesquisa ou as atividades de coleta de dados que podem reduzir a incerteza no resultado (output) do modelo, da maneira mais eficiente.

A análise de incertezas e a análise de sensibilidade são duas ferramentas para informar o gestor de risco sobre os resultados da avaliação do risco. Mais especifi-camente, essas análises podem ser usadas para facilitar a seleção das estratégias de mitigação e orientar a futura investigação, identificando as principais áreas de defi-ciência de dados. De fato, a identificação das áreas de pesquisa pode ser um pro-cesso iterativo que revela se a incerteza dos resultados é muito grande para o gestor poder tomar uma decisão, devendo-se iniciar uma análise para investigar quais são as principais fontes de incerteza.

É importante entender as diferenças entre análise de incerteza e análise de sen-sibilidade. Uma análise de sensibilidade pode ser usada para identificar estratégias de mitigação de risco e para se concentrar nas atividades de pesquisa. Uma análise de incerteza também se concentra nas atividades de pesquisa; mas, ao contrário da análise de sensibilidade, está preocupada com a magnitude da incerteza, em saber até onde vai nossa incerteza. Portanto, numa análise de sensibilidade, podemos identificar os pontos que não são muito incertos (em termos de magnitude), mas que exercem influência sobre o resultado (talvez por causa de sua relação mecani-cista) e, assim, indicar a necessidade de informações adicionais.

As análises de sensibilidade e de incerteza são projetadas para identificar e quantificar os impactos da variabilidade e da incerteza sobre os parâmetros. A im-portância dessa questão por suas implicações para a gestão de risco já foi explicada acima. Especificamente, os pontos do processo que constituem importantes deter-minantes de risco e de variáveis são opções de controle, enquanto que os pontos do processo que são importantes determinantes de risco e de incerteza são opções de foco de pesquisa.

60

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

Há muitas maneiras de se apresentarem os resultados dessas análises, mas ne-nhuma maneira é a melhor de todas. No entanto, uma apresentação técnica fre-quentemente utilizada para a análise de incerteza é um Gráfico Tornado. O Gráfico Tornado, como mostra a figura 5.4, faz uma plotagem da influência de um parâ-metro sobre o resultado (que pode ser medido utilizando-se valores de coeficiente de correlação, por exemplo) em comparação com as entradas reais. É muito fácil olhar rapidamente o Gráfico e avaliar, pelo tamanho das barras correspondentes, os parâmetros que têm maior impacto sobre o resultado.

Um dos aspectos essenciais da etapa de caracterização do risco no processo de avaliação de risco é a apresentação de cenários alternativos de mitigação. Esses cenários podem representar possíveis estratégias de gestão de risco a fim de ate-nuá-lo, ou representações alternativas do sistema para explorar o potencial de in-certeza a ele associado. A capacidade de testar estratégias alternativas para avaliar sua eficácia e, portanto, selecionar a melhor alternativa, é uma aplicação suma-mente útil do processo quantitativo de avaliação de risco e, muitas vezes, um dos fatores de motivação para fazer a avaliação do risco.

FIGURA 5.4

Gráfico Tornado hipotético para a importância de um patógeno em ostras

Para testar estratégias alternativas, essa abordagem é normalmente usada para simular o modelo empregando, os valores reais como referência. Subsequente-mente, os valores alternativos que representam os da pretendida estratégia de ges-tão de risco são entrados e o modelo é simulado novamente. Os resultados da refe-rência são então utilizados como pontos de referência para a comparação do resultado de qualquer modificação do sistema.

Os resultados de uma análise pela qual se investigam algumas das estratégias de mitigação do risco, a fim de obter uma percepção de como determinar a melhor alternativa, são mostrados na Figura 5.5A e na Figura 5.5B.

61

CARACTERIZAÇÃO DO RISCO

FIGURA 5.5

Referência hipotética e resultados da estratégia alternativa

5.5a Resultados do cenário de referência

5.5b Estratégias alternativas 1 e 2 versus cenário de referência

A Figura 5.5A, mostra a distribuição do risco nas condições atuais do “sistema”. Essa é a maneira típica para apresentação de uma distribuição do risco na parte inicial de uma caracterização de risco, cujo objetivo é simplesmente indicar as medições básicas, tais como intervalo, formato, inclinação e desvio padrão. Para testar várias outras estratégias possíveis para a gestão do risco, deve-se entrar

62

Fundamentos para a modelagem da avaliação de risco: Foco nos produtos do mar

no modelo o efeito das estratégias sobre os parâmetros do sistema e, em seguida, executar novamente a simulação do modelo. A distribuição do risco, resultante das possíveis estratégias, poderá então ser comparada com a situação de referência.

