francisco paulo de almeida barão de guaraciaba: um negro e sua
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FRANCISCO PAULO DE ALMEIDA � BARÃO DE GUARACIABA: UM NEGRO E SUA REDE DE SOCIABILIDADE NA FUNDAÇÃO DO BANCO DE CRÉDITO
REAL DE MINAS GERAIS.
RESUMO
Através da biografia de Francisco Paulo de Almeida - barão de Guaraciaba - "o barão negro", e de sua rede de sociabilidade, esse artigo tem como objetivo mapear a história da fundação do Banco de Crédito Real de Minas Gerais - "O Credireal", cujos fundadores tiveram participação direta ou indireta em diversos campos estratégicos da política e da economia do Brasil no final do Império e início da República. Para melhor compreender as redes e configurações que ensejaram a produção e difusão de tais empreendimentos, elaborou-se uma prosopografia dos fundadores do Banco de Crédito Real de Minas Gerais que discutiram a questão financeira e econômica. A biografia coletiva permitiu também a compreensão dos variados posicionamentos políticos nas redes que influenciaram o sistema bancário e financeiro local que, em sua vertente dominante, esteve intimamente vinculado ao projeto de modernização das elites, detentoras de capital econômico e político que lhes permitiu a participação no estado após a Proclamação da República. O Banco de Crédito Real de Minas Gerais foi uma sociedade por ações elaborada por agentes de distintos setores políticos e econômicos da zona da Mata mineira no final do século XIX. A primeira crise econômica que afetou a primeira década republicana e esse banco foi o Encilhamento, onde uma grande quantidade de bancos faliu. A segunda foi a Crise Bancária de 1900, que decretou o fechamento de quase todas as casas bancárias. Palavras-chave: economia, finanças e banco.
FRANCISCO PAULO DE ALMEIDA � BARON DE GUARACIABA: UM NOIR ET SON RÉSEAU DE SOCIABILITÉ DANS LA FONDATION DE REAL DE CRÉDIT
BANQUE DU MINAS GERAIS.
RÉSUMÉ
Par la biographie de Francisco Paulo de Almeida – Baron de Guaraciaba -"le Baron noir" et son réseau de sociabilité, cet article vise à associer l'histoire de la Fondation de crédit Real Banque de Minas Gerais - "Credireal", dont les fondateurs ont eu une participation directe ou indirecte dans divers domaines stratégiques de la politique et l'économie du Brésil à la fin de l'Empire et le début de la République. Pour mieux comprendre la réseaux et les paramètres qui ensejaram la production et la diffusion de telles entreprises, un prosopografia des fondateurs de crédit Real banque qui a discuté de la question financière et économique. La biographie collective a également la compréhension des diverses positions politiques sur les réseaux qui ont influencé le système financier et bancaire local qui, dans son volet dominante, était étroitement lié au projet de modernisation des élites, avec capital économique et politique qui a permis à participer à l'état après la proclamation de la République. Le crédit de réel Banque de Minas Gerais était une société par actions développées par les agents des secteurs politiques et économiques de la zone da Mata minière à la fin du XIXe siècle. La première crise économique qui a touché la première décennie républicain et cela a été le Encilhamento,
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dans le cas où un grand nombre de sièges faliu. La deuxième était la crise bancaire de 1900, qui a décrété la fermeture de presque toutes les maisons de services bancaires. Mots-clés: Économie, finances et la Banque.
FRANCISCO PAULO DE ALMEIDA � BARÃO DE GUARACIABA: UM NEGRO E SUA REDE DE SOCIABILIDADE NA FUNDAÇÃO DO BANCO DE CRÉDITO
REAL DE MINAS GERAIS S/A.
Carlos Alberto Dias Ferreira1
O desenvolvimento deste trabalho deu-se a partir do estudo biográfico de Francisco
Paulo de Almeida – Barão de Guaraciaba, um negro que nascido no século XIX, que como
outros negros/negras, conseguiu infiltrar-se e estabelecer-se nas elites políticas e econômicas
do Brasil dos Oitocentos, conforme sua síntese biográfica.
A pesquisa teve seu início em agosto de 2005 culminando no TCC apresentado em
dezembro de 2006: FRANCISCO PAULO DE ALMEIDA — BARÃO DE GUARACIABA — 'O
BARÃO NEGRO' e, a dissertação de mestrado, defendida em setembro de 2009: Francisco
Paulo de Almeida - Barão de Guaraciaba: reflexões biográficas e contexto, entretanto, no
decorrer da pesquisa, percebi que, apesar da suposta ausência de fontes sobre o personagem,
eu conseguia localizá-lo no âmbito de determinados grupos com pertencimentos políticos,
econômicos, filantrópicos, etc., essa constatação acabou me direcionando para um campo de
pesquisa através desses grupos.
No âmbito das discussões metodológicas recentes em torno da História Política, muito
se tem falado acerca das vantagens e desvantagens do uso dos levantamentos prosopográficos
[Levi, 1989]. Muito embora a proliferação recente de biografias individuais ou coletivas seja
incontestável, nunca se abandonou esse tipo de abordagem no campo da pesquisa em História
Política, em que pese o fato da maior parte dos mesmos ter tido por objeto primordial as
elites.
1 Mestre em História Social – Linha Política, pela Universidade Severino Sombra.
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O objeto principal deste artigo está centrado no grupo de fundadores do Banco de
Crédito Real de Minas Gerais: Belisário Augusto de Oliveira Pena [barão e visconde de
Carandaí]; Bernardo Mascarenhas; Francisco Baptista de Oliveira; Francisco Paulo de
Almeida [Barão de Guaraciaba]; Inácio Antônio Assis Martins [Visconde de Assis Martins];
João Ribeiro de Oliveira e Souza; José Joaquim Monteiro da Silva [Barão de Santa Helena];
José Rodrigues de Lima Duarte [Visconde de Lima Duarte]; Marcelino Brito [Visconde de
Monte Mário]; Prudente Augusto de Rezende; Quirino de Avelar Monteiro de Resende
[Barão D’Avelar Resende] e José Caetano Rodrigues Horta [Visconde de Itatiaia].
Traçar as estratégias de relações sociais e de poder de um grupo exige um esforço que
suscita algumas questões importantes: primeiro, o sentido de se trabalhar biografias inseridas
num “grupo seleto” e, segundo, a melhor forma de estruturar e visualizar tais dados. A
pertinência do estudo de biografias coletivas [prosopografia] teve seu início nos Estados
Unidos e na Inglaterra nas décadas de 1920 e 1930, porém, foi o trabalho de Lawrence Stone,
em 1971, que situou esse gênero histórico, abrindo novas perspectivas de pesquisa. De acordo
com ele:
[...] prosopografia é a investigação das características básicas comuns de um grupo
de atores na história por meio do estudo coletivo de suas vidas. O método
empregado é o de estabelecer o universo a ser estudado e formular um conjunto
uniforme de questões — sobre nascimento, morte, casamento e família, origens
sociais e posição econômica herdada, lugar de residência, educação, tamanho e
origens das fortunas pessoais, ocupação, religião, experiência profissional, etc. Os
vários tipos de informação sobre indivíduos de um dado universo são então
justapostos e combinados e, em seguida, examinados por meio de variáveis
significativas. Essas são testadas a partir de suas correlações internas e
correlacionadas com outras formas de comportamento e ação.
Na prática prosopográfica, merece destaque a obra de Peter Burke Veneza e Amsterdã:
um estudo das elites no século XVII. A obra é proposta como um ensaio de história social
comparada e coloca como desafio aos historiadores tentarem combinar a atenção ao detalhe e
o interesse por mudanças ao longo do tempo. Burke fornece elementos importantes que
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auxiliam a pensar as noções básicas sobre elite, poder e riqueza. Partindo de Pareto, Mills e
Dahl, Burke inicia seu estudo analisando “a imbricação entre homens de riqueza, homens de
status e homens de poder. De Pareto, pode-se tomar emprestado os conceitos de sistema
social e função social. O exemplo de Dahl também sugeriu que a pesquisa sobre as elites
talvez fosse mais viável, se, em lugar de uma nação, se tomasse uma cidade como o foco da
atenção”. [BURKE, 1991: 18-19].
Outra contribuição de Burke está nas limitações e armadilhas de um estudo
envolvendo biografias coletivas. O primeiro deles é a própria identificação das elites,
definindo os grupos de status, poder e riqueza, e em que medida pode-se tratar de uma
sociedade de estamentos ou de classes. No caso enfocado por Burke, o status era conferido de
acordo com a tradição das famílias, o poder era identificado a partir dos cargos ocupados e,
nesse caso, não se pode perder de vista os líderes latentes, as eminências pardas que detinham
mais poder do que aquele garantido pelos seus cargos. A riqueza podia ser atribuída conforme
a posse de terras.
Assim, as várias noções tratadas por Burke podem ser úteis para o estudo da sociedade
oitocentista. Partindo da mesma noção de elite, contextualizando os valores e os significados
intrínsecos às noções de poder, riqueza e status, especialmente no que se refere à moeda de
troca da monarquia [comendas e títulos nobiliárquicos]. Daí a importância de se estudar os
fundadores do Banco de Crédito Real de Minas Gerais e, mais especificamente, expor o
exemplo deles como acionistas, uma vez que objetiva estabelecer e visualizar as estratégias
que permearam as relações sociais e de poder entre um grupo reduzido de homens influentes
que fundaram uma instituição financeira. Entretanto, muito embora Burke não tenha se
aproximado de outra metodologia que permitiria visualizar em melhor estilo as ligações,
ramificações e estratégias traçadas entre as elites de Veneza e Amsterdã, é um desafio utilizar,
mesmo que de forma introdutória alguns recursos da metodologia de Análise de Redes
Sociais.
Pensar no diálogo entre a História e a metodologia de Análise de Redes Sociais exige
certa dose de ousadia. A historiografia brasileira ainda se mostra alheia a essa metodologia,
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embora inúmeros trabalhos tratem da problemática envolvendo o relacionamento de diversos
atores sociais numa estrutura bastante semelhante àquela sugerida pela Análise de Redes
Sociais. É, portanto, nesse sentido, que noto uma possibilidade de estudos afins, testando o
uso da metodologia em objetos, inicialmente, bastante recortados e que possibilitem uma
melhor sistematização e visualização das relações e engrenagens de troca dos atores sociais
em questão.
Para tentar desenvolver esse modelo, optou-se por um autor clássico e que pode
oferecer noções básicas para alcançar os objetivos. De acordo com Hanneman, a Análise de
Redes Sociais se distingue da análise sociológica convencional porque esta última se
concentra em atores descritos pelo atributo enquanto a primeira se caracteriza pela descrição
dos atores a partir de suas relações [Hanneman, out 2000]. Essas relações que podem ser de
poder e de sentido simbólico variado têm se tornado objeto cada vez mais freqüente nos
estudos históricos pautados no campo do cultural e do político. Entretanto, nem a História
Política e nem mesmo a História Cultural possuem atributos metodológicos capazes de
sistematizar e dar uma melhor visualização das complexas redes que se concretizam
historicamente em determinados contextos, sejam eles dentro do Estado ou fora dele, como é
o caso do objeto em questão, neste trabalho. E, pode-se completar o raciocínio, dizendo que
nem mesmo os estudos prosopográficos fornecem esses elementos, apesar de contribuírem na
metodologia de coleta e de sistematização dos dados.
Nesse sentido, o estudo clássico e bastante didático de Hanneman, coloca a analise de
redes frente a pessoas imersas em redes de relações diretas com outras pessoas. Do ponto de
vista histórico essas redes podem se constituir em redes familiares, políticas, de sociabilidade,
de favores, econômicas e outras de acordo com a complexidade social. Em função desta
complexidade, Hanneman parte do pressuposto que “qualquer conjunto de atores pode estar
conectado com diferentes tipos de laços e relações” [Hanneman, out 2000:], o que facilita um
diálogo com as propostas das análises da História Política, da História Cultural e da
Prosopografia no que se refere aos seus objetos por excelência: o poder, o rito, a sociabilidade
e as relações que envolvam sentido simbólico, cruzando os diversos âmbitos da sociedade e
da mentalidade de uma época.
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De acordo com os apontamentos de Hanneman, a perspectiva de redes tem contribuído
para a compreensão do poder social. A aproximação das redes sociais enfatiza que o poder é
inerentemente relacional porque o indivíduo não tem poder abstratamente, mas o tem porque
podem dominar outros. Portanto, o poder se caracteriza por suas qualidades sistêmicas
[macro] e relacionais [micro], complementando as noções já postas por Burke [Hanneman,
out 2000: Capítulo VI]. É exatamente essa propriedade de conciliar as perspectivas macro e
micro que pode auxiliar os estudos históricos voltados para o poder e suas relações.
De acordo com Hanneman, as redes sociais podem ser dimensionadas a partir de
diferentes estratégias. O método de redes completas pode reproduzir uma fotografia completa
das relações de uma determinada população. O método da “bola de neve” focaliza
inicialmente um ator ou conjunto de atores com todas as suas relações e segue buscando as
relações de cada um dos atores descritos nas relações anteriores. A rede egocêntrica é um
enfoque alternativo e inicia-se com uma seleção dos atores focais para, num segundo
momento, identificar os demais atores com os quais estão conectados. Em sua modalidade
individual, a rede egocêntrica se concentra mais sobre um indivíduo e não na rede como um
todo. Por outro lado, além da estratégia adequada, Hanneman ressalta a importância de uma
descrição completa e rigorosa da estrutura das relações de uma rede social, definindo escalas
de valores que reflitam o grau de intensidade, proporcionando uma espécie de ranking das
relações a serem analisadas. [HANNEMAN, out 2000: Capítulo I e II].
Portanto, a opção pela conciliação entre a Prosopografia e a Análise de Redes Sociais
pode trazer um novo alento aos estudos históricos, embora se saiba dos limites que ambas as
metodologias possuem, especialmente na dificuldade de obtenção dos dados empíricos e do
desafio de visualização do processo histórico de constituição de redes que transmutaram ao
longo do tempo. Nesse sentido, algumas questões metodológicas emergem uma vez que o
método de Análise de Redes Sociais propõe um enfoque estático, de uma rede constituída e
não a dinâmica de sua formação, processo essencial para uma análise histórica. Dentre as
questões metodológicas que surgiram destaca-se a dificuldade de trabalhar com fontes que
não trazem, em muitos casos, a precisão que a sociologia relacional e, mais especificamente,
os softwares gerados para esse fim exigem. Assim, são necessárias algumas adequações para
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iniciar o teste que poderia conciliar as duas áreas de conhecimento: a história e a sociologia
relacional. Para um melhor acompanhamento do método adotado na pesquisa, definiram-se
duas etapas: o levantamento prosopográfico e a estruturação da rede que envolveu os
fundadores e principais acionistas do Banco de Crédito Real de Minas Gerais.
