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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE DIREITO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL: O NOVO CPC A DIFERENCIAÇÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL SAMUEL ERNY CHRISTOFOLLI PARISENTI CUIABÁ 2018

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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL: O NOVO CPC

A DIFERENCIAÇÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

SAMUEL ERNY CHRISTOFOLLI PARISENTI

CUIABÁ 2018

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL: O NOVO CPC

A DIFERENCIAÇÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

SAMUEL ERNY CHRISTOFOLLI PARISENTI

Trabalho de conclusão de curso, apresentado ao Curso de Especialização em Direito Processual Civil: O Novo CPC, oferecido pela Universidade Federal de Mato Grosso como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Direito Processual Civil.

Orientação: Prof. Divanir Marcelo De Pieri

CUIABÁ 2018

SAMUEL ERNY CHRISTOFOLLI PARISENTI

A DIFERENCIAÇÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA NO NOVO CÓDIGO DE

PROCESSO CIVIL

Trabalho de conclusão de curso, apresentado ao Curso de Especialização em Direito Processual Civil: O Novo CPC, oferecido pela Universidade Federal de Mato Grosso como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Direito Processual Civil.

(A) Aprovado (B) Aprovado com restrição (C) Reprovado

________________________ em ____/_____/_______

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________ Professor Divanir Marcelo De Pieri

Orientador

___________________________________________ Examinador(a):

___________________________________________ Examinador(a):

Dedico este trabalho à minha

saudosa amiga Fernanda Ramos, que me

ensinou o real significado de uma amizade; e a

quem fui forçado a dizer adeus, no mesmo dia

em que eu dava início a este trabalho. Sua

memória estará para sempre preservada em

meu coração.

Agradeço a Faculdade de Direito

da Universidade Federal de Mato Grosso por

ter me propiciado uma formação de qualidade,

bem como a todos os professores que

contribuíram para a construção do meu

conhecimento.

Em especial, agradeço ao

Professor Divanir Marcelo De Pieri que

colaborou para o desenvolvimento deste

trabalho.

Agradeço, por fim, ao meu leal

companheiro, Carlos Henrique, pelo apoio para

concluir esta etapa.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8

1. CONSIDERAÇÕES SOBRE O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ............. 10

1.2. BREVE EVOLUÇÃO DOS INSTITUTOS ........................................................... 12

2. A TUTELA PROVISÓRIA .................................................................................... 15

2.1. CONFORME A NATUREZA: ANTECIPADA OU CAUTELAR ............................ 16

2.2. CONFORME A FUNDAMENTAÇÃO: DE URGÊNCIA OU DE EVIDÊNCIA ...... 17

2.3. CONFORME O MOMENTO: ANTECEDENTE OU INCIDENTAL ...................... 19

3. A TUTELA DE URGÊNCIA ................................................................................... 21

3.1. A PROBABILIDADE DO DIREITO - “FUMUS BONI IURIS” ............................... 21

3.2. PERIGO DE DANO OU O RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO –

“PERICULUM IN MORA”........................................................................................... 23

3.3. POSSIBILIDADE DE REVERSÃO DOS EFEITOS ............................................ 24

3.4. CAUÇÃO E RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELOS DANOS ....................... 25

4. DIFERENCIAÇÃO DAS TUTELAS DE URGÊNCIA ............................................ 29

4.1. O PROCEDIMENTO DA TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER

ANTECEDENTE ........................................................................................................ 29

4.2. PROCEDIMENTO DA TUTELA CAUTELAR REQUERIDA EM CARÁTER

ANTECEDENTE ........................................................................................................ 36

4.3. DA FUNGIBILIDADE ENTRE AS TUTELAS DE URGÊNCIA ANTECIPADA E

CAUTELAR ............................................................................................................... 41

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 45

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 47

RESUMO

O Novo Código de Processo Civil trouxe mudanças substanciais aos

procedimentos judiciários, prometendo um processo mais célere. Nesse contexto, o

presente trabalho tem como finalidade estudar a Tutela de Urgência e traçar um

comparativo entre o Código de Processo Civil revogado (Lei 5.869/73) e o Código de

Processo Civil vigente (Lei 13.105/2015), com a finalidade de identificar as

inovações e especialmente as diferenças existentes entre as suas espécies: Tutela

Cautelar e Tutela Antecipada. Como problemática, o trabalho se propõe a analisar o

quanto a nova legislação inovou ou conservou-se no tocante às tutelas de urgência,

já previstas no CPC revogado. Para tanto, foi utilizado o método dedutivo, partindo

da análise geral do instituto, para melhor compreensão dos pontos específicos no

novo Código de Processo Civil, através de subsídios coletados na legislação e na

doutrina especializada. Destarte, o trabalho abordou desde os conceitos e requisitos

da Tutela Provisória até as alterações significativas realizadas no novo diploma

processual, com vistas a responder se as mudanças promovidas representaram de

fato um progresso em relação ao Código de Processo Civil revogado.

Palavras-chave: Tutela Provisória; Tutela de Urgência; Tutela Antecipada; Tutela

Cautelar; Código de Processo Civil de 1973; Código de Processo Civil de 2015;

Diferenciação.

ABSTRACT

The New Code of Civil Procedure has brought substantial changes to

the judicial process, promising a faster process. In this context, the purpose of this

study is to study the Guardianship of Urgency and to draw a comparison between the

Code of Civil Procedure revoked (Law 5.869 / 73) and the Code of Civil Procedure in

force (Law 13,105 / 2015), with the purpose of identifying the innovations and

especially the existing differences between its species: Guardianship and

Precautionary Guardianship. As problematic, the paper proposes to analyze how

much the new legislation has innovated or has remained with regard to the urgency

tutelas, already foreseen in the revoked CPC. For that, the deductive method was

used, starting from the general analysis of the institute, to better understand the

specific points in the new Code of Civil Procedure, through subsidies collected in the

legislation and specialized doctrine. Thus, the work covered from the concepts and

requirements of the Provisional Guardianship to the significant changes made in the

new procedural law, with a view to answering whether the changes promoted actually

represented progress in relation to the revoked Code of Civil Procedure.

Keywords: Provisional Guardianship; Urgency Tutelage; Advance Tutelage;

Guardianship; Code of Civil Procedure of 1973; Code of Civil Procedure of 2015;

Differentiation.

8

INTRODUÇÃO

A morosidade processual e a ineficiência do Estado em entregar a

devida tutela jurisdicional, em consequência de um Poder Judiciário com estruturas

defasadas e com evidente sobrecarga, é uma realidade enfrentada pela sociedade

há tempo. O problema da falta de celeridade se torna ainda mais evidente quando

tratamos das tutelas de urgência.

Nesse contexto, foi aprovada a Lei nº 13.105/2015, que deu origem ao

novo Código de Processo Civil Brasileiro - NCPC, sancionado pela Presidente da

República em 16 de março de 2015.

Assim, com o nascimento do novo Código de Processo Civil, que

entrou em vigor após o decurso de um ano, surgiu a problemática a respeito da

efetividade e aplicação das novas ferramentas legislativas que vieram a lume, bem

como da sua consonância com os princípios constitucionais e infraconstitucionais.

Com as inovações trazidas pela Lei 13.105/2015, as tutelas de

urgência ganharam papel primordial em um dos principais escopos do Legislador ao

editar o novo Código de Processo Civil: a celeridade.

No entanto, é possível que a alteração legislativa traga, em um primeiro

momento, insegurança no manejo dos institutos, mormente no que diz respeito à sua

interpretação e aplicação, em razão das importantes diferenças existentes entre o

novel diploma e o seu antecessor.

A principal finalidade deste trabalho é realizar um estudo acerca da

tutela provisória nela compreendida especialmente a Tutela de Urgência, e a

distinção das suas espécies - antecipada e cautelar - previstas no novo Código de

Processo Civil.

Além de estudar como um todo a estrutura da tutela provisória,

propõem-se uma reflexão acerca das alterações levadas à efeito, ponderando sobre

9

a possível efetividade das modificações como forma de garantir a duração razoável

do processo, a celeridade, a economia processual e a instrumentalidade das formas.

Assim, analisar-se-á, topicamente, e de forma crítica, as peculiaridades

da Tutela de Urgência constantes no novo Código de Processo Civil, expondo os

possíveis aspectos positivos e negativos da mudança da norma.

A pesquisa é realizada de forma explicativa, com o objetivo de

identificar fatores que levem à ocorrência de fenômenos, nesse caso, no mundo

jurídico, através de subsídios coletados na legislação e na doutrina especializada.

Para tanto, os capítulos foram estruturados iniciando com a exposição

de motivos que orientaram os juristas que formularam o Código de Processo Civil –

CPC, de 2015, seguindo por uma breve exposição da evolução das tutelas de

urgência no ordenamento jurídico do CPC de 1973. O terceiro capítulo começa a

tratar da classificação da tutela provisória, conforme sua natureza, fundamentação e

momento; já o quarto, traz as disposições gerais sobre a Tutela de Urgência. Por

fim, enfatiza-se as diferenças entre as tutelas de urgência “cautelar” e “antecipada”,

assim como a fungibilidade entre elas.