A Figura 5.5B mostra a possível comparação entre duas estratégias alternativas e a referência. Nesse caso, ambas as alternativas deslocam a distribuição do risco para a esquerda, indicando uma redução desse risco. Dessa perspectiva, as duas es-tratégias poderiam ser potencialmente aceitáveis em lugar do estado atual. No entan-to, a aplicação das ferramentas de modelagem quantitativa permite obter-se uma percepção adicional, no que respeita à tomada de decisão Por exemplo, no caso da estratégia 2, a magnitude do deslocamento é menor do que no da outra, a estra-tégia 1; entretanto, a propagação ou o desvio-padrão também é reduzido na estra-tégia 2. Esse tipo de informação pode ser decomposto em fatores quando da sele-ção de opções, juntamente com outros fatores, como a viabilidade e a economia.

5.2 RESUMOEm geral, não é possível prescrever exatamente como concluir a etapa de caracte-rização do risco no processo de avaliação de risco. Isso depende muito das razões que deram início à avaliação de risco e das questões de gestão de risco que a ava-liação procura resolver. Não obstante, há alguns critérios básicos que precisam ser incluídos, bem como algumas características-chave que, normalmente, podem ser encontradas numa caracterização de risco. A primeira é, obviamente, a caracteri-zação dos efeitos adversos previsíveis. Isso inclui captar tanto a probabilidade quanto a magnitude do risco. No mínimo, devem ser caracterizadas as estimativas do risco de referência ou uma avaliação da situação vigente.

Os impactos tanto da incerteza quanto da variabilidade devem ser levados em conta. (Idealmente, poderiam ser separados; contudo, do ponto de vista prático, isso exigiria uma avaliação de cada caso individualmente). Teríamos assim uma ideia satisfatória do grau de confiança nos resultados, dos tipos de limites que po-demos pressupor, tanto no modelo quanto nas nossas conclusões, e dos tipos de situações à quais as nossas conclusões não mais se aplicarão. As percepções adi-cionais dizem respeito aos componentes do sistema, que são altamente variáveis e possíveis, tanto para algum tipo de controle, se estiverem influenciando o output do risco de maneira significativa, quanto para a investigação que se tem como meta.

Finalmente, a investigação e apresentação das estratégias de mitigação podem ser componentes essenciais na caracterização do risco. Evidentemente, se houvesse estratégias específicas como metas da investigação da avaliação, elas seriam consi-deradas e apresentadas de forma adequada. Além disso, pode haver alternativas não consideradas anteriormente, que podem surgir durante o processo de avaliação de risco e que podem ser apresentadas como alternativas para opções já considera-das, a critério do avaliador do risco, de modo a aprimorar a sua caracterização.

63

6. CONCLUSÃO

A avaliação de risco consiste na compilação e análise sistemática dos dados e do conhecimento atuais sobre uma questão de risco apresentada numa caracterização coerente. É uma ferramenta que combina dados e informações de várias fontes num formato estruturado. As informações podem ser encontradas em pesquisas publica-das e relatórios de vigilância, como também nas investigações de surtos, ou pode ser necessário recorrer á consultas de especialistas. O resultado do processo deve, idealmente, propiciar uma representação clara e equilibrada de todas as informa-ções disponíveis e relevantes para uma situação específica, descrita em termos de probabilidade e de impacto de um evento adverso. O output de uma avaliação de risco deve sempre ajudar a avaliar se um perigo requer ou não que se intensifique a gestão ou a regulação e pode propiciar percepções sobre das áreas em que o risco deve ser reduzido.

