fundaÇÃo universidade federal do tocantins …repositorio.uft.edu.br/bitstream/11612/94/1/alliny...

165
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE PALMAS PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ALLINY KÁSSIA DA SILVA POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA E O PAPEL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA O ENSINO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. PALMAS-TO 2015

Upload: lethuan

Post on 07-Feb-2019

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

FUNDAO UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS

CAMPUS UNIVERSITRIO DE PALMAS

PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM GESTO DE POLTICAS

PBLICAS

ALLINY KSSIA DA SILVA

POLTICAS PBLICAS DE EDUCAO INCLUSIVA E O PAPEL DA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS PARA A FORMAO DE

PROFESSORES PARA O ENSINO DE PESSOAS COM DEFICINCIA.

PALMAS-TO

2015

ALLINY KSSIA DA SILVA

POLTICAS PBLICAS DE EDUCAO INCLUSIVA E O PAPEL DA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS PARA A FORMAO DE

PROFESSORES PARA O ENSINO DE PESSOAS COM DEFICINCIA.

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em

Gesto de Polticas Pblicas como requisito parcial obteno

do ttulo de Mestra em Gesto de Polticas Pblicas.

Orientadora: Dra. Temis Gomes Parente.

PALMAS

2015

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal do Tocantins

S586p Silva, Alliny Kssia da.

Polticas Pblicas de Educao Inclusiva e o Papel da Universidade Federal do Tocantins para a Formao de Professores para o Ensino de Pessoas com Deficincia.. / Alliny Kssia da Silva. Palmas, TO, 2015.

160 f.

Dissertao (Mestrado Profissional) - Universidade Federal do Tocantins Cmpus Universitrio de Palmas - Curso de Ps-Graduao (Mestrado) Profissional em Gesto de Polticas Pblicas, 2015.

Orientadora: Doutora Temis Gomes Parente

1. Identidade. 2. Polticas Pblicas. 3. Educao Inclusiva. 4. Formao de Professores. I. Ttulo

CDD 350

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS A reproduo total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio deste documento autorizado desde que citada a fonte. A violao dos direitos do autor (Lei n 9.610/98) crime estabelecido pelo artigo 184 do Cdigo Penal.

Elaborado pelo sistema de gerao automtica de ficha catalogrfica da UFT com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

Dedico esse trabalho minha famlia:

minha me, Maria do Socorro Pereira;

Ao meu pai, Antnio Pereira da Silva;

Ao meu filho, Gabriel Alves da Silva;

minha irm, Luzillany Karla da Silva;

Ao meu amor, Josean Pereira de Sousa.

AGRADECIMENTOS

Deus, pelo amor incondicional e pela graa sempre a mim concedida.

minha me. Que deixou de sonhar os prprios sonhos para que pudssemos, eu e minha

irm, realizar os nossos sonhos. No mediu esforos para que nada atrapalhasse os nossos

estudos.

Ao meu filho Gabriel, pela compreenso das minhas ausncias e por muitas vezes ter se

oferecido para me ajudar a estudar, mesmo sem saber do que estava falado, mas sabendo da

importncia que essa pesquisa teve na minha vida.

Ao meu amigo, namorado, parceiro, conselheiro, irmo, amor Josean Pereira de Sousa, por ter

segurado minha mo, desde o primeiro passo (elaborao do projeto) at essa etapa final, e

no soltou em nenhum momento. Tenho certeza que caminharemos juntos por muito tempo.

minha irm, Luzillany e ao meu cunhado Wanderson, que muitas vezes, nessa caminhada,

assumiu o papel de me e pai do meu filho, sempre com toda ateno e muito amor. Em

especial minha irm, que sempre me ajudou e esteve comigo em todas as minhas derrotas e

conquistas.

minha orientadora, Professora Doutora Temis Gomes Parente, pelo carinho e ensinamentos

que me conduziram na realizao dessa pesquisa. Muito obrigada pelo privilgio de sua

orientao.

s minhas amigas, em especial minha amiga Gracelynne Oliveira SantosQuanto tempo

estive ausente! Obrigada por continuarem sempre presentes e por comemorarem comigo essa

conquista.

Aos meus amigos e amigas do Mestrado em Gesto de Polticas Pblicas, pela oportunidade

de conhec-los (as) e dividirmos nossas histrias. Agradeo especialmente aos meus amigos

Josean, Fernanda, lvaro e Diego, pelos mais de 10 mil quilmetros, percorridos entre

Araguana e Palmas, de conversas, debates, piadas (algumas sem graa) e msicas J sinto

saudades!!!

Aos participantes da pesquisa, pela grande contribuio, sem a qual no poderia ter

conseguido alcanar aos objetivos.

Universidade Federal do Tocantins, pela oportunidade de realizar uma qualificao de

qualidade, em especial ao Professor Lus Eduardo Bovolato por todo apoio logstico, pelo

incentivo e, sobretudo pela compreenso.

Aos professores Doutor Adriano Machado Oliveira e Doutor Vasni de Almeida, por terem

aceitado participar da banca de defesa dessa dissertao e, principalmente, pela valiosa

contribuio. Seus conhecimentos e experincias enriqueceram mais ainda essa pesquisa,

muito obrigada.

Aos mestres do Gespol, pela dedicao e por terem sacrificado os finais de semana, dias de

descanso e da famlia, para compartilharem conosco os seus conhecimentos.

A todos que contriburam, direta ou indiretamente, para a realizao dessa pesquisa, meu

muito obrigada!

A sala de aula o termmetro pelo qual se mede o

grau de febre das crises educacionais e nesse

micro espao que as mudanas do ensino

verdadeiramente se efetivam ou fracassam.

(Maria Teresa Eglr Mantoan, 2008, p.59)

RESUMO

A pesquisa teve como objetivo investigar a contribuio da Universidade Federal do

Tocantins - UFT, Campus de Araguana, na formao do professor na perspectiva inclusiva de

alunos com deficincia. Incluso, nesta pesquisa, concebida como o direito que todas as

pessoas tem ao acesso e participao de todos os servios oferecidos na sociedade, sem

discriminaes. No mbito educacional, significa dizer que o aluno com qualquer tipo de

deficincia tem o direito de estar includo em uma sala regular de ensino e, o principal, tem

direito educao com qualidade. Nesse nterim, as Instituies de Ensino Superior exercem

papel vital por meio dos cursos de formao de professores. A UFT possui 69 (sessenta e

nove) cursos de graduao, dos quais 42 (quarenta e dois) so licenciaturas. Com um total de

24 (vinte quatro) cursos de licenciaturas, o nosso locus de pesquisa foi o Campus de

Araguana, que por sua vez possui a maior oferta de formao inicial de professores no Estado

do Tocantins. Na anlise dos Projetos Pedaggicos dos cursos de licenciaturas do Campus de

Araguana, constatamos que todos os cursos ofertam o curso de Libras como disciplina

obrigatria, no entanto somente o curso de Letras oferece outras disciplinas obrigatrias

especficas ao ensino de pessoas com deficincia em sala de aula regular. Constatamos ainda

que somente os Projetos Pedaggicos dos cursos de Histria, Fsica e Qumica, no preveem

disciplinas optativas voltadas para a incluso de alunos com deficincia. Atravs da aplicao

de um questionrio, contendo perguntas abertas e fechadas e enviado via internet,

constatamos que o Campus de Araguana/UFT, embora, na percepo do egresso, contribua

para a formao inicial na perspectiva inclusiva, no que se refere especificamente ao ensino

inclusivo de pessoas com deficincia, os mesmos afirmaram no se sentirem preparados,

apontando que a formao inicial no o nico empecilho para a falta de preparo, mas

tambm a falta de recursos materiais e humanos, escolas sem prticas inclusivas, entre outras

dificuldades apontadas. A pesquisa concluiu que no h uma manual, uma frmula capaz de

mostrar como estar preparado, visto que so contextos de ensinos diferentes, no entanto,

entendemos que as universidades exercem papel vital nesse processo de incluso do aluno

com deficincia, atravs do ensino, pesquisa e extenso.

PALAVRAS-CHAVE: Identidade e diferena, Corpo, Polticas Pblicas. Educao

Inclusiva, Formao de Professor.

ABSTRACT

The research aimed to investigate the contribution of the Federal University of Tocantins -

UFT, Campus of Araguana, in teacher education in the inclusive perspective of students with

disabilities. Inclusion in this research conceived as a right that all people have access to and

participation of all the services offered in society without discrimination. In education, this

means that the student with any kind of disability have the right to be included in a regular

schoolroom and the principal has the right to quality education. Meanwhile, the higher

education institutions exert vital role through teacher training courses. The UFT has 69 (sixty-

nine) undergraduate courses, of which 42 (forty-two) are degrees. With a total of 24 (twenty

four) undergraduate courses, our research locus was the Campus of Araguana, which in turn

has the highest initial training of teacher supply in the State of Tocantins. In the analysis of

pedagogical projects of undergraduate courses Campus Araguana, we found that all courses

proffer the course of pounds as a compulsory subject, however only the Letters of course

offers other compulsory subjects specific to the education of people with disabilities in the

classroom regular. We also acknowledge that only the pedagogical projects of the courses

History, Physics and Chemistry, focused elective courses do not provide for the inclusion of

students with disabilities. By applying a questionnaire with open and closed questions and

sent via internet, we found that the Campus of Araguana / UFT, though, the perception of

graduates, contribute to the initial training in the inclusive perspective, as it specifically

relates to inclusive education people with disabilities, they said they did not feel prepared,

noting that initial training is not the only impediment to the lack of preparation, but also the

lack of human and material resources without inclusive practices schools, among other

difficulties pointed out. The research concluded that there is no manual, a formula to show

how "be prepared" as they are contexts of different teachings, however, mean that universities

exert vital role in this include the student process with disabilities through the teaching,

research and extension.

KEYWORDS: Identity and difference, Body, Public Policy, Inclusive Education, Teacher

Training.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANFOPE - Associao Nacional de Formao de Professores

CADEME - Campanha Nacional de Educao e Reabilitao de Deficientes Mentais

CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

CENESP - Centro Nacional de Educao Especial

CES Cmara de Educao Superior

CESB - Campanha para Educao de Surdos Brasileiros

CF/88 Constituio Federal de 1988.

