fridman, fania. do chão religioso à terra privada_o caso da fazenda de santa cruz no rio de...

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Citação: FRIDMAN, Fania. Do chão religioso à terra privada: o caso da Fazenda de Santa Cruz no Rio de Janeiro. Cadernos Ippur (1), jan-jul 2002. De chão religioso à terra privada: o caso da Fazenda de Santa Cruz Fania Fridman Introdução A Fazenda de Santa Cruz no Rio de Janeiro, organizada pela ordem jesuítica em 1656, originou-se de três parcelas de terras: a primeira, de 8 léguas pertencentes desde 1567 a Cristovão Monteiro, ouvidor-mór do Rio de Janeiro, cuja viúva doou aos padres, em 1589, a metade da propriedade localizada entre a ilha de Itacurussá e Guaratiba. A outra metade foi obtida, em 1654, através de permuta por terrenos em Bertioga, na capitania de São Vicente. Quanto às demais parcelas, os religiosos adquiriram 1 em 1616 as terras doadas a Manoel Velloso de Espinha com quinhentas braças de testada por mil e quinhentas de sertão, posteriormente seis léguas de uma sesmaria nas cabeceiras do Guandu dos herdeiros de Manoel Correia 2 e mais outras de Francisco Frazão de Souza. Santa Cruz, o que totalizava aproximadamente 10 léguas em quadra (2.167 km 2 ), 3 e incluía as ilhas de Guaraqueçaba (em Guaratiba) e de Itingussu 4 (em Mangaratiba), a serra de Mata-Cães (em Vassouras) e o rio Paraíba do Sul, incluindo a Baixada do maciço da Pedra Branca. Limitava-se ao norte com a freguesia de Sacra Família do Tinguá, a leste com a linha do Curral Falso, a ilha de Guaraqueçaba, os frades do Carmo em Guaratiba, a mata da Paciência e com Marapicu, a oeste chegava à ilha de Itingussu e na direção sul, ao mar. 5 Tratava-se de uma região estratégica pois ao permitir o acesso às capitanias do sul, acompanhava parte da rota da prata vinda de Buenos Aires e, do ponto de vista militar, era passagem das expedições que dirigiam-se à Colônia de Sacramento dos espanhóis. 6 Uma porção da Fazenda, a planície mais a faixa litorânea (na Pedra, em Sepetiba e na ilha da Pescaria), foi dividida em arrendamentos, 7 pois os religiosos, contrariamente aos demais 1 Segundo Leite (1938) pelo preço de 60$000. 2 Foram compradas em 1654 três léguas de Correa por 400$000. Manoel Correa era parente da família Correia de Sá. 3 Há autores como Leite (op.cit.) que afirmam que a área total da Fazenda era de 1.800 km². 4 O rio Itinguçu divide o território de Angra dos Reis daquele da freguesia de Itaguaí e do qual dista uma légua e meia a ilha da Madeira, onde principiava o termo da vila de Itaguaí. 5 A fazenda pertencia à Província do Rio de Janeiro (termo) e extrapolava os limites da cidade: ocupava todo o atual bairro de Santa Cruz no município do Rio de Janeiro e parte de dez municípios fluminenses (Itaguaí, Barra do Piraí, Mendes, Nova Iguaçu, Paracambi, Paulo de Frontin, Piraí, Rio Claro, Vassouras e Volta Redonda). 6 "(...) O litoral de Sepetiba (...) era outrora frequentado por falluas que o punham em contato com a Corte, tornando-se por isso mesmo bastante conhecidos os portos locais por onde saíam para a Europa, em tempos idos, o pau-brasil cortado nas matas da região" (Silva, 1961:87). A baía de Ilha Grande foi descoberta em 1502 por André Gonçalves. A região era ocupada por índios tamoios e tupinambás que viviam da caça, pesca, coleta de frutos e agricultura de milho, mandioca e algodão no continente (de Cabo Frio até Bertioga). Havia trocas entre as aldeias do litoral e aquelas do interior. A baía de Ilha Grande tornou-se ponto de corsários e piratas (ingleses, flamengos e franceses) atraídos pelo fluxo de riquezas: incialmente o comércio do pau-brasil e posteriormente no tráfico de escravos, cana de açúcar, ouro, diamantes. Realizavam escambos com os indígenas e atacavam as embarcações portuguesas. O porto de Angra dos Reis, reconhecido oficialmente em 1560, de excelente localização, tornou-se importante ponto de colonização com seus engenhos de açúcar e de aguardente instalados no século XVII. No século XVIII, era o maior escoadouro do ouro de Minas Gerais, e o segundo porto da região sul do país. Com a decadência da mineração passou a exportar açúcar e posteriormente café do Vale do Paraíba até sua decadência a partir da metade do século XIX com o fim do tráfico negreiro. Itaguaí, Taguaí, itaguá-y ou itauá-y (rio das barreiras ou dos tauás, ou rio da pedra furada ou pedra da enseada) é um rio que nasce na serra do Gericinó e desemboca na baía de Sepetiba onde havia um porto defronte da ilha da Madeira. 7 Como os locatários estavam autorizados a criar gado, muitos autores interpretam os arrendamentos como “aluguel de terras para pastos.”

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FRIDMAN, Fania. Do Chão Religioso à Terra Privada_o Caso Da Fazenda de Santa Cruz No Rio de Janeiro

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  • Citao: FRIDMAN, Fania. Do cho religioso terra privada: o caso da Fazenda de Santa Cruz no

    Rio de Janeiro. Cadernos Ippur (1), jan-jul 2002.

    De cho religioso terra privada: o caso da Fazenda de Santa Cruz

    Fania Fridman

    Introduo

    A Fazenda de Santa Cruz no Rio de Janeiro, organizada pela ordem jesutica em 1656,

    originou-se de trs parcelas de terras: a primeira, de 8 lguas pertencentes desde 1567 a Cristovo

    Monteiro, ouvidor-mr do Rio de Janeiro, cuja viva doou aos padres, em 1589, a metade da

    propriedade localizada entre a ilha de Itacuruss e Guaratiba. A outra metade foi obtida, em 1654,

    atravs de permuta por terrenos em Bertioga, na capitania de So Vicente. Quanto s demais

    parcelas, os religiosos adquiriram1 em 1616 as terras doadas a Manoel Velloso de Espinha com

    quinhentas braas de testada por mil e quinhentas de serto, posteriormente seis lguas de uma

    sesmaria nas cabeceiras do Guandu dos herdeiros de Manoel Correia2 e mais outras de Francisco

    Frazo de Souza. Santa Cruz, o que totalizava aproximadamente 10 lguas em quadra (2.167 km2),3

    e inclua as ilhas de Guaraqueaba (em Guaratiba) e de Itingussu4 (em Mangaratiba), a serra de

    Mata-Ces (em Vassouras) e o rio Paraba do Sul, incluindo a Baixada do macio da Pedra Branca.

    Limitava-se ao norte com a freguesia de Sacra Famlia do Tingu, a leste com a linha do Curral

    Falso, a ilha de Guaraqueaba, os frades do Carmo em Guaratiba, a mata da Pacincia e com

    Marapicu, a oeste chegava ilha de Itingussu e na direo sul, ao mar.5 Tratava-se de uma regio

    estratgica pois ao permitir o acesso s capitanias do sul, acompanhava parte da rota da prata

    vinda de Buenos Aires e, do ponto de vista militar, era passagem das expedies que dirigiam-se

    Colnia de Sacramento dos espanhis.6

    Uma poro da Fazenda, a plancie mais a faixa litornea (na Pedra, em Sepetiba e na ilha da

    Pescaria), foi dividida em arrendamentos, 7 pois os religiosos, contrariamente aos demais

    1 Segundo Leite (1938) pelo preo de 60$000. 2Foram compradas em 1654 trs lguas de Correa por 400$000. Manoel Correa era parente da famlia Correia de S. 3 H autores como Leite (op.cit.) que afirmam que a rea total da Fazenda era de 1.800 km. 4 O rio Itinguu divide o territrio de Angra dos Reis daquele da freguesia de Itagua e do qual dista uma lgua e meia

    a ilha da Madeira, onde principiava o termo da vila de Itagua. 5A fazenda pertencia Provncia do Rio de Janeiro (termo) e extrapolava os limites da cidade: ocupava todo o atual

    bairro de Santa Cruz no municpio do Rio de Janeiro e parte de dez municpios fluminenses (Itagua, Barra do Pira,

    Mendes, Nova Iguau, Paracambi, Paulo de Frontin, Pira, Rio Claro, Vassouras e Volta Redonda). 6 "(...) O litoral de Sepetiba (...) era outrora frequentado por falluas que o punham em contato com a Corte, tornando-se por isso mesmo bastante conhecidos os portos locais por onde saam para a Europa, em tempos idos, o pau-brasil

    cortado nas matas da regio" (Silva, 1961:87). A baa de Ilha Grande foi descoberta em 1502 por Andr Gonalves. A regio era ocupada por ndios tamoios e tupinambs que viviam da caa, pesca, coleta de frutos e agricultura de milho,

    mandioca e algodo no continente (de Cabo Frio at Bertioga). Havia trocas entre as aldeias do litoral e aquelas do

    interior. A baa de Ilha Grande tornou-se ponto de corsrios e piratas (ingleses, flamengos e franceses) atrados pelo

    fluxo de riquezas: incialmente o comrcio do pau-brasil e posteriormente no trfico de escravos, cana de acar, ouro,

    diamantes. Realizavam escambos com os indgenas e atacavam as embarcaes portuguesas. O porto de Angra dos

    Reis, reconhecido oficialmente em 1560, de excelente localizao, tornou-se importante ponto de colonizao com seus

    engenhos de acar e de aguardente instalados no sculo XVII. No sculo XVIII, era o maior escoadouro do ouro de

    Minas Gerais, e o segundo porto da regio sul do pas. Com a decadncia da minerao passou a exportar acar e

    posteriormente caf do Vale do Paraba at sua decadncia a partir da metade do sculo XIX com o fim do trfico

    negreiro. Itagua, Tagua, itagu-y ou itau-y (rio das barreiras ou dos taus, ou rio da pedra furada ou pedra da

    enseada) um rio que nasce na serra do Gericin e desemboca na baa de Sepetiba onde havia um porto defronte da ilha

    da Madeira. 7Como os locatrios estavam autorizados a criar gado, muitos autores interpretam os arrendamentos como aluguel de terras para pastos.

  • proprietrios fundirios, preferiram este sistema para manter o controle absoluto sobre suas

    propriedades. Ainda assim eram chamados de foreiros. Em 1729 achavam-se instalados no litoral

    26 arrendatrios8 com a finalidade de controlar o porto. Da Vala do Piloto (Peri-Peri) at o rio

    Paraba do Sul, passando pelos brejos, era considerada reserva.

    A produo econmica dedicava-se pecuria, s atividades agrcolas (acar, arroz, feijo,

    mandioca, guaxima, 9 anil, fumo, algodo, cochonilha, legumes, frutas, cacau e caf) e

    manufatureiras. Na Fazenda havia olaria, ferraria, carpintaria, serraria, fbricas de cermica, de

    canoas, de mveis e de artigos de couro, um estaleiro em Piranema (s margens do rio Guandu para

    a construo de embarcaes e reparos das naus dos jesutas e dos seus vizinhos), tanoaria,

    atividades de ourives, de prateiros e de tecelagem,10 forno de cal, hospital, botica, casa de farinha,

    engenhos, priso de escravos, moradias dos foreiros, armazns e senzalas. Os bens eram escoados

    pelo rio Guandu e pelos canais do It e de So Francisco11 (Lamego, 1964), at a Baa de Sepetiba

    onde estava o seu porto, em frente ilha da Madeira.12 Por Sepetiba os jesutas mandavam para o

    porto dos padres da Companhia, na praia Dom Manuel, 500 bois anuais, verduras e legumes para a

    manuteno do Colgio (Gerson, 1965). Neste ancoradouro podiam ainda ser carregadas quarenta

    caixas de acar (Santos, 1965) procedentes dos engenhos Novo, de Fora, do Morgado, da Ilha, da

    Bica e da Pedra, localizados em Guaratiba. Havia uma outra vala de derivao das guas do Guand

    para o Itagua, aberta pelos jesutas, a Valinha, por onde era feito o transporte das mercadorias das

    freguesias de Marapicu, Jacutinga e Campo Grande. Um canal artificial, chamado de Vala do

    Trapiche, foi aberto pelos padres13 antes do engenho de Itagua. Uma comunicao por terra,14

    entre Santa Cruz e So Cristovo, passava pelas terras jesuticas de Inhama, Iraj e Iguass.

