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HISTORY. Loriga, Serra da Estrla Portugal, Elementos de Estudo. Fronteiras do Tempo: Revista de Estudos Amazônicos - nº 4, 2013 - Periodismo Loriguense, A Voz dos Expratiados das Serras na Planice Amazônica. Brasil. Trabalho do Senhor Professor Geraldo Sá Peixoto Pinheiro, M. D. Professor Doutor da Universidade Federal do Amazonas, Brasil, Doutor em História pela Universidade do Porto.

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ARTIGOS

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Fronteiras do Tempo: Revista de Estudos Amazônicos, nº 4, 2013, p. 107-138.

PERIODISMO LORIGUENSE: A VOZ DOS EXPATRIADOS DAS SERRAS NA PLANÍCIE AMAZÔNICA

_______________________________________________________

*GERALDO SÁ PEIXOTO PINHEIRO

A Vila de Loriga, situada nas encostas da Serra da Estrela, Portugal, está, hoje, fartamente

referenciada no universo virtual da Internet através de várias comunidades e redes sociais

de relacionamentos, como homepages, blogs, links, perfazendo muitas dezenas de páginas

oficiais ou não que incluem, segundo consta em alguns casos, “os melhores sites da terra de

Viriato”. Na maioria dessas páginas eletrônicas, em geral direcionadas para saciar a

curiosidade turística daqueles que são atraídos pelo paisagismo da região, é possível

encontrar um conjunto relativamente variado de informações históricas, algumas das quais

sobre a e/imigração loriguense para o Brasil no final do século XIX e início do século XX,

notadamente sobre aqueles que se dirigiram para as cidades amazônicas de Manaus e Belém

do Pará. Em que pese o caráter um tanto arbitrário dessas informações, na maior parte das

vezes episódicas, fragmentadas, quase nada revelando de denso sobre dimensões concretas

dos processos históricos que envolveram e/ou foram protagonizadas por migrantes

loriguenses, elas guardam a sua importância relativa e devem ser louvadas pelo grande

* Professor da Universidade Federal do Amazonas. Doutor em História pela Universidade do Porto.

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esforço que representam para manterem viva uma determinada memória. Da mesma forma,

esse tipo de informação também está presente em alguns jornais da chamada imprensa

regional, como por exemplo, os periódicos Garganta de Loriga, um informativo regional da

Serra da Estrela, e Portas da Estrela, de Seia1.

Na verdade, o processo migratório de lorigenses no final do século XIX e início do

século XX ainda não recebeu a atenção merecida dos historiadores, permanecendo uma

grande lacuna na produção acadêmica de base historiográfica, não obstante a força relativa

que esse processo exerceu em termos de fluxo e refluxo migratório, com inegável

importância para os estudos históricos e etno-históricos sobre interações sociais e

identitárias nas cidades planiciárias de Manaus e Belém, e sobre os desdobramentos que o

mesmo provocou na vida econômica, política, sociocultural e paisagistica da própria Vila de

Loriga, na época, uma típica e acanhada aldeia portuguesa.

Das poucas tentativas conhecidas, ressalta-se o artigo do escritor e jornalista

loriguense Eugênio Leitão de Brito, residente na cidade de Belém do Pará, que, preocupado

em publicizar alguns aspectos históricos que marcaram a emigração dos compatrícios nas

cidades de Manaus e Belém, antes e depois da crise da borracha, reuniu determinadas

considerações sobre “Os Loriguenses na Amazónia”, pelas quais evidencia, também, a sua

importância, mesmo que a expressividade desse processo migratório ainda não tenha sido

devidamente quantificada em termos demográficos. Por ele, fica-se sabendo que: Nos fins do século passado e nas primeiras décadas do actual, Manáos e Belém, eram as duas localidades que possuíam a maior população loriguense depois da terrra natal. Durante muito tempo, estas cidades foram os destinos de quase todos os rapazes que ao atingir a idade de trabalho, não conseguiam colocação na industria local ainda um tanto absoleta, enquanto a agricultura era pouco tentadora, porque não tinha grandes possibilidades em terrenos pobres e muito acidentados. Daí, a emigração contínua para o norte do Brasil que tinha ligação marítima de navios mistos de nacionalidade inglesa, portuguesa, alemã, brasileira e, em certa época, até italiana. As capitais dos Estados Pará e Amazonas, foram as cidades de maior importância econômica do país, no período áureo da borracha também chamada de “ouro negro”, que chegou a constituir o terceiro produto de exportação, logo a seguir ao café e ao açucar, no total do país.2

Para além destas conclusões de Eugênio Leitão de Brito, outro forte indício que

sugere um acentuado grau de importância sobre a diáspora loriguense na Amazônia é a

grande quantidade de jornais que um pequeno grupo de loriguenses letrados criou e tentou

manter nas cidades de Belém e Manaus, com o objetivo de fortalecerem suas redes de

solidariedade e afetividade grupal, como elemento importante de promoção social entre os

1 No Garganta de Loriga, são exemplos as edições de abril de 2000, com a matéria “Loriga e Brasil: A propósito das comemorações dos 500 anos da descoberta da terra de Vera Cruz”; de junho, com o artigo de Adelino Manuel M. de Pina, “Emigração e um Alerta”, e o artigo de António Conde, “Se não forem eles (os loriguenses) a tomar a iniciativa, nada feito!”; julho, com os artigos “Emigração esse fenômeno”, de Adelino Manuel de Pina, e “Como vejo Loriga”, simplesmente assinando por Maria e a notícia sobre a “Festa de N. S. da Guia: A grande festa de verão em Loriga”; outubro, com a notícia da “Comenda de Mérito para o insigne loriguense Eugénio Leitão de Brito”. No Portas da Estrela, edição de 15 de agosto de 1981, com o artigo sobre “Os Loriguenses na Amazônia” de Eugênio Leitão de Brito. 2 Eugênio Leitão de Brito. “Os Loriguenses na Amazônia”. In: Portas da Estrela. Seia, 15 ago. 1981.

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patrícios residentes naquelas cidades, que também reclamam o trabalho historiográfico

neste campo particular de estudos.

Tudo indica, como já foi observado no capítulo sobre os jornais editados pela colônia

portuguesa em Belém do Pará, que a primeira experiência periodística lorigeunse foi

realizada no início do século XX, com a publicação no dia 27 de outubro de 1901 do jornal O

Patriota, redigido por António Fernandes Mendes e sob alegada responsabilidade da

“mocidade loriguense”. Apesar de terem circulado onze números d’O Patriota entre os anos

de 1901 e 1902, não foi possível localizar um único exemplar deste jornal nos acervos dos

principais centros documentais brasileiros e portugueses, inclusive na própria cidade de

Loriga3. Dessa forma, todas as informações disponíveis sobre a sua existência são oriundas

das fontes secundárias, notadamente o já citado catálogo organizado por Manoel Barata.

Neste, é possível perceber-se, ainda, que, mesmo tendo sido um jornal impresso nas

dependências tipográficas do Diário Oficial do Estado do Pará, tudo leva a crer que se trata

de um tipo de periódico dirigido exclusivamente para a colônia loriguense residente naquela

cidade e com um programa editorial acentuadamente “bairrista”, razão pela qual ostentava

em todas as primeiras páginas das suas edições, o pequeno dístico: “O’ nossa terra

querida,/O’ terra de nossos paes”, versos extraídos de um poema que informam ser da

autoria do “Dr. Trindade Coelho”. No início do ano de 1901, coincidentemente ou não, é

também editado o primeiro jornal em Loriga, no dia 2 de fevereiro, com o título A Estrella

D’Alva. A iniciativa vinha da parte de dois loriguenses, Antônio Mendes Lages (redator

principal), e José Fernandes Carreira (editor responsável).

Através de uma informação inserida no catálogo de João Batista Faria e Souza, sabe-

se, também, que no dia 26 de setembro de 1905 foi lançado, em Manaus, mais uma iniciativa

jornalística dos loriguenses com a publicação do número único do jornal Loriga Literraria.

Um pouco antes do lançamento do Loriga Litteraria, já havia sido editado no dia 6 de agosto,

também em Manaus, o número único do jornal 6 de Agosto, alusivo à principal efeméride de

Loriga. Mesmo que estes dois jornais não tenham sido localizados, é possível perceber

através de outras fontes que, neste ano de 1905, a grande maioria de loriguenses já se

encontrava vivendo uma fase bastante promissora de suas vidas nas cidades de Manaus e

Belém, tendo alguns, inclusive, reunido consideráveis fortunas, como disse Eugênio Leitão de

Brito em seu artigo acima referenciado. A colónia loriguense em Manaus, foi muito florescente naquele período, quando diversos dos seus componentes alcançaram situações económicas desafogadas e muito contribuiram para o progresso de nossa terra, quer construíndo boas casas residenciais para a época, quer promovendo a realização de diversos melhoramentos públicos. O mais importante, foi, sem dúvida, o abastecimento de água à Vila, através da construção de magníficos fontenários, em bairros diferentes, os quais ostentam placas de mármore a lembrar a posteridade que foram legados pela “Colónia Loriguense de Manaus – anos de 1905-1909”.

3 A pesquisa em Loriga foi realizada em meados de outubro de 2000, quando contei com os prestimosos auxílios dos loriguenses Joaquim Gonçalves Brito e Alvaro Pinto Assunção. Na oportunidade, foi importante o apoio institucional recebido pelo presidente e pelo tesoureiro da Junta da Freguesia, respectivamente José Manoel Almeida Pinto e Luís Manoel Pereira Fernandes.

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Além dessas particularidades, outro dado importante é que, do ponto de vista da

organização formal entre os loriguenses, a Comissão de Melhoramentos em Loriga, por eles

criada no início do século XX na capital amazonense com a finalidade de promover o

desenvolvimento econômico e uma série de melhoramentos urbanos na terra natal, já

apresentava, em 1905, crescente vitalidade financeira, com significativo volume de recursos

então reunidos através das diversar doações específicas que os loriguenses faziam para

executarem as mais váriadas iniciativas do gênero. Neste particular, a leitura de alguns

balanços da “Comissão Central da Colonia Loriguense em Manáos” não deixam dúvidas que a

referida organização já contabilizava, naquele ano, recursos cada vez mais crescentes e os

valores arrecadados continuavam sendo transferidos periodicamente para Loriga sem

maiores dificuldades.4 Não resta dúvida de que estas remessas representavam uma

importante contribuição para a economia interna de Loriga, possibilitando significativas

transformações no seu espaço urbano. Um bom exemplo é que, ainda, no correr do ano de

1905, os valores para a compra da tão almeijada “Cruz de Prata” e da “Caldeirinha” para o

Santíssimo Sacramento da igreja de Nossa Senhora da Guia já estavam totalizados, mesmo

que só tenham sido remetidos posteriormente pelos loriguenses de Belém do Pará.

Depreende-se, por essa doumentação, que a riqueza auferida por alguns loriguenses,

em geral fortemente comprometidos com os ideais de progressos e desenvolvimento

econômico, motivava novas iniciativas. Em Manaus, avançavam favoravelmente as

subscrições para a construção das fontes e canalização da água. No campo do jornalismo,

surge, em 1º de agosto de 1906, o número único do O Loriguense, de propriedade do

loriguense Abílio Freitas de Azevedo, e editado com a colaboração dos patrícios José Luiz

Monteiro e Afonso Duarte, na condição de redatores principais. Por outro lado, Mateus de

Moura Galvão, Joaquim Gomes de Pina, Augusto Luís Mendes e Antônio Cabral já haviam

reunido recursos para a criação da Banda de Música, festivamente inaugurada em Loriga um

ano depois, no dia 1º de julho de 1906.5 Em 1907, sob a influência de Jeremias Pina, é criado,

em Manaus, o “Grupo Premio Escolar Loriguense”, com o objetivo de estimular e prestar

auxílio aos jovens estudantes loriguenses, “concedendo annualmente premios vantajosos aos

alunos que frequentam as escolas de Loriga, que mais distincção obtenham nos exames e

fornecendo livros aos alunos pobres”. Tinha como sócios honorários Jeremias Pina, João

Marques da Fonseca, então professor aposentado, Pedro d’Almeida e Emilia Augusta,

professor e professora em exercício, além do Dr. Monoel da Motta Veiga Casal, subinspetor

escolar. Eram seus sócios contribuintes em Manaus: Emygdio Alves Nunes de Pina, Antonio

Ambrosio Pina, José Ambrosio de Pina, Abílio Diogo Gouveia, Abílio Pinto Martins, Joaquim

de Pina Monteiro, Antonio Duarte dos Santos, Alfredo de Moura Frade, João de Moura Pina,

4 Cópias de algumas destas atas e balanços da Comissão Central da Colônia Loriguense em Manaus, foram gentilmente cedidas por Eugênio Leitão de Brito. 5 A Banda de Música, posteriormente, Sociedade Recreativa e Musical Loriguense, foi fundada em 1º de julho de 1906, por Mateus de Moura Galvão, Joaquim Gomes de Pina, Augusto Luís Mendes e Antônio Cabral. O instrumental, no valor de 456 mil reis, adquirido por subscrição que se fez entre os loriguenses residentes nas duas capitais amazônicas. Os primeiros ensaios, sob a regência do espanhol João Martinez, foram feitos na casa de Joaquim Gomes de Pina, também responsável pela compra do primeiro fardamento. Cf. Boletim da Sociedade Recreativa e Musical Loriguense. Vouzela, 16 fev. 1992.

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José Martins de Pina, Albano de Mello, José Pinto Matheus, João de Moura Pina, e em Belém

do Pará: Manoel Nunes Ferreira, Antonio Diogo Gouveia, José Fernandes Maurício, Augusto

Simões Carril, Antonio Aparício Martins, Alexandre de Moura Galvão, Antonio de Moura

Lemos, Manoel dos Santos Silva, Antonio Duarte Pina e João de Moura Pina. 6

Não resta dúvida que a euforia da economia da borracha na Amazônia contagiava as

ações filantrópicas e patriótica de vários loriguenses e neles refletia, quer individualmente

ou em grupo, quer indistintamente entre ricos ou pobres, como sintetizou Eugênio Leitão de

Brito. Foi um grupo de Loriguenses do Pará quem custeou a construção do belíssimo coreto de pedra e ferro que existe no Largo de Nossa Senhora da Guia, assim como também foram os conterrâneos aqui residentes que ofereceram o artístico altar de mármore que guarnece a capela da Padroeira dos Emigrantes. Deve-se também, aos loriguenses de Belém, a oferta à Igreja paroquial, da belíssima Cruz de Prata, trabalho do famoso escultor Teixeira Lopes. A colónia desta cidade, também contribuiu para o fornecimento da luz elétrica ao torrão natal, cujo contrato com a Hidrelétrica da Serra da Estrela, criada pelo génio empreendedor de Marques da Silva, foi assinado pelos conterrâneos Augusto Luís Mendes, José Mendonça Cabral e Augusto Moura Galvão, loriguenses residentes no Pará, naquela altura eventualmente em Loriga num período de férias. 7

Voltando para o campo das experie ncias jornalí sticas dos loriguenses na Amazo nia,

cinco anos depois da publicaça o d’O Patriota, e ainda em contexto de visí vel efervece ncia

econo mica na cidade de Bele m, outro “O rga o da Mocidade Loriguense (...) surge no

amphitheatro das lides jornalisticas”, no dia 28 de outubro de 1906, com o tí tulo Echos de

Loriga e o subtí tulo “O rga o da Colonia Loriguense no Para ”, sob a responsabilidade de

Jeremias Pina, seu redator principal, e a colaboraça o de Jose Lopes de Brito e Serafim da

Mota, dentre outros.8 Com uma plataforma editorial bem definida, o jornal se propo e ter “por

missa o o combate aos desregramentos das cousas de Loriga”, ale m de afirmar em seus

objetivos programa ticos que: Combatera os erros passados, os presentes e os que advierem no futuro, e pugnara pelo levantamento de ide as na vanguarda do progresso local. Estara sempre a frente dos humildes e dos opprimidos e sustentara no seu posto de honra, na polemica, a derrocada dos que forem contra a missa o que ora emprehende. E por isso, os “ECHOS DE LORIGA” abraça a todos os loriguenses que o receberem com effusa o d’alma, ao incetar, hoje, uma missa o arriscada e difficil de contentar a todos.

Uma das caracterí sticas que ressalta no Echos de Loriga e que ele vem formatado em

dimenso es de um pequeno tabloide, com quatro colunas e quatro pa ginas, trazendo va rias

mate rias escritas por diferentes colaboradores patrí cios, incluindo espaço na u ltima pa gina

para a publicaça o de um “folhetim”. Surpreende tambe m neste jornal a coere ncia de

6 A Voz de Loriga. Manaus, 5 jun. 1909. 7 Eugênio Leitão de Brito. “Os Loriguenses na Amazônia”. In: Portas da Estrela. Seia, 15 ago. 1981. 8 O jornal Echos de Loriga não se encontra referenciado em nenhum dos catálogos e instrumentos de pesquisa compulsados e seu acesso só foi possível através de uma fotocópia precária, em papel “A 4”, gentilmente oferecida pelo loriguense Eugênio Leitão de Brito.

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princí pios que permeia todo o seu conteu do editorial, inclusive quando comparado com os

objetivos propostos, a sugerir que ele vem a pu blico como fruto da indignaça o de um grupo

de imigrantes loriguenses que se diz expressar, a partir “da alma patriotica dos nobres

loriguenses que mourejam n’estas plagas Equatoriaes do Brazil”, contra alguns patrí cios de

ale m-mar que ousam qualificar impiedosamente de “homens arbitra rios”, expressa o do

“azarrague da hipocrisia e da politica nefasta” ou, quando na o, pela expressa o indignada de

“homens grandes de Loriga, que a todo tranze procuram um tropesso ao progresso originado

pelos Loriguenses que mourejam no Brazil”, segundo consta, pela grave raza o de manterem

“sempre a opressa o do povo de Loriga que galga as ameias d’um povo martyrisado e

humilde”.

No centro de todas estas crí ticas apresentadas pelo perio dico, esta o viga rio da vila,

tido pelos editores do Echos de Loriga como um dos fortes sí mbolos do conservadorismo e da

resiste ncia aos projetos de modernizaça o enta o protagonizados pelos loriguenses residentes

na Amazo nia, que, de alguns anos antes, haviam se lançado na luta para “que sejam ali

introduzidos os aperfeiçoamentos que a arte e a thecnica moderna aconselham”, enquanto

“um attestado vivo de patriotismo”. A principal diverge ncia que ora apontavam, na o era mais

ditada pelas posiço es contra rias que o pa roco manifestou em relaça o a criaça o da banda de

mu sica e da construça o do coreto na praça da igreja de Nossa Senhora da Guia. O fato novo,

agora, era pelo controle da fanfarra que ele passou a exercer de forma tal que “com sua

MUSICA, foi desorganisando a musica”, expulsou o maestro e manietou o diretor da banda,

raza o pela qual ter atraí do a “revolta patrio tica” de Jeremias Pina que se achava

inconformado com os acontecimentos e com pleno direito de contestar-lhe publicamente: Ademiramos, e o director ceder aos deseijos do vigario de Loriga. O director sabe milhor do que no s, que se Loriga possue uma musica, deve-se a sua iniciativa, e o vigario de Loriga foi o primeiro dos homens grandes a refurtar -se a esse emprehendimento. Portanto, ao director competia ser mais conciso n’esse caso, e na o permitir a espulsa o do mestre da musica por forma ta o violenta.

Por outro lado, a “missão arriscada e difícil de contentar a todos”, a qual Jeremias

Pina temia enquanto redator do Echos de Loriga exigia algum tipo de moderação retórica não

só da sua parte, mas também dos demais colaboradores patrícios preocupados com um

possível isolamento que eventualmente determinasse o insucesso do jornal. Na verdade,

tudo leva a crer que havia uma nítida zona de discórdia, uma verdadeira competição entre

loriguenses daquém e dalém-mar que colocava em causa a unidade de um sentimento de

solidariedade partilhado entre os patrícios, principalmente quando as questões resvalavam

para o campo da política da cultura e das ideologias sociais em curso, em especial aquelas

que diziam respeito às obrigações e deveres patrióticos de ambos os lados para com a terra

natal.9 Neste caso, o próprio Jeremias Pina torna-se prudente ao escrever um artigo incisivo

sobre “O valor dos homens”, criticando a falta de compromisso e responsabilidade sociais

9 Para uma compreensão do atual debate do estudo da cultura como política e da etnicidade como dimensão que se vincula às ideologias sociais e aos nacionalismos, é sugestivo o artigo de Katherine Verdery sobre “Etnicidade, Nacionalismo e a Formação do Estado”. (VERMEULEN; GOVERS, 2003: 44-74).

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daqueles que em nada “tem concorrido para a desopressão de um povo esmagado ao poder

dos homens ricos e do triste destino que lhes traçaram”, censura que compensa com um

contraponto um tanto gongórico feito para enaltecer as ações solitárias de algumas

personalidades do porte de Joaquim Gomes de Pina, um dos principais idealizadores da

banda de música, pessoa que, em seu entender, era uma “alma nobre e exemplar”,

característica típica de “homem que a labuta na vida pelos seus e os outros é o ideal que

abraça, é de um coração extremoso e bemfazejo e de uma alma diamantina e grandiosa”. De

igual forma, também, procedeu o seu confrade José Lopes de Brito em seu artigo de primeira

página enaltecendo a determinante influência dos loriguenses residentes na Amazônia no

que diz respeito às grandes transformações que estavam se processando nos últimos anos

em Loriga. Usando o clássico diapasão de “dar a Cesar o que é de Cesar” e “justiça a quem

entendermos que a mereça”, destaca as ações que estão sendo realizadas por diversos

loriguenses, fossem eles “humildes anônimos”, “humanitario capitalista”, ou “benemérito e

abastado proprietario”, a exemplo de João Marques da Fonseca, Augusto Luiz Mendes, os

irmãos Leitões, Abilio Luiz de Brito Freire e de Emilio Mendes dos Reis. Este último, tido

como “padrão de gloria”, porque “todos os pobres lhe reconhecem a grandeza d’alma”. Para

além destes destacados “exemplos de patriotismo”, José Lopes Brito reconhece que a grande

participação fica mesmo por conta dos “humildes e anônimos” loriguenses, mais

especificadamente daqueles: (...) filhos de Loriga, com especialidade os que rezidem no Brazil, [que] têm concorrido de um modo extraordinário para que sejam ali introduzidos os aperfeiçoamentos que a arte e a técnica moderna aconselham. É assim que, divididos em pequenos grupos, já conseguiram erigir, na praça de N. Senhora da Guia, um soberbo pavilhão destinado á musica em épocas de festa. E enquanto uns se ocupavam com esta obra que é um attestado vivo de patriotismo, outros cotisaram-se entre si e ofereceram uma valiosa e belíssima cruz de prata com incrustrações de oiro, á igreja de Santa Maria Maior – padroeira de Loriga; na opinião das artistas não há, a não ser na capital portugueza uma cruz que possa fazer paralelo com aquela. Agora promove-se uma subscripção cujo resultado será aplicado á canalização de agua para abastecimento da população. Projectam levantar pelo menos quatro magnificos chafarizes nos logares mais concorridos da villa, o que constituirá um dos mais importantes melhoramentos que se podiam imaginar. Junte-se a tudo isto a abertura da estrada de rodagem que brevemente será entregue ao trafego publico, e que vae ligar-se á estrada real que passa em Cea e ahi temos nós um recanto de Portugal onde qualquer viajante poderá passar uma boa temporada, rodeado de todas as comodidades.

Tudo indica que o Echos de Loriga não tenha ultrapassado o seu primeiro número,

frustrando, de alguma forma, as expectativas de Jeremias Pina e de seus poucos

colaboradores. Fica claro, também, que as tentativas de politizar o envolvimento e a forte

solidariedade dos loriguenses em relação aos melhoramentos urbanos e outros aspectos

ligados ao processo de modernização que estavam em curso na pequena Loriga, eram um

tema difícil e de pouca adesão para uma grande maioria dos imigrantes “exilados das Serras”.

Neste sentido, o dado relevante é que a zona de tensão no seio de alguns loriguenses não era

em nada desprezível, notadamente entre os que pretendiam colaborar financeiramente na

modernização da sua pequena vila de forma desinteressada, enquanto consciência do

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simples dever patriótico e àqueles que se queriam politicamente engajado em todas as ações

que resultavam, ou se desdobravam dessas mesmas contribuições. Seja como for, o resultado

foi que o jornal Echos de Loriga, ao invés de aglutinar a solidariedade entre os “filhos de

Loriga” e promovê-los socialmente, acabou por provocar uma verdadeira celeuma,

agravando pequenas e grandes divergências que, em certo sentido, determinaram o seu

próprio fim, como relembrou, anos mais tarde, o próprio Jeremias Pina ao fazer um balanço

da sua experiência e do esforço intelectual que alguns loriguenses tentaram desenvolver no

campo das letras para editarem vários jornais em Belém e Manaus10.

No curto interstício de dois anos, entre 1907 e 1908, a voz dos “Expatriados das

Serras”, como gostava de ressaltar Jeremias Pina, deixa de ser ouvida através dos seus meios

de imprensa. Mas esta situação não se prolonga por muito tempo e vem a ser revertida

quando Jeremias Pina se transfere definitivamente para Manaus e de lá lança o número único

do jornal A Voz de Loriga, no dia 5 de junho de 1909, como “Orgão da Colonia Loriguense em

Manáos”, e com uma plataforma editorial que não deixa de ser esperançosa para os seus

objetivos. Vê a luz da publicidade, cheio de ufania, sobranceiro e altvo, na grande senda que teve por principio Guttemberg, o grande inspirador da mais nobre e altivalente missão – a imprensa – o jornal que serve de epigraphe a estas linhas. Inspirado em bases solidas, moralista, e na saudade dos filhos de Loriga pelo berço muito seu amado, que labutam quotidianamente nesta terra hospitaleira do Brasil. A Voz de Loriga vem juntar-se ao numero desses periódicos inspirados no patriotismo dos Loriguenses expatriados da sua terra abençoada, que entre os loiros da gloria vão abrindo a estrada clarividente da consagração da posteridade. A missão que ora desempenha A Voz de Loriga é o dever cívico e moral que os Loriguenses tem para os seus Alem Atlantico, mostrando-lhes que só pela comunhão das letras podemos destruir essa densa obscuridade em que Loriga tem permanecido, provindo dessa comunhão civilizadora o grande destino do nosso berço, regenerando a sociedade Loriguense e mostrando a mocidade inteligente o caminho da instrucção, do dever, da verdade e do direito. De há muito que apontamos a estrada por onde havemos de caminhar para a senda civilizadora do espirito Loriguense. E se essa tem sido a nossa missão por entre os abrolhos de um caminho calcinado de sacrifícios, tentando reduzir ao desaparecimento um rosário de conceitos creados por espíritos perniciosos à cultura instructiva de um povo inteligente desde o berço, não menos honrosa é hoje a nossa tarefa, fazendo sahir um jornal moralizador, encarnação viva da sua alma grandiosa, onde germina a essência da virtude ao par das grandes ideias. E por isso, A Voz de Loriga, que vem mostrar mais uma vez o quanto pode a iniciativa dos filhos de Loriga no Brasil, num programma de moralidade e regeneração, cumprimenta a todos os Loriguenses e suas gentis conterrâneas, esperando que a recebam como uma das estrelas fulgurantes do nosso porvir moral, intelectual e material.

