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Fragmentos de uma saúde pública anarquista Marcus Hill Federação Anarquista de Luisville

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Fragmentos de uma saúde pública anarquista

Marcus Hill

Federação Anarquista de Luisville

Vicente Navarro1 disse que paraexistir uma política de saúde nacionalcompleta e funcional, as intervençõesde saúde pública que surgirem dessearranjo   deveriam   ter   três   eixos:intervenções  estruturais  que   lidamcom   determinantes   políticos,econômicos,   sociais   e   culturais   daboa   saúde;   deveriam   contemplardeterminantes  de  estilo  de  vida  quefocam   nas   mudanças   decomportamento   de   indivíduos;   edeveriam   incluir   determinantes   desocialização  e  empoderamento  queencorajam  indivíduos   a   se   tornaremenvolvidos   nos   esforços   coletivospara   melhorar   os   determinantesestruturais   de   suas   saúdes.   Porempoderamento   em   saúde   querodizer:   enxergar   a   necessidade   deconstruir   condições   reais   paraautogestão,   atacar   as   raízes   dadesigualdade   ao   invés   de   somenteminimizar seus efeitos, lidar com as

1 Vicente  Navarro é  médico,   sociólogo  eteórico   político   espanhol.   Crítico   doneoliberalismo,   neokeynesiano,   foiconselheiro   de   diversos   governos   e   daOrganização   Mundial   de   Saúde,   eescreve para o portal rebelion.org.

forças   de   mercado   e   normas   decompetição   que   invadiram   cadafaceta da vida social, e perceber queessas condições são sistematicamenteperpetuadas   através   de   instituiçõesque   criamos   mas   que   não   sãointrínsecas  aos   papéis   sociais   queessas   instituições   precisam   cumprir(isso será explicado mais a frente). Selevarmos   a   importância   doempoderamento à sua extensão lógicamais   completa,   em   termos   decuidados   em   saúde   e   políticas   desaúde pública, então poderemos levara   sério,   de   forma   pragmática   eracional,   perspectivas   mais   utópicasde como as instituições de saúde (e asinstituições   por   toda   a   sociedade)podem ser restruturadas.

Uma   teoria   social   radical   éaquela   que,   como   sugere   o   nome,busca   chegar   às   raízes   de   váriosproblemas sociais com a intenção deerradicar   suas   causas   fundamentais,ao invés de simplesmente administrarseus   efeitos   (por   exemplo,   atacar   ocapitalismo   ao   invés   de   meramentesuas externalidades negativas). Nesse

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Fragmentos de uma saúde pública anarquista

caso,   fica   claro   a   necessidade   debuscar uma prática de saúde públicasegura   empregando   o  princípio   daprecaução  –   um   princípio   moral   epolítico que afirma que se uma açãoou política pode causar dano severoou irreversível ao público ou ao meioambiente,   quando   não   houver   umconsenso   científico   provando   ocontrário,   o   ônus   da   prova   recairiasobre quem defende que se tome talação   –   ao   invés   de   aceitar   asexternalidades   negativas   dosprocessos  capitalistas   industriais  e  amera gestão – no melhor dos casos –da   precária   saúde   resultante   dapopulação).   É   comum   que,   já   quemuitas críticas dissonantes pedem pormudanças   fundamentais   nas   formasbásicas   com   que   fazemos   muitascoisas, as ideias trazidas à tona sejam

frequentemente   aquelas   de   umarevolução sensacionalizada:   imagensromantizadas de um confronto final,de um reajuste social com um atritoextremo e embates sectários nas ruas(todos   elementos   característicospresentes,   como   Graeber   lembrou,tanto nas  interpretações  equivocadasclássicas   sobre   democracia   ativa,quanto   nas   interpretaçõesequivocadas   atuais   sobre   oanarquismo ativo – essencialmente ocaos, nas duas formas). Já que muitoda   teoria   radical  historicamente   falade   grandiosas   e   teatrais   revoluções,empiricamente,   no   entanto,   taisinterpretações   equivocadas   tornarama   busca   pela   mudança   ainda   maisdifícil. Daí, quando a teoria radical étrazida para o debate, a quantidade debagagem que   se  deve   tirar   e   ter  de

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lidar   é   geralmente   extenuante   –   aromantização   da   mudança   social(qualquer   uma)   como   rupturascataclísmicas;   as   incompatibilidadesde   muitas   teorias   esquerdistas;   apredominância   da   imagemrevolucionária   estilizada;   a   falta   devisão para além do confronto social –tudo   isso   leva   muitas   daquelaspessoas que de outra forma apoiariammudanças alcançáveis a acreditar quenão   existem   alternativas   sociaisrealistas e práticas.

Felizmente,   aprendendo   com   ahistória,   muitas   das   ondas   que   sereconstituíram   hoje   no   pensamentorevolucionário   e   esquerdista   radicaltêm uma postura bastante crítica aosmovimentos esquerdistas do passado–   consequentemente   desenterrandoinformações e discussões muito maisfrutíferas   sobre   a   natureza   daconstrução   de   uma   sociedadesaudável fundada na participação.

Unificando Teorias Sociais Radicais

As   teorias   radicais   que   lidamcom   mudanças   sociais   têm   sidoproblemáticas.   Elas   emergem   degrupos   que   enfrentam   certassituações   opressivas   que   são   tãodesfavoráveis   a   ponto   de   seremconsideradas   não   só   importantes   de

se falar a respeito delas, mas tambémde   colocá­las   em   questão   e   de   seformular  uma compreensão crítica  arespeito. Não é de se espantar que, jáque   surgem   de   experiênciasespecíficas   e   que   todas   elaspretendem   explicar   o   mundo,   aestreiteza das experiências do círculoonde   cresceram   se   torna   seucalcanhar de Aquiles à medida que asteorias são moldadas e evangelizadas.Isso   não   significa,   no   entanto,   quenão sejam profundamente úteis,  quedevam ser descartadas, ou até mesmoque   estejam completamente   erradas.E  definitivamente  não   significa  queMargaret   Thatcher   tinha   razãoquando   disse   que   "Não   háalternativa".   Apenas   quer   dizer   queuma   reconciliação   atenciosa   entreessas pessoas é necessária, e que ter aflexibilidade e abertura para levar emconta aquilo que faz uma boa teoria éuma   ótima   forma   de   juntar   essespedaços.

Uma   teoria   é   uma   ferramentaque   explica,   prevê   e/ou   guiasituações. Quanto mais ela conseguirfazer isso de forma ampla, mais útilserá.   Infelizmente,   teorias   sociaisradicais   estiveram   historicamenteconfinadas   demais   a   experiênciasestritas.   Em   outras   palavras,   elaspodem servir para explicar, prever eguiar   ações   que   acontecem   dentrodesses   enquadramentos   sociaisespecíficos,   mas   falham   em

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conceitualizar   com   precisão   a   açãohumana num sentido mais amplo. Sevocê  observar como marxistas (parausar um exemplo) focam em classe eeconomia,   há   uma   tendência   emenquadrar   as   experiências   comodecorrentes   desse   entendimento.Apesar   de   ser   bem   provável   quesejam   conscientes   da   opressão   degênero   e   racial   (por   exemplo),   nocentro de tudo, marxistas concordamque a  economia  e  a   luta  de  classesestão   na   base     –   e   estãoacomodadas/replicadas   em   seuinterior  –  de   todos  os  outros  malessociais.   Nesse   sentido,   marxistasprofessam que as lutas de classe sãotão poderosas que permeiam todas asoutras   facetas   da   vida   e   daexperiência, e se for possível mudar aestrutura   econômica,   as   relações   deraça   e   gênero   seriam,   por   fim,alteradas   também.   Uma   feministapoderia dizer a mesma coisa, apenastrocando o classismo por  noções  desexismo: desapareça com o sexismo ea hierarquia de gênero nos círculos deconvivência da vida social (que lidamcom a socialização, educação, etc.) esubsequentemente isso irá dissolver odebilitante   patriarcado   que   permeiaas  esferas  econômicas  e  políticas,   etodos   os   males   que   dele   emanam.Não   é   preciso   dizer,   os   problemasnesse   contexto   são   fáceis   de   seremvistos.  O grau  de  utilidade  de   cadauma   dessas   teorias   depende   da

relevância   dos   conceitos   com   osquais   são   construídas.   Conceitos   –sendo   meras   fatias   da   realidadetomadas   para   chamar   atençãointencionalmente   –   nascem   deexperiências.   Bons   conceitos   serãorelevantes   para   prioridades,preocupações e objetivos específicos;no entanto, quanto mais estreita for aexperiência   da   qual   eles   surgem,menos   primordiais   e   aceitáveis   elesserão para um conjunto mais diversode pessoas e situações. Isso tem sidouma   incrível   fonte   de   tensão   naorganização esquerdista ao  longo desua história.

A   visão   de   uma   sociedadeparticipativa  e   saudável   teria  de  virde   um   entendimento   robusto,unificador e diverso,  que de algumaforma   aglutinasse   outras   teoriassociais   radicais   e   valorizasseimpecavelmente   tudo   em  termos  dapromoção   de   uma   sociedadecompletamente   participativa.   Sendoassim, a teoria radical que emerge detal   integração   lida   de   formaconvincente   com   aquilo   que   é   útilpara   a   democracia/participação(princípios   anarquistas   básicos   numsentido socialista­libertário) e, ao darforma   a   esse   processo,   surgiria   umentendimento   empírico   do   que   éantidemocrático.     Como   resultado,lidar com o que é e o que não é útilpara   uma   democracia   serve   pararessaltar   o   que   é   um   agrupamento

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democrático, assim como para extrairconceitos relevantes que indiquem osaspectos   básicos   de   uma   sociedadedemocrática.   Pela   natureza   daquiloque precisa ser proporcionado – umasociedade realmente participativa –, ateoria radical que ajudaria a construiressa   visão   seria   uma   perspectivamulti­tema,   multi­foco,   multi­tática,revolucionária   e   orientada  aocrescimento.   O   que   decorre   desseponto de partida é fundamentalmenteuma abordagem baseada em valores,voltada   à   construção  de   instituiçõescujo cerne é a participação.

É  compreensível que remodelara   sociedade   dessa   forma   sejadesencorajador–   apenas   tentandodemarcar um agrupamento grande obastante   em   que   se   compartilhe   osmesmo valores –, mas essa teoria nãoé   dogmática.  Todos  os   valores   nãoprecisam   estar   intrincados,   masexistem   alguns   poucos   valoresabrangente   que   são   endêmicos   parauma   sociedade   democráticafuncional, e esses valores não devemser controversos se a democracia é ajoia   que   buscamos.   Entre   essesvalores   fundamentais   estão   asolidariedade,   diversidade,autogestão,   liberdade,   justiça,participação e tolerância.

1. As   relações   em   uma   sociedadedemocrática   devem   se   basear   nasolidariedade e na cooperação, já que

– deixando de lado todo o resto – acooperação seria  preferível  ao  invésdas   relações   pessoais   antissociaisinfectadas   por   valores   abstratos   demercado e baseadas na competição.

2. Valorizamos   a  diversidade  nasescolhas e nos recursos, assim comonas ideias.

3. Valorizamos a autogestão na qualas   pessoas   devem   ter   voz   nasdecisões  na  mesma  medida  em quesejam afetadas por elas.

4. Valorizamos a  justiça  em termosde um tratamento íntegro e igual.

5. Valorizamos   a  participação  emque   as   pessoas   se   envolvam   naconstrução   das   decisões   semdistorções   ou   coerção   (vejaautogestão),   mas   de   jeitos   queacomodem   os   diferentes   níveis   dedisposição política das pessoas.

6. Valorizamos   a  tolerância  nosentido   que   aceitamos   que   existemoutras formas de fazer as coisas e asacomodamos quando possível.

Esses   são   princípiosfundamentais que recebem aceitaçãogeral   uma   vez   que   a   maioria   daspessoas concorda que tê­los em umasociedade é preferível do que não oster.   Mais   do   que   preferência,   noentanto,   esses   não   são   valores   quemeramente soam bem, mas ao invésdisso, eles servem propósitos sociaisfuncionais   e   necessários.   Em   uma

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sociedade  efetivamente  democrática,onde   as   pessoas   não   teriamcomandantes,   a   lógica   implica   queteriam de  existir  certos  mecanismosque   constituem   a   situaçãodemocrática   para   que   ela   funcionecomo uma sociedade. Isto é, existemprincípios   endêmicos   a   uma   formapropriamente   democrática   deexistência   que   deverão   estarcolocados   (ou   seja,   infundidos   emtodas   as   esferas  da  vida:   economia,vínculos,   governança,   comunidade,etc.)   para   que   tal   situação   continueenquanto organização social.