Análise de Redes
Traçando um panorama breve sobre o material bibliográfico consultado é
possível ter uma idéia dos procedimentos adotados na pesquisa. De um modo geral,
a bibliografia utilizada envolveu fontes diversas, tais como: dicionários biográficos,
memórias, recortes de jornais, revistas e teses acadêmicas. Além dessa bibliografia,
foram utilizados autores que permitiram estruturar de maneira adequada os dados
obtidos sobre os fundadores e principais acionistas do Banco de Crédito Real de
Minas Gerais. Nesse sentido, foram importantes as obras citadas de Peter Burke
[Veneza e Amsterdã], Lawrence Stone [Prosopography], além de Jeffrey Needell
[Belle Epoque Tropical]. O grande desafio desta pesquisa é adequar o método
prosopográfico, utilizado por Peter Burke e Lawrence Stone, à perspectiva reticular
da Análise de Redes Sociais e, fundamentalmente, adequá-lo aos procedimentos
exigidos pelo software escolhido [UCINET 6.0] para tratamento dos dados obtidos.
De um modo geral, a prosopografia exige uma coleta detalhada das
informações dos atores em questão. Foram estabelecidos critérios de coleta
referentes ao nascimento, morte, casamento, família, origem social, posição
econômica, residência, formação educacional, origem da fortuna, ocupação, cargos
ocupados, titulação [mercês concedidas pela monarquia] e vínculos com outras
famílias. A grande dificuldade é encontrar biografias, dicionários, teses acadêmicas,
memórias e relatos de época dados “precisos”. Inúmeras vezes os dados aparecem
sem data e as relações estabelecidas por casamento ou compadrio raramente
apresentam maior detalhamento. Essas lacunas levaram a considerar, nesse
primeiro momento, a rede como um todo, e não circunscrita ao período em que os
fundadores estiveram a frente na primeira década do Banco de Crédito Real de
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Minas Gerais haja vista que suas relações anteriores tiveram um papel fundamental
na construção do capital social responsável pelos seus status na sociedade
monárquica.
Portanto, a partir das informações coletadas para os fundadores, estabeleceu-
se um leque de relações familiares e de compadrio que, tal como um imenso novelo,
deu origem a um círculo composto por diversas pessoas. Para cada uma delas, o
método exige o mesmo nível de detalhamento, dificultando consideravelmente a
precisão da pesquisa. Contudo, o mais significativo do estudo em questão é que
esse universo, composto pode fornecer, mesmo que de modo indicativo, um
panorama das estratégias e atributos que permeavam a formação de inúmeras
redes que perpassaram não só a Zona da Mata mineira e os fundadores de um
banco, mas podem fornecer pistas importantes sobre a malha social do período
monárquico. Quanto às lacunas, serão necessários inventários freqüentes de fontes
para completar o quebra-cabeça que se tem em mãos. Tendo em vista que as fontes
históricas não foram produzidas intencionalmente para preenchimento de uma
matriz eletrônica, será preciso paciência e destreza para contornar as dificuldades e
ausências de informação a ser transposta para o UCINET.
Uma vez de posse dos dados, recorreu-se, num primeiro momento, à
visualização gráfica dos resultados da pesquisa, formando as árvores genealógicas
dos fundadores. Esse procedimento propicia vislumbrar possíveis lacunas e
especificar melhor determinadas relações. As árvores genealógicas foram
importantes para a definição dos parâmetros de relação familiar que seriam
incorporados na matriz do programa UCINET. Assim, a matriz do programa foi
concebida com base nas relações previamente estabelecidas em cada árvore
genealógica. Com esse método, foi possível determinar as intensidades das
mesmas.
A partir da árvore genealógica estruturada traçou-se um recorte focado na
figura de cada fundador, iniciando redes individuais egocêntricas. Em outras
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palavras, o levantamento feito e os dados considerados só o foram em função da
pessoa de cada fundador. Contudo, como os dados obtidos nem sempre fazem
referência temporal, não foi possível recortá-los no período específico da atuação
dos atores na criação do banco. Esse fato não põe em risco nem o método e nem os
resultados da pesquisa uma vez que o capital social de uma rede não se encontra
circunscrito a uma data específica. Isso porque as relações anteriores deram aos
fundadores o capital necessário e a visibilidade social para futuros empreendimentos
e, considerando essa mesma rede de forma prospectiva, há uma interação de
valores sociais que emprestam aos agentes componentes da rede, uma margem de
manobra junto a outras famílias na sociedade mineira, e mais especificamente, na
Zona da Mata.
Dessa forma estabeleceu-se as relações familiares compreendendo: laços
consangüíneos entre pais e filhos, avós, bisavós e netos; laços colaterais entre
irmãos, primos, tios e sobrinhos; laços por afinidade compreendendo famílias
agregadas [sogros, cunhados, enteados]; laços por compadrio [relações familiares
mais distantes]; laços estabelecidos entre cônjuges.
Para cada um desses laços foram definidas intensidades específicas, visando
a confecção da matriz no UCINET. Assim, os laços consangüíneos ganharam
intensidade maior, com valor um [indicando maior proximidade]. Os laços colaterais,
por afinidade e compadrio, receberam respectivamente os valores: dois, três e
quatro. Os laços estabelecidos entre cônjuges receberam o valor intermediário, um e
meio.
O software UCINET 6.0, disponibilizado na Internet [Programa disponível, de
forma restrita, no site: http://www.analytictech.com/downloaduc6.htm.], é considerado
atualmente como sendo um programa de ponta para tratar redes desenvolvidas a
partir de um foco determinado, isto é, egocêntricas. Além do UCINET, outros dois
softwares acoplados a ele: SpreadSheet [Programa disponível em:
[http://www.ds.unifi.it/~stefanin/AGR_2001/SH/sssheet.htm] e NetDraw [Programa
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disponível em: http://www.analytictech.com/Netdraw/netdraw.htm]. Seguindo os
parâmetros oriundos do procedimento metodológico da prosopografia, o
levantamento dos dados sobre os fundadores levou em consideração, em primeiro
lugar, as informações referentes à situação familiar, desvendando sua rede parental
e de compadrio mais próximo. Os demais dados, referentes a situação social,
econômica, política, de status, dentre outras, ainda estão sendo processadas e
deverão, futuramente, ser analisadas como atributos que caracterizariam os atores
envolvidos. A escolha pelas informações referentes às questões familiares ocorreu
em virtude da amplitude dos dados. Em outras palavras, traçar redes diversas,
compreendendo família, relações sociais, políticas e econômicas, inviabilizaria o
projeto inicial. Portanto, o recorte fez-se necessário.
O resultado da matriz do UCINET gera um sociograma, compreendendo a
rede familiar e de compadrio dos fundadores do Banco de Crédito Real de Minas
Gerais.
Embora tenha sido fundado em 1889, e tratar-se de um banco centenário, que passou
as mãos do Bradesco S/A em 1997, o objetivo está centrado no último decênio do século XIX
e, conseqüentemente, no primeiro decênio de fundação do Banco de Crédito Real de Minas
Gerais.
O jornalista e escritor Arthur Azevedo, em visita à Juiz de Fora-MG em março de
1889, após assistir uma peça de teatro, escreveu que [...] em terra alguma haverá tantos
barões como em Juiz de Fora [apud Nobrega, 1997: 67]. Entre os prováveis que poderiam
estar nessa ocasião, pois viviam na cidade ou possuíam amigos, residência e interesses
naqueles momentos finais do Império Brasileiro, figuras como Antonio Theodoro da Silva
[Barão do Alto Muriahe]; Belisário Augusto de Oliveira Pena [barão e visconde de
Carandaí]; Bernardo Mascarenhas; Carlos Theodoro de Souza Fortes [2º Barão de Santa
Clara]; Francisco Alves da Silva Pereira [Barão de Monte Alto]; Francisco Baptista de
Oliveira; Francisco de Assis Monteiro Breves, [Barão do Louriçal]; Francisco Paulo de
Almeida [Barão de Guaraciaba]; Gabriel Antônio Monteiro de Barros [Barão de São José
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Del-Rei]; Inácio Antônio Assis Martins [Visconde de Assis Martins]; João Evangelista de
Almeida Ramos [Barão de Santa Bárbara]; João Ribeiro de Oliveira e Souza; Joaquim
Barbosa de Castro [Barão de Além-Paraíba]; José Alves da Silveira Barbosa [3º Barão de
Santa Justa]; José Bernardino de Barros [Barão de Três Ilhas]; José Joaquim Alves dos Santos
Silva [Barão de São Geraldo]; [José Joaquim Monteiro da Silva [Barão de Santa Helena];
José Maria de Cerqueira Vale [Barão de Santa Mafalda]; José Rodrigues da Costa [Barão da
Conceição]; José Rodrigues de Lima Duarte [Visconde de Lima Duarte]; Luís de Sousa
Monteiro de Barros [Barão de Monteiro de Barros]; Marcelino de Assis Tostes [Barão de São
Marcelino]; Marcelino Brito [Visconde de Monte Mário]; Prudente Augusto de Rezende;
Quirino de Avelar Monteiro de Resende [Barão D’Avelar Resende] e José Caetano
Rodrigues Horta [Visconde de Itatiaia]. [grifo meu nos fundadores].
De acordo com José Procópio Filho [1979: 331]: “[...] quase todos foram lideres na
cafeicultura local e apenas mostraram grande apreço e mesmo amor. Ao grande vulto político
e humano que foi D. Pedro II”. A maioria deles foram cafeicultores de grande expressão no
Império, suas fortunas ascenderam a milhares de contos de réis, vários exerceram cargos
públicos como Delegado, Vereador, senado e presidência de províncias. Pode-se, desta forma,
fazer uma associação entre o poderio político e econômico que os fundadores do Banco de
Crédito Real de Minas Gerais detiveram nesse momento.
Um dos focos desse artigo procura demonstrar como os fundadores e diretores do
Banco de Crédito Real de Minas Gerais, procederam na primeira década de sua fundação,
para sobreviver às crises políticas e financeiras ocorridas. Na primeira crise, conhecida como
O Encilhamento, o banco ficou conhecido em seu estado de origem, Minas Gerais, como o
filho órfão do Encilhamento [Dulci, 1999: 49]. Todos os bancos de Minas foram sugados pela
especulação encerrando suas atividades, ficando o banco pesquisado a assegurar as transações
bancárias em terras mineiras2.
2 Dentre os vários bancos que sucumbiram na Crise do Encilhamento em Minas Gerais cito os bancos, Territorial
e Mercantil de Minas, Banco de Cataguases, Banco de Leopoldina, Banco de Minas Gerais (Ouro Preto), Banco Popular de Minas (São João Del Rey), Banco Regional do Estado de Minas Gerais, Banco Sul de Minas, Banco de Ubá e Rio Branco e Crédito Mineiro.
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A segunda crise, “A Crise Bancária de 1900”, segundo estudiosos a pior crise bancária
que o país já conheceu, o banco foi além. No Brasil, enquanto todos os bancos nacionais
fechavam os seus guichets, o Crédito Real de Minas Gerais, juntamente com o Banco da
Lavoura e Comércio do Rio de Janeiro, foram os únicos sobreviventes. Tal acontecimento
repercutiu de tal forma que o banco mineiro foi condecorado até no cenário financeiro
internacional [Jornal do Credireal 101 anos - Agosto de 1990].
Considerando que, no final dos Oitocentos, o café no Médio Vale do Paraíba está em
decadência, principalmente pelo esgotamento das terras e da não renovação das matas, muitos
fazendeiros vão diversificar seu capital e Francisco Paulo de Almeida, não fugindo da
tendência, se torna sócio fundador do Banco de Crédito Real de Minas Gerais.
O Banco de Crédito Real de Minas Gerais “O Credireal” foi criado em janeiro de
1889, na sede do Diário de Minas, jornal de propriedade dos fundadores do banco na cidade
de Juiz de Fora, Minas Gerais. Os fundadores do Credireal foram donos e responsáveis por
diversos investimentos em Minas Gerais, sendo que, com relação ao banco, a sua criação teve
a finalidade de fornecer recursos à lavoura, notadamente à de café, através de garantias reais,
ou seja, em base de hipotecas. Nesse sentido, consta no livro de comemoração do centenário
do Banco de Crédito Real de Minas Gerais:
O grupo de fundadores do Credireal, conhecedor do mundo financeiro e econômico
e consciente do prestígio de que desfrutava na Corte, vislumbrou no auxílio à
atividade rural a oportunidade que não deveria perder. O meio circulante do
dinheiro necessitava de organizações racionais e, principalmente, específicas que
obtivessem do erário imperial recursos para apoio à lavoura. Assim, a iniciativa
dos fundadores do Banco (Visconde de Monte Mário, Barão de Santa Helena,
Visconde de Assis Martins, Visconde de Carandaí, Visconde de Itatiaia, Visconde de
Lima Duarte, Barão D’Avelar Resende, Barão de Guaraciaba e Barão de São João
Del Rei), pela relevante influência de seus membros junto à Corte, tinha maior
receptividade que mesmo grandes e imediatos recursos financeiros, porquanto
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associava fatores positivos, que levariam aos meios desejados [SÁ, 1989: 40].
Grifo meu
Entretanto, para funcionamento do banco, necessitava-se da obtenção da Carta de
Autorização junto à Fazenda Imperial. Nesse sentido, a questão da burocracia jurídica, aliada
à lenta e resistente atuação dos Conselheiros eram fatores que adiavam a sua inauguração,
porém essas dificuldades foram contornadas conforme o livro do centenário: “[...]
Concordamos, contudo, com o competente historiador e museólogo José Tostes de Alvarenga
Filho, que atribui a aprovação do funcionamento ao prestígio dos fundadores junto a Dom
Pedro II [...]” [SÁ, 1989: 41].
Posteriormente, com o advento do encilhamento, ele e seus sócios vão constituir a
Companhia Agrícola Industrial Mineira. O encilhamento foi a política financeira de estímulo
à indústria, adotada por Rui Barbosa, quando ministro da Fazenda [novembro de 1889 a
janeiro de 1891], após a proclamação da República. Baseava-se no incremento do meio
circulante com a criação de bancos emissores [tendo como lastro não libras-ouro, mas títulos
da dívida pública], cujos empréstimos teriam de ser aplicados apenas no financiamento de
novas empresas industriais [e não na agricultura]. Por isso, incentivou-se intensamente a
criação de sociedades anônimas, incitando o público a investir seu capital na indústria e no
comércio.
Com a República, associou-se com: José Júlio Pereira de Morais [1º Visconde de
Morais], Marcelino de Brito Ferreira de Andrade [Visconde de Monte Mário], Domingos
Teodoro de Azevedo e Carlos Justiniano das Chagas na constituição da Companhia Agrícola
Industrial Mineira. Assim, em 1890:
Julho 30 Sôb a denominação de “Companhia Agrícola Industrial Mineira”, está
sendo incorporada pelo Banco Territorial e Mercantil de Minas, uma companhia
agrícola com o capital de dez mil contos. São Incorporadores, o Visconde de Monte
Mário, barão de Guaraciaba, Visconde de Morais, Domingos Teodoro de Azevedo e
Carlos Justiniano das Chagas. Á Cia vai adquirir as seguintes fazendas: Santa Fé,
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Piracema, Piedade, Passo da Pátria, Aliança, Fundão, Palmital, Bom Jardim,
Sobrado, Pedra Asul e Venesa [PEREIRA, 1956].