Este programa pode transparecer à primeira vista que Jeremias Pina retorna às lides

jornalísticas menos rancoroso e muito pouco afeito às polêmicas que lhe haviam

caracterizado anos antes nas páginas do Echos de Loriga. Na verdade, ele é uma tradução

parcial dos seus objetivos e deve ser lido com reservas pela natureza com que se reveste este

número único d’A Voz de Loriga: uma iniciativa momentosa, preocupada em divulgar os

10 A Voz de Loriga. Manaus, 6 jun. 1909.

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feitos “heroicos” da colônia loriguense em Manaus, enquanto expressão do “patriotismo dos

Loriguenses expatriados da sua terra abençoada”, assim como o ideário patriótico de

Jeremias Pina, o seu principal ideólogo.

Jornal A Voz de Loriga

(Manaus, 05 de Junho de 1909)

Fonte: Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas.

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Com a exceção de dois pequenos artigos, um sobre a “Illuminação Publica em

Loriga”, e o outro sobre o “Grupo Premio Escolar Loriguense” assinados por Albino Diogo de

Gouveia; do poema de Gomes de Amorim, transcrito do Echo Luzitano, de 8 de maio de 1908,

e de uma pequena “Nota Interessante” de tonalidade humorística, escrita por Maria

Pranchiata, todas as demais matérias divulgadas nas oito páginas d’A Voz de Loriga, são da

própria autoria de Jeremias Pina, que insistia dizer, em várias oportunidade, tê-las escritas

com palavras de forte entusiasmo para “poder triumphalmente calar o espirito de todos”,

com a ressalva típica de um jornalista que se pretende neutro e imparcial diante dos fatos,

que a sua “pena será a espada da Justiça, recta e impoluta, dando elogios a quem os merecer

e condemnando aos que da verdade se tenham divorciado”, ou como rediz alhures sobre a

natureza dos seus próprios escritos: “Escrevemos desapaixonadamente, não vizando ferir

este ou aqulle; damos a Cesar o que é de Cesar, pesando na balança da Justiça o proceder de

cada um: o bem e o mal na Justiça encontra a recompensa que merece”.

Deste modo, fazendo valer sua coerência de princípios declaradamente ancorados

nas virtudes dos valores morais e espirituais, Jeremias Pina se mantêm autêntico como antes

fora nas páginas do Echos de Loriga, acreditando sempre que as virtudes desses seus valores

constituíam uma arma eficaz no combate à obscuridade e ao atraso intelectual entre os

patrícios. Arma poderosa que também encontrou para viabilizar o seu grande sonho de tudo

se fazer através da “comunhão das letras”, das “grandes ideias”, da “instrucção” e da “cultura

instructivas”, enquanto condição necessária para promover o progresso e a prosperidade

econômica da sua terra natal, em seu sentido mais amplo possível. A missão que ora desempenha A Voz de Loriga é o dever cívico e moral que os Loriguenses tem para os seus Alem Atlantico, mostrando-lhes que só pela comunhão das letras podemos destruir essa densa obscuridade em que Loriga tem permanecido, provindo dessa comunhão civilizadora o grande destino do nosso berço, regenerando a sociedade Loriguense e mostrando a mocidade inteligente o caminho da instrucção, do dever, da verdade e do direito.

Esta era uma das suas principais preocupações, reiterada por várias vezes

simplesmente por acreditar que nada de materialmente consistente e duradouro poderia ser

feito à margem das “grandes ideias” e da “educação intelectual”: Os grandes empreendimentos são o produto das grandes idéas. Quando se levam a cabo, idealizados em doutrinas jorradas por espiritos inexgottaveis de radiação pelo progresso que nos chama ao grande aperfeiçoamento, tem-se cumprido com o grande dever de trabalharmos pelo levantamento moral e civico, ao par desse grande factor que forma o baluarte estavel do nosso adiantamento civilizador, a educação intelectual junto ao esforço material.

Valores morais e princípios cívicos que obviamente não são exclusivamente seus,

muito menos uma criação espontânea e original que usa para ornar a missão ou o

“programma de moralidade e regeneração” que propõe para o jornal. São valores que fazem

parte do seu contemporâneo histórico, influenciando profundamente o ideário uma pequena

minoria de portugueses letrados de além-mar que, através deles, nutriam seus sonhos e

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ideais de vida, em geral revelados por suas próprias penas.11 Mais ainda, se os traços da

ideologia que sustentam os sonhos e desejos civilizacionais de Jeremias Pina estão marcados

por ideias e valores morais que contagiavam muitos dos homens de letras em Portugal da

sua época, os seus conceitos de pátria e patriotismo não se faziam diferentes dos

denominadores comuns que diziam das ligações afetivas dos migrantes portugueses com a

terra natal e com o dever cívico para com as suas origens. Daí por que: “A aldeia distante

torna-se ponto de referência emocional, ganhando uma representação imaginária que a

identifique e caracterize, por via da adopção de um conjunto de símbolos distintivos”, como

realçou Maria Beatriz Rocha-Trindade no seu artigo “As micropátrias no interior português”,

na parte que faz alusão à força histórica que, ao longo dos séculos, vem definindo o conceito

de pátria entre os portugueses no contexto das suas migrações internacionais e internas.

(ROCHA-TRINDADE, 1987: 726).

Por outro lado, se A Voz de Loriga elucida dimensões ideológicas do idealismo de

Jeremias Pina, como suposto “interprete do sentir d’uma colônia”, o jornal não deixa por

menos em esclarecimentos sobre aspectos nebulosos e pouco conhecidos da vida associativa

entre os loriguenses de Manaus e Belém. Segundo palavras do próprio Jeremias Pina,

naquela altura, a maioria dos loriguenses, ao contrário de uma minoria formada por

“espíritos pessimistas, divorciados do progresso da nossa terra”, não concordava com a

ineficiência e o descaso do poder público em Loriga e, muito particularmente, com aqueles

“homens envolvidos n’essa politica nefasta que os tem levado a ocupar cargos na Camara

Municipal de Cea”, verdadeiros “parasitas que vivem da censura aos indiscutivelmente

dignos da consagração da posteridade”. Esta cáustica conclusão que resulta do seu indignado

fervor crítico em relação ao mandonismo político local, não guarda correspondência quando

o assunto político transcende os limites do paroquialismo loriguense, ou quando o problema

brota de determinadas discórdias e divergências no seio da colônia loriguense. Neste último

caso, Jeremias Pina mostra-se compreensivo, e com apelos para considerações um tanto

filosóficas, entendendo-as como simples frutos naturais do que chama de “ciumes

patrioticos” entre os conterrâneos. Quasi sempre acontece surgir a discordia entre corporações, concorrendo muitas vezes para a sua dissolução. E se dissermos que entre esta corporação, depois de concluidos os trabalhos apareceu a divergencia com suas garras de hyena, não iremos desmoralisar os homens e as coisas. A discordia tem o seu valor moral na base em que é fundamentada. E se alguma alteração de espirito houve na grande obra dos Loriguense em Manáos, é certo que isso provinha do ciume patriotico dos mesmos. E tal o entusiasmo de patriotismo que existe entre os filhos de Loriga, que um podendo concorrer só para a grande idéa, evita que outro passe por essas decepções que a cada passo se encontram.

Quanto à vida política em Portugal, Jeremias Pina mostrava-se muito pouco

engajado, para não se dizer reticente ou apático. Até o lançamento d’A Voz de Loriga, pouco

se observa nesse sentido. No mais, o que se sabia é que Jeremias Pina era um crítico até então

reservado da monarquia portuguesa, defensor moderado dos ideais democráticos desde a

11 Para uma compreensão sintética e mais alargada desses valores entre mulheres e homens, ricos e pobres, é oportuno referenciar o artigo de Susana Serpa SILVA (2011: 382-427).

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infância, e que sempre evitava fazer proselitismo sobre política partidária, ao ponto de

ridicularizar certos patrícios que, em Belém do Pará, outra coisa não sabiam fazer. No seu

artigo intitulado “Balança da Justiça”, editado neste mesmo número da Voz de Loriga, mas

escrito em fins de janeiro quando se encontrava debilitado no leito do Hospital Português do

Pará, clarifica sua posição político-partidária. Com o objetivo de aclarar controvérsias sobre

a tragédia do Terreiro do Paço, que um ano antes havia prostrado morto o rei de Portugal e

seu filho princepe herdeiro, resolve “dizer alguma coisa sobre a politica portugueza, dando a

Cesar o que é de Cesar, para cujo fim escolhi a balança da Justiça onde se deve pesar os

pecados de todos”. Não precisamos entrar em detalhes minuciosos dos acontecimentos que precederam ao fim tragico dos monarcas, porque eles todos já foram exteriorizados, pela imprensa, mesmo deturpados; e o que mais de ridiculo se tem alegado n’esta terra de Santa Cruz, é a contenda de monarchistas e republicanos portugueses, empreendidas nas columnas da imprensa local. Uns e outros têm dito muito para nada dizerem, chegando a descer à valla dos improperios atirando às faces uns dos outros o calão de chacal, sahindo fôra da orbita que tem por lemma a lucta honrosa do jornalismo, para externar idéas. Todos falam com uma pontinha de paixão e se deixam dominar por pensamentos cegos, e oh! Deus o que não se tem dito pelas duas partes em litigio, coisas de fazer corar um frade. Não sei se estes homens discutem convictos as suas idéas, ou se representam um papel mal ensaiado, apenas para se apresentarem no publico. Nutro as idéas democraticas desde os meus verdes anos. Mas, até hoje, nunca alguem me viu envolvido n’essas discussões banaes em que Patria e a pessoa nada têm a lucrar.

Além de democrata e idealista, Jeremias Pina foi um visionário. Ardoroso defensor

da ideia de que Loriga foi o berço natal do grande Viriato, “o redemptor da Luzitania”, “o

grande pastor e guerreiro que destroçou as grandes legiões dos exercitos romanos”, sempre

que possível, não perdia a oportunidade para celebrá-lo como tal. Em Belém do Pará, por

mais de uma vez, escreveu artigos nas páginas do Echos Lusitano, “dando Viriato como filho

de Loriga”, e não podia ser diferente agora, no justo momento que editava A Voz de Loriga.

“Viriatho – O Tragico: onde foi o seu berço” é o título que usa em seu artigo para contraditar

o historiador Braz Garcia de Mascarenha, que “dá Viriatho como filho de Vizeu”, usurpando a

glória dos loriguenses. Mesmo que evoque em favor dos seus argumentos “annaes da historia

Patria” e as conclusões de Teófilo Braga, “essa grande mentalidade hodierna”, para quem

“Viriatho existiu em Loriga, sendo o julgador das cousas ou questões que entre os povos

circumvizinhos se davam”, o grande objetivo de Jeremias Pina, era sensibilizar os

conterrâneos para que fosse construída uma estátua na sua terra com a finalidade “de

immortalisar o nome de Viriatho como filho de Loriga”. E nós, filhos de Loriga, temos já inspirada a idéa de immortalisar o nome de Viriatho como filho de Loriga, erigindo-lhe um monumento n’uma das praças publicas, d’aquella pedra tosca, “dura e informe”, para perpetuar mais o nome do grande heroe e que nas nossas veias corre o sangue azul que o enalteceu. Para isso, levanto o apelo aos loriguenses residentes no Brasil, ficando certo de que a idéa concebida ha muito, será mais uma pagina a ouro archivada nos annaes dos seus grandes feitos, tendo como recompensa as bênçãos da sagraçõ posterita.

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O apelo ao mito histórico de uma origem comum, nobre e heroica, que Jeremias Pina

tão bem manipulava, impedia que o conteúdo cultural da identidade étnica dos loriguenses

se fragmentasse ou se dissolvesse por força do exílio, além de possibilitar uma maior e mais

ampliada galvanização na solidariedade grupal, na coesão intraétnica e nos sentimentos de

pertencimento com a terra natal12. Dessa forma, não surpreende o êxito imediato que este

tipo de campanha alcançou, refletido positivamente nas subscrições para esta nova

finalidade que totalizava nada menos do que 145 contos de réis no próprio dia do seu

lançamento. Uma contribuição toda ela vinda de forma espontânea da parte de catorze

compatrícios, dentre eles: Manoel Jesus de Pina, Augusto Mendes de Gouvêa, Carlos Lopes de

Brito, Antonio Luiz M. Pina Jorge, Jeremias Pina, José Alves Nunes de Pina, Augusto Moura

Pina, Antonio Pina Pires, João Luiz Moura Pina, Manuel Moura Pina, Antonio L. M. Pina,

Antonio M. Cabral, Alfredo M. Frade e José L. C. Moura.

Os feitos do passado recente ou remoto, individuais ou coletivos, consagrados pela

memória histórica ou na expectativa da “sagração posterita”, foram também poderosamente

manipulados na construção retórica dos vários artigos que Jeremias Pina escreveu e fez

publicar nas páginas d’A Voz de Loriga. “Agua e Luz” não foge à regra, quando, através dele,

conclama os conterrâneos para mais um novo e necessário empreendimento. A transcrição

deste artigo na íntegra é oportuna por revelar não só facetas dessa estratégia, mas também o

modo de agir colocado em prática por certas lideranças loriguenses com o objetivo de

angariarem os recursos necessários para as transformações que estavam promovendo, ou

pretendiam promover em Loriga. Entre os melhoramentos levados a efeito em Loriga, pela colonia Loriguense em Manáos, destaca-se até hoje a canalização de aguas para abastecimento publico. Outro está concebido de mais trabalho e dinheiro, cujo virá perpetuar os esforços dos seus iniciadores e concorrentes pelos melhoramentos de que estão dotando o seu berço. Esse melhoramento é a illuminação publica, á força de energia electrica, que muito virá embellezar o ditoso berço de Viriatho. Sendo um dos melhoramentos de que Loriga mais se recente, os seus propugnadores já teem em mãos uma fabulosa quantia para tal fim, cujo é o accrescimo da importância do abastecimento d’agua ao publico e seus sobejos do mesmo liquido, vendidos a diversos para as regas da cultura agricola. E já que o trabalho das fontes está concluido, seria de summa utilidade que os iniciadores dos melhoramentos extinguissem a comissão que ainda existe, das fontes, convocando uma reunião da colonia para assentar definitivamente as bases fundamentaes para a iluminação publica. D’esta forma chegariamos aos fins mais em breve, fazendo um estudo acurado sobre o assumpto, facilitando aos concorrentes o meio de irem entrando com as suas quotas, sem prejuízo à sua bolsa. Pois que, muitos que as suas condições monetarias não admitem dispender de uma importancia em desacordo com o seu rendimento, de uma só vez, farão-n’o por tantas quotas se veja que o possa fazer, resultando d’isto chegar-se ao fim satisfatorio e sem grandes dificuldades.

12 Anthony Smith, incluí o exílio como um dos acontecimentos que pode promover a alteração cultural no conteúdo das identidades e das comunidades étnicas: “Entre os acontecimentos típicos que originam alterações profundas no conteúdo cultural de tal identidade, incluem-se a guerra, as conquistas, o exílio e a escravização, a influência de imigrantes e a conversão religiosa”. (SMITH, 1997: 42).

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A quantia existente para tal fim não é de todo insignificante e com mais um pouco de esforço e boa vontade teremos chegado á conclusão de tão dignificante empreendimento. Nunca faltou coragem e patriotismo a qualquer iniciativa posta em pratica pelos filhos de Loriga. E d’esta se espera um desempenho cabal, que satisfaça as nossas aspirações de patriotismo e amor ao berço, ficando crente que jamais um Loriguense se refutará a prestar o seu auxilio a obra que tanto enaltecem a quem as pratica, esquecendo ressentimentos que porventura possam separar uns de outros e que em nada se prendem e tem com o beneficiamento que o nosso amado berço necessita. De todos espero uma união inquebrantavel para obra tão meritória, e do intimo de minha alma os estreito a todos n’um amplexo de fraternidade e igualdade, para a unificação d’um só pensamento, para nossa honra e do berço querido e amado.

No mesmo diapasão, segue o longo balanço que Jeremias Pina escreve sobre as

realizações dos loriguenses em Manaus. Marcado por um discurso subjetivo, um tanto

prolixo e repetitivo se comparado com o acima exposto, reafirmando palavras de louvores à

organização associativa e à solidariedade entre os patrícios, destaca, com alguns poucos

dados factuais o que resultava do “esforço intelectual e material” realizados pelos

conterrâneos. E para atestar a preponderancia dos filhos de Loriga, residentes no Pará e Manáos, sobre as coisas de Loriga, bastará fazer menção do seu esforço intelectual e material. Entre eles se destacam, nas letras, diversos periódicos que fizeram publicar, como seguem abaixo: O 6 de Agosto, Loriga Litteraria, O Loriguense e o presente – A Voz de Loriga, em Manáos, e o Echos de Loriga e O Patriota, no Pará. Entre estes, detacou-se o Echos de Loriga, que combateu com denodo os desregramentos em Loriga, levantando uma celeuma infernal, cujo foi suspenso e em breve ressurgirá. Entre o seu esforço material, destaca-se o serviço de canalização de aguas, possuindo a villa quatro soberbos e magnificos chafarizes, disseminando-se por diversos largos alguns postes fontenarios. O trabalho que este melhoramento ao berço deu á comissão central, não se pode imaginar: só um amor ferrenho, como o das pessoas que compunham a dita comissão, podia arrostar com tantas humilhações e sacrificios.

No bojo desse relatório, faz questão de destacar o papel de relevo no conjunto dessas

iniciativas desempenhado por Manuel Jesus de Pina, Joaquim Ambrosio de Pina e Augusto

Mendes de Gouveia e, com grande ênfase, para a importante colaboração dos “laboriosos e

rudes trabalhadores”. Não deixaremos de fazer mensão aos donos das olarias e seus trabalhadores. Loriguenses que habitam a margem esquerda do “Rio Negro” [leia-se Manaus]. Todos foram de um sentimento patriotico indestructivel, pois que sem o auxilio d’esses laboriosos e rudes trabalhadores, que amassam o barro e fazem o tijolo que o diabo compra e não paga, não se teria conseguido o empreendimento conseguido em Loriga.

Pelo conjunto destas informações, depreende-se que a existência de uma

solidariedade geral entre os loriguenses era suficientemente capaz de construir poderosos

elos entre sujeitos e classes sociais, atributos que ao lado do mito da origem comum e de

memórias históricas partilhadas, como propõe Anthony Smith, eram indispensáveis na

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formação de uma típica comunidade étnica, ou diaspórica.13 Por outro lado, mesmo que estes

dados não sejam apresentados nas páginas d’A Voz de Loriga de maneira suficientes para a

construção das genealogias familiares, eles não deixam de sugerir a existência entre os

loriguenses de Manaus e Belém de uma poderosa interligação de laços familiares, formando

verdadeiras “superfamílias” que, no fundo, assumiam a liderança do movimento, reservando

a Jeremias Pina a condição de “guardião da tradição” e da mobilização vernácula necessária

para tal fim14.

Funções que Jeremias Pina esteve a cumprir exemplarmente em todos os momentos

que encontrou condições de exercê-las enquanto intelectual e homem de letras, quer quando

fazia em suas polêmicas, arvorado em pretensa condição de suprema magistratura, dando “a

Cesar o que é de Cesar, pesando na balança da Justiça o proceder de cada um”; quer em seus

apelos morais e cívicos para cobrar e/ou enaltecer a união entre todos os compatrícios. Alem

disso, não lhe faltava sensibilidade para construir narrativas sobre a sua Loriga distante,

“verdadeiro paraizo de sonhos dourados”, “terra amada” que supunha, de maneira

messiânica, ser “predestinada a um grande destino”. Seu artigo “O Sentimentalismo” é uma

peça documental exemplar de como, a partir das suas aparentes desmedidas subjetivações e

elocubrações poéticas, procurou conferir sentido concreto às suas representações sobre sua

terra de origem e, como tal, o artigo deve ser visto não como invenção ou puro devaneio

intelectual, antes, porém, como mais uma estratégia de mobilização comunitária colocada em

prática por Jeremias Pina, muito próximo da compreensão de Anthony Smith sobre o papel

do intelectual no âmbito das etnias “laterais”, e bem mais de acordo com o que Benedict

Anderson chamou de uma “comunidade imaginada”, cuja definição já foi avançada em nota

do primeiro capítulo. É majestosa, poetica, cheia de vida, paz e tranquilidade, no seu labor quotidiano, essa villa granitica, sem esthetica, que se chama Loriga, desde Viriato – O Tragico. Envolvida, no roda-pé, n’um manto de uma vegetação luxuriante, levanta-se soberba, no seu thono altivo, com suas casas apinhadas, a saudar a primavera, a vinte e dois de Março de todos os anos. Tudo é maravilhoso, tudo é alegria, emquanto ao desabrochar as flores no campo e ao chilrear das andorinhas, as donzelas vão de cântaro á fonte umas, outras se disseminam pelos campos, a lavrar as terras, entre canticos sonoros que nos dá a ideia de que habitamos um verdadeiro paraizo. Tudo é viver e não morrer para quem junto a essas castas e ingenuas almas compartilha desses sentimentos. E quando o murmurio d’um regalo de agua chrystalina corre no areal, matizado de juncos e salgueiros, uma voz Divinal echoa alem no oiteiro: Ai que aroma brotam as flores. Ai que alegria ver os milharaes! Oh rapazes galantes da terra Porque não dançais, dançais, dançais.

13 Smith (1997: 36) define como sendo seis, os atributos principais que são partilhados no interior de uma comunidade étnica, a saber: “Um nome próprio colectivo; um mito de linhagem comum; memórias históricas partilhadas; um ou mais elementos diferenciadores de cultura comum; associação a uma terra natal específica; um sentimento de solidariedade em sectores significativos da população”. 14 Smith analisa a importância do papel dos intelectuais na mobilização vernácula no âmbito das etnias “laterais”. (Ibidem: 83 a 90).

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Do outro lado, uma voz vibrante, toda nupcial, que parece vir do infinito, baixando sobre a terra, rumoreja aos ouvidos: As donzelas são mui puras, Como as flores da primavera! O poder da pedra d’Era Faz prodigios ás criaturas, D’ella depende a minha sorte, N’este valle de penar! penar! Na vida até á morte. Só quero amar! amar! Entre as vozes poéticas d’estas almas puras, os rapazes, entregues aos seus afazeres quotidianos, uns de sachar ao hombro em demanda do seu pomar, outros repenicando canções na flata, dando-lhes umas notas amorosas, lá vão elleseleso coração bafejante, com o pensamento preocupado com o que ha de ser a sua companheira no amor conjugal. Loriga foi predestinada a um grande destino, porque a indole do seu povo é a encarnação viva do sentimentalismo; lá estão os velhos, os moços, para atestar o que é formação psichologica d’esse grande povo. Á todas as horas, muito principalmente ao sahir e por do sol, nos caminhos das herdades, se cruzam velhos, moços e donzelas, numa conversação ingênua, de verdadeiros philosophos. Operarios de nove fabricas movidas por possantes rodas, á força d’agua, artistas de todas as esferas, camponezes e camponezas e tudo mais que compõe a alta roda de Loriga – a elite – lá se encontram nos seus misteres de um viver fraternal, e aos domingos e dias santos se cruzam e fazem grupos que se destacam aqui e ali, formamdo um conjunto todo de harmonia, com que retribuindo á prodiga majestade do seu infinito firmamento, os belos dias de uma primavera em flôr, enebriando-os com a aragem subtil, aromatica, acalentadora e fortificante. É um verdadeiro paraizo de sonhos dourados! D’um lado ouve-se o acorde sentimentalista d’uma guitarra, do outro a nota alegre d’uma viola, penetrando ao mesmo tempo, em nossa alma adormecida n’aquelle conjunto harmonioso, o vibrar melancolico d’um violão, que gemebundo executa um fado sepulchral. ................................................................................................................. Não é só nisto que encarna a alma meiga e gentil d’este povo apaixonado que versa o sentimentalismo do seu viver. N’este viver santo, fraternal, que alenta os desiludidos d’uma existencia calcinada de espinhos, junto a um cruzeiro antiquissimo, já denegrido pelo rugir das tempestades, que batem d’encontro aos seus braços de conforto aos religiosos do logar, alguns rapazes estacionam ali, versando ao desafio: .......................................................................................................... Aqui está o sentimentalismo da alma Loriguense. Simples, ingenua, caracteristica na poesia popular com que minoram os momentos de tristeza, não deixa de ser bello, sublime, para os que causticados pelas peripecias d’uma vida martyr, que se perde no turbilhão de vicios dos grandes centros populosos, se chega a envolver a aquelle horizonte vivificante, encarnação viva das mais puras almas, longe da corrupção que degrada e aniquila até morrer.

No dia 5 de Junho de 1910, precisamente um ano depois do lançamento da edição

única do jornal A Voz de Loriga, circula nas agitadas ruas da cidade de Manaus, o primeiro

número do jornal O Povo de Loriga, sob a direção do incansável e destemido combatente

Jeremias Pina, enquanto um jornal mensal, segundo consta, “concebido com ardor pelos

filhos das serras expatriados do seu berço querido”. Dessa forma, Jeremias Pina realiza, na

capital amazonense, o seu grande sonho, anunciado um ano antes nas páginas d’A Voz de

Loriga, de reeditar em Manaus o Echos de Loriga, uma experiência frustada que feneceu no

nascedouro vítima das incompreensões de patrícios e de alguns dos seus próprios

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compatrícios residentes em Belém do Pará. É muito provável que, por esse motivo, o futuro

d’O Povo de Loriga, enquanto “Orgam da Colonia Loriguense em Manáos”, seja anunciado

logo no primeiro número como incerto e imprevisível, razão pela qual entendeu o seu

redator-chefe ser oportuno advertir e orientar de imediato os seus leitores em caso de um

eventual insucesso em relação ao novo jornal: Não tendo nós resolvido ainda sobre a continuada circulação d’este jornal, pedimos aos interessados o obsequio de entenderem-se com o nosso conterraneo e amigo, sr. Antonio Ambrosio Pina, ou remeterem suas correspondencias para a caixa no Correia, n. 528.