10

1. CONSIDERAÇÕES SOBRE O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Em Brasília, 8 de junho de 2010, a Comissão de Juristas formada para

elaboração do novo Código de Processo Civil, publicou a Exposição de Motivos que

orientariam seus trabalhos, expondo logo de início a seguinte problemática:

Um sistema processual civil que não proporciona à

sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito.1

A ineficiência do sistema processual brasileiro foi exposta sem censura

logo no primeiro parágrafo da Exposição de Motivos do novo Código, em conjunto

com as mudanças necessárias, reclamadas pela comunidade jurídica,

correspondentes às queixas recorrentes dos jurisdicionados e dos operadores do

Direito.

A Comissão de Juristas ressaltou que um de seus métodos de trabalho

foi o de resolver problemas, sobre cuja existência havia praticamente unanimidade

na comunidade jurídica. Assim, os trabalhos da Comissão se orientaram

precipuamente por cinco objetivos:

1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia

fina com a Constituição Federal; 2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de

forma mais rente à realidade fática subjacente à causa; 3) simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a

complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o recursal; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si

mesmo considerado; e, 5) finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente

alcançado pela realização daqueles mencionados antes, imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão. 2

1 BRASIL. Código de processo civil e normas correlatas. 7. ed. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2015, p. 24. 2 Idem, p. 26.

11

É com relação ao item 3, citado acima, que este trabalho mais se

aproxima. O novo Código de Processo Civil tem o potencial de gerar um processo

mais célere, mais justo, porque mais rente às necessidades sociais e menos

complexo.

Em sintonia fina com a Constituição Federal, o novo Código incluiu

expressamente princípios constitucionais, na sua versão processual. O art. 1º do

CPC estabelece a subordinação do Processo Civil à Constituição Federal - CF.

Determina que o processo civil seja ordenado, disciplinado e interpretado conforme

os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição, observando-se

as disposições do Código.

O novo Codigo consagra também princípios constitucionais como o da

razoavel duraçao do processo, em seu art. 4°, caput. Do contraditório e da ampla

defesa, em seu art. 7°. Da proteçao a dignidade da pessoa humana e dos princípios

da legalidade, publicidade e eficiência, em seu art. 8°, bem como o da

fundamentaçao das decisoes judiciais, em seu art. 11.

Com enfoque neste trabalho, impõe-se destacar o art. 4º quanto ao

princípio da ‘razoável duração do processo’. Afinal, a ausência de celeridade, sob

certo ângulo, é ausência de justiça.

A figura da tutela provisoria, opção desse estudo, vem ao encontro da

finalidade de entregar a tutela jurisdicional requerida pelas partes em tempo habil,

visto que nos casos de urgência a utilidade da decisao depende da rapidez com que

é entregue e efetivada.

Nessa toada, extinguiram-se as ações cautelares nominadas no novo

CPC. Adotou-se a regra no sentido de que basta à parte a demonstração do fumus

boni iuris e do perigo de ineficácia da prestação jurisdicional para que a providência

pleiteada deva ser deferida.

Até a possibilidade de antecipação de tutela, independentemente de

periculum in mora, o novo CPC estabeleceu, conforme justificado pela Comissão de

Juristas:

12

Considerou-se conveniente esclarecer de forma expressa

que a resposta do Poder Judiciário deve ser rápida não só em situações em que a urgência decorre do risco de eficácia do processo e do eventual perecimento do próprio direito. Também em hipóteses em que as alegações da parte se revelam de juridicidade ostensiva deve a tutela ser antecipadamente (total ou parcialmente) concedida, independentemente de periculum in mora, por não haver razão relevante para a espera, até porque, via de regra, a demora do processo gera agravamento do dano.3

Em suma, o Brasil tem agora um Novo Código de Processo Civil. Uma

nova codificação que propõem darmos passos à frente em busca de ser um sistema

mais coeso, ágil e capaz de gerar um processo civil mais célere e justo.

1.2. BREVE EVOLUÇÃO DOS INSTITUTOS

A disciplina das tutelas cautelares no CPC de 1973 admitia a existência

de três grandes espécies de provimentos jurisdicionais: o de conhecimento,

destinado a dar ao julgador os subsídios necessários para que pudesse emitir o

julgamento, pronunciando a lei do caso concreto; o de execução, voltado para a

satisfação do direito do credor, quando o devedor não cumpria voluntariamente a

obrigação consubstanciada em título executivo; e o cautelar, sempre acessório,

destinado a proteger os outros dois tipos de provimento ameaçados pela demora do

processo.

A cada um deles correspondia um tipo de processo, e ao cautelar era

dedicado o Livro III, na sistemática original do CPC de 1973, conforme expõe na

doutrina:

Os pensamentos analítico e científico subjacentes ao CPC

exigiam que para cada tipo de provimento correspondesse um tipo de processo. Por isso, se um dos litigantes necessitasse de uma medida de cunho cautelar, não podia postulá-la — na sistemática original do CPC de 1973 — no processo de conhecimento, mas devia ajuizar um processo

3 BRASIL. Código de processo civil e normas correlatas. 7. ed. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2015, p. 32.

13

cautelar, de caráter preparatório ou incidental, autônomo em relação ao processo principal, de conhecimento ou de execução.4

Até meados de 1994, não havia a possibilidade de deferimento

genérico de tutelas provisórias satisfativas. Havia apenas alguns procedimentos

especiais que previam a concessão de medidas satisfativas em caráter liminar, como

as ações possessórias, nunciação de obra, embargos de terceiro etc. Mas, fora

dessas ações, inexistia previsão para o deferimento de medidas satisfativas

genéricas.

Grande inovação foi introduzida em nosso ordenamento jurídico pela

Lei nº. 8.952/94, que deu nova redação ao art. 273 do Código de Processo de 1973.

Com ela, passou-se a admitir a possibilidade de deferimento de tutelas antecipadas

genéricas, em praticamente todos os tipos de processos e procedimentos, desde

que preenchidos os requisitos gerais estabelecidos naquele dispositivo, vejamos:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar,

total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.5

Segundo o magistério de Marcus Vinicius Rios Gonçalves, desde o

advento da Lei n. 8.952/94, passaram a coexistir em nosso ordenamento dois tipos

de tutelas diferenciadas, a cautelar (conservativa) e a antecipada (satisfativa). Esse

convívio entre as duas espécies nem sempre foi muito tranquilo:

De início, pareceu fundamental distinguir uma da outra, e

houve casos de decisões judiciais que negaram uma medida de urgência apenas porque o requerente denominou-a de antecipada, quando ela tinha natureza cautelar, ou vice-versa. A razão para tamanho esforço de distinção só podia ser que, de início, o deferimento de medidas cautelares exigia o ajuizamento de um processo cautelar autônomo, próprio, já que era esse o

4 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 437. 5 BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973: Institui o Código de processo civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l5869.htm>. Acesso em 10 de mar. de 2018.

14

lugar adequado, o habitat natural das providências acautelatórias; ao passo que as tutelas satisfativas eram postuladas já no bojo do processo principal, sem necessidade de ajuizamento de processo autônomo.6

Essa situação foi modificada com a edição da Lei n. 10.444/2002, que deu

nova redação ao § 7º do art. 273 do CPC de 1973, in verbis:

Art. 273. (...): (...) § 7º: Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer

providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002).7

A inovação instituiu a fungibilidade entre os dois tipos de tutela e deu

ao juiz maiores condições de deferir a medida que fosse mais adequada para

arredar uma situação de perigo.

Todavia, dessa forma, desapareceu a razão de ser e a utilidade do

processo cautelar, pois o juiz passou a ser autorizado a conceder medidas

cautelares dentro do processo principal, sem necessidade de processo autônomo.

Sensível a essas mudanças, o legislador atual extinguiu o processo

cautelar do nosso ordenamento jurídico. Contudo, permaneceu a Tutela Cautelar,

como uma das espécies de tutela provisória de urgência, mas não o processo

cautelar.

Para concluir esse esboço, embora o CPC atual mantenha a distinção

entre Tutela Antecipada e Cautelar, passou a discipliná-las em conjunto, como

espécies do mesmo gênero. Ou seja, ambas passaram a compor o gênero único das

tutelas provisórias de urgência, ficando o juiz autorizado a conceder a medida que

entender mais adequada no caso concreto (art. 297 do novo CPC).

6 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 438. 7 BRASIL. Lei nº 10.444, de 7 de maio de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10444.htm>. Acesso em 10 de mar. de 2018.

15

2. A TUTELA PROVISÓRIA

O CPC/2015 aboliu o livro sobre procedimento cautelar. Em

substituiçao ao Livro III (“Do Processo Cautelar”) e ao art. 273 (“Tutela Antecipada”),

ambos do CPC de 1973, a Parte Geral do novo CPC dedica todo o Livro V à

chamada “tutela provisória” (arts. 294 a 311). São regras que permitem,

generalizadamente, a concessão, antecedente ou incidental, de medidas aptas a

acautelar (no sentido de conservar) ou antecipar (no sentido de satisfazer) o direito

controvertido.

