friedrich hayek - economia e conhecimento

Upload: vitorsoliano

Post on 16-Feb-2018

223 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/23/2019 Friedrich Hayek - Economia e Conhecimento

    1/21

    Hayek Economia e Conhecimento

    Tradutor Rafael Hotz

    ****************

    1

    A ambigidade do ttulo desse ensaio no acidental. Seu assunto principal ,claro, o papel cujas suposies e proposies sobre o conhecimento possudopelos diferentes membros da sociedade desempenha na anlise econmica.Mas isso no est de maneira alguma desconectado da outra questo que

    poderia ser discutida com o mesmo ttulo at onde a anlise econmicaformal garante algum conhecimento sobre o que acontece no mundo real. Defato, minha contenda principal ser que as tautologias, das quais a anliseformal de equilbrio essencialmente consiste, podem ser transformadas emproposies que no nos dizem nada sobre causas no mundo real a menos quesejamos capazes de preencher essas proposies formais com afirmaesdefinitivas sobre como o conhecimento adquirido e comunicado. Em resumo,eu argumentarei que o contedo emprico na teoria econmica a nica parteque no est meramente preocupada com as implicaes, mas sim com ascausas e efeitos e que leva ento a concluses as quais, de qualquer maneiraem princpio, so capazes de verificao [1] consiste em proposies sobre aobteno de conhecimento.

    Talvez eu deva comear lhes lembrando do interessante fato de que em vriasdas tentativas mais recentes feitas em diferentes campos para levar ainvestigao terica alm dos limites da tradicional anlise de equilbrio, aresposta rapidamente se provou dependente de suposies as quais fazemosem relao a um ponto o qual, se no idntico ao meu, assim o em parte,isto , com relao previso. Eu creio que o campo no qual, como se de

    esperar, a discusso das suposies relacionadas previso atraiu primeiromaior ateno foi o da teoria do risco [2]. O estmulo que foi exercido nessaconexo pelo trabalho de Frank H. Knight poder ainda provar ter umainfluncia profunda fora de seu campo especial. No muito depois assuposies a serem feitas com relao previso se provaram de importnciafundamental para a soluo dos problemas da teoria da competio imperfeita,as questes de duoplio e oligoplio. Desde ento, ficou cada vez mais bvioque, no tratamento de questes mais dinmicas sobre dinheiro e flutuaesindustriais, as suposies a serem feitas sobre previso e antecipaes

    desempenham um papel igualmente central e que em particular os conceitosque dominaram essas reas vindos da anlise do equilbrio puro, como aquele

  • 7/23/2019 Friedrich Hayek - Economia e Conhecimento

    2/21

    da taxa de juros de equilbrio, poderiam ser apropriadamente definidos emtermos de suposies ligadas a previses. A situao parece ser tal que, antesde sermos capazes de explicar porque as pessoas cometem erros, primeirodevemos explicar porque elas deveriam estar corretas.

    Em geral, parece que chegamos a um ponto em que todos percebemos que oprprio conceito de equilbrio s pode ser feito definitivo e claro apenas emtermos de suposies ligadas a previses, apesar de que possamos vir adiscordar sobre quais so essas suposies essenciais. Essa questo me ocuparmais para frente nesse ensaio. Por enquanto eu estou preocupado apenas emmostrar que no atual ponto de inflexo, se desejamos definir as fronteiras daesttica econmica ou se desejamos ir alm dela, podemos no escapar doconfuso problema da posio exata que as suposies sobre previses devemocupar em nosso raciocnio. Pode isso ser meramente um acidente?

    Como j sugeri, a razo disso me parece ser que ns temos que lidar aqui comum aspecto especial de uma questo muito mais ampla a qual nos jdeveramos ter lidado num estgio bem anterior. Questes essencialmentesimilares a estas mencionadas surgem de fato assim que tentamos aplicar osistema de tautologias aquelas sries de proposies que sonecessariamente verdadeiras porque so meramente transformaes dassuposies a partir das quais ns comeamos e que constituem o contedoprincipal da anlise de equilbrio situao de uma sociedade constituda por

    diversas pessoas independentes. H muito tempo eu senti que o prprioconceito de equilbrio e os mtodos que empregamos na anlise pura possuemum significado claro apenas quando confinados anlise da ao de uma nicapessoa e que estamos realmente passando para uma esfera diferente esilenciosamente introduzindo um novo elemento de carter distinto quando oaplicamos explicao da interao de um nmero de indivduos distintos.

    Tenho certeza de que existem muitos que enxergam com impacincia edesconfiana toda essa tendncia, a qual inerente em toda moderna anlise

    de equilbrio, de transformar a economia num ramo da lgica pura, umconjunto de proposies auto-evidentes as quais, assim como a matemtica oua geometria, esto sujeitas a nenhum outro teste alm de consistncia interna.Mas parece que, assim que esse processo levado adiante o suficiente, elecarrega consigo seu prprio antdoto. Ao retirar de nosso raciocnio sobre osfatos da vida econmica aquelas partes que so verdadeiras a priori, no sisolamos um elemento daquele como parte da Lgica Pura da Escolha em suapureza, mas tambm isolamos e enfatizamos a importncia de outro elementoque at ento foi muito negligenciado. Minha crtica das tendncias recentes detornar a teoria econmica mais e mais formal no que elas foram muito longe,mas sim que elas no foram longe o bastante para completar o isolamento

  • 7/23/2019 Friedrich Hayek - Economia e Conhecimento

    3/21

    desse ramo da lgica e recolocar em seu lugar devido a investigao deprocessos causais, usando a teoria econmica como uma ferramenta da mesmaforma que a matemtica.

    2

    Porm, antes de eu provar minha contenda de que as proposies tautolgicasda anlise pura de equilbrio no so diretamente aplicveis explicao derelaes sociais, eu devo primeiro mostrar que o conceito de equilbrio possuium significado claro se aplicado s aes de um nico indivduo e quesignificado esse. Contra minha contenda poderia ser argumentado que precisamente aqui que o conceito de equilbrio no importante, porque, sefosse desejado aplica-lo, tudo que poderia ser dito que uma pessoa isoladasempre estaria em equilbrio. Mas essa ltima afirmao, apesar de ser umtrusmo, no mostra nada exceto a maneira atravs da qual o conceito deequilbrio tipicamente mal utilizado. O que relevante no se uma pessoacomo tal est ou no em equilbrio, mas quais de suas aes esto em relaesequilbrio umas com as outras. Todas as proposies da anlise de equilbrio,tais como a proposio de que os valores relativos correspondero a custosrelativos, ou que uma pessoa ir igualar os retornos marginais de um fator emseus diferentes usos, so proposies sobre as relaes entre aes. Aes deuma pessoa podem ser ditas como estando em equilbrio ao passo que elaspossam ser compreendidas como parte de um plano. Apenas se for esse o caso,

    apenas se todas essas aes tiverem sido decididas num nico e mesmomomento, e em considerao com o mesmo conjunto de circunstncias, nossasafirmaes sobre suas interconexes, afirmaes que deduzimos a partir denossas suposies sobre o conhecimento e as preferncias das pessoas,possuem alguma aplicao. importante lembrar que os chamados dados, apartir dos quais ns entramos nesse tipo de anlise, so (exceto seus gostos)todos os fatos dados para a pessoa em questo, as coisas que ela conhece (ouacredita), e no, estritamente falando, fatos objetivos. apenas por causa disseque as proposies que deduzimos so necessariamente a priori vlidas e

    preservamos a consistncia do argumento [3].