Então,   a   que   tipo   de   teoriaradical   robusta   poderia   se   reduzirtodas   essas   coisas?   Primeiro,   aocontrário   das   teorias   que   tomam   otrabalho, as mulheres ou a identidadeétnica como centro, esta teoria põe apessoa   no   centro   de   uma   formaampla.   Ao   recusar   considerar   aspessoas   apenas   como   funções   dostatus de classe econômica ou de seusexo   biológico,   a   teoria   sepersonaliza   muito   maisdinamicamente   ao   levar   em   contaesses   fatores   e   ainda   assim   abrirespaço   para   necessidades   pessoais,aspirações,   capacidades,conhecimento,   energia,   etc.,   todascomo fatias importantes da realidade.Em   seguida,   na   teoria,   à   volta   dapessoa   estão   várias   esferas   sociais.Isso   inclui   economia,   vínculos,comunidade   e   governança,   mas

poderia   perfeitamente   incluir   outrastambém.   Essas   esferas   específicaspreenchem   funções   sociais   comovárias   outras,   mas   receberamdistinção e foram incluídas aqui pornecessidade   devido   ao   fato   deexistirem de uma forma ou outra emtodas  as   sociedades,  e   suas   funçõesserem específicas a instituições, poisnão podem ser realizadas meramentede pessoa a pessoa. 

Isso   fica   mais   óbvio   se   vocêconsiderar as funções básicas dessasinstituições.  A economia lida com aprodução, o consumo e a alocação decoisas; os vínculos dizem respeito aosaspectos de cuidado, de socialização,de   reprodução,   etc.,   da   vida;   agovernança lida com leis, execução ejulgamento; e a comunidade lida coma   identidade   cultural.   Sendo   assim,reduzidas   a   suas   funções   básicas,podemos   começar   a   conceber­lhesimagens redesenhadas de forma queainda   completem   suas   funçõesbásicas mas que o façam seguindo aslinhas   dos   valores   sociaisparticipativos.   Essa   abordagem   édefinitivamente   importante   não   sópara   entender   o   mundo,   mas   paramudá­lo de forma a melhorar o queestá  em piores  condições  e   tornar  asituação   como   um   todoqualitativamente melhor para todas aspessoas   envolvidas.   Esses   são   osalvos em termos de mudança social.

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Tendo   esse   entendimento,   oobjetivo   agora   é   conceber   umaeconomia   que   lide   com   produção,consumo   e   alocação;   vínculos   quedizem   respeito   ao   cuidado,sociabilização,   reprodução,   etc;governança   que   lide   com   leis,execução   e   julgamento;   ecomunidade que lide com identidadecultural  de  modo que  assegurem osvalores de solidariedade, diversidade,autogestão,   liberdade,   justiça,participação   e   tolerância.   Olhandopara   os   movimentos   do   passadovoltados   à  mudança   social,   se  vocêpõe o foco em uma esfera abrangentepara colocar toda a sua energia sobreela   (como   o   marxismo   com   aeconomia,   o   feminismo   com   ogênero, o anarquismo clássico com agovernança ou o nacionalismo com acomunidade),   verá   que   cada   esfera(levada ao limite lógico total de suaprópria  teoria)  é  a base para  todo oresto.   Olhando   o   feminismo   e   o

marxismo, por exemplo, se verá queo   classismo   acomoda   e   reforça   osexismo,   assim   como   o   sexismoacomoda e reforça o classismo, entãoem   qual   deles   você   irá   mirar?Conceitualmente, a resposta é ambos.Por isso, a perspectiva revolucionáriamulti­questões,   multi­foco,   multi­tática,   orientada   ao   crescimento   (ecomo   Michael   Albert   notou,   asociologia é muito mais difícil que afísica porque não dispõe do luxo daprecisão das fórmulas).

Considerando a Viabilidade

Tudo isso se constrói a partir deque   há   entendimento   do   que   éinjustiça   (ou   ao   menos   de   entenderque a injustiça é um elemento­chavedo objetivo mais amplo). Deveria serum   entendimento   relativamentebásico, mas isso tem ido contra uma

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sensação   geral   de   que   não   háalternativa,   e   assim   teve   suasmanifestações   limitadas.   Por   isso,desenvolver   uma   visão   é   crucial   –dando   nova   força   a   ideias   dealternativas   para   desencadear   omomentum  necessário   àtransformação.  A visão  de  que   falodiz   respeito   a   uma   reconstrução,baseada   em   valores,   de   todas   asinstituições   relevantes   de   nossasociedade   em   torno   de   princípiosefetivamente   democráticos.   Aoolharmos a viabilidade de manifestá­la,  começa a parecer desencorajadornovamente,   mesmo   quando   nosdistanciamos   das   concepçõesequivocadas e comuns de viabilidade(os   equívocos   que   servem   aopatrimônio   e   que   estão   confinadosaos   mecanismos   das   políticasgovernamentais,gerencialismo/paternalismo de classede   coordenadores   e   a   submissãohabitual e socializada à hierarquia e àautoridade).

Ao invés de focar já de cara todaa atenção na linha da reta final, pensecomo   os   movimentos   emergem   –qualquer   movimento,   especialmentedurante a época em que surgiram osdo feminismo, dos direitos civis e doVietnã   [nos   EUA].   Movimentossurgem por   todo  tipo  de  motivo.  Adiferença aqui é que esse movimentopara  uma   sociedade  participativa   seunifica em torno de uma visão e não

apenas   da   raiva.   Muitas   pessoas  daesquerda   criticam   "o   sistema"   porraiva, mas produzem pouco na formade visões para alternativas.  No casode   tornar   reais   tais   visões,   osprincípios   democráticos   quevalorizamos devem ser injetados emnossas   organizações   e   instituiçõesagora.  Muitos  movimentos  entraramem colapso no passado devido ao fatode   que   sua   estrutura   interna   nãorefletia suas declarações externas e aspreocupações   que   diziam   ter   (porexemplo,   organizações   anti­JimCrow2  tentando   construir   ummovimento   enquanto   mantinham   asestruturas racistas internas intactas). 

A essência de ser prefigurativo éque as organizações devem começara se estruturar agora de acordo com oque   desejam   para   a   sociedadeparticipativa que buscam criar. Comomuitas pessoas estão convencidas deque   não   há   alternativa,   se   umaorganização enaltece o exato oposto eainda assim não age de acordo, issoirá   no   fim  das   contas   reforçar   essesentimento   imobilizante.  Em  termosde   trabalho   e   economia   básica,   o

2 As leis de Jim Crow foram leis estaduaise locais decretadas nos estados sulistas elimítrofes nos Estados Unidos, em vigorentre 1876 e 1965, e que afetaram afro­americanos, asiáticos e outros grupos. Asleis   mais   importantes   exigiam   que   asescolas  públicas  e  a  maioria  dos   locaispúblicos   (incluindo   trens   e   ônibus)tivessem   instalações   separadas   parabrancos e negros. wikipedia.org

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trabalho  prefigurativo   surgiria  comoa   construção   de   conselhos   detrabalhadoras   e   a   instituição   decomplexos   de   trabalho   balanceadosno presente (e não apenas porque issoparece mais justo, mas porque sem talestrutura, todas as principais decisõesseriam   eventualmente   feitas   poraqueles   em   posições   de   poderenquanto todo o resto estaria cansadodemais   e   excluído   pelo   trabalhobraçal). Deve­se lutar pela autogestãoagora,  mas  esteja  ou  não dentro  docomplexo de saúde pública   lideradopor   profissionais   de   saúde   pública,cultivar   condições   anti­sistêmicascontinuará   a   dar   forma   à   noção   deuma   participação   real   muito   maiscentrada no diálogo da saúde pública.

Apontando o Conflito Inevitável

"A quase todo minuto vivemos umaconstante negociação entre o que

queremos e a comunidade, o coletivo, aoutra pessoa”

(Cindy Milstein)

Gostin3  dedicou   parte   do   seutrabalho   a   isso,   destacando   esseconflito   como   uma   busca   peloequilíbrio entre o bem comum de um

3 Lawrence Oglethorpe Gostin é professorde direito norte­americano especializadoem Direito da Saúde Pública.

lado, e os fardos pessoais e interesseseconômicos de indivíduos e empresasdo outro, sendo negociadas pelas leisde saúde pública e o governo. CindyMilstein,   uma   organizadoraanarquista,   escritora   e   editora   delivros,   se   distancia   das   mitologiaspolíticas e de forma muito útil colocatal habilidade de manobrar no centroda práxis anarquista:

"é   uma   constante   negociaçãoentre   você   e   a   sociedade   –   entrediferenças – mas também tem a vercom   o   compartilhamento   de   umvalor. De certa forma, ser anarquistasignifica  apenas  ser  honesta  com ofato de que é  assim que agimos nomundo; é cheio de contradições e, decerta   forma,   o   anarquismo   tentadizer 'vamos tornar isso transparentee   fazer   tudo   o   que   pudermos   parachegar   no   melhor   balanço   possívelentre  os  dois',   sabendo que  vai  seruma constante negociação."

Isso   está   em   contraste   gritantecom outras filosofias que dizem queou tudo diz respeito ao indivíduo outudo   diz   respeito   à   comunidade,   evarre   para   longe   aquelascontradições. Tais filosofias impõemuma correlação binária que não existede   fato  no  mundo   real   ao   invés  detentar   ver   e   trabalhar   essascomplexidades   da   vida.   Nessesentido,   o   anarquismo   éconstantemente   dinâmico,   está

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evoluindo,   mudando   e   aberto   –tornando­se   livre   e   flexível,   mastambém,   frequentemente,   difícil   deentender.

O anarquismo apresenta um tipode   projeto   fundamentalmentediferente das propostas de Gostin, jáque não se   trata  de   ter  as   respostascertas e as formulações corretas mas,ao   contrário,   de   se   engajar   nacomplexidade   do   mundo   de   umaforma que alcance os resultados queanarquistas buscam, e que sustentemos   valores   pelos   quais   anarquistastêm   profundo   apreço.   Milsteinoferece   algumas   característicascentrais   do   anarquismo   que   lançamluz   sobre   como   buscamos   esseengajamento. 

A   primeira   característica   deanarquistas é que são anticapitalistasbem   como   antiestatistas.   Esses   sãovalores   fundamentais,   mas   suasmanifestações   tomam   diversasformas   e   têm   aparências   muitodistintas  entre   si,   já   que  ambas   sãooperações   muito   diferentes.Anarquistas   trabalham   a   partir   deuma   crítica   generalizada   dadominação e da hierarquia.  E não éapenas uma crítica, mas um desejo deabolir ambas. Sendo assim, uma dasinclinações   naturais   no   projetoanarquista é a de que se está sempreatenta para localizar novas formas dedominação,   já   que   se   trata   de   umaperspectiva intrinsecamente orientada

ao crescimento. Isso pode ser irritantenas situações extremas, mas também(e   mais   comumente)inacreditavelmente   proveitoso.   Aorientação anarquista obviamente nãoé apenas um foco na economia, masum   foco   multidimensional   nacompreensão   política,   social   ecultural   da   liberdade   e   da   não­liberdade (apesar  disso não ser algoexclusivamente   do   anarquismo).Somado a isso, Milstein destaca que

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o projeto anarquista está sempre numembate em como ser ético (ou o maisético   possível   no   contexto   destasociedade   problemática).   Nessesentido, as questões centrais acabamsendo   "Aquilo   é   uma   dominação?Estou   fazendo   a   coisa   certa?   Estaqualidade   de   vida   é   boa?   Estououvindo   mesmo   as   outras   pessoas?Estou   falando demais?".  A naturezada   práxis   anarquista   é   tal   que   oprojeto   tenta   ter   uma   estruturaoperacional   onde   se   perguntaprimeiro "Isso é algo que é errado? Eo que seria certo?" antes de perguntar"Isso   é   possível?   É   pragmático?   Éestratégico?"   Dado   que   anarquistassão   totalmente   envolvidas   emelaboradas   construções   pessoais   egradações   de   falhas   humanas(ninguém   é   perfeito,   afinal   decontas), a orientação fundamental e osentimento   moral   ainda   tende   agravitar   em   torno   a   "Isso   édominação?" ao contrário do "Comoisso   pode   ser   dominado?",   o   que(mesmo em todas suas imperfeições,e   tomado   como   parte   do   todo   doprojeto anarquista) ainda assim podedar   resultados   sociaisqualitativamente melhores.