Se a incerteza quanto ao futuro do jornal O Povo de Loriga era um fato assumido por

Jeremias Pina e seus colaboradores, o mesmo não se pode dizer em relação ao seu lema,

princípios e objetivos. Pautados pela mesma filosofia que orientou o Echos de Loriga na

cidade de Belém, a única “novidade” é que essa nova iniciativa não se faz por ato solitário ou

vontade própria do seu redator, pois, segundo consta, vem lastreada pela íntima comunhão

de interesses com “a mocidade loriguense [que] de há muito vem empregando o seu esforço

e sacrifício para a verdadeira regeneração dos seus costumes”, em constante luta contra a

corrupção dos valores morais, “a degradação e oppressão que por formas diversas

apparecem dia a dia n’essa sociedade humana em que os dogmas ou seitas de todas as

naturezas lançam as suas garras de anniquillamento e obstrução”. Princípios em que

Jeremias Pina reiterava insistentemente em todas as oportunidades que se fazia necessário

conclamar pelas responsabilidades sociais e patrióticas dos conterrâneos efetivamente

comprometidos com o futuro “d’esse pedaço da comunhão portugueza, d’essa particula de

terra em que nasceu o grande Viriato, que deu principio a historia gloriosa de nossa Patria”.

Seu idealismo persistente retorna desta feita com bastante ênfase na sua grande ideia

utópica de que “Loriga se prepara para destaque nos grandes feitos, esperando de futuro

elevar-se a estrella fulgurante nos destinos da liberdade da Patria e do livre pensamento”.

Uma utopia cuja legitimidade e autoridade de dizer vêm da força representativa dos feitos

loriguenses desterrados em “paragens longínquas” de além-mar, e que tudo fazem em

benefício da promoção e do “progresso do seu berço querido”. É d’estas paragens longínquas onde com afan os filhos de Loriga se entregam, sob um clima tropical, ás luctas da vida moral e material que, saudosos e offegantes pelo progresso do seu berço querido, levantam altivos o grito da instrucção, estimulando os seus irmãos de Loriga, que d´alli nunca se arredaram, a proseguir n´essa tarefa gandiosa que há tempo incetaram, levar a instrucção aos espiritos envoltos nas densas trevas d´essa grassa ignorancia.

No realce deste dever cívico e patriótico dos autodenominados “expatriados das

serras”, que se materializam “na sua tarefa altruistica” de tudo fazerem pelo “torrão

abençoado onde receberam a primeira luz da vida, onde creanças se dedicaram aos

brinquedos infantis, recebendo os ternos carinhos da mãe extremosa”, transparece os traços

de uma identificação básica que, segundo Jeremias Pina, se afiguram como o verdadeiro

símbolo que mais caracteriza o vir a ser dos loriguenses na Amazônia e os distengue dos

demais patrícios.

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Distinguindo-se entre tantas colónias que se disseminam pelo Brazil, pela sua grandeza d’alma na pratica do Bem, nas causas que pedem o cumprimento sagrado do dever, elles, estes moços em que brota todo o fervor d’um patriotismo que dignifica, procuram dar ao seu berço o que a descuração de quem os representa nos poderes competentes, negam dar-lhe.

Um traço distintivo que não remete obviamente para uma identidade essencial entre

os loriguenses, mas construído e habilmente manipulado por Jeremias Pina como um dos

elementos preferidos para legitimar e colocar em prática a sua ação social. Estratagema

usual percebido por sociólogos contemporâneos para realçarem o complexo jogo identitário

entre grupos étnicos no decurso de suas interações sociais, cuja finalidade é “exprimir a

solidariedade ou a distância social, ou para as vantagens imediatas que o ator espera obter

pela apresentação de uma identidade étnica”, em precisas e determinadas circunstâncias em

que a ênfase identitária se faz imprescindível nesse jogo, segundo os argumentos que

Poutignat e Streiff-Fenart utilizam para conceituarem a própria noção de saliência ou realce

entre grupos étnicos e comunidades imigrantes. Ela exprime a idéia de que a identidade é um modo de identificação em meio a possíveis outros; ela não remete a uma essência que se possua, mas a um conjunto de recursos disponíveis para a ação social. De acordo com as situações ele se coloca e as pessoas com quem interage, um indivíduo poderá assumir uma ou outra das identidades que lhes são disponíveis, pois o contexto particular no qual ele se encontra determina as identidades e as fidelidades apropriadas num dado momento. (POUTIGNAR; STREIFF-FENART, 1997: 168 e 167).

Neste aspecto, a ação de Jeremias Pina foi exemplar, principalmente quando se fazia

através dos seus próprios empreendimentos jornalísticos, na permanente e necessária

vigilância que sempre procurou manter contra a incúria dos maus políticos e

administradores do “amado torrão”. Particularidade que não deixa dúvidas na sua histórica

luta contra os desvios da Filarmônica e do poder constitido em sua terra natal, e que não

poderiam faltar nas páginas do primeiro número do Povo de Loriga, um típico jornal de autor

único igual aos anteriores que fundou, persistindo numa tendência um tanto defasada para a

sua época, não obstante ter sido uma prática peculiar nas primeiras décadas do século XIX,

quando dos primórdios da imprensa no Brasil. O simulácro da contemporaneidade vinha

pela agressividade das suas críticas em defesa da terra natal. Os homens de quem queremos fallar são os que a si tomaram a vara da politica local, ha longos annos, que, valha-nos a verdade, têm-se feito umas figuras de cêra, servindo apenas para darem echo n’uma exposição de ceramica. Porque, convictos da nossa missão de pequenos chronistas, a nossa confrontação dá em cheio, pois, que papel desempenham essas figuras de cêra?

Evidentemente que Jeremias Pina não era uma voz isolada e pouco representativa

entre os seus patrícios loriguenses. Enquanto sujeito que atua em campo social específico,

com ações concretas e conscientes que orientam sua forma de existência e de pertencimento,

torna-se num indivíduo importante, muito próximo daqueles imigrantes “com um

posicionamento central e que mantém um elevado nível de contactos com a terra natal,

funcionando como nódulo de intersecção de um circuito por onde passam informação,

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recursos e identidade”15. Por outro lado, sua posição social de destaque, reforçada por outros

fatores convergentes, a exemplo de encarnar na sua discursividade uma história comum de

desterro, integrar na sua prática quotidiana postura de uma linhagem familiar que havia

reunido prestígio e fortuna no país de acolhimento, faziam-lhe uma personalidade de relevo

dentro e fora de seu grupo de pertencimento, como integrante de uma rede social bem mais

vasta16. E se não bastassem estes atributos sobre sua personalidade, a sua condição de

letrado e homem de imprensa aumentava ainda mais a sua proeminência social, conferindo-

lhe prerrogativas de porta-voz da colônia, com legitimidade suficiente para advogar em

defesa das causas coletivas. E O Povo de Loriga, nome que emprestou para este seu novo

jornal, veio ao encontro de seus anseios que, diga-se de passagem, não eram exclusivamente

seus como aparentemente pode transparecer, mas compartilhado por um conjunto

significativo de loriguenses residentes em Manaus e Belém. Agora, a contundência das suas

palavras não podia ser confundida com os Echos de Loriga ou com A Voz de Loriga, mas por

um outro nome carregado por uma abstração bem mais poderosa: O Povo de Loriga. E será

em nome deste “povo” que Jeremias Pina fará a justificação para suas mais diversas e

radicais críticas. Se assim o fazemos, é porque nos assiste o direito de defendermos os interesses do povo, tornando-nos advogados d’uma causa nobre, altruistica, fazendo os semi-deuses dos destinos d’um povo infeliz, enveredar pelo caminho da redempção, ou do contrario recolherem-se ao silêncio da sua pequenez, deixando de apregoar pelas trombetas do seu porta-voz, um prestigio iniquo, ôco, sem paginas nos annaes dos homens que trabalham n’um terreno firme e não falso.

Assim, quer em seu nome, ou em nome do Povo de Loriga, suas críticas não eram

passíveis de serem submetidas à prova, seja qual fosse a circunstância; escritas em prosa ou

em versos, em sátiras ou ironías, elas eram autoproclamadas como a própria expressão da

verdade e da justiça. E em tudo encontrava motivos e pretextos. Em seu artigo sobre a morte

de Francisco Ferrer “O Martyr do Bem”, revela uma estreita afinidade com o pensador

anarquista catalão, “martyr da justiça, da liberdade e do bem”, “morto às mãos de Affonso

XIII”, “crime perpetrado dentro das muralhas sepulchaes do forte-cemiterio e immundo de

Montjuich”, em 13 de outubro de 1909, simplesmente por apregoar um projeto de educação

libertária, “por semear a instrucção, levando a luz da redempção á juventude dos dois sexos,

apontando-lhe o caminho da independencia, da consciencia livre, do direito e da justiça,

ensinando-os a amar e confraternizar na escola da egualdade”. De igual forma como

15 Para uma compreensão do conceito de campo social transnacional enquanto “conjunto encadeado de múltiplas redes de relações sociais através das quais se trocam, organizam e transformam, de forma desigual, ideias, práticas e recursos”, com a consequente distinção entre formas de existência e formas de pertença, cf.: LEVITT e SCHILLER, (2010: 35). 16 Neste particular, Jorge Fernandes Alves sugere o uso analítico da noção de “rede”, alertando que: “Isto implica que, ao nível metodológico, se desça ao nível do emigrante e do grupo familiar para seguir trajectórias e dependências, se restrinja o espaço de análise para a intensificar e delinear relações mais complexas, sem deixar de articular os resultados assim obtidos com os factores estruturais e históricos, pois não podemos esquecer a dimensão económica ou, por exemplo, o simples facto de que é a construção da nação e da sua linha de fronteira que, em última instância, define a emigração, afinal um movimento entre dois espaços de referência”. (ALVES, 1998: 413-424).

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Francisco Ferrer, comungava com ideais antimonarquicos e anticlericais. Para ele, “O rei é o

mal, a vergonha, o opprobio e dagradação de um povo”, em contraposição ao cidadão que “é

o bem, a piedade, a benevolencia e o salvador d’uma Patria. Porque com uma só bala, faz voar

os miolos d’um rei, resgatando a Patria ás mãos do verdugo”. Mesmo que lamente a ausência

desse ato patriótico e heroico, não deixa de conjecturar sobre o que brevemente irá

acontecer com as monarquias portuguesa e espanhola, quando diz: A natureza está muda. Assiste calada ao baquear das instituições corruptas da Peninsula Eberica. A Hespanha estorce-se em convulsões fatidicas ás mãos de Affonso XIII, e Portugal agonisa desde o despotismo de Carlos I”.

Na sua perceção, havia fatos novos, uma nova conjuntura que se esboçava com o

entendimento que tinha da proximidade da completa derrocada da mornaquia em Portugal,

“uma questão de tempo”, então timidamente profetizada nas páginas do Echos de Loriga, em

meados de 1909, mas agora, um ano depois, de forma resoluta e incisiva. Por outro lado, a

emergência de uma intensa mobilização republicana em Manaus e Loriga, assegurava-lhe a

certeza de se tratar de um momento especial, oportuno e adequado para aprofundar o seu

radicalismo e avançar destemido com o seu ideário. Em Manaus, mesmo sem filiação

político-partidária, fez-se solidário com os republicanos patrícios, divulgando

entusiasmadamente a notícia de que eles haviam enviado uma corajosa mensagem de

solidariedade ao lider dos republicanos em Portugal, deputado Afonso Costa: A mensagem verberava inergica repulsa aos monarchistas que n’esta hora de incertesas para a Patria e se teem arvorado em degradantes parasitas e tyrannos do povo portugues, e inaltecia a maneira como o deputado republicano combateu tenasmente o negocio Hinton que locupletava as algibeiras dos ladroes do trabalho do povo, gatunos esses que vivem abrigados á sombra da monarchia e das gentes do palacio das necessidades. A mensagem assignada por 60 republicanos, terminava por protestar o voto de solidariedade dos signatarios, na proxima implantação da Republica. A alma portuguesa vibra enthusiasta pela sua independencia democratica, em todos os recantos do mundo em que se encontra. Ainda bem que a alma Luza é a mesma dos tempos idos em que as estrophes do wate echoavam ao toar dos canhoes e de: “A’s armas e os barões assignalados”. 17

Por outro lado, a condenação em Portugal do jornalista França Borges, repudiada

pelos republicanos portugueses residentes em Manaus aumentava ainda mais a sua

indignação contra o regime monárquico. O pequeno telegrama que dirigiram ao jornal

lisboeta O Mundo condenando o ato é transcrito: “Mundo, Lisboa. Republicanos portuguezes

protestam injusta condemnação França Borges saudam defensor sua attitude”. Epsódio que

Jeremias Pina logo transforma em matéria que explora num longo artigo planfletário, contra

a “nefasta monarchia” que “ha de rolar ao sorvedouro dos exgotos putrefactos”, junto com

“esses esbirros que se dizem juizes, orgam da Justiça, e que se atholdam simplesmente a

servir de instrumentos criminoso d’um sceptro ja no seu fatal eclipse, são apenas, com

17 “Noticiario”. In: O Povo de Loriga. Manaus, 18 Jul. 1910, p. 3-4.

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vergonha o dizemos, liberticidas e patricidas”18. E avança para espicaçar com mais revolta a

monarquia e as suas instituições jurídicas formais: Agora mesmo acabam de mostrar ao Universo, que contamina a sede de desgraças e miserias, pois, os juizes que julgaram o grande marthyr da liberdade do povo portuguez, o pujante jornalista França Borges, esses juizes, repito, sem respeito á toga que se diz a encarnação da justiça, calcaram e rasgaram a lei, e não obstante privarem e amôrdaçarem o deffensor do réo, não o deixando entrar em esclarecimentos de deffeza conforme é facultativa por Lei, auctoaram este como insultador ao tribunal e sentenciaram á condemnação monstruosa o réo que não teve deffesa nem tribunal legalmente constituido.

Por fim, reitera sua convicção em relação ao breve fim da agonizante monarquia em

Portugal: “Esta monstruosidade da Monarchia é da ultima hora. Mas daqui á ultima hora da

Monarchia – dessa réles rameira que arrastou á prostituição esse infeliz Portugal – não dista,

um decenio de mezes”.

Outra notícia lisonjeira que lhe havia enchido de entusiasmo e orgulho foi a criação

em Loriga do Club Recreativo Luzo Brasileiro, no dia 12 de junho passado, tendo à frente da

sua fundação um número expressivo de membros da colônia loriguense no Pará e Manaus,

que lá se encontravam. Diz a notícia: O club tem por presidente o distincto professor do sexo masculino n’aquella villa, sr. Pedro d’Almeida, o qual, no momento da inauguração aliciou, por espaço de uma hora, em oração brilhantissima, os resultados beneficos que aos povos traz o conjunto de edeas pela esphera associativa, enaltecendo os sentimentos dos loriguenses repatriados quando se trata de emprehendimentos nobres e altruisticos no levantamento benefico d’um povo por muito tempo vilipendiado e opprimido, negando-lhes os tiranos e sectarios do poder e do dinheiro, a moral e rejovenecimento progressivo.19

Bem mais que o discurso prolixo e laudatório do presidente Pedro d’Almeida,

obviamente que reescrito e realçado por palavras do próprio Jeremias Pina para compor a

notícia do evento, contava para ele a força do delírio e da agitação popular manifestos em

passeata pública pelas ruas de Loriga. Apos o incerramento da sessão, que teve por fim a inauguração e posse dos membros de directoria, o ilemento associativo e uma massa de duas mil pessoas, aproximadamente, tendo á frente a briosa banda da Philarmonica Loriguense, percorreran as principaes ruas da villa, erguendo vivas inthusiastas aos membros em evidencia n’aquelle meio, ás colonias loriguenses no Pará e Manáos, e no Brazil.20

Doravante, a natureza tinha voz, já não mais se via calado “o baquear das instituições

corruptas”, com o povo nas ruas para manifestar seus sentimentos, provavelmente um bom

sinal percebido por Jeremias Pina para investir na radicalização dos ânimos. E não havia

melhor espaço para fazê-lo do que através das próprias páginas d’O Povo de Loriga. E o

melhor pretexto para dar vasão ao seu anticlericalismo, um tanto contido nas experiências

anteriores, era avançar seus ataques de maneira radical e irreverente contra os jesuítas, uma

18 O Povo de Loriga. Manaus, 20 Ago. 1910, p. 3. 19 O Povo de Loriga. Manaus, 18 Jul. 1910. 20 Idem.

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ordem religiosa que nutria particular ódio mortal pela sua forte presença “nefasta” na

“realeza-clerical”, e “perniciosa” influência que exercia na própria vila de Loriga. No artigo

que escreveu sobre “O martyr do bem”, uma homenagem póstuma a Francisco Ferrer, deu

início aos seus ataques contra os “sectarios de Loyola”, concebidos como membros de uma

“seita sem dignidade e sem brio, vampiros da honra, do dinheiro, da liberdade e da vida

preciosa dos apostolos do bem e da livre consciencia, do direito e da justiça, das crenças

positivas e da tranquilidade da familia”21. Em seu artigo “Almas Podres”, escrito “com

esmagador despreso” no segundo número do Povo de Loriga, volta a atacar “os Loyolas das

trevas inacessiveis do Terreiro do Fundo”, “os Torquemadas que infelismente Loriga viu

nascer”, com o objetivo de alertar os conterrâneos sobre o perigo que representam “os

irmãos da seita Negra, miseraveis instrumentos da decadencia dessa pobre patria”. Essas féras que ahi vedes, queridos conterraneos, jamais tiveram a noção da consciencia que todos os bons possuem e poem em pratica. Entregaram-se aos infames sectarios da tal Companhia de Jesus, fingindo que são bons, para se acobertarem dos males que teem e continuam a espalhar. São esses jesuitas degredados ao mais torpe despreso dos caracteres altivos, irregulaveis poltrões de batina que querem amesquinhar pessoas de bem que valem mais pela sua vida moral do que seu ouro e beatices. Ernegumenos ferozes onde o odio

armou a tenda, e o perdão jamais teve guarida. 22

Sua luta contra o jesuitismo não conhece trégua. Dizendo-se acusado de maçon, sob

a ameaça permanente da excomunhão e vítima “após tantas luctas ardilosas” em torno do

seu nome, defende-se com um artigo que dá o título: “Padre que prevarica”. Na verdade, um

libelo contra o páraco de Loriga, no qual Jeremias Pina se mostra mais destemido e insolente. Quem de ha longo tempo vem residindo em Loriga, não será difícil encontrar a qualquer hora do dia ou da noite, um typo baixo, acaçapado, rosto deslavado ao poder de uma navalha e ás mãos do barbeiro, aliado á desfaçatez e cynismo que o caracteriza, ao alto da cabeça corôa de presbytero, com cartola posta ao de leve e provocadora ao mais tranquiberno gaiato, bengala em attitude de senhoril que poderá quebrar as proprias costellas de seu dono, emfim, ao seu todo um verdadeiro manequim para gaudio de sua propria presunção. É um padre marôto, vadio, notivago que agora apresenta-se na téla escorado a uma esquina, esperando a penitente que ha pouco foi ao confessionario lavar a alma por ter faltado á honra precisa com o almoço ao marido, para attender a outros mesteres do lar domestico, e d’aqui a pouco é um sacerdote que na egreja apresenta uma cara beatifica e de santo, mas a um dominuns-Vobiscum, enganando a fé do crente que o ouve, furta uma piscadela d’olho á amante, que n’um logar certo da egreja com olhar afogueado lhe assiste a todos os movimentos. ................................................................................................................. Esse padre é um verdadeiro rebento do mal, e vae mostrando com suas doutrinas falsas e ôcas, bebidas nos casarões sacros da cella e do confessionario, que o povo deve preparar-se para espulsal-o do seu seio, pois não é raro vêl-o rodeado das beatificas e santas mulheres, a toda hora do dia e da noite, mulheres estas que se deixam imbuir ás suas doutrinas lamorosas, sem pejo á sua honra de mãe e esposas. O Monsenhor glutão que desavergonhadamente se lança no atascadeiro do lupanar, vae ver com a sua lambarisse se põe o olho nú, e das suas lambisgoias. 23

21 O Povo de Loriga. Manaus, 5 Jun. 1910. 22 O Povo de Loriga. Manaus, 18 Jul. 1910. 23 O Povo de Loriga. Manaus, 3 Ago. 1910.

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Crítico ferrenho do clericalismo e das instituições clericais, Jeremias Pina não era um

ateu na acepção precisa da palavra. Vez por outra, quando inquirido sobre a razão das suas

críticas aos jesuítas, gostava de responder taxativamente, e aproveitava da oportunidade

para reafirmar a sua devoção por Deus e Jesus, de forma sublime e muito particular. Disse ele

certa vez: Não sei odiar. Sei castigar os maus, os despotas com esmagador despreso. É assim que vos trato porque mereceis muito mais desdem. Conheceis Deus? Conheceis o Martyr do Golgotha? Não! Pautae a vida pelos actos do Nazareno e tereis alcançado o conhecimento de Deus. Deus é a consciencia pura e limpida. Deus é a virtude personificada no bem geral e na caridade espontanea!24

Jeremias Pina também não era um anarquista ou libertário como tantos outros

gráficos, tipógrafos e jornalistas patrícios foram. Acreditava nos poderes constituídos e nos

homens públicos de uma forma tal que estampou em toda a primeira página do segundo

número do Povo de Loriga uma enorme gravura do senador pelo estado do Amazonas, Jorge

de Moraes, com os seguintes dizeres: É com palmas e applausos que os homens se elevam. E vós, povo amazonense, que sabeis retribuir com enthusiasmo de vossa alma viril, com palmas e applausos e manifestação espontanea, aos homens que trabalham para elevar bem alto o vosso nome, estou certo que sabereis cumprir com o vosso dever, estreitando em vossos braços, na hora opportuna, a estrella fulgurante e esperançosa de vossos destinos, no povir, o integerrimo deffensor de vossa causa. – O sr. senador Jorge de Moares.

Seu longo artigo como “homenagem d’O Povo de Loriga” pela data do aniversário do

senador Jorge de Moraes ocupa nada menos do que três das cinco colunas de toda a segunda

página, e vem todo ele ornado por uma sucessão de palavras de louvores, realçando traços

de sua carreira profissional enquanto médico e da sua trajetória política recente, escritos

como expressão do que considera “o dever indeclinavel de nossa admiração aos seus dotes

indistructiveis como honesto, virtuoso e parlamentar, caracter insinuante, e finalmente

interregimo deffensor das causas d’este infeliz povo que tantas vezes tem sido victima da

ignomia dos mandões que nasceram para destruir e não edificar”. Não menos laudatório é o

artigo que compõe e publica na mesma página para noticiar a passagem do aniversário do

então governador do estado do Amazonas, Antônio Bittencourt, transcorrido no dia 23 de

julho.

Suas manifestações de elogio para com determinados políticos do estado do

Amazonas era uma manifestação inequívoca de que Jeremias Pina, mesmo na sua condição

de imigrante português, se achava com pleno direito de interagir politicamente e manter-se

integrado no país de acolhimento, como de fato também fizeram vários de seus

conterrâneos, uns até mesmo de forma estrondosa e populista, como se depreende desta

pequena notícia: Apezar do exmo. sr. dr. Jorge de Moraes achar-se ausente d’esta capital, os seus admiradores não se esquecem da data do seu anniversario natalicio, e por isso,

24 O Povo de Loriga. Manaus, 18 Jul. 1910.

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hoje, os srs. Pina & Ferreira, da casa commercial A Brasileira, farão grandes demonstrações de apreço ao ilustre senador. A casa commercial A Brasileira, está hoje sobebamente ingalanada, tendo na fachada principal uma extensa facha de pano de linho, na qual se divisa, em letras salientes, o seguinte: “Dr. Jorge de Moraes. Salvé 18 de Julho”. A noite o edificio será illuminado a bações venesianos e demais conjuntos de forma a caracterisar uma illuminação dos costumes do minho, e entre as manifestações de apreço ao ilustre parlamentar, será distribuida esportulas aos pobres.25

Vale ressaltar que, imiscuir-se na vida política do país de acolhimento, não se torna

para o imigrante uma prática deslocada ou aberrante, mas parte de um jogo de interações

entre formas complexas de existência e pertença em contextos de campos sociais

transnacionais26. Isto é, essa dupla ligação com a terra natal, e o novo espaço de acolhimento

não caracteriza fenômenos diametralmente opostos ou excludentes, quando muito, variações

de sentidos e na intensidade do ritmo das oscilações entre um lugar e outro, ou seja: Se as relações e as práticas sociais transfronteiriças em que os indivíduos se envolvem constituem uma característica regular da sua vida quotidiana, então revelam uma forma transnacional de existência. Quando as pessoas o reconhecem explicitamente e realçam os elementos transnacionais que fazem parte de si, então também estão a expressar uma forma transnacional de pertença. Evidentemente, estas duas experiências nem sempre se encontram associadas. (LEVITT e SCHILLER, 2010: 38).

No rastro desse entendimento, fica evidente que um segmento expressivo de

loriguenses ao participar de forma ativa da vida política em Manaus e Belém, nada mais

estava a fazer do que o uso de um jogo no qual a integração política nessas duas cidades lhe

conferia status e tornava mais fácil gerir formas de mobilização suficientemente capazes

para intervirem com sucesso na própria vida política da sua terra natal, até então fortemente

marcada por uma profunda assimetria entre poder político e poder econômico que os

marginalizava. Dentre outros, o artigo “Nós e eles” que Jeremias Pina escreve para o terceiro

número d’O Povo de Loriga dá a dimensão exata da instabilidade política vivida em Loriga,

desse clima de marginalização entre aqueles que lançados na aventura da árvore das patacas

conseguiram angariar fortuna e prestígio, quando em relação comparativa com os

“marechais representativos junto às instituições e idéas politicas que nos regem”27.

Participação política que Jeremias Pina reivindica e entende como possível desde que seu

apelo seja ouvido pelos “homens de Loriga que se julgam colocados nas aras de Chefes”:

25 O Povo de Loriga. Manaus, 18 Jul. 1910. 26 O conceito de campos sociais transnacionais é de Levitt e Shiller que o distingue da noção de campo social nacional restrito: “definimos campo social como um conjunto encadeado de múltiplas redes de relações sociais através das quais se trocam, organizam e transformam, de forma desigual, ideias, práticas e recursos. Os campos sociais são multidimensionais, envolvem interacções estruturadas, com formatos, profundidades e amplitudes diferenciadas, que na teoria social são distinguidas pelos termos organização, instituição, e movimento social. As fronteiras nacionais não são necessariamente contíguas aos limites dos campos sociais. Os campos sociais nacionais são aqueles que se encontram confinados às fronteiras nacionais, ao passo que os campos sociais transnacionais ligam actores por vias de relações transfronteiriças, que podem ser directas ou indirectas”. (LEVITT e SCHILLER, 2010: 35). 27 O Povo de Loriga. Manaus, 3 Ago. 1910.

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É pois chegada a ocasião dos homens de Loriga que se julgam colocados nas aras de Chefes, mostrarem que são qualquer cousa, trabalharem pela instalação da luz electrica ao poder do seu ouro ou de sua influencia politica perante os poderes da nação, e dado isso, mostrarão que pensão já d’outra forma, compenetraram-se dos deveres a cumprir, e depois, aqui nos encontrarão prontos com a nossa colaboração em tudo que for útil ao berço, a si e a todos que vivam na orbita que nos diz respeito.