Francisco Paulo de Almeida participa desse quadro de relações e sociabilidades,
buscando e construindo espaços nas relações sociais e políticas, associando-se a Marcelino de
Brito Ferreira de Andrade [visconde de Monte Mário], rico fazendeiro de café em Juiz de
Fora, coronel da Guarda Nacional, rico empresário, fundador do Banco de Crédito Real de
Minas Gerais e vereador em Juiz de Fora; José Júlio Pereira de Morais [1.º Visconde de
Morais], fidalgo da Casa Real [28.2.1891], grão-cruz da Ordem de Cristo e do Mérito
Industrial, Comendador da Ordem da Rosa [do Brasil], presidente do gabinete Português de
Leitura do Rio de Janeiro e de beneficência Portuguesa, da mesma cidade, tendo-o também
sido da grande comissão Pró-Pátria, grande industrial, negociante e filantropo e, durante
muitos anos, chefe da colônia portuguesa na capital do Brasil; Comendador Domingos
Teodoro de Azevedo Júnior, genro do visconde de Rio Preto, membro da Irmandade da Santa
Casa e, Carlos Justiniano das Chagas, político que assinou a 1ª Constituição republicana
[1891].
A história da humanidade registrou, sem dúvida, suas maiores transformações nos
séculos XIX e XX. Foram tais as modificações nos sistemas de vida que descrever a estrutura
econômica, social, política, financeira e até moral na conduta dos homens, parece a descrição
de outro mundo. Alterou-se tão profundamente a vida no Brasil — em certas regiões de forma
mais sensível do que em outras — que a história dos dois últimos séculos já representa uma
longa história. Nas últimas décadas do século XIX, especialmente no último decênio,
ocorreram autênticas revoluções sucessivas que, se não foram idênticas quanto às
conseqüências, não deixaram de significar somatórios relevantes nas modificações
decorrentes.
Torna-se difícil, sem o devido acompanhamento da evolução dessas modificações,
avaliar a importância de certos fatos, principalmente quando se referem a uma empresa e,
ainda mais, a um banco. O que o Banco de Crédito Real representa em todo processo de
desenvolvimento da história do nosso povo, e para a economia nacional de Minas Gerais, só
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mesmo uma minuciosa análise pode evidenciar. Tão expressivas são, todavia, os
acontecimentos à época de sua origem que, se outros não justificassem a sua relevância,
aqueles bastariam para justificá-la.
Nestes séculos tudo mudou e nessas oscilações muitos milhares de empresas
nasceram, viveram e desapareceram. Os impactos ocorreram com tanta intensidade que, pode-
se afirmar que a maioria das organizações nascidas no período já não existe mais.
No final do século XIX a estrutura dos negócios em Minas Gerais, por ramos de
atividade, oferecia a seguinte ordem de importância: 1º – Rural [Agrícola e Pastoril]; 2º –
Comercial; 3º – Industrial e, 4º – Profissional e Artesanal.
Grandes fontes de riqueza eram as “fazendas”, nelas prevalecendo às culturas de café e
a criação de gado bovino. Uma simples análise dos recursos da província das Minas Gerais
pode ser obtida nos registros contábeis do Estado, assim como nas legislações relativas às
finanças. Mesmo sem se perder em detalhes de números, é possível compreender que as
maiores arrecadações de impostos e taxas dão a exata noção do que era mais importante.
A Assembléia Provincial, em agosto de 1889, votou o último orçamento da fase
imperial [Lei 3714, de 13.08.1889]. Previa-se para 1890, uma receita de 3.951:550$000.
Dessa a maior esperada provinha do café � 40% sobre o faturamento de produção � e
somava 1.500:000$000.
Minas dependia, basicamente, de sua lavoura cafeeira, que representava uma fonte de
recursos da ordem de 40%. A segunda maior arrecadação, de montante pouco maior do que a
metade daquela, originava-se do comércio e fluía através de um tributo cobrado sobre a
circulação de mercadorias, denominado “taxas itinerárias”. Esperava-se obter desse
850:000$000. Clara está a diferença entre o proveniente do comércio e o da agricultura,
embora a taxa itinerária, da forma como era estabelecida, não permita precisão percentual por
atividade.
Em terceiro lugar, quanto ao volume de arrecadação prevista para o Estado, ficava o
imposto de Indústrias e Profissões, com 294:000$000. Todas as demais rubricas do
Orçamento eram inferiores a 150:000$000. Percentual e aproximadamente, pois, pode-se
16
estruturar, por volume previsto de arrecadação, a seguinte ordem de importância para as
atividades: Agricultura [café]... 40%; Comércio e Giro de Mercadorias... 21%; Indústria e
Profissões... 7% e; Outras fontes de arrecadação... 32%.
Apesar de todos os riscos de imprecisão comportados por uma análise do gênero é
possível distinguir-se bem o quadro da estrutura econômica do Estado de Minas Gerais no
século XIX, quando a base do produto interno era a atividade do campo.
Apenas a título de curiosidade, vale registrar que a maior verba do Orçamento, à
época, era creditada à “Instrução”, que absorvia quase 1/3 de toda a arrecadação [26,9%]. A
despesa com a educação montava o aproximado ao dobro do destinado a obras.
Dessa forma, com uma economia dependente das fazendas, a mentalidade do
empreendimento em outras atividades, notadamente a do mundo financeiro, achava-se
concentrada no âmbito rural. Natural, assim, o conservadorismo econômico, uma vez que as
propriedades rurais constituíam núcleos onde se operavam fenômenos muito próximos do que
George Guwitch definiria como “micro-sociologia”. A consciência do risco estava tão
enraizada que se tornava difícil modificar e, especialmente, desviar para outros ramos o que já
estava tão concentrado nas atividades agrícolas, pecuárias e comerciais.
A arregimentação de capitais para grandes empreendimentos era uma barreira ao
progresso, mas, mesmo assim, fatores supervenientes deveriam transformar as estruturas mais
velozmente do que poderia se imaginar.
Os recursos vertidos no Banco tiveram como origem a atividade rural. Uma rápida
verificação da lista dos acionistas subscritores leva a constatar que 60% do dinheiro
provinham de “fazendeiros”. Os barões de Monte Mário e Santa Helena e Prudente Augusto
de Rezende formavam, só eles, quase 40% de todo capital subscrito pelos 12 acionistas
fundadores. O Banco nascia para socorrer a região, rica em produção agrícola e pastoril, e era
natural, portanto, que aquelas atividades oferecessem os meios.
Minas Gerais tinha raízes fortes nas atividades do campo e a Zona da Mata era de suas
mais representativas regiões, porquanto dispunha de facilidades para o escoamento de seus
produtos para os maiores mercados — a capital do Império e São Paulo.
17
A formação dos currais já era preocupação essencial no século anterior — até gerou o
Ciclo do Couro — e a cultura do café fora iniciada no século anterior, ou seja, em fins do
século XVIII. A província exportava, também, toucinho, aves e grande quantidade de
laticínios.
Pouco antes da fundação do Banco de Crédito Real, o Imperador programava o
aprimoramento de raças bovinas, chegando a editar leis nesse sentido. Só Minas era
responsável pela exportação de 150.000 cabeças em 1889. Os recursos gerados pela atividade
rural eram competentes, pois, para a formação de uma entidade financeira. E foi baseado neles
que se constituiu o Banco de Crédito Real de Minas Gerais.
Trinta e oito anos antes da constituição do Banco de Crédito Real de Minas Gerais
ocorreu um evento de alta importância econômica, considerado, à época, o mais relevante de
sua categoria. Com uma estrada margeando o Paraibuna, obra de Mariano Procópio, ligava-se
o Rio de Janeiro a Juiz de Fora, numa distância de 144 quilômetros.
A história dos caminhos para Minas era antiga. O filho de Fernão Dias Paes Leme já
havia traçado uma estrada, mas somente aquela de Mariano Procópio traria em 1861, um
trajeto racional e seguro. Os progressos da “União Indústria”, conforme foi denominada tinha
sido planejados e aprovados por Lei pela Assembléia Legislativa de Minas [de nº 18, de
1835]. A ferrovia, 8 anos depois, haveria de superar a importância da rodovia, mas ambas,
inequivocamente, propiciaram a riqueza da região.
O Governo Imperial avaliava, desde o início do século XIX, a importância de Minas
como centro produtor e abastecedor da capital do País. Em 1835, pelo Decreto 101, Diogo
Feijó já previa incentivos para a Companhia que se organizasse para a construção de ferrovia
entre Minas e Rio de Janeiro.
Sob a direção de homens como Fernando Halfeld e Pedro Victor Renault
[posteriormente Gerber], tornou-se realidade a pretendida ligação ferroviária, com a
inauguração da estrada de ferro em 1869. O Governo amparou os investidores com
generosidade, a ponto de prejudicar seu orçamento, porém é inegável o resultado favorável
para a economia da região a estrada “Dom Pedro II”, a primeira a entrar em Minas, havia
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chegado a Ouro Preto quando o Banco foi constituído. Havia, pois, infra-estrutura econômica
de transporte para os limites da época, o que fazia crer no desenvolvimento da Província, da
qual a Zona da Mata há mais tempo se beneficiava. Naquele fim de século, Minas contava
com 1.800 dos 9.200 quilômetros de estrada de ferro que o País construiria, fato muito
significativo.
A prosperidade das fazendas coloniais mineiras, base de uma economia que consumia
grande parte do que produzia, gerava uma escassa circulação de dinheiro — dispensável em
face da relação entre produzir e consumir diretamente. O custo da mão-de-obra não exigia
pagamento em numerário, mas simplesmente, investimentos em escravos e sua manutenção, a
níveis de consumo. Os negros eram considerados como investimentos duráveis, que
garantiam resultados produtivos sem necessidade de remuneração.
Em pleno Ciclo do Ouro, a população negra em Minas era muitas vezes superior à
branca. Mas a tendência liberal “amadurecida” não tolerava mais o regime de escravidão.
Assim, ao término do século XIX, a liberação integral dos escravos colocou em fase final a
mão-de-obra gratuita, com “duras conseqüências” para a economia agrícola, principalmente a
do café.
Ao preço dos produtos agregava-se um novo componente a partir dali: a remuneração
da mão-de-obra. A manutenção dos escravos e a amortização do investimento em sua
aquisição, ao contrário, embora representassem custo, não exigiam, por outro lado, circulação
monetária de pagamentos. O mercado de trabalho abalou-se, também, pelo abandono de
grande número de negros, ansiosos e desejosos de novas formas de vida e de relações de
trabalho. Apesar dos muitos que permaneceram nas fazendas, a evasão foi significativa.
Não obstante a liberdade já estivesse sendo concedida gradativamente, o grande
impacto ocorreu de 1888 em diante. Agravava a situação dos fazendeiros o fato de terem que
pagar salários sem, contudo, receber pela venda de seus produtos, além de perder a garantia
de suas hipotecas para os bancos onde mantinham empréstimos. Como os ciclos rurais são
longos, dependendo das colheitas, e os pagamentos por remuneração eram imediatos, essa
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descompensação gerava a falta de dinheiro circulante. O socorro financeiro passou a ser uma
necessidade prioritária ante as novas circunstâncias.
O Governo Imperial, reconhecendo as dificuldades do regime de custeios, procurou
tomar medidas de apoio, através do crédito agrícola a menor custo e maior prazo. Surgiam
duas imposições fundamentais: subsidiar as atividades atingidas em seus patrimônios e
ensejar facilidades de acesso ao dinheiro, assim como ampliar a circulação. E tudo isso
ocorria a um só tempo.
Em Minas, à época, a vida tinha padrões austeros com relação aos gastos. Mas existia
uma classe aristocrática, que desfrutava de luxo e de viagens freqüentes à Europa.
Reminiscências do fausto da aristocracia mineira são encontradas ainda em muitas cidades e
fazendas. A abolição da escravatura atingiria a todos, mas, basicamente, ao meio rural.
Na ocasião, portanto, em que mais Minas Gerais precisava de apoio financeiro,
nasceria o Banco de Crédito Real de Minas Gerais, iniciativa dos aristocratas e fazendeiros,
com ajuda das classes de produção. A nova economia sugeria um novo Banco na região que
abrigava a cidade mais progressista da Província — Juiz de Fora.
Muitas foram as razões de Juiz de Fora, em fins do século XIX, ter sido o berço do
Banco de Crédito Real de Minas Gerais. Além de concentrar uma zona riquíssima em
produção, a cidade reunia a infra-estrutura essencial ao desenvolvimento, amparada por um
grupo de empreendedores que ensejava um ambiente de progresso. O fato histórico marcante,
insuperável no favorecimento da escolha, foi a instalação no local da primeira usina
hidrelétrica da América do Sul. Abria-se, assim, a porta para o avanço industrial. E, por
coincidência do destino, à mesma época em que se iluminou Juiz de Fora com a energia
gerada pela recém-criada, o Imperador Dom Pedro II aprovava a constituição do Banco de
Crédito Real, expedindo a Carta Régia de autorização.
Já em 1889, o escritor brasileiro Artur de Azevedo chamaria a cidade mineira de
“Princesa do Paraibuna”, título que viria a mudar para “Rainha do Paraibuna” quando em
1907, assistiu ali à representação de sua peça teatral “O Dote”. A Usina hidrelétrica foi
iniciativa da Cia. Mineira de Eletricidade, fundada em janeiro de 1888, devendo-se ao seu
20
primeiro presidente, Bernardo Mascarenhas, a obtenção da concessão para seu
funcionamento.
A inauguração, em fase experimental, da Usina dos Marmelos, deu-se em 23 de agosto
de 1889 de acordo com Oliveira: “Começava a funcionar, em caráter experimental, a usina
hidrelétrica dos Marmelos, da Companhia Mineira de Eletricidade. As experiências
prosseguiram até o dia 5 de setembro, quando se inaugurou a iluminação pública da cidade”
[1975: 183].
Portanto, em fins do século XIX, Juiz de Fora era uma metrópole comparável a outras
do velho mundo e viria receber a denominação de “Manchester Mineira” — comparação com
a industrial cidade da Inglaterra. Da Vila de Santo Antônio do Paraibuna, antes Distrito de
Santo Antônio da Boiada [início do século XVIII, quando se fez o já mencionado “Caminho
Novo para as Minas Gerais”, de 1701, bandeira de Garcia Rodrigues Paes, filho de Fernão
Dias], só restavam reminiscências.
A Cia Mineira de Eletricidade foi conseqüência do entendimento da necessidade do
emprego de energia elétrica na indústria. Mas surgiu amparada pelo reconhecimento do Poder
Municipal, afirmação comprovada historicamente pela presença dos vereadores Barão do
Retiro, Ernesto Braga, Pedro Henriques e Bernardo Halfeld á Assembléia inaugural da
empresa. O contrato de iluminação da cidade, firmado com a Câmara Municipal em dezembro
de 1887, garantiu base operacional à Companhia.
A primeira diretoria, constituída de empresários que viriam a, também, dirigir o Banco
de Crédito Real de Minas Gerais em suas primeiras administrações, tinha à frente Bernardo
Mascarenhas, Francisco Baptista de Oliveira e Francisco Eugênio de Resende. No Conselho
Fiscal, Frederico Ferreira Laje, Fernando Lobo Leite Pereira e Manuel Mattos Gonçalves,
futuros acionistas do Banco de Crédito Real.