A avaliação de risco pode ser formulada como um processo descritivo, sem que se tenha uma decisão em mente, mas esse não é o uso pretendido da avaliação de risco no quadro atual. O objetivo da avaliação de risco é antes propiciar infor-mações que auxiliem a decisão. A grande variedade de decisões possíveis para qualquer situação significa que o foco das avaliações de risco pode variar muito. Portanto, deve-se dar uma ênfase adicional na formulação do problema, para que os recursos de avaliação de risco sejam aplicados de forma eficiente para atender às necessidades de quem vai tomar a decisão.

A avaliação mede o risco e identifica os fatores que o influenciam. A gestão do risco consiste no desenvolvimento, seleção e aplicação de estratégias para contro-lar esse risco, caso necessário, e a comunicação do risco é o intercâmbio de infor-mações pertinentes ao problema do referido risco. Deve-se reconhecer que o pro-cesso de análise de risco não é estático e que as avaliações de risco e/ou sua gestão e/ou as decisões de comunicação talvez precisem ser revistas e alteradas à medida que novas informações se tornam disponíveis.

64

7. BIBLIOGRAFIA

American Chemical Society (ACS) . 1998. Understanding risk analysis. A short guide for health, safety, and environmental policy making. Washington, DC., USA, American Chemical Society.

Altekruse, S .F ., Cohen, M .L . & Swerdlow, D .L . 1997. The future of foodborne diseases. Emerg. Infect. Dis. 3:285.

Blankenship, L .C . & Craven, S .E . 1982 . Campylobacter jejuni survival in chicken meat as a function of temperature. Appl. Environ. Microbiol, 44, 88-92.

Burmaster, D .E . 1996. Benefits and costs of using probabilistic techniques in “Blankenship human health risk assessments, with emphasis on site-specific risk assessments”. Hum. Ecol. Risk Assessment, 2:35-43.

Cassin, M .H ., Lammerding, A .M ., Todd, E .C .D ., Ross, W . & McColl, R .S . 1998. Quantitative risk assessment for Escherichia coli O157:H7 in ground beef hamburgers. Intl. J. Food Microbiol., 41:21.

CAST . 1994. Foodborne pathogens: risk and consequences. Ames, Iowa, USA, Council for Agricultural Science and Technology. Task Force Report No. 122.

CAST . 1998. Foodborne pathogens: review of recommendations. Special Report No. 22. Ames, Iowa, USA, Council for Agricultural Science and Technology.

Codex Committee on Food Hygiene (CCFH) . 1998. Principles and guidelines for the conduct of microbiological risk assessment. Draft guidelines at step 8 of procedure. Alinorm 99/13A, Appendix II. Report of the Thirty-First session. Rome, Codex Alimentarius Commission.

Dawson, R .J . 1995. The role of the Codex Alimentarius Commission in setting food standards and the SPS agreement implementation. Food Control, 6:261.

DePaola, A ., Hopkins, L .H ., Peeler, J .T ., Wents, B . & McPhearson, R .M . 1990. Incidence of Vibrio parahaemolyticus in U.S. coastal waters and oysters. Appl. Environ. Microbiol. 56:2299-2302.

FAO/WHO . 1995. Application of risk analysis to food standards issues. Report of the Joint FAO/WHO Expert Consultation. WHO/FNU/FOS/95.3. WHO, Geneva.

FAO/WHO . 1997. Risk management and food safety. Report of a Joint FAO/WHO Expert Consultation. Food and Nutrition Paper No. 65.Rome, FAO.

65

FAO/WHO . 1998. The application of risk communication to food standards and safety matters. Report of a Joint FAO/WHO Expert Consultation. FAO Food and Nutrition Paper No. 70. Rome, FAO.

FDA . 2001. Draft risk assessment on the public health impact of Vibrio parahaemolyticus in raw molluscan shellfish. U.S. Food and Drug Administration, Center for Food Safety and Applied Nutrition, January 2001.

Haas, C .N ., Rose, J .B . & Gerba, C .P . 1999. Quantitative microbial risk assessment. New York, N.Y., USA, John Wiley & Sons, Inc.

Hornick, R .B ., Music, S .I ., Wenzel, R ., Cash, R, Libonati, J .P . &Woodward, T .E . 1971. The Broad Street pump revisited: response of volunteers to ingested cholera vibrios. Bull, N.Y. Acad. Med., 47(10):1181-1191.