CNE - Conselho Nacional de Educao

CONSUNI Conselho Universitrio

DCN - Diretrizes Curriculares Nacionais

EAD Ensino a Distncia

IBC - Instituto Benjamin Constant

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

IDEB - ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica

IES Instituio de Ensino Superior

INEP - Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa

INES - Instituto Nacional de Educao de Surdos.

LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

LIBRAS - Lngua Brasileira de Sinais

MEC Ministrio de Educao e Cultura

OCDE - Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico

OMS - Organizao Mundial de Sade

ONU Organizao das Naes Unidas

PDI - Projeto de Desenvolvimento Institucional

PARFOR Programa de Formao de Professores da Educao Bsica

PIRLS - Progresso no Estudo Internacional de Alfabetizao e Leitura).

PISA - Programa Internacional de Avaliao de Alunos

PNE - Plano Nacional de Educao

PP Projeto Pedaggico

PROGRAD Pr-Reitoria de Graduao

REUNI - Reestruturao e Expanso das Universidade Federais

SEADE - Sistema Estadual de Anlise de Dados

SECADI - Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao, Diversidade e Incluso

SEDUC - Secretaria Estadual de Educao

TIMSS - Tendncias Internacionais nos Estudos de Matemtica e Cincias

UFT Universidade Federal do Tocantins

UNB - Universidade de Braslia

UPIAS - Union of the Physical Impaired against Segregation

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Distribuio dos Cursos de Graduao e Ps-Graduao da UFT por Campus...... 24

Quadro 2: Projees do PNE para melhorar o desempenho dos alunos da educao bsica nas

avaliaes da aprendizagem no Programa Internacional de Avaliao de Estudantes - PISA,

tomado como instrumento externo de referncia, internacionalmente reconhecido. ............... 85

Quadro 3: Meta 7 do Plano Nacional de Educao (PNE), melhoria do fluxo escolar e da

aprendizagem de modo a atingir as seguintes mdias nacionais para o Ideb. .......................... 86

Quadro 4:Ementa da disciplina de Libras no curso de Licenciatura em Biologia ................. 100

Quadro 5: Ementa da disciplina Educao Inclusiva do curso de Licenciatura em Biologia 101

Quadro 6: Ementa da disciplina Cultura Brasileira e as Questes tnicas Raciais do curso de

Licenciatura em Biologia........................................................................................................ 101

Quadro 7: Ementa da disciplina de Libras no curso de Licenciatura em Fsica. .................... 104

Quadro 8: Ementa da disciplina de Libras no curso de Licenciatura em Geografia. ............. 106

Quadro 9: Ementa da disciplina de Fundamentos e Metodologia da Educao Inclusiva no

curso de Licenciatura em Geografia. ...................................................................................... 107

Quadro 10: Ementa da disciplina de Libras no curso de Licenciatura em Histria. .............. 109

Quadro 11: Ementa da Disciplina de Libras no curso de Licenciatura em Letras: Lngua

Portuguesa e respectivas literaturas ou Lngua Inglesa e respectivas literaturas. .................. 111

Quadro 12: Ementa da disciplina de Fundamentos da Educao Inclusiva no curso de

Licenciatura em Letras Habilitao em Portugus e respectivas literaturas ou Habilitao em

Ingls e respectivas literaturas. ............................................................................................... 112

Quadro 13: Ementa da disciplina de Estgio Supervisionado: Lngua Portuguesa e Literatura

II, do curso de Licenciatura em Letras Habilitao em Portugus e respectivas literaturas.

................................................................................................................................................ 113

Quadro 14: Ementa da disciplina optativa Educao Inclusiva, adaptaes curriculares,

recursos e deficincias, do curso de Letras Lngua Portuguesa e respectivas literaturas ou

Lngua Inglesa e respectivas literaturas. ................................................................................. 114

Quadro 15: Ementa do curso de Libras no curso de Licenciatura em Matemtica. ............... 116

Quadro 16: Ementa da disciplina optativa Fundamentos da Educao Inclusiva: Deficincia

Auditiva e Visual do curso de Licenciatura em Matemtica .................................................. 117

Quadro 17: Ementa da disciplina optativa Fundamentos da Educao Especial no curso de

Licenciatura em Matemtica .................................................................................................. 118

Quadro 18: Ementa da disciplina de Libras do curso de Licenciatura em Qumica .............. 119

Quadro 19: Categoria: Saberes necessrios para professor do aluno com deficincia em sala

de aula regular. ....................................................................................................................... 129

Quadro 20: Categoria - Dificuldades enfrentadas .................................................................. 132

Quadro 21: Categoria Conceito de Educao Inclusiva. ........................................................ 134

Quadro 22: Categoria: Concepes acerca do processo de Incluso escolar da Pessoa com

deficincia em sala regular ..................................................................................................... 138

LISTA DE GRFICOS

Grfico 1: Comparativo entre os campi da UFT em relao oferta de licenciaturas por

Campus. .................................................................................................................................... 25

Grfico 2: Resumo das disciplinas especficas para Educao Especial e Inclusiva (obrigatria

e optativas). ............................................................................................................................. 123

Grfico 3: Formao Acadmica dos egressos participantes da pesquisa. ............................. 125

Grfico 4: Avaliao do Aprendizado da disciplina de Libras, no perodo da formao

acadmica do egresso. ............................................................................................................ 126

SUMRIO

1 INTRODUO ........................................................................................................... 16

1.1 DELIMITAO DA PESQUISA ................................................................................ 24

1.2 JUSTIFICATIVA ......................................................................................................... 25

1.3 OBJETIVOS ................................................................................................................. 27

1.3.1 Objetivo Geral .............................................................................................................. 27

1.3.2 Objetivos Especficos ................................................................................................... 27

2 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS ............................................................. 30

2.1 LEVANTAMENTO BIBLIOGRFICO ..................................................................... 30

2.2 ANLISE DOCUMENTAL ........................................................................................ 30

2.3 POPULAO E INSTRUMENTO DE PESQUISA ................................................... 31

2.4 ANALISE DOS DADOS ............................................................................................. 34

3 CAPTULO I - PERSPECTIVAS TERICAS ACERCA DA IDENTIDADE E

DIFERENA. .............................................................................................................. 36

3.1 A IDENTIDADE .......................................................................................................... 36

3.2 A DIFERENA. ........................................................................................................... 44

4 CAPTULO II CONCEPES E REPRESENTAES HISTRICAS DO

CORPO, DA DEFICINCIA E A PRODUO DA ANORMALIDADE. .......... 48

4.1 O CORPO NA HISTRIA ........................................................................................... 48

4.1.1 O corpo ideal ................................................................................................................. 49

4.1.2 O paradoxo do corpo na Idade Mdia. .......................................................................... 51

4.1.3 A era Moderna e o Corpo-Mquina .............................................................................. 52

4.1.4 O Corpo na Ps-Modernidade ...................................................................................... 54

4.2 DEFICINCIA: CONCEPES E REPRESENTAES. ........................................ 57

4.3 A PRODUO DA ANORMALIDADE: CONCEPES HISTRICAS DA

NORMALIDADE EM MICHEL FOUCAULT. .......................................................... 63

5 CAPTULO III EDUCAO ESPECIAL E INCLUSIVA: INVISIBILIDADE

HISTRICA E POLTICAS PBLICAS. ............................................................... 68

5.1 EDUCAO ESPECIAL: DA SEGREGAO INCLUSO DO ALUNO COM

DEFICINCIA ............................................................................................................. 68

5.1.1 Princpio da normalizao e integrao escolar ............................................................ 72

5.1.2 A crise da Educao Especial ....................................................................................... 74

5.1.3 O paradigma da Incluso .............................................................................................. 76

5.2 POLTICAS PBLICAS DE EDUCAO INCLUSIVA ......................................... 78

5.2.1 Aspectos inclusivos na Constituio Federal de 88 ...................................................... 78

5.2.2 Polticas Pblicas voltadas para a Educao Inclusiva ps CF/88. .............................. 79

6 CAPTULO IV FORMAO DOCENTE NA PERSPECTIVA INCLUSIVA.

...................................................................................................................................... 83

6.1 EDUCAO E QUALIDADE .................................................................................... 84

6.2 POLTICAS PARA FORMAO DE PROFESSORES NA PERSPECTIVA

INCLUSIVA ................................................................................................................. 88

7 CAPTULO V - ANLISE DOS PROJETOS PEDAGGICOS DOS CURSOS

DE LICENCIATURAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS,

CAMPUS DE ARAGUANA. .................................................................................... 95

7.1 CONCEPES DE PROJETO PEDAGGICO ......................................................... 95

7.2 O PROJETO PEDAGGICO E O DISCURSO OFICIAL. ........................................ 97

7.3 ANLISE DOS PROJETOS PEDAGGICOS DOS CURSOS DE

LICENCIATURAS: QUAL SUA RELAO COM A EDUCAO DE PESSOAS

COM DEFICINCIA? ................................................................................................. 99

7.3.1 Anlise dos PPs dos cursos de Licenciaturas: modalidade presencial. ....................... 99

7.3.2 Anlise dos PPs dos cursos de Licenciaturas: Parfor ................................................ 120

8 CAPTULO VI - ANLISE DOS DADOS: O QUE DIZEM OS EGRESSOS. . 124

8.1 ANLISE E DISCUSSO DOS RESULTADOS ..................................................... 124

8.1.1 Caracterizao da Amostra ......................................................................................... 124

8.1.2 Formao docente na UFT/Campus de Araguana ..................................................... 126

8.1.3 Prtica docente dos egressos formados no curso de licenciatura do Campus de

Araguana/UFT. ...................................................................................................................... 128

9 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................... 140

REFERNCIAS ................................................................................................................... 145

APNDICES ......................................................................................................................... 158

16

1 INTRODUO

Temos o direito a ser iguais quando a nossa diferena nos inferioriza; e temos o

direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Da a

necessidade de uma igualdade que reconhea as diferenas e de uma diferena que

no produza, alimente ou reproduza as desigualdades. (SANTOS, 2003, p.56)

Desafio muito possivelmente o termo que melhor defina o processo de incluso do

aluno com deficincia em seu percurso que vai da Educao Bsica ao Ensino Superior. A

esse desafio denominamos de Educao Inclusiva, visto que ela pressupe ruptura, isto ,

mudanas que vo desde aquelas referentes ao currculo at maneira como o indivduo v a

vida e as pessoas ao redor; em outras palavras, requer tambm uma transformao

comportamental.