Mas quem são concretamente esses “nós” loriguenses até então alijados da

participação política em seu torrão natal? Para o caso específico dos loriguenses em Manaus,

o jornal O Povo de Loriga oferece indicações importantes que permitem perceber algumas

características sobre o perfil sócioeconômico desses “expatriados das Serras”. Entre os loriguenses que quotidianamente moirejam n’esta florescente capital, se destacam entre elles um grande numero que se dedicam a um mister trabalhoso, encongruento, penoso, que assim mostram cabalmente o quanto o loriguense é forte para as luctas insanas da vida, procurando, com todo o esforço e sacrificio, não olhando ás peripecias que um certo numero de trabalhadores acarreta, os meios de subsistencia e integridade moral. Queremos nos referir aos oleiros, na margem opposta a esta capital, onde alli se encontram esses grandes factores que produzem o tijollo que dia a dia vão servindo para a remodelação d’esta capital, levantando aqui e além de vastos, muito vastos, soberbos e magníficos palacios. ........................................................................................................... As olarias, no seu todo, são de propriedade de loriguenses, admittindo para seus serviços conterraneos nosso e de outros povos limitrophes a Loriga, tratando-os com carinho e facilitando-lhe os meios de auferirem grandes proventos. Entre esses abnegados proprietarios existe uma cordialidade indistructivel, um élo forte e inquebrantavel que causa inveja aos mais affectos á união d’um povo e d’uma classe, O sr. Joaquim Pina Pires, conhecido por Joaquim Velho, vulto proeminente entre a colonia e a classe, é uma alma que possue os mais nobres sentimentos, e de um tino incomparavel para o ramo da industria de que vimos tratando. Proprietario da olaria Fazenda, o sr. Joaquim Pina, que tem alcançado grandes meios de fortuna, é o decano dos proprietarios oleiros d’esta grande industria amazonense. Egual mensão temos a fazer dos srs. Francisco Duarte dos Santos, Antonio de Britto, Joaquim Pina Monteiro, Joaquim Monteiro e Antonio Gomes Leitão, os quaes bem merecem a apologia de todas as pessôas que possúem um coração justiceiro e bem formado. Já esquecia mais alguns dos que pertencem á classe, que são o sr. José Gomes Apparicio e Antonio Mendes Cabral.

Por outras informações dispersas nas secções “Vida intima” e “Noticiarios”,

depreende-se que além destes principais proprietários de olarias de Manaus, muitos outros

loriguenses amealharam suas pequenas e grandes fortunas em atividades comerciais

embrenhados pelos principais rios da Bacia Amazônica. No rio Negro, por exemplo, atuavam

vários loriguenses, como Armando Lopes de Brito e Plácido Duarte Pina, este último

emigrado em meados do século XIX, e mantendo o seu comércio na ilha de Ábada, nas

proximidades de Santa Isabel, cidade em que Alberto Duarte Pina Reis mantinha também um

florescente comércio. No rio Madeira, João Duarte dos Santos, filho de Albino Duarte dos

Santos, antigo proprietário de olaria na região do Cacau-Pirera, na margem direita do rio

Negro, do outro lado da cidade de Manaus, onde estava concentrada a totalidade das olarias

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dos loriguenses. No rio Solimões, José Mendes Cabral era um afortunado comerciante. No

distante rio Juruá, na fronteira brasileira com o Peru, Abílio Duarte Pina Reis tinha um

importante estabelecimento comercial na cidade de Remate de Males.

Nessas mesmas colunas, há informações importantes dando conta que havia aguns

loriguenses trabalhando como empregados no comércio. Fato também importante é que as

transações comerciais eram preferencialmente realizadas entre os próprios loriguenses,

como, por exemplo, nestas duas pequenas notícias: O sr. Abilio Duarte dos Santos, nosso amigo e conterraneo, adquiriu por compra o carro de gelo de propriedade do nosso conterraneo sr. Antonio Mendes Cabral. ** O sr. Antonio Mendes Cabral comprou a olaria que pertencia ao sr. Abilio Duarte dos Santos, a qual tinha sido comprada, ha pouco tempo, ao sr. Joaquim Pina Monteiro.

Outras informações sobre as atividades comerciais entre os loriguenses de Manaus

podem ser percebidas nos anúncios publicitários divulgados sempre nas últimas páginas do

jornal O Povo de Loriga, a exemplo da mercearia “A Brasileira”, de Pina & Ferreira; da

“Mercearia Parada Campelo”, de Pina & Gouveia; do “Café Manduca”, de Brito e Pina; além

das mercearias “Moura & Pina”, “A Loriguense”, “Mercearia a Democrata”, até anúncios do

pequeno estabelecimento comercial de J. Pinto Mateus, no quarto número um do mercado

municipal.

Numa visão de conjunto destas informações sobre as atividades sócioeconômicas

dos loriguenses, tudo indica ser defensável a hipótese de que eles, em Manaus, tenham se

estruturado a partir de um complexo jogo de relações familiares tipicamente patriarcais,

além de se constituírem numa verdadeira minoria comerciante, historicamente

compreensível28, e na justa forma que este conceito vem sendo pensado e explicado por

antropólogos contemporâneos. O que devemos entender por minorias comerciantes? Não devemos pensar que se trata de minorias que vivem exclusivamente do comércio; se interpretássemos o termo num sentido tão restrito, provavelmente nunca teriam existido minorias comerciantes. Entende-se por minorias comerciantes aquelas para as quais o comércio constitui uma actividade económica dominante, o que implica que uma parte relativamente grande do grupo étnico viva do comércio, que este desempenhe uma função importante na construção da imagem do grupo, tanto para o exterior como para o interior da própria minoria, e que essa atctividade tenha uma influência importante na cultura do grupo. Faz pouco sentido traçar fronteiras rígidas impondo, por exemplo, o requisito de que uma dada percentagem do grupo étnico tenha que estar activa no comércio para poder ser designada como minoria comerciante. No modo como aplico o termo, há, por conseguinte, exemplos mais e menos óbvios. (VERMEULEN, 2001: 109).

É muito provável que o jornal O Povo de Loriga não tenha ultrapassado os seus

quatro números iniciais, e tenha sido interrompido bruscamente e pela mesma razão que

28 As relações dos loriguenses com as atividades comerciais são históricas e remontam a meados do século XIX, quando muitos deles – chamados de cartagenos – andavam pelo país afora vendendo peças de lã feitas à mão, principalmente em regiões do Norte de Portugal.

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Fronteiras do Tempo, nº 4, 2013.

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levou ao fracasso o Echos de Loriga, em Belém. Seja como for, com o fim d’O Povo de Loriga,

com ele também se encerra um interessante capítulo da história da imprensa loriguense na

Amazônia. Desaparecidos do cenário jornalístico por mais de uma década, os loriguenses só

reaparecem através da sistemática colaboração que Joaquim Mendes Simão e Francisco

Mendes Campos emprestam ao Jornal Lusitano e A Colónia, como vimos, editados por

Godinho Ferreira, na cidade de Belém, durante a década de 1920. O primeiro deles, Joaquim

Mendes Simão, era provavelmente nascido em Fontão, Serra da Estrela, no final do século

XIX e emigrado de lá muito jovem e sem qualquer escolaridade. Em Belém, viveu vida

humilde como empregado comercial, depois vendedor ambulante de frutas até tornar-se

proprietário de uma pequena mercearia no Mercado de Ferro da cidade. Autodidata, com

acentuado pendor para as letras, em especial para a poesia, participou de todas as

associações portuguesas no Pará, chegando, inclusive, a exercer em algumas delas funções

diretivas. (BRITO, 2000: 198-199).

Nas páginas do jornal A Colônia, Mendes Simão experimentou um profundo

desconforto. Primeiro, quando foi acusado indevidamente de ter sido o autor das críticas

contra o jornal A Voz de Loriga29, e ter que exigir a publicação de nota esclarecedora: “Em Tempo” – Propalando-se, insistentemente, caber-me a mim a paternidade de um desaguisadi artiguete dado a publicidade em o último número deste jornal, sob o título “Na péle dos outros”, em o qual se fazem referéncias menos airosas a determinadas pessoas de Loriga, previno aos que me julgam ser eu capaz de escrever tamanho amontoado de sandices, que minha pessoa é inteiramente avessa a exibições dessa natureza, mormente quando for para ferir suscetibilidades de quem quer que seja. Publicação que me pertença, tenho por habito nunca furtar-me é responsabilidade de assiná-la com o meu nome próprio, ou pseudônimo bem conhecido (Joaquim Mendes Simão – JMS).

Posteriormente, quando identificou a autoria, teve que travar uma acirrada polêmica

com o conterrâneo Albano Fernandes Gomes que havia usado o pseudônimo de “Vu Fangue”

para denegrir o corpo redacional do jornal A Voz de Loriga. A partir de então, Mendes Simão

começa a enviar diretamente de Belém as suas colaborações para o jornal “A Voz” que acata e

publica na íntegra a sua resposta contra o conterrâneo Albano Fernandes Gomes. A partir

daí, o jornal passa a publicar outras colaborações de Mendes Simão, em especial alguns dos

seus sonetos. O poema “Canção do Exílio” era um tipo de colaboração potencialmente

problemática para ser publicada facilmente nos jornais da colônia portuguesa editados por

Godinho Ferreira, pelo inconveniente, na altura, de realçar as dores da partida, as agruras

vividas “em terra estranha”, ou redizerem sobre as dores da saudade da terra natal e da

infelicidade “de quem a Pátria não espera”. Uma representação dos seus sentimentos e

29 A Voz de Loriga foi um jornal bimensal efêmero fundado na pequena povoação de Loriga, na Serra da Estrela, Portugal, em 11 de maio de 1924, tendo como diretor e editor Antonio Cabral Leitão e como redatores Joaquim de Moura Simão Junior e Carlos Fernandes dos Santos. Tinha por subtítulo: “Defensor e Propagandista de Loriga e Serra da Estrela”, com uma linha editorial assumidamente bairrista. Seu principal objetivo era “pugnar pelos interesses de Loriga, combatendo, louvando e incitando estes e aqueles, tornando-nos assim algo dignos desta nossa querida terra”. O jornal teve larga aceitação na cidade de Belém do Pará, tendo como representante (delegado) e um de seus principais propagadores o comerciante e também loriguense José de Brito Crisostomo.

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daqueles outros loriguenses que tomavam a consciência que o sonho em busca da “árvore

das patacas” era completamente inatingível. Canção do Exilio São quinze anos depois! e ainda o pranto, Hoje, a inundar meus olhos, como então, A partida revejo com espanto E sinto a mesma dor no coração!

Ah! como tempo passa!... Entretanto, As maguas que cruciam não se vão!

Saudades, dores, pertinaz quebranto, Meu pobre peito alanceando estão!

O que mais me tortura e intristece, É ver que o tempo passa de era a era Sem que possa rever quem me estremece...

Ai! Triste de quem no exilio anda penando, Infeliz de quem a Pátria não espera

E em terra estranha sempre vai ficando!

J. M. Simão

Com Francisco Mendes Campos, a situação não foi diferente. Personalidade de

destaque entre os portugueses residentes no Pará, nascido na Vila de Loriga, em 1901,

emigrou para Belém um pouco antes de 1920, logo se dedicando ao magistério como

professor de português e contabilidade. Ainda segundo o seu biógrafo, foi “assíduo

colaborador do Jornal Lusitano e A Colônia, com artigos patrióticos sempre em defesa de

portugueses que eram vítimas de ataques e perseguições de uma minoria dotada de

xenofobia”.30 Ao lado de J. M. Simão, foi também um dos arautos de uma portugalidade

castiça e aldeã.

Um tanto descontente com os rumos do jornal A Colónia, editado pelo patrício

Godinho Ferreira, fez-se também um entusiasmado colaborador do jornal A Voz de Loriga,

granjeando simpatia e muito prestígio entre os membros do seu corpo editorial. Agraciado

pelo teor dos seus artigos, foi convidado para manter naquele periódico uma coluna

permanente que intitulou de “Cartas para Loriga”. Na verdade, Mendes Campos soube tirar

partido dessa situação e apostou fortemente num eventual efeito bumerang para as suas

colaborações. O seu primeiro artigo na sua coluna, estampado na primeira página do quarto

número da “A Voz”, mais do que um simples pleito de gratidão aos fundadores do jornal a

quem dedica “toda a expressão do meu sentir, e todos os liames da minha amizade e da

minha gratidão”, é a reafirmação de um patriotismo que ele faz revestido pela evocação de

um amor extremado por sua aldeia natal: E é dentro dos limites desse amor pátrio, que eu idolatro e venero a nossa Loriga de ontem, de hoje, de sempre, onde ficaram os meus primeiros sonhos e as minhas primeiras ilusões, onde aprendi a amar-vos e a querer-vos com o estremoso carinho de irmão. Eu vos bendigo e vos louvo, a vós que trabalhais na cruzada do

30 O descontentamento de Mendes Campos do Jornal Lusitano é progressivo. A edição de 30 de setembro de 1923 lança uma nota de pesar comunicando, a pedido, o afastamento de Mendes Campos da condição de secretário do jornal.

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seu esplendor, que a quereis grande, imensa, inimitável, - essa Loriga que para nós tem crepúsculos de oiro, auroras de alegria, noites silenciosas de luar majestoso, lindo olhares, fisionomia esbelta que sedusem como o canto das sereias. E como é belo evocar, nas sombras tristes de uma saudade que jamais se estinguirá, todas essas reminiscencias que só o espírito de quem dela se ausenta, á aventura, para correr, mundo em fóra, atrás dos desenganos, fatais, impressionantes, só esse espirito é capaz de sentir uma lagrima ardente, emocionante, onde se espelhem desgostos e tambem alegrias, sofridas e sentidas sob o azul do firmamento, ou

entre as quatro paredes de um gabinete de trabalho.31

Diante de tão expressiva manifestação de Mendes Campos, e consciente da aceitação

do jornal em terras brasileiras, o jornal A Voz de Loriga dedica o seu editorial seguinte “Aos

nossos conterraneos no Brazil”, com apelos para “que a congregação dos filhos de Loriga,

seja um bloco compacto e inexpugnavel, que não trepide ante algum obstaculo”. Apelos esses

que o jornal fazia questão de dizer que era pela consciência de “quão grande é o ‘bairrismo’

desses sobremodo dignos filhos deste caminho da Serra da Estrela, que afrontando

impávidos todos os perigos, daqui se vão em demanda, não exclusivamente do seu progresso,

mas tambem do da terra que lhes serviu de berço”32. Manifestações idênticas vão se

sucederem ao longo das edições seguintes, algumas das quais, em caráter pedagogico a

evocar feitos pretéritos da História de Portugal, vazados numa compreensão de típica

epopéia expansionista sem a qual seria difícil pugnar por um efetivo patriotismo. Assim, fez

Pedro de Almeida, professor de primeiras letras de Loriga, em seu longo e prolixo artigo-

homenagem dedicado “Às Colonias de Alem-Mar; Pará e Manaus”, condensando fatos

históricos, epopeias de Viriato à Vasco da Gama, de heróis santos e heróis mártires à célebre

Diu e Isabel da Madeira que segundo ele “resumem numa só palavra – patriotismo”. Tudo

para dizer, ao final, “Salve, saudosas e honradas Colônias loriguenses do Pará e Manaus”. 33

Enquanto espaço que se propunha de plena liberdade para os irmãos distantes, A

Voz de Loriga não se furtava em receber colaborações que dessem ênfase para a coesão

étnica, o sentimento de unidade e solidariedade entre os loriguenses. As vozes dos seus

“irmãos” emigrados eram acolhidas indistintamente, mesmo aquelas que se faziam nas bases

das desilusões, da falta de perspectivas futuras e manifestamente na contramão dos mitos

ainda em voga da “árvore das patacas” e do Brasil como “terra da promissão”. Neste

particular, Mendes Campos se manifesta desiludido e escreve um artigo com conselhos

dedicados a uma imaginária jovem mãe loriguense que se vê confrontada pelo desejo dos

filhos que relutam em emigrar para o Brasil guiados por sonhos de ambição e por ideias de

riqueza. Seus conselhos são incisivos e dramáticos, forjados na sua curta experiência de

imigrante no contexto de uma cidade que atravessa um período de forte recessão econômica,

de fome e penúria e, como tal, muito pouco hospitaleira para com aqueles que nela aportam

em busca de melhores condições de vida. Diga a seus filhos, minha senhora, que vir para o Brazil, é, nada menos, do que vir amargar a crueldade do destino; passar noites em claro evocando as doces

31 A Voz de Loriga. Loriga, 22 Jun. 1924. 32 A Voz de Loriga. Loriga, Jul. 1924. 33 A Voz de Loriga. Loriga, 14 Set. 1924.

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imagens que cultuamos como santas, sentir a alma despedaçar-se ao contacto de golpes certeiros da sorte avara; chorar lagrimas de sangue e verter gotas fel; percorrer com duras e ásperas tiranias o calvario da vida; sentir em sonhos sobresaltados o declinar daquela que [ilegível]; enfim, vir para o Brazil, deixar a patria, equivale a fugir de tudo aquilo que nos anima e nos consola, nos encanta e

nos seduz.34

Em contato com uma realidade em que expressões do cosmopolitismo da Belle

Époque belenense ainda sobreviviam fortemente, o jovem Mendes Campos não deixa de

manifestar aos seus conterrâneos de além-mar o seu desconforto com determinadas

dimensões dos tempos modernos que lhes apavoravam. Um desses estranhamentos que teve

com elementos da modernidade foi o que chamou em “Cartas para Loriga” de “Os progressos

do feminismo”, tidos por ele como “aberrações da ordem natural”, “verdadeiras anomalias”,

“convenções bárbaras nascendo de um profundo desequilibrio mental, em prejuiso das

gerações futuras”.35 Ao pedir o apoio das mulheres loriguenses contra “esse avanço da nossa

malfadada civilização” por entender que elas sempre souberam respeitar “a sagrada gloria

das tradições”, avança numa explicação que dá a medida exata do seu conservadorismo e da

dificuldade para com as alteridades que se reconfiguram em outros espaços para além dos

restritos à sua aldeia natal: É que eu pertenço ao numero daqueles que atribuem á mulher o fundo moral de educação positiva do lar. Arrancar a mulher do lar, trasê-la para as tribunas dos congressos, dar-lhe entrada nas academias, receber-lhes a profissão de fé como advogadas e medicas, permitir-lhes os segredos e os conhecimentos da arte econômica e financeira, atirá-las, sem piedade, ás carteiras das repartições para fasê-las alheias ao preparo dos filhos, - inegavelmente é um ato de barbaridade que se não pode admitir e, muito menos, compreender.36

Suas críticas indignadas não ficam somente contra a inserção das mulheres no

mundo do trabalho, alcançam também as novas imagens que elas passam a adotar no espaço

público, dentre os quais, destaca temeroso o “recentissimo uso da bengala, profanando as

mãos setinosas e aveludadas das meninas”, ou a prática do “corte traiçoeira dos cabelos,

pautados á ‘la garçone’, um desdouro abominável”. E conclui: “Sentiu-se a invasão da

epidemia e o que se vê è uma detestavel promiscuidade, que não permite distinções”.

Segundo Maria Helena Santana, quando a moda do cabelo curto à la garçonne ou

joãozinho aportou em Portugal no início do século XX, esse tipo de ousadia, então

característica que singularizava as meninas rebeldes da época, também foi fortemente

criticado pelos segmentos conservadores da sociedade, principalmente àqueles ligados à

igreja católica que entendiam tratar-se de uma prática nociva, um verdadeiro atentado

contra a decência feminina. (Cf. SANTANA, 2011: 428-452). Assim, não é estranho que um

34 A Voz de Loriga. Loriga, 28 Set. 1924. 35 Já foi afirmado anteriormente, quando em análise sobre o comportamento de determinados poveiros, que a Belle Époque em Manaus e Belém sempre provocou sentimentos ambíguos e contraditórios no imigrante português. Ao agir no interior desse processo de modernização – quer pela forma como nela se insere, quer na percepção/reação que dela resulta – esboça comportamentos que vão da aceitação incondicional e deslumbrada da modernidade ao estranhamento reacionário e conservador. 36 A Voz de Loriga. Loriga, (17), Fev. 1925.

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ano antes de Mendes Campos lançar em Loriga a sua campanha contra a moda feminina

cosmopolita que observava indignado em Belém do Pará, o jornal português A Batalha, numa

edição de 1924, tece também comentários pouco elogiosos ao novo look da mulher moderna.

(SANTANA, 2011: 444). A derrocada da economia gumífera na Amazônia impôs o retorno de muitos

loriguenses, e o modelo de organização tipicamente patriarcal, fundado em complexas

alianças familiares que havia por décadas cimentado o sentimento de coesão e solidariedade

grupal entre eles, foi abruptamente desmantelado. Jeremias Pina, um de seus principais

porta-vozes, perde visibilidade no cenário jornalístico com o fim dos seus jornais. Joaquim

Mendes Simão e Francisco Mendes Campos, não encontram mais sobrevida na imprensa com

o término do jornal A Voz de Loriga (1925) e do jornal A Colónia, em 1927.

Dez anos mais tarde, em 1937, os loriguenses residentes em Belém do Pará

somavam um pouco mais de uma centena, um percentual insignificante se comparado com

os milhares do período áureo da borracha na Amazônia. Mesmo assim, conseguiram criar,

naquele ano, o Centro Loriguense, sob a presidência do infatigável Joaquim Mendes Simão,

como organização afirmativa de solidariedade e pertencimento com as suas origens. Mas os

tempos são outros. E a “voz dos expatriados das Serras” que outrora reverberava

publicamente pelas iniciativas de Jeremias Pina, fica doravante restrita em confabulações

íntimas que não ultrapassam aqueles limites. Quando muito, e vez por outra, ecoa para além

dele através da pena solitária do compatrício Eugênio Leitão de Brito, que manteve por

várias décadas sua colaboração nos jornais diários Folha do Norte e O Liberal, mas com

temática ampla versando “sobre assuntos da vida de Portugal”. (BRITO, 2000: 147-148).

Referências: ALVES, Jorge Fernandes - Perspectivas sobre a emigração - os estudos locais e regionais. Actas das

Segundas Jornadas de História Local, Fafe, Câmara Municipal, 1998, p. 413-424. BRITO, Eugênio Leitão de. Os Portugueses no Grão Pará. Belém: Conselho da Comunidade Luso-

Brasileira do Pará, 2000. LEVITT, Peggy e SCHILLER, Nina Glick. “Conceptualizar a Simultaneidade: Uma visão da sociedade

assente no conceito de campo social transnacional”. In MARQUES, M. Margarida. Estado-Nação e Migrações Internacionais, Lisboa, Livros Horizontes, 2010, pp. 27/61.

MATTOSO, José (Dir.) História da Vida Privada em Portugal, volume sobre “A Época Contemporânea”, organizado por Irene Vaquinhas, Circulo de leitores e Temas e Debates, 2011, pp. 382/427.

SILVA, Susana Serpa. “Sonhos e ideais de vida. Sonhos privados/sonhos globais”. In MATTOSO, José (Dir.) História da Vida Privada em Portugal. Vol.: A Época Contemporânea. Lisboa: Circulo de leitores e Temas e Debates, 2011, p. 382-427. (Volume organizado por Irene Vaquinhas).

POUTIGNAR, Philippe e STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da Etnicidade - Seguido de Grupos Étnicos e suas Fronteiras, de Fredrik Barth. São Paulo: Editora da UNESP, 1997.

SANTANA, Maria Helena. “Estética e aparência”, in VAQUINHAS, Irene (coord.). História da Vida Privada em Portugal: a época contemporânea. Lisboa: Círculo de Leitores/Temas e Debates, 2011, p. 428-452. (Col. Dirigida por José Mattoso).

SMITH, Anthony. A Identidade Nacional. Lisboa: Gradiva, 1997. ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz. “As micropátrias no interior português”. Análise Social, vol. XXIII,

(98), 1987 - 4º, 721-732. VERMEULEN, Hans e GOVERS, Cora. Antropologia da Etnicidade: para além de “Ethnic Groups and

Boundaries”. Lisboa: Fim de Século, 2003.

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Geraldo Sá Peixoto Pinheiro

Fronteiras do Tempo, nº 4, 2013.

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VERMUELEM, Hans. Imigração, Integração e a Dimensão Política da Cultura. Lisboa: Edições Colibri, 2001.

VERMEULEN, Hans. “Minorias comerciantes: uma introdução”. Obra citada, p. 109.

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Fronteiras do Tempo: Revista de Estudos Amazônicos, nº 4, 2013, p. 139-162.

ORALIDADE E LETRAMENTO NA PROVÍNCIA DO AMAZONAS

(1850-1889)

_______________________________________________________

*MARIA LUIZA UGARTE PINHEIRO

Em toda a Amazônia Colonial, os espaços de atuação das culturas europeias não

foram amplos o suficiente a ponto de fazer emergir uma sociedade colonial nova,

desvinculada das raízes culturais trazidas pelas sociedades indígenas milenarmente

estabelecidas no subcontinente. Embora tais sociedades estivessem submetidas desde o

século XVII a um vigoroso processo de dominação colonial, a pequena quantidade de brancos

foi uma das características marcantes deste processo. Fazendo um balanço retrospectivo do

quadro populacional do Grão-Pará, Ciro Cardoso argumenta que ali, o povoamento europeu e africano, até meados do século XVIII, não teve grande incremento. Quanto aos brancos, sua fonte mais regular foram ao que parece os soldados, que com frequência se uniam às índias e obtinham terras, desligando-se do serviço ativo (...) As “povoações de brancos” eram menos numerosas do que as “aldeias de bugres” no Pará. (CARDOSO, 1984: 102)

* Professora da Universidade Federal do Amazonas. Doutora em História pela PUC-SP e Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq.

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Maria Luiza Ugarte Pinheiro

Fronteiras do Tempo, nº 4, 2013.

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Com efeito, a presença de colonos portugueses tendeu a concentrar-se

majoritariamente no Baixo Amazonas, centro dinâmico da colônia, influenciada tanto pela

localização do aparato jurídico-administrativo, quanto pelo maior desenvolvimento das

atividades econômicas voltadas para a economia de exportação. Foi precisamente em Belém

(capital e única cidade do Grão-Pará até a década de 1830) e em seus arredores, que

passaram a se localizar as grandes fazendas e engenhos, as principais casas comerciais, os

consulados estrangeiros e a sede das principais ordens religiosas. Só até Belém chegavam as

embarcações comerciais vindas da Europa ou dos Estados Unidos, já que a navegação pelo

interior do rio Amazonas permaneceria fechada até a segunda metade do século XIX.

Fruto de uma maior dinâmica que segue a par com o desenvolvimento de uma

arquitetura urbana das mais imponentes no contexto brasileiro da época, a atividade cultural

da cidade de Belém se diferenciou bastante daquela desenvolvida no vasto sertão amazônico

e chegou a causar em muitos viajantes estrangeiros a impressão de verdadeira cidade

lusitana nos trópicos. (SPIX; MARTIUS, 1981; KIDDER, 1980).