O eminente professor Alexandre Câmara conceitua o instituto:

Tutelas provisórias são tutelas jurisdicionais não definitivas,

fundadas em cognição sumária (isto é, fundadas em um exame menos profundo da causa, capaz de levar à prolação de decisões baseadas em juízo de probabilidade e não de certeza). Podem fundar-se em urgência ou em evidência (daí por que se falar em Tutela de Urgência e em tutela da evidência). Uma vez deferida a tutela provisória, ela conserva sua eficácia durante toda a pendência do processo (art. 296), ainda que este se encontre suspenso (e salvo decisão expressa em sentido contrário, nos termos do art. 296, parágrafo único). Exatamente por ser provisória, porém, pode ela ser revogada ou modificada a qualquer tempo (art. 296, parte final).8

Em outras palavras, a tutela provisória tem a função de dar maior

efetividade ao processo. Garantir e assegurar o provimento final e permitir uma

melhor distribuição dos ônus da demora, possibilitando que o juiz conceda antes

aquilo que só concederia ao final ou determine as medidas necessárias para

assegurar e garantir a eficácia do provimento principal.

Sem ela, o ônus da demora seria sempre do autor, podendo o réu

sentir-se estimulado a fazer uso dos mais diversos mecanismos para retardar o

desfecho do processo.

8 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 144.

16

O instituto quer fazer as vezes do que, no CPC de 1973,

desempenhavam a Tutela Antecipada e o Processo Cautelar, isto é, trata-se de

técnica destinada ora a satisfazer o direito, desde logo, ora a conservar o resultado

útil do processo, quando houver urgência ou evidência.

O eminente Professor Marcus Vinicius Rios Gonçalves (2017, p. 440),

em sua obra “Direito processual civil esquematizado” classifica a tutela provisória de

três formas: quanto à sua natureza, fundamentação ou momento em que requerida.

Conforme a natureza, pode ser antecipada ou cautelar; quanto à fundamentação, de

urgência ou de evidência; e quanto ao momento de concessão, antecedente ou

incidental, cada qual analisada adiante.

2.1. CONFORME A NATUREZA: ANTECIPADA OU CAUTELAR

A tutela provisória de urgência poderá ser requerida antecedente ou

incidentalmente e tera, indistintamente, natureza “cautelar” ou “antecipada”,

conforme dispõe o art. 294 do novo CPC:

Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em

urgência ou evidência. Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.9

Segundo o Autor Marcus Vinicius Rios Gonçalves, “a satisfatividade é o

critério mais útil para distinguir a Tutela Antecipada da cautelar”.10 As duas são

provisórias e têm requisitos muito assemelhados, relacionados à urgência. Mas

somente a Tutela Antecipada tem natureza satisfativa, permitindo ao juiz que já

defira os efeitos que, sem ela, só poderia conceder no final.

9 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015: Código de processo civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 11 de mar. de 2018. 10 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 441.

17

Na cautelar, o juiz não defere, ainda, os efeitos pedidos, mas apenas

determina uma medida protetiva, assecurativa, que preserva o direito do autor, em

risco pela demora no processo.

Noutras palavras, a Tutela Cautelar evita que o processo trilhe um

caminho insatisfatório que o conduzirá à inutilidade. Por sua vez, a Tutela

Antecipada possibilita à parte, desde já, a fruição de algo que muito provavelmente

virá a ter reconhecido ao final.

Como dito por José Roberto dos Santos Bedaque, “cada uma a seu

modo, ambas têm a mesma finalidade remota, ou seja, estão vocacionadas a

neutralizar os males corrosivos do tempo no processo”.11

2.2. CONFORME A FUNDAMENTAÇÃO: DE URGÊNCIA OU DE EVIDÊNCIA

Essa é a classificação que leva em conta os fundamentos pelos quais o

juiz pode deferir a tutela provisória. Ao concedê-la, ele deverá fundamentar a

decisão na urgência ou evidência.

Sobre tal característica, convém transcrever a explicação da ilustre

autora Teresa Arruda Alvim Wambier, in verbis:

A Tutela de Urgência está precipuamente voltada a afastar

o periculum in mora, serve, portanto, para evitar um prejuízo grave ou irreparável enquanto dura o processo (agravamento do dano ou a frustração integral da provável decisão favorável), ao passo que a tutela de evidência baseia-se exclusivamente no alto grau de probabilidade do direito invocado, concedendo, desde já, aquilo que muito provavelmente virá ao final.12

11 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 300-301. 12 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 487.

18

Em conformidade ao art. 300, caput, do novo CPC, a tutela será de

urgência quando houver “elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o

perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.13

De maneira resumida, os requisitos são o fumus boni juris, isto é, a

probabilidade do direito, e o periculum in mora, isto é, risco de que sem a medida o

litigante possa sofrer perigo de prejuízo irreparável ou de difícil reparação.

Já no caso de a tutela provisória estar fundada em evidência, ela será

sempre satisfativa. É o legislador quem definiu quais são as situações consideradas

indispensáveis para que o juiz defira a tutela de evidência. Elas estão enumeradas

nos quatro incisos do art. 311 do CPC, e são muito diferentes daquelas exigidas na

Tutela de Urgência, conforme se lê:

Art. 311. A tutela da evidência será concedida,

independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;

II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;

IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.14

Cumpre consignar que a tutela de evidência não tem por fim afastar um

perigo, e será deferida mesmo que ele não exista. Para compreender a sua

finalidade, é preciso lembrar que é normalmente o autor quem sofre com a demora

no processo, pois é ele quem formula a pretensão, que permanece não atendida até

o final (ou até determinada fase). Portanto, cabe ao autor, em regra, suportar os

ônus da demora.

13 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015: Código de processo civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 13 de mar. de 2018. 14 Idem.

19

A tutela de evidência inverte esse ônus, seja quando o réu age de

forma abusiva ou com intuito protelatório, seja quando o direito cuja proteção o autor

postula revista-se de evidência, o que ocorre nas hipóteses dos incisos II e IV do art.

311, seja, ainda, quando se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova

documental adequada de contrato de depósito.

2.3. CONFORME O MOMENTO: ANTECEDENTE OU INCIDENTAL

Não existem mais os processos cautelares preparatórios ou incidentes

como eram os regulados no Livro III do CPC de 1973, que no processo cautelar

preparatório era aquele ajuizado antes do principal, e no incidental, o ajuizado na

pendência do principal.

Nada disso ocorre no atual sistema. Como visto, a tutela provisória

pode fundar-se em urgência ou evidência. A tutela de evidência será sempre

incidental, nunca antecedente. Mas a de urgência poderá ser incidental ou

antecedente, conforme dispõe o art. 294 do novo CPC:

Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em

urgência ou evidência. Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.15

A tutela antecedente é aquela formulada antes que o pedido principal

tenha sido apresentado. No caso da Tutela Cautelar requerida em caráter

antecedente, o autor formulará o pedido cautelar antes de apresentar o principal. Ao

requerê-la, deverá apenas indicar qual será a pretensão principal, expondo de

maneira sumária o direito que se visa assegurar (art. 305, CPC 2015). Efetivada a

15 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015: Código de processo civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 11 de mar. de 2018.

20

Tutela Cautelar, deverá ser apresentado, no mesmo processo, e dentro de 30 dias, o

pedido principal, conforme prescreve o art. 308 do novo CPC, in verbis:

Art. 308. Efetivada a Tutela Cautelar, o pedido principal terá

de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de Tutela Cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais.

§ 1º O pedido principal pode ser formulado conjuntamente com o pedido de Tutela Cautelar.

§ 2º A causa de pedir poderá ser aditada no momento de formulação do pedido principal.

§ 3º Apresentado o pedido principal, as partes serão intimadas para a audiência de conciliação ou de mediação, na forma do art. 334, por seus advogados ou pessoalmente, sem necessidade de nova citação do réu.

§ 4º Não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335.16

De tal forma, nas palavras do eminente Professor Marcus Vinícius Rios

Gonçalves, quanto à tutela cautelar no CPC 2015, “não há, pois, um processo

antecedente a outro, mas um pedido antecedente ao outro no mesmo processo”.17

A Tutela Antecipada, por sua vez, também pode ser deferida em

caráter antecedente, na forma do art. 303 do NCPC. O autor formulará apenas o

pedido de antecipação, apresentando uma exposição sumária da lide, do direito que

se busca realizar e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.

Concedida a Tutela Antecipada, a inicial deverá ser aditada para complementação

da argumentação, juntada de novos documentos e confirmação do pedido de tutela

final, em 15 dias, ou outro prazo maior que o órgão jurisdicional fixar.

Por fim, em relação à incidental, o procedimento é simplificado. Como o

processo principal já foi ajuizado, basta que a medida seja requerida no seu bojo

quando se apresentar uma situação de urgência.

16 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015: Código de processo civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 16 de mar. de 2018. 17 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. 8. ed. São Paulo:

Saraiva, 2017, p. 444.