    As duas principais concluses dessas consideraes so, primeiro, que, uma vezque relaes de equilbrio existem entre as aes sucessivas de uma pessoaapenas quando elas so parte da execuo de um mesmo plano, qualquermudana no conhecimento relevante da pessoa, ou seja, qualquer mudana quea leve a alterar seu plano, rompe a relao de equilbrio entre suas aespraticadas antes e aquelas praticadas depois da mudana em seuconhecimento. Em outras palavras, a relao de equilbrio compreende apenassuas aes durante o perodo no qual suas antecipaes de provaram corretas.Segundo, que, uma vez que o equilbrio uma relao entre aes, e uma vez

  • 7/23/2019 Friedrich Hayek - Economia e Conhecimento

    4/21

    que a as aes de uma pessoa devem necessariamente tomar formasucessivamente no tempo, bvio que a passagem do tempo essencial paradar ao conceito de equilbrio algum significado. Isso merece meno, j quemuitos economistas parecem ter sido incapazes de encontrar um espao no

    tempo para a anlise de equilbrio e consequentemente sugeriram que oequilbrio deveria ser concebido como independente daquele. Isso me pareceser uma afirmao sem sentido.

    3

    Agora, apesar do que eu disse antes sobre o significado duvidoso da anlise deequilbrio nesse sentido se aplicada s condies de uma sociedadecompetitiva, eu no quero negar, claro, que o conceito foi introduzidooriginalmente precisamente para descrever a idia de algum tipo de balanoentre as aes dos diferentes indivduos. Tudo o que eu argumentei at ento que o sentido no qual usamos o conceito de equilbrio para descrever ainterdependncia das diferentes aes praticadas por uma pessoa no admiteimediatamente aplicao s relaes entre as aes de diferentes pessoas. Aquesto na verdade que uso fazemos daquele conceito quando falamos deequilbrio com referncia a um sistema competitivo.

    A primeira resposta que poderia parecer seguir de nossa abordagem que oequilbrio nesse sentido existe se as aes de todos os membros da sociedade

    durante um perodo so todas execues de seus planos individuais, os quaiscada um decidiu ao incio do perodo. Mas, quando investigamos o queexatamente isso implica, parece que essa resposta levanta mais dificuldades doque resolve. No h dificuldade especial sobre o conceito de uma pessoaisolada (ou um grupo de pessoas direcionada por uma delas) agindo duranteum perodo de acordo com um plano pr-concebido. Nesse caso, o plano noprecisa satisfazer nenhum critrio especial para que sua execuo sejaconcebvel. Ele pode, claro, ser baseado em suposies errneas sobre fatosexternos e por conta disso poder ter que ser mudado. Mas sempre haver um

    conjunto concebvel de eventos externos que poderia tornar possvel o planoser executado como originalmente elaborado.

    A situao diferente, no entanto, com planos determinados simultaneamente,porm independentemente por um nmero de pessoas. Em primeira instancia,para que todos esses planos possam ser levados adiante, necessrio que elessejam baseados na expectativa do mesmo conjunto de eventos externos, umavez que, se diferentes pessoas fossem basear seus planos em expectativasconflitantes, nenhum conjunto de eventos externos poderia condicionar aexecuo de todos esses planos possveis. E, segundo, numa sociedade baseadana troca seus planos iro, num grau considervel, dar origem a aes que

  • 7/23/2019 Friedrich Hayek - Economia e Conhecimento

    5/21

    requerem aes correspondentes por parte de outros indivduos. Isso significaque os planos dos diferentes indivduos devem num sentido especial sercompatveis se para ser ao menos concebvel que aqueles possam ser capazesde levar todos os planos adiante [4]. Ou, para falar a mesma coisa em diferentes

    palavras, uma vez que parte dos dados sob os quais uma pessoa ir basear seusplanos ser a expectativa de que outras pessoas iro agir de uma maneira emespecfico, essencial para a compatibilidade dos diferentes planos que osplanos de um contenham exatamente aquelas aes que formam os dados paraos planos de outro.

    No tratamento tradicional da anlise de equilbrio parte dessa dificuldade aparentemente evitada pela suposio de que os dados, na forma de curvas dedemanda representando gostos individuais e fatos tcnicos, so igualmentedados a todos os indivduos e que sua atuao sob as mesmas premissas ir dealguma forma levar seus planos a uma adaptao mtua. O fato de que isso norealmente supera as dificuldades criadas pelo fato de que as aes de umapessoa so os dados de outra, e que isso envolve at certo ponto raciocniocircular, tem sido lembrado. O que, no entanto, parece at ento ter sidoignorado que todo esse procedimento envolve uma confuso de um cartermuito mais geral, da qual o ponto recm mencionado meramente um casoespecial, e que devida a um equvoco com relao ao termo dados; os dadosque aqui so supostos sendo fatos objetivos e idnticos para todas as pessoasno so evidentemente a mesma coisa que os dados que formavam o ponto de

    partida para as transformaes tautolgicas da Pura Lgica da Escolha. Ldados significavam esses fatos, e apenas aqueles fatos, que estavam presentesna mente do agente, e apenas essa interpretao subjetiva do termo dadosfazia dessas proposies verdades necessrias. Dados significavamdisponveis, conhecidos, para a pessoa em considerao. Mas na transio dessaanlise da ao de um indivduo para a anlise da situao numa sociedade oconceito passou por uma mudana insidiosa de significado.

    4

    A confuso quanto ao conceito de dados est no cerne de tantas dificuldadesnesse campo que necessrio consider-la em maior detalhe. Dados significam, claro, algo dado, mas a questo a qual est em aberto, e que nas cinciassociais capaz de duas diferentes respostas, para quem os dados estosupostos como dados. Os economistas subconscientemente parecem sempreter estado um tanto quanto desconfortveis no que toca esse assunto e teremse reafirmado contra o sentimento de que eles no sabiam de fato para quemos fatos estavam dados ao realarem o fato de que eles estavam dados mesmo usando tais expresses pleonsticas como dados disponveis. Mas issono responde a questo de se os fatos referidos devem ser supostos como

  • 7/23/2019 Friedrich Hayek - Economia e Conhecimento

    6/21

    dados para o economista observador ao para as pessoas cujas aes ele desejaexplicar e, caso estejam dados para as ltimas, se suposto que os mesmosfatos so conhecidos por todas as pessoas diferentes no sistema ou se osdados para as diferentes pessoas podem ser diferentes.