Pressupe transformao em concepes preestabelecidas historicamente, como as de

igualdade e diferena, que passaram a ser objeto de novos estudos e novos debates tericos,

contribuindo na luta contra a discriminao, desigualdade e excluso nas vrias esferas da

vida no s das pessoas com deficincia, mas tambm dos negros, das mulheres, dos

indgenas e de todas as outras minorias, que passaram sculos na luta contra a excluso e

desigualdade social.

Com o desenvolvimento das mdias, a velocidade das informaes, somos capazes de

perceber que o mundo h algumas dcadas est passando por mudanas profundas, como a

globalizao, o multiculturalismo, a unio dos mercados, a revoluo tecnolgica e as

mudanas nas relaes sociais e da famlia. Tais mudanas provocam grandes debates e

atravs da ampla produo cientfica e cultural, podemos apontar que algumas questes

ganham evidncias e ocupam uma posio de destaque nesses debates, entre elas a igualdade

e diferena. (CANDAU, 2008)

Clve e Reck (2007) explanam os conceitos da igualdade nos sculos XVII e XVIII

como pilares da democracia moderna e elemento essencial da noo de Justia, porquanto foi

consagrada j nos primeiros documentos constitucionais. Tinha a funo de abolir os

privilgios predominantes do regime feudal e para pr fim s distines e discriminaes

baseadas na linhagem, na posio social.

Candau (2008), afirma que os direitos humanos1 so resultados do processo da

construo da modernidade, que passou a buscar a igualdade entre todos, e a luta por essa

1 Silva (2011, p.131), em seu artigo intitulado Dos direitos humanos aos direitos fundamentais no brasil:

Passeio histrico-poltico, traz o perfil histrico da luta pelos direitos humanos, inclusive tratando no contexto

da modernidade. Segundo a autora, foi nos primeiros anos da era moderna que os direitos humanos fundamentais

17

igualdade passou a ser a fora motriz da sociedade moderna. Entretanto, segundo a autora, nas

ltimas dcadas houve um deslocamento de centro de interesses, isto , se antes toda a matriz

da modernidade enfatizava a igualdade entre todos os seres humanos, os debates atuais

passam a dar mais nfase ao tema da diferena em detrimento da igualdade, sem neg-la.

Bobbio (1987, p.23), compara a igualdade com [...] uma espcie de nivelamento de

mritos e necessidades, no considerando esse nivelamento como til e nem justo. O autor

critica o igualitarismo, a igualdade absoluta, e defende a igualdade relativa, concordando com

Aristteles que defendia que devemos tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma

desigual na medida de suas desigualdades. Nas palavras de Bobbio (1987, p.24) [] em

todos estes textos insisti no fato de que o termo igualdade, considerado em si mesmo, no

significa nada, se no se especifica, em cada caso, entre quem e a respeito de que se fala em

igualdade.

Nessa perspectiva, Lima (1993) atribui a dificuldade em conceituar igualdade em

virtude da prpria natureza multifacetria humana, marcada pela diferena. Em sua obra, o

autor concorda com Bobbio (1987) ao criticar a busca de alguns por um sistema que ele

considera injusto, em que todos so considerados iguais, sem considerar as diferenas que

apresentem, caracterizando a igualdade absoluta, dita formal2, que termina por gerar

injustias, visto que as diferenas precisam ser consideradas, [...] no para desmerecer e sim

para proteger os carentes de discrmen (LIMA, 1993, p.14).

Por outro lado, em relao concepo de diferena na modernidade, segundo

Monteiro (1997), esta surgiu mais abertamente com o rompimento do discurso antropolgico

do sculo XVIII e a introduo e reconhecimento do conceito de cultura, raa e etnia. A partir

do sculo XVIII, a cultura passou a ser vista como um status elevado, quando intelectuais

alemes passaram a denominar de Kultur a maneira como devia se apreciar obras de artes,

literatura, pensamento filosfico e/ou religioso, e tudo aquilo que consideravam importante

para torn-los superiores e diferentes dos demais, conforme explica Veiga-Neto (2003). Nessa

perspectiva, a Cultura passou a ser escrita com letra maiscula e no singular. Maiscula

porque era vista ocupando um status muito elevado; no singular porque era entendida como

nica (VEIGA-NETO, 2003. p.7).

foi consagrado normativamente, isto , quando a Assembleia Nacional Constituinte francesa promulgou a

Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, durante a Revoluo Francesa. Os princpios dessa importante

declarao [] serviram de inspirao s constituies que se sucederam, inclusive, e principalmente,

Declarao Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 10 de dezembro de 1948, pela Organizao das

Naes Unidas. 2 Igualdade formal, segundo Clve e Reck (2007) refere-se mera igualdade perante a lei.

18

Nesse sentindo, os fatores que tornaram a cultura singular e nica fizeram com que

outras sociedades passasse a copiar esse modelo e a utiliz-la como uma diferenciao

assimtrica entres os homens para a dominao e explorao. A educao, nessa perspectiva,

era vista como o caminho natural para que um povo elevasse seu nvel cultural.

Com isso, autores alemes fixaram as trs principais caractersticas que envolvem o

conceito de Cultura ao longo da Modernidade. Primeiro o carter diferenciador e elitista da

cultura. Segundo, carter singular, nico e unificador que concebia a educao como caminho

para a padronizao dessa cultura nica. E, por fim, o carter idealista. Segundo Veiga-Neto

(2003) [...]esse idealismo foi - e continua sendo - uma condio necessria para se acreditar

na possibilidade e desejabilidade de uma cultura nica e universal.

No entanto, as primeiras rachaduras no conceito moderno de Cultura foi no sculo

passado, dcada de 20. A epistemologia monocultural sofreu ataques da antropologia,

lingustica, filosofia e parte da sociologia, e os estudos culturais passaram a ser

problematizados e desconstrudos, passando-se a falar em culturas, assim mesmo no plural.

(VEIGA-NETO, 2003).

A despeito da introduo da concepo de cultura no estudo sobre a diferena,

Monteiro (1997, p.6) relata que,

O evolucionismo do sculo XIX foi o primeiro a reconhecer a racionalidade das

prticas e das crenas das sociedades selvagens. Onde a teoria das luzes

frequentemente apenas vira supersties, a antropologia emergente reconheceu

costumes cujo sentido podia ser compreendido pela comparao. As imagens da

diferena que o sculo XVIII deixara foram mudando radicalmente medida que se

desenvolveu a antropologia como disciplina. A introduo do conceito de cultura

como um elemento especificamente humano e que se sobrepe na explicao da sua

conduta aos determinantes climticos, materiais e biolgicos desloca a diferena da

natureza para os costumes.

Voltamo-nos para a conceitualizao do termo igualdade, Paulo e Alexandrino (2013)

explicam que ele a base constitucional do princpio republicano e da democracia, expresso

no caput do artigo 5 da Constituio Federal de 1988 todos so iguais perante a lei, sem

distino de qualquer natureza [...] (BRASIL, 1988).

Esse princpio, conhecido como princpio da isonomia, mesmo considerando todos

iguais, perante a lei e na aplicao dela, no veda o tratamento discriminatrio entre os

indivduos quando h razoabilidade para a discriminao. Segundo Paulo e Alexandrino

(2013, p.48)

O princpio constitucional da igualdade no veda que a lei estabelea tratamento

diferenciado entre pessoas que guardem distines de grupo social, de sexo, e

profisso, de condio econmica ou de idade, entre outras; o que no se admite

19

que o parmetro diferenciador seja arbitrrio, desprovido de razoabilidade, ou deixe

de atender a alguma relevante razo de interesse pblico.

Diante do exposto, Pierucci (1999, p.7) chama a nossa reflexo fazendo o seguinte

questionamento Somos todos iguais ou somos todos diferentes? Queremos ser iguais ou

queremos ser diferentes?, o autor afirma que, diferentemente de hoje, at meados da dcada

de 70 as lutas tinham como foco a afirmao da igualdade. No se fazia meno ao direito

diferena. O autor relata que,

Houve um tempo que a resposta se abrigava segura de si no primeiro termo da

disjuntiva. J faz um quarto de sculo, porm, que a resposta se deslocou. A

comear da segunda metade dos anos 70, passamos a nos ver envoltos numa

atmosfera cultural e ideolgica inteiramente nova, na qual parece generalizar-se, em

ritmo acelerado e perturbador, a conscincia de que ns, os humanos, somos

diferentes de fato [...], mas somos tambm diferentes de direito. o chamado

direito diferena, o direito diferena cultural, o direito de ser, sendo diferente.

The right to be different!, como se diz em ingls, o direito diferena. No

queremos mais a igualdade, parece. Ou a queremos menos, motiva-nos muito mais,

em nossa conduta, em nossas expectativas de futuro e projetos de vida

compartilhada, o direito de sermos pessoal e coletivamente diferentes uns dos outros

(PIERUCCI 1999, p.7).

Ns queremos igualdade, mas ao mesmo tempo ns queremos manter as diferenas.

Assim, Veiga-Neto (2006) explica que o contrrio de diferena a mesmice e o contrrio de

igualdade a desigualdade. Embora seja de fcil compreenso, executar no to simples

assim.

Em relao desigualdade e a excluso, dois termos tambm relacionados igualdade

e incluso, Santos (2010) nos diz que o primeiro trata-se de um fenmeno socioeconmico, e

o segundo, um fenmeno cultural. O autor define os termos desigualdade e excluso,

atribuindo-lhes significados diferentes das concepes tidas na sociedade do antigo regime, o

colonialismo europeu. Segundo Santos (2010, p.279), na sociedade ocidental moderna, a

igualdade e a cidadania eram tidas [...] como princpios emancipatrios da vida social. J

nas sociedades do antigo regime, a desigualdade e excluso eram concebidos [...] como

princpios de regulao social e no havia relao dialtica entre emancipao e regulao.