21

3. A TUTELA DE URGÊNCIA

Como visto, as tutelas provisórias só podem ter dois fundamentos: a

urgência e a evidência. Neste capítulo, serão examinadas as características da

Tutela de Urgência.

3.1. A PROBABILIDADE DO DIREITO - “FUMUS BONI IURIS”

O artigo 300 do novo CPC inaugura as disposições específicas da

tutela de urgência, in verbis:

Art. 300. A Tutela de Urgência será concedida quando

houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

§ 1º Para a concessão da Tutela de Urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.

§ 2º A Tutela de Urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.

§ 3º A Tutela de Urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.18

A redação do CPC atual é mais cuidadosa do que a do art. 273, caput,

do CPC anterior, que aludia a “prova inequívoca” e a “verossimilhança”, in verbis:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar,

total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

18 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015: Código de processo civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 16 de mar. de 2018.

22

II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.19

Segundo a Doutrina, a crítica que se fazia a essa redação é que a

expressao “prova inequívoca” traduziria a ideia de uma prova definitiva, feita em

cogniçao aprofundada, ao passo que a “verossimilhança” transmitiria a ideia de algo

examinado em cognição superficial. Vejamos:

O legislador preferiu falar em “probabilidade” em vez de

“plausibilidade”. A rigor, as duas expressoes poderiam ser distinguidas, ja que algo plausível não é o mesmo que algo provável. Se determinada circunstância é plausível, isso significa que não será de se surpreender se ela de fato for confirmada, se de fato existir; se for provável, causará alguma perplexidade o fato de ela não existir, de não se verificar. Isso nos levaria, pois, à conclusão de que a probabilidade seria um tanto mais exigente que a plausibilidade: nenhuma delas coincide com a certeza, mas a primeira está mais próxima dela que a segunda. Mas, feitas essas considerações, não nos parece que seja possível estabelecer, com clareza e no caso concreto, os lindes entre o juízo de probabilidade e o de plausibilidade. Em ambos os casos, a cognição é superficial, e o que se exige é sempre que haja a “fumaça do bom direito”, o fumus boni juris.20

Em suma, o que é fundamental para o juiz conceder a medida, seja

satisfativa ou cautelar, é que se convença de que as alegações são plausíveis,

verossímeis, prováveis. É preciso que o requerente aparente ser o titular do direito

que está sob ameaça, e que esse direito aparente merecer proteção.

Por sua vez, o juiz deve valer-se do princípio da proporcionalidade,

sopesando as consequências que advirão do deferimento ou do indeferimento da

medida. Tanto um quanto outro podem trazer prejuízos irreparáveis ou de difícil

reparação.

Por isso, o fumus boni juris não pode ser examinado isoladamente,

mas depende da situação de perigo e dos valores jurídicos em disputa

(proporcionalidade). Conquanto não possa afastar o requisito da verossimilhança, o

19 BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973: Institui o Código de processo civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l5869.htm>. Acesso em 16 de mar. de 2018. 20 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 461.

23

juiz pode, eventualmente, atenuá-lo, quando a urgência e os bens jurídicos

discutidos o recomendarem.

3.2. PERIGO DE DANO OU O RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO –

“PERICULUM IN MORA”

O “periculum in mora” é o requisito que caracteriza as tutelas de

urgência. As de evidência exigem outros requisitos, entre os quais não se encontra a

urgência. Variadas são as fórmulas encontradas na doutrina para a classificação das

tutelas de urgência, porém um ponto de encontro pode ser vislumbrado em todas

elas: a necessidade de uma tutela que evite um dano irreparável ou de difícil

reparação, a teor do art. 300 do novo CPC.

Avulta dessa constatação a noção de que a Tutela de Urgência é

caracterizada por uma situação de perigo, a qual visa-se proteger o direito material.

Acerca do tema, Teresa Arruda Alvim Wambier disserta que o novo

CPC “avançou positivamente ao abandonar a gradação que o CPC/73 pretendia

fazer entre os requisitos para a cautelar e a antecipação de tutela, sugerindo-se um

“fumus” mais robusto para a concessão dessa última”.21

Na mesma linha de raciocínio, explana Daniel Amorim Assumpção

Neves, em sua obra acerca das inovações do novo CPC, vejamos:

A diferença entre o fumus boni iuris e a prova inequívoca da

verossimilhança da alegação como requisitos para a concessão de Tutela de Urgência garantidora e satisfativa desaparece no Novo Código de Processo Civil, que iguala o grau de probabilidade de o direito existir para a concessão de qualquer espécie de Tutela de Urgência, independentemente de sua natureza. Nesse sentido, o art. 300, caput, ao prever que a Tutela de

21 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 498.

24

Urgência será concedida quando forem demonstrados elementos que evidenciem a probabilidade do direito.22

Noutras palavras, para a concessão da Tutela de Urgência “cautelar” e

da Tutela de Urgência “antecipada” exigem-se os mesmos e idênticos requisitos:

probabilidade do direito (fumus boni iuris) e o perigo na demora da prestação da

tutela jurisdicional (periculum in mora).

Ato contínuo, cumpre explanar o conceito de cada requisito conforme o

magistério de Elpídio Donizetti, in verbis:

Probabilidade do direito. Deve estar evidenciada por prova

suficiente para levar o juiz a acreditar que a parte é titular do direito material disputado. Trata-se de um juízo provisório. Basta que, no momento da análise do pedido, todos os elementos convirjam no sentido de aparentar a probabilidade das alegações. Em outras palavras, para a concessão da Tutela de Urgência não se exige que da prova surja a certeza das alegações, contentando-se a lei com a demonstração de ser provável a existência do direito alegado pela parte que pleiteou a medida.

Perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Pode ser definido como o fundado receio de que o direito afirmado pela parte, cuja existência é apenas provável, sofra dano irreparável ou de difícil reparação ou se submeta a determinado risco capaz de tornar inútil o resultado final do processo.23

Com efeito, ambos os requisitos, fumus e periculum, devem estar

presentes, mas é o periculum o fiel da balança para a concessão da medida, porque,

afinal de contas, o que importa no palco da Tutela de Urgência é reprimir o dano

irreparável ou de difícil reparação à parte.

3.3. POSSIBILIDADE DE REVERSÃO DOS EFEITOS

Um dos requisitos para a concessão da Tutela de Urgência antecipada

é que os seus efeitos não sejam irreversíveis (art. 300, § 3º). A irreversibilidade não

22 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo código de processo civil: Lei 13.105/2015. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 187. 23 DONIZETTI, Elpídio. Novo código de processo civil comentado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 402.

25

é do provimento, já que este, em princípio, sempre poderá ser revertido, mas dos

efeitos que ele produz.

Não é fácil determinar quando o provimento é ou não irreversível. Em

princípio, seria reversível aquele que, em caso de posterior revogação ou cessação

de eficácia, não impeça as partes de serem repostas ao status quo ante.

Não sendo reversíveis os efeitos do provimento, o juiz não deve deferir

a Tutela Antecipada. Mas é preciso considerar que, às vezes, haverá o que Athos

Gusmão Carneiro chama de “irreversibilidade recíproca”, ao destacar que:

Com certa frequência, o pressuposto da irreversibilidade

ficara ‘superado’ ante a constataçao da ‘recíproca irreversibilidade’. Concedida a antecipação de tutela, e efetivada, cria-se situação irreversível em favor do autor; denegada, a situação será irreversível em prol do demandado.24

Assim, a solução será o juiz valer-se do princípio da proporcionalidade,

determinando a proteção do interesse mais relevante, e afastando o risco mais

grave. O Enunciado 25 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de

Magistrados – ENFAM dispoe que “a vedação da concessão de Tutela de Urgência

cujos efeitos possam ser irreversíveis (art. 300, § 3º, do CPC/2015) pode ser

afastada no caso concreto com base na garantia do acesso à Justiça (art. 5º, XXXV,

da CRFB)”.25

3.4. CAUÇÃO E RESPONSABILIDADE OBJETIVA PELOS DANOS

Ao deferir uma tutela provisória de urgência, o juiz objetiva afastar um

perigo iminente de dano ou risco ao resultado útil do processo. Ao fazê-lo, pode

24 CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 87. 25 ESCOLA nacional de formação e aperfeiçoamento de magistrados. O poder judiciário e o novo código de processo civil: enunciados aprovados. Disponível em: <https://www.enfam.jus.br/wp-content/uploads/2015/09/ENUNCIADOS-VERSAO-DEFINITIVA-.pdf>. Acessado em: 22 de abr. de 2018.

26

ocasionar um dano para o réu, que se verá obrigado a cumprir a determinação antes

que se torne definitiva.

A medida é deferida em cognição sumária, quando o juiz ainda não tem

todos os elementos para decidir quem tem razão. Por isso, a lei toma alguns

cuidados, exigindo os elementos que evidenciem a probabilidade do direito, e o

receio fundado de dano.