    No parece haver dvida possvel de que esses dois conceitos de dados, porum lado, no sentido dos fatos reais objetivos, que o economista observador suposto conhecendo, e, de outro, no sentido subjetivo, como coisas conhecidaspelas pessoas cujo comportamento tentamos explicar, so realmentefundamentalmente diferentes e deveram ser cuidadosamente diferenciados. E,como veremos, a questo de se os dados no sentido subjetivo do termodeveriam em algum momento corresponder aos dados objetivos um dosprincipais problemas que temos que responder.

    A utilidade da distino se torna imediatamente aparente quando a aplicamos aquesto do que podemos dar a entender com o conceito de uma sociedadeestando em um momento qualquer num estado de equilbrio. Existemevidentemente dois sentidos nos quais pode ser dito que os dados subjetivos,dados a pessoas diferentes, e os planos individuais, os quais necessariamenteseguem aqueles, esto em concordncia. Podemos meramente dar a entenderque esses planos so mutuamente compatveis e que consequentemente existeum conjunto concebvel de eventos externos os quais permitiro que as pessoaslevem adiante seus planos e no causem desapontamentos. Se essa mtua

    compatibilidade de intenes no fosse dada, e se em conseqncia nenhumconjunto de eventos externos pudesse satisfazer todas as expectativas, nsclaramente poderamos dizer que este no um estado de equilbrio. Temosuma situao onde a reviso dos planos por parte de ao menos algumaspessoas inevitvel, ou, para usar uma frase que no passado teve umsignificado um tanto quanto vago, mas que se encaixa perfeitamente situao,onde distrbios endgenos so inevitveis.

    Ainda permanece, contudo, a outra questo de se os conjuntos individuais de

    dados subjetivos correspondem aos dados objetivos e se, em conseqncia, asexpectativas sob as quais os planos se baseavam so confirmadas pelos fatos.Se a correspondncia entre os dados nesse sentido fosse requerida para oequilbrio, nunca seria possvel decidir de outra forma excetoretrospectivamente, ao final do perodo para o qual as pessoas planejaram,mesmo se ao incio a sociedade estivesse em equilbrio. Parece mais emconformidade com o uso estabelecido dizer que em tal caso que o equilbrio, talcomo definido no primeiro sentido, pode ser perturbado por umdesenvolvimento imprevisto dos dados (objetivos) e descrever isso como umaperturbao exgena. De fato, parece remotamente possvel atribuir algumsignificado definido ao conceito amplamente usado de mudana nos dados

  • 7/23/2019 Friedrich Hayek - Economia e Conhecimento

    7/21

    (objetivos) a menos que distingamos entre desenvolvimentos externos emconformidade com e aqueles diferentes do que havia sido esperado, edefinirmos como mudana qualquer divergncia entre o desenvolvimentoatual e aquele esperado, independentemente de significar uma mudana em

    algum sentido absoluto. Se, por exemplo, a mudana das estaesrepentinamente parasse e o clima continuasse constante de certo dia em diante,isso certamente representaria uma mudana de dados em nosso sentido, isto ,uma mudana relativa expectativas, apesar de que em um sentido absolutono representaria uma mudana, mas sim uma ausncia de mudana. Mas tudoisso significa que podemos falar de mudana nos dados apenas se o equilbrionesse primeiro sentido existe, ou seja, se as expectativas coincidem. Caso elasconflitem, qualquer desenvolvimento dos fatos externos pode confirmar asexpectativas de uns e desapontar as expectativas de outros, e no haveriapossibilidade de decidir o que seria uma mudana nos dados objetivos.

    5

    Para uma sociedade, ento, podemos falar de um estado de equilbrio numponto no tempo mas isso significa apenas que os diferentes planos que osindivduos elaboraram para a ao no tempo so mutuamente compatveis. E oequilbrio continuar, uma vez que existir, enquanto os dados externoscorrespondam s expectativas comuns de todos os membros da sociedade. Acontinuao de um estado de equilbrio nesse sentido no ento dependente

    de que os dados objetivos sejam constantes num sentido absoluto e no estnecessariamente confinado a um processo estacionrio. A anlise de equilbriose torna em princpio aplicvel uma sociedade progressiva e quelas relaesintertemporais de preos que nos deram tanto trabalho recentemente [6].

    Essas consideraes parecem iluminar consideravelmente a relao entreequilbrio e previso, a qual esteve sendo entusiasticamente debatidarecentemente [7]. Parece que o conceito de equilbrio significa meramente quea previso dos diferentes membros da sociedade est, num sentido especial,

    correta. Pode estar correta no sentido de que todos os planos esto baseadosjustamente na expectativa naquelas aes de outras pessoas que elaspretendem realizar e que todos esses planos esto baseados na expectativa domesmo conjunto de fatos externos, de maneira que sob certas circunstanciasningum ter motivo para mudar seus planos. Previses corretas ento no so,como s vezes entendido, uma precondio que deve existir para que oequilbrio seja atingido. Ela ao invs a caracterstica que define o estado deequilbrio. E a para esse propsito a previso nem precisa ser perfeita nosentido de que ela precisa se estender a um futuro indefinido ou que todosdevem prever tudo corretamente. Ns deveramos dizer ao invs que oequilbrio durar enquanto as antecipaes se tornem corretas e que elas

  • 7/23/2019 Friedrich Hayek - Economia e Conhecimento

    8/21

    precisam ser corretas apenas no tocante queles pontos que so relevantespara as decises dos indivduos. Mas quanto a essa questo de sobre o que previso ou conhecimento relevante, falaremos mais depois.

    Antes de ir adiante eu provavelmente deveria parar por um momento parailustrar atravs de um exemplo concreto o que eu acabei de dizer sobre osignificado de um estado de equilbrio e como ele pode ser perturbado.Considere as preparaes que estaro acontecendo a qualquer momento para aproduo de casas. Fabricantes de tijolos, encanadores, e outros iro todosestar produzindo materiais que em cada caso correspondero a certaquantidade de casas a qual tal exata quantidade de material especfico serrequerida. Similarmente podemos conceber compradores prospectivosacumulando poupanas que os habilitaro em certas datas comprar certonmero de casas. Se todas essas atividades representam preparaes para aproduo (e aquisio) da mesma quantidade de casas, podemos dizer que hequilbrio entre elas no sentido de que todas as pessoas engajadas nelasdescobriro que podem levar adiante seus planos [8]. Isso no precisanecessariamente acontecer, porque outras circunstncias as quais no so partede seu plano de ao podem vir a ser diferente do que era esperado. Parte dosmateriais pode ser destruda por um acidente, condies climticas podemimpossibilitar a construo, ou uma inveno pode alterar as propores nasquais os diferentes fatores so desejados. Isso o que chamamos de mudananos dados (externos), que perturba um equilbrio que existia. Mas se os

    diferentes planos fossem desde o comeo incompatveis, inevitvel que,acontea o que acontecer, os planos de algum sero desapontados e teroque ser alterados, e em conseqncia todo o complexo de aes durante operodo no mostrar aquelas caractersticas que se aplicam se todas as aesde cada indivduo pudessem ser compreendidas como parte de um nico planoindividual, o qual ele elaborou no incio [9].