    Os padres utilizavam a mo de obra indgena e escrava. Os trabalhadores podiam casar-se

    livremente e recebiam auxlio em dinheiro alm de carne seca, farinha, feijo, arroz, sal e

    aguardente. Possuam roas para as quais dedicavam dois dias por semana,15 e seus filhos eram

    alimentados, vestidos e educados pelos religiosos. As senzalas eram na realidade moradias

    unifamiliares. Alm disso, as crianas aprendiam msica e um ofcio. queles com boa conduta era

    8 O foro anual era de trs galinhas para os ndios e quatro para os demais foreiros. Posteriormente, uma dobra (antiga

    moeda portuguesa). Do ponto de vista do desenho, havia em frente sede da Fazenda de Santa Cruz, como nos

    aldeamentos e misses, uma praa retangular cujo entorno era dedicado a quatro usos: o culto religioso, o ensino e

    trabalho, a residncia e a subsistncia. Na praa da Fazenda estabeleceram-se a Igreja, o convento, o hospital, a ferraria,

    as oficinas, as senzalas nas laterais que formavam dois bairros distintos, a serraria, a casa de farinha e o armazm.

    esquerda da igreja, fora da praa, a hospedaria, carpintaria, priso dos escravos, e atrs da Igreja, o cemitrio,

    reservatrio de gua e a horta (Telles, s.d.). O projeto para qualquer construo jesutica era submetido a Roma que o

    apreciava segundo normas. Tais regras, estabelecidas em 1558 na primeira Congregao Geral (Acta in

    Congregationis Generalis, I, Decretum 34, De ratione aedifitiorum) e que ficavam a cargo do Geral da Ordem,

    implicavam em uma uniformizao (Carvalho, 1982 e Carvalho, s.d). 9O plantio de guaxima, planta de fibras utilizada na fabricao de corda para fogo nos canhes, localizava-se na rea

    definida pelas atuais ruas lvaro Alberto, Marquesa Ferreira, Pindar e Martinho de Campos. 10Estas trs atividades eram proibidas pela Coroa, com exceo dos jesutas (Telles, op.cit.). Em Santa Cruz a Casa do Tesouro ficava em frente ao Pao (Freitas, op.cit.). 11 O canal de So Francisco saa do rio Guandu e desaguava no rio Itagua (Tagua, itagu-y ou itau-y que significa o rio das barreiras ou dos taus, ou rio da pedra furada ou pedra da enseada) que nasce na serra do Gericin e desemboca

    na baa de Sepetiba. Os rios Itagua e Guandu eram navegveis por embarcaes vela de pequeno porte atravs de um

    canal artificial. 12 Sepetiba (ap-tyba ou ap-tyua, stio dos saps, sapezal) designa a baa que comea nos limites do municpio, corresponde parte do litoral que vai da foz do rio Itagua at a barra de Guaratiba, com penetrao na restinga da

    Marambaia (...) O litoral de Sepetiba (...) era outrora frequentado por faluas que o punham em contato com a Corte,

    tornando-se por isso mesmo bastante conhecidos os portos locais por onde saam para a Europa, em tempos idos, o

    pau-brasil cortado nas matas da regio(Silva, 1961:87). 13H controvrsias entre os autores se esta vala tenha sido construda pelos jesutas. 14 Foi por esta estrada que os franceses, aportados em Guaratiba em 1710, chegaram cidade. Havia uma trilha que

    ligava o Curral Falso ao porto da praia de Sepetiba, em frente ilha da Pescaria, hoje ilha dos Marinheiros. 15 A carta rgia de 31 de janeiro de 1701 obrigou aos senhores dar os sbados livres aos escravos.

  • permitido criar at dez cabeas de gado16 e os castigados, remetidos aos fortes da barra do rio

    Itagua ou ao porto de Sepetiba. Os escravos e ndios que fugiam formavam quilombos nas matas

    prximas - Guandu, Bacax, Palmares, do Garcia no Valo da Areia e o Mundo dos Pretos na serra

    do Caador. 17 Para seu sustento vendiam madeiras. Os parentes dos escravos fugidos que

    permaneciam na Fazenda eram castigados. Pode-se afirmar que Santa Cruz constitua-se em um

    grande centro agrrio-fabril, autnomo, cujo excedente era escoado por caminhos (estradas, valas,

    canais e rios navegveis) tanto em direo ao mar para chegar Corte, quanto para os outros

    engenhos das redondezas. Estes canais, obras hidrulicas consideradas bastante importantes para a

    poca, alm de vias de comunicao eram utilizados tambm para conter as inundaes. Os vrios

    campos assim formados - Roma, Maranho, Prainha, Santo Agostinho, So Miguel, So Paulo, So

    Lus, So Jos, So Marcos, Campo Bonito, do Papagaio ou Paraguai depois Jaqueiro, Saquassu,

    Leme, Frutuoso e Jacare - serviam para plantaes ou como pasto.18

    No perodo da minerao foram erguidos na Fazenda os registros de Itagua, Piranema,

    Curral Falso, da Ponte, do Pouso Frio, do Morro da Ona e das Caveiras. Ali os viajantes deviam

    apresentar uma licena para viajar. O ouro e as pedras preciosas das regies aurferas vinham pelo

    Caminho dos Guaianases, trilha aberta pelos ndios que passava pelas baas de Angra e Sepetiba,

    Parati, So Paulo, Santos, Ubatuba e as Minas, seguindo o Caminho Velho, considerado perigoso

    por causa dos piratas.19 Com o fechamento do porto de Santos pela Carta Rgia de 1711, cujo

    objetivo era o trmino do contrabando com as provncias do Prata atravs da Colnia de

    Sacramento, o Rio de Janeiro assumiu o papel de nico porto do ouro e dos diamantes para a

    metrpole e de responsvel pelo envio de gneros para as Minas. Garcia Rodrigues Paes obteve

    autorizao para abrir o Caminho Novo, ligao direta entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais,

    concludo pelo Coronel Domingos Rodrigues em 1723. Ambos receberam, em troca dos servios

    prestados, sesmarias e ao primeiro coube ainda cinco mil cruzados anuais (Silva, op.cit.). 20 Dada a

    importncia estratgica das freguesias rurais o Rei aprovou, em 1725, a demanda do coronel general

    de So Paulo, Rodrigo Cesar de Meneses, de efetivar a comunicao terrestre entre So Paulo e Rio

    de Janeiro. A abertura desta estrada suscitou protestos dos habitantes de Parati, dos jesutas da

    Fazenda de Santa Cruz e dos proprietrios de terras. Todos alegavam prejuzos pela estrada cortar

    suas terras, ainda que a ocupao da localidade tenha sido estimulada com a doao de sesmarias

    nas picadas abertas (Silva, op.cit.). interessante assinalar que os ndios da aldeia de Itagua

    abriram os trechos da estrada, concluda em 1754, que passavam pelas terras dos jesutas.

    Elucidemos agora o papel desempenhado pelos aldeamentos.

    As aldeias indgenas

    A 10 de setembro de 1611 foi promulgada uma lei que regulava o funcionamento das aldeias

    de repartio cujo objetivo era repartir a fora de trabalho indgena.21 Eram entidades crists cujas

    16"(...) isto afim de viverem contentes, poderem vestir-se e manterem as mulheres, ficando a subsistncia dos filhos por

    conta da Fazenda" (Reis,1843:165). 17 Os dois ltimos no atual municpio de Itagua. 18 Nos campos do Curtume, de Itagua e do Guandu, entre outros, foram construdas pontes. 19 Guaratiba, localizada no termo da cidade e onde Duclerc desembarcou, constitua-se em uma das mais importantes

    passagens do ouro vindo das Minas pelo Caminho Velho (Peixoto, 1906) que, com sua costa desamparada, era muito

    visitada por piratas. 20 Os carregamentos passaram ento a ser despachados pelo porto fluvial de Estrela ou Pilar, que ficava a uma lgua

    para dentro do rio Inhomirim e de l eram transportados para a cidade. Era o porto mais utilizado da baa pelos muleiros

    vindos de Minas Gerais, Mato Grosso e Gois (Sarthou, 1964). 21 O Papa Paulo III outorgou uma lei em 1570, confirmada em 1587, que ordenava que os ndios fossem tratados como

    pessoas livres. Em 1596 foi promulgado um regimento que regularizava o modo pelo qual os jesutas deveriam lidar

    com os ndios. A lei de 1653, renovada pelo Alvar de 1755 que aboliu a escravido indgena, obrigava aos religiosos

    das aldeias a se dedicaram apenas vida espiritual dos ndios. Com relao s questes temporais os silvcolas seriam

    livres e nas vilas, subordinados aos juzes ordinrios. As aldeias independentes das vilas deveriam ser governadas pelos

    "principais e seus subalternos" (sargentos mores, capites, alferes e meirinhos). A lei recomendava ainda suavidade nos

    castigos, a criao de escolas para os dois sexos, edificao de cabanas com reparties internas e melhor aparncia no

  • funes incluam a defesa do territrio atravs da constituio de uma fora militar e os indgenas

    catequizados, denominados caboclos, trabalhavam compulsoriamente sob a guarda de missionrios

    que os impedia de se comunicarem ou comerciar com os colonos. Na Provncia do Rio de Janeiro

    foram fundadas as aldeias de So Francisco Xavier de Itagua, de Nossa Senhora da Guia de

    Mangaratiba, de Nossa Senhora da Glria de Valena, de So Pedro de Cabo Frio, de So Loureno

    e de So Barnab. Por sua localizao iremos tratar apenas das duas primeiras.

    A aldeia de So Francisco Xavier de Itagua foi estabelecida, em 1615, na ilha de Itacuruss

    com o nome de Y-tinga (gua branca)22 por Mem de S ou Martim de S ou pelos jesutas, h

    controvrsias. Autores tambm discordam quanto origem dos ndios, provvel que os carijs

    tenham ocupado o terreno onde havia uma aldeia de tamoios, aliados dos franceses, e que foram

    massacrados pelo governador Antonio Salema. As terras de Itinga, doadas aos ndios, no eram

    foreiras aos jesutas. De acordo com a Carta Rgia de 6 de dezembro de 1647 a aldeia foi

    transferida em decorrncia dos constantes ataques dos moradores da Ilha Grande unidos aos piratas.

    Suspeita-se que o local escolhido tenha sido Sepetiba onde os ndios fizeram roas e construram

    suas cabanas. Aqueles que no aguentavam o cativeiro fugiram para as matas prximas. Os jesutas,

    com o intuito de persuadirem os fugitivos, transferiram a aldeia, entre 1718 e 1725, para um terreno

    pertencente Fazenda que partia ao norte pelo rio Itagua seguindo em direo ao sul at o rio

    Piassuguera. Aos ndios era cobrado o foro anual de sete galinhas23 e l foi erigida a igreja de So

    Francisco Xavier, concluda em 1729. Para patrimnio da igreja, parte da ilha de Itacuruss,

    pertencente a dona Maria do Alarco e Quevedo, foi comprada em maio de 1718 pelo superior dos

    ndios, o padre Nicolau de Siqueira.

    Com a expulso dos religiosos em 1759, Santa Cruz foi incorporada aos bens da Coroa

    tomando a denominao de Fazenda Real de Santa Cruz que, pela Carta Rgia de 16 de outubro de

    1761, ficou subordinada diretamente ao Vice-Rei.24 Nesta ocasio havia em Santa Cruz 16 currais25

    para as 8.000 cabeas de gado vacum, 1.200 cavalos e burros e 200 carneiros. O desembargador

    Manoel Francisco da Silva Veiga Magro de Moura e o capito Ignacio de Andrade Souto Maior

    Rondon, este considerado um amigo dos ndios, ficaram encarregados da direo da aldeia de

    Itagua. O filho de criao do capito Ignacio, Jos Pires Tavares, tornou-se capito-mr da aldeia.