Outras   características   da   açãoanarquista,  de  acordo com Milstein,envolvem   buscar   tanto   a   libertaçãodas amarras quanto a liberdade paraexplorar   novas   vias   de   interesse.Preocupa­se   com   a   igualdade

substancial: um entendimento de quenão   somos   iguais   em   todos   osaspectos,   mas   que   devemos   ser"iguais em nossas diferenças". Nessesentido,   devemos   ser   capazes   dereconhecer   nossos   valores   comunsem   respeito   às   nossas   diferençascomuns, e a partir disso tudo, sermoscapazes de formar relações orgânicas(ao  contrário  de  mecânicas).  Essa  éuma   abordagem   diferente   da   dosmovimentos de justiça que pedem poruma   fatia   igual   do   bolo   para   todomundo   –   a   igualdade   substancialpermitiria às pessoas compartilhareme receberem diferentes   tamanhos dobolo   de   acordo   com   suasnecessidades   e   desejos   já   que   nãosomos   todas   do   mesmo   jeito.   Damesma   forma,   anarquistascompartilham   um   entendimento   deque   as   pessoas   precisam   de   coisasassim   como   desejam   coisas.   Marxhavia dito: "para cada um de acordocom   suas   necessidades",   mas   paraanarquistas: "para cada um de acordocom   seu   desejo"   também   vale.Necessidades e desejos são parte doprojeto   a   ser   desvendado,   que   sópoderá acontecer através da tentativae   erro.   Anarquistas   tambémvalorizam   espontaneidade,brincadeiras,   prazer   e   felicidade,   eassociação   voluntária.   Para   umapessoa   anarquista,   a   associaçãovoluntária   deve   estar   em   conjuntocom a ajuda mútua, no sentido de que

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não se trata apenas de fazer o que sequer quando se quer, mas aceitar umsenso   de   comprometimento   esolidariedade. O projeto anarquista étal   que   tende   a   buscardescentralização   e   interdependênciasimultaneamente;   o   local   esimultaneamente   o   global;   a   simesma   e   simultaneamente   asociedade.   Para   isso,   o   projetoanarquista afirma que nunca se tratade "um lado ou o outro" mas ao invésdisso,   de   "como   podemos   fazerambos   juntos?".   Nesse   sentido,anarquistas costumam ser utópicos evisionários.   Isso   é   significativo   jáque, ao contrário de outras filosofiase teorias radicais, o anarquismo não éapenas uma crítica  constante   (não ésó raiva, como mencionado antes). Éum projeto constante sobre o presentee uma tentativa de moldar o mundode acordo com tais ideais utópicos –que   é   a   própria   essência   da   açãoprefigurativa.

O momento político central paraanarquistas   é   a   negociação   de   algoaceitável para todas as pessoas, comum   profundo   respeito   peladiversidade.   O   conceitookanaganiano4  de  en'owkin  cabeperfeitamente aqui: "eu lhe desafio ame   dar   sua   perspectiva   maisantagônica possível à minha – dessaforma   vou   saber   como   mudar   meu

4 Okanagan é uma região do Canadá ondeviviam diversas etnias indígenas.

pensamento para que possa acomodarsuas preocupações e problemas." 

Essa   forma   é   bastantecontrastante com a política em geralque, como Audre Lorde5 colocou, nãotem jamais  sido  capaz  de  existir  demaneira   funcional   com   a   diferença.Sempre   que   algo   diferente   éapresentado,   é   tratado   ou   de   formaindiferente ou ignorado, dominado sepossível,   ou,   caso   contrário,assimilado.   Em   contraste,   o   projetoanarquista não busca converter outrasformas de pensar aos seus pontos devista.   Ao   invés   disso,   valoriza   adiversidade e discussões focadas nasquestões   concretas   da   ação,   e   em"apresentar   um   plano   com   o   qualtodo   mundo   possa   viver   e   ondeninguém   sinta   que   seus   princípiosestejam   sendo   fundamentalmenteviolados." (David Graeber6) 

[Em configurações de grupo, amaioria   das   pessoas   anarquistas]operam através  de  um processo  deconsenso   que   foi   desenvolvido,   emmuitos   casos,   para   ser   exatamenteoposto ao estilo arrogante, divisivo esectário   tão   comum   entre   outrosgrupos radicais.

5 Audrey  Geraldine  Lorde  (1934  ­  1992)foi   uma   escritora   caribenha­americana,feminista   radical,   mulherista,   lésbica   eativista dos direitos civis.

6 David Graeber é anarquista, antropólogoe   professor   de   antropologia   social   emLondres.

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Aplicado   à   teoria,   issosignificaria aceitar a necessidade deuma   diversidade   de   perspectivasaltamente   teóricas,   unidas   apenaspor   certos   compromissos   eentendimentos.

No processo de consenso, todasconcordam desde o início com certosprincípios   mais   amplos   de   união   epropósito de ser do grupo; mas paraalém   disso,   aceitam   como   pontopacífico   que   ninguém   jamais   iráconverter   outra   pessoacompletamente ao seu ponto de vista,e   que   provavelmente   não   deverianem tentá­lo. (Graeber)

É   importante   entender   que,dentro   da  práxis   anarquista,   não   hárespostas genéricas e não há medidaspolíticas   genéricas   para   o   conflito.Opiniões menos radicais podem olharpara   o   projeto   e   concluir   que   seuutopismo   excede   demais   suaviabilidade,   e  por  sua vez  sugerir   abusca   por   um   meio   termo   maisrealizável   (essa   foi   amplamente   aposição   do   capitalismo  natural  queveio   sendo   promovida   por   PaulHawken e outros). O problema nisso,no entanto, é de duas vias. Primeiro,Marx há muito tempo atrás apontou otruísmo de que não se pode negociarcom o capital por uma nova forma deorganização   social;   você   tem   dedesmantelá­lo.   Marx   via   ocapitalismo   como   um   sistema   de

organização   social   com   premissasfundamentadas   na   exploração,portanto   não   se   pode   ter   umcapitalismo   "mais   gentil",   ou   umcapitalismo   "menor",   ou   um"pouquinho de" capitalismo, porque,em seu cerne,    ele  é  uma forma deorganização   social   baseada   nadominação e na exploração. Segundo,a noção de comprometimento tem suapremissa   num   mal   entendimentofundamental do projeto anarquista. Odesafio   aqui   não   se   trata,explicitamente, de elaborar uma visãode  mundo específica  para  a  qual  aspessoas   têm   de   se   converter.   Issoseria  quase   impossível   e   iria  contraquase tudo aquilo que o anarquismodefende. Ao invés disso, o objetivo éprefigurativo.   Esse   é   um   projetocompletamente   diferente,   construídointeiramente em torno de processos ede   ver   as   mudanças   como   umexperimento   em   andamento,   aocontrário   de   ser   predicado   emmisticismos clássicos de um grande erepentino   cataclismo   revolucionário.Trata­se   de   uma   perspectivarevolucionária multi­questões, multi­foco,   multi­tática,   orientada   aocrescimento,   que   diz   que   o   projetofoca naquilo que funciona, e foca semcoerção.

Graeber   apresentou   seguinteinteração   teatral   esquemática   entreum   cético   e   uma   anarquista   queacredito ilustrar o tipo de projeto que

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buscamos   e   o   tipo   de   barreirasideológicas que confrontam­no:

Cético: Bem, talvez eu leve essaideia   anarquista   mais   seriamente   sevocê puder me dar alguma razão parapensar   que   ela   funcionaria.   Vocêpode   nomear   um   único   exemploviável  de sociedade que existiu semgoverno?

Anarquista:  Claro.   Existirammilhares. Posso nomear uma dúzia sóde cabeça: os Bororo, os Baining, osOnondaga,   os   Wintu,   os   Ema,   osTallensi, os Vezo...

Cético: Mas esses todos são umbando   de   primitivos!   Estou   falandode   anarquismo   em   uma   sociedadetecnológica moderna.

Anarquista:  Ok,   pois   houvevários   tipos   de   experimentos   desucesso   com   autogestão   detrabalhadores,   como   Mondragon;projetos   econômicos   baseados   naideia da economia da dádiva, como oLinux;  vários   tipos  de  organizaçõespolíticas baseadas no consenso e nademocracia direta...

Cético:  Claro,  claro,  mas essessão   exemplos   pequenos   e   isolados.Estou falando de sociedades inteiras.

Anarquista:  Bem, não é  que aspessoas não  tenham tentado.  Veja  aComuna   de   Paris,   a   revolução   naEspanha republicana...

Cético:  É,   e   olhe   o   queaconteceu   com   esses   caras!   Elesforam todos mortos!

E Graeber explica:

Os dados estão viciados.  Vocênão   tem   como   vencer.   Quando   umcético   diz   "sociedade"   o   que   elerealmente  quer  dizer   é   "Estado",   eaté   mesmo   "Estado­nação".   Já   queninguém vai produzir um exemplo deum   Estado   anarquista   –   isso   seriauma contradição em termos – o queestão   realmente   nos   pedindo   é   porum   exemplo   de   um   Estado­naçãomoderno com o governo de algumamaneira   ausente:   para   dar   umexemplo aleatório,  se  o governo doCanadá   fosse   derrubado,   ou   poralguma razão derrubou a si próprio,e ninguém novo tomasse o seu lugar,mas,   ao   contrário,   todos   os   ex­cidadãos canadenses  começassem ase organizar em coletivos libertários.Obviamente,  nunca permitiriam queisso acontecesse.

Há uma saída, que seria aceitarque   as   formas   de   organizaçãoanarquistas   não   se   pareceriam   emnada   com   um   Estado.   Elasenvolveriam   uma   infinita   variedadede comunidades, associações, redes,projetos, em toda escala concebível,sobrepondo­se   e   conectando­se   detodas   as   formas   que   conseguimosimaginar, e possivelmente de váriasque   não   conseguimos.   Algumas

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seriam   bem   locais,   outras   globais.Talvez   tudo   o   que   elas   teriam   emcomum   seria   que   nenhumaenvolveria   alguém   aparecendo   comarmas e dizendo para todo o resto secalar e fazer o que lhe é mandando.

À   luz   disso,   faz   muito   maissentido focar na conexão dos projetosentre   si   em   federações   para   que   sereforcem mutuamente  do  que   tentarexpandi­las   como   bolhas   queenglobam tudo – os poucos exemplosque darei a seguir estão devidamenteencaminhados   ao   invés   de   seremexcessivamente   pequenos,   locais   oude base.

Imaginando uma Sociedade Saudável

Uma das premissas do presentetexto   foi   que   movimentosantissistêmicos,   antineoliberais,radicais e anarquistas vêm crescendono mundo todo e estão buscando deforma   prefigurativa   construiralternativas   às   instituiçõesdominantes,   não­participativas   ehierárquicas   por   toda   a   sociedade.Em termos de cuidados em saúde epolíticas   de   saúde   pública,movimentos continuam a florescer ea   desafiar   as   correntes   de   cuidadosem saúde que visam lucro e que sãogerenciadas   pelas   indústrias,   tanto

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nos   EUA   como   em   vários   outroslugares.   Apesar   de   nãonecessariamente   se   dizeremanarquista, esses movimentos seguemos  princípios  mencionados   acima,   eao   fazerem   isso,   vêm   abrindoalternativas ao sistema de saúde e àspolíticas   públicas   geridas   pelocomércio.  Entre  o  sistema de  saúdecubano,   os   cuidados   de   saúdeindígenas mantidos por Zapatistas emChiapas, no México, o movimento deDemocracia da Saúde de Paul Glovere   o   Instituto   Gesundheit!   de   PatchAdams,   a   seguir   estão   algumaspoucas  observações  que  gostaria  decompartilhar. 