    6

    Quando no meio de tudo isso eu enfatizo a distino entre meraincompatibilidade de planos individuais [10] e a correspondncia entre eles e osatuais fatos externos ou dados objetivos, eu no, pretendo sugerir, claro, queo inter-acordo subjetivo no de alguma forma trazido pelos fatos externos.No haveria, claro, motivos para que os dados subjetivos de diferentespessoas corresponderem a menos que eles fossem devidos experincia dosmesmos fatos objetivos. Mas o ponto em questo que a anlise pura deequilbrio no est preocupada com a forma pela qual essa correspondncia atingida. Na descrio de um estado existente de equilbrio que elaproporciona, simplesmente assumido que os dados subjetivos coincidem comos fatos objetivos. As relaes de equilbrio no podem ser meramente

  • 7/23/2019 Friedrich Hayek - Economia e Conhecimento

    9/21

    deduzidas a partir dos fatos objetivos uma vez que a anlise do que as pessoasfaro s pode comear a partir do que conhecido por elas. Da mesma forma aanlise de equilbrio no pode meramente comear a partir de um conjuntodado de dados subjetivos, uma vez que os dados subjetivos das diferentes

    pessoas seriam ou compatveis ou incompatveis, isto , eles j determinariamse o equilbrio existiria ou no.

    No devemos nos extender muito aqui a menos que perguntemos as razoespara nossa preocupao com nosso admitidamente estado fictcio de equilbrio.Seja l o que ocasionalmente possa ser dito por economistas puristas [*1], noparece haver dvida possvel de que a nica justificativa para isso a supostaexistncia de uma tendncia em direo ao equilbrio. apenas atravs dessaafirmao de que tal tendncia existe que a economia deixa de ser um exerccioem lgica pura e se torna uma cincia emprica; e com relao economiaquanto a uma cincia emprica que agora devemos nos voltar.

    Sob a luz de nossa anlise do significado do estado de equilbrio deveria serfcil dizer qual o contedo real da afirmao que uma tendncia em direoao equilbrio existe. Ela pode dificilmente significar algo alm de que, sob certascircunstncias, o conhecimento e intenes dos diferentes membros dasociedade so supostos como ficando cada vez mais e mais de acordo ou, paradizer a mesma coisa em termos menos gerais, menos exatos, porm maisconcretos, que as expectativas das pessoas e particularmente dos

    empreendedores se tornaro cada vez mais e mais corretas. Nessa forma aafirmao da existncia de uma tendncia em direo ao equilbrio claramenteuma proposio emprica, isto , uma afirmao sobre o que acontece nomundo real e que deveria, ao menos em princpio, ser passvel de verificao. Eisso d a nossa um tanto quanto abstrata afirmao um significado de sensocomum um tanto quanto plausvel. O nico problema que ainda estamosmuito no escuro sobre (a) as condiessob as quais essa tendncia supostacomo existente e (b) a natureza do processo atravs do qual o conhecimentoindividual muda.

    7

    Nas apresentaes usuais da anlise de equilbrio geralmente parece que essasquestes sobre como o equilbrio se d lugar j esto resolvidas. Mas, seolharmos mais de perto, logo ficar evidente que essas aparentesdemonstraes no so nada seno a prova aparente do que j foi assumidocomo verdadeiro [11]. O artifcio geralmente adotado para esse propsito geralmente um mercado perfeito no qual todo evento se torna conhecidoinstantaneamente por cada membro. necessrio lembrar aqui que o mercadoperfeito que necessrio para satisfazer as suposies da anlise de equilbrio

  • 7/23/2019 Friedrich Hayek - Economia e Conhecimento

    10/21

    no devem estar confinadas aos mercados especficos de todas as mercadoriasindividuais; todo o sistema econmico deve ser suposto como um grandemercado perfeito no qual todos sabem tudo. A suposio de um mercadoperfeito, ento, significa nada menos que todos os membros da comunidade,

    mesmo se no forem supostos como estritamente oniscientes, so ao menossupostos como automaticamente sabendo tudo que relevante para suasdecises. Parece-me que esse esqueleto em nosso armrio, o homemeconmico, o qual exorcizamos com rezas e jejum, retornou pela porta dosfundos sob a forma de um indivduo quase onisciente.

    A afirmao de que se as pessoas sabem tudo elas esto em equilbrio verdadeira simplesmente porque assim que definimos equilbrio. A suposiode um mercado perfeito nesse sentido apenas outra forma de dizer que oequilbrio existe, mas no nos aproxima de nenhuma explicao sobre quando ecomo tal estado surgir. Est claro que se desejamos fazer a afirmao de que,sob certas condies, as pessoas se aproximaro desse estado, devemosexplicar atravs de qual processo elas iro adquirir o conhecimento necessrio. claro, qualquer suposio sobre a obteno real de conhecimento no cursodesse processo tambm ser de carter hipottico. Mas isso no significa quetodas essas suposies so igualmente justificadas. Temos que lidar aqui comsuposies sobre causalidade, de forma que o que assumimos no deve serapenas tomado como possvel (o que certamente no o caso se consideramosas pessoas oniscientes), mas tambm deve ser tomado como provvel de ser

    verdadeiro; e deve ser possvel, ao menos em princpio, demonstrar que isso verdade em casos particulares.

    O ponto significante aqui que so essas hipteses ou suposiesaparentemente subsidirias de que as pessoas aprendem atravs da experincia,e sobre como elas adquirem conhecimento que constituem o contedoemprico de nossas proposies sobre o que acontece no mundo real. Elasusualmente aparecem disfaradas e incompletas como uma descrio do tipode mercado o qual nossa proposio se refere; mas esse apenas um, embora

    talvez o mais importante aspecto do problema mais geral sobre comoconhecimento adquirido e comunicado. O importante ponto de vista que oseconomistas frequentemente no parecem estar cientes que a naturezadessas hipteses em muitos respeitos um tanto quanto diferente dassuposies de carter mais geral a partir das quais a Pura Lgica da Escolhacomea. As principais diferenas me parecem ser duas:

    Primeiro, as suposies a partir das quais a Pura Lgica da Escolha comea sofatos que sabemos serem comuns a todo pensamento humano. Eles podem sertomados como axiomas que definem ou delimitam o campo dentro do qualsomos capazes de compreender ou mentalmente reconstruir os processos de

  • 7/23/2019 Friedrich Hayek - Economia e Conhecimento

    11/21

    pensamento de outras pessoas. Elas so ento universalmente aplicveis aocampo que estamos interessados apesar, claro, de onde in concreto oslimites desse campo se encontram ser uma questo emprica. Elas se referem aum tipo de ao humana (a qual comumente chamamos de racional ou

    mesmo meramente consciente, distinta da ao instintiva) e no a condiesparticulares sob as quais essa ao tomada. Mas as suposies ou hipteses,que temos que introduzir quando queremos explicar os processos sociais, tem aver com o relacionamento do pensamento de um indivduo com o mundoexterior, com a questo de quanto e como seu conhecimento corresponde aosfatos externos. E as hipteses devem necessariamente ser vlidas em termos desuposies sobre conexes causais, sobre como a experincia criaconhecimento.