    Muitos dos ndios que haviam fugido, retornaram e os demais foram recapturados. da aldeia. Os

    silvcolas aldeados tornaram-se vigias, nas redondezas, do transporte do ouro ou guias para

    exterior, o uso de trajes "para fazer desaparecer a nudez" e a fixao dos dzimos sobre os possveis rendimentos das

    roas. Tais rendimentos deveriam ser recebidos por um tesoureiro. Alm disso, os ndios poderiam trabalhar nas vilas

    (na realidade, eram obrigados). A lei determinava ainda que os silvcolas de sete at dez anos de idade seriam

    empregados nas oficinas do Arsenal da Marinha no Rio de Janeiro (um adendo: houve um Aviso de 1837 recomendou a

    contratao de ndios para o servio da armada nacional). Em 1698 ficou proibido o casamento entre ndios escravos e

    de repartio. Em 1757 foi criado o Diretrio dos Indios para regulamentar o trabalho compulsrio ainda que

    obtivessem a liberdade e a condio de vassalos portugueses (Flexor, 1998). Entretanto em 1798 o Diretrio foi extinto

    e os silvcolas aldeados, emancipados, ainda que sob custdia do Estado. Os bens indgenas passaram administrao

    de juzes de rfos em 1833 at 1845 quando da criao da Diretoria Geral dos Indios. Pela lei de 1850 as terras dos no

    aldeados foram incorporadas aos prprios nacionais. Em 1862 constitui-se, no Ministrio da Agricultura, Comrcio e

    Obras Pblicas, a DIretoria de Terras Pblicas que extinguiu os aldeamentos com a distribuio para os solteiros com

    mais de 20 anos pequenos lotes de terra para a lavoura. 22 Itinga localizava-se entre os rios Itinguu e Itagua. O rio Itagua nasce na serra do Gericin e desagua na enseada de

    Sepetiba. 23 Como posteriormente a rea da aldeia foi diminuda, o foro caiu para 5 galinhas anuais. 24 Em 1759 a primeira medida de Gomes Freire foi a de ensinar o portugus aos indgenas. Em 1760 foi criado o curato

    de Santa Cruz, confiado a um religioso franciscano do convento de Santo Antnio da cidade do Rio de Janeiro. Os

    franciscanos ficaram responsveis por este curato at 1836. No sculo XIX havia as seguintes igrejas e capelas: Nossa

    Senhora da Glria do Curral Falso, do princpio do sculo XIX, So Benedito, na Areia Branca, benta em 1894 e So

    Pedro, em Sepetiba, fundada em 1896. 25Curral Falso, de So Joo, de So Barnab, de Todos os Santos, de So Luiz da Igreja, de So Jos da Cruz, da Casa,

    So Boaventura, So Marcos, So Paulo, So Francisco, Santo Estevo, Santo Igncio, Santo Antonio, So Pedro e

    Nossa Senhora. Couto Reis (1843) afirma que no tempo do Vice-Rei Luiz de Vasconcelos (1779-1789) havia 22 currais

    para 13 mil cabeas.

  • aprisionar desertores das tropas ou negros quilombolas nas cabeceiras do rio Guandu. 26 Foi

    levantada uma escola para as crianas. Sessenta ndios adultos eram enviados mensalmente para a

    cidade do Rio de Janeiro para trabalharem nas fortalezas, arsenais e demais obras pblicas.

    Entretanto um conflito, iniciado em 1784, culminou com o aniquilamento da aldeia:

    Manoel Joaquim da Silva Castro, adquirente do Engenho Novo dos jesutas e administrador

    da Fazenda,27 alm de obrigar os ndios a limparem as valas, os acusou de roubo e se apoderou das

    terras com o objetivo de erigir um engenho, o de Nossa Senhora da Conceio de Taguay. Castro

    obrigou os 400 ndios a deixarem a aldeia no perodo de quinze dias, entretanto depois de alguns

    dias, apesar das ameaas, alguns retornaram e foram exterminados.28 Jos Pires Tavares viajou para

    Lisboa com a finalidade de se queixar junto soberana. Dona Maria I recomendou ao conde de

    Rezende em 1790 a entrega das terras aos ndios e sua medio.29 Tais determinaes no vingaram

    e o engenho foi inaugurado em 1793, movido a gua e considerado "o mais perfeito do Brasil", para

    o qual foram deslocados 200 escravos. A escolha do local para o estabelecimento do engenho, em

    uma rea de aproximadamente 108 km2 e que inclua o aldeamento, deveu-se fertilidade da terra e

    existncia de portos.30 Neste momento alguns ndios requisitaram seu patrimnio em Itacuruss

    entretanto o dono da outra parte da ilha conhecida por Cutiquara-Mirim (depois Cabea de Boi),

    Antonio Alves de Oliveira, havia arrendado o patrimnio indgena desde 1756 a Antonio da

    Conceio e Manoel de Andrade. Em 1806 estas terras ainda encontravam-se arrendadadas e os

    ndios para tomar posse deveriam, segundo as normas legais, pagar as benfeitorias. Em 1812 Dom

    Joo VI concedeu aos ndios terras na Fazenda de Santa Cruz, "da parte esquerda do caminho novo,

    e em terrenos vizinhos uns dos outros" perto das terras de Thomas Lopes.

    Quanto aos bens dos ndios aldeados, desde 1798 emancipados, estes ficaram sob a custdia

    do Estado atravs dos ouvidores da Comarca.31 O Alvar de 5 de julho de 1818 criou a freguesia

    So Francisco Xavier de Itagua,32 em consequncia do requerimento expedido pelo comendador

    26 Em 1762 Gomes Freire ordenou ao capito mor da aldeia de Itagua para atacar o quilombo nas cabeceiras do rio

    Guandu. 27 Sucedeu a Furtado de Mendona que, em funo de graves denncias, seus bens foram posteriormente usurpados. 28 A esposa de Jos Tavares foi presa e aqueles que conseguiram fugir alcanaram as praias de Mangaratiba. 29 Tavares, ao falecer em 1805 era acusado de desvio dos rendimentos das terras aforadas. Manoel Pimenta de Sampaio

    tornou-se capito da aldeia. 30A produo, de 255 caixas de acar mais a de aguardente, escoava pelos portos do Trapiche, prximo ao Trapiche do

    Sal, e do Casado ou da Casaca, ambos em Itagua nas imediaes da atual estao ferroviria. Com a mesma finalidade,

    a de intensificar a produo de acar, um outro engenho, o de Piay (ou Piauhy, Pia), foi inaugurado em 1796. Era

    movido a fora animal e contava com 120 escravos trabalhando em suas terras com 21 km2 de extenso. A propriedade

    do Pia ia do curral Falso at Sepetiba, onde tambm havia um bom porto. A 10 de junho de 1793 o Conde de Rezende

    enviou ao ajudante Miguel Jos (?) um ofcio incumbindo-o a elaborar um plano de defesa da cidade no caso de

    desembarque de inimigos na praia de Sepetiba. Em 1797 o porto de Sepetiba e as costas vizinhas faziam parte da rota

    internacional de trfico negreiro, o que voltaremos a discutir posteriormente. O ofcio dizia: "Sendo de suma

    importancia defender a Estrada Geral, que de Santa Cruz vem desta cidade, quando os inimigos fazendo hum

    dezembarque na Praia de Sepetiba, pretendessem ganhar aquelle caminho, como mais facil, para fazerem hostilidades

    (...) Por esta cauza o escolhe a V.M., para esta importante diligencia, porque me tem dado provas suficientes da sua

    honra e do seo prestimo: V.M. principiar a sua Comisso, observando do sitio de So Christovo ath a Fazenda de

    Santa Cruz todos aquelles lugares defensaveis pela natureza, como tambem de outros, que inteiramente estejo

    dependentes da Arte para se repartirem as defensas a medida dos mesmos postos, como tambm de fora, e de numero

    de combatentes, que os devo ocupar. Parece-me que V.M no despreze a Ponte de Inhauma, o stio do Lamaro, o

    Mato da Paciencia, como tambem o caminho da Sepetiba, seja pela Fazenda de Santa Cruz, ou pela Fazenda da Pedra

    dos Padres do Carmo..." Biblioteca Nacional, seo de Manuscritos - 5,4,7. 31 A partir de 1833 seus bens seriam tutelados aos juzes de rfos at 1845 quando da criao da Diretoria dos ndios.

    Em 1850 as terras dos ndios no aldeados foram incorporadas aos prprios nacionais que, em 1862, permaneceram sob

    a administrao do Ministrio da Agricultura, Comrcio e Obras Pblicas. Com a Diretoria das Terras Pblicas

    extinguiram-se os aldeamentos e distribuiram-se pequenos lotes para a lavoura para os solteiros com mais de 20 anos. 32(...) no s pelas propores e vantagens, que para este fim oferece o seu local, fertilidade de terreno e j crescida a populao, mas tambm pelo aumento da prosperidade e civilizao dos habitantes da mesma aldeia, e comodidade de

    que gozariam nas suas dependncias, no sendo obrigados a acudir aos chamamentos das justias desta Corte (...). Retirado do Alvar de Dom Joo VI de 5 de julho de 1818 encontrado no Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro,

  • Antonio Gomes Barroso, o novo proprietrio do engenho. Seu territrio compreendia as freguesias

    de Itagua (do alto da serra para a vargem), de Marapicu (do rio Guandu, pela esquerda, ocupando o

    Ribeiro das Lages) e de Mangaratiba. Os limites da vila alcanavam a poro da ilha de Itacuruss

    pertencente aos ndios que, neste sentido, passou a patrimnio de Itagua ao qual foi anexado ainda

    uma sesmaria de meia lgua em quadra de terras devolutas. Com a finalidade de obter recursos para

    a vila foi permitido o aforamento perptuo de pequenas pores.33 Os ndios passaram a viver em

    Peri-Peri.34

    Uma outra aldeia foi a de So Braz fundada pelo governador do Rio de Janeiro, Martim de

    S, e ocupada pelos ndios tupiniquins trazidos de Porto Seguro e do rio de So Francisco do Sul. A

    aldeia, dirigida pelos jesutas, localizou-se inicialmente na ilha da Marambaia. Em 1620, quando

    Martim de S deixou o governo, requereu em nome de seu filho Salvador Correia de S Benevides,

    de sua esposa Ceclia de Benevides e Mendona e dos ndios Joo Sinel e Diogo Martins, as terras

    que iam de Yuna, junto Itagua, at a praia de So Braz. Quando se tornou capito-mr do Rio de

    Janeiro doou meia lgua destas terras aldeia, desde a ponta at o saco de Mangaratiba, prximo

    Coroa Grande. Em 1688 a aldeia foi deslocada, mais uma vez, para o stio onde ficava o antigo

    cemitrio.35 No promontrio foi erigido um templo sob a invocao de Nossa Senhora da Guia de

    Mangaratiba, em torno do qual os 400 ndios se instalaram. Neste local, "aprazvel e frtil", com

    muitos rios que podiam ser navegados por canoas, plantaram mandioca, feijo, arroz, legumes alm

    de se dedicarem pesca.36 Depois da expulso dos jesutas, os capuchinhos tornaram-se seus

    procos logo substitudos pelos carmelitas que exigiram o pagamento da cngrua, instituda pela

    proviso de 16 de janeiro de 1764. Neste ano foi iniciada a construo de uma nova igreja paroquial

    pelo padre Francisco das Chagas Suzano. Em 1795 o padre Joaquim Jos da Silva Feij, para

    terminar a igreja, obrigou os ndios a trabalharem com a ameaa de castigos corporais.

    O capito Bernardo de Oliveira foi designado para dirigir a aldeia na ocasio em que se

    alastrava a bebida e a prostituio. Sua primeira medida foi a de instituir severas penas, o que

    deflagou importante revolta. O ndio Jos, seu lder, foi preso e enviado ao Rio de Janeiro para

    trabalhos forados nas gals. A ndia responsvel pela prostituio foi degredada para Santa

    Catarina. O capito mor da aldeia Jos de Souza Verneck, que sucedeu a Bernardo, permitiu na sua

    gesto que os brancos se apoderassem das terras do aldeamento. Os ndios requisitaram sua

    substituio, mas o fato de serem atendidos implicou em outra revolta, ocorrida na gesto de Jos

    Pereira Barroso.37 Nesta luta as principais reivindicaes eram a liberdade e a no-edificao de

    prdios em sua aldeia. Como Barroso no conseguiu controlar o motim, Pedro da Motta foi

    nomeado e imediatamente enviou soldados para debel-lo. Os rebeldes foram enviados para

    trabalhos (forados) em obras pblicas no Rio de Janeiro.