Segundo o estatuto da Companhia, seu objeto social era “iluminação pública e
particular, transmissão de força, tração elétrica e mais quaisquer aplicação da eletricidade,
podendo estender as suas operações a outros pontos da Província para os mesmos fins...”.
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Historicamente, aquele final de ano de 1889 ficou marcado para o Brasil Imperial,
pelos dois fatos importantes: a iluminação de Juiz de Fora, primeira cidade da América do Sul
a dispor de serviço público de eletricidade hidráulica, e a edição do Decreto Imperial de nº
10.317 que, assinado por Dom Pedro II, aprovava o Estatuto do Banco de Crédito Real de
Minas Gerais.
Juiz de Fora, entretanto, abrindo ainda mais os seus horizontes em diversos sentido,
além de aumentar o capital do Banco Territorial e Mercantil, que já operava, ali instala a
Sociedade de Medicina e Cirurgia e, em 1891, funda a Academia de Comércio.
Francisco Baptista de Oliveira, fundador e administrador do Banco de Crédito Real,
era homem de múltiplas atividades, mas sua obra de constituição da Academia do Comércio
ficou como um dos marcos mais significativo da história da cultura das ciências
administrativas e contábeis de Minas Gerais, pelo seu pioneirismo. O Banco foi fonte, por
muitos anos, da formação e manutenção daquela casa de cultura, assim como o Estado
também lhe destinou verba de subvenção no ano da fundação.
Segundo Maraliz de Castro [1974], a planta do edifício da Academia, executada na
França, data de fevereiro de 1891 e, Paulino de Oliveira [1975] informam que também em
fevereiro de 1891 era adquirido o terreno para construção. A ata de instalação da sociedade
anônima que deu origem à Academia é de 30 de março de 1891 [naquele ano, Juiz de Fora
contava com cerca de 14 sociedades anônimas e a de maior capital era a Agrícola de Juiz de
Fora, seguida, de perto, pelo Banco de Crédito Real de Minas Gerais]. Tão importante era a
Academia que seu capital, na constituição, era quase o da Cia Mineira de Eletricidade, igual
ao da Ferro Carril de Juiz de Fora e maior que o da Industrial de Juiz de Fora. A pedra
fundamental do edifício foi assentada em 5 de dezembro de 1891 e, em 1894, era inaugurado
seu primeiro pavilhão.
A cidade, aquela época, dispunha de empreendedores de valor e do espírito sólido de
trabalho trazido pelos imigrantes, notadamente alemães [os primeiros deles ali chegaram em
1856]. Paulino de Oliveira [1966], afirma categoricamente que a Colônia D. Pedro II, de
22
imigrantes europeus, foi a responsável direta pela aceleração do progresso da cidade, sendo
decorrência inequívoca dela a mentalidade de valorização e reconhecimento da cultura.
A indústria, em 1886 já contava, naquela cidade, com uma Exposição, idéia nascida
em 1883, conseqüência de amadurecimento natural, cuja direção coube ao Barão de Santa
Helena, um dos fundadores e gestores do Banco de Crédito Real de Minas Gerais. Ali se
exibiam dezenas de produtos locais, como laticínios, produtos químicos, cigarros, máquinas,
cerâmicas, carroças etc.
Quando de sua constituição, o Banco de Crédito Real possuía um capital de 500
contos de réis. Dois anos depois, já era a segunda maior sociedade anônima dentre as 14
existentes em Juiz de Fora. Em 1889, quando o Banco iniciava sua operação, o seu capital
representava 1/3 de toda a arrecadação tributária sobre o café, prevista pelo Estado em 1890.
Recorde-se que o produto era a riqueza básica da região, sendo o imposto resultante da sua
exploração responsável por 40% de toda a receita da província. Assim, conquanto a expressão
monetária fosse modesta diante de outros bancos nacionais, era vigorosa para o ambiente
econômico em que nascia o Crédito Real. Entende-se, particularmente, que os empresários
constituidores do capital do Banco dimensionaram adequadamente seu montante, tomando
como parâmetro os objetivos e as condições ambientais.
O Banco do Brasil, por exemplo, dispunha de um capital de 1.200 contos de réis por
ocasião de sua criação, em outubro de 1808, sendo o realizado de, apenas, 120 contos de réis.
O Crédito Real, ao contrário, estabeleceu corretamente as proporções de seu capital, logo a
seguir aumentado consideravelmente, jamais tendo se sujeitado a interrupções em todo o
curso de sua história. Assim, 10 anos após a sua fundação, o Banco sob a presidência de
Cândido Teixeira Tostes e tendo Arthur Siqueira como seu Contador [1899], já mostrava em
seu Balanço, as seguintes rubricas: Capital, 7.000 contos de réis; Carteira Comercial —
Capital, 1.000 contos de réis; Carteira Hipotecária — Capital, 6.000 contos de réis.
Portanto, apesar da ocorrência da crise do café, que estava sendo vendido abaixo do
seu custo de produção em 1889, e de estar operando na zona econômica mais duramente
23
castigada, o Banco conseguiu aumentar 14 vezes o valor nominal de seu capital e mais de 20
vezes o que havia sido integralizado à época da fundação.
No ano seguinte, iniciando-se o século XX, o Credireal perderia seu fundador e
administrador Bernardo Mascarenhas. Mas o Balanço do primeiro semestre, ao início dos
Novecentos, mostrava que a estrutura era suficientemente madura, sua solidez espelhando-se
nos números. O relatório da Diretoria, em panegírico do grande empreendedor, publicava as
seguintes observações:
“O inesperado falecimento do nosso estremecido Presidente Bernardo Mascarenhas
privou-nos subitamente do valiosíssimo concurso de sua culta inteligência e
esclarecido critério. Desde a instalação do Banco, desempenhou as delicadas
funções de membro de nosso conselho de administração. Enérgico, ativíssimo,
dotado de sólidos conhecimentos profissionais dos negócios bancários e admirável
senso prático, prestou-nos relevantes serviços com ilimitada dedicação aos interesses
que lhe eram confiados. Perdeu o Banco a sua leal e valiosa cooperação e o Estado
de Minas um dos mais estrênuos e intransigentes obreiros de sua prosperidade”
O teste da economia de Minas e do Brasil, duríssimo para os primeiros 10 anos de um
banco, fora rigoroso. As profundas mudanças políticas, sociais e econômicas vitimaram
amargamente o Estado, mas o Crédito Real superou e cresceu, mesmo quando a crise assolava
a todos, em razão da capacidade de seu pessoal e de sua administração.
1 – A emergência de um sistema financeiro nas Minas Gerais do século XIX: O nascimento do Banco de Crédito Real de Minas Gerais
Na fase final do período imperial, com a abolição da escravatura, abre-se na cidade
pólo da zona da Mata mineira, Juiz de Fora, novas formas de investir, aumentar e acumular
capital. Devido sua produção de café, principal fonte de renda da região e sua importância no
contexto econômico do período, juntamente com a construção da Rodovia União e Indústria,
que ligava Juiz de Fora ao Rio de Janeiro, muitos imigrantes estrangeiros e nacionais
aportaram nessa localidade com a perspectiva de investir em novos ramos setoriais (CROCE,
2008).
24
O último ano do Império (1888), era propício para isso. Em nossa concepção foi nesse
momento especificamente, com o evento da abolição da escravatura que se iniciou o chamado
Encilhamento, e não no início da República como muitos afirmam (VIANNA, 1978. LIMA,
1976)3.
Como sabemos, o início da conjuntura do Encilhamento foi de intensa euforia, a Bolsa
de Valores começava a se manifestar (VIANNA, 1978 pp.43-44), e tal início dessa conjuntura
permitiu ao Banco de Crédito Real de Minas Gerais concretizar sua inauguração, se
posicionando como um estabelecimento de crédito. A instituição, logo no seu início, estaria
realizando a operação “auxílio à lavoura”, sendo um intermediário de empréstimo entre
governo e agentes agrícolas (CROCE, 2008)4.
A idéia de fundar um estabelecimento bancário na zona da Mata mineira já havia se
consolidado com a fundação do Banco Territorial e Mercantil de Minas em 1887. No entanto,
seus administradores não tinham uma visão mais arrojada de expansão comercial
(MASCARENHAS, 1954 pp. 131-137). Foi nesse momento que surge a concepção de se
inaugurar o Banco de Crédito Real de Minas Gerais, uma vez que, seu idealizador, João
Ribeiro de Oliveira e Souza, proprietário do jornal "Diário de Minas", juntou empresários de
ramos como têxteis, comerciais e agrários para consolidar o investimento, criando assim uma
sociedade por ações (CROCE, 2008).
É interessante observar que, a iniciativa de João Ribeiro em fundar um novo
empreendimento financeiro por sociedade de ações, permitiu uma fusão de empresários de
setores distintos. Os fundadores, participavam de indústria têxtil, no caso Bernardo
Mascarenhas, setor comercial, representado por Baptista de Oliveira, proprietário da maior
rede comercial na cidade nesse período, o Barão de Santa Helena e o Visconde de Monte
3 Uma das referências bibliográficas mais representativas dessa conjuntura é a obra “O Encilhamento” de Visconde de Taunay. Tal trabalho, ao contrário de nossa metodologia, aponta que a conjuntura do Encilhamento teve seu início com Rui Barbosa assumindo a pasta da Fazenda no Governo Provisório Republicano. Ver: TAUNAY, Visconde. O Encilhamento. Rio de Janeiro, 1893. 4 A operação consta no primeiro balanço do Banco, e se encontra sob custódia do Museu de Crédito Real de Minas Gerais – Secretaria de Cultura do Estado de Minas Gerais.
25
Mário, ambos cafeicultores e políticos influentes perante o Império, além do próprio João
Ribeiro, proprietário de um jornal e advogado (SÁ, 1986, CROCE, 2008).
Juiz de Fora vivia um clima de euforia em sua expansão econômica, social e cultural.
A construção da rodovia União e Indústria que ligava Juiz de Fora ao Rio de Janeiro, trouxe
investimentos de imigrantes nacionais que ao longo de um curto espaço temporal, propiciou
sociedades extremamente importantes até no contexto nacional.
Podemos citar como exemplos que, esses mesmos agentes que citamos acima, atuantes
em segmentos distintos na economia, se juntavam em sociedades por ações, concretizaram
empreendimentos como a Cia. de Eletricidade Mineira, primeira na América Latina e segunda
no mundo a produzir energia elétrica, a Academia de Comércio, referência cultural histórica
no Brasil, uma vez que se trata da primeira instituição de ensino superior em finanças
(CROCE, 2008)5. Vale a pena complementar que, 10% do lucro dos incorporadores do Banco
de Crédito Real de Minas Gerais, criado em 1889, eram destinados para a construção da
Academia de Comércio, inaugurada em 1891 (SÁ, 1986).
No campo financeiro, a curta distância entre a zona da Mata mineira e o Rio de Janeiro
que, com a estrutura da rodovia União Indústria aproximou ainda mais as cidades, permitiu
que a Mata mineira criasse um laço de dependência muito forte com o mercado financeiro
fluminense. Laço esse que gerava problemas para a aceleração no desenvolvimento da zona
da Mata mineira, pois, tal dependência envolvia fatores negativos como, burocracia em se
obter crédito, longo prazo para entrada de capitais nas áreas necessitadas e dificuldades de
locomoção (Jornal do Credireal 101 anos, 1990 p.5).
Em 23 de janeiro de 1889, acontece a primeira Assembléia de constituição de
Sociedade Anônima para a fundação do Banco de Crédito Real de Minas Gerais, e, através de
5 De acordo com Croce, a Usina Hidrelétrica em Juiz de Fora, começou a operar sete anos depois na primeira construída no mundo, a Hidrelétrica de Appleton Wisconsis, nos estados Unidos. O empreendimento causou um grande impacto nacional, e o jornal “Gazeta de Notícias” do Rio de janeiro, capital nesse período noticia: “Não podemos deixar de render congratulações aos habitantes de Juiz de Fora, não só pelo empreendimento, que foi elevar mais, se é possível, a sua importância, como também por que está livre do gás que tanto escurece.” A respeito de informações mais detalhadas sobre a Hidrelétrica de Juiz de Fora e da Academia de Comércio ver: CROCE, Marcus A . O Encilhamento e a Economia de Juiz de Fora: O Balanço de uma Conjuntura. FUNALFA Edições. Juiz de Fora, 2008.
26
uma longa trajetória envolvendo meios políticos e burocráticos, aparecem os resultados. Em
22 de agosto de 1889, D. Pedro II expede a Autorização de Funcionamento sendo que em 5 de
setembro de 1889, o Crédito Real de Minas Gerais inicia suas atividades (SÁ, 1992 p. 38).
A cautela política no período em que a monarquia a cada dia perdia espaço para os
republicanos, demonstra o planejamento bem estruturado da instituição. A elaboração da
primeira formação hierárquica do banco, com intenção do banco não enfrentar riscos políticos
durante seu funcionamento, uma vez que a transição monarquia/república já se mostrava
iminente foi constituída da seguinte forma: na presidência Visconde de Monte Mário
(membro do Partido Liberal), na vice-presidência, Barão de Santa Helena (membro do Partido
Conservador), e como secretário Bernardo Mascarenhas, um republicano (CROCE, 2008:
134-135).
As fontes empíricas as quais tivemos acesso no Museu do Banco de Crédito Real de
Minas Gerais, demonstram que o fator político em muito influenciava as diretrizes de uma
instituição financeira nesse período. Os contatos políticos entre diretoria do Banco e Governo
sucederam em uma Carta de Autorização Imperial seguida uma semana depois de um contrato
governamental incluindo o Crédito Real de Minas entre os bancos que iriam compor a lista de
estabelecimentos que prestariam serviços referentes ao auxílio à lavoura6. Tais fatores para
serem concretizados contaram com o laço de amizade pessoal entre o Visconde de Monte
Mário, presidente do banco, e o então ministro da Fazenda, Visconde de Ouro Preto7.
Além da cautela política utilizada, o diretor-gerente do banco, João Ribeiro, valendo-
se da condição de proprietário de um jornal de grande circulação regional o "Diário de
Minas", utiliza esse mecanismo para promover o banco em outras localidades (CROCE, 2008
p. 135).
6 Tais fontes primárias se encontram disponíveis no Museu do banco de Crédito real de Minas Gerais, situado na cidade de Juiz de Fora sob custódia da Secretaria de Cultura do Governo de Minas Gerais. 7 Além do laço de amizade entre o Visconde de Monte Mário e o Visconde Ouro Preto, podemos associar também, a participação de importantes nomes ligados ao setor agrário que pressionaram a Corte com suas influências pessoais e políticas para autorização de abertura do Credireal. Entre tais nomes estão Barão de Santa Helena, Visconde de Assis Martins, Visconde de Carandaí, , Visconde de Itatiaia, Visconde de Lima Duarte, Barão D'Avelar Resende, Barão de Guaraciaba e Barão de São João Del Rey. Ver: SÁ, Antônio op cit p.44. Lopes. Origens de um Banco Centenário. (História econômica, administrativa, financeira e contábil do banco de Crédito Real de Minas Gerais) Edição Comemorativa 100 anos. Juiz de Fora, 1992: 40.