    Segundo, enquanto no campo da Pura Lgica da Escolha nossa anlise pode serlevada exausto, ou seja, enquanto aqui podemos desenvolver um aparatoformal que cubra todas as situaes concebveis, as hipteses suplementaresdevem necessariamente ser seletivas, isto , devem selecionar da variedadeinfinita de situaes possveis tipos ideais que por alguma razo tomamos comoespecialmente relevantes para as condies do mundo real [12]. claro,tambm poderamos desenvolver uma cincia distinta, cujo material de estudoestivesseper definitionemconfinado a um mercado perfeito ou algum objetosimilarmente definido, da mesma forma que a Pura Lgica da Escolha se aplicaapenas a pessoas que devem alocar meios limitados uma variedade de fins.

    Para o campo assim definido nossas proposies seriam novamente verdadeiras priori, mas para tal procedimento no possuiramos a justificativa que consistena suposio de que o mundo real semelhante ao que supomos ser.

    8

    Agora eu me voltarei para a questo sobre quais so as hipteses concretasrelacionadas s condies sob as quais as se acredita que as pessoas adquiramo conhecimento relevante e o processo atravs do qual se acredita que elas o

    adquiram. Se estivessem totalmente claras quais so as hipteses usualmenteempregadas a esse respeito, ns teramos que as escrutinizar em dois respeitos:ns teramos que investigar se elas so necessrias e suficientes para explicarum movimento em direo ao equilbrio, e teramos que mostrar em queextenso elas seriam confirmadas pela realidade. Mas eu temo que eu estejachegando agora a um estgio no qual se torna difcil demais dizer quais soexatamente as suposies sob a base das quais afirmamos que existir umatendncia em direo ao equilbrio e alegaremos que nossa anlise possui umaaplicao ao mundo real [13]. Eu no acho que tenho muito mais a dizer quantoa isso. Consequentemente, tudo que eu posso fazer levantar um nmero de

  • 7/23/2019 Friedrich Hayek - Economia e Conhecimento

    12/21

    questes as quais ns tentaremos encontrar uma resposta se desejamos serclaros sobre a significncia de nosso argumento.

    A nica condio cuja necessidade para o estabelecimento de um equilbrio os

    economistas parecem estar bem de acordo a constncia dos dados. Masaps o que dissemos sobre a vagueza do conceito de dados ns devemossuspeitar, e com razo, que isso no nos leva muito longe. Mesmo seassumirmos como provavelmente devemos que aqui o termo usado emseu sentido objetivo (que inclui, como ser lembrado, as preferncias dosdiferentes indivduos), no fica de forma alguma claro que isso necessrio ousuficiente para que as pessoas possam realmente adquirir o conhecimentonecessrio ou que isso foi dito como uma postulao das condies sob asquais elas o faro. sim significante que, de qualquer forma, alguns autoresacham necessrio adicionar conhecimento perfeito como uma condioadicional e separada [14]. De fato, veremos que constncia dos dados objetivosno nem uma condio suficiente nem necessria. Que no pode ser umacondio necessria segue dos fatos, primeiro, que ningum iria quererinterpret-la no sentido absoluto de que nada nunca poder acontecer nomundo, e, segundo, que, como vimos, assim que desejarmos incluir mudanasque ocorrem periodicamente ou mesmo talvez mudanas que tomam formanuma taxa constante, a nica maneira pela qual podemos definir constncia com referncia s expectativas. Tudo no que essa condio se constitui , ento,que deve haver alguma regularidade discernvel no mundo que torne possvel

    prever eventos corretamente. Mas, enquanto isso claramente insuficiente paraprovar que as pessoas aprendero a prever eventos corretamente, o mesmo verdade num grau um pouco menor mesmo sobre a constncia dos dados numsentido absoluto. Para qualquer individuo, constncia de dados no significa demaneira alguma constncia dos fatos independentes de si, j que, claro,apenas os gostos e no as aes das outras pessoas podem nesse sentida sertomadas como constantes. Como todas essas outras pessoas iro mudar suasdecises conforme ganham experincia sobre os fatos externos e sobre asaes de terceiros, no h motivos mata que esses processos de mudanas

    sucessivas cheguem algum dia a um final. Essas dificuldades so bemconhecidas [15], e eu as menciono aqui apenas para lembr-los de quo poucosabemos na verdade sobre as condies sob as quais um equilbrio ser algumdia atingido. Mas eu no proponho seguir essa linha de raciocnio adiante,embora no porque essa questo da probabilidade emprica de que as pessoasaprendero (isto , que seus dados subjetivos correspondero entre si e com osfatos objetivos) esteja em falta de problemas no resolvidos e interessantes. Omotivo que me parece haver uma outra maneira mais frutfera de seaproximar ao problema central.

    9

  • 7/23/2019 Friedrich Hayek - Economia e Conhecimento

    13/21

    As questes que acabei de discutir sobre as condies sob as quais as pessoasprovavelmente iro adquirir o conhecimento necessrio e sobre o processo peloqual elas o iro adquirir, receberam ao menos alguma ateno em discusses

    passadas. Mas h uma questo adicional que me parece ser igualmenteimportante, mas que no parece ter recebido ateno alguma, e ela sobrequanto e que tipo de conhecimento os diferentes indivduos devem possuirpara que estejam em condies de falar de equilbrio. claro que, se o conceitodeve possuir algum significado emprico, ele no pode pressupor que todossabem tudo. Eu j tive que usar o indefinido termo conhecimento relevante,isto , o conhecimento que relevante para uma pessoa em particular. Masqual esse conhecimento relevante? Ele pode simplesmente significar oconhecimento que acabou influenciando suas aes, porque suas decisespoderiam ser diferentes no s se, por exemplo, o conhecimento possudofosse correto ao invs de incorreto, mas tambm se ele possusse conhecimentosobre campos completamente distintos.

    Claramente h aqui um problema de diviso de conhecimento [16] que bemanlogo e ao menos to importante quanto o da diviso do trabalho. Mas,enquanto o ltimo tem sido um dos principais objetos de investigao desde oincio de nossa cincia, o primeiro tem sido completamente negligenciado,apesar de me parecer realmente o problema central da economia como umacincia social. O problema que pretendemos resolver como a interao

    espontnea de um nmero de pessoas, cada uma possuindo apenas bits deconhecimento, d origem a um estado de coisas no qual preos correspondema custos, etc., e que s poderia ter sido levado a cabo atravs de aodeliberada apenas por algum que possusse o conhecimento combinado detodos esses indivduos. A experincia nos mostra que algo desse tipo acontece,uma vez que a observao emprica de que preos tendem a corresponder aoscustos foi o incio de nossa cincia. Mas em nossa anlise, ao invs de mostrarque bits de informao as diferentes pessoas precisam possuir para queacontea tal aquele resultado, ns camos em efeito de novamente na

    suposio de que todos sabem de e assim evitamos qualquer soluo real doproblema.