    Em 1820 a freguesia foi desanexada do termo da vila de Ilha Grande e passou a fazer parte

    da vila de Itagua at 1831 quando Mangaratiba foi elevada categoria de vila. 38 Quando a

    Inventrio do Perodo Imperial, Presidncia da Provncia, Coleo 27. Em 18 de outubro de 1819 a aldeia foi includa

    na vila de So Francisco Xavier de Itaguahy. 33 A efetiva instalao de Itagua se deu em 11 de fevereiro de 1820. O decreto de 26 de maro de 1832 desmembrou

    parte do territrio e a incorporou vila de Mangaratiba. As datas de criao de dois distritos so, respectivamente, 8 de

    maio e 3 de junho de 1892. Havia em 1911 os distritos de Itagua, Bananal e Paracambi. Em 1933, Itagua, Seropdica

    (em 1997 se emancipou), Paracambi (que se emancipou em 1960), Caador (atual Ibituporanga) e Coroa Grande

    (extinto em 1993 quando foi incorporado ao distrito de Itagua). Em 1998 Itagua possua 2 distritos: Itagua e

    Ibituporanga. 34 Em relao baixada de Sepetiba, verificamos que a criao do povoado de Sepetiba em 1813, no fundo da antiga

    baa de Santa Cruz de Angra dos Reis, foi iniciativa de Dom Joo VI, com o objetivo de facilitar a comunicao entre

    os distritos martimos da Ilha Grande e Pia e a cidade do Rio de Janeiro. 35 Onde hoje se encontra o centro urbano de Mangaratiba. 36 Inclusive a de tubaro para a retirada do azeite para iluminao. 37 Um dos episdios refere-se chegada dos ndios em sua casa na Praia Mansa, a uma lgua de distncia, onde o

    encontraram apavorado abraado a seus familiares. 38 "Dizem os moradores da Freguezia de N.S. da Guia de Mangaratiba, que elles requero a Esta Augusta Camara para

    ser elevada em villa aquela freguezia, que alem de ter muita populao, tem grande riqueza, ha 14 embarcaoens que

    cada uma condus para esta Cidade cada anno, duas mil arrobas de caffe, que vem a fazer o (?) de duzentas e oitenta mil

  • freguesia foi elevada perptua, sua jurisdio espiritual circunscrevia as terras da aldeia. Segundo

    Silva, "da tranquilidade nasceu o aumento da aldeia, elevaram-se edifcios com melhor aparncia e

    asseio, e de construo de mais dura, arruados com alguma simetria, que lhe deram novo

    aformoseamento, desenvolveu-se o comrcio e a agricultura e tudo prosperou" (1854:204). As

    primeiras construes do Saco de Mangaratiba datam desta poca. Ali se instalaram em 1840 os

    armazns de caf da famlia dos Breve e uma agencia de correios. No Saco havia os Armazens de

    caf de Antunes e Cia que encerrou suas atividades em janeiro de 1865. No porto do Sa, a 7 km de

    Mangaratiba, na divisa das Praias do Sa e Saizinho, alm do ancoradouro, foram instalados os

    trapiches, as senzalas e a casa do Baro. Em 1854 ali viviam uns poucos ndios tupiniquins. O

    aforamento de suas terras rendia 401$760 ris anuais. (Silva, op.cit.:205).

    Em 2 de outubro de 1855 a Cmara Municipal de Mangaratiba informou que naquele

    municpio "existe em completo abandono meia lgua de terras, concedida outrora a certa poro de

    ndios, que aqui se aldearam, cuja aldeia se acha de toda extinta e mais outra meia lgua de que eles

    depois se apoderaram e esto de posse ... ser de mais convenincia dar-se-lhes para patrimnio

    essa lgua de terras pelo reconhecido benefcio que da pode resultar ao municpio, no s pelo

    engrandecimento de suas rendas, mas tambm, ajuntam os vereadores, porque ficando essa meia

    dzia de ndios que ainda restam sem esperanas de mesadas, se dedicaro ao trabalho, deixaro a

    vadiao e podero ainda ser teis a si e ao seu pas" Como os arrendatrios no cumpriam suas

    obrigaes, a Cmara solicitava ao Presidente da Provncia tais terras para seu patrimnio.39

    Do apresentado podemos concluir que as terras doadas em sesmarias aos aldeamentos

    indgenas foram invadidas por senhores de engenhos e de escravos. Tal processo uma das

    caractersticas mais importantes da acumulao de capital na Provncia do Rio de Janeiro.

    Retornemos situao fundiria das demais reas da Fazenda de Santa Cruz.

    A Fazenda de Santa Cruz na primeira metade do sculo XIX

    A cultura da mandioca foi incentivada com a abertura de duas fbricas de farinha, uma no

    stio do Faco e outra, o engenho de farinha de Santa Cruz, nos arredores do engenho de Pia. O

    cultivo se estendia desde o Curral Falso em direo ao litoral e por todo a costa at Sepetiba. Alm

    disso, as plantaes do feijo, do milho (campo de So Marcos), do algodo, do caf e do arroz40

    foram retomadas. A olaria, prxima ao Frutuoso, foi reativada e construiu-se uma serraria de gua no Ribeiro das Lages. Em 1794, sob a administrao de Couto Reis, iniciou-se a industrializao

    do salitre (imprescindvel para o fabrico de plvora), plantaram-se milhares de ps de caf no stio

    da Serra e das olarias e fornos produziam-se a cal, telhas e tijolos. A plantao com maior interesse

    era de arroz, o que pode ser comprovado pela colheita de 1795 que atingiu 2.903 arrobas.

    Em 1804 havia 7.159 cabeas de gado guardadas em doze currais remodelados. Contava-se

    com 1.448 escravos cujos filhos, que comeavam a trabalhar com a idade de seis anos, continuavam

    a receber o aprendizado de ofcios mecnicos. Um tambor marcava as horas de trabalho, regresso e

    descanso. Havia 237 foreiros, dos quais 180 trabalhavam nas chamadas terras incultas. Segundo levantamento realizado junto ao Arquivo Nacional,41 no perodo de 1804 a 1813 encontramos

    declaraes de 142 arrendamentos, dos quais apontamos 10 em Barro Vermelho, 10 em Piranema, 8

    no Alto da Serra, 7 em Grimaneza, 6 em Chaper, 6 na Lagoa do Bananal, 6 no Morro do Ar, 5 no

    Bom Jardim, 5 no Morro dos Coxos e 5 em Ribeiro das Lages. Entretanto em tais registros no

    esto assinalados a rea nem o preo. Deste perodo obtivemos ainda a relao de rendeiros

    arrobas (...)" Ofcio assinado por Francisco Chagas Silva do Amaral tratando do desejo que tem os moradores da

    Freguesia de Mangaratiba, de que a mesma seja elevada a categoria de vila (1830). Biblioteca Nacional, seo de

    Manuscritos II - 34, 18, 8. Em 1832 os moradores agradecem ao Imperador a elevao da dita localidade. 39 Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro, fundo PP, coleo 30. 40Em 1795 foram colhidas 2930 arrobas. Em 1796, esse nmero alcanou 5000 arrobas. 41 Notao fsica 6574 e notao lgica 164 (1830-1887); notao fsica 6575 e notao lgica 165 (1886-1887);

    notao fsica 6577 e notao lgica 167 (1881); notao fsica 6578 e notao lgica 168 (1882-1898); Caixa 507,

    pacote 2, pacotilha 20 (1804-1813), Caixa 507, pacote 2, pacotilha 20, doc.01 (1807-1813); Caixa 507, pacote 3,

    pacotilha 30, doc. 10.

  • devedores da Fazenda42 (1804-1806), que chegavam a 86 foreiros cuja dvida somava 2:158$048.

    Este valor relevante se o compararmos aos rendimentos dos foros ao final do sculo XVIII quando

    atingiam 3:783$755. O maior nmero de devedores encontravam-se na localidade de Sepetiba

    seguida por Barro Vermelho, Bom Jardim, Chapec, Morro do Ar, Peri-Peri e Grimaneza. Os

    recursos obtidos com a produo de acar alcanavam 47:863$575, de aguardente 10:942$500 e

    de arroz, milho, feijo, farinha, caf, couro, algodo e madeiras 7:924$885. Esta receita era

    utilizada para a compra de objetos religiosos, ferro, ao, cobre, alm de azeite, sal, remdios, reses e

    o pagamento de mestres e oficiais.43 Nesta ocasio foi introduzida a cultura da lincea para a

    fabricao do linho.

    No reinado de Dom Joo, dentre os foreiros da regio encontramos Jos da Silva Braga, do

    2 Regimento de Cavalaria de Milcias da Vila Nova de Caet. Em Ribeiro dos Macacos, os

    Furtado de Mendona e a fazenda da Posse, de Ana Francisca Joaquina de Oliveira da Horta Paes

    Leme, viva de Pedro Dias Paes Leme, o Marqus de Quixeramobim (ou de So Joo Marcos ?).

    Alm deles figurava Jos Ribeiro, que havia recebido terras em Sepetiba em 1770, e que em 1813

    utilizava sua casa como hospedaria. Em 1823 possua um engenho foz do rio Guandu. Citemos

    Thomas Dogson, empreiteiro do calamento das ruas da Corte, que em torno de 1826 era senhor de

    engenho em Itagua e o conde das Galvas que no incio do sculo XIX possua terras na Tapada

    dos Veados. Existiam inmeras fazendas entre as quais a Pompeba, So Paulo, Trindade, Santo

    Antnio, So Luis e So Joo Batista. Segundo documentao do Arquivo Nacional,44 houve dois

    processos referentes a Santa Cruz: o primeiro, de 1817, de Manuel Caetano de Mattos, foreiro da

    Real Fazenda, contra Mariana Eugnia Carneiro que ao represar as guas do rio Guandumirim,

    inundava suas terras. O segundo, impetrado em 1823 por Manuel Antonio Salgado e Custdia

    (Clara?) Maria de Jesus, contrrios ao embargo de obras solicitado por Domingos Carneiro de

    Andrade. Este alegou invaso de propriedade na localidade denominada rio de Sant'Ana. No h

    referncias sobre os resultados destes processos.

    No decreto de 31 de agosto de 1808 o Prncipe Regente Dom Joo deu nova forma

    administrao da Fazenda de Santa Cruz que ficou subordinada Mordomia da Casa Real, depois

    Imperial. 45 Foram nomeados o superintendente Leonardo Pinheiro de Vasconcellos 46 e seus

    auxiliares com vistas ao aumento do rendimento (...) e progresso da agricultura e ramos de industria de que susceptvel aquelle predio ... estabelecendo-se um cofre com tres chaves (...). No decreto de 20 de setembro o prncipe aprovou as instrues provisrias para a administrao da

    Fazenda e autorizou a venda de (...) todos os efeitos, gados, madeiras e mais produes da mesma fazenda (...).47 A residncia dos jesutas foi transformada em palcio de veraneio real, a estrada sofreu

    melhoramentos e foram construdas as pontes de Piraquara, Bangu e Cabuu. Em todo o percurso

    da ento Estrada Real de Santa Cruz j havia povoados com casas e vendas de varanda (casas de

    comrcio com hospedarias) que abrigavam os tropeiros.48 Antnio Dias Pavo, futuro Conde de

    Itagua, proprietrio de armazns na Pedra e em Sepetiba, possua em 1807 (1822?) uma casa de

    secos e molhados no Curral Falso, porta de entrada e sede do posto de fiscalizao da Fazenda, local de pouso preferido dos viajantes. Tambm conhecido por Rancho Real, mais tarde foi

    arrendado.

    42 Arquivo Nacional, Caixa 507 pacote 2 pacotilha 20. 43 Viana (1974) nos apresenta a cifra, talvez superestimada, de 115:377$880 relativa aos rendimentos da produo de

    acar e aguardente em 1804. 44 Vide Fazenda Santa Cruz, caixa 14 pastas 317 fls. 1 a 9 e 318 fls. 1 a 8. 45 At o final do Imprio a Fazenda ficou subordinada Mordomia Mor da Casa Real. 46Cujos trabalhos perduraram de 1808 a 1815. Os vencimentos dos funcionrios eram pagos em ouro. 47Colleo de Leis do Brazil de 1808:124, 125, 136 e 137. 48Como a Estrada Real de Santa Cruz costumava ser frequentada por salteadores e a viagem demorava em mdia de

    oito a dez horas, havia paradas em Campinho e Santo Antonio do Juari, em Campo Grande. No Engenho do Campinho

    eram oferecidos pouso e comida comitiva real pelo proprietrio Capito Francisco Incio.

  • No perodo em que as epidemias assolavam Santa Cruz, o ento administrador da Real

    Fazenda John Mawe Sidney Schmidt, mercador de pedras preciosas e comandante da esquadra

    inglesa que protegia o Rei conseguiu, com a interveno do ministro Toms Antonio, expulsar os

    invasores naquelas terras. Em troca de seus bons servios foi-lhe concedida a sesmaria de Icara

    onde plantou linho. Uma de suas realizaes foi a criao das manufaturas de queijo e manteiga

    com o leite proveniente dos currais de So Paulo, So Francisco, So Miguel e So Marcos. Nesta

    ocasio, em 1812, s havia 1.600 cabeas de gado e no curral da Conceio criavam-se ovelhas e

    cabras para o Pao. Dom Pedro proibiu posteriormente a fabricao de queijo e restringiu a de

    manteiga visando a reproduo do gado de corte. Durante todo o sculo XIX a atividade de criao

    tornou-se indispensvel para o abastecimento de carne-verde para a cidade do Rio de Janeiro.