27
É importante lembrar que, o Banco de Crédito Real de Minas Gerais iniciou suas
atividades ainda no período imperial e num período bem próximo a abolição da escravatura.
Como forma de ajuda aos fazendeiros que se queixavam da perda de escravos o governo
imperial decide através do gabinete da Fazenda, realizar um empréstimo a juros baixos
destinados a lavoura, utilizando os bancos nacionais existentes como intermediários
financeiros (LEVI, 1995. FRANCO, 1990).
Ficava a cargo do tesouro nacional passar aos bancos um montante sem juros, que
seria repassado aos agentes agrícolas a juros de 6% ao ano (LEVI, 1995). O Banco de Crédito
Real de Minas Gerais entra nesse processo recebendo do governo 800 contos de réis de
adiantamento, mas o contrato celebrado com o Império seria feito da seguinte forma. O
governo repassaria ao banco 2000 contos divididos em 10 parcelas de 200, porém,
comprometia-se o banco sempre comprovar o destino das parcelas anteriores de repasse ao
meio rural (vide nota 3).
O negócio firmado entre banco e governo foi muito proveitoso para o banco, uma vez
que, tal instituição foi criada na perspectiva de ser um banco direcionado para o crédito real
na área agrícola, ou seja, negociar com garantias reais como hipoteca. Os resultados foram
imediatos, vejamos através da tabela abaixo, como a posição da Mata mineira inverteu com
relação à dependência financeira de se obter empréstimos na praça do Rio de Janeiro;
TABELA 2
Participação do Banco de Crédito Real de Minas Gerais na Distribuição de Capital para a Lavoura Cafeeira de Juiz de Fora 1890/1919. (valores em mil-réis)
Década DIV. TOTAL Banco Crédito Real de Minas Gerais
% R.J.
%
1870/79 1880/89
309:819 1.022:570
144:477 768:649
46,63 75,16
28
1890/99 1900/09 1910/19
199:209 613:996 109:517
143:939 438:776 73:000
72,46 71,46 66,65
1:211 73:868 2:263
0,60 12,63 2,06
FONTE: Inventários Juiz de Fora - 1870/1929 Apud: PIRES, Anderson. Café, Bancos e Finanças em Minas Gerais. Uma Análise do Sistema Financeiro da Zona da Mata Mineira - 1889/1930. In: 3o Congresso Brasileiro de História Econômica. ANAIS. Curitiba: UFPR, 1999: 202.
Acontece, porém que, o advento da Proclamação da República paralisou a negociação
entre governo e banco. O novo ministro da Fazenda, Rui Barbosa, rompe as parcelas e
rescinde os contratos, porém, estipulando um prazo de 17 anos para o banco saldar sua dívida
com o governo. Tal fato não deixou de ser um bom negócio para o banco, pois, o mesmo Rui
Barbosa autorizou o banco a operar com uma carteira comercial que até então o
estabelecimento não possuía (CROCE, 2008).
O Crédito Real de Minas já começava a demonstrar sua trajetória de prudência e
segurança nos negócios, acerta sua dívida com o governo antes do prazo estipulado. No ano
de 1900, aproveitando um desconto de 6% a.a. o banco salda sua dívida com oito anos de
antecedência (CROCE, 2008 - SOUZA, 1925).
O banco utilizou o recurso proveniente do governo em empréstimos sob garantia
hipotecária de 15 anos. Já os outros bancos comerciais desse período, utilizaram esse mesmo
recurso em aplicações de risco na Bolsa, lastreados apenas por papéis sem garantias devido ao
clima de euforia no inicio da conjuntura do Encilhamento (CROCE, 2008).
As operações do Crédito Real de Minas não tiveram muita expansão, dependentes das
letras hipotecárias, os empréstimos foram reduzidos, embora a cotação elevada das letras
estarem sempre em um mercado restrito. A abertura da carteira comercial do Crédito Real de
Minas foi feita através de uma reunião da assembléia de acionistas com muita sensatez,
atribuindo a atenção de separar a caixa de escrituração da carteira hipotecária da comercial
(SOUZA, 1925).
O Banco de Crédito Real de Minas Gerais, diferente da maioria dos outros bancos, se
negou a colocar as letras hipotecárias em operações de risco na Bolsa de Valores, mesmo com
29
a concepção de muitos agentes financeiros do período de que, tal investimento traria lucros
prodigiosos e rápidos (CROCE, 2008 - SOUZA, 1925).
O banco inspirado por seus fundadores a funcionar nos moldes do Banco Crédit
Foncier da França, demonstrava desde seu planejamento a presença de uma administração
baseada em conceitos de solidez e progressão. Com uma trajetória de ascensão meteórica, o
estabelecimento em dez anos de existência, obteve um aumento de capital na ordem de 1.400
%. No ano de sua fundação (1889), seu capital era de 500 contos e, em 1899 já atingia o
capital de 7.000 contos distribuídos 1.000 contos na carteira comercial e 6.000 na Carteira
Hipotecária (CROCE, 2008 - GIROLETTI, 1988).
A distribuição de seu capital demonstra por si só a direção das operações tomadas pelo
Crédito Real de Minas. Podemos constatar que, com garantias sólidas como hipotecas e
operações de crédito como desconto, sob o rigor das leis institucionais financeiras, fizeram
que o nosso banco estudado trilhasse um caminho de evolução ultrapassando um século de
existência.
Os resultados da prudência exercida pelo Banco de Crédito Real de Minas Gerais não
demoraram a aparecer. Em 1891 começa a estourar a bolha especulativa na Bolsa de Valores
do Rio de Janeiro. Entra o período negro da Crise do Encilhamento, e é o que veremos no
próximo tópico.
2 – A primeira crise econômica republicana: "O Encilhamento" e a atuação do Banco de Crédito Real de Minas Gerais
Trabalhos que estudam a economia mineira nos fins do século XIX e início do XX
passam meio despercebidos na questão da crise econômica conhecida como Encilhamento.
Alguns chegam a apontar que tal crise conjuntural não afetou Minas Gerais (LIMA, 1981),
porém, discordamos totalmente dessa afirmação, uma vez que tal panorama devastou quase
por completo o sistema financeiro do Estado mineiro.
O Jornal do Comércio, em 1º de agosto de 1892, noticiava que sobrara um pouco mais
de meia dúzia de bancos no Brasil depois do crack da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, e
30
dentro desse contexto, em Minas Gerais, o Banco de Crédito Real de Minas Gerais foi o único
sobrevivente (SOUZA,1925. SÁ, 1986. DULCI, 1999. CROCE, 2008).
A crise derrubou o ministro da Fazenda, Rui Barbosa, e quando o novo ministro,
Araripe, suspendeu as ações da Bolsa de Valores por oito dias, o castelo de cartas desabou.
Porém o Crédito Real de Minas saiu ileso, uma vez que, a Carteira Hipotecária do banco não
estava envolvida com investimentos de títulos, e na Carteira Comercial do banco só tinha 10
títulos no valor de dois contos, todos garantidos por serem de uma empresa idônea, a
Academia do Comércio (CROCE, 2008).
É de suma importância perceber também, a postura dos incorporadores do Banco de
Crédito Real de Minas Gerais perante a crise. A legislação financeira vigente então, garantia
aos fundadores do banco a metade de todo o lucro que excedesse a um dividendo semestral de
4,5%. Os idealizadores do Banco de Crédito Real de Minas abriram mão desse direito, uma
vez que viam a importância de destinar tais recursos na instituição e consequentemente
capitalizá-la ainda mais. Tratava-se de maiores expectativas aos investimentos do banco (SÁ,
1986).
Durante a crise do Encilhamento, enquanto maioria dos bancos além de estarem em
graves dificuldades devidas suas operações de risco seus diretores não abria mão de seus
dividendos. Ao contrário, nosso banco pesquisado, evitou uma grande descapitalização, e de
1892 a 1894 as incorporações não se processaram, voltando a ser distribuídas em dezembro de
1894 (SOUZA, 1925).
Através do Relatório apresentado à Assembléia do banco em 1901, podemos perceber
o resultado desse esforço: "Para a conservação do equilíbrio de nosso modesto orçamento,
fomos forçados a reduzir honorários, suprimir lugares e fazer cortes profundos em outras
despesas proporcionalmente inevitável decréscimo da receita8".
Como citamos anteriormente, o comprometimento dos incorporadores com a
instituição, dentro do plano de economias adotado conforme aponta o relatório, aparece em
8 Relatório sob custódia do Museu do Banco de Crédito Real de Minas Gerais – Sec. de Cultura do Governo de Minas Gerais.
31
primeiro lugar a desistência feita pelo diretor-gerente, João Ribeiro de Oliveira e Souza da
terceira parte de seus salários (SÁ, 1986).
O Banco de Crédito Real de Minas Gerais ganhou uma simpatia e confiança no meio
financeiro do país, porém a falência de um grande banco de sua praça, o Banco Territorial e
Mercantil de Minas, que causou perdas irreparáveis aos seus correntistas, gerou uma queda de
confiança e crédito. Para aumentar mais ainda o clima de tensão, existia um fato que o Crédito
Real de Minas teria de enfrentar para continuar a sobreviver no mercado financeiro: a
presença de diretores pertencentes tanto ao banco falido que nos referimos anteriormente
quanto no Crédito Real de Minas (CROCE, 2008).
O episódio demonstra então a capacidade administrativa do diretor-gerente do Crédito
Real de Minas, João Ribeiro de Oliveira e Souza. Tal diretor se recusa a aceitar a ordem de
diretores envolvidos com as duas instituições para transferir recursos ao banco falido. Diante
das insistências, João Ribeiro coloca o seu cargo a disposição três vezes durante o mês de
julho de 1892 (Jornal Credireal 101 anos, 1990, p. 6). A maioria da diretoria dá razão ao
diretor-gerente, que sai fortalecido do episódio, pois chegaram a conclusão de que, o auxílio
ao seu congênere falido seria um capital perdido, e certamente custaria a vida da instituição
(CROCE, 2008: 138-139).
Diante da crise que se estabeleceu no país e a desconfiança no mercado financeiro, o
Crédito Real de Minas Gerais segue em frente, vencendo a crise da Bolsa. Ultrapassada a
crise de 1891, a carteira comercial do banco, expande suas operações, oferecendo linhas de
crédito ao comércio, à indústria e a particulares através de empréstimos a curto prazo, como
desconto de letras e conta corrente. Vemos que os números impressionam, como
detalharemos nos próximos parágrafos.
Em 1894, o banco celebra um contrato com o governo de Minas no qual seria o
receptor dos fundos do Estado através de sua agência de Ouro Preto, comprometendo-se a
realizar adiantamentos aos cofres da Fazenda quando necessário. Um novo contrato
banco/estado surge em 1898, no qual o banco se comprometia a fazer empréstimos
hipotecários e pignoratícios para lavradores e industriais com juros de 9,5% ao ano. Tais
32
empréstimos seriam realizados a longo prazo para agentes agrícolas e a curto prazo para
industriais (cerca de um ano). No ano de 1898 o capital do banco chega à cifra de 7.000
contos (GIROLETTI, 1988 - CROCE, 2008).
A competência do Crédito Real de Minas em operar com limitações seus campos de
ativo e passivo também merece destaque. Em 1889, o banco emitiu 174 letras hipotecárias no
mercado, no valor de 100$000 réis cada, perfazendo um total de 174:000$000. O prazo de
pagamento dessas letras seria de 30 anos com juros de 6% ao ano. Com o aumento de capital
em 1894, de 500 contos para 3.000 contos, as letras em circulação chegavam a
1.814:000$000. Os portadores das letras do banco possuíam cupons, sendo os resgates
oferecidos através de sorteios anuais, gerando mais crédito e aceitação de seus papéis no
mercado (SÁ, 1986 - CROCE, 2008).
Apesar do sucesso operacional do Banco de Crédito Real de Minas Gerais, o país
ainda vivia um clima de instabilidade e insegurança financeira, provocada pela desconfiança
gerada pela Crise de Encilhamento.
Em 1898, Campos Sales toma posse da presidência do Brasil, e seu novo ministro da
Fazenda, Joaquim Murtinho, elabora um plano de deflação que culminaria em outra crise, a
"Crise Bancária de 1900". Veremos nesse próximo tópico então como o banco protagonista
desse trabalho se portou diante dessa nova dificuldade.
3 – A Crise Bancária de 1900 e o naufrágio de quase todo o setor bancário brasileiro: mais uma crise superada pelo Banco de Crédito Real de Minas Gerais
O grande nome da "Crise Bancária de 1900", foi sem dúvidas o ministro da Fazenda
desse período, Joaquim Murtinho. Influenciado pela teoria ortodoxa, não emissionista, com a
valorização cambial, de J. P. Willeman, acabou com o sonho de um Brasil industrial
desenvolvimentista, tão sonhado pelos primeiros governos republicanos9.
9 De acordo com Pelaez e Suzigan, Joaquim Murtinho era influenciado por J. P. Willeman. ver: PELAEZ, C. M. , SUZIGAN, W. História Monetária do Brasil: Análise de políticas e instituições monetárias. Editora da Universidade de Brasília, 1981. A respeito da teoria de J. P. Willeman ver: WILLEMAN, J. P. Brazilian Exchange. The Study of an Incovertible Currency. Buenos Aires, 1896.
33
É importante observar que, a ortodoxia econômica já havia tentado ser implantada
através de Rodrigues Alves, quando este era ministro da Fazenda do governo de Floriano
Peixoto. Rodrigues Alves tirou o poder de emissão dos bancos e colocou o governo como
monopolista de emissão na busca de conter o grande volume de papel-moeda que se
encontrava, fato esse que não obteve êxito. Já com Joaquim Murtinho o resultado foi diferente
(GREMAUD, 2003).
Apesar do Funding-Loan (empréstimo tomado pelo governo para saldar dívidas
externas) ter sido criado na gestão do presidente Prudente de Morais, foi no governo posterior,
de Campos Sales, com Joaquim Murtinho na pasta da Fazenda que ele se concretizou de fato.
O Brasil colocando como garantia hipoteca de direitos alfandegários e adotando uma política
deflacionista foram a base para esse acordo. De acordo com Alcindo Guanabara:
“O principal empenho do Governo era afastar do Tesouro a necessidade de
adquirir ouro que, às taxas baixas de câmbio, traduzia-se pelo sacrifício de mais de
um terço da receita geral. O acordo de Londres, por um lado, e os 10% em espécie
arrecadados na Alfândega, por outro, isentavam-no dessa obrigação para o
pagamento do coupon da dívida e para as demais despesas externas. Restava
atender à situação criada pelas apólices internas, principalmente, as que tinham
serviço em espécie10”.
A meta do Funding-Loan era enxugar a oferta de moeda, e a cada liberação de
recursos do empréstimo o governo recolhia esse montante em mil-réis junto aos bancos
internacionais no Rio de Janeiro, sendo estes incinerados. Tal processo permitia a redução do
papel-moeda circulante, que como cita Amaury Gremaud, "economizava" em termos de
pagamento de dívida externa.