Os termos desigualdade/excluso na modernidade ocidental so concebidos, de acordo

com Santos (2010), como sistemas de pertena hierarquizada, em que a pertena da

desigualdade d-se pela integrao subordinada e a pertena da excluso pelo no

pertencimento a determinado grupo ou condio. No que tange hierarquia da sociedade

capitalista, a desigualdade tem como princpio a integrao social, visto, por exemplo, que

para a relao capital/trabalho a existncia da desigualdade essencial para existncia dessa

20

relao, pois no haveria patro se no houvessem os empregados. A desigualdade ,

portanto, um fenmeno socioeconmico (SANTOS, 2010).

Diferentemente, na hierarquia da excluso, o indivduo que est abaixo na relao

subordinada, est fora. A sociedade cria ao longo de sua histria padres normalizadores, o

interdito, em que aqueles que no se enquadram so desqualificados, segregados, rejeitados,

excludos. Nesse sentido, o sistema de pertena da excluso um fenmeno cultural e de

civilizao, onde a funo do estado era manter a coeso social em uma sociedade desigual e

excludente (SANTOS, 2010).

Na desigualdade, a funo do estado mant-la em limites que no inviabilizem a

integrao subordinada, definida por Santos (2010) de incluso social pelas polticas estatais

(fome-zero, bolsa-escola, etc.). A funo do estado na excluso era [...] diferenciar aquelas

que devem ser objeto de assimilao ou [] segregao, expulso, extermnio. O estado

definia critrios que validariam socialmente as diferenas, os civilizveis e os incivilizveis

(SANTOS 2010, p.285).

Segundo Santos (2010), a gesto da excluso deu-se pela poltica da homogeneizao,

ou seja, tornar todos iguais para detectar as diferenas nos diferentes, e ento eram excludos.

A reintegrao ou a reinsero social tomaram o lugar da segregao, porm nenhuma dessas

polticas tiveram a finalidade de eliminar a excluso, apenas control-la para que fosse

mantida dentro dos limites tolerveis e assim permitir que em algumas das situaes houvesse

a evoluo da excluso para a integrao subordinada, a desigualdade. Um exemplo disso

seria o caso das mulheres, antes excludas do espao pblico, a seguir foram integradas pelo

trabalho, porm os salrios das mulheres continuam at hoje inferiores aos dos homens.

Para Lopes (2009, p. 157), a palavra excluso tem sido vinculada s questes de [...]

vulnerabilidade, de expurgao, de expulso, de precarizao e de marginalizao, mas no

propriamente de excluso. Alm disso, o tema excluso tem sido muito utilizado em

campanhas e prticas assistencialistas do governo, visto que est, na maioria das vezes,

associada s pessoas com deficincia, analfabetos, negros, pobres e minorias em geral.

A heterogeneidade dos usos da excluso, a focalizao da ateno na excluso e nos

excludos, a criao de polticas de assistncia, a delimitao de zonas de excluso e

de excludos, a criao de medidas sociopolticas paliativas e pontuais para se lutar

contra a excluso retiram da questo a potncia poltica na atualidade. Ao olharmos

para a excluso unicamente pelo vis do Estado, fazemos dela um tema til e

produtivo para as prticas de assistencialismo, para as exploraes que j se

consolidaram no Estado, para a sensao de insegurana, de medo e de crise em que

vivemos (LOPES 2009, p. 157).

21

Baseada nos estudos do socilogo Robert Castel, Lopes (2009), afirma que a excluso

se d de duas maneiras, por discriminaes do prprio Estado e pela marginalizao e

degradao das condies de trabalho e de sociabilidade, em que as polticas assistencialistas

que se espalham no Brasil [...] contribuem para que situaes de marginalizao e de

degradao das condies bsicas de vida no se transformem em excluso social (LOPES,

2009, p.158)

Para Lopes (2009) h, nos dias atuais, uma banalizao do termo excluso. Segundo a

autora, excluso, sociolgica e politicamente, d-se quando o indivduo excludo no

assistido pelas polticas de estado, no figura qualquer estatstica, escapa de atendimentos

previdencirios ou de qualquer outro tipo de assistncia governamental, que so excludos de

seus territrios para lugar algum. Socialmente falando, a presena daquele que excludo no

influencia as relaes estabelecidas no determinado espao, no configura mudana. No

causam perturbaes, so invisveis.

No mbito das polticas pblicas, essa invisibilidade no se refere ao fato de no serem

vistos pelos outros, mas por estarem justamente in/excludos pelas polticas, por exemplo,

aqueles que recebem bolsas assistenciais, em que dessa forma, [...] no causam problemas,

no geram rudos, no perturbam a ordem estabelecida para a populao. (LOPES 2009, p.

158-159).

Embora a excluso por invisibilidade seja uma possibilidade cada vez mais remota -

graas ao incremento das polticas pblicas de incluso -, permanece ainda uma

situao de risco social. Isso assim na medida em que as polticas pblicas de

incluso que, com suas bolsas assistenciais, acabam transformando os excludos

invisveis em excludos anormais no garantem mudanas efetivas e permanentes

para a populao (LOPES, 2009, p.159).

Para Veiga-Neto e Lopes (2011), o uso abrangente do termo permite que qualquer um

que vive em circunstncias diferentes - sociais, tnico-raciais, de gnero, econmicos, de

aprendizagem, deficincia -, se coloquem numa posio de excludos. A consequncia que,

na maioria das vezes, todas as categorias excludas so submetidas aos mesmos processos

includentes. No mbito escolar, por exemplo, comum a adoo, pela escola, de

procedimentos inclusivos para os diferentes tipos de deficincias e faixas etrias. Para os

autores, o conceito de incluso sofreu uma banalizao, em que o seu princpio, de

universalidade das condies de igualdade para todos, foi reduzido simples introduo de

todos no mesmo espao fsico.

Nesse sentido, Rodrigues (2006) afirma que o conceito que a maioria das pessoas tem

sobre incluso est relacionado primeiro ao conceito de excluso, sendo puramente o sentido

22

antagnico. A incluso um processo em que deve existir a excluso. Mesmo sendo um

conceito bastante usado atualmente, o autor chama ateno para duas dimenses,

complementares, importantes da incluso, a qual Rodrigues (2006, p. 11) denomina de

incluso essencial e incluso eletiva.

A incluso essencial refere-se dimenso que [...] assegura a todos os cidados de

dada sociedade o acesso e a participao sem discriminao a todos os seus nveis e servios.

A incluso eletiva, por sua vez, a dimenso que garante [] independentemente de

qualquer condio, pessoa ter o direito de se relacionar e interagir com os grupos sociais que

bem entende, em funo dos seus interesses. (RODRIGUES, 2006, p. 11-12). Um exemplo

de incluso eletiva a criao de centro de sade ou escola para pessoas pobres, que uma

forma de incluir a pessoa disponibilizando-a uma sria de direitos, porm condicionados ao

espao determinado, o bairro ou a comunidade. A incluso eletiva, complementar, o direito

da pessoa optar se ela quer ou no a incluso que lhe apresentado.

A educao inclusiva, por sua vez, trata-se da oferta de ensino de qualidade, em sala

regular, s pessoas com algum tipo de deficincia ou com necessidades educacionais

especiais3, ou, superdotadas, [...] bem como aquelas pertencentes a grupos marginalizados

ou em situao de desvantagem, tais como as crianas de rua, as que trabalham, as que

pertencem a minorias lingusticas, tnicas ou culturais etc. (OMOTE 2003, p.154).

Segundo Mrech (1997), define-se a partir de um modo novo de pensar sobre as

questes educacionais tendo em vista a quebra dos esteretipos e preconceitos na escola e na

sociedade. Nesse sentido, a autora resumiu o impacto que a filosofia inclusiva ocasionou no

sistema de ensino:

[...] a Educao Inclusiva implica em uma mudana de paradigma. Da doena para a

sade. Da deficincia e do distrbio para as necessidades educativas especiais. Isto

porque, para a Educao Inclusiva no o sujeito que tem que se integrar na escola;

mas a escola que precisa se modificar para inclu-lo, trabalhando os seus processos

naturais de excluso social (MRECH 1997, p. 7).

Na ideologia inclusiva, igualdade no tornar uma pessoa igual outra, como se fosse

possvel e desejvel a homogeneizao. Igualdade se d quando as diferenas, ao invs de

serem camufladas, so valorizadas. quando h a identificao da diversidade e,

principalmente, o respeito por essa diversidade (MRECH, 1997).

A universidade, nesse processo inclusivo, exerce papel importante e vital. Segundo

Glat e Pletsch (2010, p.346), [...]a partir de suas trs dimenses constitutivas ensino,

3O termo Necessidades Educacionais Especiais surgiu com a Declarao de Salamanca (1994) na Conferncia

Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: acesso e qualidade, realizada na Espanha.

23

pesquisa e extenso [a universidade] tem uma grande contribuio na operacionalizao das

polticas de incluso educacional. Segundo as autoras, essa contribuio poder ser de duas

formas bsicas: no ensino, que contemple no somente a formao inicial, mas tambm a

formao continuada de professores e demais agentes educacionais; e na pesquisa e extenso,

em que ser possvel a produo de conhecimento e a disseminao desses conhecimentos de

forma a contribuir e responder aos anseios da sociedade, atravs das polticas educacionais e

demandas sociais.

No que concerne formao do professor com perspectiva para a incluso,

entendemos ser fator determinante para o processo de aprendizagem e sucesso do aluno com

deficincia, pois poder permitir, ou pelo menos facilitar, o acesso ao conhecimento atravs

das prticas do docente, que dever levar em considerao as diferenas de cada aluno, com

ou sem deficincia e, a partir da, colocar em prtica o discurso da universidade: uma

sociedade justa e igualitria.

Segundo dados do ltimo censo realizado pelo IBGE, no ano de 2010, 45,6 milhes de

pessoas no Brasil possuam algum tipo de deficincia. Dessas, 648.921 estavam matriculadas

na rede regular de ensino. No Tocantins, segundo dados fornecidos pela Secretaria Estadual

de Educao SEDUC, 10.073 alunos com algum tipo de deficincia foram matriculados no

ensino regular no ano de 2013. No entanto, ao lermos pesquisas realizadas sobre o tema,

principalmente no que se refere prtica docente, so unnimes os resultados que apontam

para o despreparo dos professores, do ensino infantil ao superior. Ressalta-se ainda que as

pesquisas realizadas nas escolas concluem que as mesmas no esto preparadas para receber o

aluno com deficincia, pelo contrrio, ao tentarem homogeneizar todos os alunos acabam

excluindo-os (GLAT e PLETSCH 2010; MRECH, 2006).