    Com respeito propriedade fundiria, o Alvar de 26 de julho de 1813 tornou os

    aforamentos Coroa perptuos e os demarcou - do litoral at a divisa com a Fazenda Pacincia, de

    Joo Francisco da Silva e Souza, no includas as matas virgens mesmo quando excedessem 400

    braas em quadra. O Alvar proibiu a derrubada de florestas no alto dos morros e serras e delimitou

    uma rea de 78 hectares entre o mar, a fazenda de Santa Cruz e a Fazenda Piahy, em Sepetiba, para

    o estabelecimento de uma povoao. O terreno seria dividido entre os moradores que ali

    edificassem e que no pagariam um foro, mas um mdico reconhecimento para o senhorio direto. Os terrenos foram doados a Raymundo do Nascimento, Francisco Teophilo, Mano Velho, Pedro

    Evaristo da Silva, Manoel de Constncio, Domingos Monteiro Ramalheiro, Maria da Terra e

    Afonso Boaventura. Este povoado tinha como funo evitar o trfico de negreiros e contrabando na

    ilha da Pescaria e nas costas vizinhas, que faziam parte de uma rota internacional, e facilitar a

    comunicao entre a ilha Grande, Parati e a cidade do Rio de Janeiro.

    Entre 1816 e 1844 segundo os livros de registros havia na Fazenda 10 arrendamentos e 91

    aforamentos. Os arrendamentos localizavam-se na Olaria, na Alfavaca, na feitoria do Peri-Peri, em

    Nazar e 3 no Rancho do Andrade ou Salvador. Dos aforamentos no temos a localizao precisa

    de 17, mas 15 encontravam-se na Olaria, 7 em Piranema, 6 em Ribeiro das Lages, 5 em Bom

    Jardim, 4 na Lagoa da Patiola e 4 em Limeira. Assinalemos que a maioria destes aforamentos

    possuam extenso de 400 braas de frente por 400 braas de fundos (ou seja, uma de 400 braas

    quadradas era o prazo padro), com o foro devido de 8$000.49 Na Olaria, Chaper, feitoria de

    Peri-Peri, Povoao, rio de Itagua e Sepetiba entre outros, os aforamentos possuam reas bem

    menores (de poucas braas). Entretanto na rua do Comrcio onde uma enfiteuse de 15 braas de

    frente por 20 de fundos pagava entre 100 reis e 2$000 por braa, o que demonstra uma valorizao

    das terras urbanas comparativamente s rurais.

    Observam-se, desde a expulso dos jesutas, mudanas na composio das classes sociais

    entre os foreiros da Fazenda de Santa Cruz . Nobres passaram a ocupar as terras das

    recm-fundadas feitorias de Bom Jardim, Santarm e Peri-Peri. Nesta ltima, como vimos, os ndios

    expulsos de sua aldeia haviam se instalado. Ali foi construdo um engenho de farinha s margens do

    rio Guandu, ao lado do engenho de aguardente que foi adquirido em 1822 (?) pelo Coronel Ignacio

    de Andrade Souto Maior Rondon, Comandante Geral das Milcias do Litoral.50 O ex-marido da

    Marquesa de Santos, Felcio Pinto Coelho de Mendona, foi administrador da feitoria durante um

    breve perodo. Em 1834 terras em Peri-peri foram arrendadas ao coronel Ornelas que possua 86

    esravos e que de l foi expulso sem que saibamos a razo. Nesta feitoria tambm se instalou o padre

    Francisco Moreira Correia da Silva que pagava de foro 1:472$000 anuais.51

    A feitoria do Bom Jardim52 passou a ser administrada por Pedro Dias Paes Leme, Marqus

    de Quixeramobim e a de Santarm, cortada pela estrada da Pedreira que levava ao serto adentro,

    tornou-se importante lavoura de caf. Um de seus arrendatrios na primeira metade do sculo XIX

    foi o filho do administrador Couto Reis.

    49 Terrenos com 800 braas quadradas pagavam 32$000 e os 400 braas de frente por 800 braas de fundo, 16$000. 50E proprietrio do Morgado de Marapicu do qual j comentamos sua atuao junto aldeia de Itagua. 51 Em 1862 havia na regio uma fbrica de notas falsas. 52 Perto da futura freguesia So Pedro e So Paulo do Bananal de Itagua. L foi fundada a Companhia Seropdica.

  • Com vistas transio do trabalho escravo para o livre, medidas de incentivo imigrao

    estrangeira foram promulgadas. Em Santa Cruz foi criada uma colnia de chineses para a criao

    do bicho da seda logo substituda pela plantao de ch no terreno que ia do aterrado do Leme at a

    baixada de Saquassu. Os 45 chineses que vieram de Macau em 1815 instalaram-se no Morro dos

    Chinas, depois Morro do Ch, onde foi criado, em 1820, o Jardim do Cercadinho (ou do

    Cascarinho) com um horto de plantas medicinais que eram permutadas com o Jardim Botnico.

    Havia um lago artificial, labirinto e canteiros.53 Estavam prximos da lavoura dos espanhis e das

    roas dos escravos. O Stio/Morro do Chapec na realidade lhes agradou mais, entretanto j estava

    ocupado por foreiros. Apesar das promessas, a relao de trabalho mantinha caractersticas

    escravocratas pois os chinas recebiam apenas cento e sessenta ris por dia, no podiam comerciar

    nem ir cidade, dormir fora da colnia ou receber visitas. Sua alimentao era composta por uma

    rao de arroz, carne, sal e toucinho. A partir de 1819 muitos fugiram e alguns foram recapturados

    em Guaratiba em 1822.54

    Em 1815 chegaram oito famlias espanholas em um total de 145 pessoas, instaladas na

    localidade de Fructuoso55 construram suas moradas - a Aldeia dos Espanhis. Como a atividade

    agrcola no alcanou os resultados esperados muitos foram deslocados para a Olaria do Curtume

    que, por este motivo, passou a ser conhecida como Olaria dos Espanhis. Ainda em 1817 chegaram

    os portugueses56 do Minho com a ajuda de custo de 2:400 ris a cada mulher com idade variando de

    12 a 25 anos mais mil ris para cada filho, que estariam isentos do servio militar. Alm disso

    recebiam uma espingarda, enxadas, sementes, duas vacas, uma gua e um ano de rao. Estes

    agricultores trouxeram seus instrumentos de trabalho. Na dcada de 60 lavradores portugueses do

    Algarve dedicaram-se fruticultura e horticultura no Frutuoso.

    Em 1817 a Comisso de Melhoramentos, formuladora do Plano Quinquenal de

    reorganizao da Fazenda e presidida pelo Superintendente Visconde do Rio Sco57 deu instrues

    para o plantio de caf em larga escala, cuja produo atingiu, em 1821, 128 mil ps. Tal

    empreendimento envolveu a desapropriao de grandes reas, entre as quais o Morro do Leme. A

    plantao de arroz era realizada nos campos de So Joo Grande, So Joo Pequeno, nos brejais do

    Caador - atualmente localizados em Itagua - e nos baixios do Curral Falso, nas terras de Pia,

    campos de So Miguel e na baixada do Leme. Seu beneficiamento era realizado no Engenho do

    Cordeiro. Incentivou-se tambm a plantao de feijo, guando, amendoim, mamona, milho, anil,

    mandioca (a farinha era processada no antigo engenho dos jesutas reformado pelo Visconde),

    legumes, hortalias e amoreiras. Para facilitar o embarque e desembarque de mercadorias foi

    construdo o Cais da Praa do Comrcio no canal do It. O escoamento da produo de Santa Cruz

    se fazia, desde 1814, de Sepetiba at Praia do Caju pelo Iate Conceio (ou Real) ou pelo caque

    Bom Sucesso, pertencentes Fazenda. Os passageiros eram conduzidos desde 1817 por um privado

    Servio de Diligncias entre o Palcio de So Cristovo e o Pao da Real Fazenda com fiscalizao

    da Polcia. Em 1818 o decreto de 1 de outubro autorizou a Joaquim Jos de Melo o servio em

    carros de seis assentos e trs parelhas.58 A Superintendncia da Fazenda, por sua vez, possua

    veculos que se dirigiam a Sepetiba e Sapopemba.59

    53O Jardim foi reformado em 1878 pelo engenheiro Frederico Groth orientado por Glaziou, Diretor dos Parques e

    Jardins da Casa Imperial. Ao nascer da Repblica achava-se em completo abandono. 54A plantao de ch, com o abandono dos chineses, passou responsabilidade de escravos. Apesar de muitos terem

    sido enviados a So Paulo para se especializarem, j estava decadente em 1854. Uma nova tentativa foi feita no stio

    do Leme, sem sucesso. Em 1869 no mais existia. 55No tempo dos jesutas havia plantao de cacau nas terras do Frutuoso, um grande pomar. 56A vinda dos portugueses j estava legislada pelos Alvars Rgios de 31 de agosto de 1747 e 21 de abril de 1751

    (Freitas, op. cit.). 57Joaquim Jos de Azevedo foi um homem extremamente rico que emprestava dinheiro Casa Real e que financiou as

    despesas para o retorno de Dom Joo a Portugal. Foi tesoureiro da Casa Real. Morava no Rio Comprido e possua

    palcios no largo do Rocio e em Paquet. Mais tarde tornou-se Marqus de Jundiahy. 58Quando chegavam em Santa Cruz, os passageiros eram alojados em prdio prprio da companhia. Do Pao Santa

    Cruz o bilhete custava 8$000. Outros nomes ligados ao transporte em Santa Cruz foram Sebastio Fbregas Surigu e

    Nicolau Viegas de Proena. O primeiro, gestor da Real Fbrica de Tecidos de Santo Agostinho e o ltimo, que alugava

  • A ocupao residencial de carter urbano em Santa Cruz iniciou-se com a presena de Dom

    Joo VI na Fazenda. O Inspetor Superintendente Leonardo Pinheiro de Vasconcelos escreveu: A Fazenda de Santa Cruz no se pode considerar uma simples Fazenda, mas uma povoao (Freitas, op. cit., vol.3:78). Na sua gesto foi elaborado um Plano de Remodelao do conjunto do Pao,

    aprovado em 1817, que permitiu a abertura das vias e o alinhamento dos lotes e que pressups

    normas de edificao das casas para no embaraar a vista das janelas do quarto de Sua Magestade.60 Os lotes, com dez braas cada e com foro de cem ris por braa, foram concedidos aos alferes e aos criados da Casa Real (padeiros, carpinteiros e pedreiros construtores do Novo

    Palcio) e localizavam-se na rua Nova da Olaria, depois rua do Comrcio.61 Nesta rua j havia se

    instalado, desde 1816, Bonifcio Jos Pinto da Mota, com uma casa de negcios, hospedagem e

    banca de ferrador.

    possvel, portanto, fazer referncia, em 1818, a uma rea central da povoao composta pelos alojamentos dos Ministros, a casa mandada construir pelo Visconde do Rio Sco para seu uso

    privado na rua Nova da Olaria e a famosa residncia do Conde dos Arcos na esquina da praa do

    Pao com a rua Direita, entre outros. Um dado sintomtico deste "nobre" progresso urbano a

    cobrana de impostos, neste mesmo ano, a favor do hospital dos Lzaros, coleta que incluiu os

    habitantes de Santa Cruz. No plano dos servios, em 1820 j havia dez comerciantes locais, sendo

    nove portugueses.62 Dom Pedro I, pelo Regimento de 8 de maio de 1823, mandou fechar todas as

    tabernas na praa do Pao, com quatro excees: as de um parente do Brigadeiro Alpoim, aquela

    pertencente a dois portugueses por j a terem antes da minha Ordem e a taberna de um empregado da Fazenda.63 Entre as hospedarias, instaladas a partir de 1819, havia a de Pharoux (do

    mesmo proprietrio do hotel do cais Pharoux) e a de Joo Damby, o mestre de equitao dos

    prncipes.

    Nesse processo foi definida tambm uma classificao das terras da Fazenda para efeito de

    cobrana dos foros: a quadra urbana, nos limites da rea do Pao, pertencia primeira classe, a

    quadra suburbana segunda, as terras rurais deveriam ser dedicadas "lavoura grossa", os terrenos

    de largueza eram considerados devolutos e os alagadios, sobejos. Percebemos aqui uma clara distino entre cidade e campo. Em 1821 um lote-padro, de "quatrocentas braas de testada mais umas tantas de fundo", pagava dois ris em dinheiro mais seis galinhas por ano.