    Antes, contudo, de poder seguir adiante para considerar essa diviso deconhecimento entre as diferentes pessoas, necessrio ser mais especficoquanto ao tipo de conhecimento que relevante nessa conexo. Tornou-secostumeiro entre economistas enfatizar apenas o conhecimento de preos,aparentemente porque como uma conseqncia das confuses entre dadosobjetivos e subjetivos o completo conhecimento dos fatos objetivos eratomado como disponvel. Mais recentemente mesmo o conhecimento dospreos vigentes tem sido tanto tomado como disponvel que a nica conexo

  • 7/23/2019 Friedrich Hayek - Economia e Conhecimento

    14/21

    na qual a questo do conhecimento foi tratada como problemtica tem sido aantecipao de preos futuros. Mas, como eu j indiquei no comeo desseensaio, as expectativas de preos e mesmo o conhecimento dos preos vigentesso apenas uma pequena seo do problema do conhecimento como eu o

    enxergo. O aspecto mais amplo do problema do conhecimento com o qual euestou preocupado o conhecimento do fato bsico de como as diferentesmercadorias podem ser obtidas e usadas [17], e sob quais condies elas sorealmente obtidas e usadas, isto , a questo geral de como os dados subjetivosdas pessoas correspondem aos fatos objetivos. Nosso problema doconhecimento aqui apenas a existncia dessa correspondncia que em muitada anlise atual de equilbrio simplesmente suposta como existente, mas aqual temos que explicar se desejamos mostrar porque as proposies, as quaisso necessariamente verdadeiras sobre a atitude de uma pessoa para com ascoisas que ou ela acredita que tenham certas propriedades, ou que, por algumarazo que ainda temos que explicar, so comumente creditadas pelos membrosda sociedade como possuindo essas propriedades [18].

    Mas, para voltarmos ao problema especial que eu vinha discutindo, aquantidade de conhecimento que os diferentes indivduos devem possuir paraque o equilbrio possa prevalecer (ou o conhecimento relevante que elesdevem possuir): devemos chegar mais prximos de uma resposta selembrarmos como pode se tornar aparente tanto que o equilbrio no existia ouque ele est sendo perturbado. Vimos que as conexes de equilbrio sero

    danificadas se qualquer pessoa mudar seus planos, tanto porque seus gostosmudaram (o que no nos preocupa aqui) ou porque novos fatos se tornamconhecidos para ela. Mas h evidentemente duas maneiras diferentes pelasquais ela pode aprender novos fatos que a faam mudar seus planos, o quepara nossos propsitos so de uma importncia completamente diferente. Elapode aprender novos fatos como se fosse por acidente, isto , de uma formaque no seja necessariamente uma conseqncia de sua tentativa de executarseu plano original, ou pode ser inevitvel que no curso de sua tentativa eladescubra que os fatos so diferentes do que ela esperava. bvio que, para que

    ela possa prosseguir de acordo com o plano, seu conhecimento precisa estarcorreto apenas quanto aos pontos que sero necessariamente corrigidos ouconfirmados no decorrer da execuo do plano. Mas ela pode no terconhecimento de coisas que, se ela possusse, certamente iriam afetar seuplano.

    Ento, a concluso que devemos obter que o conhecimento relevante quedeve ser possudo para que o equilbrio possa prevalecer o conhecimento quea pessoa est determinada a adquirir devido posio a qual ela ocupa, e aosplanos que ela ento elabora. Certamente no todo o conhecimento que, seela adquirisse por acidente, lhe seria til e provocaria uma mudana no plano.

  • 7/23/2019 Friedrich Hayek - Economia e Conhecimento

    15/21

    Podemos ento muito bem ter uma posio de equilbrio apenas porquealgumas pessoas no tm oportunidade de aprender sobre fatos os quais seelas os conhecessem, as induziriam a mudar seu plano. Ou, em outras palavras, apenas relativo ao conhecimento que uma pessoa est determinada a adquirir

    no decorrer de sua tentativa de levar adiante seu plano original que umequilbrio poder ser atingido.

    Enquanto tal posio represente num sentido uma posio de equilbrio, estclaro que no um equilbrio no sentido especial no qual o equilbrio tomadocomo um tipo de posio tima. Para que os resultados da combinao de bitsindividuais de conhecimento sejam comparveis aos resultados da direo deum ditador onisciente, condies adicionais aparentemente devem serintroduzidas [19]. Embora deva ser possvel definir a quantidade deconhecimento que os indivduos precisam ter para que esse resultado acontea,eu no conheo tentativa real nessa direo. Uma condio provavelmente seriaque cada um dos usos alternativos de qualquer tipo de recurso seja conhecidopelo dono de alguns desses recursos atualmente usados para outro fim e quedessa maneira todos os usos diferentes desses recursos esto conectados,direta ou indiretamente. Mas eu menciono essa condio apenas como umexemplo de como ser suficiente na maioria dos casos que em cada campo hajacerta margem de pessoas que possuam entre elas todo o conhecimentorelevante. Elaborar isso melhor seria uma tarefa interessante e muitoimportante, mas uma tarefa que excederia muito os limites desse ensaio.

    Apesar de o que eu disse sobre isso tenha sido largamente sob a forma decrticas, eu no quero parecer excessivamente desanimado com tudo que jconseguimos. Mesmo se tivermos pulado um link essencial em nossaargumentao, eu ainda acredito que, pelo que est implcito nela, a economiachegou mais prximo que qualquer outra cincia social de responder a questocentral de todas as cincias sociais: como pode a combinao de fragmentos deconhecimento existentes em mentes diferentes levar a resultados que, sefossem buscados deliberadamente, iriam requerer um conhecimento da parte

    da mente diretora que ningum seria capaz de possuir? Para mostrar nessesentido que as aes espontneas dos indivduos iro, sob condies quepodemos definir, resultar numa distribuio de recursos que pode sercompreendida como se fosse parte de um nico plano, embora ningum atenha planejado, me parece de fato uma resposta ao problema que as vezestem sido metaforicamente descrito como aquele da mente social. Mas nodevemos ficar surpresos que tais alegaes tm sempre sido rejeitadas, uma vezque no as baseamos nos campos corretos.

    H mais um ponto sobre esse assunto que eu gostaria de mencionar. que, se atendncia em direo ao equilbrio, que em campos empricos temos razo para

  • 7/23/2019 Friedrich Hayek - Economia e Conhecimento

    16/21

    acreditar que existe, apenas um equilbrio relativo quele conhecimento queas pessoas iro adquirir no decorrer de sua atividade econmica, e se qualqueroutra mudana de conhecimento deve ser tomada como uma mudana nosdados no sentido usual do termo, o que fica fora da esfera da anlise de

    equilbrio, isso significaria que a anlise de equilbrio realmente no pode nosdizer algo sobre a significncia de tais mudanas no conhecimento, e issotambm chegaria at a levar em conta o fato de que a anlise pura parece terextraordinariamente pouco a dizer sobre instituies, como a imprensa, cujopropsito comunicar conhecimento. Isso poderia at explicar porque apreocupao com a pura anlise deva criar to freqentemente uma cegueirapeculiar quanto ao papel desempenhado na vida real por instituies tais comoa propaganda.