Foi criado também o Fundo de Garantia do Papel-Moeda, que também segundo
Gremaud, com o objetivo de acumular divisas e no futuro estabelecer uma moeda plenamente
conversível (...) foi abolido o poder do Governo de imprimir moeda e o Banco da República
de emitir moedas do Tesouro.
10 GUANABRA, Alcindo. A Presidência de Campos Sales. Rio de Janeiro, Laemmert, 1902. In: TANNURI, L. A . O Encilhamento Hucitec- Funcamp. São Paulo, 1981.
34
A Reforma Tributária de Joaquim Murtinho conseguiu valorizar o câmbio, uma vez
que aprovou uma elevação de tributos de impostos urbanos, impostos sobre consumo de
produtos domésticos. Murtinho também adotou a Tarifa-Ouro, melhorando o problema do
pagamento nas despesas externas do governo, e, tentando também, diminuir a especulação no
mercado cambial (GREMAUD, 2003).
A política deflacionista de Murtinho, apesar de obter êxito no balanço de pagamentos,
não evitou um decréscimo econômico e uma recessão no Brasil, e, também não evitou o
objeto de nosso interesse, a grande Crise Bancária de 1900.
Voltando no tempo, na gestão de Serzedello Correa na pasta da Fazenda, sucedendo
Rodrigues Alves em 1891, acontece uma fusão entre o Banco da República dos Estados
Unidos do Brasil e o Banco do Brasil, passando nesse momento a ser denominado então como
Banco da República do Brasil. Tal fusão tinha como meta melhorar a situação financeira dos
grandes bancos brasileiros (Prado, 1999). Foi um período até que como aponta Stanley Stein,
o momento em que o governo amparou as novas indústrias criadas no período especulativo do
Encilhamento (STEIN, 1979)11.
Retornando em 1900, a suspensão de pagamentos do Banco da República do Brasil,
instituição oficial de crédito do setor financeiro brasileiro (apesar de não ser estatal),
deflagrou a Crise Bancária. Alguns autores apontam que essa falta de pagamentos se deu pela
especulação cambial dos bancos estrangeiros, que passou despercebida por Joaquim
Murtinho, que agiu de forma falha no auxílio ao Banco que passava dificuldades em honrar
seus compromissos (SOUZA, 1925. GREMAUD, 2003).
Em julho de 1900, atendendo a um pedido de empréstimo do banco, Murtinho ordena
um empréstimo de 600.000 libras, vendidas com prejuízo aos bancos estrangeiros, que
previamente elevaram a taxa de câmbio para faturarem lucros exorbitantes, com o ouro
comprado a bom preço. Daí o clima de desconfiança na praça, prejuízo enorme do Banco da
República do Brasil e a eclosão da crise bancária de 1900 (Melo, 1996: 139). João Ribeiro de
11 A respeito do auxílio do Governo às indústrias criadas no período especulativo do Encilhamento, assim como também, melhor definição dos momentos da conjuntura do Encilhamento ver: STEIN, Stanley. Origens e evolução da Indústria Têxtil no Brasil. 1850/1950. Rio de Janeiro: Campus, 1979.
35
Oliveira e Souza, diretor-gerente do Banco de Crédito Real de Minas Gerais nesse período,
aponta que:
"Ao nosso ver, Joaquim Murtinho (...) praticou acto menos acertado, deixando a sua
sorte o Banco do Brasil, desamparando-o do auxílio necessário para transpor a
temerosa crise na qual foi sacrificado (..) firmou-se na sua sábia política não
emissionista; quando viu, porém, os horizontes se turvarem anunciando grande
borrasca exitou e resolveu prestar o auxílio solicitado, mas de forma
contraproducente. O Banco do Brasil necessitava de papel moeda para socorrer as
necessidades prementes de sua caixa; entretanto o ministro lhe prestou um auxílio,
mas sob forma cambiais. Sabendo previamente de tudo (...) os bancos estrangeiros
elevaram as taxas de câmbio rapidamente de maneira que o Banco do Brasil se viu
na contingência de vender as cambiais a taxas elevadíssimas para insignificantes
realizações em papel-moeda(...) o auxílio foi absolutamente inefficaz, e o banco teve
de tombar levando na sua queda os estabelecimentos congêneres em toda
república." (SOUZA, 1925).
Corroborando os dizeres de João Ribeiro de Oliveira e Souza, Vieira Souto aborda um
fator relevante nesse episódio de insolvência do Banco da República do Brasil:
De fato, o Dr. Murtinho queria que o Banco da República aceitasse o auxílio de um
milhão de libras esterlinas, o ex-presidente desse estabelecimento objectava que a
venda de ouro acarretaria graves prejuízos ao estabelecimento porque os bancos
estrangeiros seriam os compradores, elevariam com rapidez a taxa cambial, como
haviam feito em julho, para adquirirem o ouro por preço muito inferior ao que
representava dias antes, quando o Governo emprestara ao Banco da República. O
ministro da Fazenda opinava que não haveria prejuízo; mas se a opinião era
sincera, porque não efetuava aquela venda o Governo, que tinha maior autoridade e
melhores meios de ação para arcar contra os manejos dos bancos estrangeiros.”
(TANNURI, 1981 pp. 98-99).
Outra colaboração importante para compreendermos a crise bancária de 1900, é
colocada por Neuhaus. De acordo com esse autor, o Banco da República do Brasil possuía em
sua carteira ativos de pouca liquidez acompanhado de um movimento de depósitos cada vez
mais em baixa (NEUHAUS, 1975 p.20). De acordo com a tabela abaixo e a conclusão que
Luiz Antônio Tannuri aponta:
36
TABELA 3 Bancos no Rio de Janeiro no período 1897-1902
31 de dezembro de 1897 Bancos Nacionais Bancos Estrangeiros
Caixa 58.218.483$835 66.254.880$222
Letras descontadas 116.048.952$831 98.794.711$742
31 de Agosto de 1900 Bancos Nacionais Bancos Estrangeiros
Caixa 41.122.605$851 89.585.966$526
Letras descontadas 65.667.906$906 25.255.478$388
28 de fevereiro de 1902 Bancos Nacionais Bancos Estrangeiros
Caixa 32.150.771$804 37.244.686$267
Letras descontadas 15.974.653$210 6.108.206$530
Fonte: Relatório do Ministério da Fazenda de 1899, p. 200. In: TANNURI, L.A O Encilhamento Hucitec-Funcamp. São Paulo, 1981.
De acordo com Tannuri: “A razoável posição de caixas dos bancos é só aparente, pois
muitas letras descontáveis eram irrealizáveis, dada a crise econômica que diminuía bastante
a liquidez bancária”. (TANNURI, 1981: 96).
Como o país se encontrava em momento de retração econômica, o banco aceitava o
recebimento de suas próprias ações ao par como pagamento de dívidas, além de que, como
citamos anteriormente na crise do Encilhamento, ao contrário do Banco de Crédito Real de
Minas, que interrompeu o pagamento de dividendos pra investir na instituição, o Banco da
República continuou pagando os seus deliberadamente. Ainda de acordo com Neuhaus, a
gestão de Murtinho influenciou nesse processo, incendiando mais a crise, através de um
acordo em fevereiro de 1900, onde o banco que já passava por dificuldades financeiras, foi
condicionado a saldar sua dívida com o governo de 50 mil contos, sendo metade paga a vista
e o restante em parcelas semestrais (NEUHAUS, 1975: 20).
Neuhaus demonstra que o ministério de Murtinho agiu com frieza em relação a Crise
Bancária de 1900, pois protegeu o Banco da República do Brasil, que mantinha relações
estreitas com o Governo, injetando capital neste, deixando o resto do mercado financeiro
naufragar. A justificativa de Murtinho era que essa crise e a quebra de quase todo um setor
37
financeiro era um preço a ser pago devido as medidas tomadas por políticas expansionistas
aplicadas em governos anteriores (NEUHAUS, 1975: 20).
Um desencontro de informações bibliográficas se torna interessante dentro do contexto
da sobrevivência dos ramos bancários no Brasil nesse momento. De acordo com Suzigan e
Villela, a crise afetou metade dos estabelecimentos financeiros nacionais, sendo que os
estrangeiros saíram imunes (Villela e Suzigan, 1973: 106). Já Hildete Pereira de Melo aponta
que, após a crise bancária de 1900, somente um banco abriu suas portas depois da tempestade
da crise, o Banco de Lavoura e Comércio do Rio de Janeiro. E ainda expandindo o assunto
complementa que, "em 1910 o Brasil possuía 21 bancos comerciais, dos quais 5 eram
estrangeiros. Com exceção do Banco do Brasil e de três estrangeiros que operavam nas
principais praças do país, os demais operavam nos próprios estados onde foram criados"
(MELO, 1996: 140).
Não podemos concordar com as afirmações expressas acima. De acordo com nossos
levantamentos, Minas Gerais participou significativamente do episódio, sendo que além do
banco referido pela autora acima que abriu suas portas depois da tempestade da crise, o
Crédito Real de Minas Gerais também foi um dos sobreviventes. Pode-se contestar dizendo
que, a autora se referiu apenas a praça fluminense, porém, o Banco de Crédito Real de Minas
já atuava na cidade do Rio de janeiro desde 1894. Essa informação também questiona a
posição das informações acima, pois o banco mineiro atuava também fora do estado em que
fora criado (SÁ, 1986: 78. SOUZA, 1925).
O Banco de Crédito Real de Minas Gerais, sobrecarregado, limitou suas operações de
crédito uma vez que títulos do governo e do Estado de Minas despencaram. O esforço
implacável que o banco fez, no período entre 12 de setembro de 1900 a julho de 1901,
resultou em um aspecto positivo, pois mesmo com a crise o Banco de Crédito Real de Minas
não deixou de pagar os dividendos a seus acionistas, não fechou os seus guichets e também
não utilizou o recurso de visar cheques que a legislação em vigor lhe garantia (Jornal
Credireal 101 anos, 1990: 6 a 8).
38
Diante dos nossos levantamentos de dados, podemos constatar os pilares que fizeram
nosso banco pesquisado a ser um dos dois únicos sobreviventes no setor bancário nacional
desse período. O encaminhamento da distribuição de lucros e dividendos direcionados a
própria capitalização do banco no momento da primeira crise econômica republicana (1892-
1894) como citamos anteriormente, permitiu o banco possuir uma reserva para esse momento.
A confiança dos investidores no Banco de Crédito Real de Minas após a crise do
Encilhamento, pois foi o único sobrevivente dessa crise no estado mineiro, permitiu um
crescimento na venda de seus papéis de capitalização, que mesmo em crise, se mantinha
ascendente.
Enquanto bancos mais antigos sofriam deságio de seus títulos de até 50%, o Crédito
Real de Minas sustentava seus títulos com ágio. O banco de forma prudencial controlando
seus investimentos, abrindo mão as vezes de lucros pessoais prodigiosos para investimento
interno, permitiu que seus títulos dispusessem de garantias reais, de propriedades, hipotecas.
Porém, diferente de que outros bancos fizeram e sucumbiram, não criaram rendas fictícias
para quem investia em seus papéis, e a forma administrativa de seu capital permitia a fluidez
de liquidez.
O Estado de Minas Gerais em déficit, a política contracionista instaurada por Joaquim
Murtinho, com escassez de numerários, fez com que os clientes potenciais do Crédito Real de
Minas, passassem por problemas de insolvência. O Banco Crédito Real de Minas por sua vez,
percebeu que, mesmo com garantias reais de seus clientes, como hipoteca, em um momento
de retração de numerários, não seria vantajoso executar as propriedades.
A prudência de reverter os dividendos e lucros para a solidez da própria instituição
permitiu um caixa que serviu para suportar uma renegociação de dívidas sem tomar o meio de
produção dos agentes agrícolas. Tal operação efetivada pelo banco contribuiu
significativamente para o desenvolvimento da região, que ainda tinha o café como produto
principal.
39
Vemos então, como o Banco de Crédito Real de Minas se manteve devido a seriedade
e comprometimento de seus incorporadores, o que gerou confiança externa que permitiu a
esse empreendimento a sua consolidação no setor financeiro de Minas Gerais.
Apesar do mercado financeiro brasileiro entre 1891 a 1900 estar passando por um
momento delicado, como vimos anteriormente, o Crédito Real de Minas continua sua
ascensão. Uma prova concreta desse fato é de que, em 1900, o banco, com oito anos de
antecipação quitou o empréstimo de 800 contos (rescisão do “auxílio à lavoura” efetuado no
governo imperial) que Rui Barbosa então, ministro do primeiro governo republicano, deu 17
anos para ser quitado. Conforme verificamos no relatório do banco de 28/07/1900:
"A crise intensa da lavoura de café afetou, por igual, todas as relações da vida
financeira do País. (...) Operando em zona agrícola, que sente os efeitos imediatos
da crise, a administração julgou prudente reduzir o volume de negócios, com receio
de comprometer o capital.(...) Entre os negócios mais importantes, salienta-se, no
decurso do exercício, a liquidação antecipada do nosso débito com o Tesouro
Federal, eliminando-se a verba de 800:000$000 do passivo." (Relatório do Banco
de Crédito Real de Minas Gerais, 28/07/1900. In: SÁ, A L...op.cit.)
Percebemos então, um fato impressionante que manteve o Crédito Real de Minas
como uma instituição ascendente. A tabela abaixo demonstra como se apresenta a carteira de
empréstimo do banco no período da crise de 1900, e como ela teve um salto significativo:
TABELA 4 Progressão da carteira de Empréstimos do Banco Crédito Real de Minas Gerais
(1897/1920).
JULHO 1897 A JUNHO DE 1905 (ANUAL) Empréstimos hipotecários e pignoratícios Empréstimos por descontos e conta correntes
CONTOS DE RÉIS 2.490 4.182
JULHO 1905 A JUNHO 1913 (ANUAL) Empréstimos hipotecários e pignoratícios Empréstimos por descontos e conta correntes
CONTOS DE RÉIS 3.141 7.550
JULHO 1913 A DEZEMBRO 1920 Empréstimos hipotecários e pignoratícios Empréstimos de descontos e conta correntes
CONTOS DE RÉIS 3.247 25.701
40
FONTE: SÁ, Antônio Lopes. Origens de um Banco Centenário. Edição Comemorativa de 100 anos. Juiz de Fora, 1992: 65.
O episódio da Crise bancária de 1900 levou o Banco de Crédito Real de Minas e sua
diretoria a um reconhecimento no mercado financeiro nacional.. O diretor-gerente João
Ribeiro de Oliveira e Souza depois desse quadro, foi convidado e assumiu a presidência do
Banco do Brasil em 1906, sendo Ministro da Fazenda na gestão do presidente Delfim
Moreira.
Um fato interessante que aconteceu na gestão de João Ribeiro de Oliveira e Souza em
sua gestão de ministro, que demonstrava seu critério de confiança entre investidores e
instituição foi que, conforme coloca sua página no ministério da Fazenda: “conversão de
letras-papel em apólices de dívida pública, transformada em operação vantajosa para o
governo em virtude de demonstração pública de confiança no governo”
(www.fazenda.gov.br).