Foi em Belém, portanto, que a vida colonial se desenvolveu em maior ligação com o

mundo europeizado, que também lhe servia de referência modelar. Embora seus tentáculos

se espraiassem pelo interior, a reprodução dos hábitos ocidentais no sertão amazônico não

se materializava com o mesmo vigor, dando antes a impressão de um quisto, destoando na

vastidão dos hábitos culturais indígenas.

Em fins do século XVIII, a população do núcleo “urbano” de Barcelos, capital e centro

populacional mais importante da Capitania de São José do Rio Negro – esta mais tarde (1830)

tornou-se Comarca do Alto Amazonas e, posteriormente (1850) Província do Amazonas –

refletia essa caracterização, pois dos seus 1.154 habitantes, apenas 231 eram brancos (mais

ou menos 20% do total), enquanto 756 eram índios e 167, escravos negros (CARDOSO, 1984:

143). O desenvolvimento posterior não modificou muito esse quadro geral e, assim, em 1852

a população branca de Manaus, capital da recém criada Província do Amazonas, mantinha

percentuais ainda mais baixos. Enquanto a população total era estimada em 8.500

habitantes, os moradores brancos somavam apenas 900 almas (ou 10,5% do total), contra

2.500 mamelucos, 4.080 índios, 640 mestiços e 380 escravos negros. (ARAÚJO E AMAZONAS,

1984: 112).

Como os números de habitantes brancos de Manaus sugerem, toda a região ocidental

da Amazônia vivenciou desde o final do século XVIII um quadro de retração socioeconômica,

materializado, inclusive, na redução drástica dos núcleos populacionais (Cf. MOREIRA NETO,

1988:38-39). Esse quadro decadente tendeu a se agravar ainda mais na primeira metade do

século XIX, em especial como decorrência das lutas contínuas que caracterizaram a

Cabanagem. 1 No final do período colonial e mesmo após, quando passou à categoria de vila (1832), com a denominação de Manaus, o núcleo populacional fundado pelos portugueses permanecia uma aldeia rural, imprensada entre o igarapé de São

1 Embora não existam estatísticas confiáveis, autores como Caio Prado Júnior (1986) sustentam uma taxa de depopulação elevada (em torno de 40.000 habitantes ou cerca de 1/3 da população da Província), devido principalmente à ferocidade da repressão entabulada pela Regência.

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Oralidade e Letramento no Amazonas (1850-1880)

Fronteiras do Tempo, nº 4, 2013.

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Raimundo e o do Espírito Santo, que só eram ultrapassados através de algumas trilhas que ligavam a vila com as roças e plantações existentes em seus arredores, copiando mal os padrões indígenas. Os igarapés eram cruzados em canoas ou pontes improvisadas. Quando os portugueses perderam o controle político, com a adesão do Pará à Independência do Brasil, em 1823, deixaram uma região demograficamente esvaziada e, no lugar das grandes habitações cônicas, palhoças de uma aldeia rural despersonalizada, onde quase 80% da população era composta de índios destribalizados e mestiços que não falavam a língua materna, com sérios problemas de identidade, e onde a qualidade de vida havia em muito se degradado. (FREIRE, 1983/1984: 171)

Desse ponto de vista, quando criada por lei imperial em 1850, a Província do

Amazonas é ainda um imenso território a ser conquistado. A presença de hábitos culturais

“ocidentalizados” permaneceram circunscritos a algumas poucas vilas, mesmo assim graças

a importantes “concessões” aos hábitos e costumes das culturas indígenas tradicionais: O

traçado “irregular” dos vilas, a presença teimosa da casa comunal, a indumentária, a

permissividade das relações extraconjugais, a língua; tudo, enfim, remetia muito mais ao

universo indígena regional que ao mundo do conquistador europeu.

Como se vê, nem mesmo Manaus, capital da nova unidade do Império, escapava a

essa caracterização. De qualquer forma, desde a década de 20 do século XIX, o seu sítio

“urbano” começou a apresentar um modesto crescimento, atraindo proprietários de áreas

decadentes como o médio rio Negro, região que desde a segunda metade do século XVIII

passou a sofrer inúmeras revoltas indígenas e a presenciar a destruição sistemática e o

abandono definitivo de vários núcleos coloniais.

Abrigando a sede da então Capitania de São José do Rio Negro, a pequena Vila da

Barra, foi também favorecida por sua localização. Na confluência do Negro com o Amazonas,

ela se vê a meio caminho das novas áreas de expansão colonial, cuja ação busca fazer frente à

presença mais visível e incômoda das povoações de origem hispânica, principalmente no

Peru e Bolívia.

Possibilitando acesso mais rápido ao Alto Solimões, ao Madeira e ao Negro, Barra

passa a concentrar a atenção de um Estado que se ressente de uma presença mais eficaz, não

apenas para a legitimação da posse e contenção das pressões colonialistas, mas acima de

tudo para impedir a repetição de movimentos rebeldes de grandes dimensões, como a

Cabanagem, cujas propostas centrífugas e autonomistas haviam sistematicamente sido

externadas. Portanto, quando a Província do Amazonas é criada em 1850, é antes como uma

tentativa de reconquista de um espaço que parece estar cada vez mais distante do controle

da sociedade nacional e entregue à sorte de populações mestiças e índias mal assimiladas e

portadoras de hábitos culturais tidos como inferiores e inconvenientes.

Por outro lado, o investimento estatal no extremo norte foi lento e incapaz de

modificar radicalmente sua estruturação colonial (Cf. DIAS, 1986). Exemplificação dessa

tensão, a Manaus elevada em 1848 à condição de cidade e em 1850 à de capital da Província

do Amazonas, continuará ainda a apresentar as feições coloniais de “tapera” desajeitada,

atraindo comentários irônicos da parte dos estrangeiros que a visitavam:

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Alfred Wallace (1850) queixava-se das ruas “onduladas e cheias de buracos, o que torna a caminhada sobre os seus leitos muito desagradável”. Agassiz (1865) define a capital da Província como “uma pequena reunião de casas, a metade das quais prestes a cair em ruínas”, e narra a sua participação, ao lado de Elizabeth Agassiz, em uma festa noturna oficial, quando os convidados, na ausência de carruagens, todos enfatiotados, foram obrigados a atravessar aos pulos as ruas enlameadas e escuras sob a luz exclusiva de uma lanterna. O engenheiro Franz Keller (1867) ironiza: “A despeito de seu pomposo título – Capital da Província do Amazonas – Manaus é uma cidadezinha insignificante de uns 3 mil habitantes. Ruas sem calçamento e pessimamente niveladas, casas baixas e cabanas de construção a mais primitiva sem nenhum cuidado de beleza arquitetônica”. (FREIRE, 1983/1984: 172)

No ambiente cultural amazônico, a presença da escrita é extremamente localizada e

marginal, dela só fazendo uso uma parte pequena da população branca, portadora de certo

nível de instrução. Nem mesmo os membros da chamada elite política, destacados pela

ocupação de cargos e funções públicas de expressão, pareciam possuir o controle normativo

da escrita. Em 1838, o então Presidente da Província do Pará lamentava contar entre os

Juízes de Paz com pessoas de “poucas luzes”, já que muitos não sabiam sequer ler e escrever,

“havendo alguns que até se assignão de cruz”. 2

Quanto mais afastado de Belém em direção ao sertão amazônico, mais restrito tende

a ser o espaço de inserção da cultura letrada. Um inequívoco exemplo da pouca presença de

leitores no Amazonas aparece materializado nas falas dos diversos Presidentes da Província,

nos momentos em que estes buscaram dar conta dos avanços da instrução pública, quase

que exclusivamente associada, naquele período, ao ensino das primeiras letras.

Compulsando os relatórios oficiais, o que emerge com insistência nessas falas, é um balanço

francamente negativo – pelo menos até meados da década de 1870 – quanto à eficácia da

instrução pública no sentido de alfabetizar e dinamizar o emprego do português (falado e

escrito) entre as populações locais.

Por outro lado, todos esses argumentos desconsideravam fragorosamente as

tradições culturais e étnicas, desprezando a diversidade linguística e cultural vigente na

região. Daí decorrer o fato do discurso sobre a alfabetização e a escolarização na província

assumir frequentemente características pragmáticas, impondo-se, por exemplo, a tarefa de

reforçar os laços de sujeição das populações de origem indígena no mundo hierarquizador

do homem branco.

Ainda no momento em que o atual estado do Amazonas estava associado à Província

do Grão-Pará, constituindo a então Comarca do Alto Amazonas, veio à tona um contundente

balanço sobre o ensino. Nele, o General Soares d’Andréa – notório pela repressão ao

movimento cabano – salientava a dificuldade em se conseguir “pessoas que saibam bem

gramática latina, para poderem ensinar gramaticalmente a língua vulgar”.3 Em sua avaliação,

a situação do ensino nas trinta e uma cadeiras de primeiras letras existentes na Província era

dramática, fato que ele atribuía ao

2 Relatório do Presidente da Província do Pará, Francisco Jozé de Souza Soares d’Andréa, de 2 de março de 1838. Belém: Tipografia de Santos & Santos Menor, 1838, p. 25. 3 Ibidem, p. 35.

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uso antigo de se acceitar para ensinar os primeiros rudimentos ha hum menino, uma velha, ou homem qualquer; e sem muito escrúpulo, se tem conservado o abuso de entender-se que bastão para mestres de primeiras letras homens que mal sabem ler, e de modo nenhum escrever certo e ainda menos contar.4

Esta era também a visão geral que se tinha do ensino primário em Manaus, já que em

1848, um dos vereadores (Gabriel Antonio Ribeiro Guimarães) da cidade, discursando na

Câmara sobre a caótica situação das escolas, chegou a lamentar “a triste sorte que espera a

juventude dessa Comarca, especialmente dessa Vila”, no que diz respeito à educação, e

comentava: Creados distantes dos collégios, não tendo uma aula de gramática, não cursando mesmo uma escola primária, porque não considero como escola uma caza em que pessoas destituídas de aptidões professionais, ahi concorrem para o atrazamento da mocidade. 5

No mesmo discurso, Ribeiro Guimarães sustenta a necessidade urgente de se criar

novas cadeiras de primeiras letras e propõe uma investigação, por uma comissão da casa,

para avaliar a capacidade técnica dos professores e os resultados do ensino nas escolas da

cidade. Já com a autonomia provincial estabelecida em 1850, os presidentes da Província do

Amazonas voltam a insistir na necessidade de investir recursos na construção de escolas e

dinamizar o ensino primário, tarefa que lhes parecia mais difícil de ser realizada pela total

inexistência de quadros profissionais capazes de exercer a docência.

Em janeiro de 1863, o então presidente Carneiro da Cunha, anunciando seus

esforços na criação de novas escolas, lamentava que, tendo posto a “concurso as escolas de

primeiras letras [que estavam] vagas, e findo o prazo marcado, não apareceu um só

pretendente”.6 O presidente também não guardava grandes expectativas quanto ao novo

concurso que deveria ser feito, achando inclusive que não haveria concorrentes, fato que o

obrigaria a recorrer ao paliativo da indicação de um professor interino. De fato, das 25

escolas de primeiras letras existentes em toda a Província do Amazonas, só 14 estavam

providas de professores, sendo que 12 delas por meio de interinos.

O recurso aos paliativos da docência interina acabava, quase sempre, em fracassos

retumbantes que precisavam ser remediados de forma pontual. Em muitos casos, o poder

público sequer podia avaliar a competência das pessoas que se apresentavam como estando

capacitadas para o ensino primário, principalmente quando se tratava de prover cadeiras em

escolas do interior da província, a várias milhas de distância da capital, que só podiam ser

alcançadas por meio de pequenas embarcações, em viagens que demandavam vários dias e

até mesmo semanas. 7

4 Ibidem, p. 34. 5 Ata da Câmara Municipal de Manaus de 22 de abril de 1846. IGHA. Documentos manuscritos (cópia), pasta 10. 6 Relatório do Presidente da Província do Amazonas, Dr. Manoel Clementino Carneiro da Cunha, de 19 de janeiro de 1863, p. 18. Fato semelhante acontecia quanto ao preenchimento dessa mesma cadeira no “Estabelecimento dos Educandos Artífices”, instituição destinada ao ensino de ofícios profissionalizantes (carpintaria, alfaiataria, sapataria, etc.), órfãos ou indigentes, na sua grande maioria índios recém-chegados a Manaus. 7 A denúncia de que os diretores da Instrução Pública não faziam vistorias nas escolas do interior da Província, aparece no Relatório do Presidente da Província do Amazonas, João Wilkens de Mattos, de 4 de abril de 1869, p. 599.

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Mesmo na capital esses problemas ocorriam, e os responsáveis pela Instrução

Pública viam-se, volta e meia, na obrigação de reconhecer o fracasso das nomeações

emergenciais, solicitando ao presidente da Província a demissão dos assim nomeados, como

foi o caso da professora Libânia Theodora Rodrigues Ferreira, demitida sob a alegação de

que “além de não entregar-se aos cuidados do magistério, absolutamente não conhece os

rudimentos gramaticais da língua que ensina”. Na sequência de seus argumentos, o Diretor

Geral concluiu mostrando não ser o caso da professora Libânia uma exceção, mas a regra

vigente em todo o ensino público local. Acerca dos “mais professores, [conclui o Diretor] bem

poucos estão nas condições d’ensinar: nem ao menos sabem escrever um offício de remessa

dos mappas de suas escolas”. 8

Os dilemas da educação no Amazonas manifestavam-se igualmente no ensino

secundário, todo ele realizado, até a década de 1870, em uma única instituição, o Seminário

São José, que se dedicava a preparar jovens aspirantes ao sacerdócio. Para não operarmos

com distinções regionais abruptas, convém lembrar que as deficiências do ensino secundário

eram gritantes em todo o Brasil, pois, como sustenta Jeffrey Needell, em geral, apenas as famílias de posse e posição tinham acesso à educação secundária no Segundo Reinado (1840-89) e na República Velha (1889-1930). Com o passar do tempo, um número crescente de filhos de negociantes, burocratas do escalão inferior e profissionais liberais conseguiram acesso aos colégios, mas a maioria dos nascidos fora do círculo das elites eram iletrados ou autodidatas. (NEEDELL, 1993: 74)

Embora o contexto geral do país seja ilustrativo, na Amazônia os particularismos

regionais ampliavam e agravavam a situação. Em uma região onde a língua portuguesa ainda

não havia se consolidado, a única cadeira destinada ao ensino secundário em 1852 (ano da

implantação da Província do Amazonas) era a de língua francesa. No ano seguinte, criaram-

se as cadeiras de latim, retórica e música e em 59, as de filosofia racional e moral.

Só em meados da década de 1860, é que o estudo da língua portuguesa foi incluído

como exigência do ensino secundário. A introdução de uma cadeira destinada ao ensino da

“língua e gramática nacional” foi defendida pelo então Presidente da Província, sob a

alegação de que tal estudo seria “sem dúvida muito mais necessário, que o da latinidade, a

quem falla a linguagem portugueza, por via de regra a menos cultivada entre nós e de todas a

mais ignorada”. 9

Por tudo isso, o ensino de primeiras letras atingia parcelas bastante restritas da

população regional, embora as autoridades locais insistissem, através de mirabolantes

formulações matemáticas, que a Província apresentava um quadro geral de ensino

equiparado ao do moderno mundo europeu. Em 1869, o Presidente Wilkens de Mattos,

lembrando que o número total de matrículas no ensino (primário e secundário) da Província

era de 8.497, argumentava:

8 Relatório do Presidente da Província do Amazonas, Antônio Epaminondas de Mello, de 24 de junho de 1866, p. 326. 9 Relatório do Presidente da Província do Amazonas, Adolpho de Barros Cavalcanti de Albuquerque Lacerda, de 1º de outubro de 1864, p. 105-6.

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E tomado esse número total, e confrontando com a população livre da província, está na razão de um matriculado por 5 habitantes, mais ou menos. A população livre é computada entre 42 e 45,000 almas. O termo médio desta estimativa é 43,500, cuja sétima parte é 6,214. Na França a razão entre o ensino e a população é de 1 aluno por 11 habitantes. Na Prússia, é mais favorável, 1:6. Não há, à vista destes dados, razão para dizer-se que nesta província não se trata da instrução. 10

A partir de tais números, emerge a surpreendente constatação de que, no Amazonas

daquele período, nada menos que 20% da população frequentava os bancos escolares. No

entanto, pelo menos por dois motivos básicos, é preciso questionar os argumentos

apresentados. Em primeiro lugar, a cifra populacional mencionada (42 a 45 mil habitantes) é

aleatória e parece tender a reduzir o número total de habitantes da província. Em segundo

lugar, o presidente se “esqueceu” de mencionar em seus argumentos que o número total de

8.497 refere-se à somatória de matrículas ocorridas ao longo de dezessete anos (1852-

1868), “detalhe” nada desprezível que, uma vez levado em consideração, tornaria gritante e

impraticável a comparação por ele efetuada.

Tomando-se não a simples soma dos alunos matriculados nos dezessete anos, mas

apenas a sua média anual, ou seja, 500 alunos, chegamos à relação de apenas um aluno

matriculado para cada 87 habitantes, o que equivale a pouco mais de 1% da população

indicada. Este percentual parece estar mais de acordo com a média nacional, se levarmos em

consideração que para o conjunto da população brasileira, “estimada pelo censo em 10

milhões de habitantes, o total de matrículas nas escolas primárias não passava de 150 mil

alunos”. (NEEDELL, 1993: 74-75)

Até aqui temos falado tão-somente de alunos matriculados e não dos que concluíram

com aproveitamento seus estudos. Com efeito, os exames anuais atraíam um contingente

muito menor, composto por alunos cujos professores indicavam como estando aptos a

responder satisfatoriamente às questões que lhes fossem formuladas.

Um balanço realizado a partir dos dados apresentados por Wilkens de Mattos indica

que a taxa de sucesso escolar no Amazonas era inferior a um terço dos matriculados no

ensino secundário, nos dezesseis anos que vão de 1852 a 1868, já que de um total de 624

alunos, apenas 167 foram examinados. 11

Na base do insucesso educacional da Província, estava – pelo menos até o final da

década de 70 do século XIX – o imenso fosso cultural que separava os diversos povos

indígenas do mundo hierarquizado, impositivo e violento dos colonos brancos. Estando as

populações nativas sujeitas a múltiplas relações de dominação e subordinação, era previsível

que o conjunto das instituições vigentes no mundo colonial amazônico fosse encarada por

elas com grandes restrições e reservas.

Assim, no Amazonas do século XIX, a instituição escolar, tanto quanto a igreja ou a

polícia, mostrava-se direcionada para a consolidação e manutenção dessa dominação, fato

10 Relatório do Presidente da Província do Amazonas, João Wilkens de Mattos, de 1869, p. 601. 11 Ibidem, p. 600.

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que explicaria, particularmente, a histórica resistência das populações indígenas da região às

instituições “ocidentalizantes” impostas ao mundo amazônico.

Atualmente, alguns estudos têm insistido no fato de que a forte resistência indígena

ao recrutamento militar na Amazônia do século XIX deveu-se ao fato de ele ter se

configurado como um novo mecanismo de dominação, escamoteando a continuidade de um

sistema de exploração dessa força de trabalho, muito semelhante ao escravismo. (PINHEIRO,

1998: 296; 359-363).

Da mesma forma, é legítimo supor que a recusa dos índios em participar do sistema

educacional da Província estivesse na identificação estreita entre o ensino e as relações de

trabalho vigentes desde o período colonial.

De fato, o tipo de educação ministrada no âmbito do Estabelecimento dos Educandos

Artífices, por exemplo, era toda direcionada para incutir valores culturais da sociedade

burguesa, com larga ênfase na valorização do trabalho disciplinado e contínuo como forma

de alavancar as populações autóctones de seu estado pretensamente inicial (e inercial) de

“barbárie”, visando alcançar formulações culturais tidas como adiantadas e superiores.

Em outras palavras, o universo do trabalho – tal como entendiam as elites locais –

era o único capaz de aproximar as populações indígenas regionais do estágio elevado de

“civilização”. O combate ao ócio, tido como o grande mal gerador tanto do atraso econômico

quanto de instintos maléficos da “plebe”, tornou-se uma das principais preocupações das

autoridades brasileiras ao longo do século XIX. Em todas as regiões do país, as estratégias

pensadas para combater o ócio passavam pela criação de instituições de “adestramento”

(BARREIRO, 1997: 131-149), capazes de disciplinar não só os grupos indígenas, mas também

as camadas populares dentro de uma nova lógica, condenando e reprimindo hábitos e

valores milenares dessas populações.

Este verdadeiro processo de “aculturação” estava na base de todo o projeto

educacional posto em prática na Província do Amazonas e seu exemplo extremado veio à

tona em 1858, com a criação do Estabelecimento dos Educandos Artífices. Na fala de seus

idealizadores, o educandário fora criado com o intuito de acolher meninos órfãos ou

indigentes existentes na capital da Província, preparando-os para o exercício de um ofício

específico no interior da sociedade colonial12. Além do mais, todas as autoridades públicas

locais viram a instituição do Educandário como uma alternativa emergencial para a falta

generalizada de mão-de-obra especializada em toda a região.

Embora a tarefa primordial do estabelecimento fosse a preparação para o mundo do

trabalho, o ensino de primeiras letras se impunha no educandário como condição necessária,

dado o caráter específico do alunado, quase totalmente composto por crianças índias recém-

chegadas a Manaus e que, na sua quase totalidade, desconheciam por completo a língua

portuguesa. Muitos desses “alunos” sequer falavam a língua geral (o Nheengatu), de uso mais

corrente na região, o que dificultava sobremaneira o enquadramento dessas populações no

cotidiano da cidade.

12 Uma breve e importante tentativa de recuperação do Educandário aparece em (ALVES, 1993-4: 91-105).

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A diferença linguística é aqui retomada apenas como ilustrativa do lado mais

aparente desse abismo cultural que separava os diversos povos indígenas da Amazônia do

mundo dos colonos brancos.

Em sua fala de 25 de março de 1872, o Presidente da Província do Amazonas

queixava-se aos Diretores de Índios no sentido de que atentassem para essas distinções

culturais quando do envio de índios para os trabalhos nas obras públicas provinciais, já que

em muitos casos, elas se mostravam tão acentuadas que, não só impediam a assimilação dos

índios como força de trabalho, mas também acarretavam um alto índice de mortalidade

entre eles. Pedi ao director geral que desse ordem à directoria do rio Branco para sobrestar na remessa que fazia de índios d’aquelle logar, visto como elles, acostumados a comer caça e peixe sem sal, ficavão doentes logo que uzavão comidas salgadas, passavão o tempo de sua estada na cidade sem prestar serviço algum, e além disso não fallavão o portuguêz nem a lingua geral. Fallecerão trez desses indios do rio Branco, dois na emfermaria militar onde tinhão sido recolhidos e um no barracão na nova matriz. 13

A incorporação de crianças índias a instituições disciplinadoras como o Educandário

trazia ainda para os grupos dominantes a conveniência de manter na cidade os parentes

adultos, favorecendo, assim, o combate ao “nomadismo” das populações locais, identificado

nos discursos oficiais como um dos maiores males que assolavam o país.

Mais recentemente, essa mobilidade exercitada pelos segmentos marginalizados da

sociedade brasileira tem sido recuperada como recusa deliberada às concepções burguesas

de trabalho, que valorizam tanto a rigidez disciplinar de horários regulares, quanto a sua

continuidade (BARREIRO, 1997: 131-149). A repressão ao ócio e à vagabundagem – práticas

cada vez mais tendentes a serem identificadas como criminosas – acabava produzindo no

interior das instituições educacionais mecanismos castradores de toda e qualquer noção

prévia de liberdade e/ou autonomia dessas populações marginalizadas, e o Educandário dos

Artífices foi um claro exemplo dessa situação.

De maneira bem diversa do caráter humanitário que seus idealizadores procuraram

apregoar, toda a estrutura do educandário foi montada de uma forma repressiva. Sua própria

localização, nos arredores da cidade, não deixava de denunciar o tipo de enquadramento

proposto, que assemelhava o educandário às famosas casas de correção, hospícios e

hospitais de varilosos, cuja população alvo era excluída de todo e qualquer contato com a

sociedade, pelo menos até que seus hábitos e/ou atitudes, tidos como desviantes, fossem

“corrigidos” ou adequados aos preceitos de “normalidade” vigente.

No caso dos alunos índios do Educandário, a instituição fazia as vezes de verdadeiro

purgatório, onde valores culturais milenares eram cotidianamente confrontados e

condenados como inferiores e/ou ineficientes, sendo então substituídos pelo ideário da

sociedade ocidental burguesa. Boa parte dos índios ali recolhida foi recrutada à força em

suas aldeias de origem, como forma de atrair (aldear) seus familiares para os trabalhos

(públicos e privados) na capital.

13 Relatório do Presidente da Província do Amazonas, José de Miranda da Silva Reis, de 25 de março de 1872. p. 353.

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Nesse cotidiano, a rigidez militar se impunha como norma fundamental do processo

de “aculturação”. Como sustenta Márcia Alves, a instituição pautava-se na introjeção de

tarefas regulares, marcadas por um horário pré-determinado que se estendia das cinco horas

da manhã às nove da noite em todos os dias da semana. Como esse cotidiano não se

estabelecia sem conflitos e recusas por parte dos internos, a necessidade de ações coercitivas

se impunha constantemente, com a proliferação de punições e castigos: Os meios disciplinares mais rígidos para “corrigir” os educandos podem ser observados no regulamento de 1873 que previa além das habituais advertências particulares ou em público, também castigos morais, privação de refeição, meia ração por até 4 dias, uso moderado da palmatória ... prisão simples ou com trabalhos; prisão incomunicável por até 8 dias; prisão incomunicável com diminuição de alimentos por até 48 horas; por fim a expulsão. (ALVES, 1993-4: 103-104).

Diante do rigor disciplinador e da concepção pragmática do preparo das crianças

índias para o trabalho regular dos ofícios no mundo colonial, a grande maioria das famílias

indígenas moradoras dos subúrbios recusava-se a entregar seus filhos aos professores e em

especial ao Educandário.