    10

    Com essas notas um tanto quanto superficiais sobre tpicos que mereceriamexame muito mais cuidadoso eu devo concluir minha pesquisa sobre essesproblemas. H apenas mais uma ou duas notas adicionais que eu gostaria defazer.

    Uma que, ao realar a natureza das proposies empricas que precisamosfazer se o aparato formal da anlise de equilbrio deva servir como explicaodo mundo real, e ao enfatizar que as proposies sobre como as pessoas

    aprendero, proposies que so relevantes nesse assunto, so de umanatureza fundamentalmente diferente daquela da anlise formal, eu notenciono sugerir que isso abre ento um novo grande campo para pesquisasempricas. Eu duvido muito se tal investigao nos ensinaria alguma coisa nova.O ponto importante na verdade que ns deveramos nos dar conta de quaisso as questes do fato cuja aplicabilidade de nosso argumento ao mundo realdepende, ou para dizer a mesma coisa com outras palavras, em que pontonosso argumento, quando aplicado aos fenmenos do mundo real, se tornapassvel de verificao.

    O segundo ponto que eu no desejo, claro, sugerir que o tipo dosproblemas que estivemos discutindo estivesse ausente na argumentao doseconomistas das geraes anteriores. A nica objeo que pode ser feita contraeles que eles misturaram tanto os dois tipos de proposies, as a priorie asempricas, das quais todo economista realista se utiliza constantemente, que frequentemente quase impossvel de enxergar que tipo de validade elesalegavam para uma afirmao em particular. Trabalhos mais recentes tm ficadoisentos desse erro mas apenas sob o preo de deixar mais e mais obscura qualo tipo de relevncia que seus argumentos tinham com relao ao mundo real.Tudo que eu tentei fazer tem sido achar o caminho de volta para o significado

  • 7/23/2019 Friedrich Hayek - Economia e Conhecimento

    17/21

    de sentido comum de nossa anlise, o qual, temo eu, estamos prestes a perderde vista conforme ela se torna cada vez mais elaborada. Voc pode at sentirque a maior parte do que eu disse foi senso comum. Mas de tempos emtempos provavelmente necessrio se separar das tecnicalidades do

    argumento e perguntar um tanto quanto ingenuamente o porqu de tudoaquilo. Se eu fui capaz de mostrar no s que tampouco a respeito de algumascoisas a resposta para essa pergunta no s bvia, mas que ocasionalmentens nem sabemos qual ela , eu fui bem sucedido em meu propsito.

    Notas do Autor

    [1] Ou ao invs falsificao (cf. K.R. Popper, Logik der Foschung (Viena, 1935),

    passim).

    [2] Uma abordagem mais completa do processo pelo qual a significncia dasantecipaes foi gradualmente introduzida na anlise econmicaprovavelmente comearia com o livro de Irving Fisher Appreciation and Interest(1896).

    [3] Cf., sobre esse ponto em particular, Ludwig von Mises, Grundprobleme derNationalkonomie (Jena, 1933), pp. 22 ff., 160 fl.

    [4] H muito tempo tem sido uma causa de espanto para mim porque, deacordo com meu conhecimento, no tem havido tentativas sistemticas nasociologia em analisar relaes sociais em termos de correspondncia e nocorrespondncia, ou compatibilidade e no compatibilidade, de metas e desejosindividuais.

    [5] Cf. o artigo desse autor, The Maintenance of Capital, Economica, (1935),265, reimpressa em Profits, Interest and Investiment(Londres, 1939).

    [6] Essa separao do conceito de equilbrio de um estado estacionrio meparece nada mais que o resultado necessrio de um processo que veio sedesenvolvendo durante um bom tempo. Que essa associao de dois conceitosno essencial, mas devida apenas a razes histricas hoje provavelmentegeralmente sentido. Se a completa separao ainda no foi efetuada, issoacontece aparentemente apenas porque nenhuma definio alternativa deestado de equilbrio foi ainda sugerida e que tornasse possvel definir numaforma geral aquelas proposies da anlise de equilbrio que soessencialmente independentes do conceito de um estado estacionrio. Ainda

    sim evidente que a maioria das proposies da anlise de equilbrio supostacomo sendo aplicveis apenas naquele estado estacionrio que nunca ser

  • 7/23/2019 Friedrich Hayek - Economia e Conhecimento

    18/21

    atingido. O processo de separao parece ter comeado com a distino deMarshall entre equilbrios de curto e longo prazo. Cf. afirmaes como esta:Quanto a natureza do equilbrio em si, e das causas atravs das quais ele determinado, ela depende da durao do perodo ao qual o mercado continua

    a operar (Principles [7 ed.], I, 330). A idia de um estado de equilbrio que nofosse um estado estacionrio j estava inerente em meu Das intertemporaleGleichgewichtsystem der Preise und die Bewgungen ds Geldwerters,Weltwirtschafthches Archiv, Vol XXVIII (Junho, 1928), e , claro, essencial sedesejamos usar o aparato de equilbrio para explicar qualquer fenmenoconectado com investimento. Sobre o assunto completo, muita informaohistrica pode ser encontrada em E. Schams, Komparative Statik,Zeitschrift frNationalkonomie, Vol II, No I (1930). Ver tambm F.H. Knight, The Ethics ofCompetition(Londres, 1935), p. 175 n.; e para alguns outros desenvolvimentosdesde que esse ensaio foi originalmente publicado, ver o livro do presente autorPure Theory of Capital (Londres, 1941), cap ii.

    [7] Cf. particularmente Oskar Morgenstern, Vollkommene Voraussicht undwirtschaftliches Gleichgewicht,Zeitschrift fr Nationakonomie, VI (1934), 3.

    [8] Outro exemplo de maior importncia geral seria, claro, a correspondnciaentre investimento e poupana no sentido da proporo (em termos decusto relativo) na qual os empreendedores provm bens de produo econsumo numa data em particular, e a proporo na qual os consumidores em

    geral iro nessa data distribuir seus recursos entre bens de consumo eproduo (cf. meus ensaios Price Expectations, Monetary Disturbances andMalinvestiment [1933], reimpressa em Profits, Interest, and Investiment[Londres, 1939], pp. 135-56 e The Maintence of Capital, no mesmo volume, pp.83-134) Pode ser de interesse nessa conexo mencionar que no curso deinvestigaes do mesmo campo, que levou o presente autor a essasespeculaes, o da teoria das crises, o grande socilogo francs G. Tardeenfatizou a contradiction de croyances ou contradiction de jugements oucontradictions de esprences como a causa principal desses fenmenos

    (Psychologie conomique [Paris, 1902], II, 128-29; cf. tambm N. Pinkus, DasProblem ds Normalen in der Nationalkonomie[Leipzig, 1906], pp. 252 e 275).