Cuba   oferece   um   exemplo   deum sistema de   saúde  não­capitalistanacional,   mas   ainda   assim   centradona   comunidade,   notavelmentefuncional, com indicadores de saúdecomparáveis   aos   dos   EUA.   Aexpectativa   de   vida   em   Cuba   é   de77,5   anos;   nos   EUA   é   de   78.   Amortalidade   infantil   em  Cuba   é   5,3mortes  a  cada 1000 nascimentos  noprimeiro  ano de  vida,  enquanto  nosEUA é de 6,9 (de acordo com dadosde   2003).   No   Mississípi,   amortalidade infantil é de 11,4 e chegaaté 17 entre negras, e está crescendo.Em   Washington,   a   mortalidadeinfantil é de 14,4 entre pessoas afro­americanas.  Em Cuba,   ao  contrário,só 5,3 crianças morrem a cada 1000nascimentos,   no   primeiro   ano   de

vida,   e   basicamente   a   mesma   taxabaixa é verificada em todas regiões esetores   da   população,   e   continua   acair ano após ano… 

A variação no intervalo entre amelhor e a pior taxa de mortalidadeinfantil   e   as   disparidades   de   saúdegerais dentro de uma dada populaçãosão reveladoras da qualidade de umasociedade   como   um   todo.   RichardLevins  –  observando a  saúde  socialmais ampla – debruçou­se sobre essasvariações dentro dos EUA. Compararnúmeros estado a estado dentro dosEUA revelou pouca informação sobrea variabilidade, mas pondo sob a lupae   olhando   entre   os   condados   doKansas,   a   variação   era   alarmante.Estar   ciente  de  variações  em escalamenor como essas  é   tremendamenterelevante   para   saber   que   sempre   asestatísticas   de   saúdes   sãogeneralizadas   nas   grandespopulações.

Citando   Levins:   “Observamosas   taxas   médias   [de   mortalidadeinfantil] assim como as disparidades;dividimos   a   variação,   a   diferençaentre   a   melhor   e   a   pior   taxa,   pelamédia.  No  Kansas,   a   faixa  divididapela média é de 0,85, mas em Cubaera de 0,34.  Vimos que as   taxas decâncer   no   Kansas   e   em   Cuba   sãocomparáveis,   mas   a   variabilidade   émais   alta   no   Kansas   do   que   emCuba."   Na   edição   de   2001   dos"Indicadores   do   Desenvolvimento

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Mundial" (WDI) do Banco Mundial,Cuba   figurava   ultrapassandovirtualmente   todos   os   outros   paísespobres   nas   estatísticas   de   saúde   eeducação.   Interessante   que,imediatamente   após   o   furacãoKatrina   atingir   Nova   Orleans   em2005, Cuba ofereceu enviar algo emtorno de mil médicos para ajudar asvítimas.  Em uma das  várias   formascom que um governo pode agir comrespeito   à   saúde   pública,   aadministração Bush ignorou a oferta. 

Isso   obviamente   levanta   aindagação   de   como   isso   é   possíveldada a situação de Cuba. Como umpaís pobre que carece das tecnologiasmédicas sofisticadas que existem nosEUA, e tem dificuldade em conseguirequipamentos   e   remédios   básicosdevido ao bloqueio estadunidense,  écapaz   de   ter   tão   bom   cuidado   dasaúde   de   sua   população?   Umaresposta   é   profissionais   de   saúde.Cuba   tem 5,3  profissionais  médicaspor   cada   1000   pessoas   –   a   maiorproporção no mundo e quase o dobroda dos EUA. As 60.000 profissionaismédicas  dedicadas   e   outrasprofissionais   de   saúde   trabalhamdentro   de   um   sistema   baseado   noprincípio de que "o cuidado em saúdeé   um   direito   e   não   um   produto   àvenda".

No que diz respeito ao esforçoposto   nisso   e   na   construção   deinfraestrutura   prefigurativa,   a

situação   médica   de   Cuba   não   foimero acaso. Após sua revolução em1959, metade dos médicos da naçãoseguiu   seus   pacientes   ricos   atéMiami.   Assim,   desde   o   começo,   ogoverno   teve   de   fazer   grandesesforços   para   educar   novasprofissionais  em medicina.  Hoje emdia, há uma grande escola médica emcada província. O país agora gradua3.500 doutores por ano, bem mais doque o exigido para sua população de13 milhões de pessoas.

Falando   prefigurativamente,   ainfraestrutura  de   saúde  de  Cuba   foiinacreditavelmente visionária. O paístem   mais   médicas   servindo   noexterior   do   que   a   OrganizaçãoMundial   da   Saúde.   Desde   1963,100.000   médicas   serviram   em   101países.   Também   está   treinando20.000 profissionais de saúde de 26países   e   executando   iniciativasespeciais como a Operação Milagre7.Criou a Escola Latino­Americana deMedicina   (ELAM)   que   oferece   apessoas   jovens   das   regiões   maispobres da América Latina e África achance   de   tornarem­se   profissionaisem   medicina.   O   comprometimentonão­firmado de cada uma das pessoas

7 A   Operação   Milagre   é   um   projetohumanitário   que   começou   em   2004liderado   pelos   governos   de   Cuba   eVenezuela.   Tem   o   propósito   de   ajudaraquelas   pessoas   com   poucos   recursospara   que   possam   ser   operadas   dedistintos problemas oculares.

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estudantes   é   retornar   ao   seu   país   epraticar   suas   habilidades   por   umperíodo de dez anos nas comunidadesmais   pobres   e   necessitadas,substituindo   assim   os   médicoscubanos. Desde a época em que CliffDuRand   escreveu   seu   artigo,   aELAM   recebeu   estudantes   de   29nações diferentes e 67 grupos étnicose culturais diferentes para  tornarem­se   médicas,   técnicas   médicas   ououtras  especialistas  em saúde (cercade   10.200   estudantes   atualmente).Entre   elas   estão   91   estudantes   debaixa renda dos EUA. O curso de seisanos   disponibiliza   tudo:   abrigo,roupa, comida, livros e uma pequenaquantia de dinheiro para gastar.

Cuba   também   iniciou   oCompromisso   de   Sandino   com   a

Venezuela, que busca treinar 200.000médicas da América Latina ao longodessa década8. Como as estudantes daELAM, mais do que serem treinadasem   medicina,   essas   médicas   serãopreparadas   com   alto   senso   decomprometimento   social   –motivando­as a cuidar das pessoas daregião sempre que forem necessárias,diz Hugo Chavez.

Entendendo como os princípiosbásicos de empoderamento pessoal ecomunitários são aspectos essenciaisde   um   panorama   efetivo   de   saúdepública, Cuba desenvolveu uma novapedagogia   para   alfabetizaçãochamada   Yo   Si   Puedo   (Eu   PossoSim).  Em 2006, a UNESCO deu denovo   a   Cuba   seu   prêmio   dealfabetização por esse novo método.

8 Provavelmente o autor esteja falando dosanos 2000.

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Está sendo usado em 16 países paraensinar mais de 580.000 pessoas a lere escrever em apenas 7 semanas.

Zapatistas   oferecem   umexemplo   de   ação   prefigurativa   debase.   O   cuidado   em   saúde   nascomunidades indígenas de Chiapas éhá   muito   tempo   negligenciado   pelogoverno   mexicano.   Durante   umasessão   sobre   saúde,   os   conselhosparticipantes   do   Bom   Governo("Juntas   de   Buen   Gobierno")discutiram   questões   relativas   àescassez   de   suprimentos   médicos   etransporte,  a perda de conhecimentomédico   tradicional,   às   barreiras   àeducação   sexual   e   aos   danoscausados pela  dependência  de ajudaexterna.   Após   a   discussão,   ascomunidades   zapatistas   organizaramsua própria rede de cuidado em saúdee   pediram   ajuda   e   recursos   paraoutras organizações em solidariedadeao   redor   do   México   e   do   mundo.Recursos   vindos   de   foraimpulsionaram   projetos   autônomosde   saúde.   O   hospital   zapatista   (ohospital   de   Guadalupe   em   Oventic,Chiapas,   no  México,   construído  em1991   pelas   comunidades   locaiszapatistas)   funciona   com   ajuda   dedoações   estrangeiras   sem   nenhumauxílio   governamental,   e   buscaprover   serviço   àquelas   que   estãosofrendo   discriminação   nasinstituições geridas pelo Estado.

O sistema zapatista  de cuidadoem   saúde   foi   amplamentereconhecido   tanto   nacional   quantointernacionalmente   como   tendofornecido tratamento e medicamentospara mais homens, mulheres, criançase   idosos   indígenas   rurais   do   quequalquer   governo   ou   setor   privadojamais conseguiu. Ao treinar pessoaslocais  como "promotoras  de saúde",do   seio   das   comunidades,   esseesforço  se   sobressaiu  em  termos  demedicina   preventiva,   educação   desaúde   e   da   preservação   de   ervas   eoutras   formas   de   medicinatradicional.   A   solidariedadeinternacional   permitiu   àscomunidades   construir   clínicas   eadquirir equipamentos e ambulâncias.

No   entanto,   à   medida   que   foiadotado   um   foco   mais   voltado   àsaúde,   a   dependência   em   ajudaexterna   se   tornou   um   tema   quepressionava cada vez mais. A falta deacompanhamento   por   algumasorganizações   frearam   oususpenderam   importantes   projetosapós   estes   terem   começado.Consequentemente,   o   conhecimentomédico tradicional foi promovido deforma mais intensa como uma formadas   comunidades   indígenasrecuperarem   o   controle   de   seucuidado em saúde.

Nas   questões   das   mulheres,   aLei  das  Mulheres Zapatistas   tornou­se pública em 1994 com a declaração

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dos direitos das mulheres. Isso surgede   uma   crescente   preocupação   danecessidade de focar nas questões deempoderamento   das   mulhereszapatistas, com um foco particular nasaúde feminina e seus vínculos com asaúde da comunidade como um todo.A   sessão   sobre   saúde   durante   asJuntas   de   Buen   Gobiernoapresentaram   uma   plataforma   desaúde   progressiva,   mas   apesar   dofoco,   era   claro   que   "alguns   dosmaiores   entraves   para   a   saúde   dasmulheres   continuam   postos   por   umsistema   patriarcal   herdado   daconquista   espanhola"   (GinnaVillarreal9).

Consequentemente,   "muitosparticipantes   concordaram   que   aeducação   e   a   participação   demulheres   nessa   questão   sãoessenciais   para   a   saúde   geral   dacomunidade"   ("Vivenciando   oEncuentro de Mulheres"). 

9 Sem referência.

Tal   sentimento   em   torno   danecessidade   de   empoderamentofinalmente   se   transformou   noprimeiro  Encuentro  para   mulheresque ocorreu em 1º de janeiro de 2008.O Encuentro deu às mulheres espaçopara   lidarem,   nos   seus   própriostermos,   com   as   questões   deautodeterminação,   liberdade,democracia, saúde e justiça dentro desuas   próprias   comunidades.   Aomesmo   tempo   que   explicitamentepunham   para   fora   as   relaçõespatriarcais   (os   homens   durante   oencontro   eram   responsáveis   porcozinhar, cuidar das crianças, limparos   banheiros   e   trazer   lenha),   asmulheres   zapatistas   deixaram   claroque isso não era uma divisão em ummovimento   separado   de   mulheres,que é algo muito diferente da maioriados   movimentos   de   libertação   dasmulheres.   Ao   invés   disso,   asmulheres   zapatistas   enfatizaram queseu   movimento   ainda   inclui   "seusirmãos,   maridos,   crianças,   idosos   etodos na comunidade". Em termos deespalhar o modelo zapatista,  quandoperguntadas   o   que   as   comunidadesnão­zapatistas   poderiam   fazer   paraapoiar   seu   trabalho,   as   mulhereszapatistas   responderam,   "organizem­se". 

O ethos do movimento de saúdezapatista foi captado por uma meninade   8   anos   durante   as   plenárias   doEncuentro.   Ela   disse,   "Sem   a

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organização, eu não estaria viva. Euteria   morrido   de   uma   doençacurável".