    A primeira disposio legal para a medio da fazenda de Santa Cruz foi o Decreto de 19 de

    outubro de 1820 e assim publicado: Por se achar apagada e confundida a planta dos rumos e terem desaparecido muitos dos marcos colocados por ocasio da primeira demarcao feita em

    1720, nomeio o Desembargador da Casa da Suplicao e Juiz das Demarcaes da Real Fazenda de

    Santa Cruz, Joo Incio da Cunha, para juiz do Tombo e julgar as dvidas porventura suscitadas na

    medio da mesma Real Fazenda." (Freitas, 1987:204). Aps a Independncia, a Constituio do

    Imprio, promulgada em 25 de maro de 1824, incorporou a Fazenda de Santa Cruz ao patrimnio

    nacional e legou-a como serventia a Dom Pedro I e seus sucessores (Santos, 1981). Neste mesmo

    ano, pela Portaria de 9 de setembro, os ndios tornaram-se cidados brasileiros e, portanto,

    obrigados a pagar o foro de suas terras em Santa Cruz. Com a finalidade de controlar a propriedade,

    uma medio foi exigida em 1825, entretanto seu tombo foi roubado.64 Em 1827 Boaventura

    Delfim Pereira, o Baro de Sorocaba, cunhado da Marquesa de Santos e Superintendente de Santa

    Cruz, iniciou uma nova medio da Fazenda.

    carros apesar de no possuir concesso, era Secretrio da Intendencia de Polcia e corretor da Igreja de Nossa Senhora

    da Conceio e Boa Morte. 59O preo da passagem era de 25$000 ris. 60Aviso do Ministro Toms Antonio de Vila Nova Portugal enviado ao Visconde do Rio Sco. 61Atual Senador Camar. 62Entre os quais citamos o Conde de Itagua, que, como vimos, possua um negcio no Curral Falso desde 1808. Em

    1834 at o cnsul da Prssia tornou-se comerciante. 63 As casas de pasto permaneceriam abertas caso no vendessem aguardente. 64Esta medio foi posteriormente encontrada no torreo do Palcio de So Cristovo.

  • Neste mesmo ano foi elaborada pelo Juiz da Coroa uma relao de 153 fazendeiros e

    lavradores que nunca reconheceram a Fazenda de Santa Cruz como senhorio de suas terras. Este

    no-reconhecimento provinha sobretudo de sua posio econmica e social: 14 destes fazendeiros

    possuam entre 100 e 540 escravos e eram responsveis por uma enorme produo. Outros 118

    lavradores, que contavam com menos de 50 escravos cada, tambm alcanavam resultados

    econmicos significativos.65 Sentindo-se prejudicados pela Medio de 1827, que teria includo as

    terras das freguesias de Valena, So Joo Marcos, Sacra Famlia do Tingu, Curato das Dores,

    Pira de Santana, 224 proprietrios (de terras e de 7.681 escravos), formularam uma representao

    Assemblia Geral solicitando sua anulao, fato que culminou com o Decreto de 25 de novembro

    de 1830 que definiu os limites da Fazenda: Somente compreende terrenos em cuja efetiva e legtima posse se achava o senhor Dom Pedro I no dia 25 de maro de 1824. Os terrenos que haviam sido anexados por uma medio posteriormente feita ficam pertencendo quelles, que no referido dia 25 de maro legitimamente os possuam, ou a elles tinham direito, e a quaesquer seus

    legtimos sucessores, em favor dos quaes a nao renuncia qualquer direito (...) As pessoas que

    aproveitarem da presente renuncia, sero obrigadas a guardar os contractos de aforamento feitos

    pela Coroa at o referido dia 25 de Maro de 1824; ficando somente com o dominio directo dos

    terrenos que assim tiverem sido aforados.66 Na tentativa, desajeitada, de manter os bens pblicos, Jos Maria Velho da Silva em sua rpida gesto (1830-1831), incorporou as casas na foz do rio

    Itagua ao patrimnio da Fazenda.

    Pelo decreto de 30 de Agosto de 1831 a Fazenda, inclusive Sepetiba, e a freguesia de

    Marapicu pertenceriam ao termo da vila de Itagua.67 Em junho de 1832 Santa Cruz foi elevada a

    Curato cujos limites iam da Fazenda do Pia ao rio Tingui e incluam os bairros de Santa Efignia, Cantagalo de Dentro e Curral Falso. O decreto de 4 de Novembro de 1833 determinou que no termo

    da vila de Itagua estariam includas as povoaes denominadas Cantagalo e Canhang que faziam

    parte da fazenda dos Religiosos do Carmo, visto que se achavam j anexadas, quanto ao espiritual,

    ao Curato da Fazenda Nacional de Santa Cruz. Entretanto pelo decreto de 30 de dezembro de 1833,

    assinado pela Regncia Permanente depois de receber um memorial da populao, a freguesia

    constituda pelas terras do Curato foi incorporada Corte e desanexada do termo da vila de

    Itagua, a que pertencia desde janeiro.68 Em 1834 pelo Ato Adicional, o Rio de Janeiro tornou-se

    Municpio Neutro, independente da Provncia69 onde estava localizada a maior parte das terras da

    Fazenda de Santa Cruz. Tal medida, entretanto, no interferiu na sua unidade econmica e

    administrativa, naquele perodo possua 1.524 escravos para uma produo de 3.822 arrobas de

    acar anuais.

    Em maio de 1822, Dom Pedro I estabeleceu que a Fazenda deveria viver de seus prprios

    recursos. Neste momento a principal fonte de renda provinha dos aforamentos que atingiram o total

    65Arquivo da Cidade, Relao dos fazendeiros e lavradores que nunca reconheceram a Fazenda Nacional de Santa Cruz e que foram aparentemente includos na ltima e nova medio feita no ano de 1827 pelo Desembargador Juiz da

    Coroa Joaquim Igncio Silveira da Mota, e nmero de escravos com quem trabalharam as suas terras. Chama a ateno na listagem o grande nmero de sargentos, coronis, tenentes, capites e alferes. H cinco padres donos de 116 escravos

    nas suas fazendas de caf. 66Colleo de Leis do Imprio do Brazil de 1830, Parte Primeira. No Morro do Redondo ou de Petrpolis foi criado em

    1827 o Observatrio Astronmico de Santa Cruz. Em 1885, em completo abandono, foi ocupado pelo 13 Batalho de

    Infantaria da Guarda Nacional. 67 Por este decreto os distritos da freguesia de Campo Grande, desde o Piraquamerim inclusive, at o Curral Falso foram anexados administrativamente freguesia do Sacramento da cidade do Rio de Janeiro. 68 O Decreto de 15 de Janeiro de 1833, no seu artigo 8, determinou que a vila de Itagua tivesse os limites que lhe

    foram assinalados pelo Alvar de 05 de Julho de 1818, com exceo do territrio desmembrado para a vila de

    Mangaratiba (Decreto de 26 de Maro de 1832), contendo mais no seu termo todo o Curato da Fazenda Nacional de

    Santa Cruz, cujos limites seguiam a fazenda da Pedra dos carmelitas at a freguesia de Marapicu. 69 Com a Constituio Imperial de 1824, o territrio foi dividido em provncias, governadas por um Presidente

    nomeado pelo Imperador e, em cada cidade ou vila haveria Cmaras s quais competiria a gesto econmica e

    municipal. Estas cmaras eram eleitas e definiam suas posturas e a aplicao das rendas. Pelo Ato Institucional de 1834

    criaram-se as Assemblias Legislativas Provinciais em substituio aos Conselhos Gerais e separou-se a Provncia do

    Rio de Janeiro do municpio da Corte, consagrado com o municpio neutro.

  • de 3:488$005. O caf rendeu 2:256$315. Neste ano, com a seca, restavam apenas 4.000 ps e era

    proposta a plantao de 40.000 ps. Como a fiscalizao era precria consta que havia ocupaes

    clandestinas sobretudo nas terras mais distantes. De 1822 a 1824, Joo da Cruz dos Reis geriu a

    Fazenda e conferiu ttulos aos foreiros que l estavam sem documentao. Este Superintendente

    permitiu a permanncia dos intrusos, que chegavam a cinquenta e nove famlias que pagavam

    580$000 e 435 galinhas anualmente. Entre eles estavam Plcido Antunes Pereira de Abreu, Joo

    Carlota, Paulo Bregaro70 e vrios padres nas partes altas de Piranema, na feitoria de Bom Jardim,

    mediante o pagamento de taxas iguais s melhores terras da Fazenda. Plcido Antunes, possuidor de

    quatro prazos em Ribeiro dos Macacos, deveria pagar sessenta e quatro mil ris de foro anual. Joo

    da Cruz dos Reis procurou cobrar os foros devidos pelos arrendatrios, sobretudo do grande criador

    e latifundirio Nuno da Silva Reis, dono da fazenda da Floresta com 14,5 prazos e localizada em Ribeiro das Lages, devedor de mais de novecentos contos de ris. O Superintendente foi demitido

    no ano seguinte.

    Aps a Independncia, a Constituio do Imprio, promulgada em 25 de maro de 1824,

    incorporou a Fazenda de Santa Cruz ao patrimnio nacional e legou-a como serventia a Dom Pedro

    I e seus sucessores (Santos, 1981). Neste mesmo ano, pela Portaria de 9 de setembro, os ndios

    tornaram-se cidados brasileiros e, portanto, obrigados a pagar o foro de suas terras em Santa Cruz.

    Com a finalidade de controlar a propriedade, uma medio foi exigida em 1825, entretanto seu

    tombo foi roubado.71 Em 1827 Boaventura Delfim Pereira, o Baro de Sorocaba, cunhado da

    Marquesa de Santos e Superintendente de Santa Cruz, iniciou uma nova medio da Fazenda. Foi

    elaborada pelo Desembargador Juiz da Coroa uma relao de 153 fazendeiros e lavradores que

    nunca reconheceram a Fazenda de Santa Cruz como senhorio de suas terras. Este

    no-reconhecimento provinha sobretudo de sua posio econmica e social: 14 destes fazendeiros

    possuam entre 100 e 540 escravos e eram responsveis por uma enorme produo. Outros 118

    lavradores, que contavam com menos de 50 escravos cada, tambm alcanavam resultados

    significativos.72 Sentindo-se prejudicados pela Medio de 1827, 224 proprietrios (com seus 7.681

    escravos), formularam uma representao Assemblia Geral solicitando sua anulao,73 fato que

    culminou com o Decreto de 25 de novembro de 1830 que definiu os limites da Fazenda: Somente compreende terrenos em cuja efetiva e legtima posse se achava o senhor Dom Pedro I no dia 25 de

    maro de 1824. Os terrenos que haviam sido anexados por uma medio posteriormente feita ficam pertencendo quelles, que no referido dia 25 de maro legitimamente os possuam, ou a elles tinham direito, e a quaesquer seus legtimos sucessores, em favor dos quaes a nao renuncia

    qualquer direito (...) As pessoas que aproveitarem da presente renuncia, sero obrigadas a guardar

    os contractos de aforamento feitos pela Coroa at o referido dia 25 de Maro de 1824; ficando

    somente com o dominio directo dos terrenos que assim tiverem sido aforados. 74 Ainda na tentativa, desajeitada, de manter os bens pblicos, Jos Maria Velho da Silva em sua rpida gesto

    (1830-1831), incorporou as casas na foz do rio Itagua ao patrimnio da Fazenda.

    Em junho de 1832 Santa Cruz foi elevada a Curato cujos limites iam da Fazenda do Pia ao

    rio Tingui e que incluam os bairros de Santa Efignia, Cantagalo de Dentro e Curral Falso. Pelo decreto de 30 de dezembro de 1833, assinado por Dom Pedro I depois de receber um memorial da

    populao, a freguesia constituda pelas terras do Curato foi incorporada Corte e desanexada do

    70O conhecido Correio da Independncia. 71Esta medio foi posteriormente encontrada no torreo do Palcio de So Cristovo. 72Biblioteca Nacional, seo de Obras Raras. Relao dos fazendeiros e lavradores que nunca reconheceram a Fazenda Nacional de Santa Cruz e que foram aparentemente includos na ltima e nova medio feita no ano de 1827 pelo

    Desembargador Juiz da Coroa Joaquim Igncio Silveira da Mota, e nmero de escravos com quem trabalharam as suas

    terras. Chama a ateno na listagem o grande nmero de sargentos, coronis, tenentes, capites e alferes. H cinco padres com 116 escravos nas suas fazendas de caf. 73A medio teria includo terras nas freguesias de Valena, So Joo Marcos, Sacra Famlia do Tingu, Curato das

    Dores, Pira de Santana (Freitas, op.cit. vol. 3). 74Colleo de Leis do Imprio do Brazil de 1830, Parte Primeira. No Morro do Redondo ou de Petrpolis foi criado em

    1827 o Observatrio Astronmico de Santa Cruz. Em 1885, em completo abandono, foi ocupado pelo 13 Batalho de

    Infantaria da Guarda Nacional.