A sobrevivência do Banco de Crédito Real de Minas Gerais fez com que, o
reconhecimento de sua administração e seu papel no desenvolvimento de uma localidade
extrapolasse as fronteiras nacionais, chegando na Europa, maior centro financeiro mundial
nesse período. O Banco francês Comptoir National d’Escompete, um dos mais significativos
no cenário financeiro internacional da época, se pronunciou da seguinte forma ao se referir ao
Banco de Crédito Real de Minas Gerais:
“Pela marcha de sua conta podemos constatar com satisfação, que as crises nas
praças do Rio e Pará em nada influiu nesse acreditado estabelecimento. Este
resultado é com certeza devido ao lema prudente e hábil que preside nos negócios
do banco em permitam-nos exprimir-lhes todas as nossas felicitações” (Jornal do
Credireal 101 anos. Edição Comemorativa– agosto de 1990).
Prosopografia dos Fundadores do CREDIREAL
O objetivo deste tópico é elaborar uma biografia dos principais fundadores que
constituíram o Banco de Crédito Real de Minas Gerais, “O Credireal” em Juiz de Fora no
41
final do século XIX, com a intenção de traçar uma prosopografia deste grupo que atuava no
campo político, social e econômico de Minas Gerais e da Corte.
O método prosopográfico, que "utiliza um enfoque de tipo sociológico em pesquisa
histórica, buscando revelar características comuns de um determinado grupo social em dado
período histórico" [Heinz, 2006: 9], permite uma observação "dos grupos sociais em suas
dinâmicas internas e em seus relacionamentos com os outros grupos e com o espaço do
poder" [Idem] e, portanto, auxilia na compreensão das redes e configurações.
O critério de escolha desses fundadores recaiu sobre a importância deles tanto no
quadro das discussões sobre as necessidades econômicas quanto na relevância da sua inserção
política e aproximação com o Imperador e sua ligação e vinculação com a Corte e com
Francisco Paulo de Almeida — barão de Guaraciaba. Dessa forma, dentro de um universo de
quatorze empresas [embora muitos estivessem ligados, de alguma forma, a essas outras
empresas], recortou-se um grupo de doze fundadores que aparecem dando sua contribuição
para uma nova discussão republicana política e econômica, cujo simbolismo se destacou e
cuja trajetória é exemplar para permitir a compreensão das redes de interdependência e
disputas de poder. Eram eles: Belisário Augusto de Oliveira Pena [barão e visconde de
Carandaí]; Bernardo Mascarenhas; Francisco Baptista de Oliveira; Francisco Paulo de
Almeida [Barão de Guaraciaba]; Inácio Antônio Assis Martins [Visconde de Assis Martins];
João Ribeiro de Oliveira e Souza; José Joaquim Monteiro da Silva [Barão de Santa Helena];
José Rodrigues de Lima Duarte [Visconde de Lima Duarte]; Marcelino Brito [Visconde de
Monte Mário]; Prudente Augusto de Rezende; Quirino de Avelar Monteiro de Resende
[Barão D’Avelar Resende] e José Caetano Rodrigues Horta [Visconde de Itatiaia].
Vale lembrar que o método para a elaboração de uma biografia coletiva depende da
quantidade e qualidade das fontes, o que pode muitas vezes limitar o trabalho. As utilizadas
neste tópico são amplas e variadas, abundantes para alguns protagonistas e exíguas para
outros, o que resultou na impossibilidade de tratá-los homogeneamente. Não obstante, pode-
se inferir que a própria disponibilidade de fontes constitui um dado indicativo dos capitais e
42
das posições de cada. Inúmeras fontes foram utilizadas na construção das trajetórias dos
fundadores.
1. BELISÁRIO AUGUSTO DE OLIVEIRA PENA [barão e visconde de Carandaí]
Branco, nascido em Barbacena a 17 de março de 1836, faleceu no Rio de Janeiro a 18
de dezembro de 1908, sendo sepultado no cemitério da Boa Morte, nobre brasileiro
agraciado com o título [Decreto 11.04.1888] de Visconde de Carandaí , filho do
comendador José Fernandes de Oliveira Pena (nascido em 1789, em Entre Rios e
falecido em 1862 em Barbacena-MG) e Guilhermina Teodolina Augusta da Silva
Canedo, nascida em 1814 em Vila Rica, casados aproximadamente em 1833, casou-
se com Lina Duque Laje, de Juiz de Fora-MG, falecida em 26.10.1887 em
Barbacena-MG, Viscondessa de Carandaí. Foi mentor da canalização de água potável
em Barbacena, inaugurada em 30 de dezembro de 1882. Ainda em dezembro de
1882, deve-se a ele a inauguração do Jardim Municipal. Foi Vereador e Presidente da
Câmara em Barbacena. Em 15 de Abril de 1888, durante a sua presidência, foi
inaugurada a Colônia Rodrigo Silva na antiga Fazenda Facão. Provedor da Irmandade
da Santa Casa de Misericórdia de Barbacena.
2. BERNARDO MASCARENHAS � Branco, nascido em 31 de maio de 1846, na
fazenda de São Sebastião município de Curvelo � MG, falecido aos 53 anos, em 09
de outubro de 1899, filho do major Antônio Gonçalves da Silva Mascarenhas e Sra.
Policena Pinto. Iniciou o curso de Humanidades no Colégio do Caraça, terminando-o
em São João Del Rei � MG. Regressou à fazenda de seus pais, onde passou os
primeiros anos de sua adolescência. Interessando-se pela tecelagem, fundou
juntamente com seus irmãos, uma fábrica de tecidos de algodão no Cedro, próximo a
Tabuleiro Grande, município de Sete Lagoas. Uma empresa arrojada para a época,
devido a tecnologia avançada � fez cursos de Física e Mecânica nos Estados Unidos
� e aos equipamentos importados. Em 1874 criou uma nova fábrica, esta em
Cachoeira, município de Curvelo, iniciando, assim, a concorrência à fábrica do
Cedro. Posteriormente, no ano de 1883, com a união das duas fábricas, que passaram
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a se chamar Companhia Cedro & Cachoeira, preservando os nomes originais devido à
credibilidade e à boa aceitação em Minas Gerais foi eleito presidente da empresa.
Criou o “Sistema de Prêmios Anuais Gradativos”, pagos de cinco em cinco anos
através de Caderneta de Juros, constituindo-se um pecúlio que garantia o bem-estar e
a independência do operário na velhice. Resolvido a realizar o seu velho sonho,
transferiu-se, no ano de 1887, para a cidade de Juiz de Fora � MG, montando ali a
Tecelagem Mascarenhas, no ano de 1888. Não se limitou à indústria têxtil e, como
grande estudioso e apaixonado pela eletricidade, resolveu levar para Juiz de Fora essa
nova descoberta de Edson, que já revolucionava os Estados Unidos, iniciando o ciclo
de progresso naquela cidade. Criou então a Companhia Mineira de Eletricidade, da
qual foi o primeiro Presidente, e colocou em funcionamento a primeira Usina
Hidrelétrica da América do Sul, em 1889. Neste mesmo ano, fundou com a
colaboração de outros grandes, o Banco de Crédito Real de Minas Gerais S.A., sendo
seu primeiro Diretor-Secretário, cargo ocupado enquanto viveu. Dois anos depois,
1891, foi criada a Academia de Comércio, da qual integrou o Conselho
Administrativo. Participou da fundação da Companhia de Juta em 1894, da
Cooperativa Construtora de Minas Gerais, da Sociedade Promotora da Emigração em
Minas Gerais e, em 1897, dirigiu os serviços de instalação da luz elétrica na cidade de
Belo Horizonte, a nova capital de Minas Gerais. Tornou-se a maior autoridade em
indústria têxtil na província de Minas Gerais e, em pouco mais de 10 anos que viveu
em Juiz de Fora, foi considerado o propulsor de seu progresso industrial. Em 1937,
38 anos após o seu falecimento, foi erguido em Juiz de Fora um monumento em sua
homenagem na Praça Antonio Carlos; em 1962 a Cemig deu seu nome à grande
Usina Três Marias, bem como em 1964, foi criado pela light, o “Prêmio Bernardo
Mascarenhas”.
3. FRANCISCO BAPTISTA DE OLIVEIRA � Branco, nascido em 11 de julho de
1857 no município de Entre Rios de Minas � MG, falecido aos 45 anos, no dia 17 de
setembro de 1902, filho do Sr. João Batista de Oliveira e Sra. Maria da Natividade de
Oliveira. Fez o curso de Humanidades em Congonhas do Campo em Barbacena.
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Logo a seguir, estabeleceu-se em sua terra natal, onde, na velha casa comercial de seu
pai, iniciou-se nas atividades atacadistas. Em 1882, foi para Juiz de Fora, criando a
Casa da Barateza, muito conhecida e prestigiada em toda a região. Casou-se 4 anos
depois. Sua obra não ficou parada na atividade comercial, sendo um apaixonado pelos
estudos econômicos e sociais, instalou, nos fins de 1887, juntamente com o Barão de
Santa Helena e Manoel Mattos Gonçalves, o primeiro estabelecimento de crédito da
província, o Banco Territorial e Mercantil de Minas. Dois anos depois, em 1889,
fundava o Banco de Crédito Real de Minas Gerais S.A., ao lado do Visconde de
Monte Mário, do Dr. João Ribeiro de Oliveira e Souza e outros. Tendo visitado
algumas vezes a Europa, de seu contato com diversos estabelecimentos de ensino,
entre os quais a Escola dos Altos Estudos Comerciais de Paris, nasceu o desejo da
fundação da Academia de Comércio, cuja pedra fundamental foi lançada em 05 de
dezembro de 1891. Escrevia artigos em vários jornais do País, agindo ao lado de
estadistas brasileiros, sobre a valorização do café nacional nos mercados estrangeiros.
Foi correspondente telegráfico do Jornal do Comércio do Rio de Janeiro e fundador
de “O Pobre”, jornal religioso em Juiz de Fora. Foi também um dos fundadores
proprietários do “Diário de Minas”. Diversas indústrias foram instaladas no Estado,
tendo Baptista de Oliveira funcionando como intermediário, adquirindo na Europa
equipamentos para a primeira fábrica de manteiga de Entre Rios de Minas e para a
fábrica de sabonetes em Belo Horizonte. Organizou a primeira e histórica romaria a
Bom Jesus do Matosinho [Congonhas do Campo], no dia 24 de março de 1900. Para
marcar a passagem do século e firmar um marco de fé, ergueu por sua conta e risco
uma grande cruz de madeira no Morro do Imperador, em Juiz de Fora. Depois teve a
idéia de construir, com a participação do povo, o monumento ao Cristo Redentor,
uma das obras que marcaram época em Juiz de Fora.
4. FRANCISCO PAULO DE ALMEIDA [Barão de Guaraciaba] � Negro, nasceu a 10
de janeiro de 1826, no Arraial de Lagoa Dourada, Comarca do Rio das Mortes, em São
João Del Rei – Minas Gerais e faleceu a 09 de fevereiro de 1901, na casa de sua filha,
situada a Rua Silveira Martins, 81 ─ Catete ─ Rio de Janeiro, aos 75 anos, sendo
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sepultado no Cemitério São João Batista. Filho legítimo de Antonio José de Almeida e
Palolina. Foram seus padrinhos: Claudino de Souza e Silva e Barbara Joaquina.
Parte do Livro de Registro de Batismo século XIX. Igreja de N. S. das Mercês. São João Del Rei – MG.
Cabe salientar que, embora D. Palolina conste como sua mãe, em sua minuta de inventário
ele se declara filho legitimo de Dona Galdina Alberta do Espírito Santo, primeira esposa de
seu pai. D. Galdina apesar de não ser sua mãe de sangue, assume o papel de “mãe de
consideração”, casou-se com dona Brasilia Eugenia da Silva Almeida, com quem teve 19
filhos, sendo dez vivos por ocasião de seu falecimento, cinco homens e cinco mulheres:
Matilde, Adelaide, Cristina, Adelina, Serbelina, Paulo, Artur, Mário, Francisco e Raul. Na
escalada social, conseguiu conquistar e ascender diversas posições nos meios sociais
agrícolas, financeiros e comerciais em: Mar de Espanha e Juiz de Fora em Minas Gerais;
Valença, Conservatória, Paraíba do Sul, Três Rios, Vassouras, Petrópolis, no estado do
Rio, e na Corte. Iniciou sua vida em sua terra natal como ourives, especializado na
confecção de botões de colarinho e como exímio violinista, suplementava seus ganhos
tocando em enterros, ganhando dois vinténs e uma vela de sebo. Dedicou-se ao negócio de
tropas, viajando de Minas pela estrada geral que passava por Valença – RJ. Em 1860,
comprou sua primeira fazenda no Arraial de São Sebastião do Rio Bonito, então 3º distrito
da freguesia de Nossa Senhora da Glória de Valença, depois a fazenda de Santo Antônio
do Rio Bonito e Conservatória, e fazenda Veneza, no mesmo município de Valença – Rio
de Janeiro. Posteriormente, a de Santa Fé em Mar de Espanha – Minas Gerais, Três Barras
na atual cidade de Três Rios – Rio de Janeiro, Fazenda Boa Vista na cidade de Paraíba do
Sul – Rio de Janeiro, Santa Clara [sic] e Piracema ambas na cidade de Rio Preto – Minas
Gerais. Na República, adquiriu a fazenda Pocinho, da família Faro, em 14 de janeiro de
46
1897, por 180:000$000, entre os municípios de Vassouras e Barra do Piraí – Rio de
Janeiro. A fazenda de Três Barras, quando do falecimento da Baronesa de Guaraciaba, por
febre amarela, foi vendida ao Dr. José Cardoso de Moura Brasil, em 19 de abril de 1890.
Na Corte, possuía uma confortável casa na Tijuca [Rua Moura Brito], e em Petrópolis,
onde costumava veranear, um belo palacete [Palácio Amarelo] no centro da cidade, cujo
prédio serve atualmente de sede do Legislativo Municipal. Em 1870, dedicou-se ao
negócio de importação e exportação, situada na antiga Rua de Bragança, 31, na Corte.