A incluso escolar s ir acontecer de fato se todos os envolvidos no processo,

inclusive o professor, mudarem suas prticas, de modo que consigam se adaptar s diferenas.

Para Omote (2003), no apenas os educadores, mas todos, profissionais e cidados, precisam

ter uma formao na incluso, nas palavras do autor,

[...] no se pode admitir que a incluso seja preocupao apenas dos estudiosos e

profissionais da rea de educao especial. A incluso precisa necessariamente ser

um dos eixos norteadores de qualquer discusso sobre as atividades humanas de

qualquer natureza (OMOTE 2003, 154-155).

Partindo desse princpio, a pesquisa aqui proposta busca investigar qual tem sido a

contribuio dos cursos de licenciaturas do Campus de Araguana, da Universidade Federal

do Tocantins (UFT), na formao inicial de professores visando uma perspectiva inclusiva.

24

1.1 DELIMITAO DA PESQUISA

A Universidade Federal do Tocantins foi criada atravs da Lei n 10.032 de 23 de

outubro de 2000, com o incio de suas atividades somente em maio de 2003, data em que

foram empossados os primeiros professores efetivos. Aps uma srie de providncias

burocrticas e jurdicas, foi assinado o Decreto n 4.279, de 21 de junho de 2002, que

regulamentou a Lei n 10.032/2000, que dispe sobre a organizao administrativa da

Instituio recm criada, e determina, no seu art. 1, 1 como objetivo da UFT ministrar

ensino superior, desenvolver a pesquisa nas diversas reas do conhecimento e promover a

extenso universitria.

Organizada em uma estrutura multicampus, a UFT possui no total 7 (sete) campi,

distribudos em todo o estado (Araguana, Arraias, Gurupi, Miracema, Porto Nacional, Palmas

e Tocantinpolis). O ensino, a pesquisa e a extenso na UFT so desenvolvidas por meio de

94 (noventa e quatro) cursos de graduao e ps-graduao stricto sensu, dos quais 42

(quarenta e duas) so licenciaturas, 24 (vinte e quatro) bacharelados, 3 (trs) tecnlogos, 21

(vinte e um) cursos em nvel de mestrado e 4 (quatro) doutorados.4

Quadro 1: Distribuio dos Cursos de Graduao e Ps-Graduao da UFT por Campus.

Campus Total de cursos

(Graduao e

Ps-Graduao

Stricto Sensu)

Licenciaturas -

Presenciais,

EaD e/ou

PARFOR

Bacharelado Tecnlogo Doutorado Mestrado

Araguana 27 14 3 3 2 5

Arraias 8 7 1

Gurupi 9 2 4 1 2

Miracema 4 3 1

Palmas 33 6 15 1 11

Porto Nacional 6 4

2

Tocantinpolis 7 6 1

Totais 94 42 24 3 4 21

Fonte: Site da UFT e informaes das Diretorias e Coordenao Geral PARFOR

4 Disponvel em: http://ww1.uft.edu.br/index.php/institucional/a-uft/10874-historia Acesso em 19 de jan de 2015.

http://ww1.uft.edu.br/index.php/institucional/a-uft/10874-historia

25

Grfico 1: Comparativo entre os campi da UFT em relao oferta de licenciaturas por Campus.

Fonte: elaborado pela autora.

Alm dos cursos presenciais e a distncia, o Campus de Araguana oferece ainda 5

(cinco) cursos do Programa Nacional de Formao de Professores da Educao Bsica

PARFOR, oferecido pela CAPES, que visa ofertar educao superior para professores em

exerccio na rede pblica e que ainda no possuem o ensino superior, conforme exigncias

constantes na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional - LDB. Os cursos do PARFOR

so oferecidos de forma modular, com os encontros presenciais nas frias letivas, e somado

aos cursos regulares totalizam 14 (quatorze) cursos de licenciaturas no Campus de Araguana.

Diante disso, e tendo em vista a considervel quantidade de cursos em licenciaturas

oferecidos pelo Campus de Araguana que justificamos a escolha pelo local da pesquisa, e

fazemos o seguinte questionamento: os cursos de licenciaturas da UFT, Campus de

Araguana, esto cumprindo o papel, consoante aos desafios atuais e s metas estabelecidas

atravs de dispositivos legais elaborados com a participao da sociedade, para uma formao

docente na perspectiva inclusiva de alunos com deficincia?

1.2 JUSTIFICATIVA

A educao como direito de todos garantida pela Constituio da Repblica de 1988

atravs do artigo 205. O artigo nos diz que esse um dever no somente do Estado, mas

tambm da famlia para que ele seja efetivamente exercido. No artigo 206, inciso I, a

constituio nos diz que um dos princpios que servir de base para o ensino [...]igualdade

de condies para o acesso e permanncia na escola. No inciso III do Art. 208, a

26

Constituio garante ainda que dever do Estado oferecer gratuitamente um [...]

atendimento educacional especializado aos portadores de deficincia, preferencialmente na

rede regular de ensino (BRASIL, 1988).

Considerando o mandamento constitucional, urgente que, em tempos de movimentos

em prol da incluso, a UFT adeque suas polticas de modo a garantir formao inicial e na

perspectiva inclusiva de qualidade, para que possam atuar nas escolas de ensino regular e ao

se depararem com alunos com deficincia possam fazer garantir o gozo desse direito

subjetivo5. A realizao dessa garantia est intrinsicamente ligada nova misso, viso e

valores da UFT, que englobou, principalmente nos seus valores, todos os objetivos visados

pela teoria inclusivista, observe:

Misso: Formar profissionais cidados e produzir conhecimentos com inovao e

qualidade que contribuam para o desenvolvimento socioambiental do Estado do

Tocantins e da Amaznia Legal.

Viso: Ser reconhecida nacionalmente, at 2022, pela excelncia no ensino,

pesquisa e extenso

Valores: Respeito vida e diversidade; Transparncia; Comprometimento com a

qualidade; Criatividade e inovao; Responsabilidade social

e Equidade.(UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS, 2014).6

Nesse sentido, importante e imprescindvel a efetivao de estudos que deem a

conhecer prpria instituio sua real situao nesse campo para, a partir da, criar ou

fortalecer suas polticas, bem como redirecionar aquelas que, por ventura, sejam ineficientes

e, mais que isso, elaborar e implementar polticas pertinentes ao debate no meio acadmico

para a formao docente para o ensino de pessoas com deficincia.

O tema proposto continuidade da pesquisa de polticas pblicas para educao

inclusiva no ensino superior, desenvolvida em nvel de Ps-Graduao Lato Sensu no curso

de Letras no Campus de Araguana. A pesquisa foi feita em 2009, e o objetivo era verificar se

no Campus de Araguana haviam polticas pblicas para o acesso, permanncia e sucesso de

alunos com algum tipo de deficincia. Investigamos ainda se os professores universitrios

estavam includos nessas polticas.

Na poca, o Campus ofertava 7 (sete) cursos de graduao, sendo 5 (cinco)

licenciaturas e 2 (dois) bacharelados, e ainda 1 (um) Programa de Doutorado. Havia trs

alunos com deficincia, dos quais um era cego, outro possua viso subnormal ou baixa viso,

e o terceiro era deficiente fsico e fazia uso de cadeira de rodas. Nos resultados, as respostas

5 Conforme Cairo Jnior (2014, p.242) O direito subjetivo nada mais do que a faculdade que tem uma pessoa

de praticar determinado ato, devidamente autorizado pela ou por um negcio jurdico qualquer e,

consequentemente, exigir de outra pessoa uma conduta pr-estabelecida na norma, contrato ou declarao

unilateral de vontade. 6 ohttp://ww1.uft.edu.br/index.php/noticias/13189-uft-atualiza-sua-missao-visao-e-valores

27

que obtivemos na nossa pesquisa foi que, no que concerne teoria, haviam polticas pblicas

que garantiam o acesso do aluno com deficincia na universidade. Porm, em relao

permanncia, o atendimento a esses alunos com deficincia, bem como as aes afirmativas

para a formao continuada de professores na perspectiva inclusiva eram escassas.

Em nvel de mestrado, a continuao da pesquisa objetivou investigar a contribuio

dos cursos de licenciaturas do Campus de Araguana/UFT, na formao do professor na

perspectiva da educao inclusiva. A realizao da pesquisa se justifica pela crescente

demanda de alunos com algum tipo de deficincia que tenham o direito de estarem includos

em uma sala regular de ensino, acesso ao conhecimento e, principalmente, que esse processo

de ensino e aprendizagem seja feito com qualidade.

1.3 OBJETIVOS

1.3.1 Objetivo Geral

Investigar qual a contribuio dos cursos de licenciaturas do Campus de

Araguana/UFT na formao do egresso para o ensino de alunos com deficincia.

1.3.2 Objetivos Especficos

Realizar um mapeamento das polticas pblicas voltadas para incluso das pessoas

com deficincia no ensino regular, bem como das polticas pblicas voltadas para a

formao docente na perspectiva inclusiva;

Analisar se os Projetos Pedaggicos dos cursos de licenciaturas do Campus de

Araguana/UFT foram construdos visando formao docente na perspectiva

inclusiva, principalmente ao ensino de alunos com deficincias, conforme prev a

legislao brasileira atual.

Identificar, atravs da percepo do (a) aluno (a) egresso (a), licenciado (a) no

perodo de 2012 a 2014, qual a contribuio da UFT para a sua formao na

perspectiva inclusiva.

Diante disso, apresentamos um referencial terico, primeiramente, sob a tica dos

dispositivos legais que delineiam os caminhos para a implementao da educao inclusiva e

28

as estratgias utilizadas para essa implementao, enfatizando principalmente o ensino regular

e a formao inicial e/ou continuada de professores. Ademais, utilizamos um referencial

terico ps-estruturalista, que problematiza concepes clssicas, como as de sujeito,

identidade e anormalidade.