  • municpio de Itagua, a que pertencia desde janeiro. Foram desmembradas as fazendas de Itagua,

    Cantagalo e Canhang da grande propriedade de Santa Cruz que, naquele perodo, possua 1.524

    escravos para uma produo de 3.822 arrobas de acar anuais. No ano seguinte, pelo Ato

    Adicional, o Rio de Janeiro tornou-se Municpio Neutro, independente da Provncia onde estava

    localizada a maior parte das terras da Fazenda de Santa Cruz. Tal medida, entretanto, no interferiu

    na sua unidade econmica e administrativa.

    A Fazenda tambm foi palco de experimentaes industriais com a revogao do ato que

    proibia a indstria no Brasil pelo Alvar de 6 de outubro de 1810, ainda que vrias manufaturas j

    existissem desde os tempos dos jesutas. Entre elas fbricas txteis (de algodo e de seda), de

    artigos de couro, serralheria, carvoaria e olaria.

    A Real Fbrica de Tecidos de Santo Agostinho75 foi construda em 1815 pelos ndios, nos

    campos de Santo Agostinho s margens do rio Guandu com frente para o Caminho Novo da

    Piedade.76 Era gerida por Sebastio Fbregas Surigu, Diretor do Real Colgio das Fbricas,77 em

    um regime paraestatal com mo de obra cativa e livre que, mantendo a tradio jesutica, trabalhava

    de segunda a sexta. O algodo era plantado no stio do Veloso, ou Lavoura dos Prtos, que contava

    com cinco mil ps. Era urdido por 10 fiadeiras em Sepetiba, em casas alugadas pela

    Superintendencia da Fazenda, 16 ndias de Itagua e 13 da Ilha Grande. Esta produo era enviada

    Real Fbrica, edificao ricamente decorada, com pintura em ouro e anil nas paredes.

    Posteriormente a empresa foi fechada e suas mquinas transferidas para a fbrica da Lagoa em

    1819.78 A indstria txtil em Santa Cruz foi preservada com a implantao, em 1820, da Casa dos

    Tecidos e Panos ou Fbrica de Fiao do Leme79 com a matria prima (l e algodo) vinda do stio

    da Capoeira Velha, na localidade de Morro Grande, e com o pouco material e equipamentos

    restantes da Fbrica de Santo Agostinho.

    Merece destaque a Companhia Seropdica Fluminense, na feitoria de Bom Jardim, que

    reativou a criao do bicho da seda na Fazenda. Foi fundada por Jos Pereira Tavares em terras que

    haviam pertencido a Antonio Gomes Barroso, que as vendeu. Os decretos 342 de 22 de maio de

    1844 e o 388 de 13 de maio de 1846 autorizaram a criao, fiao e tecelagem e a concesso de seis

    loterias de cento e vinte e cinco contos cada uma (Gomes Filho, 1956). Mesmo que a indstria

    chegasse a contar com cerca de cento e vinte mil ps de amoreiras, seus resultados foram

    considerados insatisfatrios. Foi constituda uma comisso da qual faziam parte o Baro de Mau e

    o visconde de Barbacena com o objetivo de criar uma emprsa, a Imperial Seropdica Fluminense,

    cujo principal acionista seria Dom Pedro II. Nesta ocasio j estavam plantados 200 mil ps.

    Segundo o relatrio da Companhia de 1858, l trabalhavam 58 homens livres e 31 escravos que

    moravam em alojamentos da emprsa. A produo da fbrica, que tinha a mesma qualidade das

    similares estrangeiras, foi interrompida em maro de 1863 aps graves problemas financeiros, por

    ordem do Presidente da Provncia.80 Em 1866 o capito Luiz Ribeiro de Souza Rezende arrematou

    os direitos de foro e os vendeu em 1890 a uma Companhia que no prosseguiu com a produo.81

    Outra importante produo, presente desde a poca dos jesutas e que no sofreu interrupo

    com a expulso da ordem, era a de couro. Curtidores vindos com a Misso Francesa colaboravam

    com o seu trabalho quando em 1817 o curtume foi arrendado pelo holands Antonio Dufles, o

    encarregado do corte de madeira da fazenda. Foram excelentes as condies do contrato: a

    concesso de um emprstimo de um conto e duzentos mil ris, mil e duzentas peas de couro e sete

    75At 1814 havia uma Oficina de Teares com dez escravos-aprendizes fiando o algodo. 76Depois estrada de Itagua. 77Editor do Almanaque da Cidade e ligado aos servios de transporte e de iluminao da cidade. 78Criada pelo decreto de 27 de novembro de 1819 a Fbrica de Fiao e tecidos de algodo e malha da Lagoa Rodrigo de Freitas foi instalada atrs do Jardim Botnico, rua Pacheco Leo, em local conhecido por Chcara do Algodo. 79No podemos precisar se era esta a fbrica que pertencia ao ingls Francis Wallis que solicitou ao governo em 1814

    um emprstimo de dois mil contos de ris para estabelecer uma indstria de l, com produo de massa atravs do

    emprego de tecnologia avanada. Wallis tambm era dono de uma fbrica em Lisboa. 80Arquivo Pblico do Estado, PP 8.1, Coleo 78. 81Em 1915 os direitos foram concedidos a Cassiano Caxias Santos que adquiriu outros lotes para a implantao da

    Fazenda de Santa Tereza ou Caxias. Suas terras pertencem hoje a uma emprsa privada

  • escravos. Ao se retirar, Dufles solicitou terras em Santa Cruz. Em 1831 o Curtume passou ao feitor

    Jos Incio e, em 1836, para o francs Joo Grimes por 150$000 ris anuais e doze couros curtidos

    para a Fazenda. Em troca recebeu pedra, tijolo, telha e madeira para as benfeitorias. Houve um

    desabamento em 1874 que implicou em sua demolio. Neste lugar foi erigido o Matadouro.

    Entre as atividades industriais deve-se mencionar, ainda, a ferradoria-serralheria e a

    carvoaria. A primeira possua mais de dez escravos e produzia portes, foices, pinos de dobradias,

    chaves, ferraduras, estribos e parafusos de todos os tipos. A partir de 1849 foi iniciada a fabricao

    de seges. A Carvoaria dos Paos Reais, criada pelo Visconde do Rio Sco, empregava 18 homens,

    sendo 5 para o transporte. Localizava-se prxima a Piranema, em Itagua.

    Na Olaria do Curtume havia dois fornos, um deles utilizado na feitura de louas finas. Em

    1837 havia pelo menos 37 oleiros trabalhando na produo de telhas, tijolos, louas, manilhas e

    formas para acar. Em 1850 j eram 50, sendo a metade composta por crianas negras, "livres".

    No Segundo Imprio a fbrica, cujas mquinas vieram da Europa, passou a ser conhecida por Olaria

    da Fazenda onde j se fabricava tambm cermica domstica de luxo.82 Em 1870 iniciou-se a

    manufatura de mercadorias mais simples como potes, canecas, copos, ladrilhos, vasos e fogareiros.

    Uma portaria da Mordomia Imperial de 1875 proibiu o funcionamento de qualquer fbrica de tijolos

    e louas nas terras de Santa Cruz visando o xito da Olaria da Fazenda que, no entanto, foi

    demolida no ano seguinte. Todo o material foi vendido ao Baro da Taquara.

    Retornemos s proposies dos vrios Superintendentes a partir dos anos 30. O Coronel

    Francisco Gonalves Fernandes Pires (1834-1846) procurou incrementar a lavoura do arroz e a

    criao de gado reprodutor cuja venda era bastante lucrativa. Se em 1832 cada braa pagava 2$000

    multiplicados pelo nmero de escravos, em 1835 o foro diminuiu para 1$000. Evidenciando a

    dinmica de Santa Cruz, foi ali instalada a primeira agncia dos Correios83 do pas em 1842. Outras

    preocupaes revelaram-se na construo da ala direita do Palcio e do edifcio do Curtume, obras

    superfaturadas segundo denncias da poca. O coronel Conrado Jacob Niemeyer (1846-1856) que o

    sucedeu alm de ter se empenhado em obras no Pao e no Mirante Imperial84 no morro da Pedreira,

    reconstruiu as pontes e o Aterrado de Itagua visando a circulao. Em 1850, os servios urbanos de

    Santa Cruz j contavam com dois boticrios, seis casas de secos e molhados, uma padaria e trs

    ranchos. Por conta do decreto 409 de 1856 relativo ao melhoramento das culturas na Fazenda, o

    Superintendente incentivou as indstrias do ch (vinte e quatro mil ps foram plantados em

    Saquass) e da seda. Nota-se tambm que a cultura do caf passou por uma evoluo. Em 1850,

    segundo Viana (op.cit.), a Fazenda contava com o total de setecentos foreiros, havia nove

    lavradores que se dedicavam rubicea, em 1857 eram doze e, em 1864, chegaram a quinze

    lavradores (Taunay, 1943). Foi criada a Imperial Coudelaria de Santa Cruz,85 cujos animais eram

    guardados no Campo de So Lus e alimentados pelo capim vindo de um capinzal-modelo

    localizado entre as ruas do Campeiro Mr e do Prado.86

    A seguir veio o Carrasco do Cruzeiro, o mais violento dos administradores, Incio Jos Garcia. Pelos maus tratos dirigidos aos escravos e funcionrios da Fazenda, abandono dos prdios,

    armazns, hospital, cais, currais e lavoura87 e, finalmente, pelos desvios de verba, foi assassinado

    em 1867. Em vida acumulou mais de quinhentas cabeas de gado vacum, cavalos e, para realizar

    suas encomendas como empreiteiro na Corte, utilizava trabalhadores e material de Santa Cruz. Foi

    ainda proprietrio de terras e de imveis na fazenda e em Sepetiba. Cabe registrar que a partir de

    82Os Palcios Imperial de Petrpolis e o da Quinta da Boa Vista, alm das igrejas e capelas recebiam seus produtos. 83O primeiro concessionrio foi o Joo dos Correios seguido por Manuel Gomes Arruda. Em 1829 os servios postais

    foram organizados depois da extino do ofcio de correio-mor em 1797 (Freitas, op.cit. vol.3). 84 Nos tempos dos padres era chamado de Atalaia dos Jesutas que, atravs de lunetas, tudo observavam. Foi

    transformado em Reservatrio, Castelo das guas, por Washington Luis. 85Sua origem encontra-se nas Reais Cavalarias do Pao do Rio de Janeiro, do tempo de Dom Joo VI. Inicialmente

    localizadas na casa da Guarda pertencente ao comerciante Joo Ribeiro, foram mudadas para local prximo da Olaria na estrada de Itagua. Em 1868 foi construdo um novo prdio para a Coudelaria. 86Hoje o Hospital de Dom Pedro II. 87 Em 1862, guandu, aveia, cevada e ervilhas eram plantados na rea da atual rua Alvaro Alberto at o Mirante por 16

    escravos.

  • 1862 escravos passaram a ser alugados para fazendas (como a de Gericin), empresas (a

    Companhia do Gaz do Rio de Janeiro e a Imperial Companhia Seropdica Fluminense), para a

    remodelao dos jardins da Quinta da Boa Vista e a construo de Petrpolis (Lacombe, 1939).

    Entre 1865 e 1868, 691 escravos foram libertos para trabalharem nos hospitais da campanha do

    Paraguai. Em 1864, segundo os Livros de Receita e Despesa da Superintendncia, os subrbios da

    Fazenda eram o Morro do Ch, Cruz das Almas e outros lugarejos fora do centro do Pao.88 As

    rendas da Fazenda em 1862 eram provenientes de foros, laudmios, impostos, venda de produtos,

    empreitadas de escravos, fretes de embarcaes e de viaturas, aluguel de ranchos, rendas das

    feitorias, contratos das bandas de msica e aluguel de pastos.

    Os cinco anos posteriores, mais tranquilos, foram marcados por grandes obras de proteo

    contra as enchentes, a expanso da agro-indstria (que incluiu o plantio de cana de acar no campo

    do Paraguai) e o aluguel de pastos. Na segunda metade do sculo XIX, principalmente no Segundo

    Imprio, a renda da Fazenda era sobretudo recolhida da pastagem. Outra importante iniciativa do

    superintendente Jos Saldanha da Gama89 quando criou o Cadastro da Fazenda foi chamar os

    foreiros em dbito. O Baro da Taquara, conhecido por suas propriedades em Jacarepagu, no teve

    renovado seu arrendamento no campo de Sapicu e sua gleba foi desapropriada. Cabe dizer que o

    Baro possua uma das maiores extenses na Fazenda. Na esfera do trabalho e da mo de obra

    interessante assinalar que em 1870 foi criada a Sociedade Trs de Maio Protetora das Famlias dos

    Empregados da Imperial Fazenda de Santa Cruz e que Dom Pedro II alforriou setenta crianas

    escravas da Fazenda Imperial. Quanto aos servios, os dois principais logradouros em frente ao

    Pao receberam iluminao pblica a gs; o telgrafo l chegou em 1872.