O   movimento   Democracia   daSaúde de Paul Glover – a Aliança daSaúde   de   Ithaca   (no   inglês,   IHA),com base em Ithaca, Nova Iorque – éum   modelo   de   saúde   cooperativofundamentado na  ajuda mútua  e   foidesenvolvido com a ideia de criar ummodelo   sustentável   de   soluçõesvoltadas à comunidade e guiadas porela   para   a   atual   crise   nacional   dosistema de saúde.  De acordo com osite   principal   da   organização,   aAliança da Saúde de Ithaca foi criadacomo   um   modelo   cooperativo   quetem   sido   continuamente   moldado   esustentado pelos membros da aliança.A ideia é de que através do poder deconstrução da comunidade, membrosdo   IHA   possam   se   ajudarmutuamente   com   as   despesasmédicas – financeiramente através daorganização   e   através   dos   serviçosque   ela   promove,   e   diretamenteatravés   de   benefícios   membro­a­membro,   como   descontos   emcuidados em saúde que os MembrosProvedores   oferecem   a   outrosmembros.   A   IHA   funciona   em   trêsníveis principais:  o Fundo de SaúdeIthaca, a Clínica Gratuita de Ithaca ea educação geral.

O Fundo de Saúde de Ithaca foiestabelecido   para   fornecerassistência financeira para os custosem   cuidado   em   saúde.   Através   dofundo,   a   IHA  oferece   concessões  amembros da IHA para auxiliá­los emcategorias   específicas   de   custospreventivo   e   de   cuidado   médicoemergencial.   O   Fundo   tambémoferece a membros empréstimos semjuros para procedimentos dentários,cuidado dos olhos ou para melhoriados   serviços  profissionais   de   saúde(apenas   para   membros   provedoresde   cuidado   em   saúde).   Peloprograma   de   ConcessõesComunitárias   da   IHA,   pequenasconcessões   são   oferecidas   a   outrosgrupos   que   fazem   trabalhorelacionado à saúde... A Aliança daSaúde   abriu   uma   clínica   de   saúdegratuita no centro de  Ithaca em 23de   Janeiro   de   2006.   A   ClínicaGratuita   de   Ithaca   (IFC)   ofereceserviços de cuidado em saúde 100%gratuitos   para   residentes   que   nãotenham   seguro   ou   tenham   baixacobertura   de   serviços   médicos   nocondado de Tompkins e nas áreas aoredor.   A   IFC   é   uma   instalaçãomédica integrada, onde profissionaisvoluntários de saúde oferecem tantoserviços   médicos   convencionaisquanto  holísticos  para  as  visitantesda   clínica,   assim   comoaconselhamento   sobre  o   sistema  deseguridade   do   sistema   de   saúde,

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entre   outros   serviços...   A   Aliançaoferece   uma   programaçãoeducacional   aos   nossos   membros   eao   público   em   geral.   Aulasinformais,   palestras   e   falas   deconvidadas são oferecidas ao longodo   ano;   outros   eventos   sãoagendados quando vão aparecendo.Nós oferecemos materiais na área deespera   de   nossos   escritórios   e   daClínica Gratuita,  os  quais  qualquerpessoa é bem vinda a explorar. Nosrelacionamos   em   rede   comespecialistas em todos os campos dasaúde   para   conseguirmos   ajudarnossas   vizinhas   a   teremconhecimento da  riqueza de opçõesde   saúde   disponíveis.   Nosso   jornaltrimestral  oferece   informação sobre

diferentes   assuntos   de   saúde,   eoutros materiais educacionais,  alémde notícias sobre a organização.

A   última   observação   quegostaria  de  oferecer   aqui   é   sobre  oInstituto Gesundheit!10 – a criação delonga   data   de   Patch   Adams.   Apremissa   do   projeto   tem   sido   umatentativa   completamenteprefigurativa daquilo que o Institutose   refere   como   "projetar   o   sistemacomo um todo".  A abordagem dadapelo Gesundheit!, em outras palavras,tem sido a de redesenhar o sistema de

10 Expressão alemã que se diz quando umapessoa espirra: “saúde!”

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Instituto Gesundheit!

cuidado em saúde como um todo, nãosó como acessá­lo:

Queremos   enfrentar   aspectosnegligenciados   do   fornecimento   decuidado em saúde   fora  do  controlede mercado, e dentro do projeto debolsões   de   cuidado.   Esses   bolsõeslocais   de   variedades   correriam   emparalelo   ao   mercado   de   saúdeconvencional e estariam conectadosde forma frouxa uns aos outros paraagir como perturbações ao sistema.

Essa   teoria   conceitualiza   osistema como se fosse um Golias emrelação ao seu Davi: reconhece que osistema   é   (1)   controlado   porpessoas/instituições   que   têm   certopoder   sobre   a   população;   (2)   "osistema como está – sem mudanças –beneficia­lhes   enormemente";   e   (3)essas   pessoas/instituições   não   têmintenção de permitir que este sistemamude – não importa quão razoáveis eéticos   sejam   os   argumentos,   quãopersuasiva   seja   a   evidência   desofrimento   e   perda   humanos,   ouquantas concessões as ativistas estãodispostas a fazer.

Por   mais   inarredável   que   esseângulo   pareça,   a   janela   deoportunidade   sobre   a   qual   oGesundheit!   cria   sua  estratégia  vemdo entendimento de que "o sistema desaúde   nos   EUA   é   tão   grande,   tãocomplicado,   tão   burocrático,   compartes   que   não   conseguem   se

conectar com as outras, tão insensívelao   humor   do   seu   ambiente,   tãoincapaz de ver suas consequências –que é possível que desmorone devidoao   seu   próprio   peso".Consequentemente,   enquadra   suasações   ao   redor   da   noção   deperturbação   –   visando   abalar   essespontos   fracos   dentro   do   sistema.Alvos específicos surgem através doconceito de projetar o sistema comoum   todo,   que   começa   demarcandoque   aspectos   do   cuidado   em   saúdepodem ser mudados por mera decisãoe design de políticas,  visando assimaspectos  problemáticos  que  não  sãointrínsecos   à   presença   e   aofuncionamento   mais   amplos   dosistema de saúde.

Existem numerosos aspectos nocuidado   em   saúde   contemporâneoque   o   Instituto   busca   mudar   eredesenhar.   Nota   que   as   relaçõeshierárquicas no cuidado em saúde sãoherdadas   de   uma   cultura   dehierarquia,   abuso   de   poder   epresunção.   Consequentemente,   aspessoas,   ao   moldarem   suasinstalações  de cuidado em saúde deacordo   com   o   que   querem,   têm   aopção de apoiar,  se  opor,  mudar oualterar tais maneiras de se relacionar.Muitos   estudos   mostram   que   umapessoa   tem   melhores   resultados   emsaúde se ela sente que seu bem estarestá   integrado   no   interior   de   umgrupo maior. Seguindo essas linhas, o

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Gesundheit!   acredita   que   curadoras/projetistas   podem   chegar   a   umalinguagem –   recortes   e  metáforas  –que   se   opõe   às   tendênciasisolacionistas   e   consumistas(particularmente   da   saúde   e   dadoença   serem   identificadas   comopropriedades individuais), e ao invésdisso   situar   a   saúde   do   indivíduodentro   da   saúde   de   um   grupo.Seguindo essa lógica, o Gesundheit!faz notar que a saúde de sua equipe étão prioritária quanto a saúde de umapaciente:   assim   como   a   pacienteprecisa sentir que seu bem estar estáaninhado dentro do bem estar de umgrupo mais amplo, a equipe tambémprecisará.

Em termos de tornar o cuidadoem   saúde   uma   experiência   muitomais   participativa,   o   Gesundheit!reconhece   que   a   atual   culturacomercial   do   cuidado   em   saúde   serefere ao paciente como consumidore   ao   médico/enfermeiro   comofornecedor,   de   tal   forma   que   asinterações são experimentadas comouma forma de compra – completadacom informações significativas sobreo   fluxo,   motivos   de   lucro,disparidades   socioeconômicas   entreconsumidores   em   poder   debarganha/compra,   escolhas   limitadase comumente não participativas, etc.Projetistas,   ao   contrário,   podem   seopor   a   esse   modelo   de   interação   einventar   elementos   em   suas

instalações   (através   da   linguagem,imagens e estrutura) que permitam aparticipação   popular   em   todos   osaspectos da saúde, cuidado em saúdee construção de um sistema de saúde.Apesar do cuidado em saúde nacionalestar   atualmente   alojado   nasinstituições financeiras burocráticas eprivadas,   é   na   verdade   dentro   degrupos   sociais  beneficiados  maioresque   as   interações   de   cuidadoprecisam ser aninhadas e protegidas.A solidariedade precisa ser renovadae redesenhada entre as pessoas cujosinteresses   forem   fundamentalmenteem comum. As decisões precisam serrealizadas na base da participação, eo   processo   de   decisão   sobre   osdilemas   do   sistema   de   saúdecomunicado   pelas/para   as   pessoascomo uma prioridade.  Comunicaçãoe  visibilidade  do  cuidado  em saúdepodem   ser   também   muito   maisproeminentes   em   meio   à   sociedadecomo   um   aspecto   do   desenho   dosistema, e em termos de visibilidade,as curas não devem necessariamenteser   valorizadas   como   superiores   aocuidado   de   qualidade.   O   próprioespaço   físico   do   cuidado   em   saúdedeve ser desenhado para refletir essesvalores, e – já que não existe a tal dainteração neutra – as ações ao longoda   vida   cotidiana   entre   curadoras,equipe   e   paciente   devem   refletir   ofato   de   que   a   vida   em   si   é   umaescolha.   Tal   perspectiva   pode   ser

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uma   fonte   de   informaçãotremendamente   valiosa   para   asinterações  que se deseja no cuidadoem  saúde.   O   Gesundheit!   consideratodos   esses   aspectos   passíveis   deserem (re)desenhados.

Central  a tudo isso é  o fato deque  o  projeto  do   sistema  como umtodo   se   assenta   na   criatividade:"Necessitamos de uma variedade denovas   ideias,   projetos,   desenhos,configurações,   propostas   –alternativas para voltarmos o olhar epesarmos. Existem alguns problemaspara os quais  as soluções ainda nãochegaram.   Temos   que   construirsoluções."   E   enquanto   isso,   estámirando   a   cultura   de   cuidado   emsaúde e  opondo e  expondo o "quãoindesejável  é   um cuidado em saúdecontrolado pelo mercado".

Montando um possível quadrosocial para organizações anarquistas focadas em saúde.

A   questão   gritante   que   aindapermanece é  como definir  o  quadrosocial   no   qual   as   organizaçõesanarquistas   podem   prosperar   einfluenciar   a   formulação da  políticade saúde pública. Em torno de quaisestruturas  sociais  grupos anarquistaspodem se aglutinar para articular vozcoletiva, e como?

As duas preocupações principaiscom os exemplos mencionados acimasão de que eles (1) se aglutinam emtorno de uma identidade preexistente(portanto,   ficam   aquém   do   querepresenta  a grande maioria  de umapopulação   mais   diversa   tornandoassim difícil  ampla aplicação),  e (2)são   efetivamente   isolados.   Oszapatistas se aglutinaram em torno daidentidade   partilhada   dascomunidades indígenas politicamentemarginalizadas   e   fortementelocalizadas.   O   Instituto   Gesundheit!foi   (e   continua   sendo)   muitolocalizado e em grande parte isoladoem   suas   próprias   operações   (apesarde   seus   esforços   de   divulgação).Dessa   forma,   as   questõespermanecem: o que essas  operaçõestêm a dizer para a grande maioria dapopulação   que   não   está   em   umacomunidade vulnerável, que não estáagrupada   e   organizada   localmente,para   a   qual   não   queremos   usar   adesignação   guarda­chuva   "opúblico"?   Como   é   que   umaorganização   anarquista   poderia   seestabelecer,   sendo   mais   eficaz   eeficiente   do   que   as   coisas   comoestão?

Como   mencionadoanteriormente,   organizaçõesanarquistas  vão contra  o modelo da"bolha em expansão", que procura terum   único   espaço   subcultural   eexpandi­lo para incluir cada vez mais

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pessoas, tentando ser o modelo paratodo   mundo.   É   isso   que   tambémacontece   quando   a   diversidadeprospera   ao   mesmo   tempo   que   anoção de "o público" é despedaçada.O   que   nos   resta   então,   nos   termosdeste   projeto   anarquista,   seria,   naminha opinião, um processo em duaspartes.