A possibilidade de o juiz condicionar o deferimento da Tutela de

Urgência à prestação de caução idônea vem prevista no art. 300, § 1º, do CPC. A

caução é contracautela, cuja finalidade é evidente:

Trata-se de medida destinada a acautelar contra o assim

chamado periculum in mora inverso, isto é, o perigo de que o demandado sofra, em razão da demora do processo, um dano de difícil ou impossível reparação (que só será identificado quando se verificar que, não obstante provável, o direito do demandante na verdade não existia).26

Deve-se, porém, dispensar a caução de contracautela nos casos em

que o demandante, por ser economicamente hipossuficiente, não puder oferecê-la

(art. 300, § 1º, parte final). Afinal, não se pode criar obstáculo econômico ao acesso

à justiça, que não é garantido só aos fortes economicamente, mas é assegurado

universalmente.

Há entendimento consolidado no enunciado 497 do Fórum Permanente

de Processualistas Civis - FPPC segundo o qual as “hipóteses de exigência de

caução para a concessão de tutela provisória de urgência devem ser definidas à luz

do art. 520, IV, CPC”.27

O referido dispositivo legal, assim prescreve:

26 CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 145. 27 FORUM permanente de processualistas civis. Enunciados do fórum permanente de processualistas civis. Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/i4n5ngh49y1b1f4/Carta%20de%20Florian%C3%B3polis.pdf?dl=0>. Acessado em: 22 de abr. de 2018.

27

Art. 520. O cumprimento provisório da sentença impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo será realizado da mesma forma que o cumprimento definitivo, sujeitando-se ao seguinte regime:

(...) IV - o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de

atos que importem transferência de posse ou alienação de propriedade ou de outro direito real, ou dos quais possa resultar grave dano ao executado, dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos.28

Face ao exposto, a caução deve ser fixada sempre que houver

periculum in mora inverso, e uma das hipóteses previstas no aludido dispositivo legal

é, precisamente, esta: risco de grave dano ao demandado.

De outro lado, deve-se dispensar a caução em todos os casos

previstos no art. 521 (enunciado 498 do FPPC), ex vi legis:

Art. 521. A caução prevista no inciso IV do art. 520 poderá

ser dispensada nos casos em que: I - o crédito for de natureza alimentar, independentemente

de sua origem; II - o credor demonstrar situação de necessidade; III – pender o agravo do art. 1.042 IV - a sentença a ser provisoriamente cumprida estiver em

consonância com súmula da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou em conformidade com acórdão proferido no julgamento de casos repetitivos.

Parágrafo único. A exigência de caução será mantida quando da dispensa possa resultar manifesto risco de grave dano de difícil ou incerta reparação.29

Além disso, o legislador preocupou-se com os danos que o réu pode

sofrer como consequência do cumprimento das tutelas de urgência.

O dispositivo que trata do assunto é o art. 302 do CPC, que atribui

responsabilidade objetiva ao autor pelos danos que ocasionar, tanto em caso de

Tutela Cautelar como satisfativa. Ao postular a tutela, ele assume o risco de obter

uma medida em cognição sumária, que pode trazer danos ao réu e ser revogada ou

perder eficácia a qualquer tempo.

28 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015: Código de processo civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 24 de mar. de 2018. 29 Idem.

28

O dispositivo estabelece:

Art. 302. Independentemente da reparação por dano

processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da Tutela de Urgência causar à parte adversa, se:

I - a sentença lhe for desfavorável; II - obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não

fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias;

III - ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal;

IV - o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor.

Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível.30

Posto isso, depreende-se que a parte responde pelo prejuízo que a

efetivação da Tutela de Urgência causar à parte adversa, cujos danos inclusive

podem ser liquidados nos próprios autos. Tal medida é importante para proteger o

demandado quando se verificar que o direito do demandante na verdade não existia.

30 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015: Código de processo civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 24 de mar. de 2018.

29

4. DIFERENCIAÇÃO DAS TUTELAS DE URGÊNCIA

A tutela de urgência pode ser requerida em caráter incidental ou

antecedente, conforme dispõe o art. 294, parágrafo único:

Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em

urgência ou evidência. Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou

antecipada, pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.31

O requerimento “incidental” não se submete a qualquer formalidade,

podendo ser deduzido na própria petição inicial ou em qualquer outra petição que

venha a ser apresentada nos autos. O requerimento de Tutela de Urgência

“antecedente”, porém, se submete a normas específicas, já que formulado em um

momento anterior àquele em que se deduz a demanda principal.

Exatamente por isso há, no novo CPC, disposições específicas a

respeito do procedimento a ser observado quando se pretenda requerer Tutela de

Urgência em caráter antecedente.

Analisar-se-á nos tópicos seguintes a diferença entre as espécies de

tutelas de urgência “antecipada” e “cautelar” requeridas em caráter “antecedente”.

4.1. O PROCEDIMENTO DA TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER

ANTECEDENTE

Sob a égide do CPC de 1973, só havia possibilidade de se veicular

uma tutela cautelar em caráter antecedente sob a forma de um processo cautelar

preparatório. O novo CPC mudou completamente essa regra, primeiro ao extinguir a

31 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015: Código de processo civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 26 de mar. de 2018.

30

autonomia do processo cautelar e, segundo, ao permitir expressamente a

possibilidade de se requerer uma tutela antecipada em caráter antecedente. É dessa

possibilidade que trata o art. 303, in verbis:

Art. 303. Nos casos em que a urgência for contemporânea

à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da Tutela Antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.

§ 1º Concedida a Tutela Antecipada a que se refere o caput deste artigo:

I - o autor deverá aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar;

II - o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação na forma do art. 334;

III - não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335.

§ 2º Não realizado o aditamento a que se refere o inciso I do § 1o deste artigo, o processo será extinto sem resolução do mérito.

§ 3º O aditamento a que se refere o inciso I do § 1o deste artigo dar-se-á nos mesmos autos, sem incidência de novas custas processuais.

§ 4º Na petição inicial a que se refere o caput deste artigo, o autor terá de indicar o valor da causa, que deve levar em consideração o pedido de tutela final.

§ 5º O autor indicará na petição inicial, ainda, que pretende valer-se do benefício previsto no caput deste artigo.

§ 6º Caso entenda que não há elementos para a concessão de Tutela Antecipada, o órgão jurisdicional determinará a emenda da petição inicial em até 5 (cinco) dias, sob pena de ser indeferida e de o processo ser extinto sem resolução de mérito.32

Em se tratando de Tutela Antecipada requerida em caráter

antecedente, o art. 303, caput, permite que a petição inicial limite-se ao

requerimento da Tutela Antecipada e à indicação do pedido de tutela final (que

balizará o valor a ser dado à causa; art. 303, § 4º), com a exposição da lide (isto é,

do mérito), do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou risco ao resultado

útil do processo.

32 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015: Código de processo civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 27 de mar. de 2018.

31

Embora simplificada, a petição que veicula o pedido de Tutela

Antecipada em caráter antecedente deve conter os requisitos do art. 319, uma vez

que será essa a petição que instaurará a relação processual.

Em consonância com o magistério de Elpídio Donizetti, além dos

requisitos genéricos do art. 319, deve a petição conter os seguintes requisitos

específicos:

(a) Exposição da lide. Deve-se compreender esse requisito

como os fatos e fundamentos jurídicos do pedido, a pretensão do autor e a resistência do réu; (b) Probabilidade do direito afirmado e o perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo. Esses requisitos serão aferidos a partir dos fatos e fundamentos jurídicos, somados aos elementos que denotam a urgência na obtenção da Tutela Antecipada (periculum in mora); (c) Indicação de que pretende se valer do benefício previsto no caput do art. 303, que consiste na faculdade de apresentar uma petição incompleta, passível de aditamento após a análise do pedido de Tutela Antecipada e, o que é mais relevante, a estabilizaçao da tutela eventualmente concedida; (d) Requerimento da Tutela Antecipada, com a indicação da tutela final.33

Cabe ao autor evidenciar, na petição inicial, que pretende se valer

deste procedimento (art. 303, § 5º), iniciativa que se justifica diante da possibilidade

de estabilização da Tutela Antecipada, na forma admitida pelo caput do art. 304.

Se a Tutela Antecipada for concedida, caberá ao autor aditar a petição

inicial (nos mesmos autos e sem novas custas processuais; art. 303, § 3º) com a

complementação da sua argumentação, a juntada de novos documentos e a

confirmação do pedido de tutela final.

Terá o autor, para tanto, quinze dias ou prazo maior a lhe ser fixado

pelo juiz (art. 303, § 1º, I). Sem aditamento, a hipótese é de extinção do processo

sem resolução de mérito (art. 303, § 2º).

Concedida a Tutela Antecipada, o réu será citado e intimado para a

audiência de conciliação ou mediação, abrindo-se o prazo para apresentar

contestação se não houver autocomposição (art. 303, § 1º, II e III).

33 DONIZETTI, Elpídio. Novo código de processo civil comentado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 412.

32

Se não houver elementos para a concessão da Tutela Antecipada, será

determinada a emenda da petição inicial em até cinco dias. Se ela não for

emendada, o caso é de indeferimento e extinção do processo sem resolução de

mérito (art. 303, § 6º).