    O Marechal Justiniano Galdino da Silva Pimentel (1876-78), o superintendente urbanista props mudanas nos transportes, na rede viria, na distribuio da mo de obra e na reforma do

    cemitrio. Neste momento ainda havia 348 senzalas na Fazenda. O substituto do Marechal

    Justiniano, Conselheiro Antnio Henriques de Miranda Rgo (1878-87), inaugurou o Matadouro no

    Campo de So Jos perto do arraial da Boa Vista, em 1881, cujos empregados moravam em 67

    casas construdas a seu lado (Santos, op. cit.). Segundo o contrato de arrendamento assinado em

    1874, pelo Matadouro pagar-se-ia uma taxa anual de 971$000, durante cinquenta anos. Foi feita

    uma medio na povoao de Sepetiba que contava agora com a rea de 48 ha. Nessa poca foi

    inaugurada ainda a Escola Imperial Dom Joo VI, pblica, e implementadas obras de urbanizao

    no leito das ruas, nivelamento das praas, abertura de bueiros e reforma de prdios. Tais esforos

    resultaram na abertura de mais hotis, como o Progresso, Boa Vista e do Cand. Podemos nos

    referir aos povoados de Santa Cruz, Itagua, Sepetiba e o de Pedra de Guaratiba, olaria, ao

    curtume, pedreira, ao Matadouro, ao ramal da linha frrea e ao bonde para Sepetiba.

    Nos anos seguintes (1887-1889) o Comendador Major Manoel Gomes Archer, responsvel

    pelo reflorestamento da Floresta da Tijuca e de Petrpolis e que sucedeu Antnio Henriques,

    arborizou a Praa da Superintendncia e suprimiu vrios cargos com o intuito de, cortar despesas, o

    que talvez explique a campanha de difamao dirigida contra ele. Foi acusado da venda de madeira

    e de apropriao indevida de bois da Fazenda.

    A questo fundiria na segunda metade do sculo XIX

    Ao pesquisarmos o Registro de Terras da freguesia de So Francisco Xavier de Itagua de

    Itagua (1854/1855),90 encontramos 129 declaraes de posses das quais 56 so foreiras Fazenda

    Imperial da Santa Cruz e em 74 no est assinalada a origem das terras. As localidades eram: Matto

    do Rey, Boa Vista e Morro Grande, Fazenda Morro das Couxas, Casas Altas (situao), Espigo,

    Mineiro (na freguesia de Bananal), Monte Carmello, Lagoa Nova, Fazenda Chapec, Trs Morros,

    Fazenda Espigo (que pertencia a Domingos Diniz de Andrade), serra das Caveiras (freguesia de

    88Apud Freitas, op.cit., vol.3. 89Fidalgo da Casa Imperial, Dignitrio da Ordem da Rosa, Comendador da Ordem de Cristo e Cavaleiro da Ordem do

    Cruzeiro, foi cunhado do Visconde de Algesur, ltimo proprietrio do Morgado de Marapicu. 90 Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro fundo PP, cdice 49.

  • So Jos da Cacaria), morro do Guizn, Fazenda Santo Incio (que possua 1.540.942 braas

    quadradas sendo 803.492 foreiras Santa Cruz e 734.150 desmembradas do engenho de Itagua),

    Rio Preto e na rua Direita, localizada no povoado de Itagua. Na maioria dos casos as informaes

    do conta de mdias propriedades (as grandes propriedades eram poucas) e que no lugar chamado

    Alagado viviam pretos foros. Cada prazo possua "400 braas de testada e outras tantas de fundo"

    que, como assinalamos anteriormente era o padro. H 48 registros de pores de terras compradas

    a vrios ndios ("perto da Estrada Geral que segue serra acima e fundos para a Guarda Grande").

    Muitos dos documentos afirmam serem as terras prprias, adquiridas dos ndios. Destacamos a

    declarao da Cmara Municipal da Vila de Itagua que afirma ter recebido seu patrimnio atravs

    do Alvar Rgio da criao da vila. H ainda declaraes dos prprios ndios. Registros nos

    indicam a cadeia sucessria das terras do engenho de Itagua: o surgimento de fazendas, como a de

    Santo Incio, Rio Prto, Rodeio ou posses nas localidades de Trs Barras, Grimaneza e Saco do

    Mazomba.

    H ainda documentos de Thomas Butter Dogson que comprou em 1853/55 a fazenda

    Arapucaia, com frente na costa do mar, de frente ilha da Madeira e o de Robert Coats que adquiriu 330.000 braas quadradas de mangues e brejos tambm em frente ilha da Madeira e ao

    Saco das Salinas. Encontramos ainda peties, de 1859, de medio de terrenos de marinha em

    frente s fazendas de Itagua, de propriedade de Jos Pinto Tavares, e Arapucaia. Uma outra

    demanda foi feita em 1872 pelo Baro de Mau, deferida pelo Ministrio dos Negcios da Fazenda,

    de aforamento de marinhas, entre as fazendas de Salinas e Arapucaia, ambas de sua propriedade.

    Em 1875 o Major Antonio de Oliveira Freitas requisitou o foro de terrrenos de marinha no lugar

    denominado Ponta de Areia de Coroa Grande em Itagua, fronteirios s suas terras. Encontramos

    ainda pedidos de aforamentos de Bernardino de Souza Machado, Candido Jos Cardoso e Antonio

    Fereira da Cunha, fazendeiros em Mangaratiba.

    Quanto freguesia de So Pedro e So Paulo do Ribeiro das Lages encontramos 91

    registros de terras foreiras Fazenda de Santa Cruz feitos entre 1855 e 1856. Com relao s taxas

    pagas em ris, um dado interessante o de que no h nenhuma conexo entre a superfcie da

    propriedade e o valor da contribuio. provvel que a diferena se deva atribuio a um outro

    fator, por exemplo, fertilidade ou existncia de rios nas posses. interessante notar que os terrenos

    no registrados eram passveis de multas. O Governo Provincial procurava manter controle sobre a

    propriedade e o parcelamento das terras. H dados sobre os vrios casos que, aps o pagamento

    tinham 60 dias para regularizarem suas posses.

    A Fazenda Pia foi comprada, em 1856 (1858?), pelo comendador Antnio Jos Gomes

    Pereira Bastos com a finalidade de introduzir a cultura de lpulo a ser fornecido Imperial Fbrica

    de Cervejas. Em 1859, contando com o trabalho de 46 escravos, sua produo atingia 200 pipas de

    aguardente, 750 alqueires de farinha, 192 alqueires de feijo, dois de milho e 160 litros de arroz. Em 1861 o engenho recebeu novas prensas, moendas e caldeiras; seu canavial ia do morro dos

    Veados (hoje do Redondo) at o Campo do Paraguai, depois Jaqueiro. Em 1864 o comendador

    Antonio de Souza Ribeiro adquiriu todas as terras de Pia para a implementao de um grande

    centro agrcola. Visando a ampliao do povoado, em 1873 apresentou um projeto para a abertura

    de trs ruas em seus terrenos que contavam com 42 moradores. Sabe-se que Souza Ribeiro, em

    1876, cobrava, indevidamente, os foros de duzentos lavradores que se organizaram e resolveram

    criar uma comisso para reclamar junto Cmara. Conseguiram reverter a situao. 91 Surgiu

    tambm nesse perodo uma proposta de criao de um Engenho Central que no foi adiante pois em

    1878 a maquinaria foi vendida e as instalaes utilizadas para isolamento de pacientes na epidemia.

    91Segundo o Memorial de Loteamento 440 do 4

    0 Ofcio de Registro de Imveis a gleba 5-A da Fazenda de Pia, em

    frente Baa de Sepetiba possua 2,3 km2 de extenso, dos quais 1,7 km

    2 eram terras prprias e 0,6 km

    2, no Saco do

    Pia, eram terrenos de marinha e acrescidos. Segundo o Memorial de Loteamento 187, outras glebas do antigo engenho

    que pertenciam aos herdeiros de Antonio de Souza Ribeiro at 1903, foram vendidas a Giuseppe Labanca e esposa.

  • Ainda segundo outros documentos92 as terras no Saco do Retiro, junto foz do rio Guandu,

    cujo proprietrio Braz da Silva Rangel as recebeu em 1763 (1793?) encontravam-se em 1856,

    ocupadas pelos posseiros Joaquim Manoel dos Anjos (trs prazos), Maria Francisca da Conceio

    (uma situao com 76 braas de frente e 1.500 de fundos) e Jos Luiz Freire (162 braas de frente e

    1.500 de fundos). No campo de Santo Agostinho,93 terras com aproximadamente 7,5 km2, estavam

    nas mos de Eugenio Guilherme Magalhes de Carvalho94 desde 1847.

    Antnio Barbosa de Arajo possua em 1846 um prazo de 34 braas na Lagoa do Cocal e

    mais 2 prazos e meio na mesma localidade comprados em 1843 viva de Fortunato Pereira,

    propriedade que constitua a situao Bom Jardim na lagoa do Cocal. Houve uma Portaria da

    Imperial Fazenda de Santa Cruz expedida em 17 de novembro de 1845 para a remedio e

    aviventao de 4 prazos de terras de Antonio Barboza de Araujo no Serrote do Bom Jardim na

    Lagoa do Cocal. Estas terras confrontavam com a Imperial Feitoria de Periperi, com os herdeiros do

    capito Bento Pereira de Lima (Fazenda Boa Vista), com a sesmaria do Marques de Quixeramobim,

    com o foreiro, ausente, Manoel Pereira de Alvarenga, com 2 prazos dos herdeiros de Felipe Brabo,

    o prazo de Jos Maria da Lapa e com os prazos de Antonio Castanheda (Rezende?).95

    Entre 1845 e 1898 os documentos apontam 309 arrendamentos e 120 aforamentos. Dos

    primeiros havia 9 na avenida da Princesa Imperial, 8 na Boa Vista, 15 na rua Dom Joo VI, 11 na

    estrada do Curral Falso, 9 na rua da Imperatirz, 10 na feitoria de Santarm, 9 na estrada de Ferro, 25

    nas imediaes do Matadouro, 9 na Passagem do Gado, 11 nas proximidades de Petrpolis, 13 sem

    localizao precisa, 10 na rua Sete de Setembro, 7 na rua da Olaria, 9 na rua do Campeiro-Mr,

    Alguns dados so reveladores do processo de ocupao urbana. Em 1838 havia 237 prdios

    em Santa Cruz (37 na rea interna do Pao), enquanto em 1888 j eram 1.332. Vrios chals e

    solares ali tinham sido construdos e o mais requintado deles, do ponto de vista artstico, pertencia

    ao Baro da Taquara, acionista majoritrio da concessionria de bondes entre Santa Cruz e

    Sepetiba. 96 O curato de Santa Cruz j mostrava, entre 1885 e 1892, claros indicadores de

    urbanizao pois os logradouros pblicos estavam devidamente delimitados, j havia uma rua do

    Comrcio e servios de abastecimento de gua, alm do transporte ferrovirio e de bondes. Havia a

    a rua do Encanamento cruzando com a rua da Caixa dgua, o centro definido pela presena do Palcio Imperial, da Praa da Coroa, dos equipamentos pblicos e das senzalas. Surgiu na poca,

    para este terreno, um projeto de diviso em prazos para aforamento. Nestas duas dcadas

    (1870-1890) o crescimento populacional em Santa Cruz, atingiu mais de 200%, percentual

    justificado pela deciso do governo, de 1886, de estimular a imigrao voltada para a produo

    agrcola na zona oeste da cidade.97 Tal posio visava contornar a crise de abastecimento iniciada

    em 1884.

    Mesmo que em Santa Cruz os ndices no tenham se modificado substancialmente entre

    1870 e 1890, os escravos libertos dedicados s atividades urbanas, por falta de moradias,

    comearam a pagar aluguel no valor de dois mil ris.98 Santa Cruz, com iluminao a gs desde

    1877, foi o primeiro subrbio do Rio de Janeiro a receber luz eltrica, em 1889, fornecida pela

    92Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro, coleo PP cdice 40. Segundo Freitas (1985) Brs da Silva Rangel

    exerceu as tarefas de vigia no rio Itagua, no local denominado Barra do Rio, guarda daquele posto e boticrio do

    Hospital. Era pai de