ILSI (International Life Science Institute, North America – Risk Science Institute Pathogen Risk Assessment Working Group) . 1996. A conceptual framework to assess the risks of human disease following exposure to pathogens. Risk Anal., 16: 841.

Kindred, T .P . 1996. Risk analysis and its application in FSIS. J. Food Prot., (Suppl.):24.

Lammerding, A .M . 1997. An overview of microbial food safety risk assessment. J. Food Prot., 60: 1420.

Lammerding, A ., Fazil, A . & Paoli, G . 2001. Microbial food safety risk assessment. In Ito, K. & F.P. Downes, ed. Compendium of methods for the microbiological examination of foods, 4th edition. Washington, D.C., USA, American Public Health Association.

McMeekin, T .A ., Olley, J ., Ross, T . & Ratkowsky, D .A . 1993. Predictive microbiology. theory and application. Taunton, UK, Research Studies Press.

McMeekin, T .A ., Olley, J ., Ratkowsky, D .A .& Ross, T . 2002. Predictive microbiology: towards the interface and beyond. Intl. J. Food Microbiol., 73:395-407.

Moore, D .R .J . 1996. Using Monte Carlo analysis to quantify uncertainty in ecological risk assessment: are we gilding the lily or bronzing the dandelion? Hum. Ecol. Risk Assessment, 2:628.

NACMCF (National Advisory Committee on Microbiological Criteria for Foods) . 1998. Principles of risk assessment for illnesses caused by foodborne biological agents. J. Food Prot., 61:1071.

National Research Council . 1996. Understanding risk: informing decisions in a democratic society. Washington, DC. USA, National Academy Press.

66

PCCRARM (US Presidential/Congressional Commission on Risk Assessment and Risk Management) . 1997. Framework for environmental health risk management. Washington, DC. USA, The Presidential/Congressional Commission on Risk Assessment and Risk Management.

Ratkowsky, D .A ., Lowry, R .K ., McMeekin, T .A ., Stokes, A .N . & Chandler, R .E . 1983. Model for bacterial culture growth rate throughout the entire biokinetic temperature range. Journal of Bacteriology, 154: 1222-1226.

Ross, T ., McMeekin, T .A .& Baranyi, J . 2000. Predictive microbiology and food safety. In: Robinson, R.K., Batt, C.A.& Patel, P.D. (eds.), Encyclopedia of Food Microbiology. Academic Press, San Diego, pp. 1699–1710.

Rugen, P . & Callahan, B . 1996. An overview of Monte Carlo: A fifty year perspective. Hum. Ecol. Risk Assessment, 2:671.

Teunis, P .F .M ., van der Heijden, O .G ., van der Geissen, J .W .B . & Havelaar, A .H . 1996. The dose-response relation in human volunteers for gastro-intestinal pathogens. Report 2845500002. Bilthoven, the Netherlands, National Institute of Public Health and Environment.

Vose, D . 1998. The application of quantitative risk assessment to microbial food safety. J. Food Prot., 61: 640.

WHO . 1998. Food safety and globalization of trade in food – a challenge to the public health sector. WHO/FSF/FOS/97.8 Rev 1.Geneva, Switzerland, WHO.

O risco das doenças transmitidas por alimentos é uma combinação da probabilidade da exposição ao patógeno, a probabilidade da infecção ou da intoxicação que resulta em doença, e a gravidade da referida enfermidade. Em um sistema tão complexo quanto o de produção e de consumo de alimentos, muitos fatores afetam tanto a probabilidade quanto a severidade da doença. Para gerenciar de maneira eficaz a segurança dos alimentos, é necessário um método sistemático de análise. Tem sido reconhecido, cada vez mais, que a avaliação de risco é a ferramenta ideal para esse fim, pois fornece uma estrutura para a compreensão dos sistemas. Esse maior entendimento se traduz na seleção mais bem informada de ações para a mitigação ou de estratégias para a redução do risco e na identificação de lacunas de conhecimento, possibilitando a definição de temas para pesquisas científicas. As agências internacionais e todos os níveis de governo estão utilizando com maior frequencia, ou, pelo menos, reconhecendo a necessidade da realização de avaliações de risco para a proteção da saúde pública e do comércio internacional, para auxiliar na tomada de decisões e para a alocação eficiente de recursos, com uma boa relação custo-benefício.