A pesquisa, alm da introduo, ser dividida em 6 (seis) captulos e as consideraes

finais. O primeiro captulo intitulado Perspectivas tericas acerca da identidade e diferena,

Abordamos as questes relacionadas produo da identidade e sua relao com a diferena

tendo como base os Estudos Culturais. Para isso, utilizamos os estudos de Skliar (1999),

Veiga-Neto (2003), Hall (2006), Silva (2006), Woodward (2006) e Skliar (2006).

O segundo captulo, Concepes e representaes histricas do corpo, da deficincia

e da produo da anormalidade, abordamos a histria do corpo, com nfase no corpo com

deficincia, as construes sociais do termo deficincia ao longo da histria, e a produo

histrica da anormalidade/normalidade e suas derivadas. Assim, nos baseamos nos Estudos

Culturais e na Nova Histria7, para que pudssemos problematizar a noo de pessoas com

deficincia, os sujeitos das polticas pblicas de incluso escolar. Para isso, utilizamos como

referencial terico os estudos de Ortega, (2009, 2008, 2006), Foucault (2001, 2003, 2010)

Bianchetti (1995), Skliar, (1999), Veiga-Neto (2001a, 2001b, 2006), Veiga-Neto e Lopes

(2007), Lunardi (2001, 2003), dentre outros.

O terceiro captulo, intitulado Educao Especial e Inclusiva: invisibilidade histrica

e polticas pblicas, explanamos a histria da educao especial, com nfase nas polticas

pblicas que a introduziram no discurso oficial, em trs fases: a segregao, a integrao e a

incluso. Utilizamos, como referencial terico, dispositivos legais como a Constituio

Federal de 1988, Lei de Diretrizes e Bases da Educao, e os estudos, especialmente, de

Omote (1999), Veiga-Neto e Lopes (2011, 2007), Skliar (2006, 2006a), Pacheco e Costas

(2006), Ribas (2003), Mazzotta (2005), Mendes (2006) e Bianchetti (2008).

O quarto captulo, Formao docente na perspectiva inclusiva, abordamos a

educao inclusiva sob a perspectiva da qualidade do ensino no Brasil. Realizamos um

7 Em linhas gerais, conforme Burke (1992), a nova histria se ope ao paradigma tradicional de histria, que por

sua vez diz respeito essencialmente poltica, e se interessa por toda atividade humana, considerando que Tudo

tem uma histria, tem um passado a ser reconstrudo e relacionado com outras histrias. Nas palavras do autor,

[] Nos ltimos trinta anos nos deparamos com vrias histrias notveis de tpicos que anteriormente no se

havia pensado possurem uma histria, como, por exemplo, a infncia, a morte, a loucura, o clima, os odores, a

sujeira e a limpeza, os gestos, o corpo (como apresentado por Roy Porter, p. 291), a feminilidade (discutida por

Joan Scott, p. 63), a leitura (discutida por Robert Darnton, p. 199), a fala e at mesmo o silncio. O que era

previamente considerado imutvel agora encarado como uma construo cultural, sujeita a variaes, tanto

no tempo quanto no espao. [] A base filosfica da nova histria a ideia de que a realidade social ou

culturalmente constituda (BURKE, 1992, p.2).

29

percurso histrico das polticas pblicas voltadas para a formao de professores da educao

bsica, dando nfase para as polticas de formao na perspectiva inclusiva. Para isso,

retomamos anlise da atual Lei de Diretrizes e Bases (LDB), no que concerne formao de

professores, anlise da Lei n 10.436, que dispe sobre a Lngua Brasileira de Sinais Libras,

O Decreto n 5.626/05, que regulamenta a Lei n 10.436/2002, dispe que a Libras dever

constar como disciplina curricular optativa nos demais cursos de educao superior e na

educao profissional; as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a Formao de

Professores da Educao Bsica, em nvel superior, cursos de licenciaturas; a Poltica

Nacional de Educao Especial na Perspectiva da Educao Inclusiva, bem como do Plano

Nacional de Educao (PNE), aprovado em 2014 e estabelece metas para a educao pelos

prximos 10 anos, sob a tica da formao de professores na perspectiva da educao

inclusiva. Alm dos documentos oficiais, utilizamos como embasamento terico os estudos de

Freitas (2006), Saviani (2008), Rodrigues (2006), Enguita (2008), entre outros.

No quinto captulo, Anlise dos Projetos Pedaggicos dos curso de Licenciaturas do

Campus de Araguana/UFT realizamos uma discusso sobre a concepo de Projeto

Pedaggico e para embasarmos a anlise utilizamos os estudos de Veiga (2011, 2007, 2003),

Skliar (2006), Lunardi (2003), entre outros.

No sexto captulo, Anlise dos dados: o que dizem os egressos?, apresentamos e

discutimos os resultados obtidos atravs do questionrio aplicado aos egressos da UFT,

formados entre 2012 e 2014, nos cursos de Licenciaturas do Campus de Araguana.

30

2 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

2.1 LEVANTAMENTO BIBLIOGRFICO

Realizamos um levantamento bibliogrfico em Teses, Dissertaes, livros e artigos

que abordam o tema da pesquisa. Nessa perspectiva, Gil (2010) afirma que a principal

vantagem desse tipo de pesquisa [...] reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de

uma gama de fenmenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente

(GIL 2010, p.30).

Gil (2010), define a pesquisa bibliogrfica como a pesquisa baseada em material j

publicado, como livros, artigos cientficos, revistas, jornais, teses, dissertaes, anais de

eventos cientficos. Lakatos e Marconi (2010), por sua vez, acrescentam que a pesquisa

bibliogrfica abrange tambm boletins, monografias, material cartogrfico, bem como as

fontes obtidas por meios de comunicaes orais (rdio, gravaes etc.), cujo objetivo principal

fornecer ao pesquisador dados que possam resolver os problemas de pesquisa. Segundo os

autores [...] a pesquisa bibliogrfica no a mera repetio do que j foi dito ou escrito sobre

certo assunto, mas propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a

concluses inovadoras (LAKATOS e MARCONI, 2010, p. 166).

2.2 ANLISE DOCUMENTAL

A pesquisa documental um procedimento metodolgico que se utiliza de mtodos e

tcnicas para compreenso e anlise de todos os tipos de documentos (S-SILVA et. al.

2009). Tanto a pesquisa bibliogrfica quanto a documental utilizam o documento como objeto

de investigao, a principal diferena est na natureza das fontes. Segundo Gil (2010, p. 30)

[...] a pesquisa bibliogrfica fundamenta-se em material elaborado por autores com o

propsito especfico de ser lido por pblicos especficos. J a pesquisa documental vale-se de

toda sorte de documentos, elaborados com finalidades diversas.

Nesse sentido, realizamos anlise dos documentos oficiais e institucionais que tratam

das polticas para a educao inclusiva e formao de professores na perspectiva da incluso:

Projetos Polticos Pedaggicos do Cursos de Licenciaturas, Constituio Federal de 1988, Lei

n 7.853/89 (dispe sobre a Poltica Nacional para a Integrao da Pessoa Portadora de

Deficincia), Lei N 8.069/90 (Estatuto da Criana e do Adolescente), a Lei N 9.394/96

(institui a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional), o Decreto Federal no. 3.298/99

31

(Regulamenta a Lei n 7.853/89 e institui a Poltica Nacional para a Integrao da Pessoa

Portadora de Deficincia), Declaraes de Salamanca 1994, Resolues Conselho Nacional

de Educao, Lei n 13.005, de 25 de junho de 2014, Diretrizes Nacionais para formao de

professor da Educao Bsica, Poltica Nacional de Educao Especial na perspectiva

inclusiva, e o Plano Nacional de Educao, decnio 2014-2024.

2.3 POPULAO E INSTRUMENTO DE PESQUISA

A populao-alvo da pesquisa constituiu-se de sujeitos formados nos cursos de

licenciaturas do Campus de Araguana/UFT, no perodo de 2012 a 2014, e o instrumento

eleito para a coleta de dados foi o questionrio, enviado para os endereos eletrnicos do

egressos, conforme dados fornecidos pela Pr- Reitoria de Graduao da UFT - Prograd. Os

egressos que no possuam e-mail e os que estavam com endereos eletrnicos

desatualizados, foram localizados atravs da rede social Facebook, onde enviamos as

informaes e o link da pesquisa.

Malhotra (2012), afirma que cresce a popularidade das pesquisas realizadas com

subsdio da Internet, sobretudo pelas vantagens que apresenta, entre as quais esto custo

baixo, agilidade e a habilidade de alcanar populaes especficas, assim como, para o

pesquisado possvel responder pesquisa de maneira que lhe for mais apropriada, levando

em considerao o tempo e espao de cada um.

Na presente pesquisa, o questionrio foi aplicado via internet com objetivo de alcanar

o maior nmero de egressos geograficamente distantes, levando-se em considerao que

muitos deles no estariam residindo na cidade de Araguana, TO, mas exercendo a docncia

em outro municpio do estado ou em outra localidade da federao.

Nesse sentido, enviamos 295 questionrios (Apndice B), contendo perguntas abertas

e fechadas, aos e-mails dos egressos, com o objetivo de verificar quais desses ex-alunos

encontram-se em sala de aula, ou que possui uma experincia profissional docente, e quais

destes tem ou teve alunos com algum tipo de deficincia. O questionrio continha 22 (vinte e

duas) questes, sendo 15 (quinze) perguntas fechadas e 7 (sete) abertas, das quais 3 (trs)

perguntas eram curtas e de rpido preenchimento, como por exemplo: voc possui alguma

deficincia? No caso de resposta afirmativa, descrever qual. No que se refere s perguntas

fechadas, optamos pela variedade de modelos, sendo que 6 (seis) eram dicotmicas (sim e

no), 3 (trs) tricotmicas (sim, no e no sei afirmar), e 6 (seis) questes de mltipla

escolha com opo para seleo de apenas uma resposta.

32

As questo dicotmicas se caracterizam pela escolha de uma entres duas opes de

resposta, por exemplo sim ou no. As vantagens desse tipo de questo so preenchimento

rpido e a facilidade na tabulao e anlise dos dados. As vantagens das questes

tricotmicas, alm de ter as mesmas vantagens das questes dicotmicas, possibilitam ao

respondente uma terceira alternativa, evitando dessa maneira que ele opte por uma das

questes por falta de opo (MARCONI; LAKATOS, 1996, MATTAR 1996).