4.1.1. Estabilização da tutela antecipada

O artigo 304 do CPC 2015 trouxe uma novidade no sistema processual

brasileiro: a possibilidade de estabilização da Tutela Antecipada, in verbis:

Art. 304. A Tutela Antecipada, concedida nos termos do art.

303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso.

§ 1º No caso previsto no caput, o processo será extinto. § 2º Qualquer das partes poderá demandar a outra com o

intuito de rever, reformar ou invalidar a Tutela Antecipada estabilizada nos termos do caput.

§ 3º A Tutela Antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o § 2º.

§ 4º Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida, para instruir a petição inicial da ação a que se refere o § 2º, prevento o juízo em que a Tutela Antecipada foi concedida.

§ 5º O direito de rever, reformar ou invalidar a Tutela Antecipada, previsto no § 2o deste artigo, extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos termos do § 1º.

§ 6º A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo.34

Sobre este novo instituto jurídico, a respeitável autora Teresa Arruda

Alvim Wambier ensina a sua finalidade:

O que se pretende é que a decisão proferida em sede de

antecipação de tutela, no âmbito do procedimento antecedente, produza e mantenha seus efeitos, independentemente da continuidade do processo de

34 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015: Código de processo civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 03 de abr. de 2018.

33

cognição plena, quando as partes conformarem-se com tal decisão. Se as partes ficam satisfeitas com a decisão que concedeu a Tutela Antecipada, baseada em cognição sumária e sem força de coisa julgada, o novo CPC não as obriga a prosseguir no processo, para obter uma decisão de cognição plena, com força de coisa julgada material.35

Assim, a Tutela Antecipada concedida nos moldes do art. 303 pode se

tornar estável se não houver interposição de recurso da decisão respectiva (art. 304,

caput), hipótese em que o processo será extinto (art. 304, § 1º).

Nesse especial, o Autor Daniel Amorim Assumpção Neves lamenta que

a única conduta prevista pelo legislador para impedir a estabilização seja a

necessária interposição de recurso, conforme se lê:

Só lamento que a única conduta do réu para impedir a

estabilização da Tutela Antecipada seja a necessária interposição do agravo de instrumento. Poderia o dispositivo prever qualquer espécie de resistência, inclusive a meramente incidental oferecida perante o juízo que concedeu a tutela. De qualquer forma, não havendo a interposição do recurso, o processo será extinto (§ 1.º) e a Tutela Antecipada concedida será estabilizada, podendo qualquer das partes demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a Tutela Antecipada estabilizada (§ 2.º) no prazo de dois anos contado da ciência da decisão que extinguiu o processo (§ 5.º).36

Apesar da crítica da Doutrina quanto ao meio para impedir a dita

estabilização, o Judiciário tem aplicado literalmente o texto do art. 304, inclusive em

face da Fazenda Pública, conforme se infere da ementa de julgamento do Tribunal

de Justiça de Minas Gerais, assim transcrita:

APELAÇÃO CÍVEL. PROCEDIMENTO DA TUTELA

ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. AUSÊNCIA DE RECURSO. INTERPRETAÇÃO LITERAL DO ART. 304 DO NCPC. ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPATÓRIA. APLICABILIDADE À FAZENDA PÚBLICA. - O art. 304 apresenta uma redação clara em relação ao requisito para se tornar estável a Tutela de Urgência na modalidade antecipada, isto é, a não interposição de recurso contra a decisão que a conceder. - O legislador optou por utilizar o termo "recurso" contra a decisão que conceder a Tutela de Urgência, na modalidade antecipada, não cabendo ao intérprete sua ampliação, no

35 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 510. 36 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 188.

34

sentido de admitir qualquer impugnação para obstaculizar a estabilização da tutela concedida, com a consequente extinção do processo. - Lecionam os Professores Érico Andrade (UFMG) e Dierle Nunes (PUC Minas) que, se obtida a Tutela de Urgência, no procedimento preparatório da tutela antecipatória (satisfativa), e o réu não impugnar a tutela concedida, mediante recurso de agravo de instrumento (art. 1015, I, novo CPC), o juiz vai extinguir o processo e a medida liminar antecipatória da tutela vai continuar produzindo seus efeitos concretos mesmo na ausência de apresentação do pedido principal (art. 304, §§ 1º e 3º, novo CPC). - A Fazenda Pública se submete ao regime de estabilização da Tutela Antecipada, por não se tratar de cognição exauriente sujeita a remessa necessária. (Enunciado 21 sobre o NCPC do TJMG). -Recurso improvido.37

Ocorrendo a estabilização, o § 2º do art. 304 permite que qualquer das

partes possa demandar a outra – nos mesmos autos, se for o caso, desarquivados e

perante o mesmo juízo que concedeu a Tutela Antecipada (art. 304, § 4º) – com o

objetivo de rever, reformar ou invalidar a Tutela Antecipada estabilizada.

Enquanto não for proferida decisão de mérito a partir de uma destas

iniciativas, os efeitos da Tutela Antecipada serão conservados (art. 304, § 3º).

O § 5º do art. 304 prescreve o prazo de dois anos contados da decisão

que extinguiu o processo (art. 304, § 1º) para o interessado exercer o direito de

rever, reformar ou invalidar a Tutela Antecipada.

O § 6º do art. 304 nega que a decisão concessiva da Tutela Antecipada

se sujeite à coisa julgada, embora a estabilidade de seus efeitos só possa ser

afastada por decisão proferida a partir da iniciativa prevista no § 2º do mesmo artigo.

A opção feita pelo novo CPC, ao que diz respeito à ausência de coisa

julgada em caso de estabilização da tutela, para Teresa Arruda Alvim Wambier está

em “consonância com o direito italiano e o francês e, segundo nosso entendimento,

é a melhor”. Sobre o tema, a autora ainda escreve:

O instituto da coisa julgada é incompatível com a decisão

proferida com base em cognição superficial e, por isso mesmo, provisória e sujeita à confirmação. O que confere idoneidade para que uma decisão

37 MINAS GERAIS. Apelação Cível n. 10348160004894001 MG. Tribunal de Justiça. Relatora: Heloisa Combat. Belo Horizonte, 03 de novembro de 2016. Disponível em: <https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/403067546/apelacao-civel-ac-10348160004894001-mg/inteiro-teor-403067615?ref=juris-tabs#>. Acessado em: 12 de mai. de 2018.

35

fique imune à revisão é justamente a profundidade da cognição nela desenvolvida.38

Feitos os elogios devidos à opção adotada pelo novo CPC, cabe

prosseguir à análise da aplicação dos efeitos de estabilização à hipótese de Tutela

Cautelar.

Como dito nos tópicos anteriores, pertinentes ao tema da tutela

provisória, conquanto praticamente tenha se reconhecido o mesmo regime jurídico

para as tutelas cautelar e antecipada, o novo CPC não as igualou totalmente.

Ao analisar o tema aqui estudado, ganha importância a diferenciação

entre ambas, porquanto a regra da estabilização da tutela de urgência, ao menos

numa interpretação literal, serve tão somente à tutela antecipada, não valendo para

a cautelar.

Segundo a doutrina, nas palavras de Teresa Arruda Alvim Wambier, in

verbis:

(...) a técnica conservativa empregada pela tutela cautelar

presume a adoção de uma providência protetiva temporária, que deve ser eficaz até que a parte possa ser satisfeita pelo pedido principal.39

Utilizando-se desse raciocínio, fica difícil imaginar a estabilização de

efeitos cautelares. Portanto, a técnica da estabilização volta-se à Tutela Antecipada

e não à Tutela Cautelar. Como dito pela eminente doutrinadora citada, nesse

aspecto, o novo CPC “fez ressurgir a discussão sobre a natureza da medida de

urgência concedida, se cautelar ou satisfativa. Desta vez, com requintes de

crueldade: sem o auxílio da fungibilidade”.40

38 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 514. 39 Idem, p. 511. 40 Ibidem, p. 511-512.

36

4.2. PROCEDIMENTO DA TUTELA CAUTELAR REQUERIDA EM CARÁTER

ANTECEDENTE

Nos itens anteriores, examinou-se a possibilidade de, havendo

urgência, ser concedida a Tutela Antecipada em caráter antecedente, antes que o

pedido seja apresentado com todos os argumentos e acompanhado de todos os

documentos necessários a instruí-lo.

Mas também é possível requerer-se a concessão de tutela provisória

cautelar em caráter antecedente, observando-se o procedimento estabelecido nos

arts. 305 e seguintes, in verbis:

Art. 305. A petição inicial da ação que visa à prestação de

Tutela Cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Parágrafo único. Caso entenda que o pedido a que se refere o caput tem natureza antecipada, o juiz observará o disposto no art. 303.41

O procedimento é diferente daquele previsto para Tutela Antecipada

antecedente. Por isso, faz-se necessário verificar qual o tipo de tutela antecedente

se postula: se antecipada, o procedimento é o dos arts. 303 e 304 do CPC; se

cautelar, do art. 305 e seguintes.