A primeira  parte diz respeito aolhar a identidade coletiva como basepara   se   organizar.   Comunidadeslocais de saúde surgem de um grupolocal   e   dos   seus   interesses   comuns.Comunidades   vulneráveis*  (ou   seja,identidades compartilhadas em tornode   condições   particularescompartilhadas   de   saúde)   surgemgeralmente   em   uma   escala   maisnacional. Afigura­se aqui um terrenocomum   que   poderia   ser   descobertoonde   se   valorizaria   o   aspectoparticipativo da localidade, enquantofortaleceria   os   recursos   mútuos   emuma   escala   muito   mais   abrangente.Afinal, os grupos locais estão ligadosentre   si   de   forma   mais   ampla.   Issosustenta  diretamente   a   ideia  de  nãopromover   a   "bolha   em   expansão",mas   sim   promover   diversosagrupamentos   que   persigam   osinteresses   particulares   dedeterminados   grupos,   enquantotrabalham   coletivamente   como   umtodo   federado   e   se   mobilizam   em

* Em  inglês:  disease­identified   communi­ties.

torno da ideia geral de saúde (afinalde   contas,   obviamente   alguém   nãoprecisa ter um interesse particular emuma determinada condição ou doençapara   ter   um   interesse   em   saúde   oupara   ser   capaz   de   reconhecer   asdimensões de sua saúde que estão emjogo).   Então,   como   tal,   umafederação de comunidades se assentana   expansão   da   ideia   de   marcaridentidades   coletivas,   que   iriam   dedoenças e condições específicas parainteresses muito mais amplos na áreada   saúde,   nos   quais   todo   mundoparticipa na sua saúde de formas bemvariadas.

O   segundo   aspecto   desteprocesso   refere­se   às   unidadesfundamentais   que   compõem   talfederação   (ou  federação   defederações). Estas são basicamente aspráticas   alternativas   (o   trabalho   doGesundheit!   ou   das   zapatistas,   porexemplo), descritos na seção anterior.Depois que a noção de "o público" édesmantelada,   o   que   sobra   éessencialmente uma matriz de corpose   grupos   dinâmicos   e   variados   quecompõem o mundo real. O problemaé   que   eles   são   em   grande   parteisolados.  Os   zapatistas   e  o   InstitutoGesundheit!   são   efetivamente   nósdesconectados do que poderia ser umsistema   mais   amplo   e   mais   eficaz.Faltam   conexões   onde   esses   nósdeveriam   estar   ligando   o   conjunto,onde   estas   comunidades   estariam

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agindo   em   conjunto   para   fazeralgumas   coisas   e   se   reorganizandopara   outras   –   um   projeto   para   oprojeto.   Os   zapatistas   são   clarossobre   a   construção   de   uma   redeinternacional   quando   semprerespondem   à   pergunta   "Comopodemos ajudar?"  com "Organizem­se" – refletindo a necessidade de criare   vincular   os   nós   de   ação.Essencialmente   isso   quer   dizer,   nocontexto   da   prestação   de   saúde,conselhos e federações de saúde (queligam   as   cooperativas   de   saúdelocais às organizações mais amplas)em torno do interesse comum na boasaúde.

O   que   o   anarquismo   oferecenesse sentido em muitos aspectos seapresenta   como   uma   derivação   doque   é   conhecido   como   o   anarco­sindicalismo.  Esse   é   um   arranjoorientado   para   o   trabalho   onde   ostrabalhadores   se   veem   como   umaclasse específica e formam conselhosde   trabalhadores   autogeridos   paraarticular  coletivamente suas  vozes  einteresses.  Rudolph  Rocker,   em  seutrabalho Anarco­Sindicalismo, apontadois objetivos centrais da prática: (1)salvaguardar   as   exigências   dostrabalhadores,  ao mesmo tempo queeleva   seus   padrões   de   vida;   e   (2)servir   como   uma   escola   paraformação   dos   trabalhadores   efamiliarizá­los  com a gestão  técnicada produção e da vida econômica em

geral   para   que,   quando   surja   umasituação   revolucionária,   eles   sejamcapazes   de   tomar   o   organismosocioeconômico   em   suas   própriasmãos  e   refazê­lo  de  acordo com osprincípios   socialistas.   É   bem   difícilimaginar   a   construção   de   algosemelhante   relacionadoespecificamente   aos   gruposorientados   para   a   saúde:   trabalharpara   salvaguardar   os   interessesrelacionados à saúde, vendo­se comoparte   de   um   todo,   todos   cominvestimentos   em   suas   saúdes,   eprocurando   aumentar   a   participaçãonas decisões que afetam suas saúdes,e   ao   mesmo   tempo   trabalhar   paracapacitar   as   pessoas   para   aparticipação,   servindo   como   basepara a revitalização da capacidade deação   popular   para   reconstruir   asociedade   como   um   todo   de   modoparticipativo.

Essa   ideia   de   conselhos   porinteresse   tem   sido   contemplada   pormuitos   mais   recentemente   eprofundamente.   Michael   Albertdescreve os conselhos e as federaçõestanto   de   trabalhadores   quanto   deconsumidores   como   componentescentrais de uma visão funcional parauma   economia   participativa.   Umavantagem   discutível   (entre   muitaspessoas) que estes acordos têm sobreo   convencional   é   que   eles   sãoinerentemente   mais   participativos   eigualitários. Isso vem desses acordos

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para implementação de complexos detrabalho mais   justos,  ou,  em  termosmais   relevantes  para  o  que  estamosbuscando, das formas de organizaçãoque   não   inerentemente   empoderamalguns   e   desempoderam   outros.   Éimportante   que   todos   possamparticipar   igualmente   se   assimdesejarem.   Como   tal,   os   conselhosseriam   baseados   em   autogestão   (aspessoas   podem   participar   se   assimdesejarem ou   criar   novos   conselhosmais   relevantes   para   as   suasnecessidades   e   interesses);   seriambaseados  em dispersão adequada  deinformação,   meios   adequados   deexpressar preferências, e processos detomada de decisão que funcionariampara garantir (o melhor possível) quecada   indivíduo   tenha   influênciaproporcional   aos   resultadosrelacionados   aos   efeitos   que   lhecausarão. Em termos de eficiência –de   não   desperdiçar   as   coisas   quevalorizamos   quando   perseguimosnossos   objetivos   –,   a   participaçãodireta   em   termos   de   conselhos   desaúde fornece um arranjo muito maiságil,  corta a burocracia atual  que setornou   cada   vez   mais   onerosafinanceiramente   e   contraproducente,proporciona   um   ambiente   nãocompetitivo   onde   conselhosconectam­se   uns   aos   outros   paratratar dos seus interesses, e como talsão guiados pelo interesse dos grupose não por fins lucrativos, tendências

de   expansão   ou   indústriasinsustentáveis.

Há   obviamente   muito   mais   adizer  sobre  isso para  fazer   justiça àideia de conselhos de saúde. Deveriaser mencionada ainda que já existemalgumas   formas   de   conselhos   desaúde   em   funcionamento.   A   visãodesejada é que deveriam se conectaruns   aos   outros   em   federaçõesdedicadas a salvaguardar a saúde doscidadãos, elevar os padrões de saúdee continuar a educação e capacitaçãodesses cidadãos em termos de seremcapazes   de   se   envolver   e   gerir   osfatores   que   afetam   sua   saúde,   emsentido lato.

Interagindo com a infraestrutura convencional

Na   medida   em   que   osdeterminantes   sociais   da   saúde   sedefinem   no   âmbito   dos   sistemasinstitucionais   mais   amplos,   comopode   a   organização   anarquistafuncionar   bem   quando   precisainteragir   com   estas   infraestruturasmais convencionais? O que pode serfeito imediatamente?

A   resposta   a   estas   questõesbaseia­se principalmente na visão: oque é que estamos tentando criar? Aseção  anterior  discutiu   a  construçãode   estruturas   alternativas   para   as

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instituições de saúde. Esta seção dizrespeito   à   forma   de   interação(resistência   e   reconstrução)   dentrodas instituições existentes, posto quea resistência e a construção do novosão necessárias.

Em termos de criação de novasformas de prestação de cuidados emsaúde,   é   difícil   para   as   instituiçõesalternativas   simplesmenteaparecerem   e   serem   altamentecompetitivas   com   os   modosconvencionais de fazer as coisas. Ascomunidades   devem   estarfamiliarizadas com as alternativas. Eem   um   sistema   de   mercado,   novasinstituições baseadas na autogestão eem valores participativos tendem a secorromper quando tentam ter sucessono mercado e ao mesmo tempo seremparticipativas   (já   que   decisões   demercado   levam   à   alienação   e   aorompimento   de   práticasparticipativas).   Não   é   que   as

alternativas   não   podem   ter   sucesso,mas  é   quase   impossível   ter   sucessono   mercado   e   ter   sucesso   comosistemas   verdadeiramenteautogestionados.

A   chave   é   reconhecer   estaincongruência   e   combatê­la.   A   lutavem na forma de encontrar maneirasde   aumentar   os   custos   das   formasconvencionais  de   fazer  as  coisas  demodo   que   mudanças   ereconsiderações   vão   (terão   que)   serfeitas.   Em   termos   econômicos,   issopode   acontecer   como   umareorganização da força de trabalho namedida   em   que   tanto   custa   mais   àestrutura combatê­la quanto a mesmaobriga   a   estrutura   a   permitir   que   aforça   de   trabalho   se   reorganize.   Atrajetória   geral   de   desenvolvimentoaqui   envolve   ganhar   reformasmaiores que continuem a fortalecer omovimento para que vá mais adiante–   trabalhando   na   construção   de

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relevantes   conselhos   de   interesse   e,eventualmente,   em   direção   aestruturas   institucionaiscompletamente novas.

A filosofia por trás do InstitutoGesundheit!   de   Patch   Adams   serefere a esta maneira de aumentar oscustos do sistema como a criação de“perturbações”   –   ideias/ações   queponham o sistema na berlinda com oobjetivo de desestabilizá­lo e fazê­lotropeçar   em   si   mesmo.   Os   pontosiniciais   para   aumentar   os   custos   daprestação   convencional   de   cuidadosem   saúde   envolvem   desafiar   asrelações   hierárquicas,   ver   a   saúdemais como uma condição coletiva emoposição a apenas a qualidade de umindivíduo,   focar   na   importânciacomplementar do pessoal/profissionalde saúde, compreender a saúde comoum   movimento   popular   de   pessoas,promover  a   solidariedade,   a   tomadade decisões participativa, etc ...

À medida que os custos sobem,as   lutas   em   curso   no   seio   dasinstituições particulares podem ajudare   apoiar   instituições   alternativas,mesmo   quando   o   mercado   e   aconcorrência   convencional   aindaexistem.   O   Instituto   Gesundheit!serve   aqui   como   um   bom   exemploassim   como   a   sua   busca   por   um"projeto   de   sistema   total"   é   aalternativa/projeto   prefigurativo   quetrabalha ao lado de outros projetos deinfraestrutura   que   confrontam   a

infraestrutura  convencional,  ou   seja,aqueles   com   foco   em   quem   pagaindividualmente/coberturasuniversais. Como o Instituto pretendeser uma alternativa prefigurativa emseu   trabalho,   aquelas   pessoas   quefocam   em   questões   definanciamento/acesso   servem   maiscomo um desafio direto (perturbação)à   infraestrutura   convencional   doscuidados   em   saúde   dominada   pelosnegócios dos planos de saúde.

Destinada a trabalhar lado a ladocom   “quem   paga   individualmente”/“esforços  de cobertura  universal”,  oprojeto   de   sistema   total   é   umachamada   a   pensar   universalmente,agir   localmente:   para   projetar   oscontextos   locais   que   protegem   onúcleo   distintivo   da   relação   decuidados   em   saúde...   entremédica/enfermeiro e paciente.