Essa recusa já fora sentida por Gonçalves Dias em 1860, ano em que entregou ao

Império seu relatório sobre a instrução pública na região. Em termos claros, ele reconhece

nessa atitude a pressão exercida pela dispersão geográfica e pelo nomadismo da população

indígena. Além do mais, como persistência de hábitos culturais seculares, os índios davam

aos seus filhos “a educação que tiveram”, e assim, conclui, não compreendem que eles

“careçam de mais nada”. Por tudo isso, dizer a um índio que mande os filhos á escola, que não os tire d’alli antes de aptos, é ordenar-lhe que mude radicalmente a sua norma de vida. E’ pois claro, que se pretende chegar á um resultado sem remover as causas que actúam em sentido contrário. Percam primeiro esses habitos de vida errante... 14

Anos mais tarde (1872), o resultado de outra inspeção escolar, a cargo do Diretor

Geral da Instrução Pública, Gustavo Adolpho Ramos Ferreira, chegou aos mesmos resultados: A indifferença da população pela instrucção da infancia provem da sua ignorancia, a repugnancia, da demora prolongada dos meninos nas escolas, de onde sahem no fim de 8 e mais annos com pouco ou nenhum resultado. Essa repugnancia, tornada contagiosa, é um verdadeiro mal, e o maior obstaculo para o desenvolvimento da instrucção primaria. 15

Convém enfatizar que ao problema do baixo nível de escolarização formal da

população (que pelo entendimento das autoridades públicas locais deveria contemplar o

controle normativo da língua falada e escrita), somava-se outro, também de grandes

proporções, mais ligado à força de uma tradição de oralidade16 herdada tanto das culturas

14 Apud: Relatório do Presidente da Província do Amazonas, Adolfo de Barros Cavalcanti de Albuquerque Lacerda, de 1º de outubro de 1864, p. 102-3. 15 Relatório do Presidente da Província do Amazonas, José de Miranda da Silva Reis, de 25 de março de 1872, p. 306. 16 Amparamo-nos aqui no importante e pioneiro estudo de José Ribamar Bessa FREIRE (1987). O trabalho foi publicado originalmente na revista Ameríndia, nº 8. Paris, CNRS, 1983, p. 39-83.

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indígenas regionais, quanto da sertaneja nordestina emigrada para a região nas duas últimas

décadas do século XIX. Trata-se de reconhecer que, ao longo de todo o século XIX, para a

maioria da população indígena regional, a língua portuguesa era ainda uma “novidade” não

de toda assimilada, já que em vastas áreas da Província a língua geral, ou “Nheengatu”, era

largamente utilizada como elemento básico de comunicação interna das comunidades. 17

Buscando demonstrar os dilemas da introdução do português na Amazônia, o

historiador José Ribamar Bessa Freire recuperou no relatório de Gonçalves Dias elementos

que davam conta dessa ausência de sintonia entre as políticas governamentais de incentivo

ao aprendizado e utilização do português bem como as práticas tradicionais de comunicação

das populações locais, que tinham por suporte o Nheengatu. Segundo o autor, a conclusão mais importante de Gonçalves Dias foi a de que o sistema educativo não funcionava porque a língua empregada na escola – o português – não era a língua falada pelas comunidades locais. O português era a língua oficial, sendo obrigatório o seu uso na escola, mas a maioria da população desconhecia esta língua e falava apenas o Nheengatu. (FREIRE, 1987: 41).

Com efeito, a decisão oficial de incentivar o uso do português pelas populações

aldeadas da Amazônia foi bastante tardia, e derivou de uma política dúbia e vacilante da

metrópole, no que diz respeito aos mecanismos que mais favoreceriam a efetivação da

dominação colonial em uma área francamente marginal do Império Português.

Acompanhando tais oscilações, Bessa Freire propôs uma periodização para a política de

línguas na região, destacando cinco momentos:

A) Fase de interpretes (século XVI) B) Etapa de implantação do Nheengatu (1616-1686) C) Expansão do Nheengatu (1686-1757)

- Com apoio oficial (1686-1727) - Sem apoio oficial (1727-1757)

D) Tentativas de portugalização (1757-1850) E) Processo de hegemonia da língua portuguesa (começa a partir de 1850 até os nossos dias). (FREIRE, 1987: 2).

A ênfase na difusão do Nheengatu no período anterior à administração pombalina

deveu-se, dentre outros fatores, à já salientada escassez de colonos portugueses, o que, ainda

segundo Freire, tornava inviável a adoção da língua do conquistador, tendo em vista que “a

ocupação lusa da Amazônia não estava definida e apenas começava a desenhar-se e que os

diferentes povos indígenas estavam ainda em plena posse de seus territórios”. (FREIRE,

1987: 14).

Coube ao Marquês de Pombal, por intermédio de seu meio-irmão, Francisco Xavier

de Mendonça Furtado, então Governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão, a tarefa de

reestruturar o controle metropolitano sobre a região, propondo uma série de medidas

radicais, dentre as quais, constava a proibição do ensino e do uso do Nheengatu e a sua

consequente substituição pelo português, agora no papel de língua oficial na colônia.

17 Ainda hoje a Língua Geral se mantêm ativa, principalmente no alto Rio Negro, onde muitas comunidades a utilizam de forma prioritária e até exclusiva.

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Embora desestimulado e proibido, o Nheengatu continuou a existir e até mesmo

expandir-se, favorecido tanto pelo vácuo da ineficiência burocrática lusitana, quanto pelo

agravamento da crise da dominação colonial, já manifesta desde a primeira década do século

XIX. Por muito tempo ainda, Nheengatu e português conviveram de forma conflituosa na

região, desenvolvendo funções específicas: A função do Nheengatu era de comunicação interna e seu uso era fundamentalmente oral, escolar, familiar e corrente, enquanto a língua oficial da colônia, a língua da administração, era o português, que desta forma, servia de elo comunicativo entre a colônia e a metrópole (...) Enquanto este primeiro nível estava ligado ao uso da mão-de-obra, o segundo dizia respeito ao funcionamento da própria máquina burocrática colonial. (FREIRE, 1987: 22-23 e 24).

À época da viagem de Gonçalves Dias, também a população branca residente na

capital da Província do Amazonas não demonstrava cultivar hábitos de leitura. Em que pese

o forte olhar etnocêntrico presente nos relatos de viajantes e naturalistas estrangeiros sobre

o Brasil (BARREIRO, 1988), tais relatos não deixam de ser relevantes para o estudo da

penetração de “inovações” culturais do mundo ocidental nos mais recônditos espaços do

país. Neste sentido, a impressão registrada pelo naturalista inglês Alfred Russel Wallace

acerca dos habitantes de Barra do Rio Negro (Manaus), é sugestiva da pouca articulação

existente, até então, entre o cotidiano regional e os marcos da cultura letrada: Os mais civilizados moradores de Barra dedicam-se ao comércio, podendo-se dizer que não conhecem outras diversões a não ser beber e jogar, se bem que o façam em pequena escala. A maior parte deles jamais abriu um livro e desconhece todo e qualquer tipo de ocupação intelectual. (WALLACE, 1979:110).

No Amazonas, as primeiras instituições culturais ligadas à prática da leitura

começam a surgir timidamente no início dos anos 1870, sinalizando uma tendência de

aumento da população letrada e a consequente ampliação do público leitor.

Em 1871, por ordem do Presidente da Província – na verdade, por força da Lei nº

205, de 17 de maio de 1870 – e como estratégia para a posterior criação de uma biblioteca

pública provincial, começou a funcionar em Manaus uma pequena “sala de leitura” com

acervo inicial de aproximadamente 1.200 livros.

Segundo Genesino Braga (1969: 45-46), um pioneiro dos estudos nesse campo, a

“sala de leitura” teve vida curta e deixou de funcionar em poucos anos. É possível associar

sua baixa assistência – em 1874 apenas oitenta pessoas consultaram quarenta e seis volumes

de sua coleção – à prevalência da oralidade como forma prioritária de comunicação interna

em toda a Província.

Lentamente, foram surgindo novos espaços de consumo das práticas de leitura,

aparentemente mais estruturados e atrativos, como o “Gabinete de Leitura” aberto em 1874

pelo comerciante Bernardo de Oliveira Braga. Montado com recursos próprios, o gabinete

passou a funcionar em espaço anexo a uma das livrarias da cidade. 18 Genesino Braga

18 O Almanaque Administrativo da Província do Amazonas para o ano de 1874 não faz nenhuma alusão a livrarias na Província e o Almanaque de 1884 registra apenas uma, a de Ernesto B. Pereira & Cª.

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descreve o Gabinete de Leitura, deixando notar seu caráter de espaço restrito às pessoas de

posse, já que ele era frequentado por assinantes mediante o pagamento de 3$000 por mês, podendo assim ler qualquer pessoa as obras ali disponíveis. Dizia um anúncio do “Gabinete de Leitura”: “Os proprietários deste estabelecimento têm já adquiridas cerca de 4.000 obras, e espera enriquecer o seu Catálogo com muitas outras que esperam da Europa e Rio de Janeiro”. (BRAGA, 1975: 63)

A Biblioteca Pública Provincial, empreendimento mais arrojado, duradouro e, em

tese, mais acessível aos leitores pobres, surgiu apenas uma década mais tarde, em 1883. Sua

montagem contou não só com o apoio decisivo do governo de José Paranaguá, mas também

com uma ampla mobilização popular. Em toda a Província, a população respondeu

positivamente às diversas subscrições levantadas para a compra de acervo bibliográfico.

Neste empreendimento, destacaram-se alguns intelectuais locais, como Bento Aranha e

Aprígio Martins de Menezes; sendo que, este último, quando de sua viagem para os rios

Javari e Purus, chegou a arrecadar a quantia de setecentos e vinte mil réis a bordo dos

vapores “Solimões” e “Tapajós”. (BRAGA, 1969: 63)

Para compor o acervo inicial da biblioteca, José Paranaguá chegou a contratar o

Barão Ramiz Galvão – então bibliotecário da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro – para

selecionar e indicar coleções e números avulsos que deveriam ser adquiridos na Europa e na

Corte. De Paris, vieram mais de mil volumes, despachados pelo porto de Havre. Da Corte, José

Paranaguá, socorrendo-se das indicações do escritor Franklin Dória, mandando vir obras

relativas ao Brasil e à Amazônia, que foram compradas diretamente ao livreiro B. L. Garnier.

(BRAGA, 1969: 61-63).

É possível fazer uma avaliação positiva da estruturação da biblioteca pública

amazonense, já que ela, desde sua inauguração, ampliou tanto o seu acervo bibliográfico –

que em 1884 era superior a 5.000 volumes – quanto seu público leitor, que passou a mais de

uma centena por mês19. Mas, de qualquer forma, ela já é fruto de um novo momento na

região, onde transformações estruturais começam a ser produzidas pela economia de

exportação ancorada na extração da borracha.

Já nesse período imediatamente anterior ao boom da borracha foi-se tornando

comum aparecer, nas páginas dos jornais, chamadas comerciais anunciando a chegada de

carregamentos de livros no porto da cidade. Nas propagandas, indicavam-se os títulos,

preços e assuntos abordados nos livros e coleções recém-chegadas. Por vezes, como no

Diário do Amazonas, esses anúncios chegam a ocupar páginas inteiras.

É possível argumentar que, mesmo com essas importantes inovações culturais, as

práticas de leitura vigentes no Amazonas até o final da década de 1870 ainda permaneceram

associadas ao consumo de uma pequena elite letrada local. Como salientou Luiz Miranda

Corrêa, no período imediatamente anterior ao frenesi da borracha, Manaus era uma “pacata

cidadezinha acostumada aos longos serões à porta das casas, em que a leitura e o jogo do

19 Ainda segundo Genesino Braga, só nos quatro primeiros dias, 122 pessoas foram a Biblioteca. Em agosto de 1883, o número de leitores/mês chegou a 244 e em janeiro do ano seguinte foi de 192. (BRAGA, 1969: 65-66 e 71).

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gamão ou do xadrez constituíam o divertimento maior das camadas mais altas da

população”. (CORRÊA, s/d: 33)

Com efeito, em todo o Brasil o consumo individual de livros tendeu a ser

principalmente obstaculizado pelo valor quase proibitivo das obras, sobre as quais pesavam

impostos diversos. Reproduzindo avaliações pessimistas de Monteiro Lobato, não sem razão,

Cruz sustenta a ideia de que, pelo menos até as duas primeiras décadas do século XX, o “livro

permaneceria entre nós como artigo de importação”. (CRUZ, 1994: 79).20

Com efeito, a circulação de livros no Amazonas deveu-se quase que exclusivamente à

importação. Os livros anunciados pelas livrarias de Manaus estavam longe do alcance

popular. Ao longo da década de 1870, livros vindos do Rio de Janeiro como o “Dicionário

Parlamentar” de Vieira de Castro ou “Nuvens Medrosas” de Torquato Tapajós (um escritor

amazonense) eram anunciados em Manaus ao preço de 2$000; enquanto o volume ilustrado

do livro do Barão de Marajó, “Do Amazonas, ao Sena, ao Bósforo e Danúbio”, custava 3$000.

(BRAGA, 1975: 64).

Por outro lado, o processo de editoração de livros no Amazonas foi tardio e bastante

modesto, pelo menos até o início da década de 1880. A esse respeito, as referências anotadas

por Genesino são ilustrativas. Este autor sustenta que na década de 1870 algumas

tipografias, além de editarem relatórios do governo, começaram a produzir “diversos

opúsculos”. Em 1877, a do Commércio do Amazonas “tirou uma edição de dois mil

exemplares da ‘Gramática da Língua Brasileira (Brasílica, Tupi ou Nheengatu)’”. Em 1874, a

tipografia do Amazonas havia publicado um romance com o título “Pai Domingos, ou o auctor

de um crime nefando”. (BRAGA, 1975: 64).

Ao contrário do livro, o jornal, tendo custo de produção menor, chegava com maior

frequência e intensidade aos leitores da Província, e assim, seu processo de editoração

começou mais cedo, com a própria montagem do aparato administrativo provincial, em

1852. A carência de tipografias no Amazonas foi uma característica marcante por longos

períodos, ensejando uma importante elevação nos custos de impressão, o que certamente

favoreceu a proliferação alternativa de jornais manuscritos e datilografados. (PINHEIRO, 2010: 473-487).

Não só no Amazonas, como em todo o país, a montagem de uma tipografia, por mais

modesta e artesanal que fosse, exigia investimentos elevados, tanto para a aquisição de tipos

e maquinários específicos, quanto para a contratação de profissionais qualificados para o

ofício. Werneck Sodré recuperou essa dimensão, ao reproduzir a fala de um importante

jornalista paulistano, no ano de 1869, quando este lamentava que no Brasil a imprensa vegeta sob o peso dos grandes salários do pessoal tipográfico ainda escasso, do custo exorbitante do papel e outros materiais importados, e mais que tudo, do gravoso porte de circulação, verdadeiras asas de chumbo postas à ave transmissora do pensamento – a obra do jornalismo no Brasil requer pesados sacrifícios pecuniários. (SODRÉ, 1983: 188) 21

20 O argumento de Monteiro Lobato reproduzido pela autora é o seguinte: “Hoje [no Brasil] o livro só é acessível às classes ricas e, no andar em que vai, nem a elas, acabando por figurar nas vitrines das casas de joias, como objeto de luxo”. (CRUZ, 1994: 79-80). 21 A mesma referência é salientada por Juarez BAHIA (1990: 42).

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A abertura de tipografias no Amazonas foi tardia e sua manutenção parecia não se

efetivar com facilidade. A primeira prensa local chegou a Manaus em 1851, motivada pela

necessidade de dotar a recém-criada Província de uma estrutura mínima que possibilitasse

seu funcionamento.

A convite do Presidente nomeado transferiram-se para Manaus inúmeros

profissionais paraenses, a cargo de quem ficaria a incumbência de tocar a burocracia

provincial. Dentre esses profissionais, estava Manoel da Silva Ramos, que “era hábil artista,

empregado na grande oficina tipográfica de Honório José dos Santos, em Belém” (FARIA E

SOUZA, 1908: 5). Coube a Silva Ramos tocar o primeiro jornal produzido no Amazonas, o

Cinco de Setembro, posteriormente transformado no Estrella do Amazonas, que saiu pela

primeira vez no dia 3 de maio de 1851.

É provável que a iniciativa jornalística de Silva Ramos só tenha alcançado seus

objetivos por força das demandas burocráticas que se impunham à recém-criada Província,

já que o empreendimento gráfico facilitava o processo de divulgação dos atos

administrativos do poder provincial. De fato, desde o início de seu funcionamento, coube à

tipografia de Silva Ramos, através de contratos oficiais celebrados com a presidência da

Província – o primeiro em 5 de janeiro de 1854 e o segundo em 4 de julho de 1856 –, atender

aos pedidos de impressão (editais, leis, relatórios, etc.) feitos por esta.

Embora ligações estreitas com a esfera da política dominante tenham marcado a

atuação de Silva Ramos no Amazonas – ele chegou mesmo a assumir um cargo público de

destaque (fiscal da Câmara Municipal de Manaus) –, sua tipografia não conseguia dar conta

integralmente da demanda oriunda da administração provincial, o que o colocava, muitas

vezes, em franca contradição com as disposições contratuais estabelecidas e suscitava a ira

das autoridades públicas locais.

Esse tipo de atrelamento fazia com que a “liberdade de imprensa” – supostamente

vigente durante o Segundo Reinado e constantemente exaltada por uma historiografia

simpática à Monarquia (Cf. CARVALHO, 1988) – fosse mera ficção no Amazonas, bastando

um breve comentário crítico à mais simples ação governamental para que vozes retaliadoras

se levantassem contra ela, exigindo fidelidade irrestrita. Neste sentido, as falas do poder

lembravam sempre que “um jornal, principalmente subvencionado pelo Governo, deve ser

muito discreto na apreciação dos fatos”. 22

Dez anos antes, e de maneira semelhante, Ângelo Thomas do Amaral, ao receber o

cargo de Presidente da Província, queixava-se dessa “inadequação” entre imprensa e poder, a

partir de episódios acontecidos no Estrella do Amazonas: A única tipografia que existe na Província é, como sabeis, a de Francisco da Silva Ramos, editor da Estrella do Amazonas, subsidiada pelo cofre provincial para publicar os atos oficiais. Sendo ele o único compositor dificilmente pode preencher as obrigações que contraiu... Livre na redação de sua folha, pode aceitar as publicações que tenham por fim denunciar abusos das autoridades, começando pela primeira da Província, que

22 Correio de Manaus, 2 dez. 1869. O alvo da crítica do Correio de Manaus era o Jornal “Amazonas”, que cumpria, nesta época, o mesmo papel (de divulgador dos atos oficiais) anteriormente associado ao Estrella do Amazonas.

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posto esteja sujeita a errar, tem consciência dos seus atos e não receia que sejam examinados...23

Tal vinculação com a órbita do poder não passou despercebida na análise de

Werneck Sodré que, enfatizando o caráter tardio do surgimento da imprensa em províncias

como o Amazonas ou Paraná, ressaltava que este lento desenvolvimento foi “geralmente

iniciado com jornais oficiais, oficiosos ou ligados aos governos provinciais”. (SODRÉ, 1983:

105). De fato, já em seu primeiro editorial o Estrella do Amazonas reconhecia essa

dependência, externando-a nos termos seguintes: “Contamos com a coadjuvação dos briosos

amazonenses e esperamos merecer a alta proteção do Exm. Governo da Província, sem a qual

não podemos continuar”. 24

Para um jornal assim patrocinado, os riscos de uma eventual contestação ao poder

eram sempre muito elevados, já que a simples queixa por parte das autoridades,

frequentemente tendia a tomar a forma de franca retaliação. Neste sentido, Faria e Sousa

anotou que, quando O Amazonas, em sua edição de 13 de abril de 1874, reprovou “o acto do

Presidente da Província que mandou fundir as companhias do Alto Amazonas e do Amazonas

Limited, foi rescindido o contrato que tinha para publicações officiais” (FARIA E SOUZA,

1908: 87). As consequências deste ato de rescisão foram profundas, já que, com isso, o jornal

perdeu sua característica de diário, passando no mesmo mês a sair apenas três vezes na

semana e, em outubro do mesmo ano, restringiu-se a apenas uma tiragem semanal. (idem, p.

88).

Com efeito, nos primeiros anos da Província do Amazonas, a quase totalidade da

impressão dos relatórios oficiais foi feita mediante encomenda a firmas estabelecidas na

Corte ou no Recife, sob a alegação de que a precariedade da única prensa local não permitia a

execução daquele serviço em Manaus. Em 1859, oito anos após a montagem da tipografia de

Silva Ramos, o quadro ainda era de limitações e precariedades, como indica a queixa

formulada pelo Secretário de Governo da Província: Não havendo na Província mais que uma Tipografia, e essa mal montada, aconteceu que só se concluísse a impressão do relatório, por V. Excª apresentado à Assembléia Provincial em 7 de setembro do ano findo, bem como a das leis promulgadas pela mesma assembléia, nos últimos dias do mês de março, o que deu lugar a que tarde se fizesse a remessa dessas peças oficiais a seus destinos: e mesmo tendo as leis sido inseridas na “Estrella do Amazonas” não o foi tanto a tempo, que pudessem ser conhecidas por todos os habitantes da Província, logo ao princípio do exercício corrente; porque aquele jornal, em pequeno formato, e falho como quase sempre anda, não pode oportunamente dá-las ao público, e nem isso admira, quando o expediente, que publica efetivamente está em atraso. 25

No mesmo período em que estas críticas vinham à tona, o naturalista Robert Avé-

Lallemant, ao receber do governo provincial um convite impresso para participar de um

23 Discurso do Presidente da Província do Amazonas, Ângelo Thomas do Amaral, de 1º de outubro de 1857. In: Relatórios da Província do Amazonas, vol. I (1852-1857). Rio de Janeiro: Tipografia do jornal do Comércio, 1906, p. 617. 24 Estrella do Amazonas, nº 1. Manaus, 7 jan. 1852. 25 Relatório do Secretário de Governo, Gabriel Antonio Ribeiro Guimarães, de 1º de maio de 1859. In: Relatórios da Província do Amazonas, vol. II, p. 283.

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baile, registrou a presença do Estrella do Amazonas de forma mais auspiciosa, reconhecendo-

o como um avanço importante no contexto regional e como verdadeiro emblema da

modernidade buscando reverter o “barbarismo” das populações regionais. Seus comentários

acabam também por confirmar a utilização da tipografia do jornal para a impressão de todo

tipo de material oriundo das demandas governamentais. Ao comentar o referido baile,

Lallemant dizia: Para esse baile foram convidados, por meio de cartões impressos, com letras douradas, todos os que em Manaus estavam em condições de ir a um baile. Um convite impresso com letras douradas para um baile no palácio do Governo de Manaus! Isso já é um sinal dos tempos. A quem, aliás, se admirar que em Manaus, no Rio Negro, já se imprima, observarei que lá já aparece um jornal, a “Estrela do Amazonas”, duas vezes por semana, impresso em grande quarto e em papel melhor do que da maioria dos jornais alemães, embora esta “Estrela do Amazonas” não estenda até muito longe seus raios de luz e não seja nenhuma estrela de primeira grandeza. (AVÉ-LALLEMANT, 1980: 151).

Foi só a partir de 1867 que as Falas, Exposições e Relatórios dos Presidentes de

Província passaram a ser impressos em Manaus, recorrendo o poder público, neste

momento, à tipografia do jornal Amazonas, de propriedade do português Antonio da Cunha

Mendes. Seis anos mais tarde, o Almanack Administrativo da Província do Amazonas Para o

Anno de 1874, trazia a informação de que funcionavam ali apenas três tipografias, todas

ligadas a jornais locais: a de Gregório José de Moraes, do Commércio do Amazonas; a de José

Carneiro dos Santos, do Diário do Amazonas e a de Manoel de Cupertino Salgado,

proprietário do Reforma Liberal 26. Dez anos mais tarde, o almanaque de 1884 também faz

referência a apenas três tipografias – de José Carneiro dos Santos, Antonio Fernandes

Bugalho e Azevedo & Cª. –, embora liste também o nome de vinte e um tipógrafos registrados

na cidade. 27

Uma “Imprensa Oficial”, só apareceria no Amazonas décadas mais tarde, em 1892, já

na administração de Eduardo Ribeiro, com o explícito objetivo de fugir, no dizer de Mário

Ypiranga, da pressão causada pelos “contratos com periódicos que a cada ano custavam os

olhos da cara ao Estado ou a Província”. (MONTEIRO, 1986: 9). De fato, por conta desse novo

setor deveriam correr toda a gama de impressos antes destinadas, sob contrato, a tipografias

de jornais particulares, como se pode ver do seu termo de criação: Art. 1. Fica criada a Imprensa do Estado, como órgão de publicidade oficial, destinado à publicação dos atos oficiais, debates do Congresso Amazonense, expediente da Secretaria de Estado e de outras repartições, crônicas do foro com os despachos e sentenças dos juizes e tribunais, o movimento detalhado do comércio e navegação, indústria, artes e ciência, operando no Estado, as declarações, anúncios, bem como as leis, decretos, regulamentos e mais atos que forem determinados no seu regulamento. 28

26 Almanack Administrativo da Província do Amazonas Para o ano de 1874. Manaus: Tipografia do Commércio do Amazonas, 1873, p. 79. 27 Almanack Administrativo da Província do Amazonas Para o ano de 1884. Manaus: s/ed., 1983, p. 173. 28 Lei nº 1, de 31 de agosto de 1892. (Apud MONTEIRO, 1986: 9).

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De qualquer forma, a situação das tipografias locais evoluiu com muita lentidão até a

década de 1880. Em 1874, uma matéria divulgada na primeira página do Diário do Amazonas

faz um balanço francamente negativo da situação financeira dos tipógrafos estabelecidos na

Província, razão pela qual estes empreendimentos apresentavam contínuos revezes. Nesta Província tem havido desde 1852, muitas tipografias. A da Estrella do Amazonas, o proprietário morreu pobre. Esta foi comprada pelo Sr. Antonio da Cunha Mendes, operário infatigável, que está pobre, e passou seu estabelecimento. A do Catechista, do Sr. Capitão Pará não pode aumentar-se. A do Correio de Manáos, do Sr. Dr. Sérgio morreu, seu proprietário não auferiu lucro algum. O da Reforma Liberal, vai sustentando-se, sem resultado. No meio de tudo isto, brilha a do Sr. Gregório José de Moraes, distinto proprietário de Manáos. Digam os sábios da escritura, Que segredos são estes da natura. O Sr. Carneiro também fará fiasco deixando só o distinto operário Tenente Gregório José de Moraes?! Há homens muito felizes. Ego sum, quis sum. 29

A situação crítica das tipografias e sua exiguidade no contexto regional analisado

não devem ser exclusivamente entendidas como de ordem material, já que a ausência de

trabalhadores especializados no ofício de impressão era marcadamente sentida em todo o

Estado. O número de tipógrafos habilitados permaneceu baixo até o momento em que a

expansão da economia gumífera propiciou a atração e contratação de um contingente

técnico, quase todo composto de europeus. Faria e Souza registrou essa carência de

tipógrafos qualificados, reproduzindo notícia do Amazonas: No dia 6 de Maio, o Amazonas não circulou e o motivo foi explicado na seguinte notícia dada na edição do dia 8: “CAVACO. Por haver adoecido na terça feira o único typographo de nossa officina deixamos por isso de dar o nosso jornal. De semelhante falta pedimos desculpas aos nossos assignantes”. (FARIA E SOUZA, 1908: 87).