Participou da construção da Estrada de Ferro de Santa Isabel do Rio Preto, cujos trilhos
atravessavam as terras de sua propriedade na fazenda Veneza. No dia 21 de novembro de
1883, assistiu à inauguração na presença de D. Pedro II; em sua homenagem, quando
faleceu, foi dado o nome de Paulo de Almeida à estação ferroviária situada na sua antiga
fazenda Veneza. Participou, como sócio fundador, do Banco Territorial e Mercantil de
Minas Gerais [1887] e do Banco de Crédito Real de Minas Gerais [1889]. Conforme atesta
o professor Antonio Lopes Sá, o grupo de fundadores do Banco Territorial e Mercantil de
Minas Gerais e do Banco de Crédito Real de Minas Gerais, foram fundadores e
responsáveis pela criação da Companhia Mineira de Eletricidade, primeira Usina
Hidrelétrica da América do Sul [1889]; da Academia de Comércio [1891]; participaram da
fundação da Companhia de Juta, em 1894, da Cooperativa Construtora de Minas Gerais, da
Sociedade Promotora da Emigração em Minas Gerais, do Diário de Minas [1888] [Sá,
1989] e da Companhia Agrícola Industrial Mineira [1890]. Em Valença – Rio de Janeiro
prestou relevantes serviços à Santa Casa de Misericórdia, como benemérito, tendo sido seu
Provedor no biênio 1882-1884. Durante os últimos anos/dias de sua vida viajava
freqüentemente à Europa, permanecendo por longo tempo em Paris; além disso, teve
contatos e aproximações com a princesa Isabel e o Conde D’Eu. Procurou dar aos filhos a
melhor das educações, inclusive, encaminhando alguns a Paris para estudar. Às filhas fez
estudar piano, segundo instrumento de sua devoção. De acordo com seu inventário, deixou
para os filhos somente dinheiro, e para as filhas as duas fazendas por ele conservadas. A
fazenda Pocinho ficou para as filhas Matilde e Adelina [esta representada pela filha Nair] e
a de Santa Fé para as filhas Cristina e Adelaide. Além disso, deixou netos: Dr. Luiz de
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Almeida Pinto, cirurgião em Valença [Hospital da Irmandade da Santa Casa de
Misericórdia de Valença], e Dr. Hélio de Almeida Pinto, cirurgião em Vassouras, diretor
do Hospital Eufrásia Teixeira Leite [Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de
Vassouras], falecido em 1979. Em Três Rios, filhos de Mário, nove netos: Mario, Ricardo,
Jorge, Eurico, Nilo, Silvio, Geraldo, Marta e Elza. Nilo e Silvio foram grandes
proprietários, donos de várias fazendas e muitas cerâmicas.
5. INÁCIO ANTÔNIO ASSIS MARTINS [Visconde de Assis Martins] � Branco,
nascido na cidade de Sabará MG em 16 de Novembro de 1839 e faleceu em Cataguases
aos 5 de Marco de 1903. Era filho de Francisco de Assis Martins da Costa e de [?]. Casou-
se com Angelina Silvina Moreira Martins nascida em Santa Quitéria e era viúva do
Cel.Theodoro Barbosa da Silva. Bacharel em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade de
SP em 1862. Foi Juiz Municipal e de Órfãos em Rio das Velhas MG, sendo habilitado ao
cargo de Juiz de Direito em 1868, Deputado Provincial em 1867 e Geral por sua Província
na 15ª legislatura de 1872 a 1875; e na 16ª, 17ª, 18ª de 1878 a 1884, Senador pela
Província de MG em 1884. Era membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e de
diversas associações filantrópicas e cientificas.
6. JOÃO RIBEIRO DE OLIVEIRA E SOUZA � Branco, nascido em 09 de julho de
1863, no município de Entre Rios de Minas � MG, faleceu em 07 de novembro de 1933,
filho do Coronel Joaquim Ribeiro de Oliveira e Sra. Ardelina Carolina de Oliveira.
Completou os estudos secundários no Colégio do Caraça e, posteriormente, formou-se
pela Faculdade de Direito de São Paulo, em 1886. Exerceu o cargo de Promotor de
Justiça no município de Queluz de Minas [hoje Conselheiro Lafaiete], transferindo-se
depois para Juiz de Fora, onde atuou como advogado. Durante a época em que cursava a
Faculdade em São Paulo, fez Jornalismo, fundando em 1888, em Juiz de Fora, o “Diário
de Minas”. Jornal de feição moderna para a época. Aos 35 anos de idade, idealizou a
criação de um estabelecimento bancário, o que veio a ocorrer com a fundação do Banco
de Crédito Real de Minas Gerais S/A, que contou com sua participação, no ano de 1889.
Foi nomeado Gerente naquele mesmo ano e, em 1893, elevado ao cargo de Diretor-
Gerente, que ocupou até 1906. Ao regressar de uma viagem à França, a convite do
48
Presidente da República, Conselheiro Afonso Pena, ascendeu a presidência do Banco do
Brasil. Em 1910 foi designado, pelo Presidente da República Delfim Moreira, para o
Ministério da Fazenda. Fundou o Banco Mercantil do Rio de Janeiro, do qual foi
Presidente até a data de seu falecimento.
7. JOSÉ JOAQUIM MONTEIRO DA SILVA [Barão de Santa Helena] � Branco,
nascido em 20 de agosto de 1827, na Fazenda do Tanque, município de Entre Rios de
Minas � MG, faleceu em 30 de outubro de 1897, filho do Sr. Protásio Antônio da Silva e
Sra. Ana Helena Monteiro de Castro. Concluiu os estudos no Colégio de Congonhas do
Campo, dedicando-se à agricultura no município de Juiz de Fora, onde adquiriu a
Fazenda de Santa Helena, nome escolhido para o título nobiliárquico concedido pelo
imperador � Barão de Santa Helena. Foi considerado na qualidade de Chefe do Partido
Conservador, uma das figuras de maior relevo da província de Minas, prestígio que
manteve incólume sob o regime republicano. Foi juiz de paz, presidente da Câmara
Municipal de Juiz de Fora [1881-1884] e eleito Senador, pelo voto popular, em 1887,
ocasião em que recebeu consagradoras homenagens na região de Juiz de Fora, bem como
deputado constituinte da 1ª República. Depois da Abolição, reconheceu, juntamente com
outros nomes, a necessidade de estabelecer o crédito agrícola para o auxílio dos
lavradores, época em que foi fundado o Banco de Crédito Real de Minas Gerais S.A. Fez
parte da sua primeira Diretoria como Vice-Presidente, chegando a Presidência em 1893,
cargo que ocupou até o seu falecimento.
8. JOSÉ RODRIGUES DE LIMA DUARTE [Visconde de Lima Duarte] � Branco,
nascido em 1826 em Barbacena – MG, falecido em 3 de dezembro de 1896 no Rio de
Janeiro, filho do comendador Feliciano Coelho Duarte Badaró, originário de Piranga e de
Constança Emídia Duarte Lima. Pelo lado materno era neto de José Rodrigues de Lima,
natural do Paracatu e de Maria Antônia de Oliveira filha do inconfidente José Aires
Gomes. Formou-se em medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em
1849, após defesa de tese, aprovada com distinção: Ensaio sobre higiene da Escravatura
no Brasil, obra indicada por Gilberto Freire em Casa Grande e Senzala [4ª ed., I, nota
131, pg. 136]. Clinicou por longos anos em Barbacena. Foi introduzido na política pela
49
mão de outro barbacenense, o Conde de Prados de quem foi o sucessor político na região,
filiando-se ao Partido Liberal. Durante vinte anos presidiu a Câmara Municipal de
Barbacena [1861 a 1881]. Foi deputado provincial à Assembléia de Minas Gerais de 1854
a 1860, que presidiu, e deputado geral por sete legislaturas: de 1859 a 1868 e de 1877 a
1884. Foi presidente da Câmara dos Deputados de 1882 a 1884. Foi senador do Império
do Brasil de 1884 a 1889. Antes já tinha sido eleito em quatro listas senatoriais.
Participou do 28º gabinete do Império - Saraiva - ocupando a Pasta da Marinha [1880 -
1882], foi um dos chefes do Partido Liberal em Minas Gerais mais poderosos e
influentes. Foi aclamado presidente honorário da sociedade Beneficente da Colônia
Italiana em Barbacena. Considerado homem de coração generoso e bondoso era muito
popular e querido pelos companheiros de agremiação e respeitado pelos adversários
conservadores. Foi Superintendente Geral do Serviço de Imigração do Estado de Minas,
na República [1892]. Era tio de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada.
9. MARCELINO DE BRITO [Visconde de Monte Mário] � Branco, nascido em 06 de
abril de 1827, na fazenda do Registro, município de Barbacena � MG, faleceu no dia 27
de maio de 1905, em Juiz de Fora, no exercício das funções, em 1886, de Delegado de
Polícia foi agraciado através de decreto imperial com o título de Barão de Monte Mário e
posteriormente o título de Visconde de Monte Mário, filho do major Francisco Pereira de
Andrade e Sra. Luciana Durcelina de Andrade. Foi para Juiz de Fora, onde, ainda Jovem,
casou-se. Exerceu diversos cargos públicos dentre eles o de vereador chefe do Partido
Liberal, chegando a Presidência da Câmara Municipal em 1884. Tenente Coronel,
comandante de um dos batalhões da Guarda Nacional da comarca, de nome
respeitadíssimo e muito conhecido na província. Fundou, juntamente com outros grandes
nomes, o Banco Territorial e Mercantil de Minas, de cuja administração fez parte. No
mesmo ano de 1889, fundou o Banco de Crédito Real de Minas Gerais, tendo sido seu
maior acionista e primeiro presidente.
10. PRUDENTE AUGUSTO DE REZENDE � Branco, filho do Coronel José Ribeiro de
Rezende [abastado capitalista, chefe político e fazendeiro (fazenda fortaleza) no distrito
de Caeté, então município de Juiz de Fora; agraciado pelo Governo Imperial, por decreto
50
em 15 de junho de 1881, com o título de Barão de Juiz de Fora; casado em primeiras
núpcias com Senhorinha Carolina de Miranda Reis que não utilizou o título de baronesa];
casou-se com Emília Halfeld, filha de Fernando Halfeld [Engenheiro que tem seu nome
vinculado a diversos melhoramentos na Zona da Mata em Minas Gerais]. Teve como
filha Cândida Halfeld de Rezende, nascida em 1868 e falecida em 1934 [disponível:
http://www.jbcultura.com.br/gde_fam/pafn99.htm#2405, acesso em 27 mai 2010].
11. QUIRINO DE AVELAR MONTEIRO DE RESENDE [Barão D’Avelar Resende] �
Branco, nascido em 13 de agosto de 1815 em Minas gerais e falecido em Palma, [?], foi
um cafeicultor brasileiro em Conceição da Boa Vista – Leopoldina – MG e a partir de
1890 passou a pertencer distrito de Santa Isabel, atual Abaíba, local onde sua família
residia desde a década de 1830. Casou-se com sua prima Inês de Castro Lobato Galvão
de São Martinho, com a qual não deixou geração. Título conferido por decreto imperial
em 9 de setembro de 1882.
12. JOSÉ CAETANO RODRIGUES HORTA [Visconde de Itatiaia] � Branco, Nascido
em 25 de abril de1825 em Matias Barbosa-MG e falecido em 29 de setembro de 1900. Foi
Coronel da Guarda Nacional e Oficial da Imperial Ordem da Rosa — agraciado com o título
[Decreto 19.07.1879] de Barão de Itatiaia; elevado ao título [Decreto 03.08.1889] de
Visconde de Itatiaia. Título de origem toponímica: pico e município no estado do Rio de
Janeiro. Integrante de antiga e importante família de abastados proprietários de fazendas
de café, de S. Paulo, com ramificações em Minas Gerais. Em Juiz de Fora-MG foi
vereador, Coronel Comandante da Guarda Nacional da Comarca, Delegado e Coletor de
Rendas. Foi presidente da província do Espírito Santo, de 19 de julho a 27 de novembro
de 1889.
ANÁLISE PROSOPOGRÁFICA
O quadro a seguir buscou agregar alguns dados que permitem visualizar o perfil social
do subgrupo dos fundadores biografados. Assim, pode-se buscar entender quais marcas dessa
experiência inserem-se no conteúdo de seus ideários econômicos, políticos e sociais, afinal,
para compreendê-los, é preciso antes conhecer aqueles que o produziram.
51
Pretende-se, dessa forma, traçar um perfil do conjunto das biografias, analisando-as
comparativamente, realçando pontos em comum e apontando diferenças significativas. Trata-
se de um perfil de um setor das elites, elaborado a partir de casos exemplares, alçados à
condição de tipo ideais. [MICELI, 2001: 347].
Como se pode perceber, o quadro aponta para dados resumidos, incluindo alguns
presumidos por não terem sido encontrados nas fontes, mas que se basearam nas próprias
trajetórias e posicionamentos. Nesse sentido, há que pesar também os determinantes sociais
que envolvem a produção social das fontes, pois a sua disponibilidade está relacionada com o
poder, ao mesmo tempo em que, quanto mais se desce na escala social, maiores são as
dificuldades de encontrar fontes satisfatórias. O exame acurado das trajetórias mostrou a
importância dos círculos familiar e de sociabilidade, e o contexto apresentado demonstrou a
influência da modernização e da expansão das instituições que abrigaram estes capitalistas
afinal, "a rentabilidade do capital de relações sociais depende, no limite, das exigências do
trabalho de dominação” [MICELI, 1991: 23].
CONCLUSÃO
Influenciado pelos conceitos do banco Crédit Founcier (CROCE, 2008), e com
diretrizes semelhantes à de bancos alemães nesse período, que marcaram a história econômica
como setor primordial no desenvolvimento desse país (GERSCHENKRON, 1962)12 o Crédito
Real de Minas Gerais não foi diferente. Foi o maior banco de aplicações em crédito rural no
Brasil, participou decisivamente no processo de desenvolvimento cafeeiro, industrial e
minerador de Minas Gerais (SÁ, 1986).
O Banco de Crédito Real de Minas Gerais no nosso ponto de vista, foi uma instituição
que participou intensamente das crises financeiras na primeira década republicana, e, como
poucos, saiu ileso desse episódio. O que nos impressiona é o fato de que, após duas crises 12 Segundo Alexander Gerschenkron, os bancos alemães no século XIX, além de controle financeiro no mercado também passam a alcançar e direcionar decisões empresariais no seu território. No caso do Crédito Real de Minas é interessante observar que, o banco destinava 10% de seus lucros na construção da Academia de Comércio, primeira instituição de curso superior na área de finanças na América do Sul, além de seus incorporadores investirem em ramos setoriais distintos. a respeito desse panorama ver: CROCE, Marcus Antônio. O Encilhamento e a Economia de Juiz de Fora: O Balanço de uma Conjuntura. FUNALFA Edições. Juiz de Fora, 2008.
52
financeiras avassaladoras em menos de uma década, o nosso banco pesquisado apresenta um
balanço positivo e uma trajetória ascendente contínua.
Na primeira crise financeira republicana, “O Encilhamento”, enquanto maioria dos
bancos investiam seus capitais em papéis especulativos, que prometiam lucros rápidos e
prodigiosos, o Crédito Real de Minas tomou outro caminho. Preferiu utilizar a prudência,
lucrando pouco, porém, linearmente, sempre administrando com a razão seus quadros de ativo
e passivo. O resultado desse episódio, já falamos no trabalho: foi o filho órfão do
Encilhamento em terras mineiras.
A segunda grande crise financeira ocorrida na primeira república, “A Crise bancária
de 1900”, o Crédito Real de Minas, como todos os bancos nacionais, de mãos atadas devido à
política contracionista do ministro da Fazenda Joaquim Murtinho, também sobrevive. Cortou
gastos e reinvestiu seus lucros e dividendos na própria instituição, e somente com mais um
banco da praça fluminense ficou de pé em plena bancarrota do sistema bancário nacional.
Vale a pena mencionar nas últimas linhas desse artigo, os dizeres de Gustavo Franco:
“Pouco sobraria afinal, após a crise bancária de 1900 do que foi construído em 1888-1890”.
Concluímos então que, o Banco de Crédito Real de Minas Gerais foi uma instituição bancária
que viveu intensamente essa conjuntura de nossa história econômica, um empreendimento
relacionado entre os poucos que sobreviveram, alcançando uma marca superior a um século
de existência.
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53
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