    [9] Trata-se de uma questo interessante, mas uma que no podemos discutiraqui, se, para que possamos falar de equilbrio, todo indivduo deve estarcorreto, ou se no seria suficiente se, em conseqncia de uma compensaode erros em diferentes direes, as quantidades das diferentes mercadoriaslevadas ao mercado fossem as mesmas caso todos os indivduos estivessemcertos. Parece-me que equilbrio no sentido estrito iria demandar a primeiracondio satisfeita, mas eu consigo conceber que um conceito mais amplo,requerendo apenas a segunda condio, possa ser ocasionalmente til. Uma

  • 7/23/2019 Friedrich Hayek - Economia e Conhecimento

    19/21

    discusso mais profunda desse problema teria que considerar toda a questoda significncia que alguns economistas (incluindo Pareto) atribuem lei dosgrandes nmeros nesse assunto. Sobre o argumento geral ver P.N. Rosestein-Rodan, The Coordination of the General Theories of Money and Price,

    Economica, Agosto, 1936.

    [10] Ou, j que em vista do carter tautolgico da Pura Lgica da Escolhaplanos individuais e dados subjetivos podem ser usadosintercambiantemente, a concordncia entre o dado subjetivo dos diferentesindivduos.

    [11] Parece ser implicitamente admitido, apesar de pouco conscientementereconhecido, que recentemente frequentemente evidenciado que a anlise deequilbrio apenas descreve as condies de equilbrio sem tentar derivar aposio de equilbrio a partir dos dados. A anlise de equilbrio nesse sentidoseria, claro, pura lgica e no conteria afirmaes sobre o mundo real.

    [12] A distino feita aqui pode ajudar a resolver a velha diferena entreeconomistas e socilogos quanto ao papel que os tipos ideais desempenhamna construo da teoria econmica. Os socilogos costumavam enfatizar que oprocedimento usual da teoria econmica envolvia a suposio de alguns tiposideais, enquanto o terico econmico mostrava que seu raciocnio era de talgeneralidade que ele no precisava usar nenhum tipo ideal. A verdade parece

    ser que dentro do campo da Pura Lgica da Escolha, no qual o economistaestava muito interessado, ele estava correto em sua suposio, mas que, assimque ele quis us-la para a explicao de um processo social, ele teve que usartipos ideais de uma variedade ou de outra.

    [13] Os antigos economistas costumavam ser mais explcitos quanto a esseponto do que seus sucessores. Ver, por exemplo, Adam Smith (Riqueza dasNaes, ed. Cannan, I, 116): Para, contudo, que essa igualdade [de salrios]possa vir a acontecer com todas as suas vantagens ou desvantagens, trs coisas

    so necessrias mesmo quando h perfeita liberdade. Primeiro, o emprego deveser bem conhecido e estabelecido de longa data na vizinhana...; ou DavidRicardo (Letters to Malthus,22 de Outubro de 1811, p.18): No me pareceriaum resposta correta dizer que os homens so ignorantes do melhor e maisbarato modo de conduzirem seu negcio e pagar suas dvidas, porque essa uma questo de fato e no de cincia, e poderia ser argumentado contraqualquer proposio na Economia Poltica..

    [14] Ver N. Kaldor, A Classificatory Note on the Determinateness ofEquilibrium, em Review of Economic Studies,1, No 2 (1934), 123.

  • 7/23/2019 Friedrich Hayek - Economia e Conhecimento

    20/21

    [15] Ibid., passim.

    [16] Cf. L. v. Mises, GemeinUlirtschaft (2d ed.; Jena, 1932), p. 96: "Die Verteilungder Verfgungsgewalt ber die wirtschaftlichen Gter der arbeitstelig

    wirtschaftenden Sozialwirtschaft auf Yide Individuen bewirkt eine Art geistigeArbeitsteilung, ohne die Produktiuilsrechnung und Wirtschaft nicht mglichware."

    [17] Conhecimento nesse sentido mais do que usualmente descrito comohabilidade, e a diviso de conhecimento a qual nos referimos aqui mais doque compreendido pela diviso do trabalho. Para colocar resumidamente,habilidade se refere apenas ao conhecimento o qual a pessoa utiliza em suatroca, enquanto o conhecimento adicional sobre o qual devemos saber algopara sermos capazes de dizer alguma coisa sobre os processos na sociedade oconhecimento de possibilidades alternativas de ao as quais ela no faz usodireto. Pode ser adicionado que o conhecimento, no sentido em que o termo usado aqui, idntico com previso apenas no sentido de que todo oconhecimento capacidade de prever.

    [18] Que todas as proposies da teoria econmica se referem a coisas que sodefinidas em termos de atitudes humanas para com elas, ou seja, que o acarsobre o qual a teoria econmica pode ocasionalmente falar no definido porsuas qualidades objetivas, mas sim pelo fato de que as pessoas acreditam que

    ele preencher certas necessidades suas de certa forma, a fonte de todas asdificuldades e confuses, particularmente em relao ao problema deverificao. tambm, claro, nessa conexo que o contraste entre a cinciasocial verstehndee a abordagem comportamental se torna to flagrante. Eu noestou certo de que os comportamentalistas nas cincias sociais esto cientes dequantoda abordagem tradicional eles teriam que abandonar se quisessem serconsistentes ou se quisessem aderir a ela consistentemente se estivessem a parde tudo aquilo. Isso implicaria, por exemplo, que as proposies da teoriamonetria teriam que se referir exclusivamente a, digamos, discos redondos de

    metal, portadores de certa estampa, ou algum objeto ou grupo de objetossimilarmente definidos.

    [19] Essas condioes sao usualmente descritas como ausencia de frices.Num artigo recentemente publicado ("Quantity of Capital and the Rate ofInterest,"Journal of Political Economy, XLIV, No. 5 [1936], 638) Frank H. Knightcorretamente mostra que erro o significado usual de frico na discussoeconmica..

  • 7/23/2019 Friedrich Hayek - Economia e Conhecimento

    21/21

    [20] Essa seria uma, mas provavelmente no uma condio suficiente paragarantir que, com um dado estado de demanda, a produtividade marginal dosdiferentes fatores de produo em seus diferentes usos deva ser equalizada eque nesse sentido um equilbrio de produo devesse aparecer. Que ela no

    necessria, como se poderia acreditar, que todo uso alternativo possvel dequalquer tipo de recursos deva ser conhecido por ao menos um dentre osdonos de cada grupo de recurso que usado para um propsito em particularse deve ao fato de que as alternativas conhecidas pelos donos dos recursosnum uso em particular esto refletidas nos preos desses recursos. Dessa forma,poderia ser uma distribuio suficiente de conhecimento dos usos alternativosm, n, o ... y, z de uma mercadoria, se A, que usa a quantidade desses recursosem sua posse para msabe de n, e B, que a usa para n, sabe de m, enquanto C,que a usa para o, sabe de n,etc., at que cheguemos a L, que a usa paraz, massabe apenas de y. Eu no estou certo de como, somando-se a isso, umadistribuio particular do conhecimento das diferentes propores requeridanas quais os diferentes fatores podem ser combinadas na produo de qualquermercadoria. Isso pois suposies adicionais sobre o conhecimento que osconsumidores possuem sobre a funcionabilidade das mercadorias para asatisfaes de seus desejos sero necessrias para um equilbrio completo.

    Notas do Tradutor

    [*1] Overpure.