Todas essas limitações técnicas até aqui salientadas e, especialmente o fato da

sociedade amazonense de meados do século XIX mostrar-se assentada na oralidade como

forma tradicional de expressão e comunicação, impõe um questionamento acerca das

possíveis relações que a introdução da imprensa – entendida enquanto principal

instrumento de difusão e dinamização da cultura letrada no contexto regional analisado – vai

manter com essa tradição de oralidade.

Desde o momento inicial de nosso envolvimento com o estudo da imprensa

amazonense, uma coisa sempre nos intrigou: como explicar a proliferação de número tão

grande de jornais num contexto regional tradicionalmente caracterizado como

culturalmente “atrasado”, onde a escrita, como se viu, só era partilhada por um grupo seleto

de pessoas “cultas” e onde grande parte da população sequer havia-se familiarizado com a

língua portuguesa?

29 Diário do Amazonas. Manaus, 4 jan. 1874.

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Talvez o entendimento desta aparente contradição possa ser iluminado se levarmos

em consideração o recente debate internacional acerca das relações entre oralidade e escrita.

De fato, uma abertura para a recuperação dessa relação/oposição oralidade/cultura escrita

tem vindo à tona recentemente no interior dos estudos acadêmicos e seu marco inicial deve

ser situado nos anos iniciais da década de 1960, quando um pequeno conjunto de estudos

antropológicos (embora nem todos o fossem) começa a aparecer, logrando grande difusão (o

exemplo maior seria o clássico trabalho de Claude Lévi-Strauss acerca do “pensamento

selvagem”). (HAVELOCK, 1995: 18)

O debate teve início com a retomada das posições tradicionais de antagonismo

bipolar; ou seja, a relação entre oralidade e escrita vinha sendo tradicionalmente recuperada

como sendo exclusivamente de oposição, dentro de uma perspectiva linear evolucionista que

entendia a emergência da escrita como um marco de ruptura com o passado oral que ela

tendia a sobrepor e excluir.

Em tais estudos, a presença da oralidade no interior dos grupos letrados era

recuperada como residual ou como arcaísmo, sobrevivência teimosa de formas “atrasadas”

ou “primitivas” de pensamento e expressão. Ela era percebida como estando ligada

exclusivamente aos estratos sociais incultos (em geral pela incapacidade do Estado de levar

os “benefícios” da alfabetização às margens do sistema) e, portanto, totalmente alheia aos

membros da chamada “cultura letrada”. Como salienta Walter Ong (1998: 16), “apesar das

raízes orais de toda verbalização, o estudo científico e literário da linguagem e da literatura,

durante séculos e até épocas muito recentes, rejeitou a oralidade”.

A percepção da oralidade e da escrita como campos opostos e antagônicos, tendeu,

no entanto, a ser gradualmente questionada, passando a comunidade científica internacional

a dar ênfase também às formas de sua articulação e interação, tipo de abordagem

pioneiramente desenvolvida nos estudos literários realizados por Milman Parry, Albert Lord

e Eric Havelock30. Este último, ponderando que oralidade e cultura escrita “individualizam-se

ao serem contrapostas”, sintetizou seus argumentos nos seguintes termos: É claro que constitui erro polarizá-las, vendo-as como mutuamente exclusivas. A relação entre elas tem o caráter de uma tensão mútua e criativa, contendo uma dimensão histórica – afinal, as sociedades com cultura escrita surgiram a partir de grupos sociais com cultura oral – e outra contemporânea – à medida que buscamos um entendimento mais profundo do que a cultura escrita pode significar para nós, pois é superposta a uma oralidade em que nascemos e que governa, dessa forma, as atividades normais da vida cotidiana. (HAVELOCK, 1995: 18).

A crítica sustentada por Havelock é decorrência direta do nível de amadurecimento

e densidade a que chegou o debate em pouco mais de uma década. Cada vez mais

especializado, seus contendores buscaram valorizar lados específicos da equação,

destacando o papel mais ativo ou dinâmico ora da escrita, ora da oralidade. Sem grande

esforço, essa tensão se evidencia na nada casual oposição sustentada a partir dos títulos das

30 A importância de Milman Parry (1902-1935) e de Albert Lord tem sido reconhecida por todos os estudiosos do assunto. Embora suas obras sejam tidas como fundamentais, até hoje não foram traduzidas para o português. Cf. (ONG, 1998: 14; HAVELOCK, 1995: 19).

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Fronteiras do Tempo, nº 4, 2013.

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obras de seus maiores expoentes. Dessa forma, como desconsiderar que Cultura Escrita e

Oralidade (publicada originalmente em 1982), de David Olson e Nancy Torrance se

referencie criticamente a Oralidade e Cultura Escrita, livro que Walter Ong havia publicado

uma década atrás. De igual modo, no entendimento da relação a partir do contexto latino

americano, a obra de Carlos Pacheco (1992) claramente buscou inverter a polaridade da

perspectiva presente no trabalho de Angel Rama (1985).

No interior do debate, foram se consolidando pontos consensuais importantes,

sendo o primeiro deles, a recusa dos tradicionais preconceitos formulados contra as

sociedades orais, qualificadas sempre de forma negativa quando relacionadas às sociedades

portadoras de escrita. De acordo com as perspectivas contemporâneas, as potencialidades da

oralidade não devem ser entendidas como sendo menores ou piores em relação à escrita,

pois como argumenta Geneviève Bollème, “não se trata de separar o escrito e o oral, de julgar

um superior e desprezar o outro, mas sim de compreender o oral como um outro modo de

transmissão, tão criativo quanto o escrito...”. (BOLLÈME, 1988: 167-168).

Isso significa dizer que termos como “iletrado”, “analfabeto” ou “ágrafo” devem ser

questionados e recusados, já que sua proposição deve-se a uma explícita manifestação do

etnocentrismo ocidental. A dificuldade, no entanto, é que tais preconceitos están hoy día profundamente arraigados en nuestros sistemas de valores. El analfabetismo, por ejemplo, es automáticamente interpretado, desde esa perspectiva, como um claro índice de ignorancia crasa, de incapacidad y de atraso en una sociedad o en una persona. (PACHECO, 1992: 29)31

É preciso deixar claro que tal debate transcende em muito nossas preocupações

específicas, incorporando temas próprios da lingüística ou da psicanálise, como, por

exemplo, a avaliação do impacto da escrita na mudança (ou não) das formas de pensamento.

Portanto, só o recuperaremos á medida que seus desdobramentos possam iluminar nossa

problemática de pesquisa, voltada para o entendimento de emergência do periodismo no

contexto amazonense de meados do século XIX.

Neste particular, um primeiro ponto de relevância parece estar na tentativa de

entendimento das múltiplas possibilidades de articulações e oposições estabelecidas entre

oralidade e cultura escrita no interior mesmo das sociedades contemporâneas (Cf.

ANTONACCI, 2001: 105-138), e não apenas numa tentativa de situar a emergência ou

aparecimento da escrita em sociedades que até então não a conheciam. Neste sentido, as

contribuições do jesuíta norte-americano Walter Ong ganham relevância, já que chama a

atenção para a necessidade de pensar essa relação a partir de uma distinção prévia entre o

que intitulou de “oralidade primária” em contraposição à “oralidade secundária”. A primeira

seria aquela que caracteriza as sociedades que, além de ágrafas, não apresentam nenhum

contato, seja direto ou indireto, com qualquer forma de escrita e impressão; enquanto a

segunda é característica das sociedades contemporâneas que presenciam uma “nova

31 A este respeito, comenta Walter Ong: “Afirmar que os povos orais são fundamentalmente não inteligentes, que seus processos mentais são ‘toscos’, é o tipo de julgamento que durante séculos fez com que estudiosos afirmassem falsamente que, em virtude de os poemas homéricos mostrarem tanta habilidade, deveriam ser essencialmente composições escritas”. (ONG, 1998: 70).

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Oralidade e Letramento no Amazonas (1850-1880)

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oralidade... alimentada pelo telefone, pelo rádio, pela televisão ou por outros dispositivos

eletrônicos, cuja existência e funcionamento dependem da escrita e da impressão”. (ONG,

1998: 19)

A ênfase nessa distinção é importante por chamar a atenção para o processo lento e

incompleto que marca o impacto do letramento nas sociedades orais, já que esta oralidade

tende a manter um papel relevante. Tal permanência, inclusive, tem sido recuperada como

uma característica fundamental das sociedades latino-americanas.

Numa abordagem hoje clássica acerca da introdução e desenvolvimento da escrita

neste contexto específico, Angel Rama reconhece a existência de instâncias diferenciadas no

interior da sociedade latino-americana, cada uma delas guardando com a escrita uma relação

particular. Nesta perspectiva, ele identifica três gradientes de valores, cujo epicentro estaria

na “cidade letrada”, esfera restrita do mundo colonial, fruto da maior difusão e incorporação

dos valores “modelares” do ocidente moderno e materialização de seu poder, é a cidade

escriturária. Esta, por sua vez, estava rodeada por dois anéis, lingüística e socialmente inimigos, aos que pertencia a imensa maioria da população. O mais próximo e aquele com o qual compartilhava em termos gerais a mesma língua, era o anel urbano, onde se distribuía a plebe formada por criolos, ibéricos desclassificados, estrangeiros, libertos, mulatos, zambo, mestiços e todas as variadas castas derivadas de cruzamentos étnicos que não se identificavam nem com os índios nem com os escravos negros. (...) Rodeando este primeiro anel, havia outro muito mais vasto, pois ainda que também ocupava os subúrbios (os bairros indígenas da cidade do México), estendia-se pela imensidade dos campos, regendo em fazendas, pequenas aldeias ou quilombo de negros insurretos. Este anel correspondia ao uso das línguas indígenas ou africanas que estabeleciam o território inimigo. (RAMA, 1985: 57-58)

Ao assim proceder, Rama salienta outro ponto importante para o entendimento da

penetração e difusão da cultura letrada no mundo latino-americano, que é a presença de

contextos linguísticos variados convivendo de forma tensa num mesmo espaço. A

pluralidade de línguas nativas (fato mais importante no contexto cultural amazônico)

constituiu-se, portanto, num obstáculo de difícil transposição à expansão da cultura letrada.

Carlos Pacheco, ao propor a elaboração de uma nova “teoria da oralidade”32,

sustenta que para a compreensão dessa relação no mundo latino-americano é preciso

reconhecer certas distinções, dando ênfase às situações intermediárias entre contextos

extremos de “oralidade absoluta” e de escrita internalizada. La introducción de la escritura en una cultura oral suele ser un proceso gradual que en ocasiones puede tomar siglos. Entre una situación de oralidad absoluta y la completa internalización de la escritura experimentada por las modernas

32 Para ele, a oralidade não pode ser concebida só “como el predominio de una modalidad comunicacional ni, en términos negativos, como privación o uso restringido da escritura ni, finalmente, como una suerte de subdesarrollo técnico o atraso cultural, sino como una auténtica economía cultural, relativamente autónoma, que implica – en relación directa con ese predominio o exclusividad de la palabra oral – el desarrollo de peculiares procesos poéticos, concepciones del mundo, sistemas de valores, formas de relación con la comunidad, con la naturaleza, con lo sagrado, usos particulares del lenguaje, nociones de tiempo y espacio y, por supuesto, ciertos productos culturales con características específicas que difieren en mayor o menor grado, pero de manera siempre significativa, de sus equivalentes en culturas dominadas por la escritura, la imprenta o los medios electrónicos”. (PACHECO, 1992: 35).

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sociedades occidentales, hay una amplia gama de situaciones intermedias llamadas de oralidad parcial o restringida, en las cuales, por razones técnicas, sociales, religiosas o políticas, la lectura y la escritura están reducidas a la práctica de ciertas actividades o a los miembros de profesiones o grupos sociales determinados, mientras el grueso de la población permanece, en gran medida, dentro de una economía cultural de oralidad. (PACHECO, 1992: 36).

Ainda segundo Pacheco, a maior parte das sociedades latino-americanas vive

exatamente neste nível específico de “oralidade parcial”, especialmente aquelas localizadas

em espaços mais isolados, no interior dos países do subcontinente, formando o que o autor

chama de “comarcas orais”, onde la existencia de una escuela rural elemental o el eventual acceso de algunos de sus miembros al periódico, al catecismo o a las órdenes escritas de la autoridad local no alteran fundamentalmente el predominio de lo que se ha llamado matriz de oralidad. (PACHECO, 1992: 37).

Desta forma, menos que destruída e alijada pela introdução da escrita, a oralidade,

mesmo que questionada e pressionada pela cultura letrada, tende a se manter viva e atuante,

se infiltrando em todos os espaços do social, inclusive no interior da própria escrita, que

muitas vezes teve que lhe fazer concessões para poder se legitimar no interior de tais

contextos. Ou como sugere Walter Ong, trata-se de reconhecer que a despeito dos mundos maravilhosos que a escrita abre, a palavra falada ainda subsiste e vive. Todos os textos escritos devem, de algum modo, estar direta ou indiretamente relacionados ao mundo sonoro, hábitat natural da linguagem para comunicar seus significados. “Ler” um texto significa convertê-lo em som, em voz alta ou na imaginação, sílaba por sílaba na leitura lenta ou de modo superficial na leitura rápida, comum a culturas de alta tecnologia. A escrita nunca pode prescindir da oralidade. (ONG, 1998: 16)

Por vezes, a introdução da escrita, menos que desarticular ou sobrepujar o

pensamento oral, vê-se apropriada por ele e submetida a seus próprios termos. Essa foi, por

exemplo, a percepção que Edward Thompson teve a partir do processo de introdução da

escrita no mundo rural inglês do século XVIII que ele estudou: Sempre que a tradição oral é suplementada pela alfabetização crescente, os produtos impressos de maior circulação – brochuras com baladas populares, almanaques, panfletos, coletâneas de “últimas palavras” e relatos anedóticos de crimes – tendem a se sujeitar a expectativas da cultura oral, em vez de desafiá-las com novas opções. (THOMPSON, 1998).

De acordo com o exposto, pensamos ser possível articular essa retomada da

oralidade e sua revalorização no cenário acadêmico atual, como um campo fértil para

analisarmos a introdução e o rápido desenvolvimento da imprensa no contexto amazônico

do século XIX, percebendo as “tensões mútuas e criativas” (no dizer de Havellock) que elas

tendem a estabelecer.

Trata-se, sobretudo, de, ao analisar o surgimento e a dinâmica da imprensa no

Amazonas, perceber não só as limitações estruturais, mas também as estratégias

empreendidas pela cultura letrada para se impor dentro desse contexto cultural adverso. Em

outros termos, trata-se de perceber, por exemplo, como a utilização de novas linguagens – o

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Fronteiras do Tempo, nº 4, 2013.

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humor, a charge e a caricatura – no interior do periodismo pode se constituir em

mecanismos que expressam não só tensões, mas também mediações com o ao universo oral

local.

Como sugere Heloísa de Faria Cruz, em muitos periódicos domingueiros de São

Paulo foi possível perceber uma tendência na direção de “uma feição de magazine de

variedades”, onde os padrões formais e eruditos da norma culta da imprensa acadêmica são amenizados e a linguagem jornalística incorpora progressivamente a oralidade. No lugar das descrições áridas e pesados artigos de fundo, entram quadrinhas, diálogos curtos e a crônica mais afeita ao linguajar do dia a dia e ao gosto dos novos públicos que procura cativar. Personalidades políticas, grupos sociais diversos, figuras típicas da cidade são alegorizados em personagens com falas próprias. A gíria da moda, os estrangeirismos franceses e depois “yankees” penetram a crônica, os falares dos imigrantes são traduzidos em fala macarrônica e a presença das populações interioranas mostra-se através dos dialetos caipiras. De uma maneira geral, no interior destas publicações o narrador assume uma posição mais informal e as diversas narrativas um tom mais coloquial. (CRUZ, 1994: 120)

O periodismo amazonense tendeu a reproduzir as linhas gerais acima descritas e é

possível supor que essa abertura frente à norma culta, visível num grande número de jornais

produzidos no estado tenha contribuído para a sua larga difusão e rápida consolidação.

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Fronteiras do Tempo: Revista de Estudos Amazônicos

PESQUISAS

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ALGUNS ASPECTOS PARA REPENSAR O GOVERNO DE

ARTHUR CÉZAR FERREIRA REIS (1964-1967)

_______________________________________________________

*VINÍCIUS ALVES DO AMARAL

O escritor Márcio Souza em um ensaio sobre o pensamento e a expressão locais situa

a historiografia amazonense como o que há de mais conservador e oficialista no Brasil, mas

não encontramos em seu livro nenhuma menção ao nome que melhor poderia representar

essa corrente: Arthur Cezar Ferreira Reis. (SOUZA, 1977: 17).

Reis nega que a Amazônia esteja á margem da História, como queria Euclides da

Cunha. Contudo, não é qualquer homem que pode se dar ao luxo de ser protagonista da

História. O homem em questão vem de além-mar e utilizou-se de qualidades inerentes á sua

alma, como a coragem e a inteligência, para vencer a floresta assombrosa. Compreender para

administrar, adaptar para conquistar: estas foram suas táticas. Em outras palavras, estamos

falando do colonizador português. Melhor, estamos falando da Coroa Portuguesa.

Não é nenhum exagero dizer que a historiografia produzida nas universidades a

partir dos anos 80 tenha se formado como reação ao conteúdo da narrativa histórica de

* Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas.

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Arthur Reis. Tratava-se de descolonizar a historiografia, assumindo o compromisso de trazer

á tona os “excluídos da História”.

Em Reis estes também se faziam presente, mas em sua maioria como “plebe rude”

incapaz de compreender a grandiosidade do projeto civilizador que os portugueses e

posteriormente os estadistas do Império arquitetaram para a Amazônia. Não há melhor

exemplo que a imagem que o historiador faz da Cabanagem, ao pintá-la com as cores do

irracionalismo e da fúria. Contudo, como observa Leila Rodrigues Gomes, o próprio autor

admite que existiam razões outras para a revolta, nascidas da condição precária em que

viviam os cabanos. O que já denota uma compreensão mais complexa do movimento pelo

historiador. Se Arthur Reis faz uma opção por uma história militante, conservadora, destinada á exaltação dos grupos do poder, não se pode diminuir, entretanto, sua contribuição, a força de suas análises, que através de vários questionamentos, encaminha o debate para outra direção, sem, entretanto, percorrer, o próprio caminho indicado. (GOMES, 2009: 137).

Creio que possamos dimensionar, tal como já o fez Renan Freitas Pinto, como dupla

a contribuição de Arthur Reis não só para a historiografia como para o pensamento social

amazônico: em primeiro lugar, seu esforço de sistematizar o conhecimento sobre o passado

da região nos legou fontes e sugestões de caminhos a ser percorridos; em segundo lugar, sua

interpretação do processo histórico da Amazônia é bem original e precisa ser ainda mais

discutida. (PINTO, 2008: 212-213).

Interpretação essa que se projeta para o presente, propondo uma política da

valorização da Amazônia que, como afirma Hélio Dantas, contemple não apenas o

desenvolvimento econômico, mas principalmente científico e cultural (DANTAS, 2011: 74).

Afinal, foi através da conjugação entre o conhecimento e a ação que os portugueses

“dominaram” a região. Esse ponto pode ajudar a compreender o incentivo cultural que

encetou durante seu mandato como governador (1964-1967) e que até hoje é considerado

como uma de suas maiores contribuições ao meio intelectual amazonense.

Com certeza sua origem social (sendo filho do proprietário do Jornal do Comércio,

importante veículo da elite comercial urbana amazonense, e da irmã do influente

comerciante de borracha Cosme Ferreira Filho) influi bastante em sua defesa da valorização

da Amazônia. Mas por que em sua narrativa o Estado tem papel preponderante e não a elite

local, da qual é oriundo? Talvez o sentimento antiliberal que marcou o final da República

Velha e a ascensão da ideologia nacional-desenvolvimentista tenha incentivado sua

percepção do processo histórico. Além disso, o Estado representava um importante

interlocutor para uma geração de intelectuais desde a década de 1930, quando já enunciam

sua vocação para o poder como nos diz Daniel Pécaut ao compará-los com a geração de

1960: Tanto uns como outros se consideravam responsáveis pela organização racional da esfera social. Esse encontro não decorre do fato de que os que agem diretamente sobre a sociedade estejam convencidos de que somente o Estado pode promover as mudanças necessárias. Decorrem do fato de se situarem muito naturalmente,

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Alguns Aspectos para Repensar o Governo de Arthur Cezar Ferreira Reis

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ainda que com posições diferentes, num plano acima do social, e de se considerarem coautores da produção das representações do plano político. (PÉCAUT, 1990: 184).

A relação de Reis com o poder inicia-se por meio de cargos na pasta do Ministério do

Trabalho. Já em 1930 participa da Junta Governativa Provisória que se instala no Amazonas

por ocasião da chegada ao poder de Getúlio Vargas. No entanto, é durante as décadas de

1950 e 1960 em que sua atuação como homem público se intensifica. É nomeado para

Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) em 1953 e já em fins de

1956 ocupa a diretoria do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).

Sua chegada ao mais alto posto do comando do Estado tornou-se folclórica. Muitos

dizem que se tratou de uma demonstração de puro coleguismo do seu companheiro de

Instituto Geográfico e Histórico Brasileiro (IGHB), Marechal Castello Branco. Alexandre

Pacheco sustenta que sua nomeação para o Governo do Estado em 1964 resultou em boa

medida do prestígio que desfrutava perante os meios intelectuais e institucionais brasileiros

(PACHECO, 2009: 3). É preciso ter em mente que a produção intelectual de Reis, que aquela

altura já havia concedido inúmeras palestras na Escola Superior de Guerra (ESG), era

extremamente simpática ao projeto político que os atores sociais que encetaram o golpe

pretendiam realizar. Não seria exagero dizer que ao lado de Gilberto Freyre e o general

Golbery do Couto e Silva, Reis ajudou a definir um pouco do espectro ideológico do regime

civil-militar.

Voltando á sua nomeação, ela também pode ser entendida como uma forma de

superar o viciado jogo partidário local e garantir assim que o novo governante seja

realmente leal á nova ordem. O advogado Paulo Figueiredo, estudante de Direito afeiçoado

ao comunismo na ocasião do golpe, em suas crônicas lembra que havia candidatos locais

disputando a chefia do Estado do Amazonas. Os militares de média patente que mantinham luta surda e obstinada pela conquista do poder do Estado, desde os primeiros dias do Golpe de Abril, dentre eles o capitão Amazonas e o major Félix, haviam perdido a indicação de seus nomes. O marechal-presidente da República, Humberto de Alencar Castelo Branco, senhor absoluto do movimento militar que depôs Jango Goulart, já havia escolhido o novo governador. Tratava-se de Arthur Cesar Ferreira Reis (...).(FIGUEIREDO, 2013)

Reis surge como candidato ideal par ao governo central não apenas pela sua

conformidade ideológica para com o novo regime, mas também pela sua imagem de figura

apartidária e homem probo. Imagem essa construída pelo próprio historiador no decorrer de

sua carreira como homem público, como vemos no trecho abaixo. O governador Arthur Reis disse ser um homem modesto e pobre. Não possui fortuna, nem imóveis apenas está adquirindo um apartamento de sala e quarto que pretende legar aos filhos. Possui uma biblioteca com 12.000 volumes o que considerou sua riqueza pois é educador1.

1 “Arthur Reis ao assumir governo: Desejo integrar o Amazonas no espírito da Revolução Brasileira”. O Jornal. Manaus, 28 jun. 1964, p. 8.

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No entanto, há controvérsias sobre o “apartidarismo” e a “probidade” de Reis. O

senador Desirèe Guarani alega a um jornal que Reis havia desviado verbas no tempo em que

ocupou a SPVEA2. Além disso, reclamações do líder trabalhista amazonense Plínio Coelho

dão conta de que o historiador amazonense, uma vez instalado em tal órgão, estaria

privilegiando elementos oriundos da União Democrática Nacional (UDN). O próprio Reis (um

intelectual da ordem não nos esqueçamos) interpretava sua nomeação como repercussão de

sua postura administrativa fortemente hierárquica: Ademais á frente de órgãos e serviços da União, conquistara o respeito de meus superiores hierárquicos na administração federal, autorizando a escolha de que não participava da vida partidária e se realizava como professor universitário e servidor da União. (REIS, 1967: 13).

A decisão de Castello Branco é acatada pela Assembleia Legislativa do Amazonas que

com a exceção de um voto (do então deputado Bernardo Cabral que votou no jurista

Waldemar Pedrosa) elege seu novo governador. A posse de Arthur Reis transcorre sobre o

olhar atento do comandante militar da Amazônia, general Jurandir Bizarria Mamede.

Os estudos sobre a produção historiográfica de Arthur Reis tem crescido. Contudo,

pesquisas sobre seu governo ainda são escassas. Percebe-se que o historiador, comparado

pelo discípulo Leandro Tocantins ao Marquês de Pombal (TOCANTINS, 1989: 18), tem sido

poupado. Quando o assunto é seu mandato á frente do estado do Amazonas salienta-se ou

seu incentivo ás artes, considerada pelo cineasta Aurélio Michiles (2005: 14). como período

de “renascença cultural”, ou a modernização encetada por ele com o consentimento da

ordem central (FERREIRA FILHO, 1971: 182). Passam ao largo de seus arroubos autoritários,

que precisam ser buscados ou nos periódicos da época ou na memória política local.

Falaremos a seguir de alguns casos.

O jornalista Arlindo Porto (que fora cassado imediatamente após o golpe de 1964

por seus colegas da Assembleia Legislativa Estadual graças á posição central em que ocupava

no Partido Trabalhista Brasileiro local) em Poucas e Boas nos conta da tensão que imperava

nas redações amazonenses quando o assunto era Arthur Reis. O governador Arthur Cezar Ferreira Reis não aceitava críticas da imprensa ao seu governo. Quando não gostava de uma notícia, enviava às redações dos jornais uma nota virulenta, agressiva, desmentido a informação e, o que era mais grave, ameaçava fechar o jornal, como havia feito com ‘O Trabalhista’ e ‘A Gazeta’, tidos como seus opositores. (PORTO, 2004: 29).

O também jornalista Orlando Farias, através da memória de veteranos da imprensa

local, relata que o empastelamento de “O Trabalhista” (jornal mantido por Plínio Ramos

Coelho) se deveu a um minúsculo e debochado artigo: A ideia central do artigo era a parábola de que macaco solto em casa de louça acaba destruindo tudo. A matéria teria irritado profundamente o governador e a reação à sua publicação veio imediatamente. No dia seguinte ao artigo provocador, o jornal foi atacado ferozmente por um grupo de pessoas à paisana que chegou atirando.

2 “Renuncia o Ditador do Amazonas”. Última Hora. Rio de Janeiro, 13 ago. 1964, p. 1.

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Alguns Aspectos para Repensar o Governo de Arthur Cezar Ferreira Reis

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Não havia ninguém na redação porque o jornal tinha recebido a informação o atentado por um comissário de polícia amigo – Jorge Cabral dos Anjos. Os jornalistas se retiraram para o restaurante ‘A Maranhense’, na Eduardo Ribeiro . (FARIAS, 2010: 62).