Da teoria à prática

A   abordagem   que   gostaria   depropor   brevemente   aqui   tem   duasfrentes, destina­se à  (re)criação e aodesmantelamento   simultaneamente.O   primeiro   foco   visa   a   (re)criaçãoatravés   da   geração   de   solidariedadena comunidade local, que se expandena   direção   da   federação   decomunidades   –   criando   modoseficazes   de   participação   na   política

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comunitária,   que   por   sua   vezinfluenciam a sociedade em geral (emvez  da   política  de   cima   para   baixoinfluenciando   o   tecido   dacomunidade   local).   Entre   osbenefícios de tal solidariedade, há umaspecto   inegável   de   recuperaçãodentro dela que alimenta diretamenteos   movimentos   de   reforma   maisamplos, visando (entre outras coisas)tanto a terra, a propriedade, a políticalaboral,  e, é claro, a saúde. Como ofoco   central   é   baseado   nacomunidade, mas também fala de umimportante   foco   ambiental   ebiorregional11  que   mais   uma   vezcentraliza   a   saúde   da   terra   comoessencial para o bem­estar de todos.

A   (re)criação,   neste   sentido,orbita   em   torno   da   ideia   dereformulação comunitária  de   todo osistema   nas   formas   mais   amplas,recuperando   o   que   deveriam   seriniciativas   comunitárias   internas   emrelação   ao   que   foi   definidoexternamente   e   de   serviçosfornecidos   (ou   vendidos)burocraticamente de cima pra baixo.Do ponto de vista  da saúde públicaradical   construída   ao   longo   desteartigo, o pano de fundo de interesse

11 O   biorregionalismo   “observa   um   localespecífico   em   termos   de   seus   sistemasnaturais   e   sociais,   cujas   relaçõesdinâmicas ajudam a criar  um ‘senso delugar’,   enraizado   na   história   natural   ecultural”   (Nozick,   1992:75­76)wikipedia.org

por trás de tal foco visa amplamentetudo   o   que   é   necessário   paracomunidades   saudáveis   (proponhousar o termo "saúde comunitária" deagora   em   diante   em   vez   de   "saúdepública", já que "o público" é tratadocomo   uma   entidade   homogênea   evaga,   enquanto   "comunidade"reconhece   interesses   distintos,personalidades, relacionamentos, etc.Isso pode cheirar  a mera semântica,mas   aproximar­se   de   uma   saúdedefinida pela comunidade ao invés deusar um “cobertor de tamanho único”que   tenta   satisfazer   a   totalidade   dopúblico   pode   conduzir   a   grandesdiferenças).

O   esforço   conjunto   para(re)criação   emerge  da  percepção  deque  novos  modos  de   construção  decomunidades foram surgindo em todoo   país   (e  no   mundo)   em   diferentesformas:   jardinagem   comunitária,compostagem,   projetos   debiorreparação; cozinhas comunitáriase   iniciativas   "slow   food";   lojas   debicicleta   coletivas   da   comunidade,programas   de   bicicletas   gratuitas,corridas   informais   de   bicicleta   ebicicletadas   da   massa   crítica;   maisprojetos   vanguardistas   improvisados(brigas   coletivas   de   travesseiro,projeção   de   grafite   em   edifícios,teatro   de   rua   improvisado   eespontâneo,   encontros   massivos   demúsica   no   iPod,   etc.);   projetosescolares   gratuitos;   mercados   de

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pulga   de   base   comunitáriainteiramente gratuitos (o que tem sidochamado   de   "o   mercado   realmentelivre");   ocupação   de   casasabandonadas e movimentos  squatt; eassim por diante. O que ainda tem deser   suficientemente   articulado,   bemorientado e perseguido dentro dessesprojetos  é  a   sua  conectividade  maisampla.

A   conectividade   está   no   queeventos   populares   de   espectadores(meros   espectros  de   "comunidade"),como   "visitas   à   galeria"   ou"caminhadas   artísticas”   mensais,fundamentalmente não têm. Visitas àgaleria são eventos onde galerias dearte   ficam   abertas   até   tarde   numanoite   do   mês   para   as   pessoascaminharem   e   olharem,   talvezouvirem   música,   e   comerem.Enquanto   eventos   como   esse   vêmocorrendo   em   mais   cidades(largamente gentrificadas) em todo opaís,   eles   não   são   necessariamentebaseados   no   trabalho   conjunto   demembros  da  comunidade  e  portantonão   necessariamente   constroemsolidariedade. Esta é em grande partea   diferença   funcional   entreconstrução   de   capital   social   (que   étantas   vezes   elogiada   na   literaturasociológica   e   nas   discussões   sobreconstrução   de   comunidade)   econstrução de solidariedade social. Aprimeira   pode   ser   feita   apenas   deexperiências   compartilhadas   que   de

modo   algum   se   correlacionamautomaticamente   com   asolidariedade,   enquanto   a   segundavem   do   trabalho   compartilhado,   doinvestimento   partilhado,   e   de   umaconsciência   quanto   ao   interessecomum.

Assim,   as   abordagens   que   vãoem direção à (re)criação poderiam sefocar   em   garantir   que  essascomunidades  definam  as   coisas  queas   tornam   comunidades   saudáveis.Um   exemplo   imediato   de   interessepara   se   considerar   seria   adisponibilidade   de   alimentos   dequalidade para todos.  Em termos de(re)criação, soluções que reconhecemo   interesse   comum   podempotencialmente   ser   qualquer   coisadesde   ferramentas   ecompartilhamento  de  pesquisas  parajardins   pessoais   até   jardins   ecompostagem   comunitárias   emcomunidades   de   pequena   escala,alcançando   até   mesmo   projetos   degrande escala fora da rede elétrica ouobtendo   alimentos   cultivadoslocalmente   servidos   exclusivamentenas   escolas   comunitárias.  Isso   podefazer surgir mais afrente um enfoqueamplo   da   agricultura   radicalmentesustentável,   levando a:  garantir  umaproibição   regional   sobre   alimentosgeneticamente modificados, trabalharem   direção   à   promoção   de   umaredução   significativa   deenergia/formação/compartilhamento

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de   recursos,   lutar   por   terrascomunitárias e aquisição de imóveis,movendo­se em direção à   reparaçãode   sua   territorialidade,   etc.   Taispreocupações   e   atividadeslogicamente   alimentam   outrasdimensões de saúde da comunidade,tais como o amplo acesso a um meioambiente   saudável,   o   acesso   aoscuidados   em   saúde   de   qualidade,educação de qualidade, etc., definidascomo   pontos   de   interesses   pelascomunidades. Isto segue a abordagemradical   de   saúde   pública   de   que   asaúde   individual   não   pode   serseparada   da   saúde   da   comunidade,que   por   sua   vez   não   pode   serseparada da saúde ecológica.

Com   o   tempo,   isso   poderiacomeçar   a   se   parecer   com   umacomunidade   que   tomou   de   volta   ocontrole   sobre   sua   territorialidade   erecuperou a autonomia na tomada dedecisões sobre as coisas que a afetam.Construída   através   de   projetos   querevigoram a solidariedade, essa torna­se   uma   comunidade   que   realmenteexperimentou   algumas   verdadeirassensações de comunidade, em vez dese   contentar   com   a   farsa   da"comunidade",   pintada   nassuperfícies   polidas   dos   novosedifícios   dos   urbanistas   que   vêmsendo salpicandos em tantos centrosurbanos e áreas comerciais. Ao falarde   solidariedade,   no   entanto,   asociedade real não pode existir entre

grupos desiguais.  Assim, projetos desolidariedade   são   necessariamentehorizontais   nas   diretivas   deabordagem,   não   mais   com   umahierarquia de cima a baixo, mas simcom   iniciativas   coletivas   voltadaspara   a   comunidade   que   não   sãoditadas por chefes, mas em vez dissoestruturadas   para   capacitar   todomundo a trabalhar junto.

Olhando   para   a   paisagemnacional [dos EUA], essas iniciativasde   solidariedade   da   comunidadeparecem   bem   atrasadas   com   tantascidades   sendo   submetidas   a   estasrecentes   renovações   urbanísticas  –"revitalização,"   "embelezamento","gentrificação   geral"   vestida   deambientalismo corporativo "verde" –,tudo ainda sendo alimentado por umaagricultura   industrial   insustentável  edestrutiva   e   oleodutos   de   recursosglobais   carregados   de   violência.Assim,   com   tantas   cidades   sendoapresentadas à falsa comunidade dos"embelezamentos   urbanos"   eespetáculos   mensais   de   dança   emgalerias,   torna­se  mais  evidente  queesses eventos só podem fazer apenasisso para reunir (algumas classes de)pessoas.  Poderia  muito  bem parecerque   como   os   projetos   desolidariedade   comunitária   começamlocalmente,  preenchem necessidades,e  conseguem alguns   sucessos,   essasiniciativas   ressoariam   por   outrascomunidades   (embora   criadas   sob

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medida para os interesses locais) emsituações semelhantes. Nesse sentido,o foco global na (re)criação começa ater a cara de um potencial real paramodelos de comunidade autênticos eque   se   perpetuam.   Assim,   com   otempo, eles podem surgir como umafederação   (ou   uma   federação   defederações)   de   comunidades   quetrabalham   em   conjunto,   partilhandorecursos,   e   se  engajando  ao  mesmotempo   em   projetos   deempoderamento   político   em   nívellocal e de maneira ampla.

Com   um   simples   olhar   aoque isso pode vir a ser, esse foco seabre   para   uma   ampla   gama   depotencial   revolucionário.  À   medidaque  as comunidades se reúnem paraencontrar uma voz coletiva, poderiampotencialmente   atingir   qualqueraspecto  da   criação  de  um  ambientemais   saudável   e   fortalecedor.  Eisalgumas possibilidades imediatas: umfoco   na   discussão   e   nodesenvolvimento   de   uma   políticacomunitária   eficaz   e   prefigurativa(desenvolvendo   métodos   de   tomadade  decisões   equitativas,   fomentandoao   mesmo   tempo   a   solidariedadeinterna   e   ampla,   etc.);  um   enfoqueeducativo   em   conhecer   aterritorialidade (tanto em nível geralquanto específico para a região);  umfoco   em   iniciativas   de   educaçãoinfantil   de   acordo   com   questões   einteresses   locais   tornando   assim   a

educação   o   mais   relevante   possívelpara   as   estudantes   (por   exemplo,durante   algum   tempo   houve   umdebate em muitos distritos escolaressobre   transportar   crianças   paraescolas   distantes   versus   aderirprincipalmente   a   escolas   de   bairro,em resposta a questões de segregaçãode bairro,  desigualdades econômicase   desigualdades   em   recursosacadêmicos:   fomentarapropriadamente o diálogo para  queestudantes   e   pais   sejam   capazes   delidar   com   questões   reais   –   como   ostatus  quo  –  pode ir  mais  direto aoponto);  um   foco   real   na   juventude(além   de   dimensões   apenasrelacionadas  à   escola);  um  foco  emfinanças   dos   cuidados   em   saúde   –cuidados em saúde universais  pagospor  uma  única  pessoa  ou  mesmo oque   poderia   ser   ao   nível   dacomunidade/federação   e   não   comoum outro serviço do governo; foco naprestação de cuidados em saúde e emlevar   à   comunidade   uma   discussãosobre   a   forma   como   os   hospitaislocais   são   gerenciados,   sobre   asrelações   paciente/médico,   sobre   adispersão de informação, etc …

O   segundo   foco   crítico   daabordagem   que   estou   defendendoaqui diz respeito ao desmantelamentocomo   o   corolário   necessário   para   a(re)criação e a ação prefigurativas. Apartir de uma perspectiva anarquista,que acredita que o atributo essencial

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do   indivíduo   é   a   liberdade   de   aomesmo   tempo   indagar   e   criar,   asforças   opressivas   que   vão   contraesses fins devem ser desmanteladas.Ao   memso   tempo,   novas   formassociais   serão   criadas   para   permitirque   essas   essências   floresçam.  Asestruturas   opressivas   que   serãoatingidas são aquelas que vão contraa   solidariedade,   diversidade,autogestão,   justiça   e   participação.Deve   ser   entendido,   contudo,   queesse não é um movimento dogmático–   não   se   pretende   coagir   qualquerpessoa a  pensar  de um determinadomodo.  Afinal   de   contas,   existempessoas nas quais tais esforços podemressoar   e   outras   em   que   essesesforços   serão   perdidos.   Dito   isso,não­coercitivo   não   é   o   mesmo   quepacifista.   A   liberdade   que   talmovimento busca não visa cercear aliberdade dos outros, mas sim mantercomo princípio  que  ninguém  tem odireito  de   restringir   a   liberdade  dosoprimidos.