Por essa razão, o art. 305, parágrafo único, estabelece que, se for

formulado pedido cautelar antecedente, e o juiz concluir que esse pedido tem

natureza antecipada, deverá ser observado o disposto no art. 303, e vice-versa.

Vislumbra-se uma diferenciação dos procedimentos, dependendo da

natureza da Tutela de Urgência: se cautelar ou satisfativa. Nesse ponto, há de se

concordar com a autora Teresa Arruda Alvim Wambier que o novo CPC poderia ter

avançado mais, “prevendo um único procedimento para ambas, sem nenhuma

41 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015: Código de processo civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 04 de mar. de 2018.

37

distinção, evitando-se com isso uma discussão estéril na tentativa de classificar a

medida pleiteada e adotando, em tudo e por tudo, um regime jurídico único”.42

Quanto ao procedimento, ainda que formulado em caráter antecedente, o

pedido de tutela provisória cautelar jamais formará um processo autônomo. É o que

assevera a doutrina, a saber:

A acessoriedade da pretensão cautelar exigirá a oportuna

formulação da pretensão principal, mas nos mesmos autos, constituindo um processo único. Haverá, portanto, uma fase antecedente, em que se discutirá a pretensão cautelar, e uma fase posterior, relativa à pretensão principal, tudo nos mesmos autos, e em um processo único.43

Assim, em conformidade ao caput do art. 305, petição inicial da Tutela

Cautelar requerida antecedentemente, deverá indicar a lide e seu fundamento, a

exposição sumária do direito que se objetiva assegurar, além do perigo de dano ou o

risco ao resultado útil do processo (art. 305, caput).

Havendo dúvida sobre a natureza da medida – se antecipada ou

cautelar –, aplicar-se-á o disposto no art. 303 (art. 305, parágrafo único). No

entendimento de Cassio Scarpinella Bueno, “trata-se, fina ironia, da hipótese de

´fungibilidade´ inversa àquela que tantas dúvidas acarretou ao § 7º do art. 273 do

CPC de 1973”.44

O réu será citado para contestar o pedido em cinco dias e indicar os

meios de prova que pretende produzir (art. 306). Havendo contestação, observar-se-

á o procedimento comum, isto é, o disposto no art. 347 e seguintes. Havendo

revelia, o juiz poderá julgar o pedido desde logo, desde que entenda ser o caso de

presumir verdadeiros os fatos alegados pelo autor (art. 307).

Efetivada a Tutela Cautelar, observa-se o procedimento do art. 308:

42 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 515. 43 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 482. 44 BUENO, Cassio Scarpinela. Novo código de processo civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p.35.

38

Art. 308. Efetivada a Tutela Cautelar, o pedido principal terá

de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de Tutela Cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais.

§ 1º O pedido principal pode ser formulado conjuntamente com o pedido de Tutela Cautelar.

§ 2º A causa de pedir poderá ser aditada no momento de formulação do pedido principal.

§ 3º Apresentado o pedido principal, as partes serão intimadas para a audiência de conciliação ou de mediação, na forma do art. 334, por seus advogados ou pessoalmente, sem necessidade de nova citação do réu.

§ 4º Não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335.45

Então, o autor terá trinta dias após a efetivação da medida para

formular o pedido principal – caso não o tenha cumulado com o de cautelar (art. 308,

§ 1º) – valendo-se, para tanto, dos mesmos autos, independentemente do

adiantamento de novas custas processuais (art. 308, caput). Poderá, nesta

oportunidade, aditar a causa de pedir (art. 308, § 2º).

Apresentado o pedido principal, as partes serão intimadas para

audiência de conciliação ou mediação nas pessoas de seus procuradores (art. 308,

§ 3º). Não havendo autocomposição, será aberto o prazo para que o réu apresente

contestação ao pedido principal (art. 308, § 4º).

A tutela concedida em caráter antecedente, de acordo com o art. 309,

perde seus efeitos quando o autor não apresentar o pedido principal no prazo do art.

308, caput; quando não for efetivada no prazo de trinta dias ou quando o juiz julgar

improcedente o pedido principal ou extinguir o processo sem resolução de mérito. O

parágrafo único do art. 309 veda, em tais casos, a renovação do pedido, salvo por

novo fundamento.

É certo, de qualquer sorte, que o indeferimento do pedido da Tutela

Cautelar não obstaculiza a apresentação do pedido principal nem influi em seu

julgamento, salvo se for reconhecida a prescrição ou a decadência, conforme dispõe

o art. 310.

45 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015: Código de processo civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 09 de abr. de 2018.

39

Por fim, ressalta-se ainda que o pedido de Tutela Cautelar tenha sido

formulado em caráter antecedente, e que tenha sido deferido após a contestação do

réu e eventual colheita de provas, o ato judicial que a defere será sempre decisão

interlocutória, já que o processo precisa prosseguir, com a formulação do pedido

principal. Não haverá sentença, como havia nas ações cautelares preparatórias,

ajuizadas na vigência do CPC de 1973, mas apenas decisão interlocutória, contra a

qual poderá ser interposto o recurso de agravo de instrumento, nos termos do art.

1.015, I, do CPC de 2015.

4.2.1. Tutelas cautelares nominadas, inominadas e o poder geral de cautela

O CPC de 2015 não enumera, como fazia o código anterior, cautelares

específicas ou nominadas, às quais atribuía um procedimento diferente daquele

estabelecido para as cautelares inominadas. Quando a Tutela Cautelar for requerida

em caráter incidente, bastará requerê-la nos autos do processo em curso; quando

antecedente, deverá observar o procedimento dos artigos 305 e seguintes do novo

CPC.

Mas, ao tratar da efetivação das tutelas cautelares, o art. 301 faz

referência ao arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra

alienação de bem, acrescentando ainda que elas podem ser efetivadas por qualquer

outra medida idônea para a asseguração de direito. Veja-se:

Art. 301. A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser

efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienaçao de bem e qualquer outra medida idônea para asseguraçao do direito.46

Sobre este dispositivo Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade

Nery assertivamente comentam que as medidas em questão não configuram um rol

46 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015: Código de processo civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 13 de abr. de 2018.

40

taxativo: "São possíveis todas as medidas que visem ao resguardo do direito

pretendido, motivo pelo qual o rol indicado neste dispositivo é enumerativo".47

Esse dispositivo legal mantém, portanto, a distinção entre cautelares

nominadas e inominadas, embora de pouca relevância, uma vez que, seja qual for a

forma de efetivação, o procedimento será sempre o mesmo.

Isso porque, considerando que a atual norma regente uniformizou o

regime das tutelas sumárias de modo a comportá-las sob a égide de um único

gênero, o Poder Geral de Cautela, antes aplicável apenas às medidas cautelares,

passou também a ser aplicável às medidas antecipatórias e, portanto, a todos os

provimentos provisórios, por força do artigo 297 do novo CPC, in verbis:

Art. 297. O juiz podera determinar as medidas que

considerar adequadas para efetivaçao da tutela provisoria. Paragrafo unico. A efetivaçao da tutela provisoria observara

as normas referentes ao cumprimento provisorio da sentença, no que couber.48

Ao referir-se às antigas medidas típicas, Humberto Theodoro Júnior,

assevera que a intenção do legislador não foi de atrelá-las a um objetivo específico e

predeterminado, mas de exemplificar a atuação do poder de cautela. Veja-se:

O propósito foi mais exemplificativo de como pode atuar o

poder de cautela do que conservar rigorosos condicionamentos outrora traçados pela lei para as questionadas figuras cautelares. Desse modo, sequestro e arresto, como medidas cautelares de apreensão e conservação de bens, poderão ser utilizados de maneira mais livre, sem estar sempre rigorosamente atrelados a futuras execuções por quantia certa ou de entrega de coisa.49

Segundo a regulamentação do Poder Geral de Cautela dada pelo

Código de Processo Civil de 2015, uma vez requerida a Tutela de Urgência

47 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 860. 48 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015: Código de processo civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 22 de abr. de 2018. 49 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 610.

41

preventiva “incumbe ao juiz a função de adequar a medida aos limites e objetivos da

jurisdição de prevenção”.50

Diante disso o magistrado já não está limitado a deferir ou indeferir o

pedido do requerente, porquanto, poderá adequar a Tutela de Urgência, conforme a

situação fática, podendo deferir outras providências que julgue adequadas a tutelar a

segurança e efetividade do bem jurídico pretendido ou criar medidas adequadas

dentro do poder discricionário que lhe foi conferido.

Considerando a dimensão do Poder Geral de Cautela conferido ao

Estado-juiz o Judiciário poderá corresponder de maneira abrangente às diversas

situações concretas de perigo que surgirem, aplicando a medida necessária à tutela

do bem em perigo.