Não escapavam da sanha de Reis nem mesmo os deputados estaduais. Nas páginas

do Jornal do Brasil encontramos a menção a um discurso proferido pelo deputado estadual

Desirée Guarani no Senado em 11 de agosto de 1964. Nele o parlamentar teria denunciado o

enterro da democracia no Amazonas: Explicou que tudo tem origem no fato de o Governador sentir horror a críticas, tendo ficado descontente com a derrubada de um veto pela Assembleia, o que atribuiu à intervenção do ex-Governador Plínio Coelho, cuja prisão determinou. (...) – Mas – prosseguiu – os fatos graves não ficaram nessa intervenção contra o Legislativo estadual. Tendo sido solicitado o habeas-corpus em favor do Sr. Plínio Coelho, o Tribunal de Justiça se reuniu às 3 horas da manhã, solicitando informações ao Secretário de Justiça e Interior, nada informou, pois o responsável direto pela prisão era o próprio Governador Arthur Reis. -Pediu, então, o Tribunal informações ao Governador. Mas este proibiu que qualquer pessoa se aproximasse do Palácio, impedindo a entrega do documento. Dando outra demonstração de como é atrabiliário, determinou o cerco também do Tribunal de Justiça, desrespeitando mais esse poder3.

Em nome da estabilidade que a nova ordem pretendia cultivar ou ao menos fingir

cultivar, o comandante militar da Amazônia atua como um negociador. Plínio Coelho é

entregue ás autoridades militares que o libertam. Reis, em protesto, renuncia. Algum tempo

depois sua jogada vinga: Porta-vozes do Sr. Artur César Ferreira Reis disseram que o motivo para a desistência do pedido da renúncia fora a decretação de nova prisão para o ex-Governador Plínio Coelho, o que foi feito ontem pela manhã pelo Major José Alípio, encarregado geral dos inquéritos policiais-militares que se desenvolvem no Amazonas, sob a alegação de ‘prática de atos subversivos’. Tal fato e o apelo do Marechal Castelo Branco, feito através do seu enviado especial, Major Costa Rêgo, determinaram o recuo do governador amazonense, que se oficializou na noite de ontem4.

Sob o pretexto de que Plínio Coelho estava envolvido com o comunismo –

representado pela figura do escritor Aldo Morais que foi alçado á condição de diretor da

Secretaria de Economia e Finanças em seu governo – e a corrupção – principalmente no

interior do Departamento de Estradas e Rodagem do Amazonas (DERA), chefiado durante

boa parte de sua existência pelo deputado Jaime Araújo – sua prisão foi novamente

decretada, mas o líder regional do trabalhismo havia fugido tão logo fora solto pelos

militares.

A perseguição á Plínio Coelho pode parecer uma obsessão doentia, mas há que se ter

em mente que as atitudes de Arthur Reis são desdobramentos de conflitos políticos e

partidários da década de 1950. O fenômeno político do trabalhismo amazonense,

capitaneado inicialmente por Plínio Coelho e depois por Gilberto Mestrinho, passou a se

3 “Senador acusa Reis de liquidar a democracia”. Jornal do Brasil. São Paulo, 12 ago. 1964, p. 3. 4 “Ditador renuncia à renúncia”. Última Hora. Rio de Janeiro, 14 ago. 1964, p. 2.

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desenvolver a partir de 1954 apoiando-se em causas populares, tais como a defesa dos

trabalhadores do Porto de Manaus e o reajuste salarial dos funcionários públicos. Pouco a

pouco, o movimento radicaliza-se, ao ponto de participar de conflitos com a elite comercial e

extrativista.

Tornou-se consenso que não havia uma ideologia pronta quando da implantação do

golpe em 1964, mas apenas certo descontentamento com o governo de João Goulart a

orientar uma rede tão heterogênea de atores sociais. Descontentamento e uma boa dose de

anticomunismo, diga-se de passagem. Alguns, como o jornalista Elio Gaspari, chegam a

afirmar que a confusão ideológica perdurou pelos 21 anos subsequentes (GASPARI, 2002:

40); já outros, como o historiador Carlos Fico, propõem que se entenda o regime á luz de

uma difusa “utopia autoritária”, onde nacional-desenvolvimentismo combinava-se com

autoritarismo (FICO, 2004: 74). Carlos Nelson Coutinho, apoiando-se em Gramsci, acredita

que a nova ordem instalada a partir de 1964 no Brasil deve ser compreendida como um

bloco histórico amparado por uma ideologia desmobilizadora. (COUTINHO, 2007: 185-186).

Ora, as agitações promovidas pelos movimentos sociais no período imediatamente

anterior, cada vez mais radicais, assustavam os elementos mais tradicionais da sociedade. Na

cidade de Manaus ficaram famosas as paralisações feitas pelo Sindicato dos Trabalhadores

do Porto de Manaus, liderados em boa medida pelo estivador Antogildo Pascoal Viana. O

desembargador Oyama Ituassu, por exemplo, guardou na memória uma greve geral dos

condutores de automóveis nos idos de 1960: Em certo dia de agosto de 1960 ou 1961, se não me falha a recordação dos tempos, a cidade amanheceu sem transporte: os choferes em greve, o trânsito paralisado, estabelecido o Comando Geral da Greve que se apresentou logo para agir aos modos dos agitadores profissionais, tomando medidas drásticas e eficazes para o sucesso da empreitada. (...) Certa alta autoridade do Estado desfilou em carro aberto pela avenida Eduardo Ribeiro, saudando os grevistas, que o aplaudiram entusiasticamente. (ITUASSU, 2007: 111).

Para o desembargador tais greves e paralisações tratavam de um elemento nocivo á

sociedade, fruto da escravidão ideológica dos líderes sindicais para com o marxismo e o

trabalhismo de Coelho e Mestrinho. Ituassu constrói, através de sua memória, um painel

caótico: Houve instantes em que se chegou a temer um choque violento entre forças policiais e as do Exército, motivado pela resistência daquelas à presença de tropas militares para garantia dos que desejavam trabalhar. As greves se sucediam por motivos os mais pueris e justamente nos setores mais essenciais á coletividade, sem que as autoridades estaduais obstaculizassem o processo implantado de agitação, ou procurassem solucioná-lo. (Idem, p. 108).

Não é de se admirar que logo após o golpe os primeiros cassados são os líderes

sindicais. Antogildo Pascoal Viana muda-se para o Rio de Janeiro. Dias depois seu corpo

aparece estirado perto do prédio do hospital da Previdência Social onde trabalhava. A

suspeita recai, como haveria de ser, no suicídio5. O vereador Manoel Rodrigues da Silva,

5“Líder se Mata”. Última Hora. Rio de Janeiro, 9 abr. 1964, p. 2.

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representante dos trabalhadores da construção civil, tem o mandato cassado por ser

comunista6. Como nos afirma o gráfico Aviz Valente, as organizações de esquerda como o

Partido Comunista Brasileiro tinham um raio de ação reduzido, mas sua força estava em seus

ideais nacionalistas que contagiavam mesmo lideranças sindicais não vinculadas ao PCB. (VALENTE, 2005: 100).

Tal status explica a maior atenção destinada nos Inquéritos Policial-Militar aos

trabalhistas e não aos comunistas. Nos 30 processos iniciais realizados pela Comissão

Estadual de Inquéritos (composta por David Melo, Garcytilzo Lago Silva, Pery Nery e Major

José Felix Silva, sendo este último seu presidente) em sua maioria encontramos elementos

ligados ao governo trabalhista, como Jaime Araújo7. Mesmo magistrados que decidissem em

favor dos processados eram atingidos: temos aqui o caso dos juízes Benjamin Brandão e

Oswaldo Salignac. A aposentadoria compulsória expedida por Reis após este último conceder

habeas corpus á Plínio Coelho gerou uma nova crise em janeiro de 1965. Novamente a

solução passou pela “conciliação”: Reis voltou atrás em sua decisão e Salignac aposentou-se

voluntariamente8.

Aliás, importante ferramenta a “conciliação”. Seu uso se fez tão necessário para os

articuladores da nova ordem quanto á repressão na tentativa de forjar uma pretensa unidade

interna. Com efeito, o receio da instabilidade permitiu que um grupo extremamente radical

ascendesse aos canais do poder e iniciasse os “anos de chumbo”. Por isso é salutar

compreender a ditadura civil-militar não apenas como um regime sustentado pela repressão

política, mas também por uma rede de práticas das quais a conciliação e a cooptação faziam

parte. Quanto á esta última, a relação do governo com a intelectualidade manauara é bem

representativa.

Nos anos 60, encontramos um campo artístico e intelectual marcado pelo Clube da

Madrugada. Este movimento, fundado em novembro de 1954 por estudantes e profissionais

liberais, visava trazer ao ambiente cultural amazonense os ideais do modernismo. Suas ações

pautaram-se em combater o academicismo na pintura e o romantismo na literatura local de

então, simbolizada pela Academia Amazonense de Letras.

Na realidade, o movimento era tão heterogêneo ideologicamente que abrigava desde

monarquistas convictos como o poeta Luiz Bacellar até comunistas como o músico Pedro

Amorim e o Padre Luiz Ruas. Contudo, por defenderem uma arte engajada com a realidade

social amazônica já era o suficiente para serem confundidos com uma “cédula comunista”.

O poeta Jorge Tufic, um dos fundadores do movimento, lembra que nos primeiros

momentos de abril de 1964 o Clube da Madrugada foi alvo preferencial dos Inquéritos

Policiais Militares (TUFIC, 1984: 58). Elson Farias, também poeta, lembra que Arthur Reis

“ao assumir o governo, ofereceu-lhes um belo jantar na residência oficial e jamais deixou de

estar com os madrugadores (...)” (FARIAS, 2006: 108). A discussão sobre a perseguição e

cooptação do Clube da Madrugada, pontos de vista adotados respectivamente por José

6 “Cassado o Mandato de Manoel Rodrigues da Silva”. O Jornal. Manaus, 25 abr. 1964, p. 1. 7 “Sumário de Inquéritos”. Manaus: Imprensa Oficial, 1965, p. 98-99. 8 “Reis enfrenta oposição no Amazonas para salvar revolução”. Jornal do Brasil. São Paulo, 17 jan. 1965, p. 27.

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Vicente Aguiar (2002:90) e Márcio Souza (1977: 152), revela a ambiguidade do projeto

político-cultural de Arthur Reis.

Após as cassações e prisões políticas, o novo governador passou a investir na

publicação de livros sob o selo Edições do Governo do Amazonas da Imprensa Oficial do

Estado e na promoção de concursos literários como o Prêmio Estelita Tapajós. Além disso,

através da fusão em 1965 das Faculdades de Direito, Economia, Odontologia e Filosofia

realizou o antigo projeto do senador Artur Virgílio Filho de se fundar uma Universidade do

Amazonas. No mesmo ano, através do empresário Luiz Maximiano Miranda Corrêa, contrata

o cineasta Glauber Rocha para produzir um vídeo promocional para o Estado: Amazonas,

Amazonas (1966).

Seu sucessor e discípulo, o empresário Danilo Mattos Areosa também promoveu

uma modernização no Departamento de Imprensa, Propaganda e Turismo do Amazonas

(DIPTEA) incentivando, dentre outras coisas, a realização do Festival Norte de Cinema

Amador em 1969, responsável pela redescoberta do cineasta Silvino Santos e pela presença

dos diretores Joaquim Pedro de Andrade e Rogério Sganzerla, dentre outros. Além disso, em

seu governo promoveu-se em 1967 o Seminário de Revisão Crítica da Cultura do Amazonas

com vistas á criar um órgão adequado para a política cultural local. De tais reuniões nasceria

o Conselho Estadual de Cultura e a Fundação Cultural do Amazonas em 1969. (2006: 109-

111).

Quando faz seu provocador discurso de posse na Academia Amazonense de Letras

em 1967, Arthur Reis constata que “a política de espírito não foi nunca uma preocupação dos

governantes” (REIS, 1968: 159) e a seguir enumera algumas iniciativas realizadas durante

seu governo nesse sentido. Ademais, desde que saíra do poder já estava participando do

recém-criado Conselho Federal de Cultura e estimulando ao lado de intelectuais como Josué

Montuello, Ariano Suassuna e Djacir de Menezes a formulação de uma política cultural de

abrangência nacional.

O Conselho Federal de Cultura é uma resposta á hegemonia cultural da esquerda. O

novo regime, dispondo do auxílio de intelectuais tradicionais como Reis ou Freyre, busca

instituir um discurso artístico e científico que preze pela integração nacional e ao mesmo,

através de seus novos órgãos, fomenta uma regularização da cultura. Muitos enxergaram

nessa última prática um meio de assegurar sua precária condição de artista, ou seja, de

profissionalizar seu campo – talvez esta tenha sido a motivação que levou alguns dos

“madrugadores” a participar do DIPTEA e do Conselho Estadual de Cultura nos anos 60 e 70.

No que tange ao relacionamento do historiador-governador com o povo, o

correspondente especial do Jornal do Brasil em Manaus, José Maria Mayrink, faz uma

observação extremamente interessante para nossa análise: Um ponto há, no entanto, que dá margem a críticas e ataque dos adversários: o Professor Artur Reis se tem mostrado, até agora, incapaz de compreender as correntes políticas do Amazonas e de se aproximar do povo, já acostumado a penetrar, sem pedir licença, no Palácio Rio Negro, graças a dez anos de Governo popular dos trabalhistas Gilberto Mestrinho e Plínio Coelho (...). Essas críticas, feitas sempre nas esquinas, na falta de jornal de Oposição, exploram o passado relembrando os bons tempos dos dois últimos Governadores, “homens que

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andavam de manga de camisa e percorriam os bairros a pé, conversando com quem deles se aproximava”. (MAYRINK, 1965: 27).

Nesse pequeno fragmento encontramos inúmeras possibilidades para se analisar

essa relação. Em primeiro lugar, o evidente estranhamento de Reis para com as classes

populares. E temos motivos para crer que a recíproca era verdadeira: conversas informais

com trabalhadores aposentados que vivenciaram esta época revelam indiferença e mesmo

ressentimento para com este nome. Não nos esqueçamos de que boa parte das obras

empreendidas por ele na cidade colidia com os modos de vida da população carente. Como

nos tempos da Belle Époque, a modernização pedia uma cidade mais racional, em outras

palavras, melhor preparada para atender o capital industrial.

A destruição em 1965 da Cidade Flutuante, espécie de apêndice fluvial de Manaus

para onde afluíam famílias de trabalhadores vindas do interior e de outros estados desde

1920, foi encetada por ele. Os moradores foram realocados para conjuntos habitacionais no

Bairro da Paz e da Raiz. Aliás, por mais que os conjuntos habitacionais tenham proliferado

será as invasões a forma de ocupação do espaço urbano por excelência nos anos posteriores.

Desde 1957, o Festival Folclórico de Manaus era realizado na Praça General Osório.

O evento junino reunia as quadrilhas de boi bumbá, dentre outros folguedos, de todos os

bairros da cidade para competição. Cada bairro treinava o ano inteiro suas apresentações.

Não tardou para que os governadores enxergassem nesse evento de amplo alcance popular a

oportunidade para se promoverem. Gilberto Mestrinho, por exemplo, fazia chegadas

apoteóticas ao palanque improvisado no local. Mas depois de 1964 essa grande festa popular

foi definhando. Principalmente após a perda da Praça General Osório, encampada pelo

Colégio Militar em 1970 (OLIVEIRA, 2003: 153). Eis o cotidiano sendo invadido pela ditadura

civil-militar, sendo o espaço de moradia e de lazer desarticulado.

Desarticulação não significa destruição. É preciso ter isto em mente para que não

tenhamos uma compreensão unilateral desse processo. O sociólogo José de Souza Martins ao

abordar o impacto do capitalismo na Amazônia nos traz uma importante contribuição para

compreender não apenas a questão econômica e fundiária, mas também cultural. Há uma reciprocidade de consequências, o que não quer dizer equidade. Os grupos vitimados por esses programas lançam neles contradições, tensões, desafios. A partir do momento em que essa interferência se dá, ela não se efetiva apenas através da coisa física, que é a barragem, o lago ou rodovia. Os projetos se materializam em obras que se apresentam diante de indígenas e camponeses através de pessoas diferentes e de relações sociais novas. Mesmo velhas relações sociais são substancialmente alteradas, embora mantenham a forma exterior. (...) Indígenas e camponeses não ficam fora dessas relações. São por elas envolvidos de algum modo, geralmente numa relação de alteridade. (MARTINS, 1991: 18).

A defesa da alteridade feita pelo pesquisador é o reconhecimento de indígenas e

camponeses como sujeitos históricos. Não é por menos que Martins ampara-se nos estudos

de Edward Thompson, grande defensor da recuperação da experiência como categoria

analítica para a História. Significa dizer também que os trabalhadores de Manaus também

condicionaram os projetos urbanísticos, econômicos e políticos previstos pelo golpe que se

pretendia “revolução”.

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Perceba que as ruas são consideradas pelo articulista como um espaço alternativo

para a política, uma vez que os meios tradicionais como os jornais ou as tribunas

encontravam-se obstados. A resistência perdura, ainda que de forma dispersa. O poeta e

jornalista Aldísio Filgueiras em depoimento apresenta a luta contra o poder em Manaus

como uma batalha cheia de limitações: Porque Manaus era um ovo! O Serviço Nacional de Informações sabia da gente, mais do que a gente sabia da gente. E todo mundo se conhecia e de repente o nome da gente estava dentro de uma redação de jornal. “Tem o fulano, tem o sicrano”. (...) Agora a sociedade amazonense rendeu-se muito fácil á ditadura militar, rendeu-se muito fácil. Tanto que era fácil controlar. Mesmo a rebeldia da gente, do ponto de vista político, era muito bem controlada. Hoje eu sei disso. Era muito bem controlada. Eles faziam uma manifestação á noite, clandestina, só faltava sair como manchete no jornal. Porque todo mundo sabia quem era o cara! Parece que o DNA ficava ali, fulano de tal. (FILGUEIRAS, 2012).

Filgueiras, um dos líderes das manifestações estudantis do Colégio Estadual D. Pedro

II durante os anos 50 e 60, dimensiona como ampla a aceitação do novo regime em terras

manauaras. Mas é preciso problematizar: de que “sociedade amazonense” estamos falando?

Seria a elite comercial e urbana, confiante de que suas aspirações econômicas seriam

finalmente atendidas pelo nacional-desenvolvimentismos da ditadura? Ou seria a classe

média, órfã de um projeto político que lhe sustente tal como o trabalhismo local lhe

sustentou? Talvez os segmentos populares, convencidos de que o capitalismo industrial que

a Zona Franca atrairia sanasse sua precária condição de vida?

O poeta fala em termos de uma resistência aberta, mas há também uma resistência

implícita que muitos confundem com mudez. O descontentamento das ruas em relação ao

custo de vida já fora apontado por José Mayrink em outra ocasião como “termômetro da

Revolução” no Norte e Nordeste (MAYRINK, 1965: 4). Nesse sentido, encontramos no

editorial do jornal A Crítica um apelo desesperado:

NÃO SE pode mais desconhecer a dramática situação que aflige a população de Manaus ante o vertiginoso aumento do custo da vida, levando uma coletividade inteira às portas da fome. (...) Uma ligeira analise do descontrole nos preços dos gêneros essenciais a alimentação do povo aponta alta diária, sem uma justificativa honesta9.

O apelo ao governo estadual é de que pressione a Superintendência Nacional de

Abastecimento (SUNAB) para abaixar o preço da carne verde e normatizar o seu

fornecimento – sendo que ambas as medidas dependiam de enfrentar o monopólio dos

grandes donos de cabeça de gado dos pastos de Rio Branco e de vencer as enchentes dos rios

que dificultavam seu transporte. O governador promete investir no setor agrícola, avicultor e

frigorífico, mas tal situação perduraria até a segunda metade dos anos 7010.

9 “Momento oportuno”. A Crítica. Manaus, 30 jul. 1964, p. 3. 10 “Na meta do Governo: Abastecimento à população”. A Crítica. Manaus, 06 jul. 1964, p. 1.

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Enquanto as obras de modernização da cidade focam em boa medida no centro (tal

como o projeto urbanístico de Gilberto Mestrinho em 1960, “Novo Amazonas”), os demais

bairros clamam para que os serviços urbanos sejam direcionados até eles também. BAIRROS ABANDONADOS Moradores dos bairros de Petrópolis e Raiz estão sob a contingência de venderem suas casas, procurando outros bairros para morar em virtude das dificuldades que enfrentam sem água, luz e com as ruas repletas de buracos, impossibilitando o tráfego de veículos. Isso foi o que nos disse uma comissão vinda à nossa redação11.

O abandono pelo poder público resulta muitas vezes não apenas de indiferença, mas

de rancor. Vejamos o caso do bairro de Santa Luzia, importante reduto eleitoral trabalhista,

que na década de 1970 não recebeu qualquer ajuda do prefeito Paulo Pinto Nery. “De acordo

com o testemunho dos moradores mais velhos, o prefeito nada fazia pelo mesmo porque

estava se vingando da ‘desfeita’ da população em seu comício na eleição de 1962, na

pracinha, ocasião em que levou uma ‘chuva’ de pedras e ovos”. (FIGUEIREDO, 2008: 31).

Evidente que muitos destes problemas já existiam antes da ditadura civil-militar –

alguns foram até parcialmente sanados nos anos 60, como a instalação da rede elétrica – mas

a partir de 1964 eles tomam outra tônica. Afinal, a falta de eletricidade e saneamento básico

e o preço alto da carne são reclamações antigas que ao unirem-se com o arrocho salarial e a

intervenção nos sindicatos produzem um caldeirão de insatisfação que não explode

necessariamente em protestos organizados.

A marginalização e a precarização do trabalho, da moradia, do lazer, em suma do

cotidiano popular já era uma realidade pela qual estes homens e mulheres já estavam

familiarizados. Basta lembrar a poderosa segregação urbana que a reconfiguração da cidade

pelo boom da borracha operou no começo do século. Mesmo tal processo foi burlado por

meio de táticas as mais diversas, como aponta o estudo de Francisca Deusa Costa. (1997:

120).

Não é difícil entender, portanto, a comparação com o período anterior, onde a

política parecia muito mais próxima dessas classes marginalizadas. Inegável que tanto

Coelho quanto Mestrinho excursionavam mais o cotidiano dos trabalhadores que os

governadores que se seguiram. A força dessas relações, que ultrapassam o assistencialismo,

perdura mesmo depois de tantas cassações e intervenções nos sindicatos, afinal lá estão os

trabalhadores exigindo melhores condições de vida não só nas redações dos jornais, mas

também no próprio Palácio Rio Negro.

Por isso, encontramos um posto todo seu para Gilberto Mestrinho na memória

popular enquanto o mesmo não pode ser dito de Arthur Reis. Ora, trata-se aqui de uma

recusa ao passado, como nos diz Jean Chesneaux, de um passado em que as classes populares

não se reconhecem tamanho é o descompasso entre as ações do poder e os anseios de

transformação social. (CHESNEAUX, 1995: 38).

Há certa coerência entre as considerações historiográficas de Arthur Reis e as

medidas tomadas em seu governo. Reis defende o projeto civilizador de outrora e participa

11 “Sim e Não”. A Crítica. Manaus, 21 jan. 1965, p. 3.

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da execução de outro naquele momento. Projeto esse que também contemplava a esfera

cultural, uma vez que em seu entendimento o grande sucesso da experiência portuguesa

resultou da conjunção entre conhecimento e ação. O desenvolvimento cultural que o

historiador perseguia coincidia perfeitamente com a necessidade de legitimidade intelectual

que o novo regime buscava.

Aliás, Arthur Reis estava muito bem sintonizado com a ditadura civil-militar: não era

só seu rascunho de política cultural – que adquiriu contornos mais definidos após assumir a

presidência do Conselho Federal de Cultura entre 1969 e 1972 – e sua defesa da

modernização conservadora que coincidia com as pretensões do novo regime, mas também a

ânsia punitiva para com velhas mágoas políticas. As redações de jornais empastelados, os

desembargadores aposentados compulsoriamente e os políticos cassados que o digam.

Seja como intelectual respeitado, estadista modernizador ou figura de proa do

autoritarismo baré, Arthur Reis tem um lugar garantido na memória política e intelectual de

Manaus. Contudo, o mesmo não se pode dizer em relação á memória popular. Porém, mesmo

o silêncio das ruas sobre Reis já diz muito.

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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

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encaminhadas na forma de artigos, resenhas ou comunicações de

pesquisa em curso, devem ser inéditas e se adequar as orientações e

especificações abaixo indicadas:

Artigos – O texto dos artigos deve conter entre 15 e 20 laudas, ser redigido

exclusivamente em Word com fonte Times New Roman, no tamanho 12

pts e espaçamento de 1,5. Citações maiores que três (03) linhas devem

ser separadas do corpo do texto, com recuo a esquerda, fonte Times

New Roman, tamanho 10 e espaçamento simples. O título do artigo

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Normas para Publicação

Fronteiras do Tempo, nº 4, 2013.

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deve ser apresentado centralizado no alto da primeira página, em

caixa alta, e fonte Times New Roman, tamanho 12. A autoria deve ser

indicada centralizada abaixo do título, em fonte Times New Roman,

tamanho 12 e a indicação da titulação e instituição do autor em nota

de rodapé. As notas de rodapé serão exclusivamente explicativas e em

fonte Times New Roman, tamanho 10 e espaçamento simples. Todas

as referências devem ser indicadas ao longo do texto entre parêntesis

no formato (AUTOR, ano: página) e apresentadas integralmente no fim

do artigo, no campo “Referências”.

Comunicações de Pesquisa em Curso – seguem as mesmas regras dos

artigos, mas sua dimensão é limitada de 10 a 15 laudas.

Resenhas – devem referenciar exclusivamente livros e revistas que tenham

sido publicados nos últimos três anos e limitar o texto a 4 ou 5 laudas.

Resumo / Abstract – Os autores devem encaminhar em separado textos

contendo resumo e abstract do artigo/resenha limitados ao máximo

10 linhas cada, além da indicação de até três (03) Palavras chave e

Keywords

Figuras – podem ser introduzidas no texto, desde que apresentem boa

resolução e estejam em formatos JPEG, TIFF, GIF ou PDF. As mesmas

devem aparecer no texto de forma numerada e com indicação clara e

precisa de sua origem.

Referências – Devem ser indicadas no fim do texto, em ordenamento

alfabético. As referências devem estar restritas aos materiais

referenciados ao longo do texto.

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Normas para Publicação

Fronteiras do Tempo, nº 4, 2013.

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Envio do Material – Deve ser encaminhado exclusivamente por meio de

correio eletrônico (e-mail) aos editores. Eventuais dúvidas e

esclarecimentos devem ser igualmente encaminhados por correio

eletrônico aos editores.

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