A   importância   dodesmantelamento   e   daimplementação   de   novas   formas   emaneiras  de fazer  as  coisas  vem deuma   abordagem   situacionista   quereconhece   que   se   vamos   agir   comuma certa distância do Estado (e deprocessos capitalistas e outras formasde exploração/opressão que estão nacultura dominante), outros assumirãoa   tarefa   de   execução   dessa

maquinaria (seja intencionalmente ougravitacionalmente).  A   isto,  SlavojŽižek   apontou   que   o   Estado   (ouqualquer   outro   poder   que   équestionado)   garante   um   desafiodireto  pois   se  operamos   à   distância(para aqueles que podem se dar a esseluxo,   de   qualquer   maneira)"abandonamos   o   poder   muitofacilmente para o inimigo", levando,assim, à pergunta: Não seria crucial aforma que tem o poder do Estado? Oprocesso   de   desmantelamentoacontece   simultaneamente   aoprocesso prefigurativo. Há   váriasrazões   pelas   quais   odesmantelamento é tão central quantoa (re)criação nesta abordagem.  Umadelas é  que certos aspectos (emborapossam   parecer   muito   distantes   darelevância imediata na vida de muitaspessoas)   não   podem   esperar   pelalenta mudança reformista. Desmontara maquinaria na qual as pessoas nãoapenas   estão   sendo   oprimidas,   masestão ativamente perdendo suas vidasé  uma categoria situacional  que nãopode   esperar   pela   lenta   mudançareformista. 

Movimentos   ecológicosradicais, como a Frente de LibertaçãoAnimal   (ALF),   a   Frente   deLibertação da Terra (ELF),  e outrosecoativistas   radicais   tambémreconhecem   o   imediatismo   econcentram muitos dos seus esforçosem   desmantelar   as   capacidades

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ecologicamente   destrutivas   daindústria   tão   imediatamente   quantopossível. Por mais que este seja umaevidência  do  estado  desesperado domeio   ambiente,   também   é   umaevidência   dos   efeitos   sociais   docapitalismo.   Já   que  o   capitalismo   éimperfeito   e   insustentável,   umambiente palpável de revolução podeaparecer  muito   lentamente   sob   suascondições. Isso ocorre principalmenteporque   as   economias   capitalistaspodem   manter   (por   um   tempo)padrões   de   vida   relativamente   altospara   uma   minoria   da   população,impotência   e   privação   de   direitospara o resto, e alienação para todos.Como resultado,  criar  a revolução apartir   de   argumentos   morais   emeramente  reconhecendo a   injustiçanão é suficiente. As pessoas que emgrande   parte   se   identificam   com   acultura   dominante   são   muitoalienadas   para   ver   (e   muito   menospara   perseguir)   alternativas.   Amaioria   está   lutando   pelas   coisas

mais   essenciais   sob   o   peso   derealidades opressivas, e outros aindaestão muito  distantes  e  confortáveispara   considerar   a   necessidade   demudanças   radicais.  A   desmontagemvisa diretamente a infraestrutura queperpetua   a   alienação,   a  privação  dedireitos,   a   falta   de   poder   e   aexploração,   e   busca   empurrar   osentido da mudança do  dever moralpara a necessidade real.

O   ato   de   desmantelamento(independentemente   da   forma   comomuitas vezes é negativado) é um atode   afirmação.  Herbert   Marcusedestacou   isso   quando   falou   domovimento   socialista   libertário   –dizendo "não" para  a sociedade quetemos ao buscar por "uma sociedadesem   guerra,   sem   violênciaorganizada,   sem   exploração...   umamaneira qualitativamente diferente devida [e] uma   cultura essencialmentenova gerada por homens e mulherescujas   sensibilidades,   instintos   einteligência  não  são  mais  mutilados

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pelas   necessidades   e   exigências   deuma sociedade exploradora". Žižek –ao promover o papel afirmativo de talmovimento – falou de forma análogasobre   a   diferença   filosófica   entreagressividade   passiva   (capturado   nafrase   "Eu   preferiria   não")   epassividade   agressiva   (capturado   nafrase "Eu não ligo em"). A distinção

–  em  como  o  primeiro  não  nega  opredicado,   mas   afirma   um   não­predicado   –   é  que a agressividadepassiva do "eu prefiro não" se afasta"de   uma   política   de‘resistência’ ou ‘protesto’,que   parasita   sobre   o   queela   nega,   em   direção   auma política que abre umnovo   espaço   fora   daoposição hegemônica e desua   negação".   Ter   comofoco   central   adesmontagem   (versus   protesto   ou"resistência") nos  leva em direção à

abertura de novos espaços para alémdo   par   opressão   hegemônica   e   suanegação.

Nesse   sentido,   o   trabalho   doprocesso de desmantelamento deve irmuito além da dissidência sancionada– para além dos limites da concessãode   licenças,   doações   de   caridade,   etodas   as   corriqueiras   pseudo­

atividades  de   resistência.  Isto  não éser dogmática ou menosprezar certastáticas   categoricamente.  Táticasdevem   ser   situacionais,   com   as

melhores   trabalhando   paraatingir as metas de forma tãoeficiente  quanto possível,  aoinvés de meramente perseguira ação pela própria ação. Issoem   grande   parte   tem   a   vercom   a   compreensão   dadistinção   entre   açõessimbólicas   e   não   simbólicas

em   termos   de   como   as   táticas   sãoempregadas. Derrick Jensen destacou

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bruxaria distrowww.bruxariadistro.com

we.riseup.net/subt

essa   distinção:   a   ação   simbólica   éaquela   cuja   principal   intenção   étransmitir  uma mensagem,  enquantouma ação não simbólica é  destinadaprincipalmente   a   criar   algumamudança   tangível   por   si   mesma   (eonde   seu   simbolismo   pode   ser,   nomáximo, secundário).  Essa distinçãoé   importante   porque,   como   umaabordagem   pode   sersignificativamente melhor que outra,dada  a  situação,  ativistas  que   lutampor   mudanças   sociais   muitas   vezesnão conseguem ver isso,  confundemos   dois,   e   "fingem   que   as   vitóriassimbólicas traduzem­se em resultadostangíveis."   A   realidade   muitofrequentemente é que todo esforço éexercido   enviando   mensagenssimbólicas, enquanto quase nenhumamudança   tangível   significativaacontece   –   que   é   o   que   realmenteimporta.

Jensen   não   aponta   isso   paradizer que as ações simbólicas não sãoimportantes:   afinal   de   contas,   elasajudam a mostrar   solidariedade,   sãoindispensáveis para o recrutamento eajudam a moldar o discurso público.E   elas  podem  causar  uma  mudançareal,  mas primeiro pelo menos duascondições precisam ser satisfeitas: (1)o destinatário tem de estar dentro doalcance   da   mensagem,   e   (2)   que   apessoa deve estar disposta e ser capazde   realizar   a   mudança.  Isso   é   raro.Mais   frequentemente   do   que   o

contrário,   as  pessoas   com  poder  detrazer  mudanças não estão ao nossoalcance, e quando estão, elas ocupamposições   institucionais,   o   que   querdizer   que   podem   ser   facilmentesubstituídas  pela  estrutura  e  alguémvai continuar fazendo o seu trabalho.

O resultado de todos os esforçosestarem   sendo   direcionados   paraações   exclusivamente   simbólicas   éque   o   recrutamento   que   elasconseguem   não   será   sustentado   pormuito tempo sem vitórias tangíveis, esentimentos de desespero,  frustraçãoe   'colapso   nervoso'   irão   ocorrerdesenfreadamente. Jensen propõe queo   desespero   possa   ser   umacompreensão   corporificada   nãoreconhecida de que as táticas usadassimplesmente não estão realizando oque   é   desejado   e   que   as   metasperseguidas são insuficientes para ascrises   que   estão   sendo   enfrentadas.Portanto,   outros   caminhos   maisdiretos   podem   não   apenas   ser   boasideias para a causa, mas essenciais.

Uma   abordagem   convincenteestaria, sem dúvida, organizando umaorquestrada   revolta   regional,apontada o mais diretamente possívelao seu alvo, amplamente ligada comoutras comunidades, e concentrando­se, ao mesmo tempo, em comunicarmensagens   persuasivas   –   essasmensagens   sendo   não   apenasreconhecimentos   insurrecionais   dailegitimidade,   mirando   tudo   o   que

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está em oposição a sociedades livrese   não­exploradoras   (os   levantesgregos   que   começaram   no   final   dedezembro de 2008 são uma referênciaútil   aqui),   mas   também   mensagensque   transmitam   ideias   para(re)criação   prefigurativa   (visão   deuma   sociedade   participativa).  Naessência, isto seria pensar de maneiraglobal   e   agir   localmente   e   tãodiretamente quanto possível.  UsandoMilton   Friedman12  um   poucomodificado:   "quando   [a   crise   épercebida], as ações que são tomadasdependem das ideias que estão por aí.Eis,   creio   eu,   ser   a   nossa   funçãobásica:   desenvolver   alternativas   àspolíticas   existentes   para   mantê­lasvivas   e   disponíveis   até   que   opoliticamente   impossível   se   tornepoliticamente inevitável ".

Isto não significa um convite àviolência,   mas   prevejo   táticas   quevão desde campanhas de propagandade   ensino   à   destruição   direta   depropriedades com, quem sabe, táticasadaptadas das operações da ALF e daELF, dos levantes gregos e de outrosmovimentos insurrecionais. Qualquerviolência real que ocorra apenas seria

12 Milton   Friedman   foi   um   economista   eestatístico   estadunidense   que   promoveuuma   política   macroeconômica   chamada“monetarismo”, e exaltava as “virtudes”de   um   sistema   econômico   de   livremercado   com   intervenção   mínima.   Éconsiderado   um   dos   “pais”   dolibertarianismo.

aquela   resultante   do  status   quotentando   desesperadamente   semanter.

Ao tornar tudo isso realizável etão   eficaz   quanto   possível,   odesmantelamento   deve   ser   bempensado   e   suas   mensagens   bemconectadas para que a destruição emsi e de si não seja considerada comosendo  o   fim,  mas   sim  o  meio  pararealizar  as visões de algo melhor,  epara fomentar o entendimento de queambos,   (re)criação   edesmantelamento,   são   cíclicos,reflexivos,   e   sempre   precisam   estarlivremente   sendo   trabalhadas   emqualquer sociedade.  A desmontagempode começar imediatamente e visõese   ideias   para   uma   sociedadeparticipativa precisam estar à  mão eprontas. Muito parecido com as açõesmassivas dos Comitês de boas­vindasa DNC e RNC13 em 2008, da Grécia,dos   protestos   contra   a   OMC,   dasZapatistas – ondas similares de açãocoordenada regional  podem vir  a  seformar. Há uma abundância de alvoslocais   que   merecem   mensagenssemelhantes.

Breves Observações Finais

Tentei   destacar   o   que   acreditoser   um   caminho   lógico   da   saúde   à

13 Convenções   Nacionais   Democrática(DNC) e Republicana (RNC) nos EUA.

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revolução,   ligando   o   que   está   nocerne do que perpassa o discurso dasaúde   pública   com   movimentosglobais   radicalmente   participativosque   já   estão   em   ação.   Como   deveestar   bem   compreendido   nestemomento na história, a saúde pessoalnão   pode   ser   separada   da   saúdecomunitária,   que   por   sua   vez   nãopode ser separada da saúde ecológica:um compromisso sincero com o bem­estar   naturalmente   alimenta   umdiscurso   revolucionário   chamandopara  uma mudança   fundamental   emnossas   estruturas   política   eeconômica,   e   na   cultura   como   umtodo.   A   progressão   a   partir   daquidepende   da   comunicação   e   dacompreensão   de   que   esta   é   umaabordagem   multi­problema,   multi­foco,   multi­tática,   orientada   aocrescimento,   e   revolucionária.Existem   inúmeras   táticas   e   projetosque  trabalham para a  construção deuma   sociedade   participativa   –   tantoatravés   da   (re)criação   quanto   dodesmantelamento,   e   tanto   simbólicaquanto não simbolicamente. A chaveé desenvolver e comunicar a visão econstruir  um mundo de acordo comela.

Federação Anarquista de Luisville

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