No cabealho do questionrio foram explicados os objetivos, o nome das

pesquisadoras e o programa a qual a pesquisa estava vinculada. Informamos ainda que a

confidencialidade das respostas estavam garantidas e a identificao era opcional. Para

participar da pesquisa o egresso selecionou a opo do Termo de Livre Consentimento, e

declarou estar ciente de que poderia deixar de participar a qualquer momento da pesquisa

antes de enviar o questionrio, sem prejuzos.

Foi realizado um pr-teste, em que enviamos o questionrio a dois

pesquisadores/alunos do programa de Mestrado em Gesto de Polticas Pblicas. O objetivo

era ter um anlise crtica de pesquisadores que no esto atuando na pesquisa, bem como

seguir instrues de Gnther (2003) e Marconi e Lakatos (1996), que aconselham a realizao

de pr-testes, os quais devem ser procedidos com o questionrio numa verso o mais prxima

da definitiva, a fim de averiguar se as perguntas esto sendo compreendidas. O resultado do

estudo piloto foi o aperfeioamento do instrumento de coleta de dados.

Em relao estruturao do questionrio, as perguntas partiram do geral para o mais

especfico, seguindo uma ordem lgica, de modo que as perguntas que tratavam de uma

mesma temtica ficaram juntas, sendo que as mais complexas eram introduzidas com um

texto de ajuda ao respondente (GNTHER, 2003). Assim, o questionrio foi divido em quatro

blocos: caracterizao da amostra, Formao na UFT, Prtica Docente e Construes de

sentidos a respeito da educao inclusiva e da incluso escolar de pessoas com deficincia,

no necessariamente nessa ordem.

O bloco de questes referentes caracterizao da amostra visava conhecer o perfil do

egresso (nome, faixa etria, formao acadmica, gnero/sexo, se possuam algum tipo de

deficincia e se algum da famlia tinha alguma deficincia). As perguntas acerca da

formao na UFT, objetivavam obter informaes sobre questes especficas do tema

abordado nessa pesquisa, bem como conhecer como os egressos avaliam a formao docente

na perspectiva inclusiva oferecida pelo curso de licenciatura do Campus de Araguana. O

terceiro bloco de perguntas foi direcionado somente para queles egressos que atualmente

lecionam ou j lecionaram em sala de aula regular. O objetivo das questes era investigar qual

33

a avaliao dos egressos no que concerne contribuio da UFT na sua formao inicial,

alm disso, objetivamos conhecer quais, na opinio deles, eram os saberes necessrios para

atuar em uma sala de aula com alunos com deficincia e quais as principais dificuldades

enfrentadas.

O quarto bloco de perguntas foi composto por duas questes abertas, respondidas por

todos os participantes da pesquisa, sendo que uma foi feita no incio do questionrio

(Concepo de Educao Inclusiva) e a outra no final (Incluso escolar dos alunos com

deficincia), e objetivou conhecer quais as construes de sentidos dos egressos da UFT

acerca da educao inclusiva e da incluso escolar de alunos com deficincia em sala de aula

regular. Gnther (2003), no aconselha iniciar um questionrio com a identificao do

respondente. Segundo o autor, iniciar a entrevista com perguntas abertas podem estabelecer

um clima receptivo entre respondente e pesquisador e ao finalizar o levantamento com outra

pergunta aberta, possibilita capturar opinies que no foram contempladas ao longo do

questionrio.

Os egressos que nunca atuaram em sala de aula, e obviamente nunca lecionaram para

alunos com alguma deficincia, no foram submetidos a questionamentos especficos, e aps

responderem s perguntas sobre formao acadmica na UFT e sobre as concepes de

incluso escolar eram direcionados ltima pergunta do questionrio. Os egressos que

possuem prtica docente, por sua vez, responderam a quatro perguntas abertas, sendo duas

perguntas especficas sobre ensino de pessoas com deficincia em sala de aula regular.

Os dados das questes fechadas foram tabulados eletronicamente em planilha do Excel

e apresentados estatisticamente ou atravs de grficos para, dessa forma, facilitar a

compreenso dos resultados.

Para anlise das respostas s perguntas abertas, optamos dividir os respondentes em

trs grupos: Grupo 1 - egressos que nunca atuaram em sala de aula regular8; Grupo 2 -

egressos que atuam ou atuaram em sala de aula regular, porm no possuem experincia em

lecionar para alunos com deficincia; Grupo 3 - egressos que atuam ou aturam em sala de aula

com alunos com deficincia.

Os respondentes do Grupo 1 Foram representados pela vogal E, inicial

correspondente ao nome egresso (a), juntamente do numeral correspondente, E1, E2, E3

(...). Os do Grupo 2 foram representando pela letra P, correspondendo inicial do nome

professor (a), e o numeral, P1, P2, P3...; e os respondentes do Grupo 3 receberam nomes

8 No levamos em considerao as experincias de estgio, apenas a experincia docente aps a concluso do

curso de licenciatura oferecido pelo Campus de Araguana/UFT.

34

fictcios. Optamos por atribuir s respondentes do gnero feminino, nomes de flores9, e para

os homens atribumos nomes comuns. Todos os respondentes do grupo 3 declararam

sexo/gnero. Assim, foram analisadas 166 respostas, sendo que 18 respostas so do grupo 1, e

74 respostas dos Grupos 2 e 3 cada.

2.4 ANALISE DOS DADOS

Para a descrio e anlise das respostas s perguntas abertas utilizamos a anlise de

contedo, que segundo Bardin (1979, p.42) trata-se

[] um conjunto de tcnicas de anlise das comunicaes visando obter por

procedimentos sistemticos e objetivos de descrio do contedo das mensagens

indicadores (quantitativos ou no) que permitam a inferncia de conhecimentos

relativos s condies de produo/recepo (variveis inferidas) destas mensagens

Das diferentes tcnicas que compem a anlise de contedo, destacamos a anlise

representacional, anlise de expresso, anlise de enunciao e a anlise temtica, em que

essa ltima foi a escolhida para o tratamento dos dados desta pesquisa. Nessa tcnica, o tema

e/ou conceito principal pode ser apresentado atravs de uma palavra, uma frase ou um

resumo. Segundo Bardin (1979, p.105) O tema a unidade de significao que se liberta

naturalmente de um texto analisado segundo critrios relativos teoria que serve de guia

leitura. Assim, anlise temtica se prope em [...] descobrir os ncleos de sentido que

compem uma comunicao cuja presena ou frequncia de apario pode significar alguma

coisa para o objetivo analtico escolhido

De acordo com a autora, a anlise de contedo organiza-se de trs maneiras: 1) pr-

anlise, fase de organizao que permite ao pesquisador sistematizar as ideias iniciais, de

modo que a torne operacional; 2) explorao do material, fase longa que consiste nas

operaes de codificao; e 3) o tratamento dos resultados, a inferncia e a interpretao

(BARDIN, 1979).

Assim, realizamos a pr-anlise dos dados obtidos atravs do instrumento de pesquisa,

e a partir da leitura exaustiva das respostas saltavam-no aos olhos temas recorrentes, os quais

transformamo-los em ndices que nos permitiram a construo dos indicadores. Segundo

Bardin (1979, p. 100), [...] o ndice pode ser a meno explcita de um tema numa

mensagem. [...] o indicador correspondente ser a frequncia deste tema de maneira relativa

9 Escolhemos nomear os (as) respondentes do Grupo 3, pois so os (as) professores (as) que possuem ou

possuram alunos com deficincia em sala de aula, e nomeando-os (as) torna mais claro ao leitor que se trata da

resposta de um(a) docente com experincia inclusiva. A escolha em nomear as respondentes com nomes de flores

foi por que o nomes das flores so, na sua grande maioria, femininos. A escolha foi feita aleatoriamente.

35

ou absoluta, relativamente a outros. Nesse sentido, optamos por agrupar os indicadores,

encontrados nas respostas das questes abertas, em categorias criadas a priori.

Categorizar os dados permite estabelecer uma ordem, visto que esse mtodo rene

determinados grupos de elementos, em virtude de indicadores semelhantes, sob um ttulo

genrico, isto , possibilita [...]classificar elementos em categorias, impe a investigao do

que cada um deles tem em comum com outros. O que vai permitir o seu agrupamento, a

parte comum existente entre eles (BARDIN, 1979).

A partir do momento em que a anlise de contedo decide codificar o seu material,

deve produzir um sistema de categorias. A categorizao tem como primeiro

objetivo (da mesma maneira que a anlise documental), fornecer, por condensao,

uma representao simplificada dos dados brutos. Na anlise quantitativa, as

inferncias finais so, no entanto, efetuadas a partir do material reconstrudo. Supe-

se portanto, que a decomposio- reconstruo, desempenha uma determinada

funo na indicao de correspondncias entre as mensagens e a realidade

subjacente. A anlise de contedo assenta implicitamente na crena de que a

categorizao (passagem de dados brutos a dados organizados) no introduz desvios

(por excesso ou por recusa) no material, mas que d a conhecer ndices invisveis, ao

nvel dos dados brutos (BARDIN, 1979, p. 119).

Nessa direo, para a categorizao dos dados utilizamos o critrio semntico, em que

todos os temas com significados semelhantes foram agrupados na mesma categoria. Em

seguida, realizamos o recorte dos textos em unidades comparveis de categorizao para a

anlise temtica. (BARDIN, 1979).

36

3 CAPTULO I - PERSPECTIVAS TERICAS ACERCA DA IDENTIDADE E

DIFERENA.

Neste captulo, apresentamos os conceitos de identidade e diferena, sob a perspectiva

dos Estudos Culturais, com o objetivo de demonstrar como so construdas e como essa

construo se d em relao identidade do aluno com deficincia, - geralmente aquele que

frgil e incapaz de aprender -, em que essas construes influenciam as prticas in/exclusivas

dos sujeitos envolvidos na formulao das polticas pblicas, nos responsveis pela formao

inicial docente, e nos professores e alunos que no possuem deficincia.