4.3. DA FUNGIBILIDADE ENTRE AS TUTELAS DE URGÊNCIA ANTECIPADA E

CAUTELAR

O Código de Processo Civil de 1973 já previa no artigo 273, § 7º, a

fungibilidade, quando o autor formulasse pedido de Tutela Antecipada e o juiz

identificasse que a real natureza do pedido apresentado era cautelar, oportunidade

em que, constatados os pressupostos legais necessários, poderia deferir a Tutela

Cautelar em caráter incidental do processo principal.

A redação literal do aludido dispositivo assim dispunha:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar,

total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

(...); § 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer

providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os

50 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 641.

42

respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.51

Nesse aspecto, o artigo 305 do novo Código de Processo Civil não

inovou. Manteve a referida fungibilidade no tocante às tutelas de urgência ao dispor,

no parágrafo único, o seguinte:

Art. 305. A petição inicial da ação que visa à prestação de

Tutela Cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Parágrafo único. Caso entenda que o pedido a que se refere o caput tem natureza antecipada, o juiz observará o disposto no art. 303.52

Muito embora as tutelas urgentes, antecipatória (satisfativa) e cautelar

(conservatória), guardem certas diferenças notáveis, elas compartilham um objetivo

comum, qual seja, combater o perigo da demora. É evidente que o legislador quis

aproximar essas espécies de Tutela de Urgência, vez que unificou os pressupostos

autorizadores para sua concessão, integrando-as como institutos do mesmo gênero,

desburocratizando, portanto, questões ligadas essencialmente pelo cumprimento de

formalidades, a fim de propiciar efetividade ao jurisdicionado.

Porém, o parágrafo único do art. 305 ao invés de auxiliar um

entendimento a respeito de fungibilidade entre a Tutela Cautelar e Tutela

Antecipada, reforça a ideia de procedimentos distintos, ao dispor que caso o juiz

entenda que o pedido em questão tem natureza antecipada e não cautelar, deverá

observar o procedimento no disposto no art. 303. Trata-se, como se vê, de norma

voltada a “correçao” do procedimento que nao auxilia um raciocínio de fungibilidade.

Isso porque, utilizando as palavras de Cássio Scarpinella Bueno, a

“fungibilidade” esta mais para uma “indiferença” de técnicas processuais. Nao é,

com efeito, o que se lê nesse dispositivo legal. Mais correto, seria o entendimento de

51 BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973: Institui o Código de processo civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l5869.htm>. Acesso em 10 de mar. de 2018. 52 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015: Código de processo civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 10 de mar. de 2018.

43

que, independentemente da técnica adotada (cautelar ou antecipatória), o que

importa é tutelar a urgência. Por isso, deveria prevalecer a plena fungibilidade de

procedimentos.53

Por outro lado, para os juristas Didier Jr., Braga e Oliveira pontuam

assertivamente que o estabelecimento dessa diferença procedimental “se justifica

pela previsão da estabilização da tutela provisória antecedente, apenas aplicável à

tutela satisfativa”.54

Esses Autores observam também que, por analogia, se o ordenamento

processual admite a fungibilidade progressiva, deverá também admitir a

fungibilidade regressiva, conforme explicam:

Se o legislador admite essa fungibilidade progressiva (da

cautelar para a satisfativa), deve-se admitir, por analogia, a fungibilidade regressiva da satisfativa para a cautelar (da mais para a menos agressiva e rigorosa). Dessa forma, uma vez requerida tutela provisória satisfativa (antecipada) em caráter antecedente, caso o juiz entenda que sua natureza é cautelar, poderá assim recebê-la, desde que seguindo o rito para ela previsto em lei. É preciso que a decisão tenha motivação clara nesse sentido, até mesmo para que o réu saiba das consequências de sua inércia, bem mais gravosas caso o pedido seja de tutela provisória satisfativa.55

Dessa forma, estaria legitimada o que os referidos Autores denominam

de “fungibilidade de mão dupla”, acarretando, por conseguinte, a conversão do

procedimento respectivo para àquele previsto em lei, conforme o caso concreto.

Nessa mesma corrente, filia-se Elpídio Donizetti:

Não obstante o parágrafo único do art. 305 mencionar tão

somente uma via (da Tutela Cautelar para a antecipada), a fungibilidade opera em mão dupla, ou seja, se o autor requereu Tutela Antecipada em caráter antecedente, mas percebendo o juiz que a postulação se refere a

53 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 509. 54 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA; Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 10. ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015, p. 709. 55 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA; Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 10. ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015, p. 709-710.

44

pedido de asseguração, deve-se processar o pedido como de Tutela Cautelar. Sendo necessário, deve-se conceder prazo para a emenda do pedido. No novo CPC, a ordem é o máximo aproveitamento dos atos processuais.56

O que se lê, portanto, do texto legal é a possibilidade de aplicar a

fungibilidade somente na via da Tutela Cautelar para a Antecipada. Porém, no

entendimento da doutrina, há “fungibilidade de mao dupla”, ou seja, o paragrafo

único do art. 305 se aplica tanto da Tutela Cautelar para a Antecipada, quanto da

Antecipada para Cautelar. Dessa forma, o novo CPC fez ressurgir

desnecessariamente a discussão sobre a natureza da medida de urgência

concedida, se cautelar ou satisfativa.

56 DONIZETTI, Elpídio. Novo código de processo civil comentado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 426.

45

CONCLUSÃO

Este trabalho monográfico teve o intento principal de explanar acerca

da estrutura da Tutela Provisória no novo Código de Processo Civil, especialmente

quanto às distinções entre a Tutela de Urgência “antecipada” e “cautelar”, em cotejo

com o Código de Processo Civil revogado.

Vimos que há uma sensível aproximação entre a Tutela Antecipada e a

Tutela Cautelar, não só porque ambas passam a ser legislativamente tratadas como

espécies de Tutela de Urgência, a primeira satisfativa e a segunda acautelatória,

mas porque naquilo que o legislador poderia tornar homogêneo o tratamento

procedimental de ambas assim o fez.

Exemplo disso é a extinção do Processo Cautelar, na sua forma

autônoma como era no Livro III do CPC de 1973. Sem dúvida, tal inovação confere

mais simplicidade e celeridade ao processo como um todo, pois dispensa novo

recolhimento de custas, citação e processamento de autos em apenso.

Além disso, desapareceu do novo CPC a diferença entre o fumus boni

iuris e a prova inequívoca da verossimilhança da alegação como requisitos para a

concessão de Tutela de Urgência garantidora e satisfativa.

Agora o Código iguala o grau de probabilidade de o direito existir para

a concessão de qualquer espécie de Tutela de Urgência, independentemente de sua

natureza (antecipada ou cautelar). Nesse sentido é o art. 300, caput, ao prever que a

Tutela de Urgência será concedida quando forem demonstrados elementos que

evidenciem a probabilidade do direito.

O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, previsto

para a Tutela Antecipada no art. 273, I, do CPC de 1973 e o periculum in mora,

exigido para a concessão da Tutela Cautelar, sempre tiveram o mesmo conteúdo,

fundando-se no tempo como inimigo. A leitura do art. 798 do CPC de 1973 confirma

essa tese. Já no art. 300, caput, do novo CPC é unificado o requisito como perigo de

dano ou o risco ao resultado útil do processo.

46

Esclarecida a questão de identidade de requisitos para sua concessão,

não se pode deixar de observar que o novo CPC não suprimiu completamente a

diferenciação entre Tutela Cautelar e Tutela Antecipada.

Vislumbra-se uma diferenciação dos procedimentos, dependendo da

natureza da Tutela de Urgência: se cautelar ou satisfativa. Nesse ponto, poderia ter

avançado mais o novo CPC, prevendo um único procedimento para ambas, sem

nenhuma distinção, evitando-se com isso uma discussão estéril na tentativa de

classificar a medida pleiteada e adotando em tudo e por tudo, um regime jurídico

único para as tutelas de urgência.

Exemplo é o parágrafo único do art. 305, ao invés de auxiliar um

entendimento a respeito de fungibilidade entre a Tutela Cautelar e Tutela

Antecipada, reforça a ideia de procedimentos distintos, ao dispor que caso o juiz

entenda que o pedido em questão tem natureza antecipada e não cautelar, deverá

observar o procedimento no disposto no art. 303.

Tal redação amplia ainda mais o espaço de diferenciação entre ambas,

porquanto a regra da estabilização da Tutela de Urgência (art. 304), ao menos numa

interpretação literal, serve tão somente à Tutela Antecipada e não à Tutela Cautelar.

Porém, como dito por José Roberto dos Santos Bedaque, “cada uma a

seu modo, ambas têm a mesma finalidade remota, ou seja, estão vocacionadas a

neutralizar os males corrosivos do tempo no processo”.57

Posto isso, e por tudo mais que deste trabalho monográfico consta,

conclui-se que as Tutelas de Urgência do novo CPC têm a capacidade de dar maior

efetividade ao processo, bem como garantir e assegurar o provimento final e permitir

uma melhor distribuição do ônus da demora, possibilitando que o juiz conceda antes

aquilo que só concederia ao final ou determine as medidas necessárias para

assegurar a eficácia do provimento principal.

57 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 300.

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