3.1 A IDENTIDADE

Woodward (2006), define o processo de construo da identidade como relacional, ou

seja, depende de outra identidade diferente dela para existir. Assim, a identidade marcada

pela diferena, que por sua vez sustentada pela excluso. No entanto, compreender e

conceituar a identidade no to simples, sendo que ela s se torna uma questo merecedora

de ateno na vida de um indivduo quando ela posta em dvida, quando questionada

(HALL, 2005).

A problemtica da identidade surgiu na vida do socilogo polons Zygmunt Bauman

em uma cerimnia de outorga de Doutor Honoris Causa na Universidade Charle, Praga, em

que, conforme o costume, pediram para que escolhesse qual hino tocar durante a entrega do

ttulo, o hino da Polnia ou da Gr-Betnia. Antes disso o autor diz no se recordar de ter

dado importncia sua identidade do ponto de vista da nacionalidade. Bauman (2005) relata

que foi expulso de seu pas h mais de trinta ano antes desse evento. Para o socilogo, o fato

de ter sido excludo por uma instituio oficial que tem o poder habilitado de definir quem

est dentro e quem est fora, no lhe dava mais o direito ao hino da Polnia.

No entanto, embora naturalizado, Zygmunt Bauman sabia da sua condio de

estrangeiro na Gr-Betnia. Diante dessa problemtica, o autor relata que foi sua companheira

Janine, autora do livro Dream of Belonging (O sonho de pertencer), que encontrou a soluo e

props que tocassem o hino da Europa, visto que apesar de expulso da Polnia e estrangeiro

na Gr-Betnia ele continuava europeu. Chegar nessa soluo no foi tarefa fcil, conforme

relata Bauman (2005).

37

Ao utilizarmos esse pequeno episdio da vida do socilogo Zygmunt Bauman,

concordamos com o autor quando afirma que nesse evento rene, de maneira resumida, - e

embora esteja centrada na questo da identidade nacional - [] a maioria dos dilemas

inquietantes e das escolhas obsedantes que tendem a fazer da identidade um tema de graves

preocupaes e agitadas controvrsias (BAUMAN, 2005, p.16).

Nessa direo, Hall (2005) afirma que nos ltimos anos ocorreu uma exploso

discursiva e, concomitantemente, uma forte crtica em torno do conceito de identidade, que

passou a sofrer diversas desconstrues de disciplinas como a filosofia, que critica o sujeito

autossustentvel, a crtica feminista e a crtica cultural, cujos discursos tm destacado,

influenciados pela psicanlise [...] os processos inconscientes de formao da subjetividade.

No entanto, todas criticam, de uma maneira ou de outra, a ideia essencialista de identidade,

isto , a concepo de identidade originria, unificada e integral (HALL, 2006, p.103).

Silva (2006) afirma que, numa primeira conceitualizao fcil compreender que

identidade e diferena so inseparveis. Segundo o autor a identidade precisa da diferena

para fazer sentido e vice-versa, por exemplo, ao afirmar que outra pessoa japonesa significa

tambm dizer que ela no brasileira, ou seja, ela o que o outro no . Para o autor o

outro [...] o outro gnero, o outro a cor diferente, o outro a outra sexualidade, o outro

a outra raa, o outro a outra nacionalidade, o outro o corpo diferente. (SILVA 2006,

p.97).

Em relao pessoa com deficincia, a identidade pauta-se primeiramente na

questo corporal, que diferente do outro, do no-deficiente10, assim como as identidades

raciais, sexuais e de gnero. Nesse sentido, as identidades so construdas sob a forma de

oposies binrias (eu/outro). Porm, nessa relao, um dos termos em oposio sempre

mais valorizado, privilegiado e recebe um valor positivo, enquanto o outro fica com a carga

negativa. Um a norma e o outro simplesmente o outro (WOODWARD, 2006).

Segundo Woodward (2006), a relao natureza/cultura uma das mais frequentes e

dominantes dicotomias. A autora, baseada nos estudos da escritora feminista francesa Hlne

Cixous, que tambm discute essa distribuio desigual de poder entre os dois termos binrios,

argumenta que as divises sociais, principalmente aquelas referentes mulher e ao homem,

so baseadas nessa oposio de poder, para a escritora francesa as mulheres esto sempre

10 Com exceo das pessoas surdas, Superdotadas /altas habilidades e autismo, consideradas pessoas com

deficincia, porm no apresentam leses corporais.

38

relacionadas no lado mais fraco dessa relao, no caso da dicotomia acima, a mulher est

associada natureza.

Segundo Silva (2006), de maneira generalizada, considera-se a diferena como um

produto derivado da identidade, que por sua vez assume como o ponto original para a

definio da diferena. No entanto, o autor defende a viso de que identidade e diferena

devem ser vistas como mutuamente determinadas.

Nesse sentido, as identidades so formadas por meio da diferena, ou seja, na relao

com o outro, com aquilo que no , com o que falta que uma identidade pode ser construda.

Hall (2006), afirma que a identidade construda na diferena e no a partir dela. Para o

autor, o termo identidade o ponto de encontro entre os discursos, as prticas e os

processos que produzem subjetividade, ou seja, os indivduos so constitudos como sujeitos

pelas prticas discursivas.

As identidades so, pois, pontos de apego temporrio s posies-de-sujeito que as

prticas discursivas constroem para ns. Elas so o resultado de uma bem-sucedida

articulao ou fixao do sujeito ao fluxo do discurso. [...] Isto , as identidades

so as posies que o sujeito obrigado a assumir, embora sabendo [...] que elas

so representaes, que a representao sempre construda ao longo de uma falta,

ao longo de uma diviso, a partir do lugar do Outro e que, assim, elas no podem,

nunca, ser ajustadas idnticas aos processos de sujeito que so nelas investidos.

HALL 2006, p.112)

No livro A identidade cultural na ps-modernidade, Stuart Hall explana sobre trs

concepes de identidade, a saber: a) as concepes de identidade do sujeito do iluminismo,

dotado de capacidades de razo; b) do sujeito sociolgico, que est presente no mundo

moderno e dependente das relaes sociais e culturais; e c) do sujeito ps-moderno, que no

possui uma identidade singular, fixa, mas identidades.

A forma unificada e racional do sujeito, o sujeito indivisvel, eram pressupostas pelo

pensamento moderno e pelos processos que moldaram a modernidade. Considerando que no

o foco do trabalho adentrar profundamente na histria, faremos um breve mapeamento,

baseados nos estudos de Hall (2006), para demonstrar como o sujeito e a identidade se tornam

centralizadas, depois adquiriu definio sociolgica e como ele est se tornando descentrado

na modernidade tardia, termo utilizado pelo autor.

Para Hall (2005, p.24) [...]lugar-comum dizer que a poca moderna fez surgir uma

forma nova e decisiva de individualismo, em que emergiu uma nova concepo de sujeito

individual e de identidade. Segundo o autor, muitos movimentos foram importantes para a

concepo de um sujeito nico, indivisvel, singular, soberano e individualista, entre eles o

Humanismo Renascentista, que concebia o homem no centro do universo; a reforma e

39

protestantismo, que libertou o homem das instituies impostas pelo catolicismo; as

revolues cientficas, [...] que conferiram ao homem a faculdade e as capacidades para

inquirir, investigar e decifrar os mistrios da Natureza; e o Iluminismo, que por sua vez,

concebia o homem como um ser cientfico, racional, [...]libertado de dogma e da

intolerncia (HALL 2005, p.26).

Essas reflexes que fazem surgir o conceito de sujeito moderno, com suas capacidades

racionais, guia grande parte da histria da filosofia ocidental. Um dos pensadores importantes

para essa concepo de sujeito foi o filsofo francs Ren Descartes, que postulou a matria e

a mente em substncias distintas, em que a mente um produto do racionalismo moderno, no

centro estava o sujeito individual, capaz de raciocinar e pensar, conhecido a partir de ento

como o sujeito cartesiano, penso, logo existo (HALL, 2005).

O sujeito sociolgico surgiu ao passo que as sociedades modernas foram se tornando

complexas e ganhando forma mais coletiva e social, a qual considera as transformaes

polticas e econmicas.

[...] As teorias clssicas liberais de governo, baseadas nos direitos e consentimento

individuais, foram obrigadas a dar conta das estruturas do estado nao e das

grandes massas que fazem uma democracia moderna. As leis clssicas da economia

poltica da propriedade, do contrato e da troca tinham de atuar, depois da

industrializao, entre as grandes formaes de classe do capitalismo moderno. O

empreendedor individual da Riqueza das Naes de Adam Smith ou mesmo d'O

capital de Marx foi transformado nos conglomerados empresariais da economia

moderna. O cidado individual tornou-se enredado nas maquinarias burocrticas e

administrativas do estado moderno (HALL 2005, p.29-30).

A partir da o sujeito passou a ser visto e localizado no interior dessas grandes

estruturas e passou a ser concebido como um sujeito mais social. Dois eventos contriburam

para aprofundamento das bases conceituais do sujeito moderno: a biologia darwiniana e o

surgimento das novas cincias sociais. A identidade do sujeito sociolgico era construda na

relao com o outro. Para Hall (2005, p.11), o indivduo possui uma essncia, o eu real,

porm esse [...] modificado num dilogo contnuo com os mundos culturais exteriores e

as identidades que esses mundos oferecem.

O descentramento do sujeito sociolgico ocorre, segundo Hall (2005), em

consequncia de cinco grandes avanos das cincias humanas, que ocorreram na modernidade

tardia (metade do sculo XX), cujo os efeitos do impacto desses avanos foi o descentramento

final do sujeito cartesiano. A primeira descentrao importante refere-se s tradies do

pensamento marxista, mesmo embora seus escritos pertencessem ao sculo XIX e no ao

sculo XX, o seu trabalho foi reinterpretado. Hall (2005), baseado nos estudos de Althusser,

40

afirma que o centro da teoria marxista est nas relaes sociais ao invs de uma noo do

homem abstrato, com isso Marx deslocou duas proposies fundamentais da filosofia

moderna: a essncia universal do homem e que essa essncia qualidade de cada indivduo

nico.

O segundo descentramento foi a descoberta do inconsciente, feita pelo psicanalista

Sigmund Freud, que ao postular que as identidades dos sujeitos, bem como sexualidade e

desejos, so criados baseados em processos psquicos e simblicos do inconsciente, pe fim

ao sujeit